158
1

Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

1

Page 2: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

2

Page 3: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

3

Eduardo Digiácomo

São Paulo – 2016

Page 4: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

4

Copyrigth © Eduardo Digiácomo

Projeto gráfico:

Editora Ixtlan

Revisão:

Murilo José Digiácomo

Diagramação:

Márcia Todeschini

Capa:

Gabriel Polizello

DIGIÁCOMO, Eduardo A "Lei de Adoção" e suas implicações: algumas questões a serem respondidas – São Paulo – Ed. Ixtlan – 2016 ISBN: 978-85-8197-464-4 1.Direito 2.Lei Nacional de Adoção

CDD 340

DIREITOS PRESREVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei Federal 9.610/1998) é crime previsto no art. 184 do Código Penal.

Page 5: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

5

Agradecimentos:

“À minha amada mãe que, mesmo sem poder expressar verbalmente todo seu amor por mim, já que em meados de 2015 sofreu um grave e extenso AVC (Acidente Vascular Cerebral), com o olhar ainda consegue me passar segurança e o carinho incondicional para que eu siga em frente. Ao meu pai, que me deu a base para crescer e incentiva constantemente o aprofundamento nos estudos. Ao meus irmãos, em especial ao Murilo José Digiácomo que, com sua sensibilidade, apoio e revisão deste trabalho, cedendo-me todos os seus ensinamentos, tornou possível a sua concretização. Obrigado por fazer parte da minha vida e colorir meu universo existencial. Aos leitores e alunos, pelo estímulo a feitura desta obra. Ao colegas servidores do Ministério Público do Estado de São Paulo, instituição da qual faço parte com muito orgulho e que presta um serviço essencial à sociedade.”

Page 6: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

6

Qualificação do Autor:

O autor é Analista Jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Fundação José Arthur Boiteux. Professor Substituto na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) nos biênios 2007/2009 e 2011/2013, tendo atuado como Advogado no Escritório Modelo de Assistência Jurídica. Contato: [email protected].

Page 7: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

7

Apresentação

O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de Adoção (Lei no 12.010, de 29 de Julho de 2009), a qual trouxe a proposta de dar mais clareza e transparência ao processo de adoção no Brasil. Junto com ela, veio a expectativa de reduzir o fosso que separa famílias que querem um filho e crianças e adolescente que esperam por um lar, além da esperança de que o tempo no – antigo – abrigo à espera dos pais não ultrapassasse dois anos. No entanto, a lei, em vigor há quase 6 (seis) anos, ainda encontra dificuldades em sua aplicação. É certo que a lei ampliou o conceito de família, dando preferência das crianças e adolescentes na família de origem, e em caso de impossibilidade, com parentes próximos. A criação do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) foi um marco importante e a obrigatoriedade de os candidatos se prepararem para o procedimento estatuído na lei, ventilou a possibilidade de mais sucesso nas adoções. No entanto, duas das metas principais ainda não foram cumpridas: tornar a adoção mais rápida e acabar com a informalidade. O presente estudo analisará os principais questionamentos advindos com a nova lei, verificando as vantagens e desvantagens trazidas pelo diploma. Não se pretendeu esgotar o tema, mas tão somente contribuir para o mundo acadêmico, tendo por base as experiências trocadas com demais profissionais do Direito e das ciências correlatas.

Page 8: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

8

Sumário Apresentação ........................................................................................................................... 7

Introdução .............................................................................................................................. 13

A "Lei de Adoção" e suas consequências: algumas questões a serem respondidas ........................................................................................................................... 21

- A implementação de uma política pública especificamente destinada à efetivação do Direito à Convivência Familiar de crianças e adolescentes é obrigatória? ........................................................................................................................... 21

- A entidade de acolhimento, que agora tem também a responsabilidade de tratar a família da criança acolhida, poderá, para tanto, valer-se da rede de serviços ou ela própria deverá estruturar-se para fornecer tal atendimento? ........................................................................................................................ 23

- Todo acolhimento institucional deve ser acompanhado ou precedido da instauração de um procedimento contencioso, nos moldes do art. 101, §2º, do ECA? .................................................................................................................................... 24

- Com base na resposta supra, é então possível afirmar que ainda há espaço para instauração dos "procedimentos verificatórios" ou similares, nos moldes do previsto no art. 153, do ECA? ......................................................... 27

- É possível a realização de um acolhimento institucional independentemente da prévia expedição da "Guia de Acolhimento" a que se refere o art. 101, §3º, do ECA? ................................................................................. 28

- O que fazer quando a mãe social que atende a casa-lar do município apresenta problemas e tem que ser afastada? Segundo consta, a mesma exerce um cargo comissionado, e não possui qualquer qualificação para atender crianças e adolescente (ressalvado o fato de ser mãe de duas crianças)? ............................................................................................................................... 29

- Com o advento da Lei nº 12.010/2009 o Conselho Tutelar ficou impedido de promover o acolhimento institucional (abrigamento) de crianças e adolescentes? ........................................................................................................................ 34

- Esta lei trouxe maior morosidade ao procedimento de adoção? Por que? ..................................................................................................................................................... 35

- Como deve o Ministério Público proceder diante de crianças acolhidas numa instituição que apresentam comportamento agressivo e tem dificuldade de acatar as normas da entidade? ....................................................... 37

Page 9: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

9

- Numa entidade de acolhimento existem 02 (dois) irmãos, sendo um de pouco mais de 02 (dois) anos de idade e outro de 06 (seis) anos, que foram afastados do convívio familiar pelo Conselho Tutelar há mais de 01 (um) ano, estando em curso um "pedido de providências" junto à vara da Infância e da Juventude destinado a apurar a situação. Há pessoas interessadas em adotar o mais novo, mas não querem adotar também o mais velho. É razoável deixar de colocar o mais jovem em adoção, para evitar a separação do mais velho? ............................................................................... 39

- A prática de atos de violência contra crianças e adolescentes necessariamente deve conduzir à destituição do poder familiar dos pais? ..................................................................................................................................................... 40

- Recentemente foi amplamente noticiado pela mídia um caso no qual uma criança de 01 (um) ano foi retirada a força da mãe por uma guarda municipal em uma cidade do interior de São Paulo. A mãe foi acusada de pedir dinheiro nas ruas e usar a criança para sensibilizar as pessoas. Ela negou a denúncia e afirma que lê a sorte dos pedestres na rua. A menina foi encaminhada a um abrigo da cidade. Segundo o juiz que deu a ordem judicial, a criança estava exposta à risco. Semelhante solução está correta? ..................................................................................................................................................... 41

- O Cadastro Nacional de Adoção exclui o Cadastro Municipal ou apenas o complementa? Há alguma preferência entre eles? .............................................. 43

- Como lidar com o Cadastro Regional de Adotantes após a nova lei de adoção e como conciliá-lo com o Cadastro Nacional do CNJ? Como fica a questão da precedência com a convivência dos cadastros e qual o critério para se optar por um ou outro cadastro no momento da consulta? ............ 44

- Como proceder com pedidos de inscrição em cadastro de adoção em

comarca diversa da dos interessados, quando tiverem sido protocolados

anteriormente à Resolução nº 54 e orientações do CNJ e Lei nº 12.010/2009,

as quais impedem tal prática? ........................................................................................ 45

- Isto significa que a habilitação para adoção poderá ser efetuada em Comarca escolhida pelo pretendente, com expedição de precatória se formulado fora do seu domicílio? ................................................................................ 45

- Com a nova "Lei de Adoção", como fica a aplicação da medida de acolhimento institucional (abrigamento) por parte do Conselho Tutelar, uma vez que é atribuição deste aplicar as medidas no art. 101, I a VII, da Lei nº 8.069/90? Agora é aplicada exclusivamente pela autoridade judiciária? ............................................................................................................................... 46

- O Conselho Tutelar pode, nos casos do art. 130 da Lei nº 8.069/90, proceder ao acolhimento institucional provisório de jovem ou infante

Page 10: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

10

independentemente de decisão judicial, comunicando imediatamente ao MP para os fins do art. 101, §§2º e 3º, do mesmo Diploma Legal? Caso negativo, qual a interpretação que deve ser dada à primeira parte do novel §2º do art. 101 da Lei nº 8.069/90? ........................................................................... 48

- O que fazer com os relatórios, encaminhados pelo Conselho Tutelar, em se adotando o posicionamento segundo o qual não devem ser instaurados os "procedimentos judiciais para aplicação de medida de proteção"? Basta arquivar na Promotoria, e exigir providências do CT quando à situação de risco? ........................................................................................................................................ 49

- E se ainda assim for necessário "judicializar" o atendimento, diante da necessidade de afastamento da criança/adolescente de sua família? ........ 52

- O que há para dizer sobre o tema: convênio/consórcio entre municípios para criação, manutenção e uso de abrigos (programas de acolhimento institucional) para crianças e adolescentes? .......................................................... 53

- Então, na verdade, como funciona a judicialização do acolhimento

institucional? ......................................................................................................................... 54

- Há viabilidade de Lei Municipal criar a "família acolhedora" como forma de suprir a ausência de programa de acolhimento institucional no município, com previsão de repasse de verba municipal para as famílias interessadas em acolher crianças e adolescentes em situação de risco?... 65

- Como compatibilizar o disposto no art. 100, par. único, inciso III (princípio da responsabilidade primária e solidária do Poder Público) com o art. 88, inciso I (municipalização como "diretriz primeira" da política de atendimento à criança e ao adolescente), ambos da Lei nº 8.069/90, e como lidar com a falta de recursos para implementação dos programas e serviços que deverão compor a política destinada à garantia do direito à convivência familiar? ........................................................................................................ 66

- O CMDCA é também responsável pela fiscalização das entidades de acolhimento ou isto é tarefa apenas do Conselho Tutelar, Judiciário e Ministério Publico, referidos pelo art. 95, do ECA? ............................................. 68

- Qual é o "procedimento" previsto pela Lei nº 12.010/09, no que para autorizar o acolhimento institucional? Como tem sido instaurado o "procedimento contencioso" a que alude o §2º, do art. 101 do ECA? É admissível ajuizar a demanda, e pleitear a citação dos genitores, antes mesmo de relatório da entidade de acolhimento e com a mera comunicação realizada nos moldes do art. 93 do ECA? ..................................... 70

- As disposições incorporadas ao ECA pela Lei nº 12.010/2009 são plenamente aplicáveis aos processos já em curso? Pode-se entender que as alterações atingiriam todos os processos em curso, na fase em que se

Page 11: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

11

encontram, ou as novas regras só valem para os processos ajuizados ou situações de fato que tiveram início após a vigência da nova lei? ................ 72

- Em casos nos quais adolescentes que foram destituídos do poder familiar estão há muito tempo acolhidos em instituições, sem perspectiva de serem colocados em adoção, é admissível a "restituição do poder familiar" e sua posterior entrega à família de origem? ......................................................... 72

- Como atuar de forma mais eficiente na proteção de crianças e adolescentes em situação de risco, inclusive em razão do uso de drogas, tendo em vista a ausência de uma equipe multiprofissional adequada nas comarcas do interior? ....................................................................................................... 74

- Como compatibilizar o art. 199-A, da Lei nº 8.069/90, que fala em "a sentença que deferir a adoção produz efeitos desde logo, embora sujeita a apelação, que será recebida exclusivamente no efeito devolutivo", com o que diz o art. 47, do mesmo Diploma Legal, no afirmar que a adoção produz "efeito a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva", salvo na adoção póstuma? .............................................................................................. 75

- A inobservância do prazo fixado no parágrafo 1º, do art. 101 da Lei nº 8.069/90, implica em algum tipo de responsabilização? .................................. 76

- Como deve ser composta a equipe responsável pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar? Qual a conduta que deve ser adotada se o município for omisso em relação à mesma e quem pode tomar alguma medida no caso dessa omissão? ............................ 77

- Considerando que a C.F. não apresenta condicionamentos para a adoção, até mesmo temporal, a norma do inciso III, do parágrafo 13, do art. 50, da Lei nº 8.069/90 deve ser algo de inconstitucionalidade, por meio do controle difuso? ................................................................................................................... 78

- Ante as decisões do STF e do STJ, afastando os efeitos previdenciários da guarda, como fica o guardando, que poderia ser adotado não fosse a exigência temporal do inciso III, do parágrafo 13, do art. 50 da Lei nº 8.069/90? ............................................................................................................................... 79

- Em face do determinado no inciso III, do parágrafo 13, do art. 50, da Lei nº 8.069/90, é possível afirmar-se que a adoção entre pessoas ainda é possível, já que não se poderá indeferi-la se os pretendentes à adoção cadastrarem-se após o recebimento da criança direto dos seus genitores? ..................................................................................................................................................... 80

- Com a regra do inciso III, do parágrafo 13, do art. 50, da Lei nº 8.069/90, é possível afirmar-se que o legislador deu maior importância à guarda do que à adoção? ....................................................................................................................... 81

Page 12: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

12

- Com as novas alterações no direito brasileiro, inclusive em torno dos alimentos gravídicos, reconhecendo-se ao nascituro determinados direitos, é possível a adoção do nascituro? ............................................................. 82

- A prévia destituição do poder familiar, exigida pelo art. 169 da Lei nº 8.069/90, não deve ser desconsiderada ante o princípio da relativização das formas acolhido pela jurisprudência, se na própria ação de adoção, que extingue o poder familiar, se possibilitar o contraditório aos pais do adotando? ............................................................................................................................... 82

- Quantas recusas são necessárias para a caracterização do pressuposto da reavaliação da habilitação, nos termos do parágrafo 2º, do art. 197-E, da Lei nº 8.069/90? .................................................................................................................. 83

- Um rapaz que foi adotado por uma senhora em 1989, através de escritura pública, com a devida anuência dos pais biológicos, entrou com uma ação anulatória de registro público, pois deseja que conste no aludido documento o nome de sua mãe biológica e não a da adotiva. A mãe adotiva já faleceu. O requerente aduz que só entrou com a ação agora em face de ter atingido a maioridade e não concordar com a adoção feita quando o mesmo ainda era criança. Em caso de possibilidade, quem figuraria no polo passivo da demanda, visto que a mãe adotiva faleceu e não há informações quanto a possíveis herdeiros desta? ............................................... 84

- Determinada pessoa, há mais de dez anos, iniciou um relacionamento amoroso com "X". Esta já tinha uma filha de 08 meses, porém sem o nome do genitor no registro. O autor, então, assumiu a paternidade e registrou como sua a criança. Agora, como relacionamento amoroso acabou, o autor resolve que não quer mais ser pai da menina e ajuíza uma ação de nulidade de registro, apontando o verdadeiro genitor, que foi confirmado pela prova técnica. É razoável anular esse registro, considerando que a decisão do pai foi consciente em reconhecer a menina como sua filha, mesmo sabendo que não era? ....................................................................................... 88

Jurisprudência Temática Selecionada – Adoção ................................................... 95

Apêndice da Lei: ................................................................................................................ 113

Modelo de ação de busca e apreensão de criança que se encontra irregularmente sob a guarda de fato de casal não cadastrado para adoção ................................................................................................................................................... 141

Referências: ......................................................................................................................... 158

Page 13: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

13

Introdução

Após 19 (dezenove) anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente sofreu a sua primeira grande reforma, por intermédio da Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009, a chamada "Lei Nacional de Adoção", que promoveu alterações em nada menos que 54 (cinquenta e quatro) artigos da Lei nº 8.069/90 e estabeleceu inúmeras outras inovações legislativas1, inclusive em outros Diplomas Legais 2 , algumas de cunho meramente terminológico, outras muito mais profundas e significativas. Em que pese sua denominação, a nova lei dispõe não apenas sobre a adoção, mas sim, como evidenciado já em seu art. 1º, procura aperfeiçoar a sistemática prevista na Lei nº 8.069/90 para garantia do direito à convivência familiar, em suas mais variadas formas, a todas as crianças e adolescentes, sem perder de vista as normas e princípios por esta consagrados. Com efeito, a opção do legislador não foi revogar ou substituir as disposições da Lei nº 8.069/903, mas sim a elas incorporar mecanismos capazes de assegurar sua efetiva implementação, estabelecendo regras destinadas, antes e acima de tudo, a fortalecer e preservar a integridade da família de origem, além de evitar ou abreviar ao máximo o abrigamento (que passa a chamar de acolhimento institucional4) de crianças e adolescentes. As novas regras foram naturalmente incorporadas ao texto da Lei nº 8.069/90 sem alterar sua essência, realçando e deixando mais claros, acima de tudo, os princípios que norteiam a matéria (que são melhor explicitados no parágrafo único incorporado ao art. 100 estatutário) e os deveres dos órgãos e

1 Somente na Lei nº 8.069/90, foram ao todo quase 250 reformulações e acréscimos de artigos, parágrafos e incisos, em diversos de seus Capítulos. 2 Notadamente no Código Civil, tendo sido revogadas praticamente todas as disposições relativas à adoção nele contidas, ale de reformuladas as remanescentes (cf. arts. 4º e 8º, da Lei nº 12.010/2009), e na Lei nº 8.560/92, que dispõe sobre a averiguação oficiosa de paternidade (cf. art. 5º, da Lei nº 12.010/2009). 3 Tanto que as novas disposições foram propositalmente incorporadas ao texto da Lei nº 8.069/90, na perspectiva de integrar o "Sistema Legal" por este Diploma consagrado. 4 Cf. art. 90, inciso IV, da Lei nº 8.069/90.

Page 14: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

14

autoridades públicas encarregadas de assegurar o efetivo exercício do direito à convivência familiar para todas as crianças e adolescentes, inclusive no âmbito do Poder Judiciário, que, dentre outros, passa a ter a obrigação manter um rigoroso controle sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes5 e de reavaliar periodicamente (no máximo, a cada seis meses6 ) a situação de cada criança ou adolescente que se encontre afastado do convívio familiar, na perspectiva de promover sua reintegração à família de origem ou, caso tal solução se mostre comprovadamente impossível 7 , sua colocação em família substituta, em qualquer de suas modalidades (guarda, tutela ou adoção 8 ) ou seu encaminhamento a programas de acolhimento familiar 9 , no prazo máximo de 02 (dois) anos10. Também se impõe ao Poder Judiciário a obrigação da criação e manutenção de cadastros estaduais e nacional de adoção11, além daqueles existentes em cada comarca12, bem como de desenvolver, em conjunto com outros órgãos, cursos ou programas de orientação (que a lei chama de preparação

5 Todo acolhimento institucional deve ser comunicado à autoridade judiciária no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, não apenas na perspectiva da aferição da adequação da medida, mas também como forma de obrigar, caso necessário formalizar o afastamento da criança ou adolescente de sua família, a deflagração de procedimento contencioso (cf. arts. 93, caput e par. único c/c 101, §2º, da Lei nº 8.069/90), sendo também obrigatória a criação de um cadastro de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional (cf. art. 101, § 11, da Lei nº 8.069/90), inclusive sob pena da prática da infração administrativa prevista no art. 258-A do mesmo Diploma Legal. 6 Cf. art. 19, §1º, da Lei nº 8.069/90. Sendo certo que, neste período, será obrigatória a inserção da família em programas de orientação, apoio e promoção social, nos moldes do previsto nos arts. 19, §2º, 23, par. único e 100, par. único, incisos IX e X, da Lei nº 8.069/90. 7 A nova lei procura enfatizar a preferência na manutenção ou reintegração da criança ou adolescente em sua família de origem (ou extensa) - cf. arts. 19, caput e §3º e 100, caput e par. único, inciso X, do ECA. 8 Cf. art. 28, da Lei nº 8.069/90. 9 Cf. art. 34, §§1º e 2º e 101, inciso VIII, da Lei nº 8.069/90. 10 Cf. art. 19, §2º, da Lei nº 8.069/90. 11 Diga-se: cadastros de pessoas interessadas em adotar (com um cadastro específico para estrangeiros) e de crianças e adolescentes em condições de serem adotados (cf. art. 50, §§5º e 6º, da Lei nº 8.069/90). 12 Acabando assim de uma vez por todas com a polêmica criada quando da implementação do Cadastro Nacional de Adoção pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que levou alguns a supor (de forma absolutamente equivocada - até porque uma simples resolução do CNJ jamais poderia revogar disposição expressa de lei), que a criação do CNA tornaria "dispensável" a manutenção de cadastros nas comarcas, tal qual previsto pelo art. 50, caput, da Lei nº 8.069/90, que neste aspecto foi mantido pela Lei nº 12.010/2009.

Page 15: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

15

psicossocial) para pessoas ou casais interessados em adotar, de modo a estimular a adoção de crianças maiores de três anos e adolescentes, grupos de irmãos ou pessoas com deficiência13, que representam, hoje, o maior contingente de abrigados em todo o Brasil, além de evitar a ocorrência, não rara, infelizmente, de violação de direitos e abandono de crianças e adolescentes por seus pais adotivos14. As novas regras relativas à adoção, na verdade, surgem num contexto mais amplo, que procura enfatizar a excepcionalidade da medida em detrimento da permanência da criança ou adolescente em sua família de origem ou de outras formas de acolhimento familiar que não importem no rompimento dos vínculos com sua família natural15. Dentre as inovações, encontra-se a previsão da tomada de cautelas adicionais e da necessidade da intervenção de antropólogos e representantes da FUNAI, em se tratando de colocação familiar de crianças e adolescentes indígenas16 , a criação de um procedimento específico para habilitação à adoção 17 e a adequada regulamentação da adoção internacional, nos moldes do previsto pela "Convenção de Haia", norma internacional que dispõe sobre a matéria18. A lei também procura acabar com práticas arbitrárias ainda hoje verificadas, como o afastamento da criança ou adolescente de sua família de origem por simples decisão (administrativa) do Conselho Tutelar ou em sede de procedimento judicial inominado, instaurado nos moldes do art. 153, da Lei nº 8.069/9019, passando a exigir a deflagração, em

13 Cf. arts. 50, §§3º e 4º, 87, inciso VII e 197-C, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.069/90. 14 Razão pela qual o art. 28, §5º, da Lei nº 8.069/90 passa a prever também a obrigatoriedade do acompanhamento posterior da colocação familiar. 15 Valendo mencionar a previsão, contida no art. 33, §4º, da Lei nº 8.069/90, de que salvo expressa e fundamentada determinação em contrário da autoridade judiciária, mesmo quando da colocação de crianças e adolescentes sob guarda (inclusive quando em regime de acolhimento familiar), deverá ser assegurado (e estimulado) o direito de visitas aos pais (restando também expresso, em contrapartida, o dever destes prestar alimentos àqueles). 16 Art. 28, §6º, da Lei nº 8.069/90. Cautelas similares devem sem adotadas em se tratando de crianças e adolescentes oriundas de comunidades remanescentes de quilombos. 17 Cf. arts. 197-A a 197-E, do ECA. 18 Arts. 50, §10 e 51 a 52-D, da Lei nº 8.069/90. 19 Os famigerados "procedimentos de verificação de situação de risco", "pedidos de providência" ou similares, que não mais podem ser utilizados quando em jogo se

Page 16: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

16

tais casos, de processo judicial contencioso, no qual seja assegurado aos pais ou responsável o indispensável exercício do contraditório e da ampla defesa20. Houve também preocupação em coibir a "intermediação" de adoções irregulares por profissionais de saúde, que passam a ter a obrigação de efetuar a comunicação à autoridade judiciária de casos de que tenham conhecimento relativos a mães ou gestantes interessadas em entregar seus filhos para adoção, sob pena da prática de infração administrativa21. Estabeleceu-se a obrigatoriedade, enfim, da definição de políticas públicas intersetoriais 22 , capazes de prevenir ou abreviar ao máximo o acolhimento institucional de crianças e adolescentes 23 e promover o exercício da paternidade/maternidade responsáveis, de modo que a família (seja natural, extensa24 ou substituta) possa, com o apoio do Poder Público, exercer seu papel - verdadeiramente insubstituível - na plena efetivação dos direitos infanto-juvenis25. A implementação de tais políticas, notadamente em nível municipal e estadual (inclusive no que diz respeito à atuação do Poder Judiciário 26 ) 27 , tem por objetivo, de um lado, evitar

encontram direitos indisponíveis e/ou quando, ainda que por presunção, há conflito de interesses. O afastamento da criança ou do adolescente de sua família é medida extrema e excepcional, que somente terá lugar quando plenamente justificada pelas circunstâncias, sendo obrigatória a indicação, na ação judicial a ser proposta (e na decisão que a determina) dos fundamentos jurídicos respectivos, dando aos pais ou responsável condições para o exercício do contraditório e da ampla defesa. 20 Arts. 101, §2º, 136, inciso XI e par. único e 153, par. único, da Lei nº 8.069/90. 21 Arts. 13, par. único e 258-B, da Lei nº 8.069/90. Sem prejuízo, logicamente, da prática de crimes, como o previsto no art. 238, da Lei nº 8.069/90. 22 Arts. 86, 87, incisos VI e VII e 88, inciso VI, da Lei nº 8.069/90. 23 Cf. art. 19, §§2º e 3º, da Lei nº 8.069/90, chegando a estabelecer um "limite máximo" para duração do acolhimento institucional, que não pode exceder aos 02 (dois) anos, ressalvadas situações excepcionalíssimas. 24 A qual o art. 25, par. único, da Lei nº 8.069/90 faz expressa referência. 25 Cf. arts. 8º, §§4º e 5º, 19, caput e §3º, 87, inciso VI, 88, inciso VI e 100, incisos III, IX e X, da Lei nº 8.069/90, a começar pela previsão da obrigatoriedade da oferta de assistência psicológica e a gestantes e mães, inclusive aquelas que manifestam interesse em entregar seus filhos para adoção. 26 Seja no que diz respeito à contratação de equipes interprofissionais (que já era prevista pelos arts. 150 e 151, da Lei nº 8.069/90), cuja intervenção é expressamente prevista em nada menos que 24 (vinte e quatro) dispositivos da nova lei (sem mencionar as referências indiretas), por ser verdadeiramente imprescindível à tomada de decisões corretas e responsáveis pelo Poder Judiciário, seja no sentido da qualificação profissional de tais servidores e também de Juízes, para o atendimento de tais demandas (cf. art. 92, §3º, da Lei nº 8.069/90).

Page 17: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

17

abrigamentos injustificados (e injustificáveis, como são os casos daqueles efetuados pelas próprias famílias e/ou motivados pela falta de condições materiais28) e, de outro, assegurar que as crianças e adolescentes que se encontrem em regime de acolhimento institucional tenham sua situação permanentemente monitorada pela autoridade judiciária e pelos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, na perspectiva de promover, da forma mais célere possível, a reintegração familiar (medida preferencial, que deve ser precedida e/ou acompanhada do encaminhamento de toda a família aos referidos programas e serviços de orientação/apoio/promoção social 29 ) ou, quando isto não for possível, por qualquer razão plenamente justificada, sua colocação em família substituta, nas diversas modalidades previstas (dentre as quais se incluem os programas de acolhimento familiar, também referidos pela nova lei). Visa também evitar que as entidades que executam programas de acolhimento institucional, assim como as crianças e adolescentes que lá se encontrem (e mesmo o Poder Judiciário), fiquem "isolados" e/ou deixem de se integrar à política de atendimento definida pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente30, assim como a outros programas e serviços (públicos, fundamentalmente) destinados a garantir o efetivo exercício do direito a convivência familiar por todas as crianças e adolescentes inseridas no programa respectivo. A referida política, a ser financiada com recursos provenientes fundamentalmente do orçamento dos mais diversos órgãos públicos31, deve ser composta, antes de mais nada, de programas e serviços de orientação, apoio e promoção social das famílias (estrutura de atendimento que a imensa maioria dos municípios, de forma absolutamente inescusável, 27 Que deve ocorrer no período da vacatio legis, de 90 (noventa) dias - cf. art. 7º, da Lei nº 12.010/2009. 28 Cf. art. 23, caput e par. único, da Lei nº 8.069/90. 29 Cf. arts. 23 e par. único c/c 101, caput, inciso IV e 129, incisos I a IV, da Lei nº 8.069/90. 30 Inclusive sob pena de descredenciamento, ex vi do disposto nos arts. 90, §3º e 91, §1º, alínea "e" e 2º, da Lei nº 8.069/90. 31 E não apenas com recursos provenientes dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, como os arts. 90, §2º, 100, inciso III e 260, §1º-A, da Lei nº 8.069/90 (aos quais se somam o disposto no art. 4º, caput e par. único, alíneas "c" e "d", do mesmo Diploma Legal e art. 227, caput, da Constituição Federal) mais do que evidenciam.

Page 18: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

18

ainda não dispõe e que de modo algum pode deixar de ser criada), inclusive como forma de dar efetivo cumprimento ao disposto nos arts. 226 e 227, da Constituição Federal, seja no que diz respeito à necessidade de proporcionar a prometida "proteção à família", seja para fazer com que esta assuma suas responsabilidades32 e não as "delegue" pura e simplesmente ao Estado (lato sensu - o que inclui as entidades privadas que exercem atividades própria do Estado - como é o caso das entidades que executam programas de acolhimento institucional) ou a terceiros33. Neste contexto, a título de exemplo, o encaminhamento de crianças e adolescentes a programas de acolhimento institucional "a pedido" da família e/ou em razão da falta de condições materiais não mais devem ocorrer ou ser "tolerados" pelas autoridades competentes, tendo o art. 93, par. único, primeira parte, da Lei nº 8.069/90, sido instituído justamente para assegurar que, em tais casos, sejam tomadas providências destinadas a promover a imediata reintegração familiar e a inserção da família em programas e serviços de apoio e promoção social (conforme há tanto já previa o art. 23, par. único, da Lei nº 8.069/90). Outras situações corriqueiras, que acabam levando ao afastamento de crianças e adolescentes de suas famílias de origem, devem ser previstas e devidamente contempladas pela política de atendimento que o Poder Público, por intermédio dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente34, tem o dever de elaborar e implementar, com a mais absoluta prioridade, inclusive sob pena de responsabilidade (cf. art. 4º, caput e par. único, alíneas "b", "c" e "d" c/c arts. 87, inciso VI e 208, inciso IX, todos da Lei nº 8.069/90).

32 Afinal, o art. 4º, caput, da Lei nº 8.069/90 e o art. 227, caput, da Constituição Federal dispõem de maneira expressa que é DEVER, antes de mais nada, da família, proporcionar a plena efetivação dos direitos infanto-juvenis, cabendo ao Poder Público fornecer àquela os meios necessários ao exercício de suas responsabilidades e obrigações. 33 Especialmente quando isto ocorre de maneira informal, ao arrepio do conhecimento e da intervenção das autoridades competentes, com enorme potencial de danos, em especial a médio e longo prazos, aos interesses infanto-juvenis que, em nestas e em outras situações, devem prevalecer em relação aos interesses dos adultos (cf. art. 100, par. único, incisos II e IV, da Lei nº 8.069/90. 34 Cf. arts. 87, inciso VI, 88, incisos II, III e VI, 92, §2º e 100, par. único, inciso III, da Lei nº 8.069/90.

Page 19: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

19

Na verdade, quis o legislador, que sempre que surgir uma determinada demanda para abrigamento/acolhimento institucional, já exista uma "estratégia oficial" definida35 para o enfrentamento (e solução) do problema, "estratégia" esta que deve se traduzir em um "protocolo" de atendimento interprofissional36, bem como em programas, serviços e ações intersetoriais37, que serão definidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente38 e executadas por diversos órgãos públicos e entidades particulares (cf. art. 86, da Lei nº 8.069/90), integrantes da "rede de proteção" à criança e ao adolescente que todos os municípios devem instituir e manter. Assim sendo, independentemente da existência ou não de "programas" oficiais de acolhimento institucional, é fundamental que cada município39 elabore e implemente uma política pública especificamente destinada ao atendimento de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar, que deve ser composta de programas de acolhimento familiar, incluir o estímulo ao acolhimento sob forma de guarda 40 e toda uma gama de programas e serviços destinados à orientação, apoio e promoção social de pais e responsáveis por crianças e adolescentes, a serem utilizados tanto para evitar o afastamento de crianças e adolescentes de sua família de origem (numa perspectiva eminentemente preventiva, como é da essência da Lei nº 8.069/9041, quanto para permitir a reintegração familiar42 da forma mais rápida possível, tal qual previsto nos art. 19, §3º e

35 Ainda que em linhas gerais, pois cada caso, logicamente, deverá ter suas peculiaridades consideradas e respeitadas (cf. art. 100, caput e par. único, da Lei nº 8.069/90). 36 Com a prévia indicação de quais órgãos (e/ou dos responsáveis dentro de cada órgão) e profissionais que serão acionados para cada caso que surgir (sem prejuízo do preparo e da qualificação de cada um). 37 Que se constituem, em última análise, na "materialização" da referida política, nos moldes do previsto nos arts. 86, 87, 88 e 90, da Lei nº 8.069/90. 38 Cujo poder deliberativo já previsto pelo art. 88, inciso II, da Lei nº 8.069/90 (com respaldo nos arts. 227, §7º c/c 204, da Constituição Federal) foi realçado pelo reconhecimento expresso do caráter vinculante de suas resoluções, ex vi do disposto nos arts. 90, §3º, inciso I e 91, §1º, do mesmo Diploma Legal. 39 Em função do disposto nos arts. 88, inciso I e 100, par. único, inciso III, da Lei nº 8.069/90. 40 Cf. arts. 34 e 260, §2º, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, §3º, inciso VI, da Constituição Federal. 41 Conforme previsto no art. 70, da Lei nº 8.069/90 e em todos os demais dispositivos estatutários relativos à política de atendimento. 42 Ou o encaminhamento a família substituta, quando não for possível tal solução.

Page 20: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

20

100, par. único, incisos IX e X, da Lei nº 8.069/90, procurando assim criar alternativas viáveis ao encaminhamento a programas de acolhimento institucional. Mais do que uma "Lei Nacional de Adoção", portanto, a Lei nº 12.010/2009, se constitui numa verdadeira "Lei da Convivência Familiar", que traz novo alento à sistemática instituída pela Lei nº 8.069/90 para garantia do efetivo exercício deste direito fundamental por todas as crianças e adolescentes brasileiros. É bem verdade que, apesar de todas suas inovações e avanços, a simples promulgação da Lei nº 12.010/2009, por si, nada muda, mas ela sem dúvida se constitui num poderoso instrumento que pode ser utilizado para mudança de concepção e também de prática por parte das entidades de acolhimento institucional e órgãos públicos responsáveis pela defesa dos direitos infanto-juvenis, promovendo assim a transformação - para melhor - da vida e do destino de tantas crianças e adolescentes que hoje se encontram privados do direito à convivência familiar em todo o Brasil. A adequada implementação das disposições da Lei nº 12.010/2009 sem dúvida se constitui num grande desafio, que incumbe a todos nós enfrentar.

Page 21: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

21

A "Lei de Adoção" e suas consequências: algumas

questões a serem respondidas43 - A implementação de uma política pública especificamente destinada à efetivação do Direito à Convivência Familiar de crianças e adolescentes é obrigatória? R: A resposta é afirmativa. De rigor, para cada direito fundamental relacionado no art. 4º, do ECA (bem como no art. 227, da CF), dentre os quais se inclui o direito à convivência familiar, corresponde o dever do Poder Público assegurar sua plena efetivação, através de uma política pública intersetorial específica. Alguns dos componentes destas políticas encontram-se relacionados no próprio ECA (traduzidos em ações, serviços e programas de atendimento, que por sua vez correspondem às medidas de proteção, socioeducativas e destinadas aos pais ou responsável, nos moldes dos arts. 101, 112 e 129, do ECA) e em outras normas. Assim sendo, cabe ao Poder Público proporcionar - e assim deve fazê-lo espontaneamente - a plena efetivação de tais direitos (como aliás consta de maneira expressa da redação do art. 4º, caput, do ECA), por intermédio de políticas públicas materializadas nas mais diversas ações, programas e serviços a serem implementados com a mais absoluta prioridade, numa perspectiva eminentemente preventiva e coletiva (inclusive sob pena de responsabilidade pessoal (administrativa, civil - inclusive por dano moral individual e/ou coletivo e mesmo criminal) do agente omisso, nos moldes do previsto nos arts. 5º, 208 e 216, do ECA, sem prejuízo do ajuizamento de demanda específica quanto à obrigação de fazer/não fazer. A chamada "rede de proteção à criança e ao adolescente" que todo município tem o DEVER de instituir nada mais é do que a articulação de tais ações, programas e serviços, bem como dos órgãos públicos encarregados de sua execução (assim como daqueles responsáveis pela aplicação das medidas

43 As questões formuladas são fruto de profundo debate acadêmico e profissional.

Page 22: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

22

respectivas), nos moldes do previsto no art. 86, do ECA. Cada órgão ou serviço público deve ter um setor responsável pelo atendimento (diferenciado e especializado) de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, e deve estabelecer um "canal de comunicação" com os demais integrantes da "rede", identificando e estabelecendo "referenciais" (pessoas ou setores) e elaborando "protocolos de atendimento" intersetorial, de modo que, sempre que surgir determinada demanda, já se saiba (ao menos em linhas gerais) o que fazer, sem jamais perder de vista a necessidade da realização de avaliações técnicas (também interprofissionais) capazes de descobrir as causas do problema, que deverão ser "neutralizadas" pela intervenção estatal protetiva (que deverá se estender à família do atendido). A nova "Lei de Adoção"/Lei da Convivência Familiar (Lei nº 12.010/2009), além de dispor, de maneira expressa, que o não oferecimento ou a oferta irregular "de ações, serviços e programas de orientação, apoio e promoção social de famílias e destinados ao pleno exercício do direito à convivência familiar por crianças e adolescentes", dá ensejo à RESPONSABILIDADE civil e administrativa do GESTOR da política pública correspondente (cf. arts. 208, inciso IX c/c 216, do ECA), incorporou ao ECA alguns princípios relativos à intervenção estatal que reforçam tal idéia, valendo observar o contido no art. 100, par. único, do ECA, assim como dispositivos como o art. 90, §2º e 260, §5º, também do ECA, que reafirmam a necessidade (já contemplada pelo art. 4º, par. único, alínea "d", do mesmo Diploma Legal) de investimento de recursos públicos ORÇAMENTÁRIOS - em caráter prioritário, como anteriormente mencionado, para fazer valer tais disposições. A ideia, portanto, é "chamar à responsabilidade" (literalmente) o Prefeito e os representantes dos diversos órgãos públicos, de modo que cada qual dê sua parcela de contribuição para efetiva solução dos problemas enfrentados pela população infanto-juvenil local, e não se limitem a "fazer de conta" que "o problema não é deles", e sim "apenas" do Ministério Público e Poder Judiciário, que não mais podem ficar "isolados" e/ou serem os únicos responsáveis pelo "atendimento" (meramente "formal", posto que sem uma estrutura adequada muito pouco ou nada poderão fazer) das crianças e adolescentes que já se encontram com seus direitos violados (se limitando a tentar "apagar

Page 23: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

23

incêndios" com conta-gotas), tal qual ocorria sob a égide do revogado "Código de Menores". Sobre a possibilidade de responsabilização civil, por dano moral, colacionamos o seguinte aresto: CONTRATAÇÃO DE APRENDIZ. OBRIGAÇÃO LEGAL.

DESCUMPRIMENTO. DANOS MORAIS COLETIVOS. O descumprimento da obrigação de contratar aprendizes implica lesão a um número indeterminado de menores, não identificáveis, que poderiam ser contratados como aprendizes nos estabelecimentos do réu, além de provocar prejuízo à sociedade como um todo, que tem total interesse na profissionalização dos jovens brasileiros. Logo, responde por danos morais coletivos o empregador que não observa a responsabilidade atribuída pelo art. 429 da CLT c/c o art. 227 da CR.(TRT-3ª Reg. 5ª T. Ac. nº 00518-2008-022-03-00-0 RO. Rel. Des. José Murilo de Morais. J. em 27/01/2009).

- A entidade de acolhimento, que agora tem também a responsabilidade de tratar a família da criança acolhida, poderá, para tanto, valer-se da rede de serviços ou ela própria deverá estruturar-se para fornecer tal atendimento? R: Com certeza. O trabalho em "rede" é da essência da sistemática instituída pela Lei nº 8.069/90 para plena efetivação de todos os direitos fundamentais assegurados a crianças e adolescentes pela Constituição Federal (dentre os quais, como visto acima, se inclui o direito à convivência familiar), sendo a articulação entre o Poder Público e as entidades de atendimento, governamentais e não governamentais, expressamente prevista pelo art. 86, do ECA. A Lei nº 12.010/2009 não apenas incorporou este verdadeiro princípio, como também o reforçou, incorporando ao art. 88, do ECA, um inciso VI que prevê, de maneira expressa, a integração operacional entre os diversos órgãos encarregados do atendimento de crianças e adolescentes afastados do convívio

Page 24: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

24

familiar. A integração entre o Poder Público e as entidades que executam os programas de atendimento é ainda expressamente contemplada pelos arts. 92, §4º e 101, §7º, do ECA (valendo observar que este fala em "programas oficiais" de orientação, apoio e promoção social de famílias), e o contido nos arts. 90, inciso III e 92, §5º, também do ECA, ainda deixam clara a necessidade de financiamento (ou co-financiamento) público dos programas desenvolvidos por entidades não governamentais, na falta de programas oficiais capazes de atender a demanda existente. Evidente que a possibilidade de articulação de ações entre as entidades de acolhimento e os órgãos e serviços públicos não significa que aquelas não devam dispor de uma estrutura adequada ao atendimento das famílias dos acolhidos, especialmente no que diz respeito ao pessoal (incluindo uma equipe técnica habilitada), mas apenas que o referido trabalho não deve ser realizado apenas pelas entidades, que não mais podem atuar de forma "isolada" dos demais órgãos, autoridades, programas e serviços que integram o "Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente". - Todo acolhimento institucional deve ser acompanhado ou precedido da instauração de um procedimento contencioso, nos moldes do art. 101, §2º, do ECA? R: Não. Nem todo acolhimento institucional deve ser acompanhado ou precedido de um procedimento contencioso, pois isto somente ocorrerá, a teor do disposto no próprio art. 101, §2º, do ECA, quando for necessário o afastamento da criança ou adolescente de sua família. Quando a criança ou adolescente já estiver afastado do convívio familiar (o que pode ocorrer quer em situações "voluntárias" - como no caso de crianças e adolescentes que vivem nas ruas - ou "acidentais" - como no caso de crianças perdidas), ou quando este afastamento ocorrer por situações excepcionais e temporárias, sem que haja oposição dos pais (como nos casos de pais que são internados para tratamento médico, ou presos em razão do cometimento de infração penal, e não há, ao menos num primeiro momento, familiares em condições de acolher os filhos),

Page 25: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

25

não haverá necessidade de instauração de procedimento de natureza contenciosa, embora deva ser instaurado procedimento destinado a avaliar as condições do acolhimento e reavaliar periodicamente a possibilidade de reintegração familiar (nos moldes do previsto no art. 19, §1º, do ECA). O art. 101, §2º, do ECA deve ser analisado em conjunto com os arts. 93, par. único e 153, par. único, do mesmo Diploma Legal, que em momento algum fazem referência à necessidade de instauração de procedimento contencioso em "todos" os casos de acolhimento institucional. Muito pelo contrário. O art. 93, par. único, do ECA deixa claro que a providência primeira a ser tentada, logo após o acolhimento institucional, é a reintegração familiar, que não ocorrerá, necessariamente, de imediato (no caso de crianças perdidas, por exemplo, é necessário primeiramente identificar e localizar a família, e no caso de crianças que fogem de casa a reintegração deve ser precedida de uma investigação sobre os motivos da fuga), podendo mesmo ocorrer de forma "progressiva", nos moldes do previsto no art. 92, inciso VIII, do ECA. Desnecessário dizer que nestes e em outros casos, não haveria sentido em instaurar um "procedimento contencioso" visando formalizar o afastamento do convívio familiar quando o objetivo da intervenção estatal é justamente a reintegração familiar da forma mais célere possível. O mesmo art. 93, par. único, do ECA faz ainda referência expressa ao art. 101, §2º, do mesmo Diploma Legal, deixando claro que a instauração de procedimento contencioso somente teria lugar caso fosse necessário promover o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar, contra a vontade dos pais ou responsável44. O art. 153, par. único, do ECA é ainda mais explícito, vedando expressamente a utilização dos "procedimentos verificatórios" e similares, previstos no caput do dispositivo apenas "para fins de afastamento da criança ou do adolescente de sua família de origem ou em outros procedimento necessariamente contenciosos". O contido neste parágrafo traz implícita a noção de que o afastamento da criança ou adolescente de sua família de origem, como medida preparatória ou incidental ao 44 Nunca é demais lembrar que o art. 101, §2º, do ECA, quando da prática de abuso ou violência intrafamiliar, também contempla, como alternativa ao afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar o afastamento do agressor da moradia comum (que terá sempre preferência àquela medida extrema).

Page 26: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

26

acolhimento institucional, quando tiver de ser decretado, deverá sempre ocorrer em sede de procedimento contencioso, pois o direito que está em jogo - o direito à convivência familiar - tem como titular a criança ou adolescente (cf. art. 100, par. único, inciso I, do ECA), sendo de natureza indisponível. Importante notar, no entanto, que o dispositivo em momento algum afirma que "todo" acolhimento institucional será precedido ou acompanhado de procedimento contencioso, mas apenas aqueles nos quais é necessário o afastamento do convívio familiar. Em outras palavras, não é o acolhimento institucional em si que torna obrigatória a instauração de procedimento contencioso, mas sim, em determinados casos, a necessidade do afastamento do convívio familiar como medida antecedente. É preciso ter em mente que o contido nos arts. 101, §2º e 153, par. único, do ECA têm por objetivo evitar que o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar seja "banalizado" e/ou determinado por simples decisão administrativa do Conselho Tutelar (razão pela qual o art. 136, par. único, do ECA procura também coibir semelhante iniciativa do órgão), ou ainda decretado em procedimento no qual não seja assegurado aos pais ou responsável o regular exercício do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Por fim, é preciso ter em mente que, em qualquer caso, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar deve ser sempre acompanhado de uma adequada orientação aos pais ou responsável, que devem ser chamados a participar da definição da medida a ser ao final tomada (cf. art. 100, par. único, incisos XI e XII, do ECA), e que a reintegração familiar, a exemplo do que deve ocorrer quando da colocação em família substituta (cf. art. 28, §5º, do ECA) deve ser precedida de uma preparação gradativa e de contemplar a previsão de acompanhamento posterior por parte dos órgãos de defesa dos direitos da criança e do adolescente, tendo sempre em mente que o compromisso de todos os órgãos, autoridades e entidades que intervém no processo não é com a "aplicação de medida" e/ou com o "encaminhamento para o programa", mas sim com o resultado, que não é outro senão a plena e regular efetivação do direito à convivência familiar.

Page 27: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

27

- Com base na resposta supra, é então possível afirmar que ainda há espaço para instauração dos "procedimentos verificatórios" ou similares, nos moldes do previsto no art. 153, do ECA? R: Sim. A Lei nº 12.010/2009 não revogou o disposto no art. 153, caput, do ECA e nem impediu sua utilização em outras situações que podem ser solucionadas independentemente da instauração de um procedimento contencioso. Como acima mencionado, quando antes do acolhimento não for necessária a instauração de procedimento contencioso visando o afastamento do convívio familiar (como, por exemplo, no caso de crianças e adolescentes perdidos, que fogem de casa, cujos pais são temporariamente hospitalizados ou mesmo falecem sem que haja familiares em condições de acolhê-las), é possível a instauração de um procedimento de natureza "voluntária" (embora o ideal fosse mudar a terminologia empregada, na medida em que o termo "procedimento verificatório" guarda uma forte carga "menorista"), inclusive para que seja possível acompanhar as atividades desenvolvidas no sentido da reintegração familiar (cf. art. 101, §§4º a 7º, do ECA) e promover a reavaliação periódica a que alude o art. 19, §1º, do ECA. Importante não perder de vista, no entanto, que muito embora a criação do Conselho Tutelar não retire da Justiça da Infância e da Juventude a competência para aplicação de medidas de proteção (ex vi do disposto no art. 5º, inciso XXXV, da CF), esta atividade, a rigor, deve ser desempenhada pelo Conselho Tutelar, que em matéria de garantia do direito à convivência familiar para as crianças e adolescentes acolhidos em instituições, deve trabalhar de forma articulada não apenas com o Poder Judiciário, mas também com os órgãos e entidades corresponsáveis pelo atendimento de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias (cf. arts. 86 e 88, inciso VI, do ECA). Em qualquer caso, portanto, os referidos procedimentos de natureza "voluntária" a cargo da Justiça da Infância e da Juventude devem ser reduzidos ao mínimo, devendo-se em contrapartida fortalecer o Conselho Tutelar como órgão de defesa dos direitos infanto-juvenis por excelência.

Page 28: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

28

- É possível a realização de um acolhimento institucional independentemente da prévia expedição da "Guia de Acolhimento" a que se refere o art. 101, §3º, do ECA? R: Sim. Em situações excepcionais, em que não seja possível localizar a autoridade judiciária (a quem compete a expedição da referida Guia, por força do citado art. 101, §3º, do ECA), é admissível o acolhimento institucional sem a prévia expedição do documento, que deverá ocorrer a posteriori, com a comunicação do acolhimento à autoridade judiciária, nos moldes do disposto no art. 93, caput, do ECA. Vale observar que o próprio art. 93, caput, do ECA, prevê a possibilidade do "acolhimento espontâneo" por parte da entidade (no caso de crianças e adolescentes perdidos que batem à sua porta ou são até ela levados por populares ou pelo Conselho Tutelar, com a posterior comunicação do acolhimento à autoridade judiciária no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. O objetivo da lei não é impedir o acolhimento sem a Guia (o que poderia resultar em prejuízo à criança ou adolescente atendida, que ficaria sem amparo até a expedição do documento), mas sim assegurar um rigoroso controle judicial sobre o ato, com a uniformização e sistematização de alguns dados que serão úteis nas etapas posteriores do atendimento do caso (incisos I a IV do citado art. 101, §3º, do ECA). Assim sendo, sempre que não for possível a prévia expedição da Guia de Acolhimento, mas a medida se mostrar necessária, pelas mais diversas razões, o acolhimento poder ser realizado mesmo sem o documento, que será obtido num momento posterior, após a comunicação do acolhimento à autoridade judiciária. É possível mesmo cogitar de situações em que a Guia de Acolhimento sequer terá de ser expedida, como o caso de uma criança perdida encaminhada à instituição cujos pais são localizados antes de vencidas as 24 (vinte e quatro) horas a que alude o art. 93, caput, do ECA, ou de crianças e adolescentes que se encontram "em trânsito" entre municípios distantes, que necessitam apenas "pernoitar" numa determinada entidade de acolhimento em meio à viagem de recâmbio ao local de origem ou onde serão acolhidas em definitivo. Em ambos os casos citados, sequer seria razoável falar que, tecnicamente

Page 29: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

29

(para fins de incidência do comando normativo emanado do art. 93, do ECA), houve o "acolhimento institucional" da criança ou adolescente, mas apenas sua "passagem" pela entidade, que em tal caso não necessitará da Guia para efetuar o acolhimento e, a rigor, sequer necessitará efetuar sua comunicação à autoridade judiciária (desde que a permanência na entidade não exceda as 24 horas anteriormente referidas)45, sem prejuízo da anotação da ocorrência em registro próprio, para posterior controle (art. 95, do ECA). Vale destacar que, mesmo com a comunicação do acolhimento à autoridade judiciária, a reintegração familiar será a providência primeira a ser tentada (cf. art. 93, par. único, do ECA), e se o êxito da medida for obtido antes de vencido o prazo de 24 (vinte e quatro) horas a que alude o art. 93, caput, do ECA, a expedição da Guia respectiva perde por completo seu objetivo. - O que fazer quando a mãe social que atende a casa-lar do município apresenta problemas e tem que ser afastada? Segundo consta, a mesma exerce um cargo comissionado, e não possui qualquer qualificação para atender crianças e adolescente (ressalvado o fato de ser mãe de duas crianças)? R: A situação relatada é bem o exemplo de como muitos municípios tratam a área da infância e juventude: com improviso e descaso, como se bastasse disponibilizar um espaço físico qualquer e alguém de "boa vontade" para "tomar conta" das crianças e adolescentes acolhidas, sem qualquer critério de seleção, qualificação prévia ou mesmo apoio externo. O que o município parece estar fazendo é um "arremedo" de "acolhimento familiar", porém, salvo engano, sem qualquer planejamento e/ou sem qualquer proposta de atendimento,

45 O que logicamente não dispensa a entidade, se necessário com o apoio do Conselho Tutelar e outros órgãos (no espírito do preconizado pelo art. 88, inciso VI, do ECA), obter informações acerca da origem da criança ou adolescente e seu destino, bem como de efetuar a comunicação posterior do acolhimento e desacolhimento, se assim entender necessário a autoridade judiciária ou vier a ser definido quando da elaboração dos "protocolos" inerentes à política de atendimento local.

Page 30: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

30

deixando a "mãe social" (se é que assim se pode dizer) absolutamente "isolada" (ou "abandonada à própria sorte", como se isto bastasse e/ou fosse razoável para enfrentar os desafios que o acolhimento de crianças e adolescentes representa. A rigor nem é possível dizer que a pessoa que "cuida" das crianças na referida "casa lar", de fato, é uma "mãe social", pois esta tem sua atividade regulamentada por Lei Federal (Lei nº 7.644, de 18 de dezembro de 1987), sendo a competência legislativa municipal meramente suplementar à Legislação Federal (não podendo dispor de maneira contrária à esta). De qualquer modo, é preciso considerar que a Lei Federal que dispõe sobre a "mãe social" é antiga (anterior à promulgação do ECA), e deve ser interpretada à luz da "Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente" (de modo a corrigir eventuais distorções presentes em seu texto), sendo imprescindível que o município, ao selecionar a "mãe social" ou "pai social" (e deve fazê-lo via concurso público, não sendo admissível que o cargo seja "comissionado", em razão não apenas da necessidade de uma seleção criteriosa, mas também da necessidade de que haja estabilidade na função, dados os possíveis vínculos que serão estabelecidos com as crianças/adolescentes acolhidos), exija dos candidatos algumas das qualificações acima referidas e providencie sua devida capacitação, posto que a tarefa não é nada fácil, em especial se considerarmos as faixas etárias diversas e as carências (inclusive de ordem emocional) apresentadas pelas crianças e adolescentes com as quais irão lidar. O "perfil" psicológico do candidato, aliás, é um dos aspectos mais importantes a analisar, pois de modo algum podemos permitir que exerça a função alguém que vai praticar violência ou abuso contra os acolhidos, ou mesmo que seja permissivo demais com estes. A rigorosa e criteriosa seleção, no entanto, não impede que seja exercida a fiscalização permanente da entidade e seus funcionários, tanto pelo Ministério Público quanto pelo Judiciário e pelo Conselho Tutelar, a teor do disposto no art. 95, do ECA, sempre lembrando que a casa-lar (que na verdade é uma entidade de acolhimento) não se constitui num mero "depósito" de crianças (como muitos Prefeitos desavisados imaginam) e que as mães ou pais sociais não são "carcereiros" e/ou "flanelinhas", que apenas vão "tomar conta" de um "objeto" qualquer. As casas-

Page 31: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

31

lares devem, concretamente, apresentar um ambiente similar ao ambiente familiar, e as mães sociais e pais sociais devem contar com o apoio de outros servidores e técnicos da área social (na forma da Lei nº 8.069/90 é necessário que os programas de acolhimento institucional ou familiar tenham à disposição uma equipe técnica interdisciplinar, que no caso de programas oficiais podem ser os mesmos técnicos que atuam em outros programas de atendimento, desde que haja compatibilidade de horários de atuação), assim como é fundamental articular ações (cf. arts. 86 e 88, inciso VI, do ECA) entre a casa-lar e outros "equipamentos" da "rede de proteção à criança e ao adolescente" que o município tem o dever de instituir e manter. Já foi dito que a casa-lar (assim como a mãe ou pai social) não podem ficar "isolados" (mas sim devem se integrar à referida "rede de proteção" e aos técnicos, programas e serviços públicos que a integram), sendo também certo que, a rigor, todos os responsáveis pelas crianças e adolescentes acolhidas devem ser vistos como educadores (no sentido amplo preconizado pelo art. 205, da Constituição Federal), que devem possuir a devida qualificação e precisam agir com profissionalismo (sem descuidar do carinho e do respeito com o qual devem tratar os acolhidos), não havendo espaço para o amadorismo e a improvisação que tantos problemas causaram e continuam causando. O mesmo entendimento é válido quando do desenvolvimento de um verdadeiro programa de acolhimento familiar, que não é sinônimo de mera colocação de uma criança ou adolescente aos cuidados de uma pessoa ou família qualquer, sem qualquer preparação prévia ou apoio externo. Tanto no caso da casa-lar (ou qualquer outro nome que se dê a um programa de acolhimento familiar) quanto no caso de um programa de famílias acolhedoras, é fundamental que seja elaborado um projeto específico, a partir da intervenção de técnicos da área social, com respaldo nas normas e princípios aplicáveis (incluindo as diretrizes estabelecidas no "Plano Nacional" elaborado em parceria entre o CONANDA e o CNAS, destinado a dar plena efetivação ao direito à convivência familiar de todas as crianças e adolescentes). É também preciso ficar claro que, mais do que um "programa" de acolhimento, é necessário a elaboração e implementação de toda uma política pública intersetorial comprometida com a plena efetivação do

Page 32: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

32

direito à convivência familiar de todas as crianças e adolescentes (nos exatos moldes do preconizado pelo art. 4º, caput e 19 e seguintes, do ECA). Assim sendo, a partir de uma atuação responsável do CMDCA (preferencialmente em parceria com o CMAS), bem como da Prefeitura e do gestor da área da assistência social do município, deve-se providenciar não apenas a criação de uma "casa-lar" ou outra(s) entidade(s) de acolhimento, mas também a elaboração de uma política pública mais ampla, tendo por base o citado "Plano Nacional de Garantia do Direito à Convivência Familiar", que compreenda ações de prevenção ao acolhimento institucional (através, dentre outras, da implementação de programas de orientação e apoio às famílias, planejamento familiar etc.) e também voltadas à reintegração familiar e à colocação em família substituta (em suas diversas modalidades - guarda, tutela e adoção) das crianças e adolescentes acolhidos que, por qualquer razão, não possam ser reintegrados às duas famílias de origem. A "política" para o setor não pode ser restrita à criação e manutenção de "programas" de acolhimento (até porque estes pouco ou nada resolvem, e podem trazer problemas adicionais para as crianças e adolescentes acolhidos), e pressupõe o envolvimento direto dos mais diversos setores da administração municipal e órgãos de proteção e defesa dos direitos de criança e do adolescente. A pura e simples criação de um programa de acolhimento institucional poderá, por si só, "gerar a demanda" para novos acolhimentos, razão pela qual deve ser acompanhada de outras ações, programas e serviços, voltados à referida prevenção e ao atendimento das famílias, assim como à criação de "alternativas" ao acolhimento institucional, como os programas de acolhimento familiar (nos moldes do programa "família acolhedora") e de "guarda subsidiada" (nos moldes do previsto nos arts. 34, caput e 260, §2º, do ECA e art. 227, §3º, inciso VI, da Constituição Federal). De qualquer modo, embora os programas de acolhimento institucional nunca possam ser vistos como uma "solução" para os problemas de crianças e adolescentes que se encontram em famílias humildes e/ou desestruturadas, não raro acabam sendo um "mal necessário" (especialmente quando a criança ou adolescente não se encontra inserida num contexto familiar, evadiu-se de casa ou em qualquer outra situação que demanda um acolhimento de curta duração), sendo certo que a

Page 33: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

33

referida "política" deve contemplar estruturas destinadas ao atendimento de todas as faixas etárias (desde crianças recém nascidas a jovens adultos, abrigados ainda crianças ou adolescentes, cuja "criação e educação" foi "assumida" pelo Estado ou entidades a ele relacionadas), podendo inclusive haver a previsão (e isto deve ocorrer preferencialmente, por sinal), da criação de unidades diversas, para atender gêneros e faixas etárias diversas. Mesmo que não haja demanda para tanto, a estrutura a ser criada deve contemplar tal separação (ainda que em "alas" diversas de uma mesma entidade), com a contratação/ lotação/capacitação de profissionais e técnicos capazes de atender desde situações mais simples (como o acolhimento temporário de uma criança de um ano de idade), até mais complexas (como o acolhimento prolongado de adolescentes de 16 ou 17 anos com "histórico" de uso de drogas e prática de atos infracionais), sem prejuízo da necessária articulação de ações com outros programas, serviços e "equipamentos" integrantes da política destinada à garantia do direito à convivência familiar, que a partir da Lei nº 12.010/2009, todo município tem o DEVER de elaborar e implementar, inclusive sob pena de RESPONSABILIDADE (pessoal) do gestor (tal qual dispõem de maneira expressa os arts. 5º, 87, incisos VI e VII, 208, caput e inciso IX e - especialmente - 216, do ECA). Vale dizer que a referida "distribuição de tarefas" entre os diversos equipamentos existentes (inclusive a desejável separação de meninos e meninas, crianças de adolescentes, "repúblicas" para jovens adultos etc.) deve ser acompanhada da devida estruturação e adequação de cada órgão/entidade/programa/serviço e contemplar a realização de atividades conjuntas entre os diversos acolhidos - especialmente quando pertencentes a grupos de irmãos - e entre estes e a comunidade - para evitar seu "isolamento", tudo em respeito aos princípios estabelecidos nos arts. 86; 88, inciso VI; 92 e 100, caput e par. único, do ECA.

Page 34: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

34

- Com o advento da Lei nº 12.010/2009 o Conselho Tutelar ficou impedido de promover o acolhimento institucional (abrigamento) de crianças e adolescentes? R: De maneira alguma. O Conselho Tutelar continua tendo a atribuição de aplicar a medida de proteção de encaminhamento da criança ou adolescente para programa de acolhimento institucional (art. 136, inciso I c/c art. 101, inciso VII, do ECA). O que o Conselho Tutelar não pode fazer (como aliás, nunca pode, embora o fizesse de forma indevida), é promover, por simples decisão administrativa, o afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar como medida "antecedente" ao acolhimento institucional. O afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar, salvo a ocorrência de "flagrante de vitimização" ou outra situação extrema e excepcional que justifique plenamente a medida (cf. art. 101, §2º, do ECA), deve ser precedido de ordem judicial expressa e fundamentada, expedida em procedimento contencioso, no qual seja assegurado aos pais ou responsável o regular exercício do contraditório e da ampla defesa (cf. arts. 101, §2º c/c 153, par. único, do ECA). Sempre que, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar, deverá comunicar o fato ao Ministério Público, fornecendo-lhe as informações necessárias à propositura de ação própria, de natureza contenciosa, destinada a promover o afastamento respectivo, observado o disposto no art. 136, par. único, do ECA. A medida de acolhimento institucional pode ser aplicada diretamente pelo Conselho Tutelar, por exemplo, no caso de crianças e adolescentes que já se encontram afastados do convívio familiar (como é o caso de crianças e adolescentes que vivem nas ruas); que estão perdidos ou cujas famílias estejam em local ignorado ou inacessível; que fugiram de casa etc. Em todos os casos, é necessário submeter o caso à análise de uma equipe interdisciplinar, de modo a apurar as causas da situação de risco em que a criança ou adolescente se encontra, bem como para definir as "estratégias" que serão desenvolvidas no sentido de promover a reintegração familiar da forma mais célere possível

Page 35: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

35

ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável ou impossível, seu encaminhamento para família substituta (medida esta que somente poderá ser tomada pela autoridade judiciária, sem prejuízo da colaboração do Conselho Tutelar e de outros órgãos e entidades encarregadas do atendimento de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, nos moldes do previsto nos arts. 86 e 88, inciso VI, do ECA). • Sobre a lei - Esta lei trouxe maior morosidade ao procedimento de adoção? Por que? R: A nova "Lei de Adoção" (Lei nº 12.010/2009 - que na verdade deveria ser chamada de "Lei da Convivência Familiar" devido à sua maior abrangência e seus objetivos declarados 46 ), de maneira alguma trouxe maior morosidade ao procedimento de adoção. Muito pelo contrário. O parágrafo único, acrescido ao art. 152, da Lei nº 8.069/90, com a redação dada pela nova lei, passou a dispor de maneira expressa que "é assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação dos processos e procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução dos atos e diligências judiciais a eles referentes", tendo o art. 163, caput estatutário fixado em 120 (cento e vinte) dias o prazo máximo para conclusão do processo de destituição do poder familiar. O procedimento de colocação de criança ou adolescente em família substituta propriamente dito (arts. 165 a 170, da Lei nº 8.069/90) teve apenas alterações superficiais, basicamente no art. 166 do ECA, na parte relativa à coleta do consentimento com a adoção junto aos pais, na perspectiva de assegurar sejam estes orientados (inclusive por intermédio de equipe interprofissional) acerca das consequências da medida e possam refletir a respeito, sendo-lhes apresentadas alternativas à entrega de seus filhos para adoção. Tais cautelas são mais que justificadas (e mesmo necessárias, dada constatação de que o direito que está em jogo tem como titular a criança, da qual os pais não podem "dispor" como bem entenderem), sendo decorrência natural do disposto nos arts. 19, caput e §3º, 100,

46 Valendo neste sentido observar o disposto no art. 1º, da Lei nº 12.010/2009.

Page 36: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

36

caput e par. único, incisos I, IV e IX a XII, da Lei nº 8.069/9047. A mudança mais significativa, mas que não importa em maior "morosidade" no procedimento de adoção (mas apenas faz com que este seja conduzido com maior responsabilidade), diz respeito à prévia habilitação dos postulantes à medida, que passa a ser regulada por um procedimento próprio (arts. 197-A a E, da Lei nº 8.069/90) e pressupõe a oferta, pelo Poder Judiciário (ainda que em parceria com os órgãos encarregados da política municipal de garantia do direito à convivência familiar - cuja elaboração e implementação passa a ser obrigatória, inclusive sob pena de responsabilidade - cf. arts. 87, incisos V e VI e 208, inciso IX c/c 216, todos da Lei nº 8.069/90) de um curso ou programa destinado à preparação psicossocial dos pretendentes à medida (arts. 50, §§3º e 4º e 197-C, da Lei nº 8.069/90), inclusive na perspectiva de estimular a adoção de crianças maiores de três anos e adolescentes, que tenham algum tipo de deficiência e/ou sejam pertencentes a grupos de irmãos (que representam hoje o maior contingente de abrigados em todo o País). Importante não negligenciar a importância do procedimento de habilitação à adoção, dada necessidade de avaliar a idoneidade, motivação e, acima de tudo, o preparo dos pretendentes à adoção para assumir os encargos (perpétuos) da medida, valendo lembrar que a adoção é medida irrevogável, que visa satisfazer os interesses da criança ou adolescente adotando, e não dos adultos adotantes, e o deferimento da adoção a pessoas despreparadas pode trazer graves prejuízos aos adotados, que cabe à Justiça da Infância e da Juventude evitar venham a ocorrer (daí porque o art. 28, §5º, da Lei nº 8.069/90 prevê a necessidade de acompanhamento posterior das colocações familiares efetuadas, devendo, conforme o caso, ser os pais encaminhados a programas complementares de orientação e apoio). Com a nova sistemática, a adoção por pessoas ou casais não habilitados e cadastrados passa a ser permitida apenas nas hipóteses restritas do art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90.

47 Com a nova redação dada pela Lei nº 12.010/2009, como serão os demais dispositivos doravante também tratados.

Page 37: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

37

- Como deve o Ministério Público proceder diante de crianças acolhidas numa instituição que apresentam comportamento agressivo e tem dificuldade de acatar as normas da entidade? R: Antes saber exatamente qual o problema que as referidas crianças apresentam, tanto sob a ótica médico-psiquiátrica quanto médico-psicológica e social/pedagógica, não há como saber o que fazer. Na verdade, casos semelhantes a rigor sequer deveriam ser encaminhados ao Ministério Público (ao menos não num primeiro momento), haja vista que a aplicação deste tipo de medida de proteção (avaliação e tratamento psicológico e psiquiátrico), a princípio, deveria ser efetuada por intermédio do Conselho Tutelar e todo acompanhamento posterior, com seus desdobramentos, deveria ser efetuado também pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo deste contar com o suporte de técnicos das áreas médica e social a serviço do município. A realização de tais avaliações (dentre outras que se entenda necessário realizar, de modo a obter um diagnóstico completo da situação), aliás, deve ser efetuada de forma "automática" (e espontânea), a partir de uma provocação da própria entidade de acolhimento junto aos órgãos públicos encarregados das áreas médica, social e educacional, com os quais aquela precisa articular ações, nos moldes do previsto pelos arts. 86 e 88, inciso VI, do ECA (independentemente, até mesmo, do acionamento do Conselho Tutelar). Tais abordagens, que são o "ponto de partida" para as intervenções posteriores a serem realizadas (também de forma interdisciplinar), constituem-se numa das etapas básicas do atendimento a ser prestado às crianças acolhidas, como parte da política pública a ser obrigatoriamente desenvolvida pelo município como forma de assegurar a plena efetivação do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes. A partir de tal política pública, serão definidas (ainda que em linhas gerais) as "estratégias" de atuação intersetorial necessárias à descoberta das causas de problemas similares aos relatados, de modo a proporcionar seu posterior enfrentamento - e efetiva solução -, a partir de uma intervenção eminentemente interprofissional, intersetorial e interdisciplinar. É fundamental que as entidades de acolhimento

Page 38: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

38

institucional se integrem à referida política pública (evitando que permaneçam "isoladas" ou "abandonadas à própria sorte"), cabendo ao Poder Público (via CMDCA/CMAS), providenciar a referida articulação de ações e mesmo a correção de eventuais falhas estruturais (e/ou conceituais) que o programa em execução porventura apresente. Em qualquer caso, por força do disposto no art. 101, §5º, do ECA, conclui-se que a própria entidade de acolhimento deve ter em seus quadros (ou ao menos à sua disposição, em caráter permanente), uma equipe técnica interprofissional que irá, ao menos, realizar uma avaliação e um atendimento preliminar do caso, podendo na sequência, sempre que necessário, contar com o apoio dos demais integrantes da "rede de proteção à criança e ao adolescente" existente no município, assim como com os programas e serviços as ela inerentes. A partir do referido diagnóstico, serão apontadas as alternativas mais adequadas ao atendimento das crianças acolhidas na entidade, que deverão ser submetidas ao tratamento que se fizer necessário (que deve ficar a cargo, fundamentalmente, do setor de saúde do município), sem prejuízo da realização de uma abordagem "paralela" voltada à mencionada efetivação de seu direito à convivência familiar, até porque sua permanência "indefinida" na instituição, até mesmo por força do disposto no art. 19, §2º, do ECA, não pode ser visto como uma "opção". Em qualquer caso, deve ficar claro que semelhante atendimento não deve ser realizado de maneira meramente "formal", mas sim precisa ter compromisso com o resultado (que não é outro senão a efetiva solução do problema que as referidas crianças possuem e a consequente proteção integral acima referida, que também irá se materializar com o retorno ao Sistema de Ensino e sua colocação familiar), não podendo também ficar apenas a cargo do Conselho Tutelar, da entidade de acolhimento ou de qualquer "programa" ou "serviço" isolado, sendo que o não oferecimento ou a oferta irregular de tal política de atendimento pode resultar na responsabilidade dos gestores e agentes públicos omissos, tal qual preconizado pelos arts. 208 e 216, do ECA.

Page 39: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

39

- Numa entidade de acolhimento existem 02 (dois) irmãos, sendo um de pouco mais de 02 (dois) anos de idade e outro de 06 (seis) anos, que foram afastados do convívio familiar pelo Conselho Tutelar há mais de 01 (um) ano, estando em curso um "pedido de providências" junto à vara da Infância e da Juventude destinado a apurar a situação. Há pessoas interessadas em adotar o mais novo, mas não querem adotar também o mais velho. É razoável deixar de colocar o mais jovem em adoção, para evitar a separação do mais velho? R: A separação de irmãos, especialmente quando já possuem uma certa idade, deve ser sempre evitada, pois pode trazer sérios traumas emocionais para ambos (especialmente se possuem fortes vínculos fraternais, sendo um, não raro, a única referência familiar do outro), que talvez jamais sejam superados. No caso em particular, é necessário, antes de mais nada, definir de uma vez a situação de ambos (não podem ser privados do convívio familiar a custa de um simples "pedido de providências" ou similar), sempre na perspectiva de providenciar sua reintegração familiar (ainda que isto ocorra de forma "progressiva") ou colocação em família substituta não apenas mediante adoção, mas também por meio da guarda ou tutela (neste caso, caso venha a ocorrer a suspensão ou destituição do poder familiar). Se ficar demonstrado que, efetivamente, não é possível promover sua reintegração familiar (providência primeira a ser sempre tentada, sem qualquer "preconceito" junto à família de origem48), e se alguém está de fato interessado em adotar um dos irmãos - e realmente tiver amor por ele - é perfeitamente possível que seja convencido a adotar o outro também, até porque, como dito, a adoção de apenas um acabará prejudicando a ambos.

48 A propósito, é preciso tomar uma cautela extrema para evitar que as pretensas intervenções realizadas sejam - ou tenham sido - carregadas de preconceito e, portanto, "ab initio" fadadas ao insucesso, sendo necessário muitíssimo cuidado sempre que aparecer a expressão "tudo que podia ser feito foi feito" ou coisa parecida.

Page 40: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

40

Vale lembrar que as recentes alterações no ECA promovidas pela Lei nº 12.010/2009 são explícitas ao dispor sobre a obrigatoriedade da implementação de uma política pública destinada à orientação, apoio promoção social das famílias - tanto biológicas quanto socioafetivas (inclusive sob pena de responsabilidade - cf. art. 208, inciso IX, do ECA), bem como na obrigatoriedade da realização de intervenções junto aos postulantes à adoção na perspectiva de estimular, justamente, a adoção de grupos de irmãos e de crianças maiores e adolescentes (cf. arts. 50, §§3º e 4º e 197-A a E, do ECA). - A prática de atos de violência contra crianças e adolescentes necessariamente deve conduzir à destituição do poder familiar dos pais? R: Não necessariamente. A destituição do poder familiar não pode ser aplicada como forma de "punir" os pais que praticaram determinada conduta grave e reprovável contra seus filhos. Caso aqueles tenham de ser "punidos" pelo seu ato, isto deverá ocorrer na esfera penal, pela Justiça Criminal. É até possível que a prática de atos de violência contra os filhos, especialmente quando isto ocorrer de forma reiterada, possa conduzir à destituição do poder familiar, mas a real adequação desta medida extrema e excepcional ao caso concreto deve ser analisada num contexto mais abrangente, que pode perfeitamente conduzir a solução diversa. Com efeito, é inegável que determinadas condutas, num primeiro momento, causam repulsa e geram o "impulso" mais do que natural de afastar as crianças e adolescentes vítimas de suas famílias (sendo que por vezes é comum esquecer até mesmo do disposto no art. 130, do ECA, que prevê, nestes casos, a alternativa do afastamento do agressor da moradia comum - providência primeira a ser estudada), mas para destituição do poder familiar é necessário muito mais que a simples constatação da ocorrência de violência (notadamente quando isto se constitui numa prática isolada, que não traduz a verdadeira "dinâmica familiar"). Em matéria de infância, juventude e família, é preciso ter em mente que o objetivo da intervenção estatal jamais pode ser a "punição" dos pais (esta, como dito, deve ficar a cargo da Justiça Penal), mas

Page 41: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

41

sim a descoberta da solução que, concretamente atende aos interesses da criança/adolescente. E esta, não raro, é a manutenção ou retorno à família de origem, apesar da conduta praticada por seus pais ser reprovável. O que interessa, na verdade, não é "punir" os pais pelo que fizeram, mas sim realizar uma intervenção estatal no sentido de evitar futuras práticas semelhantes (ou mais graves), o que passa pelo desenvolvimento de uma proposta de atendimento personalizado e altamente qualificado e a realização de um trabalho de preparação da família e acompanhamento posterior sistemático, por um período determinado (sem prejuízo da aplicação das sanções penais cabíveis, pela Justiça Criminal). Daí porque se mostra imprescindível a elaboração e implementação de uma política pública especificamente destinada ao atendimento das famílias, o que a maioria dos municípios infelizmente não possui, e que acaba sendo a causa de inúmeras violações de direitos infanto-juvenis, inclusive resultantes de acolhimentos institucionais indevidos e/ou que se protraem no tempo indefinidamente. - Recentemente foi amplamente noticiado pela mídia um caso no qual uma criança de 01 (um) ano foi retirada a força da mãe por uma guarda municipal em uma cidade do interior de São Paulo. A mãe foi acusada de pedir dinheiro nas ruas e usar a criança para sensibilizar as pessoas. Ela negou a denúncia e afirma que lê a sorte dos pedestres na rua. A menina foi encaminhada a um abrigo da cidade. Segundo o juiz que deu a ordem judicial, a criança estava exposta à risco. Semelhante solução está correta? R: É difícil falar sobre um caso determinado sem saber de detalhes sobre o que exatamente ocorreu (nem sempre o que é divulgado pela mídia corresponde à verdade, e por vezes a reportagem é "tendenciosa" e "preconceituosa"). O que é possível afirmar, em tese, com base na lei e na Constituição Federal é que, retirar crianças das mãos (ou da guarda) de

Page 42: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

42

mães que as estão utilizando para "esmolar" e/ou que as levam consigo em suas atividades profissionais (como "ler" as mãos, catar papelão etc.), seguramente não é a abordagem mais adequada e nem se constitui numa verdadeira "solução" para o problema. É claro que com isto não se quer dizer que devemos deixar mães usarem seus filhos para "excitar a comiseração pública" e ganhar esmolas, ou que devemos permitir que crianças fiquem perambulando pelas ruas, em condições por vezes degradantes, quando deveriam estar na creche, na escola ou em outras atividades culturais, recreativas e de lazer, mas é exatamente para isto que existem as políticas públicas destinadas à orientação, apoio e promoção social das famílias, bem como à inserção de crianças em creches, pré-escolas, ensino fundamental etc., bem como em outras atividades de contra-turno. O que o Poder Público (incluindo aí o Conselho Tutelar e o Poder Judiciário) deve fazer, em tais casos, não é retirar a criança da família (especialmente quando isto ocorre já como "primeira abordagem"), fazendo o chamado "camburão social" e, não raro, transformando o Conselho Tutelar em uma espécie de "carrocinha de criança", mas sim, inclusive em respeito ao disposto no art. 100, par. único, incisos IX a XII, do ECA e arts. 226, caput e inciso VIII e 227, caput, da Constituição Federal, efetuar uma abordagem voltada, fundamentalmente, ao amparo a família, fornecendo a esta alternativas que permitam, por exemplo, que a cigana e a catadora de papel (assim como a prostituta ou outras mulheres que são vítimas de preconceito quanto às atividades que desempenham) deixem seus filhos numa creche/pré escola enquanto vão exercer suas profissões, sejam inseridas em programas de geração de renda e/ou qualificação profissional, frequentem a cursos ou programas de orientação, enfim, que sejam "trabalhadas" no sentido de superar os problemas porventura existentes, a partir de uma abordagem técnica interprofissional criteriosa, despida de preconceito ou discriminação, e não sejam "vítimas" de uma atuação meramente "repressiva" por intermédio de órgãos policiais (ou que, desvirtuando sua atuação, adotem uma postura "policialesca" e preconceituosa), num processo de "marginalização" e de "penalização da pobreza" que era próprio do revogado "Código de Menores". Em relação a ciganos, aliás, é necessário, por analogia ao disposto no art. 28, §6º, do ECA,

Page 43: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

43

"convocar" antropólogos para intervir em qualquer processo no qual se cogite o afastamento de uma criança/adolescente de sua família, ou mesmo num processo de reintegração familiar ou de "construção" de um "projeto de vida" para aquela família, tendo sempre em mente que, por princípio elementar, deve-se procurar manter ou reintegrar a criança/adolescente em sua família e que os costumes e tradições dos grupos étnicos devem ser o quanto possível respeitados (desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal), sem preconceito ou discriminação. • Cadastro de adoção: - O Cadastro Nacional de Adoção exclui o Cadastro Municipal ou apenas o complementa? Há alguma preferência entre eles? R: Jamais foi intenção do CNJ (e nem poderia, sob pena de manifesta inconstitucionalidade da Resolução que instituiu o Cadastro Nacional de Adoção) "revogar" o art. 50, da Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre a obrigatoriedade da manutenção de um cadastro de crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e outro de pretendentes à adoção em cada comarca, e nem retirar a preferência da colocação familiar da criança ou adolescente no âmbito do município ou comarca onde reside (inclusive como decorrência do disposto no art. 100, da Lei nº 8.069/90). A Lei nº 12.010/2009 apenas veio a reafirmar tal sistemática, de modo que a implementação e manutenção dos referidos cadastros 49 na comarca é obrigatória, inclusive sob pena da prática da infração administrativa tipificada no art. 258-A, da Lei nº 8.069/90, sendo que a preferência será sempre no sentido da colocação familiar entre pessoas e casais cadastrados na comarca, sendo que apenas após comprovada a inexistência de interessados na comarca é que serão feitas consultas aos cadastros estadual e nacional (inteligência do art. 50, §8º, da Lei nº 8.069/90). A necessidade dessa "consulta sucessiva" fica também evidenciada pelo disposto no art. 50, 49 Além de um cadastro específico para crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar ou institucional - cf. art. 101, §11, da Lei nº 8.069/90.

Page 44: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

44

§10, da Lei nº 8.069/90. - Como lidar com o Cadastro Regional de Adotantes após a nova lei de adoção e como conciliá-lo com o Cadastro Nacional do CNJ? Como fica a questão da precedência com a convivência dos cadastros e qual o critério para se optar por um ou outro cadastro no momento da consulta? R: Como dito acima, a intenção do legislador foi no sentido da realização de consultas sucessivas entre os cadastros existentes nos diversos níveis: consulta-se primeiro o cadastro existente na comarca. Caso não haja pessoas ou casais interessados, passa-se à consulta do cadastro estadual e, na sequência, ao cadastro nacional. Cada consulta deve ser devidamente certificada nos autos e a inexistência de interessados em cada nível deve ser também informada pelo setor competente, em caráter oficial. Uma vez não encontrados interessados nacionais, deve ser então consultado o cadastro de postulantes estrangeiros habilitados (arts. 50, §10 e 51, §1º, inciso II, da Lei nº 8.069/90). Em qualquer hipótese, o primeiro critério para convocação dos interessados, em cada um dos níveis, será a antiguidade da inscrição no cadastro, que somente poderá deixar de ser observada em situações plenamente justificadas (cf. art. 197-E, da Lei nº 8.069/90). Importante também mencionar que o Ministério Público deve ter acesso irrestrito aos cadastros, e fiscalizar a convocação criteriosa das pessoas e casais habilitados à adoção (cf. arts. 50, §12 e 197-E, da Lei nº 8.069/90).

Page 45: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

45

- Como proceder com pedidos de inscrição em cadastro de adoção em comarca diversa da dos interessados, quando tiverem sido protocolados anteriormente à Resolução nº 54 e orientações do CNJ e Lei nº 12.010/2009, as quais impedem tal prática? R: Nem a Resolução nº 54/2008, do CNJ, relativa ao Cadastro Nacional de Adoção, e nem a Lei nº 12.010/2009 impedem que pessoas ou casais residentes em uma determinada comarca se habilitem à adoção em outra. A existência de cadastros em várias comarcas, aliás, é absolutamente irrelevante para operacionalização do CNA, pois a inscrição neste será sempre única, por ser efetuada com base no CPF do interessado. A rigor, portanto, nada impede a realização de uma habilitação fora da comarca, razão pela qual a nova sistemática não traz qualquer implicação às habilitações já efetuadas e os pedidos de inscrição em trâmite. - Isto significa que a habilitação para adoção poderá ser efetuada em Comarca escolhida pelo pretendente, com expedição de precatória se formulado fora do seu domicílio? R: Como dito, nem a Resolução nº 54/2008, do CNJ, nem a Lei nº 12.010/2009 impedem que a habilitação para adoção ocorra em comarca diversa daquela onde os postulantes residem. A forma como será efetuada a comprovação do preenchimento dos requisitos subjetivos necessários à adoção deverá ser devidamente regulamentada por intermédio de resolução do CNJ ou por atos das Corregedorias de Justiça nos estados, de modo a evitar discrepâncias entre as comarcas. De qualquer modo, será necessário a realização de visitas domiciliares (que por terem por pressuposto o deslocamento até a residência dos postulantes, fatalmente serão efetuadas via precatória) e entrevistas com os postulantes, que poderá ser efetuada não apenas pela equipe técnica a serviço da Justiça da Infância e da Juventude (cf. art. 197-C, da Lei nº 8.069/90), mas também pelo

Page 46: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

46

próprio Juízo (cf. art. 197-B, inciso II, da Lei nº 8.069/90). Diante do princípio da identidade física do Juiz, e do caráter subjetivo da diligência, é possível a exigência de que a oitiva judicial dos postulantes seja efetuada perante o próprio Juízo da comarca onde aqueles pretendem se cadastrar. Em qualquer caso, as audiências, atos e diligências necessárias ao cadastramento devem ser efetuadas com a mais absoluta prioridade (cf. arts. 4º, par. único, alínea "b" e 152, par. único, da Lei nº 8.069/90). • Conselho Tutelar e CMDCA: - Com a nova "Lei de Adoção", como fica a aplicação da medida de acolhimento institucional (abrigamento) por parte do Conselho Tutelar, uma vez que é atribuição deste aplicar as medidas no art. 101, I a VII, da Lei nº 8.069/90? Agora é aplicada exclusivamente pela autoridade judiciária? R: O Conselho Tutelar pode aplicar a medida de acolhimento institucional como sempre pode: em se tratando de crianças e adolescentes perdidas e/ou que se encontram já afastadas do convívio familiar e em situações emergenciais (e têm que ser emergenciais MESMO - como quando houver "flagrante de vitimização"). O que o Conselho Tutelar NÃO PODE fazer (como na verdade NUNCA PODE, embora o fizesse de forma equivocada e contra a lei) é afastar uma criança ou adolescente do convívio familiar em situações não emergenciais, pois neste caso, apenas a autoridade judiciária é competente para aplicar a medida, em sede de procedimento judicial contencioso (arts. 101, §2º c/c 153, par. único, do ECA). Em qualquer caso, mesmo quando o acolhimento for efetuado em caráter emergencial, o fato deverá ser imediatamente (ou em até 24 horas) comunicado à autoridade judiciária, nos moldes do previsto no art. 93 e par. único, do ECA, para que seja formalizado o afastamento do convívio familiar ou promovida a reintegração. Nos demais casos, sempre que o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, deverá comunicar o fato ao Ministério Público, fornecendo todos os elementos necessários à propositura de uma ação destinada ao

Page 47: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

47

decreto do afastamento, ainda que em caráter cautelar (arts. 136, par. único c/c 201, incisos III e VIII c/c 212, todos da Lei nº 8.069/90). O que não se quer mais é que o Conselho Tutelar funcione como "carrocinha de criança", assim como que o afastamento do convívio familiar seja banalizado e/ou ocorra sem garantir aos pais (e também aos filhos, já que é o direito à convivência familiar destes que está em jogo) o direito a uma acusação formal acerca dos motivos do afastamento (valendo neste sentido também observar o disposto no art. 100, par. único, incisos IX, X, XI e XII, da Lei nº 8.069/90) e de contra ela se insurgirem, através de defensor nomeado ou constituído, em respeito aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Vale também lembrar que, mesmo em casos graves, de maus tratos ou abuso sexual contra crianças e adolescentes, deve ser verificada, antes de mais nada, a possibilidade de afastamento DO AGRESSOR da moradia comum (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90 e art. 22, inciso II, da Lei nº 11.340/2006 - a chamada "Lei Maria da Penha"), como forma de evitar que a vítima seja punida com a segregação de sua família. Para que os objetivos da lei sejam alcançados, no entanto, é preciso mudar a mentalidade e também a postura que, não raro, o Conselho Tutelar (e outros integrantes do "Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente") tem adotado, pois como o citado art. 100 par. único, incisos IX e X (assim como até mesmo o art. 101, §§4º, 6º, inciso II, 7º e 8º), da Lei nº 8.069/90 deixam claro, a intervenção estatal necessariamente deve ser voltada não apenas ao atendimento da criança/adolescente, mas TAMBÉM de seus pais ou responsável, consequência, inclusive, do disposto no art. 226, caput e §8º, da Constituição Federal.

Page 48: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

48

- O Conselho Tutelar pode, nos casos do art. 130 da Lei nº 8.069/90, proceder ao acolhimento institucional provisório de jovem ou infante independentemente de decisão judicial, comunicando imediatamente ao MP para os fins do art. 101, §§2º e 3º, do mesmo Diploma Legal? Caso negativo, qual a interpretação que deve ser dada à primeira parte do novel §2º do art. 101 da Lei nº 8.069/90? R: O acolhimento institucional, em caráter emergencial e em casos extremos e excepcionais (como diante de um "flagrante de vitimização"), é possível não apenas mediante encaminhamento efetuado pelo Conselho Tutelar, mas por qualquer pessoa (afinal, diz o art. 70, da Lei nº 8.069/90 que "é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente"), sendo certo que as próprias unidades de acolhimento institucional podem receber crianças e adolescentes diretamente, em qualquer situação, sem prejuízo da comunicação do fato à autoridade judiciária em, no máximo, 24 horas (sendo assim de competência do plantão judiciário, nos finais de semana e feriados), conforme previsto no art. 93, caput, da Lei nº 8.069/90. O que o Conselho Tutelar não pode fazer é afastar crianças e adolescentes de suas famílias em situações não emergenciais (inteligência do art. 136, inciso IX e par. único, da Lei nº 8.069/90), e nem o afastamento pode ocorrer (ou se manter) mediante simples procedimento administrativo ou mesmo em sede de processo judicial não contencioso (como é o caso do resultante da aplicação do disposto no art. 153, da Lei nº 8.069/90, sendo o parágrafo único acrescido ao dispositivo expresso ao excluir de sua abrangência os casos em que é necessário o afastamento da criança ou adolescente de sua família de origem). Quis o legislador que uma medida tão drástica e de tão graves consequências como o afastamento da criança ou adolescente de sua família desse ensejo, necessariamente, à instauração de um processo judicial contencioso, ainda que de cunho cautelar, no qual fosse formalizada a imputação da prática, por parte dos pais ou responsável, de alguma conduta que justificasse a medida, devendo tal conduta ser devidamente comprovada pela parte

Page 49: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

49

autora, com a possibilidade de exercício do contraditório e da ampla defesa pela parte requerida. Vale lembrar, a propósito, que em jogo não está apenas o direito dos pais ou responsável de terem os filhos ou pupilos em sua companhia, mas especialmente (cf. art. 100, par. único, incisos I, II e IV, da Lei nº 8.069/90), o direito destes em permanecer na companhia de sua família. Esta é a razão, aliás, para que antes mesmo de se cogitar no afastamento da vítima de violência física ou sexual, se verificar da possibilidade de afastamento do agressor da moradia comum, como dispõe de maneira expressa o art. 130, caput, da Lei nº 8.069/90. Assim sendo, uma vez efetuado o acolhimento institucional, seja pelo Conselho Tutelar (diante de situações emergenciais, consoante mencionado, ou em se tratando de criança ou adolescente perdida ou sem referência familiar), seja por qualquer pessoa, o importante é a rápida avaliação, por parte da autoridade judiciária (com a participação do Ministério Público, do Conselho Tutelar e dos órgãos e técnicos responsáveis pela política municipal de garantia do direito à convivência familiar) da possibilidade ou não de imediata reintegração à família de origem (que se for o caso deverá ser inserida em programas de orientação, apoio e promoção social, bem como devidamente "monitorada") ou se o caso reclama a "formalização" do afastamento da família de origem, mediante a deflagração do referido procedimento contencioso, nos moldes do previsto no art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90. - O que fazer com os relatórios, encaminhados pelo Conselho Tutelar, em se adotando o posicionamento segundo o qual não devem ser instaurados os "procedimentos judiciais para aplicação de medida de proteção"? Basta arquivar na Promotoria, e exigir providências do CT quando à situação de risco? R: Os casos que se enquadram nas atribuições do Conselho Tutelar devem ser atendidos - e resolvidos - pelo próprio Conselho Tutelar, que possui o status de autoridade pública e é, inclusive, dotado da prerrogativa de requisitar serviços públicos

Page 50: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

50

em diversas áreas (cf. art. 136, inciso III, alínea "a", da Lei nº 8.069/90). Evidente que, para que a referida solução do problema (objetivo da intervenção do Conselho Tutelar - e dos demais integrantes do "Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente") seja alcançada, o Conselho Tutelar deverá buscar a intervenção de outros órgãos e servidores públicos, junto aos mais diversos setores da administração, ou melhor dizendo: deverá buscar auxílio junto à "rede municipal de proteção à criança e ao adolescente" acima referida, encaminhando a criança, adolescente e sua família aos programas e serviços adequados às suas necessidades pedagógicas específicas (cf. art. 136, incisos I e II c/c arts. 87, 90, incisos I a IV, 100, caput, 101, incisos I a VII e 129, incisos I a VII, todos da Lei nº 8.069/90). Cabe ao Poder Público local adequar os serviços públicos e programas existentes (assim como criar novas estruturas, caso necessário) ao atendimento especializado e prioritário a crianças e adolescentes (cf. arts. 4º, caput e par. único, alínea "b" c/c 259, par. único, da Lei nº 8.069/90) e promover a articulação da mencionada "rede de proteção à criança e ao adolescente" de modo que, sempre que surgir determinado caso que demande a aplicação das medidas previstas nos arts. 101, incisos I a VII e 129, incisos I a VII, todos da Lei nº 8.069/90 (ou seja, que possa ser resolvido sem a necessidade de intervenção da autoridade judiciária), o atendimento pelos órgãos, serviços e programas municipais seja efetuado espontaneamente, não sendo necessário, a rigor, sequer a intervenção do Conselho Tutelar, que ocorrerá apenas quando, por qualquer razão, tal atendimento espontâneo não tiver sido realizado ou não tiver surtido o efeito desejado. Vale repetir: a "rede municipal de proteção à criança e ao adolescente" deve estar de tal forma articulada (e a busca de tal articulação, junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e aos gestores das políticas públicas municipais talvez tenha de ser a principal preocupação do Ministério Público), que o atendimento de casos de ameaça ou violação de direitos infanto-juvenis ocorra de forma espontânea, independentemente de intervenção até mesmo do Conselho Tutelar, que se tiver de atuar, não deve partir desde logo para "requisição" do serviço, mas sim o encaminhamento do caso ao órgão ou setor da administração competente (ou a mais de um,

Page 51: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

51

conforme o caso). Apenas caso não seja atendido é que o Conselho Tutelar deverá usar de seu poder de requisição, que não pode ser banalizado e nem negligenciado pelo destinatário da ordem correspondente, que não pode pura e simplesmente "ignorá-la", mas sim, caso com ela não concorde, deverá provocar o Poder Judiciário no sentido de sua revisão, tal qual previsto no art. 137, da Lei nº 8.069/90. Enquanto não revista pela autoridade judiciária competente, a requisição do Conselho Tutelar tem eficácia plena e, caso não seja cumprida por seu destinatário, restará caracterizado, em tese, o crime de desobediência, previsto pelo art. 330, do Código Penal, sem prejuízo da caracterização da infração administrativa tipificada no art. 249, da Lei nº 8.069/90. Assim sendo, o Conselho Tutelar deve ter uma atuação resolutiva, e não servir de mero "órgão de encaminhamento" de casos para o Ministério Público e Poder Judiciário, o que apenas posterga a solução do problema e desvirtua o objetivo da criação do órgão, que foi precisamente o de "desjudicializar" e, por via de consequência, desburocratizar e agilizar tanto o atendimento quanto a solução do caso. Em sendo necessária a intervenção do Ministério Público, esta deverá ser direcionada não no sentido do atendimento individual do caso, mas sim na perspectiva de orientação e responsabilização dos órgãos públicos e setores da administração competentes, que não apenas devem ser chamados a atuar no sentido da efetiva solução do caso em particular, mas também como dito, instados a desenvolver uma "estratégia" destinada ao atendimento (espontâneo) de casos similares que surgirem no futuro, seja quando encaminhados pelo Conselho Tutelar ou qualquer outro órgão ou autoridade. A prática da instauração, quando do descumprimento de encaminhamentos e requisições de serviços pelo Conselho Tutelar, dos famigerados "procedimentos para aplicação de medida de proteção" ou similares (verdadeiras aberrações jurídicas, remanescentes de uma sistemática consagrada pelo "Código de Menores"), deve ser abolida, dando margem à expedição de recomendações aos órgãos públicos no sentido da adequação de seus serviços ao atendimento dos casos encaminhados pelo Conselho Tutelar com a mais absoluta

Page 52: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

52

prioridade, inclusive sob pena de responsabilidade50. - E se ainda assim for necessário "judicializar" o atendimento, diante da necessidade de afastamento da criança/adolescente de sua família? R: Neste caso, como visto acima, a partir de elementos fornecidos pelo Conselho Tutelar e/ou por qualquer dos integrantes da "rede de proteção" à criança e ao adolescente, é possível a propositura de ação cautelar ou outro remédio jurídico qualquer (cf. art. 212, da Lei nº 8.069/90), de cunho necessariamente contencioso (cf. art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90), devendo-se antes verificar da possibilidade de afastamento do agressor da moradia comum (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90)51, se for o caso, devendo o feito ser instruído e julgado com a mais absoluta prioridade (cf. arts. 4º, caput e par. único e 153, par. único, da Lei nº 8.069/90). Em qualquer caso, desde o primeiro momento deve haver a intervenção dos técnicos e integrantes da "rede de proteção" e da política municipal destinada à garantia do direito à convivência familiar, que deverão, a partir de uma indispensável articulação com o Poder Judiciário (cf. arts. 87, inciso VI e 88, inciso VI, da Lei nº 8.069/90), avaliar e atender não apenas a criança/adolescente afastada do convívio familiar, mas também seus pais ou responsável, na perspectiva de promover a futura reintegração familiar, em observância às normas e princípios contemplados pela Lei nº 8.069/90. É fundamental que a Justiça da Infância e da Juventude não atue de forma "isolada", e que sejam oferecidas alternativas ao acolhimento institucional, especialmente através da colocação da criança/adolescente sob a guarda de integrantes de sua família extensa ou a pessoa cadastrada em programa de acolhimento familiar. 50 Com a orientação de que, caso entendam indevido o encaminhamento ou requisição efetuadas, provoquem a autoridade judiciária nos moldes do art. 137, da Lei nº 8.069/90, apresentando as justificativas para recusa no atendimento respectivo. 51 Vale lembrar que, em sendo ajuizada uma ação cautelar de afastamento da criança/adolescente da família (ou mesmo do agressor), será necessário o ajuizamento da ação principal no prazo de 30 (trinta) dias.

Page 53: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

53

- O que há para dizer sobre o tema: convênio/consórcio entre municípios para criação, manutenção e uso de abrigos (programas de acolhimento institucional) para crianças e adolescentes? R: Mais do que "abrigos" (que a nova Lei nº 12.010/2009 passa a chamar de entidades de acolhimento institucional), é fundamental que cada município possua uma política pública especificamente destinada ao efetivo exercício do direito à convivência familiar por todas as crianças e adolescentes, que seja composta de ações preventivas, junto às famílias, e de alternativas ao acolhimento institucional, através da oferta de programas de acolhimento familiar (introduzidos pela nova "Lei de Adoção" - cf. art. 101, inciso VIII, da Lei nº 8.069/90), estímulo ao acolhimento, sob forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar (cf. arts. 34 e 260, §2º, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, §3º, inciso VI, da CF), e outros destinados à colocação familiar (cf. art. 90, inciso III, da Lei nº 8.069/90), em suas mais variadas formas: guarda, tutela e adoção (cf. art. 28, caput, da Lei nº 8.069/90). As inovações trazidas pela Lei nº 12.010/2009, aliás, tornam obrigatória a elaboração e implementação de tal política pública municipal inclusive sob pena de responsabilidade do administrador público (e responsabilidade pessoal, nos moldes do previsto no art. 208, inciso IX e 216, da Lei nº 8.069/90), cabendo ao Ministério Público atuar neste sentido. O que se deseja é que cada vez que surgir um caso que demande o encaminhamento para programas de acolhimento institucional (nunca sendo demais lembra o caráter excepcional e eminentemente transitório da medida - cf. arts. 19, §3º e 101, §1º, da Lei nº 8.069/90), já exista, por parte dos órgãos da administração pública encarregados da execução da política de garantia do direito à convivência familiar, uma "estratégia" definida para o atendimento da criança/adolescente e sua respectiva família (inclusive na perspectiva de futuro restabelecimento do convívio familiar), com toda uma gama de opções disponíveis, incluindo as mencionadas alternativas ao acolhimento institucional, com a aplicação da medida mais adequada para cada caso. Nesta

Page 54: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

54

perspectiva, é possível que um município de pequeno porte, por exemplo, mantenha uma "casa de passagem" ou uma entidade de acolhimento institucional apenas para crianças, estabeleça convênios com outro(s) município(s) próximo(s) para o acolhimento institucional de adolescentes, tenha convênios com o Estado do Paraná (e mesmo com entidades particulares) para casos de maior complexidade e também desenvolva programas de acolhimento familiar e de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda, nos moldes do acima referido, sem prejuízo de programas de orientação, apoio e promoção social de famílias, que permitam a manutenção ou a rápida reintegração da criança ou adolescente em sua família de origem, tudo custeado com recursos provenientes do orçamento público (valendo neste sentido observar o disposto nos arts. 90, §2º, 100, par. único, inciso III e 260, §5º, da Lei nº 8.069/90). - Então, na verdade, como funciona a judicialização do acolhimento institucional? R: Dentre as alterações introduzidas ao Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei nº 12.010/2009, a chamada "Lei de Adoção", sem dúvida uma das mais polêmicas é a que estabelece, de maneira expressa, a obrigatoriedade da intervenção da autoridade judiciária sempre que houver o encaminhamento de crianças e adolescentes a entidades de acolhimento familiar. Embora criticada por alguns, a medida visa não apenas assegurar um rigoroso controle judicial sobre o acolhimento institucional de crianças e adolescentes propriamente dito, mas também coibir certas práticas abusivas e arbitrárias que, apesar de não contempladas pela Lei nº 8.069/1990 mesmo em sua redação original, acabaram por se disseminar e se tornar corriqueiras em todo o Brasil, causando graves prejuízos a um incontável número de crianças e adolescentes que em razão delas acabaram sendo indevidamente institucionalizados, como é o caso do afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar por intermédio de simples decisão administrativa (e arbitrária) do Conselho Tutelar, agora proibido de maneira expressa por força do disposto no art. 101, §2º, da Lei nº

Page 55: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

55

8.069/1990. Vale ressaltar que semelhante providência, a rigor, jamais esteve incluída na esfera de atribuições do Conselho Tutelar pela Lei nº 8.069/1990, sendo sua aplicação decorrente da interpretação equivocada dos arts. 136, inciso I c/c 101, inciso VII, do citado Diploma Legal, que autoriza o Conselho Tutelar a aplicar a crianças e adolescentes em situação de risco apenas a medida de acolhimento institucional, sendo vedado ao órgão a aplicação aos pais ou responsável medidas que importassem na destituição de tutela ou guarda, suspensão ou destituição do poder familiar, que sempre foram de competência exclusiva da autoridade judiciária (inteligência do disposto nos arts. 136, inciso II c/c 129, incisos I a VII e 130 estatutários)52. Na verdade, quis a Lei nº 8.069/1990, mesmo em sua redação original, autorizar o Conselho Tutelar a aplicar a medida de acolhimento institucional unicamente quando a criança ou adolescente já estivesse afastada do convívio familiar (crianças e adolescentes que vivem nas ruas, que estão perdidos ou cujos pais se encontram em local ignorado etc.). Para encaminhar uma criança ou adolescente que esteja convivendo regularmente com seus pais ou responsável legal a uma entidade de acolhimento institucional, não basta a aplicação da medida prevista no art. 101, inciso VII, da Lei nº 8.069/90, pois antes é indispensável seu afastamento do convívio familiar, providência que somente a autoridade judiciária pode tomar, a partir da instauração de procedimento judicial contencioso, nos moldes do previsto, agora de maneira expressa, no art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/1990. A propósito, vale também destacar que a Lei nº 12.010/2009 pretende também abolir, de uma vez por todas, uma das práticas consagradas pelo revogado "Código de Menores" que, apesar de não mais contemplada pelo ordenamento jurídico, não foram abolidas com o advento da Lei nº 8.069/1990: a instauração dos famigerados "procedimentos verificatórios"

52 Ressalvada, logicamente, a ocorrência de flagrante de vitimização, em que não apenas o Conselho Tutelar, mas qualquer pessoa do povo, tem o dever de promover o "resgate" da criança ou adolescente vitimizada (cf. arts. 4º, caput, 18 e 70, da Lei nº 8.069/1990), sem prejuízo do imediato encaminhamento do caso à análise da autoridade judiciária, para eventual "formalização" do afastamento familiar, com a deflagração do competente processo/ procedimento judicial contencioso.

Page 56: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

56

(também chamados de "procedimentos para aplicação de medida de proteção", "pedidos de providência" ou similares), para determinar (ou referendar) o afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar ou em outras situações em que é necessário a deflagração de processo/procedimento contencioso. Com efeito, os referidos "procedimentos verificatórios", instaurados com fundamento no disposto no art. 153, caput, da Lei nº 8.069/1990, não contemplam uma forma preestabelecida para sua tramitação e têm como pressuposto elementar a ausência de lide, sendo assim procedimentos de jurisdição voluntária por excelência, que como tal, são de utilização expressa e necessariamente subsidiária. Assim sendo, por seu caráter subsidiário e sua natureza voluntária, o procedimento previsto no art. 153, caput, da Lei nº 8.069/1990 não pode ser utilizado quando for necessário promover o afastamento de uma criança ou adolescente de sua família, haja vista que, em jogo, se encontra um direito indisponível (o direito à convivência familiar) e, ainda que por presunção, haverá um evidente conflito de interesses entre a criança ou adolescente (que é seu titular - cf. arts. 3º, 4º, caput e 100, par. único, inciso I, da Lei nº 8.069/1990) e seus pais ou responsável legal. É preciso acabar, de uma vez por todas, com a mentalidade que dominou a atuação do Poder Judiciário em matéria de infância e juventude enquanto o "Código de Menores" ainda vigorava: as decisões do "Juízo de Menores" eram consideradas de cunho meramente administrativo, e havia a presunção da inexistência de lide (até porque crianças e adolescentes - à época chamados - e tratados oficialmente - como "menores", não eram considerados sujeitos de direitos). A "lógica jurídica" hoje se inverteu: haverá jurisdição mesmo quando da tomada de decisões como as relativas à expedição de portarias e alvarás judiciais, nos moldes do previsto no art. 149, da Lei nº 8.069/1990 53 , e quando da instauração de processos e procedimentos destinados à defesa judicial de interesses

53 Que são expedidas por sentença (e não por mero ato administrativo), como a inteligência do disposto no art. 199, da Lei nº 8.069/1990 evidencia.

Page 57: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

57

individuais, coletivos ou difusos de crianças e adolescentes54, a existência de lide deve ser presumida55, tendo como requeridos (e não meros "interessados") o poder público, os pais ou responsável ou qualquer agente que, por ação ou omissão, é responsável pela violação dos direitos infanto-juvenis que o processo visa resguardar. Diante de tal constatação, a própria existência dos mencionados "procedimentos verificatórios" se torna um verdadeiro anacronismo, pois aquilo que tiver por objetivo uma atuação meramente "administrativa" da autoridade judiciária (como ocorria antes da entrada em vigor da Lei nº 8.069/1990), hoje se encontra na esfera de atribuições do Conselho Tutelar (não sendo assim necessária a instauração de qualquer procedimento judicial, diante do caráter resolutivo que a intervenção do Conselho Tutelar deve possuir), e aquilo que, de fato, demandar a intervenção da Justiça da Infância e da Juventude , em razão da gravidade da conduta lesiva aos interesses infanto-juvenis e/ou da impossibilidade de tutela do direito violado pela via administrativa (após a intervenção do Conselho Tutelar e/ou do Ministério Público), não é compatível com a instauração do singelo procedimento previsto no art. 153, da Lei nº 8.069/1990, pois fatalmente irá resultar na tomada de medidas de cunho coercitivo, com possíveis consequências nas esferas civil, administrativa (cf. arts. 5º, 208 e 216, da Lei nº 8.069/1990) e mesmo criminal, tendo assim por pressupostos a perfeita identificação do réu (ente público, pais ou responsável e/ou outro agente público ou particular), a descrição da causa de pedir e do pedido (que deve ser determinado)56, de modo que sejam preenchidos todos os requisitos necessários à constituição válida e ao desenvolvimento regular do processo, permitindo ao requerido o regular exercício do contraditório e da ampla defesa. Assim sendo, se antes do advento da Lei nº 12.010/2009, a 54 A defesa extrajudicial é promovida por intermédio da atuação do Conselho Tutelar ou por medidas administrativas promovidas pelo Ministério Público (cf. arts. 201, §5º e 211, da Lei nº 8.069/1990). 55 Até porque existem inúmeros mecanismos extrajudiciais para a efetivação dos direitos assegurados pela lei e pela CF a crianças e adolescentes. 56 Elementos que, quase nunca, se fazem presentes nos referidos "procedimentos verificatórios", que em regra não têm começo, meio e (especialmente) apresentam uma tendência a jamais terem fim.

Page 58: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

58

instauração de "procedimentos verificatórios" para determinar o afastamento de criança ou adolescente do convívio familiar e seu posterior encaminhamento a programa de acolhimento institucional (quando isto não ocorria para pura e simplesmente "referendar" acolhimentos efetuados pelo Conselho Tutelar) já não era admissível, sob pena de grave violação de princípios e regras processuais básicas, a incorporação dos arts. 101, §2º c/c 93, par. único à Lei nº 8.069/1990 passou a estabelecer uma vedação expressa à utilização de tal via procedimental, que não é compatível com a forma e nem com a espécie de tutela jurisdicional necessária à salvaguarda do direito violado. Interessante observar que, embora proíba a utilização dos referidos "procedimentos verificatórios" para fins de afastamento da criança ou adolescente do convívio familiar, o art. 93, par. único, da Lei nº 8.069/1990 não especifica qual medida judicial deverá ser então manejada com tal propósito, sendo certo, apenas, em função do contido na segunda parte do dispositivo, em conjugação com o art. 101, §2º, do mesmo Diploma Legal, que o procedimento (talvez o melhor fosse dizer "processo") será necessariamente contencioso e que aos pais ou responsável deverá ser assegurado o regular exercício do contraditório e da ampla defesa (que, desnecessário dizer, se constituem em garantias constitucionais básicas, instituídas em proveito de todos contra o arbítrio estatal, arbítrio este que não se quer mais impere diante de situações semelhantes). A escolha do meio judicial a ser utilizado não representa maiores problemas, haja vista que o art. 212, da Lei nº 8.069/1990, prevê de maneira expressa que "para defesa dos direitos e interesses protegidos por esta lei são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes", cabendo ao autor a eleição do meio judicial mais adequado e eficaz aos objetivos almejados. Destarte, em sendo constatada a necessidade do afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar, ressalvada a ocorrência de situações emergenciais, como quando de um "flagrante de vitimização" (em que, por força do disposto nos arts. 4º, caput, 18 e 70, da Lei nº 8.069/1990, qualquer pessoa tem o dever de interceder, na preservação da integridade física e/ou psíquica de criança ou adolescente), o Ministério Público ou outro legitimado, eventualmente a partir de provocação do Conselho Tutelar, nos moldes do previsto no art. 136, par. único,

Page 59: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

59

da Lei nº 8.069/1990, deverá ingressar com ação cautelar inominada, ação civil pública com pedido liminar, ação ordinária com pedido de tutela antecipada ou qualquer outro meio judicial idôneo (cf. art. 112, da Lei nº 8.069/1990), no qual sejam devidamente identificados os requeridos, descritas as condutas a estes imputadas, que importam na violação de direitos infanto-juvenis e justificam o deferimento da tutela jurisdicional requerida, à luz dos elementos de convicção coligidos, acompanhados de pedido de produção de provas, citação etc. Desnecessário mencionar que, em sendo proposta ação de cunho cautelar, o autor terá 30 (trinta) dias para o ingresso com a ação principal e, em qualquer caso, seja qual for a ação ajuizada, o feito, que será de competência da Justiça da Infância e da Juventude (cf. art. 149, inciso IV, da Lei nº 8.069/1990), deverá ser instruído e julgado com a mais absoluta prioridade, inclusive sob pena de responsabilidade da própria autoridade judiciária (cf. art. 152, par. único, da Lei nº 8.069/1990). Importante também destacar que, por força do disposto nos arts. 19, caput e §3º, 100, caput e par. único, inciso X e 130, da Lei nº 8.069/1990, antes de se cogitar em afastar a criança ou adolescente do convívio familiar deve-se tentar esgotar os meios para sua manutenção junto à família (que se necessário, na forma da lei, deverá ser inserida em programas oficiais ou comunitários de orientação, auxílio e promoção social) e que, mesmo diante a ocorrência de maus tratos ou abuso sexual, deve-se primeiro avaliar a possibilidade de afastamento do agressor da moradia comum. Uma vez determinado o afastamento da criança ou adolescente de sua família e seu subsequente encaminhamento a programa de acolhimento institucional (o que somente deve ocorrer na inexistência de familiares em condições de assumir sua guarda ou tutela), deve a autoridade judiciária, com o apoio do Conselho Tutelar e dos responsáveis pela execução da política municipal destinada à garantia do direito à convivência familiar, zelar para que a família seja inserida em programas de orientação, apoio e promoção social, com vista à futura reintegração familiar (medida que, na forma da lei, terá preferência a qualquer outra). Vale lembrar que, ressalvada a existência de ordem judicial expressa e fundamentada em sentido contrário, o contato de crianças e adolescentes inseridos em programas de acolhimento

Page 60: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

60

institucional ou familiar com seus pais e parentes é obrigatório, e não deverá ser apenas "facultado", mas sim estimulado (cf. art. 92, §4º, da Lei nº 8.069/1990). A criança inserida em programa de acolhimento institucional ou familiar será obrigatoriamente inscrita junto a um cadastro próprio a ser mantido pela Justiça da Infância e da Juventude (cf. art. 101, §11, da Lei nº 8.069/1990), de modo a ter sua situação periodicamente reavaliada pela autoridade judiciária (no máximo a cada seis meses, cf. art. 19, §1º, da Lei nº 8.069/1990), na perspectiva de sua reintegração familiar ou, se isto não for comprovadamente possível, sua inserção em família substituta, em qualquer das modalidades previstas pelo art. 28, da Lei nº 8.069/1990. O controle judicial sobre a situação das crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional ou familiar não deve ser exercido apenas no plano individual, pois também abrange a fiscalização das entidades que executam os programas respectivos, de modo a assegurar o efetivo respeito às normas e princípios estabelecidos na lei, o cumprimento das resoluções dos Conselhos de Direitos e a eficiência do trabalho por elas desenvolvido, tanto junto às crianças e adolescentes acolhidos quanto junto às suas respectivas famílias (cf. arts. 90, §3º, 92 e 95, da Lei nº 8.069/1990). Ainda no plano coletivo, deve também contemplar a busca da estruturação dos municípios 57 que compõem a comarca, na perspectiva de implementação, inclusive sob pena de responsabilidade pessoal do gestor omisso, de uma política pública especificamente destinada ao pleno e efetivo exercício do direito à convivência familiar por todas as crianças e adolescentes, que compreenda ações de caráter preventivo (diga-se, junto às famílias de origem), além de programas de orientação, apoio e promoção social das famílias, serviços públicos especializados (a exemplo dos CREAS, CRAS e CAPS) no atendimento de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda, assim como à adoção tardia, de grupos de irmãos, de

57 Nunca sendo demais lembrar que a municipalização do atendimento é a diretriz primeira da política idealizada pela Lei nº 8.069/1990 e referendada pela Lei nº 12.010/2009.

Page 61: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

61

crianças e adolescentes com deficiência e outras iniciativas semelhantes (cf. arts. 87, incisos VI e VII, 88, inciso VI, 90, §2º, 100, par. único, inciso III, 208, inciso IX e 216, todos da Lei nº 8.069/1990). A implementação de tal política pública em âmbito municipal, vale dizer, se mostra imprescindível à própria atuação da Justiça da Infância e da Juventude (que com ela deverá se articular - cf. art. 86, da Lei nº 8.069/1990), haja vista que diversas das disposições introduzidas ao Estatuto da Criança e do Adolescente pela Lei nº 12.010/2009 não apenas a ela fazem referência expressa, como também a consideram verdadeiro pressuposto para as ações a serem desenvolvidas no sentido da efetivação do direito à convivência familiar há tanto prometido. Assim sendo, mais do que trabalhar no sentido da solução de casos individuais (especialmente quando isto ocorre de maneira isolada e improvisada), a Justiça da Infância e da Juventude (para o que deverá contar com o apoio inestimável do Ministério Público), deve procurar agir no plano coletivo, de modo que sejam criadas, a partir de uma política pública consistente e de programas e serviços eficientes, as condições indispensáveis ao regular exercício do direito à convivência familiar por todas as crianças e adolescentes. É preciso ficar claro, enfim, que quando uma criança ou adolescente se encontra com seus direitos fundamentais (como o direito à convivência familiar) ameaçados ou violados, e é necessária a intervenção da Justiça da Infância e da Juventude, não será com a instauração de um "procedimento verificatório" ou similar (tal qual ocorria à época do "Código de Menores") que o problema será solucionado. Se há ameaça ou violação de direitos, é preciso identificar claramente os agentes aos quais se atribui a ação ou omissão lesiva aos interesses infanto-juvenis e, a partir daí, manejar as medidas judiciais necessárias à sua responsabilização, seja no sentido de fazer com que intervenham no caso, numa perspectiva resolutiva, seja para aplicar as sanções administrativas e civis correspondentes, tudo com a mais absoluta prioridade preconizada pela Lei (cf. arts. 4º, caput e par. único, alínea "b" e 152, par. único, da Lei nº 8.069/1990) e pela Constituição Federal (cf. art. 227, caput, da CF/88). O objetivo das normas incorporadas ao Estatuto da Criança e do

Page 62: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

62

Adolescente pela Lei nº 12.010/2009, portanto, não é fazer da "judicialização" dos acolhimentos institucionais, isoladamente considerada, uma espécie de "panacéia", mas sim evitar sua banalização, especialmente nos casos em que a criança ou adolescente está convivendo com seus pais ou responsável legal, procurando reservar tal medida extrema a situações verdadeiramente excepcionais, após comprovada a necessidade de sua aplicação, observadas todas as garantias legais e constitucionais contra o arbítrio estatal. Com as novas regras, que nada mais são que uma explicitação daquilo já contemplado na Lei nº 8.069/1990, mas que muitos não conseguiam (ou não queriam) enxergar, se pretende erradicar, de uma vez por todas a prática "menorista" de fazer dos acolhimentos institucionais a pretensa "solução" do problema e das crianças e adolescentes acolhidos os únicos "réus certos" de "procedimentos verificatórios" que nunca têm fim. Assim sendo, o encaminhamento de uma criança ou adolescente a um programa de acolhimento institucional deve ser cercado de cautelas e o quanto possível evitado, por se tratar de medida que, por si só, já acarreta a violação de um dos direitos fundamentais àqueles expressamente assegurados pela lei e pela Constituição Federal: o direito à convivência familiar, em razão do que não pode se perpetuar no tempo, devendo dar ensejo a uma série de iniciativas, tanto por parte da Justiça da Infância e da Juventude, quanto por parte de outros órgãos e serviços públicos, tendentes a abreviar ao máximo o período de afastamento do convívio familiar. Não mais é admissível, por outro lado, que a Justiça da Infância e da Juventude e as entidades de acolhimento institucional atuem de forma isolada e segmentada, sem uma interlocução direta e sem o apoio dos órgãos públicos municipais encarregados da execução das políticas públicas em geral, sendo fundamental a articulação entre todos e a implementação de uma política pública específica, de cunho intersetorial e interdisciplinar, voltada à garantia do direito à convivência familiar para todas as crianças e adolescentes, nos moldes do acima referido. É preciso, enfim, compreender que não basta a intervenção da autoridade judiciária, ou mesmo a pura e simples criação de

Page 63: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

63

uma ou mais entidades de acolhimento institucional, para que os problemas que afligem crianças e adolescentes afastados do convívio familiar sejam solucionados. É preciso muito mais, pois sem uma ação integrada e articulada entre aqueles e outros órgãos, programas e serviços públicos municipais58 e, acima de tudo sem a intervenção de profissionais qualificados, capazes de interferir de maneira efetiva e resolutiva nas situações que deram origem ao problema, tanto no plano individual quanto coletivo, tendo por objetivo, antes e acima de tudo, o "resgate social" das famílias (em cumprimento, inclusive, ao comando constitucional emanado do art. 226, caput e §8º, de nossa Carta Magna), poucos resultados serão obtidos, e nenhum avanço será conquistado em relação à sistemática consagrada pelo revogado "Código de Menores", que não contemplava os mecanismos previstos pela Lei nº 8.069/1990 no sentido da responsabilidade do Poder Público pela implementação de políticas públicas de semelhante teor, o que é absolutamente injustificável e admissível. Conclui-se, portanto, que a "nova" regulamentação exige, acima de tudo, uma mudança de postura da Justiça da Infância e da Juventude quando do atendimento de crianças e adolescentes que se encontram com seus direitos ameaçados ou violados, pois é necessário não apenas que esta cumpra fielmente, mas que também faça cumprir, junto aos demais órgãos e setores do Poder Público co-responsáveis pela elaboração e execução das políticas públicas em geral59, as normas e princípios instituídos na busca da plena efetivação do direito à convivência familiar por todas as crianças e adolescentes60, tendo a compreensão de

58 Sem prejuízo, logicamente, da articulação com órgãos, programas e serviços estaduais, ex vi do disposto nos arts. 86 e 100, par. único, inciso III, da Lei nº 8.069/1990. 59 Diga-se: os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e da Assistência Social, Secretarias e Departamentos municipais encarregados dos setores de assistência social, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, planejamento, finanças e todos os demais órgãos e entidades encarregadas direta ou indiretamente do atendimento de crianças, adolescentes e suas respectivas famílias. 60 Inclusive no que diz respeito à garantia de prioridade no atendimento (cf. arts. 4º, caput e par. único, alínea "b", 100, par. único, incisos II e VI e 259, par. único, da Lei nº 8.069/1990) e à destinação privilegiada de recursos públicos orçamentários (cf. arts. 4º, caput e par. único, alínea "d" c/c 90, §2º e 100, par. único, inciso III, da Lei nº 8.069/1990).

Page 64: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

64

que a sistemática atual não mais admite o "amadorismo", a "improvisação" e o "achismo" que, durante tantos anos, foram a marca da intervenção estatal junto a esta parcela da população. E se alguém deve ser penalizado pela omissão estatal, que não sejam as crianças e adolescentes indevidamente encaminhadas e/ou "esquecidas" nas entidades de acolhimento institucional, mas sim os gestores e agentes públicos que têm o dever legal e constitucional de assegurar-lhes o regular exercício do direito à convivência familiar e que, se nada fizerem neste sentido, devem ser responsabilizados na forma prevista pelos arts. 5º, 208, caput e inciso IX e 216, todos da Lei nº 8.069/1990. Ao exigir mais controle, critério e responsabilidade para o acolhimento institucional, portanto, a Lei nº 12.010/2009 também reclama uma maior reflexão acerca do papel da Justiça da Infância e da Juventude na defesa dos direitos infanto-juvenis, procurando romper, em definitivo, com a concepção "menorista" que não raro ainda se faz presente entre os integrantes do "Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente", e tantos prejuízos têm causado a um número cada vez maior de crianças, adolescentes e famílias, que acabam sendo indevidamente separadas e fragmentadas, sem que seja realizado qualquer trabalho (sério e eficaz) voltado à sua reunificação, ante a injustificável omissão do Estado (lato sensu) em desenvolver políticas públicas capazes de prevenir semelhante situação e assegurar que o afastamento do convívio familiar se estenda pelo menor período de tempo possível. A "nova" regulamentação, no entanto, apenas aponta o caminho. Cabe a nós, operadores jurídicos, trilhá-lo com coragem e determinação, fazendo da lei um instrumento de transformação da realidade de omissão e descaso em que vivem nossas crianças e adolescentes afastadas do convívio familiar.

Page 65: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

65

- Há viabilidade de Lei Municipal criar a "família acolhedora" como forma de suprir a ausência de programa de acolhimento institucional no município, com previsão de repasse de verba municipal para as famílias interessadas em acolher crianças e adolescentes em situação de risco? R: Tanto programas do tipo "família acolhedora" quanto destinados ao estímulo ao acolhimento, sob forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar (cf. arts. 34 e 260, §2º, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, §3º, inciso VI, da CF) podem ser criados por lei municipal (a criação de incentivos fiscais, aliás, fatalmente demandará a aprovação de uma lei específica a respeito). Pode (e deve, com base no art. 226, da CF) ser previsto, inclusive, o repasse de verbas e incentivos fiscais para as próprias famílias de origem, seja como forma de evitar o afastamento familiar (nunca sendo demais lembrar que a falta de condições materiais não é motivo para tanto - cf. arts. 19, §3º, 23, caput e par. único e 100, par. único, incisos IX e X, da Lei nº 8.069/90), seja para facilitar a reintegração familiar. Em qualquer caso, é necessário também desenvolver programas de orientação às famílias (cf. art. 129, inciso IV, da Lei nº 8.069/90) e efetuar o acompanhamento dos casos atendidos após a colocação/ reintegração familiar (cf. art. 28, §5º, da Lei nº 8.069/90).

Page 66: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

66

- Como compatibilizar o disposto no art. 100, par. único, inciso III (princípio da responsabilidade primária e solidária do Poder Público) com o art. 88, inciso I (municipalização como "diretriz primeira" da política de atendimento à criança e ao adolescente), ambos da Lei nº 8.069/90, e como lidar com a falta de recursos para implementação dos programas e serviços que deverão compor a política destinada à garantia do direito à convivência familiar? R: A municipalização do atendimento decorre não apenas da lei, mas também da Constituição Federal (arts. 227, §7º c/c 204, inciso I, da Carta Magna), tendo por objetivo fazer com que cada município elabore e implemente, com a mais absoluta prioridade, as políticas públicas que permitam a efetivação de todos os direitos assegurados às crianças e adolescentes pela Lei e pela Constituição Federal (tal qual evidencia o disposto no art. 4º, caput, da Lei nº 8.069/90). Com a municipalização das políticas de atendimento (e dos programas e serviços que a integram) a crianças, adolescentes e suas famílias, permite-se sejam aqueles atendidos junto às suas famílias e comunidades de origem, em cumprimento ao disposto nos arts. 4º, caput, 19 e 100, caput, da Lei nº 8.069/90, evitando assim que uma criança ou adolescente que esteja com seus direitos ameaçados ou violados tenha de ser "exportada" para outro município para somente então receber o atendimento que necessita. Isto significa que cabe aos municípios definir as "estratégias" de atuação que serão adotadas diante da ameaça ou violação dos direitos infanto-juvenis assegurados pela Lei nº 8.069/90 e pela CF, através da intervenção dos mais diversos órgãos e entidades de atendimento. Uma política de atendimento, a rigor, representa o conjunto de ações, serviços e programas a serem acionados em âmbito municipal para fazer frente a uma situação problemática específica envolvendo crianças, adolescentes e suas respectivas famílias, numa perspectiva resolutiva, capaz de proporcionar, com o máximo de celeridade possível, a proteção integral que foi àqueles prometida já pelo art. 1º estatutário.

Page 67: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

67

Quando a lei estabelece o princípio da responsabilidade solidária entre os entes públicos, está apenas dizendo que o dever de assegurar a plena efetivação dos direitos infanto-juvenis não é apenas dos municípios, mas também dos Estados e da União. Como resultado da análise conjunta dos citados dispositivos, temos que a elaboração da política de atendimento à criança e ao adolescente deve ficar a cargo dos municípios que, no entanto, para implementação e manutenção dos programas e serviços a àquela correspondentes sempre que necessário podem buscar o suporte técnico e financeiro junto aos Estados e à União (se necessário, inclusive pela via judicial, ex vi do disposto no art. 210, inciso II, da Lei nº 8.069/90). O que não se admite é que o município deixe de elaborar a política (e definir as mencionadas "estratégias de atuação" a esta correspondentes) sob a alegação da "falta de recursos". A uma porque muitas das ações inerentes à política de atendimento demandam pouco ou nenhum investimento 61 de recursos públicos, compreendendo o simples remanejamento servidores e a adequação de programas e serviços já existentes (como os CREAS/CRAS e CAPs), de modo a proporcionar um atendimento diferenciado e prioritário à população infanto-juvenil (nos moldes do previsto nos citados arts. 4º, par. único, alínea "b" e 259, par. único, da Lei nº 8.069/90), a duas porque a área infanto-juvenil está amparada pelo já referido princípio constitucional da PRIORIDADE ABSOLUTA à criança e ao adolescente, o que importa na "preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas" e na "destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude", demandando assim o aporte prioritário de recursos orçamentários (como deixam também claro os arts. 90, §2º e 260, §5º, da Lei nº 8.069/90), que se necessário devem ser remanejados das áreas que não gozam de semelhante prerrogativa constitucional (cf. art. 227, caput, da CF) e a três, porque, como mencionado, os municípios podem e devem buscar junto aos Estados e União o suporte financeiro

61 Em matéria de infância, nunca se fala em "despesa", pois todo e qualquer recurso público utilizado representa um investimento que tem um retorno garantido em termos de melhoria das condições de vida e desenvolvimento de toda sociedade brasileira.

Page 68: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

68

que se fizer necessário à implementação da política a seu cargo (inclusive pela via judicial), estabelecendo ainda parcerias e convênios intermunicipais, com entidades particulares, universidades etc. É até possível que para determinadas demandas de elevada complexidade (como o caso de adolescentes ameaçados de morte, por exemplo), o município, notadamente quando de pequeno porte, não tenha o "programa" correspondente, mas dentro da política de atendimento à criança e ao adolescente que, como visto, tem o dever de implementar, deverá ter já definida uma "estratégia de atuação" para quando surgir tal demanda, com o estabelecimento de um "fluxo" ou "protocolo" de atendimento interinstitucional, com a previsão de quais órgãos, serviços e profissionais irão intervir junto ao adolescente e sua família, o que será feito e para onde serão eles encaminhados, devendo para tanto firmar convênios (inclusive com o Estado e/ou com a União) 62 , qualificar profissionais etc. - O CMDCA é também responsável pela fiscalização das entidades de acolhimento ou isto é tarefa apenas do Conselho Tutelar, Judiciário e Ministério Publico, referidos pelo art. 95, do ECA? R: O CMDCA faz uma fiscalização permanente de todas as entidades de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, que integram a "rede de proteção" à criança e ao adolescente que todo município tem o dever de instituir e manter, sendo tal incumbência decorrência natural da atribuição de conceder o registro às entidades e aos programas que estas desenvolvem, sem o qual, nem a entidade, nem o programa podem atender crianças e adolescentes. De acordo com o disposto nos arts. 90 e 92, do ECA (especialmente, seus parágrafos), com a redação que lhes deu a Lei nº 12.010/2009, tanto o registro das entidades quanto dos programas deve ser concedido por prazo

62 Para utilizar o exemplo fornecido, a União possui um Programa Nacional de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte - PPCAM, cujas ações são desenvolvidas em âmbito de cada Estado, a partir de determinadas entidades especializadas.

Page 69: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

69

determinado (estabelecendo o ECA um prazo máximo, nada impedindo que o CMDCA defina prazos mais reduzidos para renovação do registro e reavaliação dos programas). A reavaliação dos programas de atendimento, aliás, deve ocorrer em caráter permanente e, toda vez que toda vez que surgir alguma denúncia de irregularidade, o próprio CMDCA deve "tomar a frente" dos acontecimentos e investigar os fatos, independentemente da comunicação do fato ao MP (e eventualmente, também ao CT e ao Judiciário). O disposto no art. 95, do ECA, aliás, está diretamente relacionado ao contido no art. 191 estatutário, relativo à instauração de um procedimento judicial para apuração de irregularidade em entidade de atendimento. Nada impede, no entanto, que antes mesmo da instauração de um procedimento judicial (ou paralelamente a este), o CMDCA instaure um procedimento administrativo, que pode inclusive resultar na cassação do registro da entidade e/ou do programa, desde que constatada a ocorrência de fatos que justifiquem semelhante medida, de caráter extremo. Seria interessante, aliás, que o regimento interno do CMDCA estabelecesse um procedimento administrativo próprio para este tipo de investigação administrativa, que deveria contar com a colaboração dos órgãos públicos competentes, garantindo-se à entidade o contraditório e a ampla defesa, além da previsão de comunicação de sua instauração ao Ministério Público. Na ausência de previsão expressa, é de se adotar o procedimento administrativo similar àquele utilizado pela Prefeitura para cassar "alvarás de funcionamento" de estabelecimentos comerciais em geral (estabelecendo-se aí uma analogia entre ambos). É fundamental, em qualquer caso, que o CMDCA atue com o máximo de celeridade, de modo a evitar que, em havendo de fato alguma irregularidade, a mesma cause - ou continue a causar - prejuízos às crianças e adolescentes atendidas. Não resta dúvida que, pior que não existir determinado programa em um município, é haver um que descumpre as normas e princípios estabelecidos pela Lei nº 8.069/90 (ou outros regulamentos aplicáveis àquela modalidade de atendimento, incluindo as próprias resoluções do CMDCA, que na forma da lei devem ser cumpridas sob pena de descredenciamento da entidade e da cassação do registro do programa - o que em

Page 70: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

70

ambos os casos deve determinar a imediata suspensão do atendimento prestado). Vale dizer, aliás, que a "qualidade e eficiência do trabalho" se constitui num dos critérios legais para renovação do registro do programa de atendimento fixados pelo art. 90, §3º, do ECA, assim como também é "o efetivo respeito às regras e princípios desta Lei, bem como às resoluções relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis". Assim sendo, sempre que o CMDCA receber qualquer notícia de irregularidade numa entidade ou programa, não apenas tem o direito, mas também tem o dever de investigar o fato, sem prejuízo de, como dito, obrigatoriamente comunicar o fato ao Ministério Público (valendo neste sentido observar o disposto no art. 220, do ECA), e mesmo articular ações e contar com a colaboração de outros órgãos e autoridades públicas para que o aludido procedimento administrativo instaurado chegue a um bom termo, da forma mais rápida possível. • Outras questões processuais: - Qual é o "procedimento" previsto pela Lei nº 12.010/09, no que para autorizar o acolhimento institucional? Como tem sido instaurado o "procedimento contencioso" a que alude o §2º, do art. 101 do ECA? É admissível ajuizar a demanda, e pleitear a citação dos genitores, antes mesmo de relatório da entidade de acolhimento e com a mera comunicação realizada nos moldes do art. 93 do ECA? R: A Lei nº 12.010/2009 (assim como a Lei nº 8.069/90) não previu um "procedimento" específico para atender ao reclamo do art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90, ressalvada a hipótese de suspensão/destituição do poder familiar (para o que, desnecessário dizer, devem existir elementos idôneos e suficientes a autorizar tão drástica solução). O objetivo do disposto no art. 101, §2º, da Lei nº 8.069/90 é impedir que crianças e adolescentes sejam afastados de suas famílias por simples decisão administrativa do Conselho Tutelar (valendo a propósito observar o disposto no art. 136, par. único, do ECA),

Page 71: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

71

ou mesmo por decisão judicial tomada nos famigerados "procedimentos de verificação de situação de risco"/"para aplicação de medida de proteção" (instaurados com fundamento no art. 153, da Lei nº 8.069/90, que não têm forma predefinida e têm o "péssimo hábito" de jamais terem fim), que por força do disposto no art. 153, par. único, da Lei nº 8.069/90, em tais casos não mais podem ser utilizados. Quis o legislador que o afastamento de uma criança ou adolescente de sua família necessariamente ocorra por intermédio de procedimento judicial contencioso, no qual conste a acusação formal da prática de um ato grave, que justifique a tomada de tão drástica medida, e seja oportunizado aos pais/responsável legal o regular exercício de seus direitos fundamentais ao contraditório, ampla defesa e devido processo legal (o que nem sempre ocorre nos procedimentos instaurados com base no art. 153, da Lei nº 8.069/90, que não raro têm início com um simples ofício do Conselho Tutelar comunicando o acolhimento institucional, muitas vezes efetuado sem uma motivação idônea e que, por não terem uma "forma" predefinida, nem fases procedimentais a vencer - e muito menos um "objeto" definido, acabam se arrastando sem solução indefinidamente, sem a formalização de uma acusação quanto à prática de um ato que justifique o afastamento da criança/adolescente do convívio familiar e sem a produção de provas quanto à sua efetiva ocorrência - e também sem dar espaço para defesa dos pais/responsável, quase sempre pessoas humildes e sem acesso a advogados habilitados). Na verdade, por força do disposto no art. 212, da Lei nº 8.069/90, para o afastamento do convívio familiar é admissível a utilização de qualquer ação pertinente (ressalvados os mencionados procedimentos instaurados com base no art. 153, caput, da Lei nº 8.069/90), razão pela qual é possível a deflagração de ação de natureza cautelar, ação civil pública destinada à proteção de direito individual, ação ordinária com pedido liminar ou qualquer outro meio judicial idôneo. Importante também não perder de vista que, como o dispositivo evidencia, a depender do ocorrido, antes de afastar a criança/adolescente de sua família, deve-se verificar a possibilidade afastamento do agressor da moradia comum (cf. art. 130, da Lei nº 8.069/90), sendo que, em qualquer caso, o processo deve tramitar e ser julgado com a mais absoluta prioridade (cf. art. 4º, par. único,

Page 72: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

72

alínea "b" e 152, par. único, da Lei nº 8.069/90). - As disposições incorporadas ao ECA pela Lei nº 12.010/2009 são plenamente aplicáveis aos processos já em curso? Pode-se entender que as alterações atingiriam todos os processos em curso, na fase em que se encontram, ou as novas regras só valem para os processos ajuizados ou situações de fato que tiveram início após a vigência da nova lei? R: As disposições introduzidas ao ECA pela Lei nº 12.010/2009 têm aplicação imediata, inclusive em relação aos processos e procedimentos já em trâmite. É preciso ter em mente que o objetivo da lei foi justamente evitar a perpetuação de situações que a rigor já eram ilegais mesmo à luz da redação original do ECA (embora fossem amplamente "toleradas", graças ao "ranço de menorismo" ainda impregnado no Poder Judiciário - e na sociedade em geral), não mais havendo qualquer justificativa para que continuem a ocorrer. Evidente que, em determinadas situações ocorridas (e eventualmente consolidadas) antes do advento da Lei nº 12.010/2009, até se poderia (apenas para argumentar) aceitar a alegação de desconhecimento da ilegalidade de determinadas práticas (como é o caso das "adoções intuitu personae", mas a partir de novembro de 2009, esta "desculpa" já não mais existe. - Em casos nos quais adolescentes que foram destituídos do poder familiar estão há muito tempo acolhidos em instituições, sem perspectiva de serem colocados em adoção, é admissível a "restituição do poder familiar" e sua posterior entrega à família de origem? R: Positivo. A rigor não existe vedação legal à "restituição do poder familiar", desde que a medida se mostre efetivamente vantajosa aos interesses da criança ou adolescente, especialmente como forma de evitar a perpetuação do

Page 73: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

73

acolhimento institucional. Os argumentos favoráveis à possibilidade jurídica da mencionada "restituição do pode familiar" podem ser assim relacionados: • Ausência de vedação legal; • Interpretação sistemática das disposições contidas no ECA, que nos leva à constatação de que a única medida "irreversível" (por ser expressamente "irrevogável") é a adoção (cf. art. 39, §1º - de acordo com a nova redação dada pela Lei nº 12.010/2009); • O decreto da destituição do poder familiar não retira dos pais tal condição (a relação de parentesco persiste, havendo mera "averbação" da decisão à margem do registro civil da criança ou adolescente), persistindo, inclusive, alguns dos direitos e deveres paternofiliais, como o dever de prestar alimentos e os direitos sucessórios; • As normas e princípios incorporados ao ECA pela Lei nº 12.010/2009 privilegiam o desencadeamento de ações destinadas à manutenção ou reintegração de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional em suas famílias de origem, não estabelecendo restrições quanto a pais que tenham sido eventualmente destituídos do poder familiar, desde que constatado que a família reúne condições de acolher novamente a criança/adolescente, por ter superado a situação que determinou a destituição do poder familiar ou por haver perspectiva concreta de tal superação, a partir de um trabalho de orientação/apoio externo (que a lei considera dever do Estado proporcionar, sempre que necessário); • A intervenção estatal, também por princípio consagrado no ECA, deve ser sempre voltada à situação que atenda aos interesses da criança/adolescente (que por sinal também deve ser sempre ouvida a respeito - valendo neste sentido observar os princípios contidos no art. 100, par. único, do ECA), razão pela qual, em sendo constatado que a medida de restituição do poder familiar é a mais adequada, e atende aos interesses e anseios da criança/adolescente, a rigor não há razão para que a mesma não seja deferida. Em qualquer caso, mais do que a simples "aplicação da medida" de restituição do poder familiar, é necessário verificar se, de fato, os pais reúnem condições de acolher novamente seus filhos. De igual sorte, é necessário que a reintegração familiar

Page 74: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

74

seja efetuada com cautela, de maneira progressiva (valendo observar o disposto no art. 92, inciso VIII, do ECA), sem prejuízo do imprescindível acompanhamento posterior do caso (cf. art. 28, §5º, do ECA - por analogia), e do encaminhamento da família aos programas de orientação, apoio, promoção social e/ou tratamento especializado que se fizerem necessários (cf. arts. 90, inciso I; 101, inciso IV e 129, incisos I a IV, do ECA). Em qualquer caso, é necessário que haja o empenho e comprometimento, especialmente, dos técnicos que atuam no município, que a partir de uma abordagem interdisciplinar poderão descobrir as melhores formas de atender a família e de se assegurar o êxito no processo de reintegração familiar. - Como atuar de forma mais eficiente na proteção de crianças e adolescentes em situação de risco, inclusive em razão do uso de drogas, tendo em vista a ausência de uma equipe multiprofissional adequada nas comarcas do interior? R: A plena efetivação dos direitos infanto-juvenis pressupõe a implementação de políticas públicas, em âmbito municipal, capazes de atender crianças e adolescentes em situação de risco, juntamente com suas respectivas famílias. A obrigatoriedade da criação de uma política pública especificamente destinada à prevenção e ao tratamento adequado de crianças e adolescentes usuários de substâncias psicoativas decorre nada menos que do art. 227, §3º, inciso V, da Constituição Federal, sendo assim um dever elementar do Poder Público (cf. art. 4º, caput, da Lei nº 8.069/90 e art. 227, caput, da CF) que, se não for cumprido, pode gerar a responsabilidade pessoal do gestor (cf. arts. 5º, 208, caput e inciso VII c/c 216, todos da Lei nº 8.069/90), sendo certo que o atendimento a ser prestado deve também envolver profissionais de outros setores da administração. A intervenção interdisciplinar, portanto, deve ocorrer não apenas no âmbito do Poder Judiciário, mas sim - e fundamentalmente - no âmbito da mencionada "rede de proteção à criança e ao adolescente", que todo município tem o dever de implementar e articular. A

Page 75: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

75

"judicialização" do atendimento, como dito anteriormente, na maioria dos casos não se justifica (salvo para determinar que o município cumpra seu dever legal e constitucional expresso e preste o atendimento devido, sem prejuízo da responsabilização do agente público omisso, consoante acima referido), não podendo a Justiça da Infância e da Juventude agir tal qual fazia a "Justiça de Menores", que na falta de mecanismos de exigibilidade de direitos, assumia, sozinha, a responsabilidade pelo atendimento de crianças e adolescentes (daí resultando práticas equivocadas e arbitrárias que a Lei nº 8.069/90 procurou abolir). O "foco" hoje deve ser outro: a mencionada busca da estruturação dos municípios, para que estes, por intermédio dos diversos órgãos públicos, implementem políticas públicas intersetoriais destinadas ao atendimento da população infanto-juvenil, com a prioridade absoluta preconizada pela Lei e pela Constituição Federal. A própria Justiça da Infância e da Juventude irá se servir da "rede de proteção à criança e ao adolescente" quando necessitar desde uma avaliação técnica interdisciplinar (enquanto não dispuser de equipe própria) até de uma estrutura adequada para execução das medidas protetivas que eventualmente aplicar a crianças, adolescentes e famílias por ela atendidos. - Como compatibilizar o art. 199-A, da Lei nº 8.069/90, que fala em "a sentença que deferir a adoção produz efeitos desde logo, embora sujeita a apelação, que será recebida exclusivamente no efeito devolutivo", com o que diz o art. 47, do mesmo Diploma Legal, no afirmar que a adoção produz "efeito a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva", salvo na adoção póstuma? R: Os arts. 199-A a E da art. 197-C, da Lei nº 8.069/90 não eram previstos no substitutivo que serviu de base à Lei nº 12.010/2009, tendo sido incorporados quando de sua discussão junto à Câmara dos Deputados. Os mesmos contemplam, na verdade, uma sucessão de equívocos absolutamente desnecessária à luz das disposições gerais já contidas no art.

Page 76: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

76

198, do mesmo Diploma Legal. De qualquer modo, não há que se falar na incompatibilidade mencionada, posto que a regra contida no art. 47, da Lei nº 8.069/90 traz uma disposição especial, que assim prevalece em relação à regra geral contida no art. 199-A, do mesmo Diploma Legal. No caso da "adoção póstuma" os efeitos da adoção retroagirão, de modo a permitir que o adotado tenha direito à herança do seu falecido pai. Assim sendo, no curso do processo de inventário, deverá ser reservado um quinhão para o adotando. - A inobservância do prazo fixado no parágrafo 1º, do art. 101 da Lei nº 8.069/90, implica em algum tipo de responsabilização? R: A rigor, a violação de toda e qualquer norma contida na Lei nº 8.069/90 pode levar à responsabilidade civil e administrativa do agente ao qual se atribui a ação ou omissão lesiva aos interesses infanto-juvenis (cf. arts. 5º, 208, caput e par. único c/c 216, todos da Lei nº 8.069/90). O art. 101, §1º, da Lei nº 8.069/90 traz mais do que uma norma cogente: traz um verdadeiro princípio, contemplado também em outras disposições estatutárias, como as contidas nos arts. 19, caput e §3º, 100, par. único, inciso X e 101, §§6º e 7º, da Lei nº 8.069/90 (dentre outros). A preferência será sempre a manutenção da criança ou adolescente junto à sua família (valendo observar o disposto no art. 130, da Lei nº 8.069/90, que prevê, mesmo nos casos de maus tratos ou abuso sexual, o afastamento do agressor da moradia comum, como primeira providência a ser tentada) ou a reintegração familiar, razão pela qual o contato dos pais ou responsável legal com a criança ou adolescente acolhida não deverá ser apenas "facultado", mas sim estimulado, ressalvada a existência de ordem expressa e fundamentada em sentido contrário pela autoridade judiciária, ex vi do disposto nos arts. 92, inciso I e §4º e 101, §6º, inciso III, da Lei nº 8.069/9063.

63 O que é válido, inclusive, para os casos em que a criança ou adolescente seja colocada sob a guarda de terceiros (cf. arts. 33, §4º, do mesmo Diploma Legal).

Page 77: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

77

- Como deve ser composta a equipe responsável pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar? Qual a conduta que deve ser adotada se o município for omisso em relação à mesma e quem pode tomar alguma medida no caso dessa omissão? R: A equipe técnica deve ser composta por, no mínimo, psicólogos, assistentes sociais e pedagogos, devendo também haver a previsão da intervenção de antropólogos e técnicos da FUNAI, no caso de atendimento de crianças e adolescentes indígenas ou oriundas de comunidades remanescentes de quilombos (cf. art. 28, §6º, da Lei nº 8.069/90). A implementação da referida política municipal é obrigatória, sob pena de responsabilidade pessoal (civil e administrativa) do Prefeito e dos gestores aos quais se atribui a omissão lesiva aos interesses infanto-juvenis (cf. arts. 5º, 208, caput e inciso IX e 216, da Lei nº 8.069/90). A busca da implementação de tal política, que se constitui num verdadeiro pressuposto da plena efetivação do direito à convivência familiar (que não mais pode ficar a cargo apenas do Poder Judiciário e/ou se limitar à pura e simples criação de entidades de acolhimento institucional), se constitui num dever de todos os integrantes do "Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente", que para tanto devem provocar o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (que detém a competência/ poder-dever legal e constitucional de deliberar quanto à implementação de políticas públicas em prol da população infanto-juvenil local). Se necessário recorrer ao Poder Judiciário para obtenção de tal estruturação, poderão fazê-lo os legitimados relacionados no art. 210, da Lei nº 8.069/90, devendo neste caso, como mencionado anteriormente, buscar-se também a responsabilidade civil e administrativa dos gestores omissos.

Page 78: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

78

- Considerando que a C.F. não apresenta condicionamentos para a adoção, até mesmo temporal, a norma do inciso III, do parágrafo 13, do art. 50, da Lei nº 8.069/90 deve ser algo de inconstitucionalidade, por meio do controle difuso? R: De maneira alguma. Inconstitucional é a falta de critérios ou a utilização do Poder Judiciário para singela "homologação" de "adoções pré-concebidas" (ou "intuitu personae", realizadas por intermédio de acordos escusos celebrados entre os pais da criança e as pessoas que pretendem adotá-la, fazendo dela um mero "objeto" de "livre disposição" dos adultos. A lei sempre estabeleceu condicionantes à adoção, como é o caso da idade mínima, da exigência de uma motivação idônea, da comprovação de que os interessados em adotar estão preparados, sob o ponto de vista ético, moral e educacional para assumir as responsabilidades e ônus da adoção, em caráter permanente etc. As exigências do art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90 apenas reafirmam tais condicionantes que já existiam na sistemática anterior e também se fazem presentes na normativa internacional. Pessoas que obtém crianças para adotar de forma ilícita, não raro através da prática de crimes, como os relacionados nos arts. 237 e 238, da Lei nº 8.069/90, estão demonstrando claramente que não preenchem os requisitos preexistentes da idoneidade moral e das condições éticas indispensáveis à adoção. A opção do legislador foi privilegiar a adoção LEGAL, não podendo a Justiça da Infância e da Juventude permitir a realização de adoções irregulares, formuladas por pessoas que usam de meios antiéticos e mesmo criminosos para "burlar" a sistemática estabelecida para adoção. Vale lembrar que a adoção é medida que visa atender aos interesses da criança ou adolescentes adotando, e não dos adotantes. É fundamental, portanto, rigor na repressão àqueles que usam de meios ilícitos para adotar, devendo-se realizar campanhas de esclarecimento e de estímulo à adoção legal, com ênfase para adoção de crianças maiores, adolescentes, grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência etc. Toda vez que a Justiça da Infância e da Juventude, abrindo mão

Page 79: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

79

de seu poder jurisdicional, se limita a "homologar" situações pretensamente já consolidadas (concedendo adoções "intuitu personae", notadamente a pessoas não habilitadas previamente), mas que traduzem uma burla à sistemática legal para adoção, está desestimulando e mesmo desrespeitando (e lesando) todos aqueles que confiaram no Poder Judiciário e se submeteram ao procedimento de habilitação à adoção, alimentando assim uma "espiral de ilegalidade" que já existe desde tempos imemoriais e que, a persistir tal mentalidade, jamais terá fim. A Lei nº 12.010/2009 quis abolir, de uma vez por todas, semelhantes práticas, a bem da moralidade do instituto da adoção e da própria credibilidade do Poder Judiciário. Por fim, vale notar que o disposto no art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90 não proíbe a adoção de crianças menores de 03 (três) anos por aquelas pessoas regulamente habilitadas e cadastradas, que já demonstraram ter plenas condições de adotar e que devem ter PREFERÊNCIA ABSOLUTA na adoção, em detrimento daqueles que se propõem a obter crianças (geralmente recém-nascidas) por meios ilícitos. Assim sendo, NÃO HÁ inconstitucionalidade alguma a ser reconhecida. - Ante as decisões do STF e do STJ, afastando os efeitos previdenciários da guarda, como fica o guardando, que poderia ser adotado não fosse a exigência temporal do inciso III, do parágrafo 13, do art. 50 da Lei nº 8.069/90? R: Antes de mais nada, deve-se evitar a colocação de crianças e adolescentes sob a guarda, com vista à adoção, de pessoas que não sejam previamente habilitadas, valendo aqui as mesmas observações quanto à utilização de meios escusos para obtenção de crianças com vista á adoção. É muito comum que as pessoas interessadas em adotar, mesmo sem estarem previamente habilitados e/ou terem qualquer vínculo prévio com a criança (geralmente recém-nascida) ou sua família, ingressem com pedidos de simples guarda, de modo a formar primeiramente vínculos, para depois "forçarem" uma "adoção dirigida". Tal prática deve ser também COIBIDA pelo Poder Judiciário, pelas mesmas razões anteriormente mencionadas.

Page 80: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

80

As decisões do STJ e mesmo do STF que não reconhecem a possibilidade de inscrição do guardado como dependente do segurado guardião, com o devido respeito, são INCONSTITUCIONAIS, pois violam de maneira frontal o disposto no art. 227, §3º, inciso VI, da Constituição Federal. Vale também mencionar que tais decisões não são pacíficas, e segundo consta o STJ irá em breve uniformizar sua jurisprudência relativa à matéria, havendo a possibilidade de passar a admitir tal inscrição, como seria de rigor. Ademais, tal fator não serve de justificativa para que se privilegie a iniquidade e o uso de meios escusos para adoção de crianças recém nascidas. Cabe ao Poder Judiciário reconhecer a inconstitucionalidade, isto sim, das "adoções dirigidas" (que negam a condição das crianças como titulares de direitos) e da proibição da inscrição dos guardados como dependentes de seus guardiães. - Em face do determinado no inciso III, do parágrafo 13, do art. 50, da Lei nº 8.069/90, é possível afirmar-se que a adoção entre pessoas ainda é possível, já que não se poderá indeferi-la se os pretendentes à adoção cadastrarem-se após o recebimento da criança direto dos seus genitores? R: Como acima referido, crianças e adolescente são sujeitos de direitos, e não meros "objetos" de "propriedade" de seus pais. Assim sendo, não deve ser reconhecido qualquer pretenso "direito" de os pais "doarem" seus filhos para quem melhor lhes aprouver. Adoções "dirigidas" devem ser coibidas, pois fazem da criança um mero "objeto", e tal situação não se altera com eventual habilitação "posterior" dos pretendentes à adoção. Semelhantes práticas depõem contra a moralidade do instituto da adoção e fazem com que a Justiça da Infância e da Juventude se preste ao deplorável papel de meramente "homologar" "atos de disposição" dos pais (e geralmente apenas da mãe) em relação a seus filhos, não raro após receber a oferta ou paga de recompensa (o que, desnecessário lembrar, caracteriza o crime previsto pelo art. 238, da Lei nº 8.069/90).

Page 81: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

81

Em sendo necessária a colocação da criança em adoção (após esgotadas as possibilidades de manutenção dos vínculos familiares, com a identificação do suposto pai e demais cautelas previstas em lei64), isto deverá ocorrer entre as pessoas e casais já cadastrados, procurando-se respeitar, como critério básico, a ordem de inscrição no cadastro existente na comarca (cf. art. 197-E, da Lei nº 8.069/90), ressalvada a existência de situação excepcional, plenamente justificada, que autorize solução diversa. - Com a regra do inciso III, do parágrafo 13, do art. 50, da Lei nº 8.069/90, é possível afirmar-se que o legislador deu maior importância à guarda do que à adoção? R: O legislador privilegiou o exercício do direito à convivência familiar em suas mais variadas formas, a começar pela permanência da criança ou adolescente em sua família de origem, ou ainda sua colocação em família substituta sem a que para tanto houvesse a necessidade de rompimento dos vínculos com os pais e parentes biológicos. O objetivo do art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90 já foi acima mencionado: evitar as "adoções dirigidas" ou "intuitu personae", que apenas beneficiam aqueles que usam de meios escusos para obtenção de crianças recém-nascidas para adoção, e além de não trazerem a estas qualquer benefício, lhes colocam em sério risco, pois permitem sua colocação familiar junto a pessoas inidôneas e/ou que não possuem uma adequada motivação ou preparo para adoção. A guarda, especialmente junto a parentes próximos da criança ou adolescente, é sem dúvida uma excelente alternativa à sua permanência em uma entidade de acolhimento familiar ou institucional, valendo mencionar que, mesmo diante da colocação de uma criança ou adolescente sob guarda, deve ser assegurado aos pais o direito de visita, ressalvada a existência

64 Valendo mencionar as disposições da Lei nº 8.560/92, assim como o contido nos arts. 19, caput e §3º, 100, caput e par. único, incisos I, IV, IX e X, 166, §§2º e 3º, parte final, da Lei nº 8.069/90.

Page 82: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

82

de ordem judicial expressa e fundamentada em sentido contrário (cf. art. 33, §4º, da Lei nº 8.069/90). - Com as novas alterações no direito brasileiro, inclusive em torno dos alimentos gravídicos, reconhecendo-se ao nascituro determinados direitos, é possível a adoção do nascituro? R: Negativo. Por força do disposto no art. 166, §6º, da Lei nº 8.069/90, o consentimento com a adoção somente pode ser dado após o nascimento da criança, o que na prática inviabiliza a adoção do nascituro. É necessário, ademais, prestar assistência psicológica, social e jurídica à gestante e à mãe, justamente na perspectiva de EVITAR que a mesma abra mãe de seu filho, devendo a mesma ser ainda orientada e conscientizada no sentido da indicação do nome do suposto pai (pois toda pessoa tem o direito de conhecer sua origem biológica), que deverá ser chamado a dizer se assume ou não a paternidade, nos moldes do previsto na Lei nº 8.560/92. - A prévia destituição do poder familiar, exigida pelo art. 169 da Lei nº 8.069/90, não deve ser desconsiderada ante o princípio da relativização das formas acolhido pela jurisprudência, se na própria ação de adoção, que extingue o poder familiar, se possibilitar o contraditório aos pais do adotando? R: Negativo. Apenas a ação de destituição do poder familiar garante o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, como forma de evitar o deferimento de uma adoção de forma arbitrária, sem que seja devidamente comprovada a presença de alguma das causas de destituição do poder familiar previstas no art. 1638, do Código Civil e arts. 22 c/c 24, da Lei nº 8.069/90. Tal entendimento também afrontaria os princípios relativos ao exercício do direito à convivência familiar consagrados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela normativa internacional e reafirmados pela Lei nº 12.010/2009. Não mais é

Page 83: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

83

admissível agir tal qual ocorria sob a égide do revogado "Código de Menores", em que a pretexto de se estar agindo no "melhor interesse da criança" arbitrariedades eram praticadas e graves equívocos eram cometidos. Pela sistemática atual, o conceito de "melhor interesse da criança" não é mais um termo vago, cujo alcance ficava ao critério exclusivo da autoridade judiciária, mas passou a ter parâmetros claramente definidos, que encontram respaldo, antes de mais nada, na Constituição Federal que, apenas para exemplificar, assegura à família, primeira instituição chamada à responsabilidade para defesa dos direitos infanto-juvenis, especial proteção por parte do Estado (lato sensu - o que inclui o Estado-Juiz), na pessoa de cada um de seus integrantes (cf. arts. 226, caput e §8º e 227, caput, primeira parte, de nossa Carta Magna), o que inclui o direito ao contraditório e à ampla defesa. A Lei nº 12.010/2009 reafirma a necessidade de instauração de processo/procedimento contraditório até mesmo para o simples afastamento temporário de criança ou adolescente do convívio familiar, o que logicamente torna absolutamente inviável que a adoção (ressalvadas, logicamente, as hipóteses previstas no art. 166, da Lei nº 8.069/90), ocorra sem a prévia destituição do poder familiar, assim decretada em sede de procedimento específico, não por acaso previsto no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 155 a 163, da Lei nº 8.069/90), após devidamente comprovada a presença de uma das causas de destituição do poder familiar previstas em lei. - Quantas recusas são necessárias para a caracterização do pressuposto da reavaliação da habilitação, nos termos do parágrafo 2º, do art. 197-E, da Lei nº 8.069/90? R: O objetivo da norma é fazer com que os postulantes à adoção deixem de fazer exigências excessivas quanto ao "perfil" da criança que pretendem adotar, ao que corresponde um trabalho a ser desenvolvido pela equipe técnica a serviço da Justiça da Infância e da Juventude (preferencialmente em parceria com os técnicos das entidades de acolhimento e responsáveis pela execução da política municipal destinada à plena efetivação do direito à convivência familiar). A reavaliação

Page 84: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

84

preconizada por este e outros dispositivos introduzidos pela Lei nº 8.069/90 não deve ser uma atividade meramente passiva, mas também compreender o estímulo à adoção de crianças maiores de 03 (três) anos e adolescentes, grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência e outras que geralmente não têm interessados em sua adoção. Assim sendo, a rigor basta uma recusa, que demonstre preconceito ou discriminação para com a adoção de uma criança ou adolescente que não se enquadre no "perfil" idealizado pela pessoa ou casal habilitado, para que a reavaliação (e o referido trabalho destinado à "remoção das barreiras psicológicas à adoção") seja efetuada. - Um rapaz que foi adotado por uma senhora em 1989, através de escritura pública, com a devida anuência dos pais biológicos, entrou com uma ação anulatória de registro público, pois deseja que conste no aludido documento o nome de sua mãe biológica e não a da adotiva. A mãe adotiva já faleceu. O requerente aduz que só entrou com a ação agora em face de ter atingido a maioridade e não concordar com a adoção feita quando o mesmo ainda era criança. Em caso de possibilidade, quem figuraria no polo passivo da demanda, visto que a mãe adotiva faleceu e não há informações quanto a possíveis herdeiros desta? R: Não parece que o caso comporta ajuizamento de ação anulatória de registro público. Se o ato jurídico era perfeito (e antes do advento do ECA era possível a adoção por escritura pública), não há o que anular. É possível, no entanto, resolver a situação por 02 (dois) caminhos distintos, sem necessidade de recorrer à anulatória: 1 - Caso a mãe biológica esteja viva e consinta com o

restabelecimento da relação de filiação, ela pode adotar o seu filho biológico. Desnecessário dizer que, em tal caso, não incide a vedação do art. 42, §1º, do ECA, até porque a mãe biológica, para todos os fins e efeitos (salvo os impedimentos matrimoniais) não é mais considerada "ascendente" do filho biológico, que com a adoção passou a

Page 85: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

85

ser legalmente filho de terceira pessoa. Assim sendo, basta que a mãe biológica ingresse com um pedido de adoção do interessado, que a relação de filiação será restabelecida, com o cancelamento da anterior;

2 - Uma outra opção, mais "progressista" (vamos dizer), é o ingresso, pelo filho, com uma ação de reconhecimento da filiação biológica sem a anulação ou cancelamento da filiação adotiva. Tal solução, que a priori independe do consentimento da mãe biológica (caso a mesma já seja falecida, por exemplo), permite que o adotado restabeleça os vínculos biológicos sem "negar" (ou "cancelar") os adotivos (o que pode até mesmo lhe acarretar traumas e perdas difíceis de superar, especialmente se o mesmo nutria pela família adotiva relação de afeto). Isto na verdade já possui ao menos um precedente. Transcrevemos, abaixo, uma notícia relativa a uma recente decisão do TJRS que trata do assunto, sendo esta solução aparentemente mais adequada que a primeira, ressalvada a existência de motivos para que o adotado queira "apagar" a família adotiva de sua história de vida.

Assim, caso o adotado deseje manter os vínculos parentais com a família adotiva, me parece que o mais adequado seja o ingresso com uma ação inominada, de rito ordinário (devido ao objeto), visando o restabelecimento da filiação biológica sem a desconstituição do vínculo adotivo. Caso procedente (e não vejo porque não o ser), o adotado passaria a contar no registro com 02 (duas) mães: a biológica e a adotiva, o que também não é novidade alguma, especialmente com a proliferação de ações de adoção ajuizadas por pares homossexuais, nas quais têm sido deferida a dupla paternidade/maternidade. Não parece que seja necessário indicar uma parte "requerida" na referida ação, especialmente se a mãe biológica com ela consentir. Quando muito, será a própria mãe biológica (e/ou seus herdeiros) que deverá figurar no polo passivo da demanda (dados os possíveis reflexos para fins de alimentos e herança). Transcrevemos abaixo a notícia sobre a decisão do TJRS:

No dia 17/09/2009, a 8ª Câmara Cível do TJRS, em decisão inédita, afirmou ser possível declarar

Page 86: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

86

judicialmente a paternidade biológica de alguém, sem que haja pedido de anulação do atual registro decorrente da paternidade socioafetiva (dos adotantes). O Colegiado determinou a averbação da paternidade biológica em Registro Civil de homem, 40 anos. Não foi autorizada a alteração do nome registral e nem concedidos direitos vinculados ao parentesco, como herança do pai biológico. Os magistrados entenderam que a medida não viola o ordenamento jurídico, informando haver também concordância das partes e inexistência de prejuízo ou discordância de quem quer que seja. Pai e filho, autores da ação de investigação de paternidade, interpuseram recurso de apelação ao TJ contra sentença de improcedência. Afirmaram querer a averbação da paternidade biológica e que não negam a paternidade socioafetiva (registral). Os pais adotivos também já faleceram e não deixaram herança. Conforme o relator, Des. Rui Portanova, a Justiça de primeira instância entendeu que a ação objetiva o recebimento de herança pelo filho. E, como a paternidade socioafetiva é preponderante, a sentença de 1º Grau declarou ser inviável reconhecer o vínculo biológico. Para o Desembargador, está correto valorar mais a paternidade decorrente da socioafetividade dos pais adotivos e registrais. No entanto, disse, é possível reconhecer a paternidade biológica em concomitância com a socioafetiva (registral). "Não há justificativa para impedir a livre investigação da paternidade pelo fato de alguém ter sido registrado como filho dos pais socioafetivos". Salientou que foi comprovada a paternidade biológica após 40 anos do nascimento do filho e inexiste interesse, de ambos, em anular ou retificar o atual registro de nascimento. "Certa a paternidade biológica, o seu reconhecimento, sem a concessão dos demais direitos decorrentes do vínculo parental e inexistindo prejuízo e resistência de quem quer que seja, não viola o ordenamento jurídico". Esclareceu, ainda, que o pai biológico pode contemplar o filho com seus bens, valendo-se de instrumento adequado previsto no regramento jurídico. O filho

Page 87: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

87

contou que conviveu até os 18 anos na casa dos pais socioafetivos (adotivos) porque casou-se logo após o falecimento de sua mãe. Manteve relacionamento com o pai adotivo até a morte dele, quando o apelante estava com 39 anos. Esclareceu que os pais adotivos não deixaram bens e nada herdou. Ressaltou que o reconhecimento da paternidade foi iniciativa do pai biológico. Declarou que mantém com ele, relacionamento bem próximo desde 2007. Já o pai biológico afirmou que tinha conhecimento da paternidade desde o nascimento do filho, porém não se aproximou em razão de a mãe biológica estar casada na época da concepção. Revelou que sempre procurou saber do paradeiro do filho e ficou sabendo da adoção por meio de parentes dos pais registrais. Disse querer deixar o patrimônio que possui para ele e outro filho. Na avaliação do Des. Rui Portanova, negar o reconhecimento da verdade biológica chega a ser uma forma de restrição dos direitos da personalidade e de identidade da pessoa. Como é certa a paternidade biológica, frisou, é possível o seu reconhecimento judicial, sem a concessão dos direitos vinculados ao parentesco. "Assim, penso não haver obstáculo em preservar a verdadeira paternidade - a socioafetiva - e reconhecer a paternidade biológica com a devida averbação no registro". Votaram de acordo com o relator, os Desembargadores Claudir Fidélis Faccenda e José Ataídes Siqueira Trindade (Fonte: TJRS).

Page 88: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

88

- Determinada pessoa, há mais de dez anos, iniciou um relacionamento amoroso com "X". Esta já tinha uma filha de 08 meses, porém sem o nome do genitor no registro. O autor, então, assumiu a paternidade e registrou como sua a criança. Agora, como relacionamento amoroso acabou, o autor resolve que não quer mais ser pai da menina e ajuíza uma ação de nulidade de registro, apontando o verdadeiro genitor, que foi confirmado pela prova técnica. É razoável anular esse registro, considerando que a decisão do pai foi consciente em reconhecer a menina como sua filha, mesmo sabendo que não era? R: A paternidade/maternidade socioafetiva tem sido cada vez mais valorizada pela doutrina e pela jurisprudência, que em alguns casos, em seu favor, chegam a cometer alguns excessos. Cada caso é um caso, e deve ser analisado com a cautela e profundidade devidas, levando em conta os princípios que norteiam o Direito da Criança e do Adolescente e suas implicações no caso em concreto, que devem ser devidamente ponderadas (não basta a singela alegação de que determinada situação "atende ao superior interesse da criança", tal qual ocorria sob a égide do revogado "Código de Menores", em que se invocava o "superior interesse" para privar de liberdade, encaminhar para abrigos, "exportar" crianças para fora do País quando havia familiares interessados em obter sua guarda/tutela/adoção e outras tantas barbaridades que todos nós conhecemos ou ao menos já ouvimos falar...), a partir de uma avaliação interprofissional criteriosa. Coloco isto como questão preliminar até para evitar que a referida "supervalorização" da paternidade/maternidade socioafetiva nos leve a situações esdrúxulas, como a manutenção de vínculos de crianças recém nascidas com pessoas que as "compram" de seus pais (geralmente apenas de suas mães) e após um efêmero convívio já ingressam com pedidos de guarda ou adoção, almejando a convalidação, pelo Poder Judiciário, de

Page 89: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

89

uma conduta contra legem e mesmo criminosa (cf. art. 238, do ECA), que faz da criança um mero "objeto" de "propriedade" de seus pais, em total subversão não apenas às normas e princípios estatutários aplicáveis, mas ao próprio princípio basilar da dignidade da pessoa humana. No caso citado, no entanto, me parece que a situação é diversa da acima exemplificada, e é possível sustentar a manutenção do vínculo paternal, com base na relação socioafetiva já consolidada, apesar da inexistência de paternidade biológica. Transcrevemos, abaixo, algumas decisões de Tribunais (em alguns casos, apenas notícias de decisões), que reconhecem a impossibilidade da ruptura da relação paternofilial existente, fortemente consolidada ao longo dos anos, em razão da simples constatação da inexistência de filiação biológica, notadamente quando esta circunstância já era conhecida do "pai registral", quando da lavratura do assento de nascimento (não havendo assim que se falar da presença em qualquer dos vícios do consentimento quando da efetivação daquele ato). Há mesmo uma tendência de reconhecer a possibilidade da coexistência das paternidades biológica e socioafetiva (para hipótese de o pai biológico ter interesse em assumir tal condição), desde que tal solução se mostre de fato vantajosa. Não resta dúvida que não está longe o dia em que a chamada "adoção aditiva", na qual o vínculo adotivo é estabelecido sem o rompimento do vínculo biológico, como no caso do falecimento do pai biológico e a posterior adoção do filho pelo cônjuge ou companheiro da mãe da criança/adolescente, será amplamente admitida (vale lembrar que, pela sistemática atual, que preconiza uma adoção "substitutiva" - ressalvado o caso de adoção unilateral - o deferimento da adoção em tais casos importaria no virtual "desaparecimento" de qualquer traço da paternidade biológica da história de vida da criança/adolescente, com reflexos, inclusive, junto aos avós e outros parentes paternos, que perderiam tal condição e não mais poderiam reivindicar visitas, por exemplo, acarretando um completo rompimento de vínculos que pode ser prejudicial ao destinatário da medida). É preciso, enfim, aplicar os institutos de Direito da Criança e do Adolescente com cautela e responsabilidade, analisando todas as implicações presentes - e também futuras - da decisão que pretendemos tomar (mesmo quando falamos em "adoção

Page 90: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

90

aditiva", não podemos perder de vista que, reconhecida esta possibilidade, estamos também falando da "adição" de outros deveres decorrentes da relação paternofilial, como o dever de prestar alimentos, que é recíproco entre ascendentes e descendentes, daí podendo resultar numa futura obrigação do filho, no caso citado, em prestar alimento a ambos os pais e/ou a seus quatro avós paternos), de modo que o "superior interesse" da criança/adolescente não fique apenas na "retórica" e/ou sujeito ao "prudente arbítrio" do Juiz (usando um termo que era o parâmetro empregado pelo revogado Código de Menores quando da "fundamentação" das decisões - que muitas vezes sequer "fundamentadas" eram), mas sim seja devidamente comprovado nos autos, a partir da mencionada análise interprofissional criteriosa (e uma coisa que não podemos mais conviver é com comarcas que não dispõem de equipes interprofissionais a serviço da Justiça da Infância e da Juventude), efetuada à luz das normas e princípios que regem a matéria, que também devem ser sopesados e devidamente considerados pela decisão respectiva. Transcrevemos, abaixo, os julgados anteriormente mencionados:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PATERNIDADE BIOLÓGICA NÃO CONFIRMADA. AFETIVIDADE ENTRE PAI REGISTRAL E FILHO. ANULAÇÃO DE REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE. A manutenção da paternidade registral, não biológica, mesmo quando firmada de forma voluntária, só se justifica quando existente relação de socioafetividade entre as partes. Presente, no caso concreto, forte vínculo socioafetivo entre pai e filho, o registro de nascimento do menor deve ser mantido, preservando os interesses e direitos da criança e do adolescente. RECURSO IMPROVIDO. (TJRS. 8ª C. Cív. Ap. Cível nº 70022896625. Rel. Claudir Fidelis Faccenda. J. em 12/06/2008. DJ 19/06/2008).

Reconhecimento de paternidade biológica não importa , necessariamente, na anulação da paternidade socioaf etiva. No dia 17/09/2009, a 8ª Câmara Cível do TJRS, em decisão

Page 91: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

91

inédita, afirmou ser possível declarar judicialmente a paternidade biológica de alguém, sem que haja pedido de anulação do atual registro decorrente da paternidade socioafetiva (dos adotantes). O Colegiado determinou a averbação da paternidade biológica em Registro Civil de homem, 40 anos. Não foi autorizada a alteração do nome registral e nem concedidos direitos vinculados ao parentesco, como herança do pai biológico. Os magistrados entenderam que a medida não viola o ordenamento jurídico, informando haver também concordância das partes e inexistência de prejuízo ou discordância de quem quer que seja. Pai e filho, autores da ação de investigação de paternidade, interpuseram recurso de apelação ao TJ contra sentença de improcedência. Afirmaram querer a averbação da paternidade biológica e que não negam a paternidade socioafetiva (registral). Os pais adotivos também já faleceram e não deixaram herança. Conforme o relator, Des. Rui Portanova, a Justiça de primeira instância entendeu que a ação objetiva o recebimento de herança pelo filho. E, como a paternidade socioafetiva é preponderante, a sentença de 1º Grau declarou ser inviável reconhecer o vínculo biológico. Para o Desembargador, está correto valorar mais a paternidade decorrente da socioafetividade dos pais adotivos e registrais. No entanto, disse, é possível reconhecer a paternidade biológica em concomitância com a socioafetiva (registral). "Não há justificativa para impedir a livre investigação da paternidade pelo fato de alguém ter sido registrado como filho dos pais socioafetivos". Salientou que foi comprovada a paternidade biológica após 40 anos do nascimento do filho e inexiste interesse, de ambos, em anular ou retificar o atual registro de nascimento. "Certa a paternidade biológica, o seu reconhecimento, sem a concessão dos demais direitos decorrentes do vínculo parental e inexistindo prejuízo e resistência de quem quer que seja, não viola o ordenamento jurídico". Esclareceu, ainda, que o pai biológico pode contemplar o filho com seus bens, valendo-se de instrumento adequado previsto no regramento jurídico. O filho contou que conviveu até os 18 anos na casa dos pais socioafetivos (adotivos) porque casou-se logo após o falecimento de sua mãe. Manteve relacionamento com o pai adotivo até a morte dele, quando o apelante estava com 39 anos. Esclareceu que os pais adotivos não deixaram bens e

Page 92: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

92

nada herdou. Ressaltou que o reconhecimento da paternidade foi iniciativa do pai biológico. Declarou que mantém com ele, relacionamento bem próximo desde 2007. Já o pai biológico afirmou que tinha conhecimento da paternidade desde o nascimento do filho, porém não se aproximou em razão de a mãe biológica estar casada na época da concepção. Revelou que sempre procurou saber do paradeiro do filho e ficou sabendo da adoção por meio de parentes dos pais registrais. Disse querer deixar o patrimônio que possui para ele e outro filho. Na avaliação do Des. Rui Portanova, negar o reconhecimento da verdade biológica chega a ser uma forma de restrição dos direitos da personalidade e de identidade da pessoa. Como é certa a paternidade biológica, frisou, é possível o seu reconhecimento judicial, sem a concessão dos direitos vinculados ao parentesco. "Assim, penso não haver obstáculo em preservar a verdadeira paternidade - a socioafetiva - e reconhecer a paternidade biológica com a devida averbação no registro". Votaram de acordo com o relator, os Desembargadores Claudir Fidélis Faccenda e José Ataídes Siqueira Trindade (Fonte: TJRS). Registro de paternidade só pode ser anulado se houv er vício de consentimento (15/12/2008). Aquele que reconhece voluntariamente a paternidade de criança sabendo que não é o pai biológico não tem o direito subjetivo de propor posteriormente ação de anulação de registro de nascimento, a não ser que demonstre a ocorrência de vício de consentimento. Essa foi a decisão unânime da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, acatou os recursos especiais interpostos pela representante da criança e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Inicialmente, um homem ajuizou uma ação anulatória de registro de paternidade, argumentando que registrou a criança, nascida em 2003, sob enorme pressão psicológica e coação irresistível imposta pela mãe. Na ação, ele afirma que "sempre soube que a criança não era seu filho". Ele sustentou que não se trata de negatória de paternidade, mas de mera anulação de registro. Seu objetivo era a declaração da inexistência da relação jurídica de parentesco entre ele e a criança. Na contestação, a

Page 93: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

93

representante da criança afirma que, ao saber da gravidez, o homem não levantou dúvidas a respeito da paternidade que lhe foi atribuída, tendo, inclusive, sugerido a realização do aborto. Diante da decisão da genitora de manter a gravidez, o homem prestou todo auxílio necessário durante a gestação. A mãe afastou qualquer possibilidade de coação, afirmando que ele registrou a criança sem vício de vontade. Na audiência preliminar, o juiz homologou acordo para realização de exame de DNA, cujo laudo é conclusivo no sentido de excluir a paternidade biológica. Na sentença, o pedido formulado pelo homem foi julgado improcedente sob o fundamento de que "as alegações e provas trazidas nos autos pelo autor são insuficientes a amparar a desconstituição e/ou invalidação de seu ato". Com isso, o homem recorreu ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que acatou sua apelação sob o fundamento de que, "sendo negativa a prova pericial consistente no exame de DNA, o estado de filiação deve ser desconstituído coercitivamente". Daí o recurso especial interposto pelo representante do menor e pelo MPDFT em que alegam divergência jurisprudencial e ofensa ao artigo 1.604 do Código Civil de 2002. Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi afirma que diretrizes devem ser muito bem fixadas em processos que lidam com direito de filiação, para que não haja possibilidade de uma criança ser desamparada por um ser adulto que a ela não se ligou, verdadeiramente, pelos laços afetivos supostamente estabelecidos quando do reconhecimento da paternidade. Segundo a ministra, o julgamento deve ser pautado pela duradoura prevalência dos interesses da criança, sentimento que deve nortear a condução do processo em que se discute, de um lado, o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação. Ela afirma que o ato só pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento. Isto é, para que haja efetiva possibilidade de anulação do registro de nascimento da criança ou adolescente, é necessária prova robusta no sentido de que o relutante pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido. A ministra entende que não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade em que o próprio recorrido manifestou que sabia perfeitamente não haver vínculo

Page 94: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

94

biológico entre ele e o menor e, mesmo assim, reconheceu-o como seu filho. Além disso, o simples receio de ter contra si ajuizada uma ação, possivelmente uma investigatória de paternidade, não pode, jamais, ser considerado como "coação irresistível", conforme alegado pelo pai, que, por sua vez, ajuizou ação para anular o ato de reconhecimento de filho que praticou espontaneamente. A ministra finaliza, afirmando que o julgador deve ter em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, porque a ambivalência presente nas recusas de paternidade é particularmente mutilante para a identidade das crianças, no sentido de tornar, o quanto for possível, contínuos os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento (Fonte: STJ).

Page 95: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

95

Jurisprudência Temática Selecionada – Adoção

- TJPR mantém decisão que determinou a busca e apreensão de criança entregue a terceiros para fins de adoção, de forma irregular, sem a existência de justificativa para preterição das pessoas e casais habilitados à medida e sem a indispensável intervenção da Justiça da Infância e da Juventude.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. REVOGAÇÃO DA LIMINAR DE GUARDA PROVISÓRIA DE RECÉM-NASCIDA CONCEDIDA A TERCEIROS. CRIANÇA ENTREGUE A ELES PELA MÃE BIOLÓGICA, LOGO APÓS O NASCIMENTO, POR NÃO TER CONDIÇÕES DE CRIÁ-LA. IRREGULARIDADE QUE LEVOU A INSTAURAÇÃO DE MEDIDA DE PROTEÇÃO DA INFANTE. SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E DETERMINAÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DA INFANTE. GUARDA DE FATO EXERCIDA DE FORMA IRREGULAR. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. MENOR EM SITUAÇÃO DE INDEFINIÇÃO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO DEFINITIVO ENTRE O BEBÊ E O CASAL. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE IMPÕE A MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO DESPROVIDO. (TJPR. 11ª C. Cível. A.I. nº 0548300-9, de Londrina. Rel. Des. Augusto Lopes Cortes. Unânime. J. em 02/09/2009).

- TJMG mantém decisão que indeferiu pedido de guarda de criança com vista à adoção formulado por pessoas não cadastradas nem previamente habilitadas à adoção na comarca]. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO DE GUARDA PROVISÓRIA DE CRIANÇA - INDEFERIMENTO DA LIMINAR REQUERIDA PELOS AUTORES, COM FUNDAMENTO NA AUSÊNCIA DE SEU CADASTRAMENTO NA LISTA DE ADOÇÃO DO MUNICÍPIO E DE PARENTESCO COM A INFANTE - RECOLHIMENTO DESTA AO ABRIGO MUNICIPAL - GUARDA PROVISÓRIA DEFERIDA A OUTRO CASAL -

Page 96: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

96

NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA MENOR NO ATUAL LAR EM QUE RESIDE - PRESERVAÇÃO DA SUA INTEGRIDADE PSÍQUICA. Tendo sido a criança retirada, por força de decisão judicial, da guarda de fato dos autores, com fundamento na ausência de cadastramento destes na lista de adoção do Município, e colocada, posteriormente, sob a guarda provisória de outro casal, com o qual ela convive atualmente, recomenda-se a manutenção da decisão que indeferiu a liminar na ação de guarda movida por aqueles, até o julgamento definitivo da demanda, para que reste preservada a integridade psíquica da criança, cujos interesses devem preponderar acima de quaisquer outros. (TJMG. 1ª C. Cív. A.I. nº 1.0079.09.922957-1/001. Rel. Des. Armando Freire. J. em 06/10/2009). - TJPR reconhece que, salvo a existência de situação excepcional que justifique a medida, a entrega de recém-nascido a terceiros pela mãe, para fins de adoção, não deve ser referendada pelo Poder Judiciário, devendo, caso não seja possível a manutenção da criança com sua família biológica, ser a adoção deferida a pessoa ou casal regularmente inscrito à adoção na comarca. Agravo de instrumento. Ação de adoção. Recém-nascido entregue pela genitora aos autores. Despacho que determina o abrigamento do menor. Finalidade de obstar a criação de vínculo afetivo com os requerentes. Adequação. Pleito de manutenção do infante sob a guarda dos agravantes. Impossibilidade. Ausência de situação excepcional que autorize o deferimento da tutela requerida. Recurso desprovido. (TJPR. 12ª C. Cív. A.I. nº 478.931-1, de Ipiranga. Rel. Des. Clayton Camargo, AC. nº 10032. J. 10/09/2008). - TJPR: decisões diversas sobre a necessidade de prévia habilitação e cadastramento para justificar pedido de adoção e necessidade de observância da ordem de inscrição no cadastro, ressalvada situação excepcional que justifique plenamente solução diversa. Apelação cível. Estatuto da Criança e do Adolescente. Criança em abrigo. Destituição do poder familiar. Adoção. Contatos mantidos com a criança durante a realização de serviços

Page 97: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

97

voluntários. Visitas autorizadas durante curto lapso temporal. Alegação de vínculo afetivo. Improcedência. Hipótese que não autoriza a inobservância do disposto no artigo 50 da Lei 8069/90. 1. Para garantia da lisura, legalidade e imparcialidade do procedimento de adoção, é de rigor a fiel observância da sistemática imposta pelo art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente se deferindo a adoção a pessoas previamente cadastradas e habilitadas. 2. Salvo em hipóteses excepcionais, analisáveis em cada caso concreto, a adoção exige, também, obediência à cronologia na ordem do cadastro dos adotantes. 3. A convivência dos adotantes com criança adotanda, limitada a visitas autorizadas e acompanhamento a consultas médicas, durante curto período, não autoriza a quebra da ordem cronológica do cadastro. (TJPR. AP. Cível nº 161.291-5, de Curitiba. Rel. Juiz Conv. Espedito Reis do Amaral. AC. nº 3943. J. em 05/04/2005). Recurso de apelação. ECA. Adoção. Indeferimento. Admissibilidade. Interessados que não se encontravam no topo da respectiva lista de cadastro. Inteligência do artigo 50 do Estatuto. Recurso desprovido. (TJPR. 1ª C. Crim. Rec.AP.ECA nº 98.935-7, de União da Vitória. Rel. Juiz convocado Campos Marques. AC. nº 13091. J. em 15/03/2001). RECURSO DE APELAÇÃO - ECA - PEDIDO DE GUARDA PROVISÓRIA CUMULADA COM ADOÇÃO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE JULGOU EXTINTO O PEDIDO INICIAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, COM FULCRO NO ART.267, INCISO VI, DO CPC - IRRESIGNAÇÃO DA REQUERENTE SOB A ALEGAÇÃO DE QUE POSSUI OS REQUISITOS PARA ADOÇÃO - DOCUMENTOS NECESSÁRIOS - PESSOA IDÔNEA - AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO PRÉVIA NO CADASTRO DE QUE TRATA O ARTIGO 50, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - REQUISITO OBRIGATÓRIO - FALTA DE MOTIVO RELEVANTE A JUSTIFICAR, EM CARÁTER

Page 98: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

98

EXCEPCIONAL, A APLICAÇÃO DE MEDIDA DIVERSA DO PRECEITO LEGAL - NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJPR. 1ª C. Crim. Rec.Ap.ECA nº 108.930-7, de Francisco Beltrão. Rel. Des. Clotário Portugal Neto. AC nº 13.709. J. em 25/10/2001). Adoção. Inscrição prévia dos postulantes no cadastro de que trata o art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Requisito não atendido. Ausência de motivo relevante a justificar, excepcionalmente, a relativização do preceito. Pedido indeferido. Recurso desprovido. Insatisfeito o requisito da prévia inscrição no cadastro de que trata o art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente e inexistindo motivo relevante que justifique, excepcionalmente, a relativização do preceito em prol dos melhores interesses da criança, inviabiliza-se o pedido de adoção. (TJPR. 2ª C. Crim. Rec.Ap.ECA nº 96050-1, de Rolândia. Rel. Des. Telmo Cherem. AC. nº 12634. J. em 26/10/2000). DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER/ADOÇÃO - REGISTRO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES A SEREM ADOTADOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O MENOR. EXEGESE DO ARTIGO 50 DO ECA. CASAL INTERESSADO QUE NÃO INTEGRA A LISTA DE INSCRIÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. DECISÃO CONFIRMADA. 1. O registro da criança, no juizado da vara da infância e da juventude, visa estabelecer critérios justos, para que, garantindo igual acesso às famílias substitutas, seja possível adequar os interesses do menor (adotando) com as reais intenções e potencialidades do adotante, evitando, assim, que a adoção se torne objeto de comercialização entre pais adotivos e pais biológicos. 2. Havendo pessoas interessadas, já inscritas na lista, com prioridade para adotar a menor, não há como conceder ao casal-requerente a adoção pretendida, impondo-se, por isso, a extinção do processo, relativo à adoção requerida. (TJPR. CM. AP. Cív. n.º 2.291-0, de Cascavel. Rel. Des. Accácio Cambi. J em 24/08/1998).

Page 99: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

99

- TJRS reconhece obrigatoriedade de observância da ordem de inscrição dos pretendentes à adoção, ressalvada a existência de situação "excepcionalíssima" que justifique plenamente solução diversa. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA E ADOÇÃO. NECESSIDADE DE OBSERVâNCIA DA LISTA DE ADOÇÃO. Em que pese a possibilidade de se superar os requisitos formais da adoção (Lista de Habilitados), isso só se dará em situações especialíssimas, quando se puder verificar inequivocamente o laço de afetividade formado entre a criança e os pais substitutos, o que não ocorre no caso dos autos. Recurso improvido. (TJRS. 8ª C. Cív. Ap. Cível nº 70024692675. Rel. Des. Claudir Fidélis Faccenda. J. em 14/08/2008). - TJPR mantém decisão que determinou a busca e apreensão de criança entregue a terceiros para fins de adoção, de forma irregular, sem a existência de justificativa para preterição das pessoas e casais habilitados à medida e sem a indispensável intervenção da Justiça da Infância e da Juventude. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. REVOGAÇÃO DA LIMINAR DE GUARDA PROVISÓRIA DE RECÉM-NASCIDA CONCEDIDA A TERCEIROS. CRIANÇA ENTREGUE A ELES PELA MÃE BIOLÓGICA, LOGO APÓS O NASCIMENTO, POR NÃO TER CONDIÇÕES DE CRIÁ-LA. IRREGULARIDADE QUE LEVOU A INSTAURAÇÃO DE MEDIDA DE PROTEÇÃO DA INFANTE. SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR E DETERMINAÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO DA INFANTE. GUARDA DE FATO EXERCIDA DE FORMA IRREGULAR. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. MENOR EM SITUAÇÃO DE INDEFINIÇÃO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO DEFINITIVO ENTRE O BEBÊ E O CASAL. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS QUE IMPÕE A MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO DESPROVIDO. (TJPR. 11ª C. Cível. A.I. nº 0548300-9, de Londrina. Rel. Des. Augusto Lopes Cortes. Unânime. J. em 02/09/2009).

Page 100: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

100

- TJPR reconhece obrigatoriedade da prévia habilitação e inscrição de pessoa ou casal interessado em adoção, para justificar interesse na guarda de criança para fins de adoção APELAÇÃO CÍVEL - ADOÇÃO - CRIANÇA ENTREGUE PELA MÃE BIOLÓGICA À AUTORA NÃO HABILITADA NO CADASTRO DE ADOTANTES - INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 50 DA LEI 8.069/90 - CARÊNCIA DE AÇÃO - INTERESSE DE AGIR - CONDIÇÕES DA AÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - ART. 267 CPC - ABRIGAMENTO DE CRIANÇA - INVIABILIDADE - RETORNO AO CONVÍVIO DA MÃE MATERNA - RECURSO DESPROVIDO - SENTENÇA PARCIALMENTE ALTERADA DE OFÍCIO. - É de rigor a fiel observância da sistemática imposta pelo art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente se deferindo a adoção a pessoas previamente cadastradas e habilitadas. - Não tendo a apelante realizado o cadastro prévio, nem atendido aos procedimentos de adoção na Vara da Infância e Juventude, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir. - Negado o pedido de adoção, deve a criança retornar à guarda da mãe biológica, enquanto não houver motivos para sua extinção (artigo 1635 do Código Civil) e for isso declarado em decisão fundamentada, proferida sob o crivo do contraditório. (TJPR. 11ª C. Cív. AC nº 0541417-1, de Ponta Grossa. Rel. Juiz Subst. 2º G. Luiz Antônio Barry. Unânime. J. em 27/05/2009). - TJPR reconhece que a medida de destituição do poder familiar, possui um caráter extremo e excepcional, não podendo ser aplicada como forma de "punição" aos pais. APELAÇÃO CÍVEL - ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - SENTENÇA NO SENTIDO DE DESCONSTITUIR O PODER FAMILIAR E APLICAR MEDIDA DE PROTEÇÃO DE COLOCAÇÃO DO MENOR EM FAMÍLIA SUBSTITUTA POR MEIO DE ADOÇÃO - AUSENTES OS ELEMENTOS NECESSÁRIOS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PROVIDO. A perda do poder familiar possui um caráter protetório do menor e não punitivo aos pais. A decisão de destituição do pátrio poder consiste na conduta omissiva da genitora diante de suas obrigações elencadas no art. 22 do ECA e no art. 1.634 do CC, a qual não se verificou in casu.

Page 101: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

101

(TJPR. 12ª C. Cív. AC nº 0565628-6, de União da Vitória. Rel. Des. José Cichocki Neto. Unânime. J. em 02/09/2009). - TJRS reconhece a possibilidade da suspensão do processo de destituição do poder familiar para permitir seja o pai (réu) submetido à medida de tratamento para drogadição, nos moldes do previsto no art. 129, inciso II, do ECA. APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESTI-TUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. Ainda que comprovada a desídia do pai biológico no exercício dos deveres inerentes ao poder familiar, antes da destituição é prudente a suspensão, tendo em vista que a causa da má conduta do genitor está relaciona-da à dependência química, o que pode ser superado com a aplicação da medida prevista no artigo 129, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (inclusão em programa oficial ou comunitário de trata-mento a alcoólatras). RECURSO IMPRO-VIDO. (TJRS. 8ª C. Cív. Ap. Cív. nº 70031034424. Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda. J. em 20/08/2009). - TJRS confirma sentença que determinou o afastamento de pai do lar conjugal, em razão do alcoolismo e da prática de agressões constantes contra os filhos. APELAÇÃO CÍVEL. ECA. MEDIDA PROTETIVA DE AFASTAMENTO COMPULSÓRIO DO LAR. NECESSIDADE DE PROTEÇÃO DOS INFANTES E DO ADOLESCENTE QUE EFETUOU O REGISTRO DE OCORRÊNCIA POLICIAL CONTRA O DEMANDADO. SENTENÇA QUE DETERMINOU O AFASTAMENTO DO RÉU DO LAR QUE MERECE SER MANTIDA. Comprovado que o demandado, ao ingerir bebida alcoólica, coloca em risco a vida de 4 menores e um adolescente no lar onde reside, correta a determinação de seu afastamento compulsório. Preliminar de Cerceamento de Defesa que não merece guarida, segundo bem gizou a douta Procuradoria de Justiça em seu parecer. APELAÇÃO IMPROVIDA. (TJRS. 7ª C. Cív. Ap. Cív. nº 70025638552. Rel. Des. Vasco Della Giustina. J. em 10/09/2008).

Page 102: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

102

- STJ reconhece a possibilidade do estabelecimento de restrições e da tomada de cautelas quando da visita de pai acusado de abuso sexual a seus filhos. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CRIANÇA E ADOLESCENTE. AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO CÍVEL POR ALEGADO ABUSO SEXUAL DE MENOR PERPETRADO PELO PAI. DECISÃO QUE REGULA VISITAÇÃO DO GENITOR. - Encerra a hipótese questão extremamente delicada a envolver interesse de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, menina hoje com oito anos de idade, que, segundo relatos familiares e laudos periciais emitidos por assistentes sociais, médicos e psicólogos, teria sofrido constrangimento de cunho sexual perpetrado pelo pai, cujas primeiras manifestações teriam ocorrido por meio da fala da própria criança, quando tinha apenas um ano e sete meses. - Deve a condução de um processo que traz na berlinda a prevalência do interesse maior da criança, dada sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, ser ditada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. - É, pois, inegável a força que se deve imprimir para que a criança seja permanentemente protegida de toda e qualquer forma de agressão à sua incolumidade física, psíquica e emocional. - Ante as circunstâncias da lide, deve ser mantida a visitação paterna sob a supervisão da Divisão de Serviço Social - Núcleo de Psicologia - da 1ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital - RJ, até julgamento final da representação cível, conforme decidido no REsp 960.498/RJ. Agravo não provido. (STJ. 3ª T. Ag.Rg. no R.Esp. nº 786.243/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi. J em 20/05/2008). - TJMG mantém decisão que obriga o município à implementação de programa de acolhimento institucional para crianças e adolescentes afastados do convívio familiar. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONSTRUÇÃO DE ABRIGO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO RESPONSÁVEL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PODER

Page 103: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

103

JUDICIÁRIO. INTERFERÊNCIA ANÔMALA. NÃO OCORRÊNCIA. A criação de abrigo para crianças e adolescentes em situação de risco constitui prioridade social, não podendo o ente público prescindir dessa estrutura. A determinação judicial de instalação do abrigo, em decorrência da omissão do Município responsável, não consubstancia interferência anômala do Poder Judiciário nas atribuições conferidas a outro Poder, mas exercício do controle dos atos administrativos, que tem matriz no art. 5º, XXXV, da Constituição da República, no sentido de assegurar aos cidadãos direitos constitucionais de primeira grandeza. A separação de poderes deve ser interpretada, segundo a doutrina democrática, nos termos da Constituição e, por esta, é dado ao Judiciário corrigir as ações ou omissões administrativas que constituam ilegalidade. Recurso não provido. (TJMG. 4ª C. Cív. Ap. Cív. nº 1.0699.08.080584-8/001. Rel. Des. Almeida Melo. J. em 27/08/2009). - TJRS reconhece a possibilidade de bloqueio de valores na conta do município para assegurar a realização de obras de adequação em entidade de acolhimento institucional (abrigo), em cumprimento a obrigação assumida em compromisso de ajustamento firmado com o Ministério Público. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CI-VIL PÚBLICA. ABRIGO. ABRIGAMEN-TO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. OBRIGAÇÃO DE FAZER DO MUNICÍPIO. Diante do Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado pelo Município com o Ministério Público garantido as melhorias no Abrigo Luz do Amanhã e, não cumpridos seus termos, é de ser determinado que o Município realize as obras necessárias imediatamente. Imperiosa, no caso, a intervenção do Poder Judiciário, a fim de preservar os direitos à qualidade de vida e à assistência de crianças e adolescente, observadas as garantidas dadas pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente. A fixação de multa diária não garante a efetividade da prestação jurisdicional, pois se trata de meio impróprio, uma vez que não atinge somente o ente público competente. Ademais, a determinação para realização das obras gera ônus ao Município e a multa, por sua vez, além de se destinar a apenas uma entidade, em prejuízo de outras não garante a

Page 104: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

104

efetividade do processo. Contudo, para garantir a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, que se destina à proteção da vida e à assistência de crianças e adolescentes, nos termos do artigo 461, §5º, do Código de Processo Civil, não há óbice para o bloqueio dos valores necessários ao cumprimento da decisão ora hostilizada. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. (TJRS. 8ª C. Cív. A.I. nº 70030437800. Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz. J. em 20/08/2009). - TJRJ mantém decisão que determinou o afastamento liminar dos dirigentes de entidade de atendimento a adolescentes, devendo o interesse destes prevalecer ao daqueles, bastando, para concessão da medida, a verossimilhança dos elementos coligidos e o dano potencial que poderia resultar de sua permanência na função. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE LIMINAR. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES EM INSTITUIÇÃO DE ATENDIMENTO À MENORES. PEDIDO LIMINAR DE INTERVENÇÃO NA ENTIDADE. DEFERIMENTO DA TUTELA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APARENTE CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. PONDERAÇÃOS DE INTERESSES. PREVALECÊNCIA DO INTERESSE DOS MENORES, MITIGANDO-SE, POR ORA, O INTERESSE DOS DIRIGENTES DA INSTITUIÇÃO, COM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, PARA RECONHECER A NECESSIDADE DE AFASTAMENTO PROVISÓRIO DOS MEMBROS DA ADMINISTRAÇÃO, BEM COMO A INTERVENÇÃO DA ENTIDADE FRENTE ÀS GRAVES DENÚNCIAS DE IRREGULARIDADES. SE O JUÍZO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE APURA IRREGULARIDADES NA ENTIDADE DE ATENDIMENTO A CRIANÇAS E ADOLESCENTES, DEVE TOMAR MEDIDAS CÉLERES E EFICIENTES QUE VISEM À PROTEÇÃO INTEGRAL E BEM-ESTAR DOS MENORES. A OBTENÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA SUBORDINA-SE À PRODUÇÃO DE PROVA CAPAZ DE CONDUZIR À VEROSSIMILHANÇA - APARÊNCIA DA VERDADE - DAS ALEGAÇÕES DA PARTE, À REVERSIBILIDADE DA MEDIDA E, DENTRE OUTROS

Page 105: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

105

REQUISITOS ALTERNATIVOS, AO FUNDADO RECEIO DO ADVENTO DE DANO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO. A PRESENÇA DESSES REQUISITOS AUTORIZA A MEDIDA PLEITEADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRJ. 5ª C. Cív. A.I. nº 2008.002.21682. Rel. Des. Antônio Saldanha Palheiro. J. em 16/09/2008). - TJPR reconhece que, apesar da instituição do Cadastro Nacional de Adoção e das regras instituídas para sua operacionalização, descabe a exclusão, do cadastro de pretendentes à adoção existente na comarca, das pessoas e casais residentes em comarcas diversas, máxime pelo simples fato de não terem respondido a simples contato telefônico efetuado pela equipe do SAI, sendo necessária a prévia intimação pessoal dos interessados para manifestação acerca do interesse em continuarem cadastrados. Agravo de instrumento. Medida de proteção de menor. Insurgência acerca da lista feita pelo serviço auxiliar da infância e juventude dos próximos habilitados que deverão ser chamados à adoção. Orientação do CNJ e da Corregedoria, no sentido de que fossem atualizados os dados cadastrais dos pretendentes à adoção para a respectiva inserção no cadastro nacional de adoção. Atualização feita por simples contato telefônico pela equipe técnica do SAI. Exclusão daqueles cujos telefones não estavam atualizados ou não retornaram o recado deixado pela equipe técnica, sem maiores formalidades ou decisão judicial a respeito. Necessidade de prévia intimação pessoal para manifestar o interesse de permanecer ou não habilitado. Medida que acabou desrespeitando à ordem de cadastros dos habilitados. Agravo provido. (TJPR. 11ª C. Cív. A.I. nº 553.105-7. Rel. Des. Augusto Côrtes. J. em 20/05/2009). - STJ considera que a simples dúvida acerca da paternidade não justifica o ajuizamento de ação negatória de paternidade, máxime quando demonstrado que o pai sempre suspeitou da existência do vínculo biológico e, mesmo assim, registrou o filho de forma voluntária e consciente. Direito civil. Família. Criança e Adolescente. Recurso especial. Ação negatória de paternidade. Interesse maior da criança. Vício

Page 106: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

106

de consentimento. Ausência de alegação. Mera dúvida acerca do vínculo biológico. Exame de DNA não realizado. Cerceamento de defesa não caracterizado. - O ajuizar de uma ação negatória de paternidade com o intuito de dissipar dúvida sobre a existência de vínculo biológico, restando inequívoco nos autos, conforme demonstrado no acórdão impugnado, que o pai sempre suspeitou a respeito da ausência de tal identidade e, mesmo assim, registrou, de forma voluntária e consciente, a criança como sua filha, coloca por terra qualquer possibilidade de se alegar a existência de vício de consentimento, o que indiscutivelmente acarreta a carência da ação, sendo irreprochável a extinção do processo, sem resolução do mérito. - Se a causa de pedir da negatória de paternidade repousa em mera dúvida acerca do vínculo biológico, extingue-se o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC, por carência da ação. - Uma mera dúvida, curiosidade vil, desconfiança que certamente vem em detrimento da criança, pode bater às portas do Judiciário? Em processos que lidam com o direito de filiação, as diretrizes devem ser fixadas com extremo zelo e cuidado, para que não haja possibilidade de uma criança ser prejudicada por um capricho de pessoa adulta que, consciente no momento do reconhecimento voluntário da paternidade, leva para o universo do infante os conflitos que devem permanecer hermeticamente adstritos ao mundo adulto. Devem, pois, os laços afetivos entre pais e filhos permanecer incólumes, ainda que os outrora existentes entre os adultos envolvidos hajam soçobrado. - É soberano o juiz em seu livre convencimento motivado ao examinar a necessidade da realização de provas requeridas pelas partes, desde que atento às circunstâncias do caso concreto e à imprescindível salvaguarda do contraditório. - Considerada a versão dos fatos tal como descrita no acórdão impugnado, imutável em sede de recurso especial, mantém-se o quanto decidido pelo Tribunal de origem, insuscetível de reforma o julgado. - A não demonstração da similitude fática entre os julgados confrontados, afasta a apreciação do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional.

Page 107: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

107

Recurso especial não provido. (STJ. 3ª T. R.Esp. nº 1067438/RS. Rel. Min. Nancy Andrigui. J. em 03/03/2009). - STJ considera obrigatória a citação do "pai registral" para integrar a lide, em sede de ação de investigação de paternidade. CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. "PAI REGISTRAL" NÃO CITADO PARA INTEGRAR A LIDE. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO. CC ANTERIOR, ART. 348. LEI Nº. 6.015/1973, ART. 113. CPC, ART. 47, PARÁGRAFO ÚNICO. I. Conquanto desnecessária a prévia propositura de ação anulatória de registro civil, sendo bastante o ajuizamento direto da ação investigatória de paternidade, é essencial, sob pena de nulidade, a integração à lide, como litisconsorte necessário, do pai registral, que deve ser obrigatoriamente citado para a demanda onde é interessado direto, pois nela concomitantemente postulada a desconstituição da sua condição de genitor. Precedentes do STJ. II. Aplicação combinada das disposições dos arts. 348 do Código Civil anterior, 113 da Lei de Registros Públicos e 47, parágrafo único, do CPC. III. Recurso especial conhecido e provido, para declarar nulo o processo a partir da contestação, inclusive, determinada a citação do pai registral. (STJ. 4ª T. R.Esp. nº 512278/GO. Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior. J. em 14/10/2008). - STJ reconhece o direito do filho ingressar, a qualquer tempo, com ação de investigação de paternidade contra seu suposto genitor, mesmo tendo sido já registrado em nome de outrem. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - FAMÍLIA - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - IMPRESCRITIBILIDADE - ALEGAÇÃO DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - NÃO OCORRÊNCIA - SÚMULA 207 DO STJ - INAPLICABILIDADE. I - É imprescritível o direito de o filho, mesmo havendo pai registral, mover ação de investigação de paternidade contra suposto genitor e pleitear a alteração do registro existente, não

Page 108: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

108

se aplicando o prazo prescricional de quatro anos, ainda que seu transcurso tenha-se dado anteriormente à entrada do Estatuto da Criança e do Adolescente em vigor. Precedentes. II - Na espécie, não houve supressão de instância, visto que o Tribunal de origem julgou recurso de agravo de instrumento, reformando, por maioria, decisão interlocutório, não sentença de mérito, como exigido pelo artigo 530 do Código de Processo Civil, não incidindo, por isso, a Súmula 207 desta Corte. Agravo regimental improvido. (STJ. 3ª T. Ag.Rg. no R.Esp. nº 974669/RS. Rel. Min. Sidnei Beneti. J. em 04/09/2008). - TJRS rejeita anulação de registro civil, mesmo quando não comprovada a paternidade biológica, diante da existência de vínculo socioafetivo entre pai e filho. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. PATERNIDADE BIOLÓGICA NÃO CONFIRMADA. AFETIVIDADE ENTRE PAI REGISTRAL E FILHO. ANULAÇÃO DE REGISTRO. IMPOSSIBILIDADE. A manutenção da paternidade registral, não biológica, mesmo quando firmada de forma voluntária, só se justifica quando existente relação de socioafetividade entre as partes. Presente, no caso concreto, forte vínculo socioafetivo entre pai e filho, o registro de nascimento do menor deve ser mantido, preservando os interesses e direitos da criança e do adolescente. RECURSO IMPROVIDO. (TJRS. 8ª C. Cív. Ap. Cív. nº 70022896625. Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda. J. em 12/06/2008). - STJ edita súmula que impede o cancelamento automático da pensão alimentícia ao filho que atinge a maioridade civil. Aprovada no dia 18 de agosto, pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, a Súmula nº 358, que impede o cancelamento automático da pensão alimentícia ao filho que completa 18 anos. Nos termos da referida Súmula, o cancelamento da pensão alimentícia, em qualquer caso, depende de decisão judicial, devendo ser garantido o direito do filho de se manifestar sobre a possibilidade de prover o próprio sustento. O entendimento decorre da constatação de que o dever de prestar alimentos, entre ascendentes e descendentes,

Page 109: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

109

decorre não apenas do poder familiar cujo exercício cessa aos 18 anos de idade, podendo ser deferido para filhos maiores, que ainda sejam dependentes de seus pais, notadamente em razão dos estudos, com base nos arts.1694, 1695 e 1696, do Código Civil. Para os ministros, é ao alimentante que se exige a iniciativa para provar as condições ou capacidade para demandar a cessação do encargo. Seria contrário aos princípios que valorizam os interesses dos filhos inverter o ônus da prova. Há o entendimento de que o dever de alimentar não cessa nunca, apenas se transforma com o tempo. O novo Código Civil reduziu a capacidade civil para 18 anos. O sustento da prole pelo pai ou pela mãe pode se extinguir com o atingimento desta idade, mas deve ser garantido ao filho o direito ao contraditório. O fim dos depósitos ou o desconto em folha podem ser apurados em pedido dirigido ao juiz nos próprios autos em que fixada a obrigação, ou em processo autônomo de revisão ou cancelamento, sempre com contraditório. O texto da nova súmula é este: "O CANCELAMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA DE FILHO QUE ATINGIU A MAIORIDADE ESTÁ SUJEITO À DECISÃO JUDICIAL, MEDIANTE CONTRADITÓRIO, AINDA QUE NOS PRÓPRIOS AUTOS." (Referência: CPC, art 47, Resp. 442.502/SP, Resp. 4.347/CE, RHC 16.005/SC, Resp. 608371/MG, AgRg. no Ag. 655.104/SP, HC 55.065/SP, Resp. 347.010/SP, Resp. 682.889/DF, RHC 19.389/PR, Resp. 688902/DF - Fonte: STJ). A aprovação da Súmula, que na verdade traduz um entendimento que já vinha sendo consagrado pela Jurisprudência, abre espaço para que seja tal solução estendida a jovens que estão sob a responsabilidade do Estado (lato sensu) em abrigos, que também não podem ser pura e simplesmente "abandonados à própria sorte" após completarem 18 anos, sem reais condições de conquistarem sua independência, em violação, inclusive, ao disposto nos arts.92, inciso VIII e 94, incisos X e XVIII c/c 94, §1°, da Lei n° 8.069/90. - STJ editasúmula sobre competência para processo e julgamento de ações conexas envolvendo interesse de crianças e adolescentes.

Page 110: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

110

Consolidando o entendimento da corte sobre a matéria, o STJ editou, em 08/06/2009, Súmula nº 383, que dispõe sobre a competência para processo e julgamento de ações conexas envolvendo interesse de crianças e adolescentes, nos seguintes temos: Súmula nº 383: A competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda. - STJ reconhece que a competência definida pelo art.147, inciso I, do ECA é absoluta, e no caso de disputa da guarda de filhos entre os pais, é competente o Juízo do local do domicílio do genitor que detém a guarda de fato daqueles. PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÕES CONEXAS DE GUARDA E DE BUSCA E APREENSÃO DE FILHOS MENORES. GUARDA EXERCIDA PELA MÃE. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. ART. 147, I, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. I. A competência estabelecida no art. 147, I, do ECA, tem natureza absoluta. II. As ações que discutem a guarda de menores devem ser processadas e julgadas no foro do domicílio de quem regularmente a exerce. III. Precedentes do STJ. IV. Agravo regimental improvido. (STJ. 2ª Seção. Ag.Rg. no CC nº 94250/MG. Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior. J. em 11/06/2008). - STJ reconhece a possibilidade de recebimento de pensão por morte por adolescente que se encontrava sob a guarda do segurado falecido. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA. DEPENDENTE DO SEGURADO. EQUIPARAÇÃO A FILHO. LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO AO MENOR E ADOLESCENTE. OBSERVÂNCIA. 1. A Lei n.º 9.528/97, dando nova redação ao art. 16 da Lei de Benefícios da Previdência Social, suprimiu o menor sob guarda do rol de dependentes do segurado.

Page 111: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

111

2. Ocorre que, a questão referente ao menor sob guarda deve ser analisada segundo as regras da legislação de proteção ao menor: a Constituição Federal - dever do poder público e da sociedade na proteção da criança e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II) e o Estatuto da Criança e do Adolescente - é conferido ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei n.º 8.069/90). 3. Recurso especial desprovido. (STJ. 5ª T. R.Esp. nº 642915/RS. Rel. Min. Laurita Vaz. J. 22/08/2006). - TJMG reconhece possibilidade de inscrição de adolescente sob guarda como dependente do segurado guardião em instituto de previdência estadual. CONSTITUCIONAL - PREVIDENCIÁRIO. NETO SOB GUARDA JUDICIAL DA AVÓ - INSCRIÇÃO COMO DEPENDENTE JUNTO AO IPSEMG - ADMISSIBILIDADE - EXEGESE DA LEI Nº 8.213/91 (ECA) E DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - SENTENÇA MANTIDA. (TJMG. 4ª C. Cív. Ap. Cív/Reex. Necess. nº 1.0024.06.218270-4/001. Rel. Des. Audebert Delage. J. em 14/08/2008). - TRF da 4ª Região reconhece que a inexistência de guarda de fato ou de direito de avô em relação a neto, máxime quando a mãe efetivamente participa de sua criação, impede sua inscrição como dependente perante a Previdência Social. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CORREÇÃO MONETÁRIA. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. DECLARAÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. NETO EM RELAÇÃO A AVÔ. GUARDA DE DIREITO OU DE FATO. NÃO COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. 1. Ausente a fixação de correção monetária na sentença a quo, não há interesse recursal do INSS a esse respeito. 2. Inexistindo comprovação de guarda de direito ou de fato do avô falecido sobre o menor e a dependência econômica, uma vez que a mãe do autor participava ativamente de sua criação, recebendo salário, além do que o pai destinava-lhe alimentos, não é caso de reconhecimento de dependência do requerente em relação ao de cujus, porquanto não atendida a exigência inserta no

Page 112: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

112

artigo 16, inciso I e § 2º, da Lei n.º 8.213/91. 3. Invertida a sucumbência, cabe à parte autora o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 380,00 (trezentos e oitenta reais). 4. Prejudicada a análise da inaplicabilidade da multa diária em face da improcedência da ação. 5. Apelação do INSS conhecida em parte e, nessa extensão, provida. Remessa oficial provida. (TRF 4ª Reg. 5ª T. AC nº 2001.04.01.065109-7. Rel. Des. Luiz Antonio Bonato. Publ. D.E. de 12/05/2008).

Page 113: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

113

Apêndice da Lei:

LEI Nº 12.010, DE 3 DE AGOSTO DE 2009.

Dispõe sobre adoção; altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, 8.560, de 29 de dezembro de 1992; revoga dispositivos da Lei n10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. § 1o A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal, será prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada. § 2o Na impossibilidade de permanência na família natural, a criança e o adolescente serão colocados sob adoção, tutela ou guarda, observadas as regras e princípios contidos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e na Constituição Federal. Art. 2o A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 8o ............................................................................. ........................................................................................ § 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e à mãe, no período pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as consequências do estado puerperal.

Page 114: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

114

§ 5o A assistência referida no § 4o deste artigo deverá ser também prestada a gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção.” (NR) “Art. 13. ........................................................................... Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude.” (NR) “Art. 19. ........................................................................... § 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. § 2o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. § 3o A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei.” (NR) “Art. 25. ......................................................................... Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.” (NR) “Art. 28. ......................................................................... § 1o Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada.

Page 115: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

115

§ 2o Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência. § 3o Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida. § 4o Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais. § 5o A colocação da criança ou adolescente em família substituta será precedida de sua preparação gradativa e acompanhamento posterior, realizados pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com o apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. § 6o Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: I - que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; II - que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; III - a intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso.” (NR) “Art. 33. ........................................................................... ....................................................................................... § 4º Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício do direito de visitas pelos pais, assim como o dever de

Page 116: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

116

prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público.” (NR) “Art. 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar. § 1o A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos desta Lei. § 2o Na hipótese do § 1o deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos arts. 28 a 33 desta Lei.” (NR) “Art. 36. A tutela será deferida, nos termos da lei civil, a pessoa de até 18 (dezoito) anos incompletos. .............................................................................” (NR) “Art. 37. O tutor nomeado por testamento ou qualquer documento autêntico, conforme previsto no parágrafo único do art. 1.729 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, deverá, no prazo de 30 (trinta) dias após a abertura da sucessão, ingressar com pedido destinado ao controle judicial do ato, observando o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei. Parágrafo único. Na apreciação do pedido, serão observados os requisitos previstos nos arts. 28 e 29 desta Lei, somente sendo deferida a tutela à pessoa indicada na disposição de última vontade, se restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e que não existe outra pessoa em melhores condições de assumi-la.” (NR) “Art. 39. ........................................................................... § 1o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. § 2o É vedada a adoção por procuração.” (NR) “Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. .......................................................................................

Page 117: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

117

§ 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. ........................................................................................ § 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. § 5o Nos casos do § 4o deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. § 6o A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.” (NR) “Art. 46. ............................................................................ § 1o O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. § 2o A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. § 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias. § 4o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.” (NR) “Art. 47. .......................................................................... ....................................................................................... § 3o A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência. § 4o Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro.

Page 118: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

118

§ 5o A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome. § 6o Caso a modificação de prenome seja requerida pelo adotante, é obrigatória a oitiva do adotando, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei. § 7o A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6o do art. 42 desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito. § 8o O processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados serão mantidos em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo.” (NR) “Art. 48. O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos. Parágrafo único. O acesso ao processo de adoção poderá ser também deferido ao adotado menor de 18 (dezoito) anos, a seu pedido, assegurada orientação e assistência jurídica e psicológica.” (NR) “Art. 50. ........................................................................... ........................................................................................ § 3o A inscrição de postulantes à adoção será precedida de um período de preparação psicossocial e jurídica, orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. § 4o Sempre que possível e recomendável, a preparação referida no § 3o deste artigo incluirá o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com apoio dos técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento e pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.

Page 119: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

119

§ 5o Serão criados e implementados cadastros estaduais e nacional de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção. § 6o Haverá cadastros distintos para pessoas ou casais residentes fora do País, que somente serão consultados na inexistência de postulantes nacionais habilitados nos cadastros mencionados no § 5o deste artigo. § 7o As autoridades estaduais e federais em matéria de adoção terão acesso integral aos cadastros, incumbindo-lhes a troca de informações e a cooperação mútua, para melhoria do sistema. § 8o A autoridade judiciária providenciará, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a inscrição das crianças e adolescentes em condições de serem adotados que não tiveram colocação familiar na comarca de origem, e das pessoas ou casais que tiveram deferida sua habilitação à adoção nos cadastros estadual e nacional referidos no § 5o deste artigo, sob pena de responsabilidade. § 9o Compete à Autoridade Central Estadual zelar pela manutenção e correta alimentação dos cadastros, com posterior comunicação à Autoridade Central Federal Brasileira. § 10. A adoção internacional somente será deferida se, após consulta ao cadastro de pessoas ou casais habilitados à adoção, mantido pela Justiça da Infância e da Juventude na comarca, bem como aos cadastros estadual e nacional referidos no § 5o deste artigo, não for encontrado interessado com residência permanente no Brasil. § 11. Enquanto não localizada pessoa ou casal interessado em sua adoção, a criança ou o adolescente, sempre que possível e recomendável, será colocado sob guarda de família cadastrada em programa de acolhimento familiar. § 12. A alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção serão fiscalizadas pelo Ministério Público. § 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o

Page 120: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

120

lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei. § 14. Nas hipóteses previstas no § 13 deste artigo, o candidato deverá comprovar, no curso do procedimento, que preenche os requisitos necessários à adoção, conforme previsto nesta Lei.” (NR) “Art. 51. Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no Artigo 2 da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo no 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.087, de 21 de junho de 1999. § 1o A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado: I - que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto; II - que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art. 50 desta Lei; III - que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei. § 2o Os brasileiros residentes no exterior terão preferência aos estrangeiros, nos casos de adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro. § 3o A adoção internacional pressupõe a intervenção das Autoridades Centrais Estaduais e Federal em matéria de adoção internacional.” (NR) “Art. 52. A adoção internacional observará o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei, com as seguintes adaptações: I - a pessoa ou casal estrangeiro, interessado em adotar criança ou adolescente brasileiro, deverá formular pedido de habilitação à adoção perante a Autoridade Central em matéria de adoção

Page 121: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

121

internacional no país de acolhida, assim entendido aquele onde está situada sua residência habitual; II - se a Autoridade Central do país de acolhida considerar que os solicitantes estão habilitados e aptos para adotar, emitirá um relatório que contenha informações sobre a identidade, a capacidade jurídica e adequação dos solicitantes para adotar, sua situação pessoal, familiar e médica, seu meio social, os motivos que os animam e sua aptidão para assumir uma adoção internacional; III - a Autoridade Central do país de acolhida enviará o relatório à Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira; IV - o relatório será instruído com toda a documentação necessária, incluindo estudo psicossocial elaborado por equipe interprofissional habilitada e cópia autenticada da legislação pertinente, acompanhada da respectiva prova de vigência; V - os documentos em língua estrangeira serão devidamente autenticados pela autoridade consular, observados os tratados e convenções internacionais, e acompanhados da respectiva tradução, por tradutor público juramentado; VI - a Autoridade Central Estadual poderá fazer exigências e solicitar complementação sobre o estudo psicossocial do postulante estrangeiro à adoção, já realizado no país de acolhida; VII - verificada, após estudo realizado pela Autoridade Central Estadual, a compatibilidade da legislação estrangeira com a nacional, além do preenchimento por parte dos postulantes à medida dos requisitos objetivos e subjetivos necessários ao seu deferimento, tanto à luz do que dispõe esta Lei como da legislação do país de acolhida, será expedido laudo de habilitação à adoção internacional, que terá validade por, no máximo, 1 (um) ano; VIII - de posse do laudo de habilitação, o interessado será autorizado a formalizar pedido de adoção perante o Juízo da Infância e da Juventude do local em que se encontra a criança ou adolescente, conforme indicação efetuada pela Autoridade Central Estadual. § 1o Se a legislação do país de acolhida assim o autorizar, admite-se que os pedidos de habilitação à adoção internacional sejam intermediados por organismos credenciados.

Page 122: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

122

§ 2o Incumbe à Autoridade Central Federal Brasileira o credenciamento de organismos nacionais e estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de habilitação à adoção internacional, com posterior comunicação às Autoridades Centrais Estaduais e publicação nos órgãos oficiais de imprensa e em sítio próprio da internet. § 3o Somente será admissível o credenciamento de organismos que: I - sejam oriundos de países que ratificaram a Convenção de Haia e estejam devidamente credenciados pela Autoridade Central do país onde estiverem sediados e no país de acolhida do adotando para atuar em adoção internacional no Brasil; II - satisfizerem as condições de integridade moral, competência profissional, experiência e responsabilidade exigidas pelos países respectivos e pela Autoridade Central Federal Brasileira; III - forem qualificados por seus padrões éticos e sua formação e experiência para atuar na área de adoção internacional; IV - cumprirem os requisitos exigidos pelo ordenamento jurídico brasileiro e pelas normas estabelecidas pela Autoridade Central Federal Brasileira. § 4o Os organismos credenciados deverão ainda: I - perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições e dentro dos limites fixados pelas autoridades competentes do país onde estiverem sediados, do país de acolhida e pela Autoridade Central Federal Brasileira; II - ser dirigidos e administrados por pessoas qualificadas e de reconhecida idoneidade moral, com comprovada formação ou experiência para atuar na área de adoção internacional, cadastradas pelo Departamento de Polícia Federal e aprovadas pela Autoridade Central Federal Brasileira, mediante publicação de portaria do órgão federal competente; III - estar submetidos à supervisão das autoridades competentes do país onde estiverem sediados e no país de acolhida, inclusive quanto à sua composição, funcionamento e situação financeira; IV - apresentar à Autoridade Central Federal Brasileira, a cada ano, relatório geral das atividades desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período, cuja cópia será encaminhada ao Departamento de Polícia Federal;

Page 123: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

123

V - enviar relatório pós-adotivo semestral para a Autoridade Central Estadual, com cópia para a Autoridade Central Federal Brasileira, pelo período mínimo de 2 (dois) anos. O envio do relatório será mantido até a juntada de cópia autenticada do registro civil, estabelecendo a cidadania do país de acolhida para o adotado; VI - tomar as medidas necessárias para garantir que os adotantes encaminhem à Autoridade Central Federal Brasileira cópia da certidão de registro de nascimento estrangeira e do certificado de nacionalidade tão logo lhes sejam concedidos. § 5o A não apresentação dos relatórios referidos no § 4o deste artigo pelo organismo credenciado poderá acarretar a suspensão de seu credenciamento. § 6o O credenciamento de organismo nacional ou estrangeiro encarregado de intermediar pedidos de adoção internacional terá validade de 2 (dois) anos. § 7o A renovação do credenciamento poderá ser concedida mediante requerimento protocolado na Autoridade Central Federal Brasileira nos 60 (sessenta) dias anteriores ao término do respectivo prazo de validade. § 8o Antes de transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção internacional, não será permitida a saída do adotando do território nacional. § 9o Transitada em julgado a decisão, a autoridade judiciária determinará a expedição de alvará com autorização de viagem, bem como para obtenção de passaporte, constando, obrigatoriamente, as características da criança ou adolescente adotado, como idade, cor, sexo, eventuais sinais ou traços peculiares, assim como foto recente e a aposição da impressão digital do seu polegar direito, instruindo o documento com cópia autenticada da decisão e certidão de trânsito em julgado. § 10. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá, a qualquer momento, solicitar informações sobre a situação das crianças e adolescentes adotados. § 11. A cobrança de valores por parte dos organismos credenciados, que sejam considerados abusivos pela Autoridade Central Federal Brasileira e que não estejam devidamente comprovados, é causa de seu descredenciamento.

Page 124: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

124

§ 12. Uma mesma pessoa ou seu cônjuge não podem ser representados por mais de uma entidade credenciada para atuar na cooperação em adoção internacional. § 13. A habilitação de postulante estrangeiro ou domiciliado fora do Brasil terá validade máxima de 1 (um) ano, podendo ser renovada. § 14. É vedado o contato direto de representantes de organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros, com dirigentes de programas de acolhimento institucional ou familiar, assim como com crianças e adolescentes em condições de serem adotados, sem a devida autorização judicial. § 15. A Autoridade Central Federal Brasileira poderá limitar ou suspender a concessão de novos credenciamentos sempre que julgar necessário, mediante ato administrativo fundamentado.” (NR) “Art. 52-A. É vedado, sob pena de responsabilidade e descredenciamento, o repasse de recursos provenientes de organismos estrangeiros encarregados de intermediar pedidos de adoção internacional a organismos nacionais ou a pessoas físicas. Parágrafo único. Eventuais repasses somente poderão ser efetuados via Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente e estarão sujeitos às deliberações do respectivo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente.” “Art. 52-B. A adoção por brasileiro residente no exterior em país ratificante da Convenção de Haia, cujo processo de adoção tenha sido processado em conformidade com a legislação vigente no país de residência e atendido o disposto na Alínea “c” do Artigo 17 da referida Convenção, será automaticamente recepcionada com o reingresso no Brasil. § 1o Caso não tenha sido atendido o disposto na Alínea “c” do Artigo 17 da Convenção de Haia, deverá a sentença ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça. § 2o O pretendente brasileiro residente no exterior em país não ratificante da Convenção de Haia, uma vez reingressado no Brasil, deverá requerer a homologação da sentença estrangeira pelo Superior Tribunal de Justiça.” “Art. 52-C. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida, a decisão da autoridade competente do país de origem da criança ou do adolescente será conhecida pela

Page 125: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

125

Autoridade Central Estadual que tiver processado o pedido de habilitação dos pais adotivos, que comunicará o fato à Autoridade Central Federal e determinará as providências necessárias à expedição do Certificado de Naturalização Provisório. § 1o A Autoridade Central Estadual, ouvido o Ministério Público, somente deixará de reconhecer os efeitos daquela decisão se restar demonstrado que a adoção é manifestamente contrária à ordem pública ou não atende ao interesse superior da criança ou do adolescente. § 2o Na hipótese de não reconhecimento da adoção, prevista no § 1o deste artigo, o Ministério Público deverá imediatamente requerer o que for de direito para resguardar os interesses da criança ou do adolescente, comunicando-se as providências à Autoridade Central Estadual, que fará a comunicação à Autoridade Central Federal Brasileira e à Autoridade Central do país de origem.” “Art. 52-D. Nas adoções internacionais, quando o Brasil for o país de acolhida e a adoção não tenha sido deferida no país de origem porque a sua legislação a delega ao país de acolhida, ou, ainda, na hipótese de, mesmo com decisão, a criança ou o adolescente ser oriundo de país que não tenha aderido à Convenção referida, o processo de adoção seguirá as regras da adoção nacional.” “Art. 87. .......................................................................... ...................................................................................... VI - políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes; VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.” (NR) “Art. 88. ........................................................................... ....................................................................................... VI - integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Conselho Tutelar e encarregados da execução das políticas sociais básicas e de assistência social,

Page 126: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

126

para efeito de agilização do atendimento de crianças e de adolescentes inseridos em programas de acolhimento familiar ou institucional, com vista na sua rápida reintegração à família de origem ou, se tal solução se mostrar comprovadamente inviável, sua colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei; VII - mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade.” (NR) “Art. 90. ........................................................................... ....................................................................................... IV - acolhimento institucional; ....................................................................................... § 1o As entidades governamentais e não governamentais deverão proceder à inscrição de seus programas, especificando os regimes de atendimento, na forma definida neste artigo, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual manterá registro das inscrições e de suas alterações, do que fará comunicação ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária. § 2o Os recursos destinados à implementação e manutenção dos programas relacionados neste artigo serão previstos nas dotações orçamentárias dos órgãos públicos encarregados das áreas de Educação, Saúde e Assistência Social, dentre outros, observando-se o princípio da prioridade absoluta à criança e ao adolescente preconizado pelo caput do art. 227 da Constituição Federal e pelo caput e parágrafo único do art. 4o desta Lei. § 3o Os programas em execução serão reavaliados pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, no máximo, a cada 2 (dois) anos, constituindo-se critérios para renovação da autorização de funcionamento: I - o efetivo respeito às regras e princípios desta Lei, bem como às resoluções relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis; II - a qualidade e eficiência do trabalho desenvolvido, atestadas pelo Conselho Tutelar, pelo Ministério Público e pela Justiça da Infância e da Juventude; III - em se tratando de programas de acolhimento institucional ou familiar, serão considerados os índices de sucesso na

Page 127: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

127

reintegração familiar ou de adaptação à família substituta, conforme o caso.” (NR) “Art. 91. ......................................................................... § 1º Será negado o registro à entidade que: ...................................................................................... e) não se adequar ou deixar de cumprir as resoluções e deliberações relativas à modalidade de atendimento prestado expedidas pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis. § 2o O registro terá validade máxima de 4 (quatro) anos, cabendo ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, periodicamente, reavaliar o cabimento de sua renovação, observado o disposto no § 1o deste artigo.” (NR) “Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional deverão adotar os seguintes princípios: I - preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa; ....................................................................................... § 1º O dirigente de entidade que desenvolve programa de acolhimento institucional é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito. § 2o Os dirigentes de entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional remeterão à autoridade judiciária, no máximo a cada 6 (seis) meses, relatório circunstanciado acerca da situação de cada criança ou adolescente acolhido e sua família, para fins da reavaliação prevista no § 1o do art. 19 desta Lei. § 3o Os entes federados, por intermédio dos Poderes Executivo e Judiciário, promoverão conjuntamente a permanente qualificação dos profissionais que atuam direta ou indiretamente em programas de acolhimento institucional e destinados à colocação familiar de crianças e adolescentes, incluindo membros do Poder Judiciário, Ministério Público e Conselho Tutelar. § 4o Salvo determinação em contrário da autoridade judiciária competente, as entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional, se necessário com o auxílio

Page 128: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

128

do Conselho Tutelar e dos órgãos de assistência social, estimularão o contato da criança ou adolescente com seus pais e parentes, em cumprimento ao disposto nos incisos I e VIII do caput deste artigo. § 5o As entidades que desenvolvem programas de acolhimento familiar ou institucional somente poderão receber recursos públicos se comprovado o atendimento dos princípios, exigências e finalidades desta Lei. § 6o O descumprimento das disposições desta Lei pelo dirigente de entidade que desenvolva programas de acolhimento familiar ou institucional é causa de sua destituição, sem prejuízo da apuração de sua responsabilidade administrativa, civil e criminal.” (NR) “Art. 93. As entidades que mantenham programa de acolhimento institucional poderão, em caráter excepcional e de urgência, acolher crianças e adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, fazendo comunicação do fato em até 24 (vinte e quatro) horas ao Juiz da Infância e da Juventude, sob pena de responsabilidade. Parágrafo único. Recebida a comunicação, a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público e se necessário com o apoio do Conselho Tutelar local, tomará as medidas necessárias para promover a imediata reintegração familiar da criança ou do adolescente ou, se por qualquer razão não for isso possível ou recomendável, para seu encaminhamento a programa de acolhimento familiar, institucional ou a família substituta, observado o disposto no § 2o do art. 101 desta Lei.” (NR) “Art. 94. ............................................................................. ......................................................................................... § 1o Aplicam-se, no que couber, as obrigações constantes deste artigo às entidades que mantêm programas de acolhimento institucional e familiar. ..............................................................................” (NR) “Art. 97. .......................................................................... ....................................................................................... § 1o Em caso de reiteradas infrações cometidas por entidades de atendimento, que coloquem em risco os direitos assegurados nesta Lei, deverá ser o fato comunicado ao Ministério Público ou representado perante autoridade judiciária competente para as

Page 129: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

129

providências cabíveis, inclusive suspensão das atividades ou dissolução da entidade. § 2o As pessoas jurídicas de direito público e as organizações não governamentais responderão pelos danos que seus agentes causarem às crianças e aos adolescentes, caracterizado o descumprimento dos princípios norteadores das atividades de proteção específica.” (NR) “Art. 100. ........................................................................ Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal; II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares; III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais; IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida; VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja

Page 130: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

130

indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente; VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada; IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente; X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta; XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do art. 28 desta Lei.” (NR) “Art. 101. ......................................................................... ....................................................................................... VII - acolhimento institucional; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; IX - colocação em família substituta. § 1o O acolhimento institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. § 2o Sem prejuízo da tomada de medidas emergenciais para proteção de vítimas de violência ou abuso sexual e das providências a que alude o art. 130 desta Lei, o afastamento da

Page 131: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

131

criança ou adolescente do convívio familiar é de competência exclusiva da autoridade judiciária e importará na deflagração, a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e da ampla defesa. § 3o Crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições que executam programas de acolhimento institucional, governamentais ou não, por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela autoridade judiciária, na qual obrigatoriamente constará, dentre outros: I - sua identificação e a qualificação completa de seus pais ou de seu responsável, se conhecidos; II - o endereço de residência dos pais ou do responsável, com pontos de referência; III - os nomes de parentes ou de terceiros interessados em tê-los sob sua guarda; IV - os motivos da retirada ou da não reintegração ao convívio familiar. § 4o Imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a entidade responsável pelo programa de acolhimento institucional ou familiar elaborará um plano individual de atendimento, visando à reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade judiciária competente, caso em que também deverá contemplar sua colocação em família substituta, observadas as regras e princípios desta Lei. § 5o O plano individual será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento e levará em consideração a opinião da criança ou do adolescente e a oitiva dos pais ou do responsável. § 6o Constarão do plano individual, dentre outros: I - os resultados da avaliação interdisciplinar; II - os compromissos assumidos pelos pais ou responsável; e III - a previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o adolescente acolhido e seus pais ou responsável, com vista na reintegração familiar ou, caso seja esta vedada por expressa e fundamentada determinação judicial, as providências a serem tomadas para sua colocação

Page 132: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

132

em família substituta, sob direta supervisão da autoridade judiciária. § 7o O acolhimento familiar ou institucional ocorrerá no local mais próximo à residência dos pais ou do responsável e, como parte do processo de reintegração familiar, sempre que identificada a necessidade, a família de origem será incluída em programas oficiais de orientação, de apoio e de promoção social, sendo facilitado e estimulado o contato com a criança ou com o adolescente acolhido. § 8o Verificada a possibilidade de reintegração familiar, o responsável pelo programa de acolhimento familiar ou institucional fará imediata comunicação à autoridade judiciária, que dará vista ao Ministério Público, pelo prazo de 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo. § 9o Em sendo constatada a impossibilidade de reintegração da criança ou do adolescente à família de origem, após seu encaminhamento a programas oficiais ou comunitários de orientação, apoio e promoção social, será enviado relatório fundamentado ao Ministério Público, no qual conste a descrição pormenorizada das providências tomadas e a expressa recomendação, subscrita pelos técnicos da entidade ou responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, para a destituição do poder familiar, ou destituição de tutela ou guarda. § 10. Recebido o relatório, o Ministério Público terá o prazo de 30 (trinta) dias para o ingresso com a ação de destituição do poder familiar, salvo se entender necessária a realização de estudos complementares ou outras providências que entender indispensáveis ao ajuizamento da demanda. § 11. A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um cadastro contendo informações atualizadas sobre as crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar e institucional sob sua responsabilidade, com informações pormenorizadas sobre a situação jurídica de cada um, bem como as providências tomadas para sua reintegração familiar ou colocação em família substituta, em qualquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. § 12. Terão acesso ao cadastro o Ministério Público, o Conselho Tutelar, o órgão gestor da Assistência Social e os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente

Page 133: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

133

e da Assistência Social, aos quais incumbe deliberar sobre a implementação de políticas públicas que permitam reduzir o número de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e abreviar o período de permanência em programa de acolhimento.” (NR) “Art. 102. .......................................................................... ........................................................................................ § 3o Caso ainda não definida a paternidade, será deflagrado procedimento específico destinado à sua averiguação, conforme previsto pela Lei no 8.560, de 29 de dezembro de 1992. § 4o Nas hipóteses previstas no § 3o deste artigo, é dispensável o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para adoção.” (NR) “Art. 136. ......................................................................... ....................................................................................... XI - representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural. Parágrafo único. Se, no exercício de suas atribuições, o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, comunicará incontinenti o fato ao Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas para a orientação, o apoio e a promoção social da família.” (NR) “Art. 152. ..................................................................... Parágrafo único. É assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação dos processos e procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução dos atos e diligências judiciais a eles referentes.” (NR) “Art. 153. ..................................................................... Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica para o fim de afastamento da criança ou do adolescente de sua família de origem e em outros procedimentos necessariamente contenciosos.” (NR) “Art. 161. ..................................................................... § 1o A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de

Page 134: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

134

estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar, bem como a oitiva de testemunhas que comprovem a presença de uma das causas de suspensão ou destituição do poder familiar previstas nos arts. 1.637 e 1.638 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, ou no art. 24 desta Lei. § 2o Em sendo os pais oriundos de comunidades indígenas, é ainda obrigatória a intervenção, junto à equipe profissional ou multidisciplinar referida no § 1o deste artigo, de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, observado o disposto no § 6o do art. 28 desta Lei. § 3o Se o pedido importar em modificação de guarda, será obrigatória, desde que possível e razoável, a oitiva da criança ou adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida. § 4o É obrigatória a oitiva dos pais sempre que esses forem identificados e estiverem em local conhecido.” (NR) “Art. 163. O prazo máximo para conclusão do procedimento será de 120 (cento e vinte) dias. Parágrafo único. A sentença que decretar a perda ou a suspensão do poder familiar será averbada à margem do registro de nascimento da criança ou do adolescente.” (NR) “Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes, dispensada a assistência de advogado. § 1o Na hipótese de concordância dos pais, esses serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações. § 2o O consentimento dos titulares do poder familiar será precedido de orientações e esclarecimentos prestados pela equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude, em especial, no caso de adoção, sobre a irrevogabilidade da medida. § 3o O consentimento dos titulares do poder familiar será colhido pela autoridade judiciária competente em audiência, presente o Ministério Público, garantida a livre manifestação de

Page 135: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

135

vontade e esgotados os esforços para manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa. § 4o O consentimento prestado por escrito não terá validade se não for ratificado na audiência a que se refere o § 3o deste artigo. § 5o O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção. § 6o O consentimento somente terá valor se for dado após o nascimento da criança. § 7o A família substituta receberá a devida orientação por intermédio de equipe técnica interprofissional a serviço do Poder Judiciário, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.” (NR) “Art. 167. ................................................................... Parágrafo único. Deferida a concessão da guarda provisória ou do estágio de convivência, a criança ou o adolescente será entregue ao interessado, mediante termo de responsabilidade.” (NR) “Art. 170. ................................................................... Parágrafo único. A colocação de criança ou adolescente sob a guarda de pessoa inscrita em programa de acolhimento familiar será comunicada pela autoridade judiciária à entidade por este responsável no prazo máximo de 5 (cinco) dias.” (NR) “Seção VIII Da Habilitação de Pretendentes à Adoção ‘Art. 197-A. Os postulantes à adoção, domiciliados no Brasil, apresentarão petição inicial na qual conste: I - qualificação completa; II - dados familiares; III - cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; IV - cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; V - comprovante de renda e domicílio; VI - atestados de sanidade física e mental; VII - certidão de antecedentes criminais; VIII - certidão negativa de distribuição cível.’

Page 136: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

136

‘Art. 197-B. A autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, dará vista dos autos ao Ministério Público, que no prazo de 5 (cinco) dias poderá: I - apresentar quesitos a serem respondidos pela equipe interprofissional encarregada de elaborar o estudo técnico a que se refere o art. 197-C desta Lei; II - requerer a designação de audiência para oitiva dos postulantes em juízo e testemunhas; III - requerer a juntada de documentos complementares e a realização de outras diligências que entender necessárias.’ ‘Art. 197-C. Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei. § 1o É obrigatória a participação dos postulantes em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. § 2o Sempre que possível e recomendável, a etapa obrigatória da preparação referida no § 1o deste artigo incluirá o contato com crianças e adolescentes em regime de acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação, supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e da Juventude, com o apoio dos técnicos responsáveis pelo programa de acolhimento familiar ou institucional e pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar.’ ‘Art. 197-D. Certificada nos autos a conclusão da participação no programa referido no art. 197-C desta Lei, a autoridade judiciária, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, decidirá acerca das diligências requeridas pelo Ministério Público e determinará a juntada do estudo psicossocial, designando, conforme o caso, audiência de instrução e julgamento.

Page 137: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

137

Parágrafo único. Caso não sejam requeridas diligências, ou sendo essas indeferidas, a autoridade judiciária determinará a juntada do estudo psicossocial, abrindo a seguir vista dos autos ao Ministério Público, por 5 (cinco) dias, decidindo em igual prazo.’ ‘Art. 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis. § 1o A ordem cronológica das habilitações somente poderá deixar de ser observada pela autoridade judiciária nas hipóteses previstas no § 13 do art. 50 desta Lei, quando comprovado ser essa a melhor solução no interesse do adotando. § 2o A recusa sistemática na adoção das crianças ou adolescentes indicados importará na reavaliação da habilitação concedida.’” “Art. 199-A. A sentença que deferir a adoção produz efeito desde logo, embora sujeita a apelação, que será recebida exclusivamente no efeito devolutivo, salvo se se tratar de adoção internacional ou se houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação ao adotando.” “Art. 199-B. A sentença que destituir ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar fica sujeita a apelação, que deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo.” “Art. 199-C. Os recursos nos procedimentos de adoção e de destituição de poder familiar, em face da relevância das questões, serão processados com prioridade absoluta, devendo ser imediatamente distribuídos, ficando vedado que aguardem, em qualquer situação, oportuna distribuição, e serão colocados em mesa para julgamento sem revisão e com parecer urgente do Ministério Público.” “Art. 199-D. O relator deverá colocar o processo em mesa para julgamento no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado da sua conclusão. Parágrafo único. O Ministério Público será intimado da data do julgamento e poderá na sessão, se entender necessário, apresentar oralmente seu parecer.” “Art. 199-E. O Ministério Público poderá requerer a instauração de procedimento para apuração de responsabilidades se

Page 138: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

138

constatar o descumprimento das providências e do prazo previstos nos artigos anteriores.” “Art. 208. .......................................................................... ........................................................................................ “IX - de ações, serviços e programas de orientação, apoio e promoção social de famílias e destinados ao pleno exercício do direito à convivência familiar por crianças e adolescentes. ...........................................................................................” (NR) “Art. 258-A. Deixar a autoridade competente de providenciar a instalação e operacionalização dos cadastros previstos no art. 50 e no § 11 do art. 101 desta Lei: Pena - multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais). Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas a autoridade que deixa de efetuar o cadastramento de crianças e de adolescentes em condições de serem adotadas, de pessoas ou casais habilitados à adoção e de crianças e adolescentes em regime de acolhimento institucional ou familiar.” “Art. 258-B. Deixar o médico, enfermeiro ou dirigente de estabelecimento de atenção à saúde de gestante de efetuar imediato encaminhamento à autoridade judiciária de caso de que tenha conhecimento de mãe ou gestante interessada em entregar seu filho para adoção: Pena - multa de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 3.000,00 (três mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena o funcionário de programa oficial ou comunitário destinado à garantia do direito à convivência familiar que deixa de efetuar a comunicação referida no caput deste artigo.” “Art. 260. ........................................................................... ......................................................................................... § 1º-A. Na definição das prioridades a serem atendidas com os recursos captados pelos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, serão consideradas as disposições do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar, bem como as regras e princípios relativos à garantia do direito à convivência familiar previstos nesta Lei. ........................................................................................

Page 139: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

139

§ 5o A destinação de recursos provenientes dos fundos mencionados neste artigo não desobriga os Entes Federados à previsão, no orçamento dos respectivos órgãos encarregados da execução das políticas públicas de assistência social, educação e saúde, dos recursos necessários à implementação das ações, serviços e programas de atendimento a crianças, adolescentes e famílias, em respeito ao princípio da prioridade absoluta estabelecido pelo caput do art. 227 da Constituição Federal e pelo caput e parágrafo único do art. 4o desta Lei.” (NR) Art. 3o A expressão “pátrio poder” contida nos arts. 21, 23, 24, no parágrafo único do art. 36, no § 1º do art. 45, no art. 49, no inciso X do caput do art. 129, nas alíneas “b” e “d” do parágrafo único do art. 148, nos arts. 155, 157, 163, 166, 169, no inciso III do caput do art. 201 e no art. 249, todos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, bem como na Seção II do Capítulo III do Título VI da Parte Especial do mesmo Diploma Legal, fica substituída pela expressão “poder familiar”. Art. 4o Os arts. 1.618, 1.619 e 1.734 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1.618. A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.” (NR) “Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.” (NR) “Art. 1.734. As crianças e os adolescentes cujos pais forem desconhecidos, falecidos ou que tiverem sido suspensos ou destituídos do poder familiar terão tutores nomeados pelo Juiz ou serão incluídos em programa de colocação familiar, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.” (NR) Art. 5o O art. 2o da Lei no 8.560, de 29 de dezembro de 1992, fica acrescido do seguinte § 5o, renumerando-se o atual § 5o para § 6o, com a seguinte redação: “Art. 2o ................................................. .........................................................................................

Page 140: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

140

§ 5º Nas hipóteses previstas no § 4o deste artigo, é dispensável o ajuizamento de ação de investigação de paternidade pelo Ministério Público se, após o não comparecimento ou a recusa do suposto pai em assumir a paternidade a ele atribuída, a criança for encaminhada para adoção. § 6o A iniciativa conferida ao Ministério Público não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade.” (NR) Art. 6o As pessoas e casais já inscritos nos cadastros de adoção ficam obrigados a frequentar, no prazo máximo de 1 (um) ano, contado da entrada em vigor desta Lei, a preparação psicossocial e jurídica a que se referem os §§ 3o e 4o do art. 50 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, acrescidos pelo art. 2o desta Lei, sob pena de cassação de sua inscrição no cadastro. Art. 7o Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação. Art. 8o Revogam-se o § 4o do art. 51 e os incisos IV, V e VI do caput do art. 198 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, bem como o parágrafo único do art. 1.618, o inciso III do caput do art. 10 e os arts. 1.620 a 1.629 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, e os §§ 1o a 3o do art. 392-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. Brasília, 3 de agosto de 2009; 188o da Independência e 121o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA �Tarso Genro Celso Luiz Nunes Amorim Este texto não substitui o publicado no DOU de 4.8.2009 e retificado no DOU de 2.9.2009

Page 141: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

141

Modelo de ação de busca e apreensão de criança que se encontra

irregularmente sob a guarda de fato de casal não cadastrado para adoção

Exmo. Dr. Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de XXXXX

O MINISTÉRIO PUBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO , por seu(sua) Promotor(a) de Justiça ao final assinado(a), no uso de suas atribuições e com fulcro nos arts. 39 e ss., 50, 201, incisos II e IV, além do §2° do mesmo artigo, todos da Lei nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente, e arts. 839 e ss. do Código de Processo Civil, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência para propor medida cautelar de BUSCA E APREENSÃO Da criança XXXX, o que pede em face de YYYYY,

brasileiro, casado, advogado, e ZZZZZ, brasileira, casada, professora, residentes e domiciliados na Rua ..., Maringá/PR, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:

1. DOS FATOS: No dia 14 de janeiro do corrente ano, nasceu nesta

Cidade de Carlópolis, mais precisamente no Hospital São José, a criança XXXXX, filha de SSSSS e pai ignorado.

XXXXX foi registrado no Cartório do Registro Civil local, conforme assento no XXXXX, fl. XXX do Livro A-42.

Três dias após o nascimento do infante, os requeridos ajuizaram nesta Comarca pedido de guarda provisória, cumulado com inscrição no livro de registros de adotantes nº 0X/200X, sendo-lhes concedida a guarda provisória

Page 142: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

142

do menor no dia seguinte, ou seja, aos 18 de janeiro do corrente ano.

Diante da não identificação do pai biológico de XXXXX e do consentimento com sua adoção manifestada por sua genitora (cf. ata de audiência de fl. XX), foi requerida e deferida a inscrição do mesmo no livro de crianças aptas a serem adotadas desta Comarca e, incontinenti, determinou-se a convocação do casal mais antigo inscrito no livro de pessoas pretendentes à adoção, para, querendo, optarem pela adoção do infante.

O casal mais antigo manifestou expresso interesse na adoção, motivo pelo qual determinou-se ao casal requerido a entrega da criança, em diligência que deveria ser cumprida imediatamente, por intermédio de carta precatória expedida à Comarca de Maringá/PR, onde os requeridos residem.

Ocorre que, quando do cumprimento da ordem desse MM. Juízo, aos 18 de fevereiro do corrente ano, não foi possível encontrar os requeridos, muito menos a criança, no endereço indicado, pois, segundo informação transmitida ao Oficial de Justiça designado para o cumprimento da ordem, o casal requerido estaria viajando.

A entrega da criança, assim, restou frustrada. No dia seguinte à frustrada diligência de entrega do

pequeno XXXXX, o casal requerido protocolou pedido de reconsideração da r. decisão que determinara a devolução do infante que, contudo, se viu negado.

Então, determinada novamente a recuperação do infante, restou infrutífera a novel diligência, isso aos 22 de fevereiro do corrente ano, desta feita sendo informado que o casal requerido ainda estaria novamente viajando.

Tudo o que foi relatado consta dos autos de pedido de guarda no 0X/200X e, segundo se depreende pela leitura do mesmo, o casal requerido mantém firme intenção de permanecer na guarda, com posterior adoção, da criança XXXXX.

Verifica-se, inclusive, que o casal requerido já deu ao pequeno XXXXX outro nome, qual seja, RRRRRR, pois é este o nome que consta nos resultados dos exames médicos a que submeteram o infante, o que denuncia a real intenção dos mesmos em ter a adoção de XXXXX.

Page 143: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

143

Ocorre que a pretendida adoção encontra-se eivada de vícios e ilegalidades, como se verá a seguir.

2. DO FUNDAMENTO JURÍDICO E LEGAL: O Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 50,

caput, mandou instituir em cada Comarca um livro de crianças aptas a serem adotadas e outro de pessoas interessados em adoção, verbis:

Art. 50. A autoridade judiciária manterá, em cada

comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas em adoção.

Vale dizer que a exigência de prévia habilitação e

cadastro dos postulantes à adoção não se constitui numa mera “formalidade”, mas sim é fundamental para aferição do preenchimento, por parte dos mesmos, das condições morais e emocionais, bem como dos demais requisitos necessários ao deferimento da medida.

Por intermédio do procedimento de habilitação à adoção é possível avaliar a idoneidade, motivação e, acima de tudo, o preparo dos interessados para assumir os encargos (perpétuos) da medida, razão pela qual deve ser bem instruído não apenas com documentos, mas fundamentalmente com a realização de entrevistas, visitas domiciliares e avaliações técnicas realizadas por equipe interprofissional habilitada (arts. 50, §1º e 151, do ECA).

Importante jamais perder de vista que a adoção é medida que visa satisfazer os interesses da criança ou adolescente, e não dos adultos interessados, e seu caráter irrevogável mais que justifica a tomada das cautelas previstas na Lei nº 8.069/90, como forma de evitar possíveis problemas futuros.

Se isto já era válido à luz da redação original do Estatuto da Criança e do Adolescente, com as novas regras introduzidas pela Lei nº 12.010/2009 a necessidade de estrita observância das cautelas e critérios legais, quando da colocação de crianças e adolescentes em adoção ficou ainda mais evidenciada, não mais sendo admissível dar respaldo a

Page 144: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

144

situações como acima noticiada, em que pessoas não habilitadas à adoção, que portanto não demonstraram estarem preparadas para medida, pretendem adotar uma criança recém-nascida, com a qual não possuem qualquer vínculo preestabelecido (notadamente sob a ótica desta, principal destinatária da medida).

Neste sentido, vale citar que as únicas hipóteses nas

quais a prévia habilitação dos postulantes à adoção é dispensada encontram-se relacionadas no art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90:

Art. 50. ... ... § 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor

de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

I - se tratar de pedido de adoção unilateral; II - for formulada por parente com o qual a criança ou

adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou

guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.

A prévia habilitação à adoção, desta forma, torna-se

a regra absoluta, que somente poderá dispensada nas hipóteses restritas expressamente previstas pelo dispositivo. Por intermédio deste e de outros dispositivos (como é o caso dos arts. 13, par. único e 258-B, do ECA), o legislador visa coibir práticas ilegais, abusivas e mesmo criminosas como a “adoção intuitu personae”, a “adoção à brasileira” e a entrega de filho com vista à adoção mediante paga ou promessa de recompensa.

Importante destacar que a lei sempre estabeleceu condicionantes à adoção, como é o caso da idade mínima, da exigência de uma motivação idônea, da comprovação de que os interessados em adotar estão preparados, sob o ponto de vista

Page 145: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

145

ético, moral e educacional para assumir as responsabilidades e ônus da adoção, em caráter permanente etc. O contido no dispositivo citado apenas reafirma tais condicionantes, que já existiam na sistemática anterior e também se fazem presentes na normativa internacional.

Pessoas que obtém crianças para adotar de forma ilícita, não raro através da prática de crimes, como os relacionados nos arts. 237 e 238, do ECA, estão demonstrando claramente que não preenchem os requisitos preexistentes da idoneidade moral e das condições éticas indispensáveis à adoção. A opção do legislador foi privilegiar a adoção LEGAL, não podendo a Justiça da Infância e da Juventude permitir a realização de adoções irregulares, formuladas por pessoas que usam de meios antiéticos e mesmo criminosos para “burlar” a sistemática estabelecida em lei para adoção. Nunca é demais lembrar que a adoção é medida que visa atender aos interesses da criança ou adolescentes adotando, e não dos adotantes.

As exceções contidas no art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90 pressupõem a comprovação da existência de determinadas situações que justifiquem plenamente a dispensa da prévia habilitação, como é o caso da relação de parentesco entre adotante(s) e adotando, somada à comprovada presença de vínculos de afinidade e afetividade.

Vale notar que, mesmo em tais casos, o dispositivo é expresso ao se referir à necessidade de que a presença da relação de afinidade e afetividade seja analisada sob a ótica da criança ou adolescente, a quem a medida visa aproveitar.

Em não havendo a presença de qualquer das hipóteses relacionadas no citado art. 50, §13, da Lei nº 8.069/90, a lei não apenas determina que a adoção somente poderá ser deferida a pessoas ou casais PREVIAMENTE CADASTRADOS, como também estabelece um critério objetivo para seleção daquele ao qual será a criança entregue para realização do estágio de convivência: a ordem cronológica das inscrições, valendo neste sentido observar o disposto no art. 197-E e §1º, da Lei nº 8.069/90:

Art. 197-E. Deferida a habilitação, o postulante será

inscrito nos cadastros referidos no art. 50 desta Lei, sendo a sua convocação para a adoção feita de acordo com ordem

Page 146: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

146

cronológica de habilitação e conforme a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis.

§ 1º. A ordem cronológica das habilitações somente poderá deixar de ser observada pela autoridade judiciária nas hipóteses previstas no §13 do art. 50 desta Lei, quando comprovado ser essa a melhor solução no interesse do adotando

Como mencionado, quis o legislador estabelecer um

critério objetivo para seleção das pessoas e casais habilitados à adoção que se encontrem em igualdade de condições (a ordem cronológica das inscrições).

Não se trata, no entanto, de uma operação “matemática”, sendo possível, de forma também criteriosa e justificada, deixar de observar a ordem cronológica das inscrições, quando as peculiaridades do caso determinarem tal solução excepcional. Em qualquer caso, é necessário que o chamamento dos interessados seja devidamente fundamentado, devendo o Ministério Público participar do processo de seleção.

Vale lembrar que crianças e adolescente são sujeitos de direitos, e não meros “objetos” de “propriedade” de seus pais, razão pela qual não deve ser reconhecido qualquer pretenso “direito” de os pais “doarem” seus filhos para quem melhor lhes aprouver. Adoções “dirigidas” devem ser coibidas, pois fazem da criança um mero “objeto”, e tal situação não se altera com eventual habilitação “posterior” dos pretendentes à adoção. Semelhantes práticas depõem contra a moralidade do instituto da adoção e fazem com que a Justiça da Infância e da Juventude se preste ao deplorável papel de meramente “homologar” verdadeiros “atos de disposição” dos pais (e geralmente apenas da mãe) em relação a seus filhos, não raro após receber a oferta ou paga de recompensa (o que, desnecessário lembrar, caracteriza o crime previsto pelo art. 238, da Lei nº 8.069/90).

Destarte, em sendo necessária a colocação da criança em adoção (após esgotadas as possibilidades de manutenção dos vínculos familiares, com a identificação do suposto pai e demais cautelas previstas em lei), isto deverá ocorrer entre as pessoas e casais já cadastrados, procurando-se respeitar, como critério básico, a ordem de inscrição no cadastro

Page 147: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

147

existente na comarca (cf. art. 197-E, da Lei nº 8.069/90), ressalvada a existência de situação excepcional, plenamente justificada, que autorize solução diversa.

Sobre a matéria, vale colacionar os seguintes

arestos: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. GUARDA E ADOÇÃO. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA LISTA DE ADOÇÃO. Em que pese a possibilidade de se superar os requisitos formais da adoção (Lista de Habilitados), isso só se dará em situações especialíssimas, quando se puder verificar inequivocamente o laço de afetividade formado entre a criança e os pais substitutos, o que não ocorre no caso dos autos. Recurso improvido. (TJRS. 8ª C. Cív. Ap. Cív. nº 70024692675. Rel. Des. Claudir Fidélis Faccenda. J. em 14/08/2008).

APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CRIANÇA

ENTREGUE PELA MÃE BIOLÓGICA À AUTORA NÃO HABILITADA NO CADASTRO DE ADOTANTES. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 50 DA LEI 8.069/90. CARÊNCIA DE AÇÃO. INTERESSE DE AGIR. CONDIÇÕES DA AÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ART. 267 CPC. ABRIGAMENTO DE CRIANÇA. INVIABILIDADE. RETORNO AO CONVÍVIO DA MÃE MATERNA. RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA PARCIALMENTE ALTERADA DE OFÍCIO. É de rigor a fiel observância da sistemática imposta pelo art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, somente se deferindo a adoção a pessoas previamente cadastradas e habilitadas. Não tendo a apelante realizado o cadastro prévio, nem atendido aos procedimentos de adoção na Vara da Infância e Juventude, o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, por falta de interesse de agir. Negado o pedido de adoção, deve a criança retornar à guarda da mãe biológica, enquanto não houver motivos para sua extinção (artigo 1635 do Código Civil) e for isso declarado em decisão fundamentada, proferida sob o crivo do contraditório. (TJPR. 11ª C. Cível. Ac. nº 0541417-1, de Ponta Grossa. Rel. Juiz Subst. 2º G. Luiz Antônio Barry. Unânime. J. em 27/05/2009).

Page 148: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

148

RECURSO DE APELAÇÃO - ECA - PEDIDO DE

GUARDA PROVISÓRIA CUMULADA COM ADOÇÃO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE JULGOU EXTINTO O PEDIDO INICIAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, COM FULCRO NO ART.267, INCISO VI, DO CPC IRRESIGNAÇÃO DA REQUERENTE SOB A ALEGAÇÃO DE QUE POSSUI OS REQUISITOS PARA ADOÇÃO - DOCUMENTOS NECESSÁRIOS - PESSOA IDÔNEA AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO PRÉVIA NO CADASTRO DE QUE TRATA O ARTIGO 50, DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - REQUISITO OBRIGATÓRIO FALTA DE MOTIVO RELEVANTE A JUSTIFICAR, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, A APLICAÇÃO DE MEDIDA DIVERSA DO PRECEITO LEGAL - NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. (TJPR. lª C. Crim. Rec.Ap.ECA n° 108.930-7, de Fran cisco Beltrão. Rel. Des. Clotário Portugal Neto. Acórdão nº 13.709. J. em 25/10/2001).

Claro está , portanto, que o casal requerido não

satisfaz os requisitos da prévia habilitação à adoção e/ou da precedência na ordem de inscrição no cadastro de adoção, pois sequer estão habilitados à medida.

De outro lado, o casal mais antigo regularmente habilitado e inscrito no cadastro de pretendentes à adoção existente na comarca manifestou expresso interesse na adoção, de XXXXX, conforme informado nos autos no 0X/200X.

Vale dizer que não está em questão apenas a falta de aptidão dos requeridos para adoção da criança XXXXX (a falta da prévia habilitação faz presumir tal condição), mas também a legalidade de sua pretensão em concretizar a medida, pois o direito à adoção do infante, por força do disposto nos citados arts. 50, §13 c/c 197-E, caput e §1º, da Lei nº 8.069/90, recai sobre o casal mais antigo.

Importa ressaltar que os requeridos mantém a guarda do infante XXXXX em caráter provisório e absolutamente precário, por período de tempo reduzido e logicamente insuficiente para formação de vínculos, notadamente se considerarmos a tenra idade da criança, que ainda sequer tem noção do que se passa à sua volta e para qual o

Page 149: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

149

INDISPENSÁVEL - e INEVITÁVEL - AFASTAMENTO DO CONVÍVIO DOS REQUERIDOS NÃO TRARÁ QUALQUER PREJUÍZO.

Neste sentido, interessante colacionar trechos da clássica obra "O PRIMEIRO ANO DE VIDA", fruto de anos de pesquisas e observações do psicólogo e psicanalista René A. Spitz, que ao discorrer sobre o tema "Uma Diferença Básica entre Bebê e Adulto" nos ensina que:

"Mas esta série também ilustra as enormes diferenças na resposta do bebê a um mesmo estímulo, em estágios sucessivos. É evidente que um determinado objeto de percepção ou experiência tem um significado completamente diferente aos três, oito e quatorze meses. Cada estágio tem uma série de problemas específicos da idade para resolver, e ameaças para enfrentar.

Não que a criança no primeiro ano de vida seja um ser assim tão delicado e frágil. Está claro, a partir do que já foi dito, que em determinados estágios apenas certos estímulos, e não todos, mesmo que sejam espetaculares, são relevantes. Da mesma forma, apenas certas experiências têm influência repleta de significado em determinados estágios no período da infância.

O que estou tentando transmitir é algo que não é facilmente apreendido pelo adulto. O bebê não é comparável ao adulto. Sua fisiologia é diferente; bem como suas sensações, suas reações físico-químicas, sua maneira de vivenciar o ambiente que o cerca. De fato, o que o bebê consegue fazer pode ser fatal para o adulto e vice-versa. Privar um adulto de oxigênio por quinze minutos é uma catástrofe, resultando em morte. Para o bebê, durante o parto, esta é uma condição normal e mesmo necessária" (Livraria Martins Fontes Editora Ltda. - 2.ª edição brasileira - julho de 1980 - págs. 112/113).

Helen Bee, psicóloga e psicanalista com cátedra na Universidade de Washington-USA, pontifica no estudo das relações entre crianças e adultos:

"Em síntese, os pais normalmente formam um vínculo inicial forte que é estreitado pela repetição dos comportamentos de ligação e pela mutualidade crescente e responsabilidade de suas interações com o bebê. O processo é afetado pela oportunidade de um contato bastante precoce e

Page 150: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

150

pela capacidade ou previsibilidade das respostas da criança, neste sistema mútuo.

Em contraste, o bebê mostra uma ampla gama de comportamentos de ligação antes de formar a ligação afetiva em si. Isso pode parecer uma contradição porque os comportamentos de ligação tendem a ser vistos como um reflexo do vínculo subjacente. Mas Bowlby (1969) argumentou que os primeiros comportamentos de ligação - chorar, abraçar, sorrir, contato visual - são todos parte de um sistema inato planejado para aliciar os comportamentos de cuidar do bebê por parte dos adultos. A emergência da genuína ligação diferente desse sistema de interação inicial, possivelmente instintivo, acontece segundo diversas etapas.

Durante os primeiros três ou quatro meses, o bebê dirige seu comportamento de ligação afetiva bastante indiscriminadamente a qualquer rosto que entre em seu campo visual ou qualquer corpo que a segure. Muitos dos comportamentos de ligação que o bebê mostra nessa idade são comportamentos promotores de proximidade. Eles têm o efeito de trazer as pessoas suficientemente perto para responder às suas necessidades e não parece importar muito exatamente quem é que faz isso" (In "A CRIANÇA EM DESENVOLVIMENTO" - Editora Harbra Ltda - 3.ª edição - 1986 - págs. 276 e 277).

Na mesma obra, a autora dá o conceito de Objeto: "O bebê precisa aprender pelo menos três coisas diferentes a respeito dos objetos. Ele deve aprender que os objetos permanecem os mesmos apesar de parecerem ser diferentes. Este conjunto de capacidades foi o que acabamos de discutir e que é chamado constância do objeto. Mas também é necessário que desenvolva um conceito de objeto, que apresenta dois aspectos. O bebê deve descobrir que os objetos continuam a existir mesmo que ele não possa mais vê-los - que quando sua mãe sai pela porta do quarto, ela permanece existindo ou que quando um brinquedo desaparece sob o sofá, ainda existe. Esta expressão é geralmente chamada de permanência do objeto. Finalmente, o bebê deve aprender, que os objetos retêm sua identidade única de uma situação para outra. Quando a mãe sai e depois retorna, é a mesma mãe, as duas vezes; o berço é o mesmo objeto cada vez que ele é colocado nele e assim por

Page 151: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

151

diante. Esta compreensão é geralmente denominada identidade do objeto" (pág. 125).

Em seguida, traz a síntese do tema "O Conceito de Objeto e a Ligação Afetiva em Bebês":

"Todas as informações que eu lhes dei a respeito do desenvolvimento do conceito de objeto em bebês podem parecer muito pouco importantes até que você imagine que provavelmente é necessária alguma constância do objeto antes que o bebê possa tornar-se afetivamente ligado a uma pessoa específica, como por exemplo sua mãe. Bebês com menos de 6 meses são mais facilmente acalmados por alguém que está familiarizado com seus hábitos e podem sorrir mais para a mãe e o pai do que para estranhos; mas a ligação afetiva específica do bebê com uma pessoa em especial - geralmente a mãe - não parece acontecer antes de aproximadamente seis ou sete meses, exatamente a época em que o bebê começa a compreender que a mãe continua a existir mesmo que ele não possa mais vê-la.

O fato dessas duas coisas acontecem mais ou menos ao mesmo tempo levam alguns teóricos de posição cognitivo-desenvolvimental, como Rudolph Schaffer e Peggy Emerson (1964), a argumentar que a realização do conceito de objeto é uma condição necessária para uma ligação afetiva completa. Em primeiro lugar, é óbvio que o bebê não pode se ligar afetivamente a alguém antes que possa discriminar consistentemente essa pessoa dos outros, usando como pistas o cheiro, o tato ou a visão da pessoa familiar. Portanto, o desenvolvimento perceptivo faz parte do processo, pelo menos em parte".

As lições aqui trazidas demonstram cabalmente que a separação de XXXXX da companhia dos requeridos pode impor a estes um sentimento de perda e certo sofrimento, mas em nada representará para criança em termos de perda afetiva, e nem lhe acarretará traumas de qualquer espécie, posto que até o momento, sob o ponto de vista DA CRIANÇA (a quem a medida visa aproveitar, valendo neste sentido observar o contido no art. 100, par. único, inciso IV, da Lei nº 8.069/90), os mesmos não passam de seus provedores materiais.

A permanência da criança XXXXX na companhia dos requeridos, portanto, não se justifica quer sob o ponto de vista

Page 152: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

152

legal, quer sob a ótica psicossocial, sendo de rigor a imediata revogação da guarda precária por eles exercida, nos moldes do previstos no art. 35 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que assim dispõe:

Art. 35. A guarda poderá ser revogada a qualquer

tempo, mediante ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público.

Ocorre que pela só leitura dos fatos narrados nos

autos n° 0X/200X, constata-se que o casal requerido está se furtando à entrega voluntária do infante, o que só agravará sua especial condição de pessoa em desenvolvimento.

Necessário, portanto, a tomada de medidas enérgicas e emergenciais para reverter este quadro restaurar a ordem jurídica, com a colocação da criança XXXXX sob a guarda de casal já habilitado à adoção regularmente inscrito no cadastro próprio existente na comarca, evitando a perpetuação da situação, a esta altura completamente irregular e contra legem criada por sua permanência na companhia dos requeridos.

Toda vez que a Justiça da Infância e da Juventude, abrindo mão de seu poder jurisdicional, deixa de observar os critérios e parâmetros estabelecidos pela própria lei em matéria de adoção e/ou se limita a “homologar” situações pretensamente já consolidadas (concedendo adoções “intuitu personae”, notadamente a pessoas não habilitadas previamente), mas que traduzem uma burla à sistemática legal para adoção, está desestimulando e mesmo desrespeitando (e lesando) todos aqueles que confiaram no Poder Judiciário e se submeteram ao procedimento de habilitação à adoção, alimentando assim uma “espiral de ilegalidade” que já existe desde tempos imemoriais e que, a persistir tal mentalidade, jamais terá fim. A Lei nº 12.010/2009 quis abolir, de uma vez por todas, semelhantes práticas, a bem da moralidade do instituto da adoção e da própria credibilidade do Poder Judiciário, o que não podemos permitir ocorra.

Page 153: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

153

3. DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA:

Está mais que evidenciado que o casal requerido não possui qualquer direito em permanecer na guarda do infante XXXXX, vez que, contrariando o disposto nos arts. 50, caput e §13 e 197-E, caput e §1º, da Lei 8.069/90 e itens 8.1.1 e 8.1.2.3 do Código de Normas da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Paraná, não estavam previamente habilitados e/ou inscritos para adoção do mesmo, estando de plano comprovada a plausibilidade do direito invocado na presente medida, conforme item anterior.

De outro lado, existe iminente perigo na demora do cumprimento da ordem judicial de entrega do infante, pois resta claro que os requeridos não pretendem entregá-lo voluntariamente à Justiça da Infância e Juventude, seja porque requereram a reconsideração da decisão judicial que determinou a entrega da criança, seja porque por duas vezes procurados no endereço indicado, supostamente não foram encontrados. Além disso, já deram à criança um outro nome, sem nem mesmo antes ajuizarem medida judicial para tornar a guarda provisória lhes concedida, em definitiva ou o pedido de adoção.

O deferimento da medida mostra-se urgente porque o infante conta com apenas um mês de vida, podendo a apreensão do mesmo ser feita sem nenhum trauma, que é o destinatário final das normas do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A permanência da criança com os requeridos, contudo, poderá gerar vínculos familiares, tornando traumática, futuramente, a separação deles, o que só acarretaria descrédito à Justiça e prejuízos ao infante.

Após consumada a medida, a criança poderá ser colocada desde logo sob a guarda do casal mais antigo regularmente habilitado à adoção no cadastro próprio existente na Comarca, continuando assim a receber, regulamente (e agora, legalmente), todo amparo e cuidado que lhe são devidos.

4. DAS PROVAS: Protesta-se desde já pela produção de todas as

provas em direito admitidas, a fim de que se comprovem os fatos ora narrados, em especial o depoimento pessoal dos

Page 154: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

154

requeridos e a oitiva das testemunhas a serem oportunamente arroladas (art. 407 do Código de Processo Civil), isso acaso se entenda pelo deferimento de provas, pois a ilegalidade da situação salta aos olhos, sendo questão meramente de Direito.

5. DOS PEDIDOS: Ante o exposto é a presente para requerer: a) o deferimento in limine e inaudita altera pars da

busca e apreensão da criança XXXXX, que pode ser encontrado no endereço descrito no preâmbulo, ou onde quer que se encontre. Vale dizer que a diligência deverá ser realizada com o máximo de cautela e sob o mais absoluto sigilo, devendo a expedição do mandado ser efetuada diretamente por esse douto Juízo ao Juízo deprecado, vez que há fundada suspeita de que serventuários do Poder Judiciário e/ou policiais encarregados de efetuar a diligência estão colaborando com os requeridos em seu propósito de ocultar a criança e furtarem-se ao cumprimento da ordem de entrega respectiva;

b) a citação dos requeridos para, querendo, apresentarem defesa no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do art. 805 do Código de Processo Civil, combinado com o art. 152 do Estatuto da Criança e do Adolescente;

c) a total procedência da pretensão ora deduzida, com a convalidação da liminar de busca e apreensão e subseqüente colocação do infante XXXXX sob a guarda do casal mais antigo habilitado à adoção cadastrado na comarca, sendo que enquanto esta não é concretizada deve ser o mesmo encaminhado à entidade de acolhimento institucional local;

d) sejam apensados aos autos que forem formados a partir desta petição os de no 0X/200X, de pedido de guarda;

e) requer-se, por fim, seja o presente feito instruído e julgado com a mais absoluta prioridade, conforme estabelece o art. 227, caput, da Constituição Federal, arts. 4º, 102, §2º, in fine e 152, par. único, do Estatuto da Criança e do Adolescente e itens 2.3.2.1, 2.3.2.2 e 5.2.7, do Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Paraná.

6. DO VALOR DA CAUSA:

Page 155: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

155

Face ao inestimável valor do pedido, dá-se à presente causa o valor de R$ 1.100,00 (um mil e cem reais), apenas para efeitos fiscais.

Termos em que, Pede e espera deferimento. São Paulo, XX de XXXXX de 2016. XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Promotor(a) de Justiça

Page 156: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

156

Modelo de quesitos 65:

1. O(A) pretendente tem exata compreensão do que é adoção e suas consequências e implicações? Está ciente de que é irrevogável e irreversível?

2. Quais são as reais motivações do(a) pretendente? Os motivos alegados são idôneos e denotam preparo para as consequências e implicações presentes e futuras da adoção?

3. O(A) pretendente realmente acredita que a filiação adotiva é tão importante e digna quanto a filiação biológica?

4. O(A) pretendente faz alguma exigência quanto à faixa etária, sexo, aspecto físico e estado de saúde da(s) criança(s)/adolescente(s) que pretende adotar? Em caso positivo, qual a razão disto? Os motivos alegados são idôneos?

5. O(A) pretendente frequentou curso preparatório à adoção e refletiu acerca da possibilidade de adoção de crianças e adolescentes maiores, grupos de irmãos, crianças e adolescentes com deficiência e/ou de origem étnica diversa? O que ele(ela) relata a respeito? Onde e quando o curso foi realizado, quem o promoveu e qual sua duração/carga horária?

6. O(A) pretendente tem adequada compreensão de que a adoção visa satisfazer necessidades (afetivas, sociais e materiais) do adotando, ao mesmo tempo em que concretiza o inalienável direito que o adotando tem à convivência familiar e comunitária?

7. O(A) pretendente reúne condições objetivas e subjetivas para se desincumbir adequadamente do dever de guarda da(s) criança(s)/ adolescente(s) que pretende adotar?

8. O(A) pretendente reúne condições objetivas e subjetivas para se desincumbir adequadamente do dever de educação da(s) criança(s)/ adolescente(s) que pretende adotar, em toda extensão do art. 205, da Constituição Federal?

65 Quesitos elaborados por: Fernando Luiz Menezes Guiraud (Psicólogo CRP-08/02582)

Page 157: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

157

9. O(A) pretendente reúne condições objetivas e subjetivas para se desincumbir adequadamente do dever de sustento da(s) criança(s)/ adolescente(s) que pretende adotar?

10. Existe alguma situação que mereça ser mais avaliada e/ou trabalhada antes da concessão da habilitação à adoção? Em caso positivo, qual? O que é necessário ser feito para concessão da habilitação de forma segura?

11. Os demais familiares do(a) pretendente, em especial os integrantes da família extensa, estão cientes e dão suporte à sua pretensão de adotar?

12. O(A) pretendente demonstra possuir conhecimento, maturidade e estabilidade emocional suficientes para desempenhar adequadamente todas as suas obrigações como pai/mãe, inclusive para lidar com as situações conflitivas inerentes ao desenvolvimento humano, particularmente no período da adolescência?

No caso de pretendente que já possui a guarda do(s) adotando(s), também devem ser respondidos os seguin tes quesitos:

13. Quais são os sentimentos do(a) pretendente em relação à(s) criança(s)/adolescente(s) que pretende adotar?

14. Qual o tempo de convívio efetivo entre o(a) pretendente e a(s) criança(s)/adolescente(s) que pretende adotar?

15. Como são as relações afetivas e as características do vínculo existente entre o(a) pretendente e a(s) criança(s)/adolescente(s) que pretende adotar?

Page 158: Miolo - finalcrianca.mppr.mp.br/arquivos/File/doutrina/adocao/lei_de... · 2018-05-21 · 7 Apresentação O livro tem por objetivo – tentar – desmistificar a Lei Nacional de

158

Referências: BRASIL, Constituição da República de 1988; BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); BRASIL, Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001 (Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental); ONU - Organização das Nações Unidas, Declaração dos Direitos da Criança. Nova Iorque, EUA, de 20 de novembro de 1959; OEA - Organização dos Estados Americanos, Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), San José, Costa Rica, de 22 de novembro de 1969; ONU - Organização das Nações Unidas, Convenção dos Direitos da Criança. Nova Iorque, EUA, de 20 de novembro de 1989; CURY, Munir et al. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado - Comentários Jurídicos e Sociais. 6ª Edição, Malheiros. São Paulo, 2003;