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FACE LESTE REVISITANDO A CIDADE

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Face LesteRevisitando a cidade

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Viaduto Aricanduva, linha do trem, metrô e Radial Leste vistos a partir do alto da Basílica de Nossa Senhora da Penha

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14 introdução

30 Brás

38 Mooca

46 Vila Prudente

54 tatuaPé

64 Penha

72 aricanduVa

78 erMelino Matarazzo

86 são Miguel Paulista

96 itaiM Paulista

104 guaianases

112 itaquera

120 cidade tiradentes

128 são Mateus

136 referÊncias BiBliográficas

Imagem interna da Capela de São Miguel Arcanjo, em São Miguel Paulista

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a zona leste e a cidade de são Paulo

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os distritos que coMPõeM a zona leste

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zona leste eM destaque a diVisão territorial dos distritos da zona leste

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MeMória, história e cidadania

costuma-se dizer, sem muita convicção, é verdade, que o Brasil é um País sem memória. ou, pior ainda, que o brasileiro não tem memória. é uma dessas frases feitas que as pessoas repetem sem se deter e refletir sobre seu valor. trata-se, no máximo, de uma verdade parcial. a todo momento surgem, aqui e ali, documentos sobre a vida do País e de seu povo, que qualquer interessado pode consultar, enriquecer seus conhecimentos e fortalecer os alicerces de sua cidadania.

a Prefeitura de são Paulo, por exemplo, vem trabalhando para preservar a história da cidade. restauramos a Biblioteca Mário de andrade e recuperamos seu acervo. fizemos a maior recuperação dos cem anos do theatro Municipal. e acabamos de entregar, renovados, o solar da Marquesa e a casa n° 1 que irão abrigar, respectivamente, a sede do Museu da cidade e a casa da imagem, esta voltada à pesquisa e difusão da história da imagem documental da cidade e à preservação do acervo iconográfico.

é com grande alegria que me vejo diante de um desses documentos, o projeto face leste - o livro e o documentário - sobre a zona leste de nossa cidade. a carinhosa zl, tão esquecida durante várias décadas e, ao mesmo tempo, tão importante para o desenvolvimento da Metrópole, com sua população sofrida e operosa.

face leste é um trabalho completo e abrangente. contém um retrato minucioso e criterioso daquela região da cidade, desde seu nascer, com as expedições bandeirantes ao longo dos rios tietê e aricanduva, passando pelo desenvolvimento do comércio e, mais tarde, da indústria, até sua transformação naquilo que se convencionou em chamar de "cidade dormitório".

Trata-se de uma análise firmemente fundada na história da região, mas que não se limita a uma simples visão linear do passado. Vai mais longe, arrisca uma visão projetiva, mostrando que a zona leste, hoje, deixa a fama de "dormitório" e vai aos poucos ganhando uma nova face (como diz o título), graças a um formidável salto de desenvolvimento que sacode a região.

todos os ciclos porque passou a zona leste deixaram suas marcas - e é sobre esses sinais históricos que o presente trabalho se debruça, pois são traços indeléveis da história local.

Fotografias de ontem e de hoje, gráficos numéricos e outras ilustrações enriquecem o projeto face leste que, de tão instigante, deverá gerar iniciativas semelhantes. quem sabe novos trabalhos surjam e revelem, também, a face das zonas norte, sul, oeste e centro.

gilberto KassabPrefeito da cidade de são Paulo

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face leste: reVisitando a cidade

a diocese de são Miguel Paulista, por meio da associação cultural Beato José de anchieta, coloca à nossa disposição o livro face leste: revisitando a cidade.

este texto, que mostra uma entre muitas faces possíveis, pretende inscrever uma modesta contribuição para o conhecimento da região leste da cidade de são Paulo. o tempo verbal revisitando, colocado no seu subtítulo, sugere a necessidade de olhar sempre e profundamente a cidade em que vivemos e que supomos conhecer.

este novo olhar a cidade a partir de uma região delimitada, a leste, pode ampliar nossos horizontes proporcionando uma visão mais humana do seu presente e mais esperançosa para o seu futuro.

qual a importância deste estudo para a ação evangelizadora da igreja na diocese de são Miguel Paulista? a fé cristã é histórica e transcendente. ela se realiza no tempo-espaço em que está inserida, daí a relevância em conhecer a realidade na qual será anunciada sua missão salvífica. A salvação na história humana é em suma a certeza de que Deus continua tocando a vida das pessoas e sendo parceiro delas na caminhada do pecado para a graça plena, ou seja, “do pior para o melhor” até a perfeição definitiva.

Conhecer a história deste nosso chão e nele identificar o movimento das pessoas realizando a justiça, o amor e a paz em suas vidas reaviva o sonho de uma humanidade feliz, que acontece não só pela ação evangelizadora da igreja católica, mas também pelo “cristianismo anônimo”.

conhecendo as várias faces da região leste descobrimos um povo que nunca foi letárgico, pois sempre soube expressar sua fé, arte, trabalho e emoções, suas lutas e reivindicações. este povo sempre reinventou a vida, na sua busca perseverante da cidadania ativa.

agradeço a todos que, de forma direta ou indireta, contribuíram na realização deste projeto.

concedo a todos minha bênção e desejo que os bons ventos do leste, portadores de esperança, soprem sobre os que amam e constroem esta cidade.

dom Manuel Parrado carralBispo diocesano de são Miguel Paulista

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intRodução a zona leste de são Paulo sempre foi uma região de rica história, mas pouco contada, debatida, refletida. O que sempre deu, a quem não a conhece, uma impressão equivocada de uma região uniforme, com apenas problemas sociais para serem mostrados. Pensando em desvendar este mito e em exibir uma zona leste repleta de diversidade e com uma história pujante, a associação cultural Beato José de anchieta apresenta o projeto face leste: revisitando a cidade, que consiste na elaboração deste livro e de um documentário audiovisual. trata-se de um trabalho que dá continuidade ao guia cultural e turístico da zona leste de são Paulo, produzido pela associação em 2010 que procurou destacar as principais atividades culturais e de lazer, além dos equipamentos públicos da região, servindo de orientação para mostrar às pessoas o que a zona leste tem a oferecer. em decorrência deste projeto anterior, o livro face leste: revisitando a cidade procurou seguir com os mesmos distritos escolhidos no guia. sendo assim, temos: aricanduva, Brás, cidade tiradentes, ermelino Matarazzo, guaianases, itaim Paulista, itaquera, Mooca, Penha, são Mateus, São Miguel Paulista, Tatuapé e Vila Prudente. Infelizmente, outros distritos importantes ficaram de fora deste livro, mas como se trata de uma continuação, preferimos manter os mesmos locais do guia. acreditamos, também, que foram contemplados nesta edição os que resumem bem a formação e o desenvolvimento da zona leste, bastante peculiar e com características bem interessantes. Longe de querer ser uma obra definitiva sobre a Zona Leste, o projeto do livro consiste em contar, de forma resumida, a história oficial desses distritos, que parte da fundação e apresenta um panorama com alguns dos principais acontecimentos e datas que marcaram a vida desses locais, e de alguns aspectos gerais da história da zona leste, indicando as obras que serviram para a elaboração deste trabalho, uma espécie de guia de pesquisa para quem se interessa pela história da zona leste. além disso, escolhemos um morador de cada um desses treze distritos para que desse seu depoimento sobre sua relação com o lugar onde mora e sua percepção das transformações vividas pelo local, desde a sua chegada até os dias de hoje, em uma visão bem particular.

como foi possível notar mais acima, estamos utilizando, para efeito de conceito, a nomenclatura distrito, seguindo a divisão política e administrativa da zona leste, elaborada pela Prefeitura do Município de São Paulo. Isso porque, oficialmente, o conceito de bairro não existe do ponto de vista da administração pública, já que a divisão, como sabemos, é feita por distritos e pelas subprefeituras, que englobam alguns distritos de uma determinada região. Mas, apesar disso, este livro procurou narrar a história dos locais a partir de suas formações iniciais, logo, aproveitamos a divisão de bairros que as pessoas conhecem de forma mais natural, porque os núcleos foram formados a partir de bairros e, só no decorrer das décadas ou séculos é que alguns deles ganharam relevância para serem transformados em distritos.

outra razão para não abandonar a distinção de bairros é pelo ponto de vista emocional que as pessoas se inserem e enxergam o lugar onde moram. a divisão de bairro na cabeça das pessoas é muito diferente do conceito de distrito e, já que a ideia do livro é contar a história a partir das formações dos territórios e da percepção das pessoas no desenvolvimento do lugar onde vivem,

Radial Leste, a principal via de acesso e o cartão-postal da Zona Leste de São Paulo

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não podemos deixar de lado o sentimento de pertencimento a determinada localidade que está totalmente ligado a palavra bairro. como exemplo, podemos citar dois casos. segundo pesquisa da professora rosana helena Miranda, da faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade de são Paulo, o núcleo histórico de formação da Mooca situa-se entre a radial leste, a avenida do estado e a linha do trem – que segue até rio grande da serra. Muitos moradores daquele trecho, inclusive, dizem que a Mooca é ali e não no alto da Mooca. acontece que, para efeitos de divisão política e administrativa, aquela região pertence atualmente ao distrito do cambuci, ou seja, nem da zona leste faz parte hoje. Mas não podemos descartar esse pedaço do bairro do ponto de vista da Mooca histórica, aquela que tinha muitas vilas onde moravam operários, muitas delas ali nesse núcleo. o Jardim anália franco é outro caso emblemático. atualmente, o bairro pertence ao distrito de Vila formosa, mas foi, durante anos, considerado como parte do tatuapé, tanto que, na história do bairro e do crescimento extraordinário recente pelo qual o tatuapé passou, o Jardim anália franco tem papel exemplar. Então, por mais que a região hoje não faça parte oficialmente, é impossível desconectá-la de sua história e deixar de mencioná-la no capítulo sobre o tatuapé.

Após as primeiras reuniões e a definição dos parâmetros iniciais do projeto, partiu-se para a pesquisa de livros, teses, dissertações e historiadores dos bairros que serviram de embasamento para a elaboração do livro. além desse material, entrevistas com os pesquisadores foram gravadas, e também com alguns moradores, que serviram para tirar dúvidas e aprofundar certas questões mais relevantes ao projeto face leste. embora alguns bairros tenham sido contemplados com a publicação de suas histórias, que foram escolhidas no Concurso de Monografias sobre a História dos Bairros de são Paulo, do departamento do Patrimônio histórico da secretaria Municipal de cultura da cidade de são Paulo, vários outros não possuíam sequer material para pesquisar. os locais em que sentimos maior dificuldade foram São Mateus e Aricanduva, que não possuíam livros, nem foram encontradas pesquisas acadêmicas, o que nos obrigou a nos fiar em depoimentos de moradores antigos e em alguns recortes de jornais de bairro e sites de internet que traziam alguma informação fragmentada, o que nos reservou um trabalho hercúleo de montar as várias peças do quebra-cabeça para chegar ao resultado apresentado neste livro. de qualquer forma, cada bairro teve a sua dificuldade e peculiaridade. Em alguns livros, as datas não batiam com outras fontes de

informação, o site da internet trazia um dado novo não encontrado em lugar algum, ou mesmo um depoimento para ajudar a completar um texto que se mostrava insuficiente. Já outros bairros, como Mooca e Brás, até por terem sido relevantes em um momento de expansão da cidade de são Paulo, são alvos de muitas teses e dissertações, o que nos proporcionou um vasto material de pesquisa. Já outros, com história tão vasta e rica, sobraram material e informações.

o que acreditamos ser importante destacar é que a nossa opção de embasar a pesquisa em textos o mais próximo possível da realidade histórica da formação dos bairros nos levou a algumas ponderações de mestres e doutores a respeito da formação da zona leste em geral e que, por serem conceitos e reflexões profundas e que servem para analisar a região como um todo, foram apenas mencionados nos capítulos, pois o objetivo lá é centrar na história de cada distrito. Mas, por serem questões importantes que ajudam na compreensão de como a zona leste se constituiu e se expandiu da forma como conhecemos, vale a pena trazer à esta introdução uma reflexão de forma mais detalhada.

de saída é importante salientar que a zona leste possui uma variedade imensa de situações vividas em cada canto de seu território. enquanto alguns apresentam maior desenvolvimento e investimento de determinados ramos empresariais, outros adquiriram um viés mais residencial, enquanto outros mesclam áreas dormitório com um comércio pujante, embora localizado. não é à toa que a própria Prefeitura do Município de são Paulo estabeleceu uma divisão da zona leste, até para compreender os fenômenos, saber das necessidades e atuar para levar os serviços necessários para a população. sendo assim, a zona leste é dividida em três sub-regiões: zona leste um, que engloba a subprefeitura da Penha, ermelino Matarazzo, itaquera e são Mateus; a zona leste dois, que reúne as subprefeituras do itaim Paulista, guaianases,

A Festa de San Gennaro ocorre todos os anos no núcleo de formação do bairro da Mooca

A primeira fase da

urbanização e industriali-zação de São Paulo contou com diversas

fábricas na Zona Leste

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são Miguel Paulista e cidade tiradentes; e a zona sudeste, que incorpora a subprefeitura da Mooca, aricanduva, Vila Prudente, além da do ipiranga, que faz parte desta subdivisão, embora pertença à zona sul da capital. Mas a subdivisão que cremos que vai resumir todo o histórico de desenvolvimento e apropriação desses distritos e que, por isso, será aproveitada nessa pesquisa para uma melhor compreensão das nuanças da região, é o que foi elaborado pela equipe de pesquisadores coordenados pela urbanista raquel rolnik1, professora da faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade de são Paulo. Pensando em como os processos incidem de formas distintas sobre os vários territórios da zona leste, foi estruturada uma hipótese de divisão da zona leste em sete sub-regiões, representando as diferentes territorialidades existentes na região leste2. A que dá início é a dos bairros da primeira indústria (Pari, Brás e Belém), cujo espaço é configurado pela instalação das primeiras indústrias e vilas operárias; a centralidade emergente (tatuapé, água rasa, Vila formosa, carrão e parte da Vila Matilde e da Penha) é a área que tem se transformado e recebido uma população de maior faixa de renda e com dinâmica estrutura comercial; a várzea do tietê (parte dos distritos de cangaíba, ermelino Matarazzo, Vila Jacuí, são Miguel e todo o Jardim Helena) é a dos terrenos obtidos graças à retificação do Rio; eixo do Tamanduateí (Mooca e Vila Prudente) inclui uma área urbana caracterizada pela ocupação industrial e com situações especí-ficas quanto ao processo de reconversão industrial; a periferia consolidada (Itaquera, Cidade líder, aricanduva, artur alvim, Ponte rasa e parte da Vila Matilde, Penha, cangaíba, ermelino Matarazzo, Vila Jacuí, são Miguel Paulista, Vila curuçá e Parque do carmo), cujo território faz parte da expansão rumo à periferia comentada aqui e que hoje se encontraria consolidada; a periferia do aBc (são lucas, são rafael e são Mateus) seria a área onde a ocupação ocorreu em virtude da expansão da urbanização do aBc; e, por último, o território das fronteiras (iguatemif, lajeado, cidade tiradentes,

guaianases, itaim Paulista e partes da Vila curuçá e Parque do carmo), que correspondem à ocupação da periferia mais recente por grandes conjuntos habi-tacionais – a partir dos anos 1970 – e que possuem ocupação precária, como favelas, áreas de invasões e loteamentos irregulares.

essa divisão sintetiza o percurso que vamos fazer a partir de agora pela história da zona leste de são Paulo, que, como será visto, desenvolveu-se de uma forma própria, mas não igual em toda a sua exten-são. o leitor perceberá que cada região teve uma nu-ança, um item específico, inclusive, em períodos di-ferentes do século XX, apesar da região ter algumas características que dão a ela a identidade de que muitos de seus moradores gostam e se identificam.

as MúltiPlas faces da zona leste

É fato que o povoamento da Zona Leste não teve início a partir do final do século XIX e no decorrer do século XX. os primeiros aldeamentos e núcleos populacionais datam do século XVi e XVii em algumas regiões, que acabam servindo como data de fundação de vários bairros, inclusive. Muitas regiões também eram caminhos de passagem de tropeiros que se dirigiam ao Vale do Paraíba, a Minas gerais e ao rio de Janeiro3, o que o aroldo azevedo vai chamar de subúrbios orientais de são Paulo4. séculos mais tarde, na segunda metade do século XiX, a implantação da linha férrea que vai cortar a zona leste sentido rio de Janeiro possibilitou o desenvolvimento de diversos núcleos de povoamento, em que bairros nascem ao redor das estações de trem e do entroncamento das vias5, tendo uma dinâmica própria de desenvolvimento a partir dessas formações. “a central do Brasil possibilitou que esses locais mais distantes do centro de são Paulo fossem ocupados em períodos antigos, mas mesmo assim eram subúrbios semiurbanizados, eram pessoas que estavam muito mais ligadas a atividades rurais que urbanas”, atesta Márcio Rufino Silva, mestre em Geografia pela Universidade de São Paulo. são regiões que nascem como aglomerados de chácaras, produtoras de verduras, legumes, frutas, para a cidade, além das olarias de tijolos e telhas que se formaram ao longo do rio tietê e em bairros como guaianases que, assim como itaquera, também forneceu pedras para a construção civil por meio de suas pedreiras. “a ideia de uma mancha de óleo que parta de um centro e vai se espalhando não é exatamente conveniente para entender são Paulo nem outra cidade, porque tem uma simultaneidade da produção dos subúrbios em

Olaria con-servada na Chácara das Flores, em Guaianases, lembra os primórdios de desenvol-vimento do bairro

Capela de São Miguel

Arcanjo preserva

a história de um dos primeiros

aldeamentos da cidade

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relação à centralidade da cidade. Você parte de são Miguel, está falando do resgate da capela, era um aldeamento indígena. o que é interessante perceber é que a política de colonização já se valia de uma estruturação que faz com que eu não reduza a compreensão de são Paulo a um processo de desenvolvimento e expansão em mancha de óleo. se você olhar os aldeamentos indígenas, eles vão coincidir depois com áreas caipiras e áreas periféricas, importantes para a interpretação da região metropolitana”, afirma a professora de Geografia da Universidade de São Paulo Amélia Damiani.

apesar de levar essa ponderação em consideração, acreditamos que o desenvolvimento da zona leste, tal como a conhecemos, acontece quando a cidade de são Paulo toma o caminho da urbanização. e podemos dividi-la em dois momentos: o primeiro vai acontecer a partir de uma ocupação mais centralizada em torno de outra linha de trem, que vai ligar a região de Jundiaí, grande produtora de café, até o Porto de santos, para escoar a produção e, ao mesmo tempo, receber imigrantes europeus e orientais para trabalhar nessas lavouras e na cidade. entre o fim do século XiX e o primeiro quarto do século XX, milhares de imigrantes vão aportar em são Paulo, enquanto que diversas indústrias vão se localizar aos arredores da linha férrea e do rio tamanduateí, no entorno do centro da cidade. sendo assim, bairros como a Mooca, Brás, Pari, Belém, Barra funda, lapa, Bom retiro, vão se desenvolver às custas de fábricas de todo o tipo e casas e vilas operárias para abrigar os trabalhadores, muitos deles imigrantes. essa seria a primeira formação da zona leste, que iria até o final dos anos 1930 e, como analisa o professor Paulo fontes, da faculdade getúlio Vargas do rio de Janeiro, seria a primeira onda de urbanização e industrialização. “foi um processo de retalhamento das chácaras que aconteceu em todo aquele cinturão de chácaras em torno do centro consolidado da cidade de são Paulo, ou seja, essas áreas de expansão que eram ocupadas por chácara começaram a ser adensadas horizontalmente. essa área fez parte do processo de expansão desse centro na conquista de novas áreas, não apenas explorar. a ideia da construção dessas casas é uma tentativa de investimento no mercado imobiliário”, complementa a professora luciana gennari, da faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade federal do rio de Janeiro.

enquanto isso, como já foi dito, as demais áreas da zona leste permaneceram com as-pectos rurais, já que não estavam entre os terrenos mais valorizados de são Paulo. “o vetor de valorização imobiliária da metrópole onde as classes altas preferiram morar, mesmo quando começou a ter esse crescimento explosivo de são Paulo, era o vetor su-doeste. então as classes altas preferiram, em um primeiro momento, os campos elísios, depois foram para higienópolis, depois subiram para a avenida Paulista, depois foram descendo para os Jardins. então a cidade se voltou para a zona oeste e ficou de costas para a zona leste, que teve uma incorporação muito tardia a esse tecido metropolitano. eram terras que permaneceram desocupadas durante muitos anos”, observa rufino.

a partir da década de 1940, algumas fábricas vão para o tatuapé e para a Penha, outras para a zona sul, mas muitas para fora de são Paulo ou mes-mo para outros núcleos fabris ao redor da região Metropolitana, como seria o caso do aBc paulista, nos anos 1950, por conta da indústria automobilísti-ca. trata-se aqui do segundo momento de industrialização e urbanização de são Paulo. o impulso ao desenvolvi-mentismo e à industrialização, aliada à urbanização crescente das grandes capitais, vai incentivar que milhões de pessoas de outros estados – es-pecialmente da região nordeste, mas não apenas de lá – migrem para as metrópoles em busca de uma oportu-nidade melhor na vida, movidos pela esperança da “cidade grande”. “se o primeiro processo foi marcado por uma imigração estrangeira, agora a gente está falando de uma migração interna, o Brasil vive um processo im-pressionante de transferência da po-pulação rural para a cidade a partir da segunda guerra. são mais de 30 mi-lhões de pessoas em 30 anos que saí-ram do campo para a cidade, é a maior migração do mundo no século XX”, diz Paulo fontes. “e é uma migração inse-

rida num processo em que o Brasil era o País do futuro, moderno, numa crença muito grande das autoridades, intelectuais e sociedade como um todo nessa ideia do nacion-al-desenvolvimentismo, de que o País do futuro seria construído na base da indústria e do urbano. e são Paulo é de novo o exemplo mais representativo desse processo, dessa ideia de ir para o urbano. e a indústria vai precisar de mão de obra, então acontecem campanhas para trazer essas pessoas e muitas delas vêm pelas redes sociais que elas criam, as pessoas não estão fugindo da seca loucamente sem pensar muito, a maior parte é um projeto muito elaborado e sofisticado de comunidades, famílias em busca de uma vida melhor, de ascensão social, num momento em que econômica e culturalmente a cidade significava esse atrativo”.

As casas operá-

rias, como essas do

Brás, foram construídas

para receber os trabalha-

dores das fábricas

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Para o arquiteto urbanista Kazuo nakano, do instituto Pólis, essa transição rural-urbana tem relação com o que ele chama de “metropolização” das grandes cidades, que desenvolveram nesse período os seus pólos de desenvolvimento econômico e, principalmente, seus pólos industriais. “na região Metropolitana de são Paulo, a segunda metade do século XX foi marcada pela construção do pólo industrial do aBc, a reestruturação do pólo industrial de osasco, a constituição do pólo de guarulhos, o fortalecimento do eixo industrial do tamanduateí, a entrada das multinacionais automobilísticas, a formação de uma cadeia automobilística fornecedora de auto-peças para essas grandes indústrias montadoras de automóveis, as indústrias produtoras de eletrodomésticos. Você vê que esse momento de fortalecimento desses pólos econômicos na Região Metropolitana constitui um pólo de atração de fluxos de imigrantes que viviam nas áreas rurais e sofriam os impactos dessas transformações que estavam acontecendo por conta daqueles fenômenos que provocaram o êxodo rural”, conta.

rufino destaca alguns desses fenômenos que contribuíram para a corrida em direção às cidades: “ao mesmo tempo em que a cidade atraía as pessoas, elas estavam sendo expulsas do campo que estava sendo cercado pelos bancos, com as dívidas, que foi tomando as terras dos trabalhadores, e que foram cada vez mais para as mãos de latifundiários e a vida no campo começou a ser cada vez mais impossível. onde essa massa toda de gente vindo para a cidade ia morar?”. uma vez na cidade, um fator importante que vai estimular a ocupação dessas novas áreas tem a ver com a lei do inquilinato, de 1942, que congelou o preço dos aluguéis, com o objetivo de proporcionar

que os trabalhadores obtivessem condições de pagar o valor mensal e evitar que o setor privado mantivesse seu investimento em moradias de aluguel. e o congelamento cumpriu o seu papel: muitos construtores desistiram de prosseguir investindo no setor6. o problema é que, com isso, diminuiu também a oferta de unidades habitacionais em médio prazo, ao mesmo tempo em que crescia a necessidade de moradias para a população que iria crescer vertiginosamente nos anos seguintes. com a pouca oferta e a crescente demanda, os aluguéis sofreram um forte reajuste, dificultando a vida das pessoas que buscavam um lugar para morar. a solução: encontrar terrenos baratos em regiões mais distantes, cujo salário comportasse uma prestação mensal.

e com isso, são Paulo vai aumentar bastante sua população a partir dos anos 1950, e a zona leste vai seguir esse caminho recebendo cada vez mais pessoas em áreas mais distantes, baratas, mais acessíveis para a população de renda baixa que tenta se fixar na cidade. “essa segunda leva de imigração a partir dos anos 1950 não vai achar seu lugar no centro que já está sitiado, estruturado, inclusive legalmente pela especulação, por causa da lei do inquilinato. então eles têm mesmo que ir para outros lugares”, pondera o historiador e sociólogo eribelto Peres castilho. trata-se do segundo momento da expansão rumo ao leste, que está umbilicalmente ligado à segunda fase da industrialização e urbanização vivida na capital paulista. “essa segunda fase de industrialização e urbanização de são Paulo talvez seja marcada por duas características principais: a primeira, do ponto de vista urbano, que os arquitetos e urbanistas chamam de padrão periférico de crescimento, ou seja, tem uma expansão das classes populares

Assim como em Ermelino Matarazzo, a autoconstru-ção domina a paisagem do extremo leste da cidade

A ocupação desordenada

da Zona Leste proporcionou

também a favelização de algumas

áreas, como em

Guaianases

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das regiões mais centrais que se dá por vários mecanismos, incremento do preço dos aluguéis, diminuição do espaço físico, fim das vilas operárias – que era o padrão mais marcante da primeira fase –, vilas e cortiços. na prática significou a ida das classes trabalhadoras para esse segundo anel periférico onde há um rapidíssimo e enorme processo de loteamento urbano, muitas vezes fraudulento”, explica Paulo fontes.

assim, surgem os loteamentos irregulares que vão se expandir por são Miguel Paulista, itaim Paulista, itaquera, guaianases, ermelino Matarazzo, são Mateus, enfim, praticamente toda a zona leste vai viver a mesma cena de uma linha de ônibus que levava até determinado local, onde corretores aguardavam ansiosamente para fechar mais negócios, isto é, vender mais terrenos. “um personagem muito importante nesse processo do loteamento foi o proprietário de linha de ônibus. Às vezes, essas linhas tinham um ou dois ônibus, não tinham horários regulares e, às vezes, não tinham nem trajetória regular, ia de acordo com a clientela. Muitas vezes o loteador era dono da linha de ônibus”, diz Maria ruth amaral sampaio, professora do curso de pós-graduação da faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade de são Paulo. “os loteamentos foram sendo abertos cada vez mais distantes, com um vazio enorme no meio, por quê? a partir do momento em que esse loteamento longe do centro tivesse consolidado, o empresário do ônibus que também tinha uma associação com o empresário das terras, poderia estender o ônibus mais adiante. e ao colocar o loteamento mais distante, as terras do meio ficavam desocupadas, só que o trajeto ‘valorizava’ aquelas terras do meio, então ele já poderia vender aquelas terras um pouco mais caras”, complementa Márcio rufino.

o problema é que nos loteamentos não havia nenhuma infraestrutura: sem água, rede de esgoto, luz, escolas, hospitais, apenas um pedaço de terra. e, pela ausência de tudo isso, as terras eram mais baratas, ou até de graça, mas eram vendidas às pessoas. “todo mundo era loteador naquela época, tinha um dinheiro comprava um terreno e loteava. a maior parte das vezes o loteamento era precário, não tinha áreas verdes necessárias para área de convívio. os lotes não tinham área padrão, não tinha sistema viário dentro do loteamento. era uma associação de irregularidades”, enumera Maria ruth amaral sampaio. e diante da renda diminuta, muitos trabalhadores construíam eles mesmos as suas casas aos fins de semana, com a ajuda de amigos ou parentes, revelando outro elemento muito característico na zona leste nesse período, a autoconstrução.

de acordo com a mestre e doutora pela universidade de são Paulo em geografia, rosalina Burgos, trata-se de um processo de exploração do trabalhador, que tem que se reproduzir como força trabalhadora, porém, arcando com os custos para sua reprodução como trabalhador. é o que o lúcio Kowarick chama de espoliação urbana7. e a questão passa pelo salário mínimo, que reúne (ou deveria reunir) as condições necessárias para a pessoa trabalhar. “ocorre que o salário mínimo nunca foi o mínimo necessário e, além disso, eu pego o meu salário mínimo e ainda vou investir naquilo que desonera o estado.

então a produção da periferia é levada como uma grande espoliação urbana. isso é importante frisar porque esses são os conteúdos da periferia, as periferias urbanas têm como conteúdo social a pobreza”, critica.

um fator em especial também contribuiu para o crescimento do adensamento populacional na região leste: a realização de algumas obras viárias que seguiram a linha do trem e o formato de ocupação dos núcleos antigos, caso específico da radial leste e do metrô, que esticaram até a região de itaquera, deixando, no entanto, uma grande área ainda mais ao leste carente de transporte público de alta velocidade. em outra medida, a construção da avenida aricanduva e a sua chegada até são Mateus nos anos 1970, com a retificação do rio de mesmo nome, também é outro elemento que vai acelerar a urbanização daquela região em especial, como veremos no capítulo sobre o aricanduva.

entre os anos de 1970 e 1980, foram construídos os conjuntos habitacionais em itaquera e guaianases (parte deles pertence hoje à cidade tiradentes), a partir de financiamentos do Banco nacional de habitação, criado nos anos 1960, que serviram para oferecer mais moradias para essa população pobre. o que fez aumentar ainda mais o número de pessoas na região em espaços cada vez mais apertados e ainda sem infraestrutura urbana, em uma iniciativa que ficou longe de uma política habitacional continuada por parte do poder público, mesmo que, nas últimas décadas, outras modalidades de conjuntos habitacionais tenham sido entregues à população. “a partir da criação do Banco nacional de habitação começa um processo mais orientado, de política econômica inclusive nessa área da habitação. entretanto, os recursos utilizados pelo Bnh eram basicamente utilizados para construir prédios para classe média. no máximo as cohab’s, o cdhu. não é uma política pensando em resolver o déficit habitacional, mas é um programa de investimento mesmo.

Os conjuntos habitacionais

como o da Cidade

Tiradentes aumentaram a população

da Zona Leste, mas não

resolveram o problema de

moradia na região

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ao financiar unidades para a classe média a intenção desse fundo é multiplicar. Você empresta à classe média a juros, ela repõe e vai multiplicar aquele fundo”, argumenta castilho. de qualquer forma, os conjuntos habitacionais criados foram insuficientes para conter o crescimento populacional do extremo leste da cidade. “Porque não se construiu conjuntos habitacionais em espaços mais integrados com a cidade? Porque tinha glebas urbanas mais perto da Penha, do tatuapé. Basicamente, é por causa do preço da terra. sem infraestrutura, a terra é mais barata. essa dimensão da terra urbana é chave para entender a formação de qualquer área urbana. e de certa maneira, a zona leste é fruto dessa insuficiência histórica do estado brasileiro em prover terra urbanizada adequada para a construção de moradias de qualidade às famílias de baixa renda”, critica nakano.

a ausência de infraestrutura básica, bem como de equipamentos públicos, proporcionou o desenvolvimento de mais uma característica da zona leste. trata-se de um povo de luta, que batalhou muito e atou fortemente em movimentos por toda a região, em um momento em que a ausência de liberdades juntava-se às dificuldades de atendimento das demandas urbanas e sociais. “Diante desse clima de desafios e formada pelas reflexões e deliberações advindas, principalmente, do concílio Vaticano ii (1962-1965) e do 2º encontro do celaM em Medellín-colômbia (1968), a mensagem e a atuação da igreja de são Miguel foram absolutamente contemporâneas: postou-se o lado das reivindicações populares como um elemento de aglutinação e apoio organizacional, pautando-se numa direção pastoral que resguardava os princípios cristãos de justiça, igualdade e paz8”. um povo muito sofrido, que, como será visto ao longo desse livro, valoriza cada vitória conquistada, cada rua asfaltada e iluminada, cada escola e hospital construído, cada residência regularizada, o que só reforça a identificação que a maioria dos moradores da zona leste possuem pelo lugar onde vivem. em alguns bairros, como veremos, é uma relação intensa que transcende o local e se conecta com a própria zona leste, motivo de orgulho para muitos moradores. “nesses lugares primeiro chegam as pessoas com as suas construções, depois chega a urbanização. é o processo inverso dos processos que acontecem nos bairros de classe média e alta em que primeiro chega a urbanização e depois as pessoas que tem dinheiro para comprar esses lotes já urbanizados começam a construir suas casas. esse padrão periférico de urbanização que orientou os núcleos da Zona Leste reflete a própria trajetória da família, das conquistas econômicas da família. quando consegue guardar mais dinheiro, constrói mais um cômodo. O filho cresce, casa, e aí constrói um cômodo no fundo, ou para cima, vai ocupando o lote. esse processo se repete até a exaustão, são histórias que formam a periferia urbana da metrópole. ou, então, são grupos de famílias que se organizam para ocupar uma gleba vazia na periferia, construir um barraco, às vezes tem enfrentamento com a polícia. Muitas vezes aquele assentamento vai se consolidando e se transforma em um bairro”, destaca nakano.

hoje a zona leste cresceu, se desenvolveu e, mesmo com necessidades importantes em diversas áreas, mostra todo o seu potencial, cada vez mais percebido e com mais investimentos do poder público e mesmo privado. “abre-se um novo ciclo em um pedaço da zona leste. Mas não acho que é um ciclo que se inicia só com a criação do pólo institucional de itaquera, acho que tem antecedente

desde a criação da avenida aricanduva, o shopping aricanduva, o shopping tatuapé, o shopping Penha, o metrô, a modernização da linha de trem, a extensão da linha de trem para José Bonifácio até Guaianases, a Jacu-Pêssego, e desta ligando com a Ragueb Chohfi, o SESC Itaquera, a USP leste. Você tem o shopping anália franco e aquele boom imobiliário na região. Enfim, desde os anos 1990 mais ou menos vem acontecendo um fluxo de investimentos público e privado na Zona Leste que hoje está culminando com o pólo institucional de itaquera”, enumera nakano.

hoje as grandes indústrias foram embora, assim como o aspecto rural foi abandonado, deixando muitos lugares como bairros-dormitórios, apesar de mesmo esse cenário estar mudando. “começa a crescer muito a combinação do local da moradia com o local de trabalho na própria periferia, essas inúmeras portinhas, negócios de fundos de quintal, começa a ‘bombonierzinha’, lojinha de r$1,99. quantos trabalhadores que se tornaram profissionais, daquele período entre 1960 e 1980, se aposentaram ou foram mandados embora e hoje estão trabalhando? Por que tem tantas oficinas mecânicas no itaim Paulista? alguns deles, ou pai ou conhecido trabalhou na indústria e é o que ele sabe fazer e faz no quintal dele. costureiras que eram trabalhadoras das fábricas têxteis que ficavam no Brás, no Pari, na Mooca. com a flexibilidade do trabalho vão se multiplicando também as cadeias produtivas”, acredita rosalina Burgos.

essa variedade demonstrada pela própria história da zona leste revela que, ao contrário do que se pensa, a região possui múltiplas facetas que refutam a crença geral de que possui o mesmo cenário, a mesma realidade, apenas uma classe social e somente problemas. “a zona leste possui uma heterogeneidade de situação, processos, de grupos sociais. ela não é só essa dimensão negativa

Extensão da Jacu-Pêssego

(abaixo na foto) e trem até

Guaianases via estações

Dom Bosco (foto) e Cohab

José Bonifácio está entre as muitas obras

feitas naZona Leste

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que as pessoas costumam imprimir na região. as pessoas, às vezes, comparam a zona leste com o padrão sudoeste de Pinheiros, avenida Paulista e aí a desigualdade da cidade desse quadrante Sudoeste, que é o “filé mignon” da cidade, para com a Zona Leste e o extremo da Zona Sul, que é periferia, é grande. Mas não é assim, a gente percebe que a zona leste tem suas nuanças internas. além do tempo histórico dessas diferentes partes da zona leste ser distinto, os processos de produção e ocupação dos espaços, os grupos sociais e o modo também são diferentes, e mesmo a chegada do investimento público foi diferente nessas áreas. esse período histórico dos fenômenos ocorridos na Zona Leste vai formando essa heterogeneidade”, afirma Nakano.

após esse passeio histórico pela zona leste, que possibilitou que conhecêssemos aspectos que nem imaginávamos no início desta jornada, gostaríamos de nos focar, a partir de agora, ao “corpo” do livro, que são as histórias de 13 distritos da zona leste que tão bem caracteri-zam esta região. e como forma de captar toda a essência dessa trajetória rica da zona leste que vimos até aqui, o livro ordenou os capítulos seguindo o mesmo trilho de desenvolvimento. ou seja, os capítulos não estão ordenados pela fundação dos bairros ou de suas transforma-ções em distritos. quisemos seguir a linha de desenvolvimento de expansão vivida pela zona leste tendo como mote a urbanização que alcançou a região aos poucos e, nesses momentos diferentes, indicados nesta introdução. Por isso, começamos com Brás, Mooca e Vila Pru-

dente, bairros presentes no primeiro momento de urbanização da zona leste. depois, partimos mais para o leste, para o tatuapé, Penha e aricanduva, uma região mais consolidada, que começa a rece-ber urbanização e até indústrias, principalmente o caso das duas primeiras, enquanto que o arican-duva guarda semelhanças com o bloco seguinte de bairros e serve de transição para eles. estes são distritos desenvolvidos a partir dos loteamentos e da autoconstrução, que reforçaram uma ocupação não planejada da zona leste: ermelino Matarazzo, são Miguel Paulista, itaim Paulista, guaianases, itaquera, cidade tiradentes e são Mateus. sem dei-xar de mencionar que alguns desses distritos tam-bém tiveram outro momento de ocupação, que é a dos conjuntos habitacionais: itaquera e guaianases num primeiro momento com a criação das cohab’s e, posteriormente, lugares como o itaim Paulista que receberam grandes conjuntos habitacionais da cdhu. Bem, é hora de conhecer um pouco mais da história desses lugares. Pois, então, prepare-se para esta viagem pela zona leste. Boa leitura!

1rolniK, raquel (coord.). são Paulo: leste/sudes-te – reestruturação urbana da Metrópole Paulistana: análise dos territórios em transição. são Paulo: PuccaMP/faPesP/sesc/Pólis, 2000. 2endrigue, taisa da costa. tatuapé: a valorização imobiliária e a verticalização residencial no processo de diferenciação sócio-espacial. são Paulo, 2008, 230 f.. dissertação em arquitetura e urbanismo – facul-dade de arquitetura e urbanismo da universidade de são Paulo.3op. cit., 2008, p. 72.4azeVedo, aroldo de. subúrbios orientais de são Paulo. são Paulo, 1945, 184 f.. tese de concurso à ca-deira de Geografia do Brasil – Faculdade de Filosofia, ciências e letras da universidade de são Paulo.5langenBuch, Juergen richard. a estruturação da grande são Paulo. rio de Janeiro, instituto Brasileiro de Geografia, Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica, 1971.6_____. lei do inquilinato: ruim para os proprietários, pior para os inquilinos. info Money, 2003. disponível em: http://www.infomoney.com.br/direitos-imoveis/noticia/137540. acesso em: 25 out 2011.7KoWaricK, lúcio. espoliação urbana. rio de Janeiro: Paz e terra, 1993.8associação cultural Beato José de anchieta. capela de são Miguel: restauro, fé e sustentabilidade. são Paulo, 2010.

NotasRealidades distintas:

enquanto a autoconstru-ção e o clima

pacato pre-dominam em

Guaianases, a especulação

imobiliária levou muitos

prédios ao Tatuapé e

mudou a cara e o padrão do

bairro

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nos idos de 1969, a pesquisadora Maria celestina teixeira Mendes torres escrevia no livro história dos Bairros de são Paulo: o Bairro do Brás1 que “o centro da zona leste – comercial, industrial e cultural – é o Brás”. se já não é mais possível hoje ser tão categórico na afirmativa desses três itens, é importante colocar duas outras características muito fortes desse bairro no contexto da zona leste: seu conteúdo histórico e sua ligação com a classe trabalhadora paulistana. se a história mostra que foi pelos aldeamentos indígenas em são Miguel Paulista que a zona leste se originou, quase ao mesmo tempo em que a cidade de são Paulo, foi a partir do Brás que a zona leste iniciou sua expansão nos finais do século XiX e início do século XX, e foi lá que a classe trabalhadora se formou e iniciou sua ocupação pela face leste da cidade.

Mas a história do Brás é um pouco mais antiga e está ligada à construção de uma capelinha ao senhor Bom Jesus dos Matosinhos, feita pelo português José Brás2. das poucas menções a este português religioso, a mais conhecida é, segundo Maria celestina, a ata da câmara Municipal de são Paulo, em quatro de março de 1769, referente a várias petições para que os moradores do Pari fizessem pontes que ligassem o caminho de José Brás até a chácara do nicolau. Já sobre a capela – símbolo da paragem do Brás – há muitas indicações, principalmente no que diz respeito à sua reedificação, em cinco de abril de 1800, com a conclusão da obra em 1º de janeiro de 1803.

a construção original possui poucos registros, mas acredita-se que tenha sido erguida na segunda metade do século XViii3. situada em região não claramente conhecida nos dias de hoje, relatos da época4 indicam que a capela estava situada no caminho que vinha da luz e do Pari para se dirigir à Penha. a posição estratégica fez com que a então tradicional procissão da imagem de nossa senhora da Penha – àquela época a igreja e a devoção mais ao leste já era forte –, do bairro penhense até a sé, ganhasse como ponto

de parada a igreja senhor Bom Jesus dos Matosinhos, principalmente após a capela ter sido erigida à condição de freguesia em agosto de 18195.

bRás

uM Bairro de indústrias

CAMINhO DE JOSé BRáS A estrada então denominada de Caminho de José Brás é o que todos conhecem hoje por Rangel Pestana. Durante um tempo, o endereço foi conhecido como Rua do Brás.

A Rua do Gasômetro foi um dos principais pontos de encontro dos italianos em São Paulo

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estrada de ferro, fáBricas e iMigrantes MudaM a face do Brás

até a segunda metade do século XiX, no entanto, pouca importância tinha o Brás na pacata vida cotidiana de são Paulo. apenas um aglomerado de casas ao redor da igreja e a chácara do bispo compunham o cenário bucólico daquele período. Para se ter uma ideia, segundo censo realizado em 1836, por daniel Pedro Muller6, em seu ensaio de um quadro estatístico da Província de são Paulo, a capital paulista tinha 21.933 habitantes, sendo que a freguesia do Brás possuía meros 659 moradores. esse cenário vai mudar devido a vários fatores. em primeiro lugar, a construção da estrada de ferro santos-Jundiaí, em 1867, a são Paulo railway7, para escoar a produção do café pelo Porto de santos, em uma parceria entre o governo brasileiro e inglês – que também incentivava abertamente a lavoura algodoeira e a indústria têxtil em são Paulo. em 1875, foi inaugurada a estação da estrada de ferro do norte, que pode ser considerada decisiva ao desenvolvimento econômico da cidade8. essa estação significou uma centralidade ao Brás, que já tinha uma outra que ligava o interior ao litoral, e agora ganhava uma conexão com a Corte no Rio de Janeiro. A nova começa a modificar a cara do bairro, que passa por uma transformação, ganhando funções comerciais e industriais, assim como os demais bairros aos arredores das estações, como a Mooca, a Barra funda, o Bom retiro, e até mesmo o Bexiga, mais distante.

A demanda por trabalhadores em um país em que o tráfico de escravos havia sido proibido – e, posteriormente, em 1888, a própria escravidão acabou sendo abolida no Brasil – estimulou que o governo brasileiro incentivasse a imigração europeia, especialmente para trabalhar nas crescentes lavouras de café, principal produtor exportador brasileiro até os anos 30 do século XX. Por isso, a hospedaria do imigrante, que já existia no Bom retiro e não suportava mais o crescente número de imigrantes, foi substituída pela hospedaria construída no Brás em 1887, devido à proximidade com as estações de trem9, facilitando a chegada de imigrantes vindos do Porto de Santos e do Rio de Janeiro. O que propiciou um aumento significativo da população na cidade de são Paulo e, consequentemente, no Brás, que, por vezes, era o ponto de encontro desses imigrantes.

“a escolha do Brás pelos imigran-tes não é casual, ocorre pela pro-ximidade da hospedaria dos imi-grantes. então o primeiro contato que eles tinham com são Paulo era chegar à hospedaria e circular pelo bairro. e muitos foram para as fazendas, mas acabavam voltando para são Paulo. e quando volta-vam, iam para o Brás, pois além de ser um bairro que tinha já os corti-

ços, residências mais acessíveis para essas pessoas, era também um bairro industrial”, afirma a fotógrafa e doutora em história pela unicamp (universidade es-tadual de campinas) suzana Barretto ribeiro, autora do livro italianos do Brás: imagens e Memórias. em 1886, a população do Brás10 já era de 5.998. apenas quatro anos depois esse número alcançou os 16.807, duplicando três anos mais tarde para 32.387.

a grande maioria dos imigrantes eram italianos, que formaram no Brás e na Mooca uma verdadeira itália fora da itália. e de uma forma bem casual, como conta seu Modesto gravina neto, 78 anos, neto de imigrantes italianos e presidente da associação são Vito Mártir, que existe a 93 anos no Brás e foi fundada por italia-nos da cidade de Polignano a Mare, que fica próxima à Bari. “quando chegaram aqui eles não sabiam a língua, não sabiam nada do que tinha que fazer, mas sempre encontravam alguém que já estava aqui. esse pessoal que veio da itália, em particular de Polignano a Mare, se concentraram na rua do gasômetro. Vem um, veio outro, e aí veio a namorada, irmã, foram vindo aos pou-cos e aqui eles constituíram um grupo enorme e todos com algum parentesco.” além dos italianos-bareses, os napolitanos – representados pela devoção e festa

semelhante à nossa senhora de casaluce –, assim como portugueses e espanhois, foram outros grupos que fincaram bases no Brás para trabalhar nas fábricas que abundavam na região já no início do século XX, consolidando a região como industrial. o engajamento político dos italianos, muitos anarquistas, contribuiu na luta dos operários por melhorias no ambiente de trabalho, culmi-nando na primeira grande manifestação operária, a greve geral de 1917, que começou em são Pau-lo11 e se estendeu pelo País, e proporcionou algumas conquistas para a classe operária. enquanto outros italianos, mais bem-sucedidos, eram empregadores, não empregados, tendo instalado di-versas empresas no bairro.

ao mesmo tempo em que chegavam levas e mais levas de imigrantes, desde a virada para o século XX começou um movimento intenso de construção de casas mais simples, e até mesmo vilas operárias, para comportar os operários próximos ao local de trabalho. “nesse período, o governo não assumia a construção de casas para os habitantes. ele intermediava e incentivava que os particulares construíssem casas para alugar. outra questão era de que esses particulares (industriais, profissionais liberais) tinham a intenção de diversifi-car seu investimento de capital e investiam parte de seu dinheiro no mercado imobiliário.

VISCONDE DE PARNAíBAA hospedaria acolheu cerca de três milhões de imigrantes de mais de 60 nacionalidades, no ápice de seu funcionamento, entre os anos 1887 e 1920. O local foi transformado no Memorial do Imigrante e fica na Rua Visconde de Parnaíba. A pessoa que dá o nome da rua era Presidente da Província na época, se chamava Antonio de Queiroz Telles, e foi o responsável pela construção.

As casas operárias

eram próximas

das fábricas

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interessava fazer isso nessa área por-que se tinha muito trabalhador e não se podia cobrar um aluguel muito alto. então, para se ter uma rentabilidade grande nessa área, se loteou de forma que se tivesse um aproveitamento e um adensamento horizontal muito grande”, explica a professora luciana gennari, da faculdade de arqu itetura e urba-nismo da universidade federal do rio de Janeiro, e autora da dissertação de mestrado as casas em série do Brás e da Mooca: um aspecto da constituição da cidade de são Paulo.

noVos teMPos

com o passar dos anos a imigração diminuiu e o bairro do Brás passou a perder, aos poucos, seu caráter industrial, angariando cada vez mais comércio às suas ruas. a partir dos anos 1940, outro tipo de imigração, a dos nordestinos, também esperançosos em conseguir uma vida melhor na terra de oportunidades que lá teriam. eles passaram a conviver com os imigrantes europeus e mantiveram a região com grande circulação de pessoas, tendo na feira ambulante do largo da concórdia o local de encontro dos conterrâneos. e com a expansão da cidade rumo ao leste, o bairro ganhou o viaduto do gasômetro e o viaduto alberto Marino12, acabando com as antigas porteiras do Brás, que faziam o trânsito aguardar os trens passar.

o bairro foi perdendo cada vez mais indústrias e ganhou um ar de abandono, com galpões vazios, já sem aquela ebulição de operários e chaminés do início do século. esse quadro se intensificou a partir do anos 1970, com a construção do Metrô, que obrigou a demolição de mil casas onde hoje encontra-se a estação do Brás do Metrô, inclusive a do professor de Geografia da Universidade de São Paulo, André Martin, que nasceu em 1953 em uma rua do Brás que não existe mais. “o modelo adotado para o Brás de renovação urbana – que você elimina a paisagem urbana do passado, revitaliza com construções de melhor nível e tenta refuncionalizar com funções mais nobres e tenta revender com habitações privadas para outra classe social – se mostrou errado, porque um bairro que foi deteriorado e está perto do centro dificilmente tem um charme que atraia gente de maior poder aquisitivo. Essas vão procurar bairros melhores e mais novos. o caso do Brás é até emblemático, porque pelo seu nome e sua história, é uma espécie de anti-marketing imobiliário, por tanto tempo estar ligado às classes proletárias desse país, é um bairro proletário por excelência, é onde nasceu a classe operária.

ele tem essa marca, é difícil um lançamento chique no Brás. foi feito isso com os prédios ao lado do Metrô e o resultado é muito discutível porque criou uma população que se integra pouco com o bairro, e o Brás não se recuperou por conta disso. é uma residência meio dormitório”, sentencia o professor, que escreveu um mestrado sobre a deterioração urbana do Brás.

o bairro tentou se encontrar em meio às transformações impulsionadas pela ci-dade de são Paulo e hoje é caracterizado principalmente pelo comércio popular, responsável pela visita de milhares de pessoas todos os dias que vêm de várias partes do Brasil abastecer-se principal-mente de roupas, já que as tecelagens seguem firmes no bairro. o que garante a presença de outros imigrantes: bolivia-nos e paraguaios que trabalham nelas e chineses que são donos de algumas de-las, inclusive no Bom retiro. de certa for-ma, o Brás ainda mantém uma forte liga-ção com a classe trabalhadora, símbolo da zona leste, ainda que tenha recuado a importância que já possuiu no contexto da cidade de são Paulo. Mas sua relevância cultural e histórica permanece ali para quem quiser ver, por meio de seus moradores antigos, suas casas e ruas que guardam a me-mória de tempos efervescentes no bairro.

Notas

1torres, Maria celestina teixeira Mendes. história dos Bairros de são Paulo: o Bairro do Brás. são Paulo: Prefeitura do Município de são Paulo, 1969.2torres, idem, p. 43.3reale, ebe. Brás, Pinheiros, jardins: três bairros, três mundos. editoria da universidade de são Paulo: são Paulo, 1982.4torres, op.cit. , p. 44.5idem, p. 53.6idem, p. 71.

7associação Brasileira de PreserVação ferroViária, s/d. disponível em: http://www.abpfsp.com.br/. acesso em: 2 set 2011.8torres, op. cit. 106.9reale, op. cit., p. 18.10torres, op. cit., p. 112.11a greve geral de 1917 teve como base a Mooca e o ipiranga e será mais bem tratada no capítulo sobre a Mooca.12torres, op. cit., p. 190-199.

NO ESTRIBO DO BONDESeu Modesto conta sobre dois trabalhos bastante comuns para os italianos da sua região: ser vendedor de fruta ou peixe no Mercado Municipal, ou vendedor de jornal nos bondes que circulavam pelo bairro: “Esses polignaneses compravam o jornal, punham numa correia e ficavam no estribo vendendo os jornais. Só que era proibido viajar no estribo. E como eles faziam? Era fácil, porque o cobrador e o motorneiro do bonde eram ‘paisanos’, então deixavam eles lá.”

Edificações, que antes

eram fábricas,

resistem à degradação

do bairro

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uM Pedaço da terra

deixar a casa, os amigos, uma irmã e principalmente a sua terra natal e partir com a família rumo a um país desconhecido. a marca dessa ruptura com a itália ainda é forte em dona lisena Montanaro carrieri, que veio ao Brasil em 1955, aos 18 anos, com seus pais, tentar a sorte de uma vida melhor. Mas a história de sua família com o Brasil começa bem antes. “era a terceira vez que meus pais vinham pra cá. Primeiro eles vieram quando

criança e acabaram voltando durante a guerra de 1914. depois, já casados, voltaram para o Brasil e tiveram até uma filha aqui. Mas meu pai teve problemas de saúde e tiveram que voltar para a itália, entre 1926 e 1929”.

o problema é que na pequena cidade onde viviam, Polignano a Mare, o momento era de escassez e miséria. “a gente só vivia da pesca e da terra, não tem indústria, é uma cidade pequena. e lá é assim, como em toda a europa: seis meses você trabalha, seis meses não têm condições”. um tio de lisena, arquiteto, visitou a família na itália e, vendo a situação difícil em que viviam, sugeriu que eles fossem para são Paulo, elogiando as oportunidades que teriam. o namorado de uma das irmãs de lisena se empolgou e disparou rumo ao sul, chamando seu amor seis meses depois. isso, aliado ao fato de que outros dois irmãos já tinham tomado o mesmo rumo anos antes e do desejo da filha nascida em terras brasileiras de retornar, apertaram o coração da mãe de lisena em direção ao novo lugar em ebulição. um problema econômico também incentivou a família a tomar o navio pelo atlântico. apesar de toda a vida o pai de lisena ter pagado a aposentadoria, quando foi pedi-la, nada constava no sindicato dos pescadores. somente com a casa, não restou alternativa senão a partida.

o que desagradou lisena: “eu não queria vir, não, filho. Porque você tem uma estrutura, amigos, aquela vida desde a infância, então te cortam tudo e dizem: ‘vamos embora para um lugar’. e que lugar? eu não sabia. tinha familiares, mas eu só sabia pelo que eles contavam, que era uma terra de abundância, grande, mas que tinha que trabalhar. não vem aqui achando que vai encontrar tesouro no chão, que vai descer do céu, que do céu só desce a chuva, que é o tesouro de deus”. e na viagem de navio, lisena ainda conheceu o que seria o seu primeiro namorado, um marinheiro. “foi uma viagem bonita, achei um namorado lá no navio, era um bom moço. Mas até isso tive de deixar, não seria agradável chegar ao Brasil, encontrar os parentes e dizer que tinha namorado no navio”.

Já em são Paulo, a família se instalou no Brás e lisena começou a trabalhar como costureira. “Meus tios moravam na rua assunção, aí nós alugamos apartamento na rua Benjamin de oliveira, fiquei três anos. depois casei e fui morar mais ‘pra’ cima, na rua sampaio Moreira e ‘tô’ lá até hoje. a gente ficou no Brás porque meu marido trabalhava

no Mercado Municipal, tinha uma banca de fruta, e ele não sabia dirigir, então ia de madrugada. e eu gosto do Brás. tá abandonado, precisa fazer muita coisa, mas você está perto de tudo, filho. quando era moça ia fazer uma compra, ia na rua 25 [de março], na cidade, no Mercado. Por isso não saio. a última coisa que eu quero da vida é mudar do Brás. é um pedaço da ‘terra’, né? Vivemos tantos anos aqui, era tudo casa e era tudo patrício por essas ruas e travessas”. Mesmo assim, lisena já visitou a itália algumas vezes para tentar diminuir a saudade que sente até hoje de sua terra.

há cerca de 30 anos, lisena se viu impulsionada a tomar contato maior com uma tradição italiana que sua mãe perpetuava no Brasil: a fabricação de massa artesanal, em especial o taralle, um típico biscoito italiano que sua mãe fazia em casa. “depois de um tempo minha mãe não aguentava mais fazer a massa, e eu passei a ajudá-la. era tudo artesanal e minha mãe tinha uma grande freguesia. depois que ela faleceu, essas pessoas continuaram a pedir a mercadoria, minha irmã começou a fazer e, anos depois, quando ela não podia mais, eu comecei a fazer esses biscoitos em casa”. apesar de hoje ter algumas máquinas, parte da produção é artesanal e se estende ao macarrão orichietti e outros tipos, o que garante o sustento de três famílias, já que dois de seus cinco filhos a ajudam na produção.

outra forma de manter os laços com a saudosa itália é por meio da festa de são Vito, que existe há 93 anos no Brás e arrasta milhares de pessoas no meio do ano para apreciar as tradicionais comidas italianas e especialidades polignanesas, feitas todas pelas “mamas de são Vito”, senhoras imigrantes que perpetuam no alimento – com a ajuda da música e da dança locais – a tradição de sua região. “há 30 anos uma amiga nossa me chamou para fazer o molho. eu falei: ‘nena, eu cozinho só em casa, para dez pessoas, nunca cozinhei pra fora’. ela respondeu: ‘o que vale é teu tempero, a tua fórmula, a gente compra uma panela maior e você faz’. e assim eu vim, estou com minha irmã e é um sucesso até hoje. aqui é a minha segunda casa, me sinto bem, me realizo”, afirma lisena, hoje com 74 anos, que abraçou o novo lar com carinho, sem esquecer as raízes de sua “terra”.

NúMEROS DO BRáSárea (km²): 3.61 População (2010): 29.265 Densidade Demográfica (km²): 6.078,79 O QuE FAZER NO BRáS

MeMorial do iMigranterua Visconde de Parnaíba 1.316, Metrô Bresser/Moocatel. (11) 2692.7804www.memorialdoimigrante.org.br

festa de são Vito Maio a Julhorua fernandes silva 96 , Brás tel. (11) 3227.8234www.associacaosaovito.com.br

festa de nossa senhora de casaluce

aBril a Maiorua caetano Pinto 608, Brástel. (11) 3209.6051

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38 face leste 39

lugar de fazer casa. esta é a Mooca (Mo = lugar + oca = casa), nascida da necessidade de vencer o “rio de muitas voltas”, o tamanduateí – ou “tometeri” em tupi-guarani1 – para chegar do outro lado da margem e prosseguir a viagem bandeirante para outros rincões, como rio de Janeiro e Minas gerais. a primeira ponte construída sobre este rio ligava a ladeira tabatinguera, ao leste do Pátio do colégio, e a estrada do caminho do Mar2. o registro em que a Mooca é mencionada data de 1556, por meio das atas da câmara de são Paulo de Piratininga, que pede aos moradores a conservação da ponte da Mooca, importante por conta do grande número de carros e bois que por ali passavam todos os dias3. as terras da região constam, junto com a do Piqueri, nas sesmarias em nome de francisco Velho de Morais e muitas das casas daquele período eram feitas de paus roliços e tetos de palha. Somente no final do quinhentismo é que elas começaram a ser substituídas pela taipa rebocada com o barro branco chamado pelos índios de tabatinga – e que dá o nome da ladeira e do morro próximos ao centro da antiga Vila de Piratininga – e cobertas por telhas4.

Apesar de possuir registros antigos que qualificam a Mooca como um dos bairros mais antigos da capital paulistana, sua destinação era de mera passagem de pessoas pela hoje conhecidíssima rua da Mooca que começa no Parque dom Pedro ii e, atualmente, vai até quase a avenida salim farah Maluf. somente na segunda metade do século XiX é que a Mooca voltará a ser mencionada de forma mais destacada, e desta vez como um bairro por excelência e não apenas como uma ponte ou um caminho de trânsito de pessoas. chácaras vão formar o cenário da época, com cada vez mais habitantes indo para regiões mais afastadas para construir casas elegantes em grandes propriedades, relegando o centro da cidade para a realização de negócios, festas religiosas e compras5.

um fator que vai contribuir para o surgimento da Mooca como um local de morada importante é o investimento público crescente para urbanizar são Paulo, já tentando acompanhar o crescimento populacional da antiga Vila de Piratininga. na administração de João teodoro Xavier de Matos (1871-1875), que destina metade do orçamento para urbanizar são Paulo, a Mooca é beneficiada com a drenagem da Várzea do Carmo, a abertura de ruas, o aterro e o saneamento dos terrenos alagadiços da baixada ligando a região ao glicério, o apedregulhamento da rua da Mooca e a abertura de uma rua até o Brás6.

sendo assim, a Mooca vai se tornar um lugar chique para morar. e como exemplo dessa efervescência social vai ser instalado no bairro um Jóquei clube em 1875, por intermédio de um tradicional morador da região. “rafael de aguiar Paes de Barros tinha uma fazenda no alto da Mooca, tinha cavalo de corrida, e quando ele voltou da europa veio com a ideia de construir um Prado na Mooca. com isso o pessoal começou a vir para a Mooca, foram

uMa PersonageM atiVa na história Paulista

A Antarctica foi uma das muitasindústrias que povoaram a Mooca no início do século XXmooca

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em frente à tecelagem Matarazzo, o que acabou acirrando a hosti-lidade e os choques, ao mesmo tempo em que uma comoção pú-blica se alastrou pela cidade9.

dali em diante o movimento grevista intensificou suas lu-tas, levando à criação da liga da Mooca. a partir dela é que foi possível que os líderes operários formulassem uma relação de leis trabalhistas que possibilitaram diversas conquistas posteriores. Mesmo assim, vários dirigentes foram presos e perseguidos. “a greve de 1917 foi um momento histórico do Brasil, é parte da nossa história que teve re-percussão na vida futura de toda a classe trabalhadora, mudou o direito dos trabalhado-res”, define a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Rosana Helena Miranda, que tem um doutorado voltado à Mooca. outros movimentos grevistas ocorreram na cidade e tiveram no bairro grande recepção, como o de 1919. esses dois movimentos impulsionaram a criação de vários sindicatos.

Do Cotoni-fício Crespi

sobrou apenas a

fachada; hoje o lugar abriga

um super-mercado

REVOLuçãO DE 1924Outro momento marcante da história do país e que teve a Mooca como um de seus principais palcos foram os conflitos de 24. Motivado por oficiais do Exército contrários ao então presidente da República Arthur Bernardes, um levante é realizado, que provoca a destituição de Carlos de Campos da governança do Estado paulista. A reação do governo foi de tentar sufocar a revolta em São Paulo. E bairros como a Mooca e o Brás foram bombardeados. “As tropas federais ficavam nas encostas do Cambuci atingindo o bairro da Mooca”, explica a professora Rosa helena.

BONDESA Mooca se transformou em centro importante, necessitando de conexões por meio de transporte público. Por isso, em 1910, foi concedida aos Irmãos Falchi e Cia., fábrica situada na Vila Prudente, licença para a construção de uma linha de bondes para transporte de materiais e passageiros da Mooca à Vila Prudente. No ano seguinte foi dada uma concessão para uma linha de bondes ligando a Mooca ao Cambuci.

trazidos bondes para o bairro, primeiro puxados a burro e depois bondes elétricos. então a Mooca começou a fervilhar”, explica o escritor euclydes Barbulho, pesquisador da história do bairro. essa atividade ajuda a aumentar ainda mais a presença de pessoas na Mooca, configurando o local como ideal para lazer.

a Mooca dos traBalhadores

como visto no capítulo anterior sobre o Brás, a construção da linha férrea para escoar a pro-dução cafeeira vai promover a criação de bairros industriais no entorno dos trilhos e próximo ao rio tamanduateí, o que vai mu-dar a característica da Mooca, de um bairro da alta sociedade

para um local estritamente fabril e operário. Várias indústrias vão se instalar no bairro: indús-tria rodolfo crespi, armazéns Matarazzo, grandes Moinhos gamba, cia. antarctica Paulista, casa Vanordim, tecelagem três irmãos, fábrica de tecidos labor alumínio fulgor e muitas outras7. com isso, as antigas chácaras são retalhadas e vendidas em lotes menores para a construção de fábricas, de vilas operárias incrustadas nessas indústrias ou mesmo em ca-sas erguidas pela especulação imobiliária para serem alugadas para esses novos moradores. Muitos casarões da fase anterior do bairro se transformaram em cortiços.

é o período da primeira industrialização e urbanização de são Paulo, que invade as primeiras décadas do século XX, com a chegada maciça de imigrantes e o crescimento do movimento operário, que vai transformar a Mooca – já um grande centro têxtil paulista – em palco de várias greves e reivindicações trabalhistas, graças às más condições de trabalho, que proporcionou a união desses trabalhadores, a grande maioria italianos, em grupos políticos e sindicais. “entre os anos de 1910 e 1920 eclodem alguns dos grandes movimentos grevistas em são Paulo, marcados pela presença dos trabalhadores imigrantes com sua organização e liderança. o motivo desta eclosão foi o puro alarme, em face dos aumentos do custo de vida. além disso, se fazia necessária uma regulamentação nas condições de trabalho: jornada, salários, multas, trabalho feminino e do menor de idade8”.

Maior exemplo desse conturbado período foi o da greve de 1917, em que o movimento grevista cresce em junho daquele ano ante a situação dramática da economia e dos trabalhadores. os reclames ecoaram nas fábricas da Mooca, Brás, Belenzinho, lapa, cambuci, aumentando o cor-po do movimento e provocando o confronto com a polícia que reprimiu a marcha dos piquetes. em um desses embates, um trabalhador foi morto pelos policiais na rua Borges de figueiredo,

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uMa Mooca Peculiar

uma das coisas que caracterizam a Mooca, independente de qual parte do bairro se esteja, é a forma de falar mais arrastada, um sotaque italiano que ainda persiste em alguns cantos do bairro. “dizem que o moquense tem um jeito mais cantado de falar. Pra mim uma coisa que é da Mooca e ninguém me tira são minhas mãos: se você amarrar as minhas

mãos eu não sei falar, porque eu fico falando e mexendo muito”, conta, divertidamente, Barbulho, morador da Mooca há quase 80 anos. segundo ele, outra coisa que caracteriza os moradores do bairro é a forma gentil de tratar as pessoas: “se eu não te conheço e eu passar na rua e você olhar pra mim eu te cumprimento. isso é natural aqui. se você precisa de ajuda as pessoas ajudam”.

outra característica marcante do bairro, um verdadeiro capítulo à parte, é o clube atlético Juventus. fundado em 1924 sob o nome de cotonifício rodolfo crespi futebol clube, era o time dos operários da fábrica do conde crespi, que dá nome ao atual estádio na rua Javari10. o nome Juventus foi adotado em 1930, quando foram escolhidas as cores grená e branco que imortalizariam anos mais tarde o uniforme do Muleque travesso, dada as travessuras que o time que era conhecido como “garoto” pregava nos grandes clubes de são Paulo.

e assistir a uma partida do Juventus na Mooca é um ritual de iniciação para quem deseja saber o que é futebol na sua essência. e um espetáculo à parte. o estádio acanhado, as arquibancadas de cimento, o clima familiar onde quase todos se conhecem e o amor incondicional pelo time do bairro. lembra muito as cidades do interior paulista que empurram a equipe local nos jogos da cidade. faz sentido, já que muitos chamam o bairro de a “república da Mooca”. e seus representantes em campo levam o nome do bairro aonde for. Juventus e Mooca se confundem, chegam a ser uma coisa só, deixando evidente que o time de futebol é o último elo com o rico passado da Mooca, bem diferente da atual.

redefinição do Bairro

após o auge das chácaras e do bairro chique do fim do século XiX e da efervescência operária e fabril dos primeiros 40 anos do século XX, a Mooca viveu um hiato histórico de vários anos, abandonada pela mudança das fábricas para outras partes da cidade e do estado. “com as indústrias saindo do bairro, aqui começou a sobrar gente, o comércio diminuiu, o pessoal não vinha mais para a Mooca. em 1941 o Prado saiu daqui foi lá para o Jóquei [na zona sul] e com isso a Mooca ficou vazia, esquecida pelas autoridades, pelos investimentos. tanto que os investimentos que começaram a aparecer e crescer foram todos para o tatuapé”, conta Barbulho.

o bairro vai se dividir em dois. a parte do alto da Mooca, após a linha do trem, aos poucos volta a ter importância para a cidade, principalmente do ponto de vista imobiliário, com várias construções sendo erguidas no lugar das fábricas e vilas operárias, um movimento cada vez mais forte nos dias atuais, mas que é recorrente há algumas décadas, ainda que suas edificações não sejam de altíssimo padrão, como veremos no capítulo do tatuapé, que viveu transformação semelhante, porém com investimentos maiores. “devagarzinho a Mooca começou a crescer. hoje o bairro tem duas universidades e um campus universitário e com isso foi mudando o perfil da Mooca. hoje você tem uma classe média morando aqui. hoje o bairro é a bola da vez. cada canto que você passa tem um prédio em construção”, observa Barbulho.

enquanto isso, o núcleo de formação do bairro, situado entre a atual avenida do estado e a linha do trem que vai para a região do aBc paulista, permaneceu parado no tempo, preservando suas antigas casas operárias, ao mesmo tempo em que a região foi ficando degradada. “Essa parte de baixo onde o bairro se originou vem num processo de degradação e de encortiçamento, que vem desde o final da década de 1950, 1960”, explica a professora Rosana Helena, que foi moradora daquele núcleo quando criança, mas acabou se mudando na década de 1960 devido ao medo do pai com o tráfico de drogas, que já ameaçava as redondezas. “Foi triste porque a gente conhecia todo mundo. a gente passava pelo meio das vilas. apesar de ser um bairro extremamente urbano, as pessoas se sentiam seguras, tinha uma convivência. era uma coisa avançadíssima que hoje se discute muito, essa coisa de um bairro ter vários usos ao mesmo tempo”. o mais curioso é que a chamada parte de baixo da original Mooca hoje não é pertencente ao distrito moquense, mas sim ao cambuci. “na Mooca de baixo os moradores mais antigos vão falar que a Mooca é lá, do lado de lá da ferrovia é o alto da Mooca. hoje a Mooca de baixo virou distrito do Cambuci, que é uma coisa artificial da divisão administrativa do município, e as pessoas não reconhecem assim, para elas a Mooca é ali, é ali que tem a festa de san gennaro. e depois da ferrovia é o alto da Mooca”, analisa a professora.

Notas

1KÜnsch, dimas (coord.). casa de taipa: o bairro paulistano da Mooca em livro-reportagem. Vol. 24. são Paulo: editora salesiana, 2006.2estrella, célia Maíra da silva. o Bairro da Moóca: história de um lugar para morar. são Paulo, 1991, 174 f.. Mestrado em história social – Pontifícia universidade católica de são Paulo.3idem, p. 14.4ibidem.5idem, p. 19.6idem, p. 18.7_____. história do Bairro. Portal da Mooca, s/d. disponível em: http://www.portaldamooca.com.br/hist_mooca1.htm. acesso em: 28 set 2011.8estrella, op. cit., p. 67.9estrella, op. cit., p. 73-74.10_____. Juventus: de um time fabril a uma pujança esportiva. clube atlético Juventus, s/d. disponível em http://www.juventus.com.br/clube/historia/1924-a-1961/. acesso em: 28 set 2011.

Busto homenageia

Pelé pelo gol feito no Estádio da

Rua Javari, em 2 de agosto de

1959; o tento é considerado o mais bonito

da carreira do “Atleta do

Século”

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o narrador da história Moquense

euclydes Barbulho, 77 anos, tem uma ligação histórica muito forte com a Mooca. graças à sua família que fincou raízes no bairro e deixou muitas histórias para ele contar. tanto que, ao fazer 60 anos e ser “convidado” a se aposentar, devido a uma fusão na empresa na qual trabalhava na área de recursos humanos, decidiu ser escritor e registrar a história da família e do bairro onde nasceu e viveu grande parte da sua existência.

seus pais chegaram a são Paulo em 1909, após terem crescido em uma fazenda próspera em santa rita do Passa quatro, no interior do estado paulista. lá se conheceram e se casaram. seu pai se chamava Valentim e veio com a família da itália, ainda muito pequeno. constança, sua mãe, era de família portuguesa, de pai rígido. “quando eles se conheceram a minha mãe disse que meu pai tinha que falar com o pai dela. e o português era ‘brabo’. tanto que o meu avô disse ‘pro’ meu pai: ‘se é mais uma que você vai namorar toma cuidado’. e meu pai namorava muito. Mas dessa vez ele disse que estava gostando dela. aí começaram a namorar daquele jeito: na sala, com os dois velhos sentados na sala observando, quando muito pegava na mão um do outro”, conta. Mesmo com o conforto de uma fazenda do interior, o desejo de enfrentar o novo motivou Valentim, pai de Barbulho, a vir para são Paulo. “o cunhado dele tinha negócios aqui e um dia meu pai foi visitá-lo e ficou doido. santa rita não tinha nada, já aqui... ele convenceu a família toda, eles venderam tudo que tinham e vieram para são Paulo”.

no começo, a família morou na rua 21 de abril, no Brás, e Valentim arrumou emprego em uma fábrica de biscoitos francesa, na Mooca. sua esposa, dona constança, levava todos os dias, a pé, a marmita para o marido. depois de algum tempo, eles conseguiram uma casa mais próxima do trabalho dele. Mas um problema de saúde mudou os planos da família. “o meu pai estava acostumado com ar livre e na fábrica ele só ficava nos fornos, aí começou a atacar o pulmão, o médico disse que se ele não saísse ia ficar com tuberculose. Aí ele pediu demissão e montou um armazém”. E, assim, o Empório e Mercearia São Rafael foi inaugurado em 1912. O local ficava onde hoje é o largo são rafael, próximo à igreja de mesmo nome. no lugar do armazém existe hoje um posto de gasolina. Mas aqueles anos foram prósperos para a família.

em 1934 euclydes Barbulho nasceu e seu batizado, um ano depois, foi o primeiro ato religioso da recém criada Paróquia de são rafael. e, enquanto crescia brincando no campo de futebol ao lado da igreja, era chamado pelos empregados da loja a ajudar o pai. “a gente pegava o caderno e batia na casa do freguês: ‘a senhora precisa de alguma coisa hoje? ah, arroz, feijão’. se precisasse, anotava. eu passava de casa em casa e anotava. depois chegava no armazém e separava tudo, punha num carrinho e ia no muque empurrando até lá em cima na Paes de Barros, entregando na casa dos clientes”, recorda.

Já com 14 anos conheceu teresina, um ano mais nova e que seria a sua esposa dez anos mais tarde. ali começaram a namorar, para o ciúme do irmão dela. “ela tinha um irmão machão que veio me perguntar porque eu tava namorando a irmã dele. ‘Porque eu gosto dela’, eu respondi. ‘então você vai ter que falar com meu pai’, ele retrucou. então fui eu lá com 14 anos falar com o pai dela”.

aos poucos, a história de euclydes Barbulho foi se descolando de seu pai Valentim, do armazém e até da Mooca, mesmo que por um período curto neste último caso. “no armazém eu não tinha salário, então minha mulher falava que eu precisava arrumar um emprego senão a gente não ia poder casar. no fim ela me arrumou um emprego por intermédio de um conhecido”, relata. isso permitiu que, alguns anos após começarem a namorar, ainda jovens, pudessem se casar e morar fora da Mooca por algum tempo. “fiquei dez anos na Vila Prudente, quando comprei minha casa lá. só que tudo o que eu fazia era na Mooca. e naquele tempo não tinha carro, tinha de vir de ônibus”.

Mesmo com as idas e vindas entre a Mooca e a Vila Prudente, a saudade do bairro onde viveu a maior parte de sua vida só fez aumentar a vontade de retornar ao lugar querido. com isso, euclydes Barbulho e sua família voltaram para a Mooca. assim que as condições financeiras melhoraram, eles compraram um apartamento na rua Juventus, em frente ao clube juventino, símbolo do bairro.

“eu nunca pensei em sair. não sei por que. a turma brinca que quem bebe água da Mooca não sai mais. Parece que tem algu-ma coisa, talvez o relacionamento entre as pessoas. quando viemos morar aqui eu saía de casa às sete da manhã para trabalhar e voltava às sete da noite, não conhecia ninguém. quando me aposentei, eu ‘tava’ com 60 anos e comecei a viver a Mooca. e quando resolvi escrever o livro sobre o bairro, eu tive que conhecer as coisas e comecei a participar de tudo e conhecer a todos. eu não conheço todo mundo, mas acho que quase todo mundo me conhece”, afirma Barbulho, em tom alegre, satisfeito da missão concedida a ele de contar a história de seus antepas-sados e de seus irmãos moquenses, uma das faces mais marcantes e gloriosas para o bairro.

NúMEROS DA MOOCAárea (km²): 7.97 População(2010): 75.724 Densidade Demográfica (km²): 7.326,60 O QuE FAZER NA MOOCA

festa de san gennaroseteMBro e outuBrorua da Mooca 950, Moocatel. (11) 3209.0089 www.sangennaro.org.br

cluBe atlético JuVentus estádiorua Javari 117, Moocatel. (11) 2292.4833 www.juventus.com.br

Parque da Moocarua taquari 573, Moocatel. (11) 2694.7676

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viLapRudente

os grandes impulsionadores de Vila Prudente certamente são os irmãos Bernardino, Panfílio e emídio falchi. Mas, antes desses italianos chegarem ao que hoje é a Vila Prudente, havia outras famílias na região. dos mais recentes donos e moradores daquelas terras estavam o casal antonio Pedroso e Martinha Maria Pedroso, que, após a morte do marido, passa a vender vários pedaços daquelas terras, uma delas para Maria do carmo cypariza rodrigues, que mais à frente vai vender para os irmãos falchi. naturais de casalbuono, Bernardino, Panfílio, e depois emídio, passaram por Pelotas (rs) e campanha (Mg) para – quando emídio volta da itália, após servir ao exército –, decidirem ir para são Paulo, em 1883. na capital paulista abriram uma pequena empresa de doces, confeitos e chocolates. o fato de importarem produtos italianos e venderem para seus patrícios no Brasil alavancou os negócios e levou os falchi a querer construir uma nova fábrica. aí surge a oportunidade de adquirir uma gleba chamada campo grande, situada entre a Mooca, ipiranga e são caetano, portanto, estratégica, já que estava relativamente próxima à estação de trem do ipiranga, o que viria a facilitar tanto o transporte dos operários quanto a chegada de matéria-prima e o escoamento da produção. “a Vila Prudente fazia a ligação com o centro da cidade, que se expandia cada vez mais, e com são caetano, que se expandia por causa da família Matarazzo”, conta o jornalista Mario ronco filho, pesquisador da história do bairro. outra razão para a mudança era a econômica: “as terras eram baratas, havia fartura de água e principalmente de madeira, insumo indispensável para alimentar o locomóvel que iria produzir o vapor para gerar a energia consumida pela empresa1”.

com isso, o negócio foi fechado. a escritura no tabelião é de 20 de outubro2 e consta o nome do financista Serafim Corso, que ajudou financeiramente os irmãos Falchi na compra das terras. Apesar disso, o dia 4 de outubro é considerado oficialmente aniversário de fundação do bairro por meio da lei no 11.608 de 13 de julho de 19943. dia 4 porque esta é a data de aniversário de Prudente de Moraes, ex-presidente da república, e quem dá o nome ao bairro, já que os irmãos falchi eram muito amigos do político. enquanto que para corso era só mais um negócio, para os falchi era uma oportunidade para outras possibilidades. “a intenção deles era radicar-se na região, construir suas moradias, montar sua fábrica de chocolates e confeitos e realizar outros negócios, prosseguindo também na venda dos lotes de seu empreendimento imobiliário. de fato, as casas e chalés dos proprietários são construídos, assim como sua fábrica de chocolates e a olaria. Todos ficam situados nas imediações da hoje Praça do centenário de Vila Prudente4”. na época, a Praça se chamava irmãos falchi e era a área central da comunidade.

o sonho dos falchi Virou realidade

Obelisco do Centenário da Vila Prudente guarda a história na antiga Praça dos Falchi, onde o bairro foi fundado

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a fábrica propiciou um novo local de trabalho para cada vez mais numerosos imigrantes italianos que aportavam ao Brasil em busca de melhores condições de vida e emprego. “o emídio buscava o pessoal que vinha de san-tos e descia na hospedaria dos imigrantes. a força do imigrante italiano que veio pra cá e botou pé firme”, diz Ronco Filho. E, assim, a região passou a ser habitada, o que deman-dou a criação de uma fábrica que produzisse telhas e tijolos para a construção das novas moradias. foi assim que os falchi se asso-ciaram com o engenheiro alexandre Bhemer e abriram a Companhia Cerâmica, financian-

do o material para a construção das residências aos seus próprios funcionários e a quem mais quisesse. com esse crescimento vieram outras indústrias, como a manufatura de chapéus Ítalo-Brasileira oriente, a indústria de louças zappi e a companhia de Papéis e Papelão5.

os irmãos falchi eram bastante religiosos e, por isso, decidiram separar uma área de 25 por 50 metros na própria praça, que levava o nome dos irmãos, para uma igreja dedicada a santo emídio, santo de devoção da família. o problema é que o projeto era grandioso demais e contou com pouca atuação dos moradores do bairro, ainda pouco habitado. com o fracasso da empreitada, eles mandaram construir uma pequena capela em homenagem ao santo e mandaram trazer da itália uma imagem de santo emídio que foi entronizada e hoje está ao lado direito da igreja matriz6. isso porque a capela foi demolida ao longo dos anos. em seu lugar, hoje, foi construído um posto de saúde. Muitos anos depois, a igreja matriz foi construída após muito empenho do Padre holandês damião Kleverkamp e está hoje na Praça que tem seu nome, atualmente a região mais central do bairro.

outro elemento religioso do bairro de grande destaque é o Orfanato Cristóvão Colombo, a única edificação daquele tempo que está em pé. Por meio de uma árdua luta do Padre italiano José Marchetti, ele resolveu construir dois orfanatos para os filhos órfãos italianos: a ala masculina, no Ipiranga, e a ala feminina, na Vila Prudente. o primeiro foi inaugurado em 1895 e, no ano seguinte, as obras da ala feminina deram início. o término foi ocorrer somente por volta de 1904, com o padre já falecido anos antes, aos 27, após viajar a Jaú, que sofria com o contágio por tifo e febre amarela.

falta de estrutura afastou os falchi

apesar da crescente prosperida-de que emergia do novo bairro, algumas dificuldades impediam o seu pleno desenvolvimen-to. uma delas era o transporte, que, durante muitos anos, só era possível por meio de transporte animal ou a pé. segundo zadra7, essa situação começou a mu-dar por volta de 1905, quando foi instalada uma linha de troles puxados a burro que ia da Pra-ça irmãos falchi até a estação da estrada de ferro do ipiranga. o itinerário era o seguinte: Pra-ça irmãos falchi, Praça Padre damião (antiga serafim corso) e rua capitão Pacheco chaves (antiga estrada de Vila Pruden-te), até alcançar a linha do trem. o bonde chegou à Vila Prudente apenas em 19128. a linha ligava o bairro à região da sé (especi-ficamente ao largo do tesouro), por meio do bonde 32.

outro problema, que no caso acabou sendo decisivo para o futuro dos negócios dos falchi, foi a demora para chegar à eletricidade no bairro, que levou a fábrica de chocolates de Vila Prudente para o Bom retiro, em meados dos anos 10 do século XX. “em 1901, a ‘light’ havia inaugurado a usina de santana do Parnaíba com capacidade de 2000kw, eletricidade suficiente para a demanda de energia das indústrias que surgiram. Pelo ‘ilhamento’ de Vila Prudente do conjunto urbano, ficava evidente que o serviço da ‘light’ iria demorar a chegar ao bairro, como de fato ocorreu9”. apenas em 1910 a eletricidade iria alcançar a região, após insistentes pedidos da fábrica de chapéus e da olaria. naquele mesmo ano, os irmãos franceses sacoman, que haviam comprado a parte da olaria dos falchi, passaram a empresa para o engenheiro luiz ignácio de anhaia Mello, que transformou o local na famosa cerâmica Vila Prudente.

O BAIRRO DO PRESIDENTEÀ época da criação do bairro, Prudente de Moraes era presidente da Província de São Paulo. Prudente de Moraes também foi senador e, entre os anos de 1894 e 1898, Presidente da República, tendo sido o primeiro presidente civil da novíssima República. Após deixar o cargo, no dia 21/12/1898, ele visitou pela primeira vez o bairro que leva seu nome, fato que é lembrado até hoje por seus moradores.

CíRCuLO OPERáRIO DE VILA PRuDENTEO Padre Damião também foi responsável pela criação do Círculo Operário de Vila Prudente. Ao chegar ao bairro em 1939 como vigário da recém-criada Paróquia de Santo Emídio, ele precisava empregar núcleos de trabalhadores, afim de erguer a igreja, e assim foi criada a primeira associação social do bairro, baseada em princípios encíclicos. O resultado foi a realização de diversas obras sociais, entre as principais o fomento à educação, com a criação de uma escola primária.

Praça Padre Damião é o

atual centro do bairro e

abriga a Igreja de Santo

Emídio

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um fator que iria marcar fortemente a história do bairro tem a ver com o Monumento à independência, encomendado no início dos anos 1920, para celebrar o centenário da independência do Brasil. Vários artistas de todo o mundo mandaram suas propostas, mas a que saiu vitoriosa foi a do italiano ettore Ximenes, que, no entanto, recebeu sugestões da comissão julgadora para acrescentar personagens brasileiros de destaque nas imagens. tão logo ele sagrou-se vencedor da disputa, visitou vários locais até escolher a esquina da Praça do centenário com a rua cananéia para sua morada, ateliê de escultura e fundição de bronze. “em Vila Prudente, o artista esculpiu e fundiu as peças que compunham seu projeto, entre as quais o frontispício do monumento que reproduz o quadro independência ou Morte, de Pedro américo, e as peças recomendadas pela comissão julgadora. o monumento da independência foi inaugurado precariamente em 1922, ainda inacabado. somente em meados de 1926, as obras foram totalmente concluídas, obrigando ettore Ximenes a continuar no bairro até esta data10”.

cresciMento, estagnação e retoMada

nesse meio tempo os irmãos falchi já haviam retornado à itália e a Vila Prudente, como se vê, já tinha ganhado vida própria e presenciado o surgimento de outros personagens. a chapéus Ítalo-Brasileira oriente foi adquirida pelo conde rodolfo crespi, que mudou o nome da empresa para capelifício crespi, em 1934. nesse mesmo ano, a Vila Prudente se emancipa da Mooca e torna-se distrito de Paz. “nos anos 1920 e 1930 a Vila Prudente cresceu muito, surgiu a Vila zelina, que é aqui próxima. outras fábricas surgiram, como a de cadeados Papaiz, a tecelagem Vânia, já nos anos 1950. essa tecelagem botou a Vila Prudente no rádio, foi a primeira divulgação do bairro. imagine a rua 25 de Março hoje, era a tecelagem Vânia nos anos 1950, cheia de gente”, relata ronco filho.

nessa mesma época começava a surgir uma das primeiras favelas de são Paulo, a favela de Vila Prudente, que até hoje permanece pulsando no bairro, como veremos a seguir. na mesma região passava o córrego da Mooca, que grassava o bairro com enchentes a cada chuva mais forte. no governo de ademar de Barros, em 1958, já estava previsto uma retificação do rio e a construção de avenidas ao lado. somente depois é que se decidiu pela canalização do rio e pela construção de uma avenida em cima dele. o projeto voltou à tona somente dez anos depois, na administração de faria lima, com prioridade para a canalização do rio. as obras foram finalizadas apenas em 1992, no governo Mário covas, com a inauguração da avenida Professor luiz ignácio anhaia Mello. Porém, dois anos antes, sob governança de luiza erundina, foi inaugurada a ligação com a avenida salim farah Maluf, importante para o futuro minianel viário da região.

o passar dos anos mudou a característica do bairro. as indústrias foram embora, assim como em toda a região, proporcionando um ar mais bucólico e tranquilo à Vila Prudente, com cada vez mais construções de edifícios residenciais. o que vai modificar novamente a cara do bairro é a chegada do metrô e a construção do monotrilho que irá até cidade tiradentes, dando ao bairro uma centralidade que há tempos ele não possuía. “com a vinda do metrô virou uma loucura a anhaia Mello. até a rua do orfanato está uma loucura, ela não era assim. aumentou demais o movimento e o preço dos imóveis aumentou muito”, observa ronco filho, evidenciando novas responsabilidades para a Vila Prudente, mas também oportunidades de crescimento e de ter novamente a importância que representou desde os seus primeiros anos de fundação.

Notas

1zadra, newton. Vila Prudente: do bonde a burro ao metrô: um relato histórico sobre o grande bairro paulistano. são Paulo: ed. do autor, 2010.2ronco filho, Mario. o Bairro de Vila Prudente: o gigante paulistano. são Paulo: s/editora, 2011.3zadra, op. cit., 2010, p. 23. 4zadra, op. cit., 2010, p. 25.5zadra, op. cit., 2010, p. 25.6zadra, op. cit., 2010, p. 30.7zadra, op. cit., 2010, p. 55.8zadra, op. cit., 2011, p. 65.9zadra, op. cit., 2010, p. 28.10zadra, op. cit., 2010, p. 78.

Com a chega-da do Metrô

e as obras do Monotrilho na Avenida

Anhaia Mello, cresce a movi-

mentação na região

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o lutador da faVela de Vila Prudente

normalmente, a palavra favela acompanha uma certa sensação de temor ao ouvinte. tanto que inventaram que era preciso amenizar a reação das pessoas e meio que se tornou convencional chamar as favelas de comunidades, como se comunidade não fosse todo e qualquer bairro, ou como informa o aurélio, comunhão entre pessoas. Mas antônio eduardo do nascimento, 57 anos, morador da favela de Vila Prudente há quase 40 anos, vai contra todos os estereótipos bobos que

estão relacionados com uma premissa de que favela é um lugar ruim de viver. “a gente que é líder comunitário tem mais é que rasgar o verbo: ‘eu moro na favela sim, se você tiver alguma coisa contra diga logo que eu já te meto um processo’”, afirma. Mas faz uma ressalva importante: “antigamente não podia dizer que morava na favela, não conseguia emprego. no começo, eu mesmo tive que pedir para o seu francisco do comércio para me dar o endereço dele para eu conseguir um emprego”.

Mas a história de eduardo com a Vila Prudente começa no início dos anos 1970, a partir do sonho que era conhecer o mestre de artes marciais que lhe ensinava a distância por meio de livros. com essa ideia na cabeça, e a contragosto da mãe, juntou um dinheiro e, com 14 anos, tomou um caminhão carregado de pedras e veio de campos sales, ceará, para são Paulo. a primeira parada foi numa antiga favela chamada ilha das cobras. conseguiu realizar o sonho de conhecer seu mestre, passando a treinar com ele. tempos depois, acabou encontrando a favela de Vila Prudente por intermédio de alguns conhecidos. “uma vez dentro de são Paulo você vai sempre perguntando: ‘de onde você é?’. ‘ah, conheço fulano de tal lugar que também é de lá’. e a gente foi juntando os conhecidos e terminou chegando aqui”, conta.

o começo, como não poderia deixar de ser, foi difícil. “aqui só tinha barraco de tábua. era só armação ‘pra’ gente se esconder debaixo. Muita água, lama, umidade, muito rato. não tinha a anhaia Mello, só tinha o rio. quando chovia inundava tudo”, lembra. Mesmo com o cenário complicado, eduardo trouxe toda a família do ceará, porque lá a necessidade era ainda maior.

segundo eduardo, as coisas melhoraram na favela quando em meados dos anos 1970 um irlandês resolveu viver na comunidade. era o Padre Patrick clark, que chegou até a fazer artes marciais com eduardo, que a essa altura já havia se transformado em mestre. além de realizar obras sociais, o sacerdote foi importante por motivar os moradores a buscarem melhorias para a favela. e uma delas foi a canalização de todo o esgoto, que antes corria a céu aberto. “a gente fazia reuniões todos os finais de semana. e o pessoal falava ‘ih, isso aí não vai sair nunca’. Mas o padre tinha uma determinação e ele contou com algumas pessoas dispostas. e a gente metia a mão na merda mesmo, não queria nem saber. no final do dia tomava um banho de álcool, tomava umas duas cachaças e ia

NúMEROS DA VILA PRuDENTEárea (km²): 9.5 População (2010): 104.242Densidade Demográfica (km²): 9.842,26

O QuE FAZER NA VILA PRuDENTE

Parque ecológico Vila Prudenteavenida Jacinto Menezes Palhares 870, Vila Prudente

centro cultural Vila Prudenterua da igreja 1541b, favela da Vila Prudente

tel. (11) 2914.1793

Parque lydia natalizio diogorua João Pedro lecor s/n, Vila Prudentetel. (11) 2910.8774

dormir bêbado ‘pra’ não sentir mais fedor de nada. Por mais que a gente tomava banho, se esfregava, não saía”. ao final, a recompensa: toda a comunidade foi canalizada.

na sequência veio uma creche, que mais tarde seria derrubada pela prefeitura para a construção de uma rua, depois um salão para as pessoas se reunirem e até a capela de são José operário foi transformada ampliada para uma igreja. e com muita reivindicação a luz foi instalada nas casas e a água chegou às casas. “tinham apenas três torneiras na favela para todo mundo se servir. Mais ‘pra’ frente alguns ricaços colocaram água em suas casas e um pedia: ‘deixa eu puxar do meu cano ‘pra’ tua casa’. aí dez pessoas dividiam a água e a conta, mas tinham uns que não pagavam. a sabesp cortava e a pessoa ia lá e encanava a água de novo”.

até para ter carteiro na comunidade foi uma aventura. “a gente via na sede os tambores cheios de correspondência, os caras colocando fogo, eu fiquei indignado e falei que ia trazer carteiro aqui. aí comecei a atormentar o pessoal dos correios, que disseram: ‘você vai ter que medir o terreno lá onde estão os barracos, cadastrar cada barraco e botar nome nas ruas’. aí eu cheguei em casa e comecei a arrancar os cabelos da cabeça. onde fui me meter! então peguei uma cartolina, pois fiz desenho mecânico e tinha noção. E como trabalhei de táxi eu sabia usar o guia. aí eu mapeei tudo, coloquei nome e número nas ruas e nas casas”. Agora, a tarefa era coneguir um carteiro da própria comunidade. “Eu falei para o meu filho: ‘você que vai ser nosso carteiro’. ele respondeu: ‘o senhor endoidou meu pai? carregar saco nas costas?’ eu falei ‘vai, sempre carreguei saco nas costas, na cabeça e ‘tô’ aqui. Presta atenção. Você vai acordar quatro da manhã e até as sete você vai estudar, pegar do primeiro livro do ensino fundamental até chegar aqui, vai ler tudo de novo. Pra você prestar um concurso público, ou você passa ou você passa’. Ele levou a sério e ficou entre os 50 de 5 mil”. e após muito custo, a favela passou a ter, no ubiratan, o seu próprio carteiro.

toda essa batalha só aumenta o orgulho e a alegria de viver na favela. tanto é que, ao ser perguntado se gosta do lugar, eduardo não titubeou: “gostar é pouco! a gente respira isso aqui, a nossa origem está toda aqui. Você viu que todos que entraram aqui durante a nossa conversa nos cumprimentaram. nós aqui somos gente. a gente procura atender a todos, a gente faz com tanto gosto. a gente cria grupo de dança folclórica, tem escolinha de artes marciais. até hoje tem uma turminha que a gente vai disputar campeonato. Ver esses jovens formados me deixa feliz”.

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tatuapé a história do tatuapé remete a tempos antigos e quase se confunde com a chegada dos colonizadores portugueses. embora a fundação do bairro esteja atrelada a um pedido de ampliação de terras, datado de 1668, sua origem remonta a 1560, quando Brás cubas, fundador da Vila de santos, resolveu subir o planalto em busca de ouro e pedras preciosas em suas terras concedidas por Martim afonso, que havia vindo para o Brasil com cubas em 1532. o terreno era formado por três léguas de frente para o mar e o fundo a perder de vista, até onde cubas pudesse chegar. e nessa de embrenhar-se mata adentro, ele chegou até o ribeirão tatuapé e dele conheceu o então rio grande, hoje o nosso tietê, onde resolveu criar sua morada por uns tempos.

“Brás cubas se fixou na região do Pique-ri, fez um rancho, criou gado, porcos. ele e o pessoal que veio com ele chegaram a fazer cultivo de uvas e fabricar até vinho que ele fornecia para os padres, jesuítas do colégio”, explica Pedro abarca, pes-quisador do tatuapé. segundo ele, há um documento de 1567 em que cubas pede à ca-mara de são Paulo a legalização daquelas terras. Porém, o fundador de santos precisou ir até o rio de Janeiro lutar contra os invasores franceses e os índios tamoios, o que abriu espaço para rodrigo alvares ocupar as terras e obter uma carta de sesmaria. Mais tarde, Brás cubas tentou obter as terras de volta, sem sucesso. enquanto essa região do atual tatuapé vivia essa disputa, a parte mais alta, conhecida como capão grande, era ocupada por francisco Velho, que, segundo abarca, seria oriundo da extinta Vila de santo andré da Borda do campo1.

após passar por muitas mãos, as terras do tatuapé chegaram ao Padre Matheus nunes de siqueira, considerado o fundador do bairro. após comprar as terras, o Padre fez um pedido junto ao poder público para ter aumentada a sua propriedade, utilizando-se de uma faixa de terra que ia até o rio tietê e que estava sem uso. o documento é de 5 de setembro de 1668. é dessa época a casa do tatuapé, tombada pelo patrimônio histórico e conservada até hoje. “no período de 30 anos, entre 1668 e 1698, a casa foi construída, não se sabe exatamente o ano. o Padre Matheus mandou construir essa e outras casas antigas e ajudou a desenvolver bem o tatuapé”, diz Pedro abarca. a casa, de taipa de pilão e barro socado, tem no inventário de 1698 o registro que comprova sua construção no terreno do Padre Matheus2.

das chácaras Para os condoMÍnios fechados

TRILhA DO TATuTatuapé quer dizer caminho ou trilha do tatu, devido, provavelmente, a existência de muitos tatus na região. Especula-se que o nome foi dado por caçadores que circulavam pelo terreno.

Do século XVII, a Casa do Tatuapé é uma das edificações mais antigas da Zona Leste

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segundo abarca, a região perde importância histórica durante praticamente dois séculos, ser-vindo apenas de passagem para os viajantes. o local retorna às manchetes históricas por volta de 1865, quando o conselheiro João da silva carrão comprou algumas terras na região e, ao mesmo tempo, construía-se a estrada de ferro do norte, que

ligaria são Paulo ao rio de Janeiro. inclusive, uma passagem interessante ocorreu com a visita de dom Pedro ii no bairro, mais precisamente na chácara do conselheiro carrão, durante a inspeção das obras na linha férrea. empresário e político influente, carrão re-cebeu em sua chácara o então imperador.

com o descerrar de um novo século, a imigração europeia crescia de forma grandiosa em são Paulo. e o tatuapé não iria deixar de receber personagens importantes que ajudariam no crescimento do bairro. em 1884 o italiano Benedito Marengo decide deixar seu país. após desistir de ir para os estados unidos, durante a longa viagem, recebeu notícias da argentina e do Brasil e resolveu optar pelo segundo, junto com sua esposa Maria Buonano e seus cinco filhos. “Ele trabalhou de jardineiro para o município lá onde hoje é a Praça da república. depois ele se uniu a luiz Pereira Barreto, e eles começaram a plantar e a desenvolver castas de uva. Mas chegou num ponto em que a pequena terra nos Campos Elísios ficou pequena, eles se separaram e o Marengo veio para o tatuapé, onde criou uma chácara para a produção de uvas”, relata abarca.

em 1890 Benedito Marengo faleceu, ficando para seu filho francisco Marengo a obrigação de prosseguir com os negócios, que só cresceram a medida que o século XX chegou e avançou. “essa chácara ficou pequena, e daí ele comprou uma chácara grande onde é o hospital tatuapé. a chácara evoluiu, ele começou a trazer castas da europa e eua, o Brasil todo conhecia as uvas Marengo e quando ele fez a chácara, ele recebia autoridades do estado, prefeito, para comer uva, tomar vinho lá”. adquirida em 1939, a chácara se torna um ponto turístico do tatuapé e da própria cidade.

Mas nem só de uvas vivia o tatuapé. o bairro era um grande produtor de legumes, verduras, frutas e flores, que eram vendidos na região central da cidade. e a dificuldade para se locomover impingia que os chacareiros acordassem de madrugada e partissem com suas carroças pela rua da intendência (atual celso garcia), isto quem morava na parte baixa. na parte alta era preciso atravessar uma picada repleta de altos e baixos no que hoje é a rua Padre adelino3. há que se ressaltar também a produção de telhas e tijolos das olarias do bairro, outro elemento econômico comum, principalmente às margens do rio tietê.

fiM das chácaras: o Perfil do Bairro Muda

entre os anos 1930 e 1940 o tatuapé perde a sua característica rural e ganha ares industriais, de forma tardia. enquanto Brás, Mooca, Belenzinho e o Pari, se tornam bairros industriais e operários no início do século XX, tatuapé vai entrar nesse ciclo somente 30 anos depois, enquanto que os bairros citados começam a perder essa característica. as terras baratas, pouco ocupadas, em comparação com os bairros vizinhos do centro, eram um dos atrativos para as fábricas. “eu tenho uma tese de que no Brás as oficinas mecânicas, indústrias, tinham uma tecnologia atrasada. quando vieram para o tatuapé a tecnologia industrial já tinha evoluído muito, quando vieram pra cá compraram terrenos maiores, faziam uma planta melhor, passavam a fazer portaria, separar a produção do administrativo, tinha mais espaço ‘pra’ tudo isso, então tatuapé se beneficiou de uma era mais avançada do que havia no Belém, Brás e Mooca”, acredita abarca. “quando se desenvolveu a área industrial, o comércio, que era muito ruim, teve que começar a se adaptar à nova classe, do chacareiro para o operário já havia uma distância cultural e econômica. o operário comprava mais coisas, já o chacareiro vivia só da chácara. então foi preciso desenvolver comércio que não havia”.

CháCARA DO MATARAZZOEm 1927 o Conde Francisco Matarazzo comprou a Chácara do Piqueri, onde, séculos antes, Brás Cubas havia se fixado. Também adquiriu uma olaria próxima ao Rio Tietê, para escoar os produtos da chácara e da olaria. Ali, Matarazzo recebeu diversas figuras do cenário político e empresarial do Brasil. hoje o local é o conhecido Parque do Piqueri, que funciona como tal desde 1978.

Parque do Piqueri

concentra a primeira

formação do Tatuapé e

foi também uma chácara

da família Matarazzo

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esse processo vai durar até mais ou menos a década de 1960, quando, aos poucos, as indústrias começam a deixar o tatuapé rumo a locais ainda mais baratos e maiores, seguindo o mesmo processo que levou a muitas indústrias a se instalarem no bairro. “quando as indústrias deixaram o bairro, novas e importantes transformações advieram. a economia da região transcendia o período anterior e enveredava para o estágio terciário, com ascensão das classes média e média alta. desvanecia-se lentamente a imagem do bairro operário, das centenas de fábricas barulhentas e fumegantes chaminés4”.

sumia-se, assim, as casas operárias, mais simples, abrindo espaço para as construtoras produzirem amplos prédios de alto padrão, principalmente na parte de cima do bairro, enquanto que a parte debaixo, entre a linha férrea e o rio tietê, mais antigo e saturado, permaneceu com algumas indústrias e vários sobrados de padrão elevado, sendo ocupados, pouco a pouco, por comércio de serviços. “a gente vai perceber na cidade de são Paulo principalmente depois dos anos 1980, que vai tendo uma retração do processo industrial. Essas áreas vão ficando abandonadas, grandes glebas vão ficando vazias. Isso é um fator que vai favorecendo a implantação de vários tipos de novas ocupações. E tem um setor específico que vai tomando lugar desse industrial”, explica a arquiteta urbanista taisa da costa endrigue, que escreveu uma dissertação de mestrado na usP sobre este fenômeno imobiliário no tatuapé.

Pela sua centralidade e pelos diversos galpões vazios, o tatuapé vai ser um dos bairros da zona leste que mais vai receber empreendimentos imobiliários, para atender a uma demanda do próprio local. “existiu o desenvolvimento de uma faixa de famílias que cresceram com o próprio desenvolvimento da zona leste, que enriqueceram na região e que tinham um grande apego ao local e que olhavam para o outro lado da cidade em que a elite se situava e pensava: ‘poxa, eu enobreci e enriqueci e agora eu vou morar em Perdizes e Pinheiros, mas eu vou deixar todas as minhas raízes...’ aí construtores locais conseguiram observar essa demanda e até arriscar em cima disso. eles vão observar a possibilidade de negócios na região com uma demanda mais certa. Mas aí não vai ser qualquer tipo de empreendimento, eles tiveram que estudar e perceber qual era a cara que estava procurando aquele tipo de família típico”, observa taisa.

outro fator que vai contribuir para a expansão imobiliária foi o avanço do metrô até o tatuapé na década de 1980, que permaneceu como estação terminal durante alguns anos. com isso, a infraestrutura que faltava para o bairro começou a aumentar, com o incremento no transporte público e em obras viárias, mas principalmente no que tange aos serviços, com o surgimento de bares e lojas específicas para esse público com maior poder aquisitivo que estava sendo cada vez mais predominante no bairro. sem falar nos shopping centers: hoje são dois ao lado do metrô, um na Praça silvio romero, que foi transformado em uma universidade, e outro no Jardim anália franco. “a Vila azevedo, que fica na região da Praça silvio romero, vai se consolidando como área central, você até vai ver que ela perde um pouco de população no início 2000, porque vão construindo mais escritórios, o shopping tatuapé, o shopping silvio romero, tem até os flats, olha a

A Rua Tuiuti, uma das vias

mais movi-mentadas do bairro, reúne

um grande número de

comércios e serviços

O TIME DO POVOApesar de não ter nascido no Tatuapé, o Sport Club Corinthians Paulista tem sua história muito ligada ao bairro. Fundado no Bom Retiro, em 1910, e apoiado pela classe trabalhadora, o clube chegou ao Tatuapé após muitas dificuldades para conseguir construir sua sede. Finalmente, em 1926, adquiriu uma grande gleba no final da Rua São Jorge, às margens do Rio Tietê. Por estar muito longe do centro e pela paisagem agreste das redondezas, bem como a precariedade das instalações, o local foi batizado de Fazendinha, como é conhecido até hoje o acanhado e inutilizado estádio do clube.

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A cada dia que passa, mais empre-endimentos imobiliários crescem no Tatuapé

atração que esse mercado imobiliário desenvolvido na região traz depois. e é uma visão estratégica de mercado. eu tenho a avenida salim farah Maluf, ligação com as rodovias que vão me levar em 15 minutos ao aeroporto de guarulhos”, pondera a arquiteta. esse movimento começa mais na região próxima do metrô e vai se expandir para o alto tatuapé, indo desembocar no Jardim anália franco, expandindo as fronteiras atuais do distrito. segundo taisa, o trabalho feito no anália franco exigiu investimento de marketing para atrair outra população para morar no bairro, porque a primeira demanda de moradores ricos da região que permanecem por ali já começara a se esgotar. “ali tenho a consolidação do projeto de alto padrão. quando o mercado imobiliário migrou para essa região do anália franco, era onde tinha mais área livre mesmo. a chácara anália franco é o primeiro de altíssimo padrão. no Médio tatuapé é a classe média migrando para a classe alta, mas aí depois eu percebo que posso ir até para o altíssimo padrão e com o conceito de condomínio fechado, que estava sendo aplicado na zona sul e oeste, que rompe de vez esse contato com a cidade e dali se desenvolve uma segunda fase do mercado imobiliário. o que tem no anália franco de especialíssimo para o mercado imobiliário em termos de atrativo é o parque e a área verde. tenho uma área de qualidade urbana muito especial que eu preciso aproveitar. o parque foi sendo

Notas

1aBarca, Pedro. tatuapé: ontem e hoje. são Paulo: rumo, 1997.2Prefeitura do MunicÍPio de são Paulo. casa do tatuapé. Museu da cidade, s/d. disponível em: http://www.museudacidade.sp.gov.br/casadotatuape.php. acesso em: 14 out 2011.3op. cit., 1997, p. 51.4op. cit., 1997, p. 144.

consumido pelos condomínios, você não tem direito à visão do parque porque já se construiu tanto edifício de gabarito alto que eu não dou o direito do parque respirar”, analisa a arquiteta.

hoje, o tatuapé se consolida como um bairro verticalizado, ainda com contínuos empre-endimentos de condomínios e com um forte setor de serviços, que vai desde universi-dades e lojas de automóveis, até bares e shopping centers. um bairro rico, que deixou de ser um mero local de passagem de seu princípio e abandonou seu aspecto rural e interiorano, não só na sua paisagem, mas também nas relações, já que cada vez mais moradores novos se misturam ao cenário do novo tatuapé. “eu fico triste com o tatuapé de hoje, há uma ganância muito grande quanto aos prédios, uma especulação brutal do ponto de vista da construção, ‘tá’ todo mundo correndo pra cá e isso aí tirou toda... as pessoas não se encontram mais. o pessoal da imprensa vem falar comigo perguntan-do como é a vida do tatuapé, tranquila, que as pessoas se encontram... mentira, não tem mais, esse tatuapé que vocês estão procurando eu também ‘tô’ procurando, ficou lá atrás, acabou”, lamenta Pedro abarca.

QuEM FOI ANáLIA FRANCO?O Jardim Anália Franco (que pertence hoje ao Distrito de Vila Formosa) tem esse nome por causa da educadora Anália Franco, nascida no Rio de Janeiro e que em 1901 fundou, com um grupo de senhoras da sociedade paulistana, uma fundação para proteger e educar as crianças carentes. Em 1911 a associação adquiriu a Chácara Paraíso (onde hoje é o bairro) e fundou a então Colônia Regeneradora Romualdo Seixas. Anália Franco morreu em 1919, ficando a instituição para a Dra. Ana Cintra tomar conta. Em 1930 foi construída a sede nova da instituição, que depois passou a se chamar Lar Anália Franco e funcionou até 1993. hoje o local abriga uma universidade.

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o Pedro do tatuaPé

Pedro abarca respira o tatuapé e exala a história do bairro a cada instante da conversa que passou fácil de uma hora, revelando uma lucidez impressionante aos 80 anos de idade, 72 deles vividos no “caminho do tatu”. “Me sinto como se tivesse 20 anos”, diz, com uma segurança singular.

Mas ao contrário dos idosos que aproveitam a chegada da “melhor idade” para curtir a vida, ir a bailes, jogar carteado e

viajar Brasil a fora, Pedro abarca prefere ser ativo de outra forma: exercitando sua mente. “eu sou jovem, um jovem de 80 anos, eu gosto de computador, gosto de dirigir, de escrever, de ler, de cinema, de shopping”, afirma o filho de espanhóis da região de salamanca.

não é à toa que, durante a semana, abarca aluga vários filmes e invade a madrugada assistindo. “eu não assisto filme pela tV, eu vejo o filme que eu quero”, afirma. aos domingos, vai ao shopping pela manhã com o filho para passear, tomar um café e bater papo. Mas sua maior paixão, que move sua cabeça e seu coração é a escrita, algo que toma o seu tempo desde 1992.

contudo, é curioso notar que, até 1987, quando aposentou, ele trabalhava como desenhista mecânico. inclusive, ele viveu um período favorável de prosperidade de emprego no tatuapé de tantas fábricas. “eu fiz um curso de ajustador mecânico, depois comecei a estudar desenho e passei a trabalhar como desenhista. e sempre aqui no bairro. tinha tanta fábrica que você saía de uma e já entrava em outra. aqui não havia problema de desemprego. Às vezes, o cara vinha atrás de você para trabalhar em outra empresa”.

Após aposentar-se, ainda permaneceu por um período trabalhando com o filho, tentando alguns negócios particulares, até que resolveu arriscar como escritor. “eu sempre gostei de escrever e tinha muita facilidade de escrever e de pensar histórias. Quando assistia a filmes na época do Cine São Luiz, aqui no Tatuapé, a garotada me rodeava e eu contava o filme de cabo a rabo. então uni as duas coisas. eu gostava de escrever e tinha ideias”, conta.

com essa vontade, começou a escrever algumas crônicas para um jornal do interior, até resolver custear o próprio livro. “eu fiz um livro, ruminâncias de um camelo aposentado, que conta a história de um aposentado com insônia. eu fiz diferente, não fiz em capítulos, fiz em períodos de tempo, das 11h20 às 11h45 ele pensava uma coisa e depois mudou o assunto. o pessoal gostou”, lembra. o assassinato da atriz daniela Perez o chocou muito e o motivou a lançar uma cartilha e a fazer palestras contra a violência em várias escolas e entidades sociais.

a proximidade com as crianças o impeliu a escrever um livro infantil, distribuído gratuitamente. Mais tarde, fez um livro de autoajuda, que está perto de sua terceira edição, além de um romance, que, apesar de não ter conseguido apoio de nenhuma editora, editou com seus próprios recursos, traduziu para o espanhol e enviou para uma editora virtual na argentina, que se interessou pelo trabalho.

e no meio dessa produção mais literária surgiu a vontade de conhecer a história do tatuapé. “um dia eu fui às bibliotecas do bairro procurar um livro que contasse a história e não tinha. aí comecei a pesquisar, vi que não tinha mesmo e decidi que ia fazer o livro. eu conhecia muita coisa, mas não queria contar a minha história, queria contar a história do bairro. então eu convenci dez empresários a botar dinheiro para custear o livro e eu fiz uma biografia de duas páginas dessas pessoas, tinham uns políticos e empresários. aí eu quis fazer um livro melhor, sem esses políticos e empresários, aí fiz outro livro, igual ao anterior, mas sem os políticos”, diz.

Pedro abarca virou referência quando se fala na história do tatuapé, tanto que muitos estudantes o procuram para saber mais detalhes sobre o bairro. e até um shopping o convidou para um livro sobre o tatuapé. “o pessoal do shopping perguntou para a gazeta do tatuapé e para as revistas do bairro e eles me indicaram e eu escrevi o livro homenageando o tatuapé. fizeram quase quatro mil cópias”.

abarca também chegou a fazer um especial para a gazeta do tatuapé durante 12 anos. era uma edição inteira e temática sobre elementos históricos do bairro. hoje, é colunista da revista da gazeta. devido a fatos como esse, abarca foi convidado a integrar o instituto histórico e geográfico. e esse empenho em registrar a história do tatuapé reflete o amor que abarca demonstra pelo bairro. “Já me pediram para escrever a história de outro bairro, eu falei não, não vou escrever, porque não sou historiador, eu estou historiador. e para escrever sobre o tatuapé eu escrevi com o coração, sentindo, e outro bairro eu não sentiria. não quero receber, não quero ganhar, eu tenho esse direito, eu escrevo o que gosto e gosto da história do tatuapé”, afirma.

NúMEROS DO DISTRITO DO TATuAPéárea (km²): 8.43 População (2010): 91.672 Densidade Demográfica (km²): 9.124,25

O QuE FAZER NO TATuAPé

Parque do Piqueri/Ponto da leiturarua tuiuti 515, tatuapé

tel. (11) 2097.2213

casa do tatuaPérua guabijú 49, tatuapé

tel. (11) 2296.4330

Parque esPortiVo dos traBalhadores/Bosque da leiturarua canuto de abreu s/n, tatuapétel. (11) 2910.8774

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penha

A origem do bairro da Penha (que significa penhasco, rocha, rochedo) está intrinsecamente ligada a um passado religioso bastante ativo, que surgiu devido a uma lenda mística que faz parte da história de fundação do próprio local. segundo o Padre antão Jorge heckenbleinchner, em texto publicado no Manual de nossa senhora da Penha, conta uma tradição popular que um devoto francês que ia de são Paulo para o rio de Janeiro levava consigo uma imagem de nossa senhora. durante a caminhada, dormiu uma noite no alto da colina ainda sem nome. no dia seguinte, seguiu viagem. À noite, no entanto, se assustou com o sumiço da imagem, o que o fez retornar pelo caminho para tentar encontrá-la. e a imagem da santa foi localizada justamente no local onde havia pernoitado. surpreso, o viajante francês pegou novamente a imagem e seguiu viagem. no outro dia a mesma sumira novamente, deixando-o confuso e entristecido. ao voltar para a colina, encontrou a imagem no mesmo lugar. como era homem de profunda fé, acreditou que a Virgem “escolhera” a Penha como sua morada e, ali, construiu uma pequena capela. essa lenda correu por toda a cidade e fez com que a Penha ganhasse notoriedade e passasse a receber religiosos interessados em conhecer mais detalhes da história1.

no entanto, do ponto de vista histórico, a data mais efetiva do surgimento da Penha refere-se à sesmaria concedida ao Padre Matheus nunes de siqueira em 5 de setembro de 1668, pelo capitão-mor agostinho de figueiredo. segundo o documento encontrado no livro 11º de sesmarias antigas da tesouraria da fazenda de são Paulo, o pedido era referente a uma área que já possuía uma ermida e um curral de uma légua e meia da Vila de são Paulo de Piratininga, e tinha por objetivo aumentar a capela, além de destinar a área para a produção agrícola2. segundo silvio Bontempi, no livro o Bairro da Penha, essa petição revela que antes da data de 1668 já havia uma fazenda com uma ermida e um curral e que o documento solicitava mais um pedaço de terra lavrável, e que a finalidade da ampliação da fazenda era o de aumentar a capela3. é possível acreditar que, a partir dessas indicações, bem como de outros indícios documentais, que a tal capela ou ermida já existia antes de 1668. exemplo disso é uma doação em dinheiro feita à capela em 24 de agosto de 1667. No entanto, não há documentos que provem e confirmem claramente a existência da capela anterior a 1668 e corroborem com a lenda do francês, ficando para a história a data da sesmaria concedida ao Padre Matheus nunes de siqueira.

Padre Matheus e seu irmão, o Padre Jacinto nunes de siqueira, que já atuava mais diretamente à ermida, ficaram com a missão de reformá-la. O impulso dos dois irmãos foi decisivo para a ampliação da capela e a formação do bairro, já que, anos após a concessão da sesmaria, pessoas começaram a fixar residência em volta do templo religioso, o que foi importante para incrementar as doações para a capela, que foi inaugurada em 1682, consolidando a Penha como um patrimônio religioso4. ou seja, igreja e bairro estão totalmente ligados em suas origens e a primeira tem papel importante no desenvolvimento do segundo.

uM Bairro que nasceu Pela fé

Basílica de Nossa Senhora da Penha encarna a vocação religiosa da história do bairro

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PALACETE FANTASMA?Francisco Folco conta que quando o palacete do Cel. Rodovalho ficou abandonado, antes da demolição, ouviam-se correntes e barulhos diversos. Até a imprensa chegou a visitar o local e ouvir dos moradores do bairro as histórias de assombração. há pouco tempo, um antigo morador da Penha concedeu um depoimento ao Memorial e teria contado a seguinte história: “Ele e o amigo entravam de noite e ficavam batendo lata, pegavam lençol e saiam assustando todo mundo. Aí quando vieram rádio e TV fazer matéria eles ficaram com medo de serem pegos e pararam”. O mais curioso é que, mesmo após os garotos terem parado de assustar os penhenses, muita gente continuou com medo. “Olha, não sei se o pessoal ficou induzido”, teria dito o falso fantasma.

uM Bairro isolado e rural

como todos os bairros da época, a Penha viveu um período rural bastante intenso e característico, mas sempre com um conteúdo religioso marcante. a Penha ganhou autonomia em 1796 quando se descolou da freguesia da sé, tornando o próprio bairro em uma freguesia, a freguesia de nossa senhora da Penha de frança. “na Penha do século dezessete e até meados do século dezoito, as atividades e relações socioeconômicas estabelecidas se associavam às necessidades de subsistências. o aglomerado que se estruturava apresentava-se economicamente isolado e com pequena população5”. do ponto de vista cultural, Penha de Jesus argumenta que o bairro já se organizava a partir de práticas religiosas, crenças e ritos originários do catolicismo popular, além de ordem colonial representada na figura do dono da sesmaria6.

isolada em relação ao resto da cidade paulistana com um núcleo bem restrito, ainda por crescer, a única ligação da Penha com são Paulo era por meio da religiosidade e da crescente importância que os fiéis davam para a santa e sua capela. “Com a elevação canônica da Matriz, em 1802, os moradores raramente iam à sé, exceto quando a imagem era trasladada por iniciativa da população ou por solicitação da câmara de são Paulo, em situações de interesse coletivo, como secas, epi-demias, durante a guerra do Paraguai, etc. entre 1768 e 1876, houve a trasladação da imagem por nada menos que vinte vezes7”. ocorriam verdadeiras procissões da Penha até a sé, com a imagem sendo acompanhada por centenas de fiéis. Desta feita, Nossa Senhora da Penha foi transformada em padroeira da cidade de são Paulo. “é uma característica da santa não atender pedidos individu-ais, mas sim proteger o coletivo, a cidade. em Portugal é da mesma forma. quando ocorreu a gripe

espanhola, já no último século, essa mística aumentou, porque a gripe praticamente não infectou a Penha, porque a possibilidade de pegar do-ença contagiosa numa colina que venta bastante é menor”, conta fran-cisco folco, responsável pelo Memo-rial Penha de frança.

a colina e seu aspecto colonial e de clima ameno era um atrativo para que cada vez mais famílias endinheiradas construíssem ca-sas e palacetes em cima da “coli-na verdejante”. entre eles estava o coronel antonio Proost rodovalho, fundador da associação comercial de são Paulo e dono de vários em-preendimentos na sua época, além

de um político muito influente. “Ele construiu um palacete na Penha, tinha até elevador a vapor, um luxo no século XIX. A casa ficava na Ladeira da Penha que dá para a igreja, ao lado esquerdo [hoje a rua se chama rua coronel rodovalho]”, explica folco. o palacete acabou sendo demoli-do e em seu lugar existe um condomínio. Segundo Folco, o local foi derrubado, pois o filho do coronel rodovalho teria utilizado o lugar para fazer festa com mulheres. sua esposa, ao saber do ocorrido, teria contratado um matador de aluguel para assassinar seu esposo e vendido o palacete, com a condição de que ele fosse demolido.

Mas antes, o Coronel Rodovalho mostrou sua influência ao receber o Imperador Dom Pedro II em seu palacete. “Eles eram amigos pessoais, tanto que essa influência com o Imperador fez com que o coronel conseguisse muita coisa para o bairro, iluminação a gás, um ramal do trem ligando até o centro do bairro”, exalta folco. segundo o responsável pelo Memorial, a visita de dom Pedro ii se deu em sua viagem do rio de Janeiro para são Paulo para obter o apoio dos barões de café da região do Vale do Paraíba para fazer do Brasil uma república e se tornar independente de Portugal. Porém, não há uma data precisa dessa visita. o que se sabe, é que a Proclamação da república ocorreu em 1889, o que indica que essa passagem, com direito a desfile em carro aberto, tenha ocorrido algum período antes.

Igreja Nossa Senhora do Rosário dos

homens Pre-tos possibi-

litou durante séculos que

os negros da região pro-

fessassem a sua fé

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Notas

1BonteMPi, silvio. o Bairro da Penha. são Paulo: Prefeitura do Município de são Paulo, 1969.2idem, 1969, p. 37.3idem, 1969, p. 41.4Jesus, edson Penha de. Penha: de bairro rural a bairro paulistano – um estudo do processo de configuração do espaço penhense. são Paulo, 2006, 213 f.. Mestrado em Geografia humana – departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, letras e ciências humanas da universidade de são Paulo.5idem, 2006, p. 36.6ibidem.7_____. o Bairro da Penha de frança. são Paulo: s/ editora. s/d.8op. cit., 2006, p. 85.9op. cit., 2006, p. 96.10op. cit., 2006, p. 164.11ibidem.

hERóI ANôNIMOConta-se a história de que durante o conflito de 24 uma locomotiva carregada de explosivos foi enviada do centro para explodir em Guaiaúna e um funcionário da ferrovia foi informado e, em tempo, conseguiu fazer um desvio e a Maria Fumaça acabou descarrilhando e explodiu, não atingindo as forças do Exército Legalista.

Penha conectada a são Paulo

além dos investimentos proporcionados pela presença do coronel rodovalho na região, algo que vai ajudar a modificar a face da Penha de rural para suburbana e depois urbana, redefinindo o seu espaço, é a chegada da ferrovia ligando são Paulo a Mogi das cruzes, ainda no último quarto do século XiX8. outro ponto favorável foi o já mencionado ramal que unia a estrada de ferro central do Brasil à Penha e que partia da rua guaiaúna a um ponto mais próximo da Matriz. esse trecho foi inaugurado em 1879 para facilitar o acesso das romarias ao alto da colina, reforçando o caráter religioso do bairro. o ramal foi utilizado até o início do século XX, quando os bondes elétricos alcançaram a região.

a chegada do bonde também vai contribuir para elevar a importância do bairro, que passaria a ter conexão por meio do transporte público, o que vai valorizar a terra, com vários terrenos loteados, como o de Maria carlota de Mello franco azevedo, outra personalidade conhecida do bairro. “com a chegada da ferrovia começou a se romper o isolamento do antigo bairro rural da Penha. As atividades econômicas da localidade definitivamente passaram a se voltar para a cidade9”. apesar disso, algumas características do período rural permaneceram em um primeiro momento, principalmente as atividades de subsistência e as relações sociais e a cultura, ainda marcadas por um tradicionalismo construído ao longo da história penhense.

a posição estratégica do bairro, ao mesmo tempo próximo ao centro e de guarulhos e, assim, do caminho para o rio de Janeiro, vai contribuir também para a Penha ser palco de um aconteci-mento importante: a revolução de 24, mencionada no capítulo sobre a Mooca. a Penha vai ser o lugar de residência do então presidente da Província carlos de campos, que fugiu da sede do governo nos campos elísios, após ataque dos tenentes re-voltosos. Protegido pelas forças legalistas leais ao presiden-te Arthur Bernardes, Carlos de Campos ficou por um tempo despachando da Penha, que virara sede do governo durante a revolta. Já em 1932, a Penha serviu de palco para a organiza-ção dos revoltosos paulistas contra o governo federal.

com o processo de industrialização consolidado nas regiões da zona leste mais próximas ao centro, algumas fábricas começaram a ir mais ao fundo para se instalar e a Penha não fugiu dessa realidade, tendo algumas empresas a partir dos anos 1930. ao mesmo tempo, a Penha e outros bairros aca-bam ganhando ares de centralidade, em um período que a população, cada vez mais crescente, tinha dificuldade para alcançar a metrópole. sendo assim, esses núcleos (Pinheiros, santana, lapa, além da Pe-nha) passaram a ser dotados de equipamentos comerciais e de serviços mais sofisticados10. ainda segundo Penha de Jesus, a década de 1940 marca a transição entre a Penha subúrbio

e a Penha fragmento da metrópole. “neste momento podemos observar o ápice da Penha enquanto bairro paulistano junto com o anúncio do fim da vida do bair-ro, onde o espaço do viver e das relações de vizinhança entra em dissolução11”.

Definitivamente, a Penha entra no rol dos bairros pau-listanos, estando completamente integrada à nova e avassaladora metrópole de são Paulo. hoje, a Penha deixou um pouco de lado sua tradição religiosa de atrair romeiros, ainda que mantenha a igreja Matriz original, a igreja nossa senhora do rosário dos homens Pre-tos, do começo do século XiX, além da enorme Basílica construída em meados do século XX. sua vocação hoje é comercial, com um grande shopping center e um co-

mércio intenso e bastante procurado pelos moradores dos bairros próximos – o que mostra a consolidação da Penha como subcentro –, com um bairro bastante povoado, mas com poucos prédios, mantendo, ainda nos dias atuais, algumas características de sua época colonial.

“Essa configuração urbana do Brasil colonial que a Penha tem: as ruas estreitas e a pracinha... é uma configuração aconchegante, então você anda muito a pé aqui. É diferente de bairros novos, que se faz para o automóvel. Você pega a região de Pinheiros onde estão crescendo os empreendimentos comerciais, não tem como você passear por ali a pé, ali o pedestre perdeu a dignidade. aqui na Penha é o contrário, as pessoas andam a pé. o shopping, por exemplo, está encravado na arquitetura urbana do bairro, é um shopping que você vai a pé, não precisa de carro”, afirma Folco, que garante que o penhense possui uma característica própria: “é uma cultura muito própria. em primeiro lugar é a simplicidade. Você vê muita gente com propriedades, descendentes de famílias tradicionais que nunca precisaram trabalhar, mas andam com uma roupa simples, tem uma educação refinada”. Personalidade à parte, uma coisa que é possível notar na Penha é seu clima calmo e interiorano enquanto se sobe o seu morro, até encontrar o centro nervoso do bairro, totalmente diferente, agitado, repleto de carros e pessoas para todos os lados. é a Penha ligada de uma vez por todas com a capital paulistana.

Carros, muitos

pedestres e um centro comercial

agitado caracterizam

a Penha

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a saudade de uM Penhense

José Morelli possui um olhar bastante peculiar e saudosista em relação à Penha. nascido em 1942 na avenida Penha de frança, quando a mesma ainda se chamava rua da Penha, ele percebeu bastante as mudanças vividas pelo bairro ao longo dos anos e sente falta de uma Penha com as pessoas mais próximas e o antigo fervor religioso quando a devoção à nossa senhora da Penha levava multidões ao bairro. “a Penha era um lugar que

não tinha o movimento que tem hoje, mas era um lugar para onde afluíam muitas pessoas, embora não tivesse um número grande de moradores. O motivo dessa afluência era religiosa, por causa do santuário de nossa senhora da Penha. a Penha fervia por causa das festas. hoje não é mais assim. ela perdeu a identidade, em geral todos os bairros têm perdido. hoje é uma desolação você andar pela Penha nos finais de semana, quase não se vê pessoas na rua. havia também sinais muito presentes ainda de um passado glorioso da Penha, em que foram construídos prédios muito suntuosos. se a gente pensar que a Penha era tão distante da Vila de são Paulo, do centro da cidade, e tinha um palacete do coronel rodovalho, que ficava onde hoje chama-se Rua Coronel Rodovalho, tinha até elevador! Infelizmente foi derrubado e hoje tem três prédios de apartamentos em seu lugar”.

O cenário de uma Penha antiga, mais imponente e tradicional ficou na retina de José Morelli, que presenciou parte da história que ainda permanecia em pé durante a infância. “na Praça Nossa Senhora da Penha tinha uma casa grande onde hoje fica a Caixa Econômica Federal, parecia uma casa de fazenda. eu entrei lá várias vezes quando criança, lembro até hoje o cheiro que tinha lá dentro, fala”. Hoje, só resta lamentar que todo esse patrimônio tenha ficado apenas nas fotos e na memória. “as casas eram todas muito de acordo com os costumes da época, com muitos enfeites, bastante trabalhadas, rebuscadas. e se hoje nós tivéssemos um ambiente desses, se tivesse tido um pouquinho de senso para que pelo menos poupasse algumas daquelas casas nós teríamos ali um centro incrível, que mostraria todo esse histórico de uma Penha onde existia dinheiro também ‘pra’ fazer as coisas, porque a grande parte de pessoas que vinham pra cá tinham casa também na antiga Vila de são Paulo”.

a Penha é conhecida por ficar no alto de uma colina e, para alcançá-la, principalmente quem vem da estação de metrô, ou mesmo da região do tatuapé, do aricanduva, da Vila Matilde, precisa vencer uma ladeira e tanto, que cansa a qualquer um e faz suar se o transeunte tentar superá-la em um dia de sol. “lembro que as minhas tias andavam a pé vindo da região do guaiaúna, tatuapé e chegavam ofegantes lá em cima, reclamando: ‘nossa, como essa ladeira é triste’”, recorda José Morelli, aos risos. com 17 anos o jovem rapaz deixou a Penha para seguir uma missão: ser padre. e assim rumou para Aparecida do Norte, onde acabou por ficar distante da família, da Penha e de São Paulo

por 16 anos. Após o seminário e a ordenação, foi para o ofício de sacerdote atender confissões e chegou até a ser professor do seminário, mas o desejo de constituir uma família o fez sair da igreja. “eu vivi em um lugar muito efervescente, então eu me alimentava de muita coisa ali em aparecida. Mas eu sentia saudade da Penha, principalmente por causa dos parentes”, diz. Já de volta à sua casa, com 33 anos, viu um mundo bastante diferente. inclusive a Penha. “ainda existiam alguns prédios antigos, mas outros já haviam sido destruídos”, lamenta. Ao voltar para casa surgiu um desejo muito forte de trabalhar de forma autônoma e de fincar os pés em terras penhenses. Para tanto, resolveu estudar Psicologia. foi na faculdade que conheceu sua esposa, que permitiu a realização de vários desejos, como casar, ter dois filhos e estabelecer um consultório de psicologia no mesmo endereço de casa. “eu me enraizei na Penha, fui tendo um número de pacientes que eu achava de bom tamanho e que me permitia fazer um bom trabalho. a minha filha também é psicóloga. Então hoje temos uma vida toda voltada a esse tipo de prestação de serviço às pessoas. isso não me atraiu para trabalhar fora”, garante. ele também tem uma atividade social muito intensa, ao manter uma coluna para o jornal do bairro e lutar, junto com outros moradores, pela reabertura e revitalização da igreja nossa senhora do rosário dos homens Pretos, ao lado da antiga igreja nossa senhora da Penha. “eu me envolvi com a igreja do rosário, ela estava completamente abandonada, até chegou a ser fechada pelo contru. foi quando a gente tentou pedir ajuda e o Monsenhor calazans aceitou de fazer a reforma, a igreja voltou a ser ativada e coincidiu que dois anos depois, em 2002, faziam 200 anos de pedido de ereção à igreja. fizemos uma festa com a casa de cultura e quando terminou percebemos que aquilo não podia parar. Em 2011 fizemos a décima festa e virou uma causa a ser defendida, é uma festa que traz toda uma tradição folclórica e da religiosidade, das congadas, marujadas, maracatus, da folia de reis”. toda essa ligação e engajamento com a Penha evidenciam uma proximidade com o bairro. “é aquilo que toda a pessoa que gosta do lugar onde cresceu e viveu. eu me sinto super familiar aqui. gosto de ver quando uma árvore está bonita, os pássaros vêm e cantam nela, tenho esse achego bucólico de gostar e sentir aqui”.

NúMEROS DA PENhAárea (km²): 11.44 População (2010): 127.820 Densidade Demográfica (km²): 10.467,45

O QuE FAZER NA PENhA

teatro Martins Pennalargo do rosário 20, Penha

tel. (11) 2293.6630

igreJa nsa. sra. do rosário dos hoMens Pretosfesta eM Maio e Junholargo do rosário - Penhawww.largodorosario.blogspot.com

Mercado MuniciPal da Penhaavenida gabriel Mistral 160

tel. (11) 2641.3390

Parque linear tiquatiraacessos: av. dr. assis ribeiro; av. cangaíba; av. governador carvalho Pinto

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aRicanduva

o bairro do aricanduva surgiu na década de 1940, quando o então governador ademar de Barros, até então dono daquelas terras, resolveu dividir o terreno em lotes e chácaras. foi criada, inclusive, uma empresa de loteamentos chamada aricanduva1. “no século XVii o riacho aricanduva já era mencionado, assim como um arrabalde da cidade de são Paulo de mesmo nome. a origem da Vila aricanduva data, aproximadamente, de 1902 ou 1905, mas, seu desenvolvimento ocorreu por volta de 19502”.

um dos primeiros moradores do bairro foi o português gabriel cardoso, que se tornou proprietário de uma grande chácara em que cultivava flores e verduras. “conta-se que ele comprou a área e também um táxi com um dinheiro ganho no jogo do bicho. sua sorte contaminou seus parentes em Portugal, que resolveram vir para o Brasil e morar nas imediações. estava dada a largada para o nascimento do bairro. em seguida, chegaram imigrantes japoneses que se dedicaram à agricultura3”.

o elemento símbolo da fundação do bairro, de acordo com o oficial de farmácia amadeu riguetti Pelegrini, 70 anos, antigo morador do bairro, é a construção da caixa d’água, datada de meado dos anos 1940. “essa caixa d’água foi feita para abastecer o bairro do aricanduva. além disso, fizeram uma infraestrutura de canalização de água. colocaram as guias, mas ainda não tinha asfalto. antes disso, aqui era tudo terreno vazio em volta, com muitos eucaliptos”, observa.

Pelegrini chegou ao bairro em 1964 e mesmo com 20 anos após a formação do mesmo, ainda faltava mui-ta coisa para o seu desenvolvimento. “naquela época havia poucas residências, quase nada. as ruas não eram asfaltadas e o comércio era bem fraco. só tinha padaria, um bar e uma pequena farmácia. Ônibus en-tão era difícil. a parada do ônibus que vinha do centro da cidade era no largo do carrão, então as pessoas vinham a pé ou de bicicleta. tinha também uma linha

que ia até ferraz de Vasconcelos, era um ônibus a cada duas horas e vinha lotado, era um sacrifício”, conta. só para se ter uma ideia, o largo do carrão fica há cerca de dois quilô-metros da Praça são João Vicenzotto, região central do bairro. ou seja, uma caminhada e tanto para quem tinha que ir trabalhar todos os dias no centro de são Paulo.

uM Bairro eM Mudança

O NOME ARICANDuVASegundo Levino Ponciano, o nome Aricanduva vem do tupi-guarani e significa “lugar onde há muitas palmeiras da espécie airi”.

Da década de 1940, a caixa d’água é o marco de fundação do bairro

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outro problema era o das enchentes. “quando mi-nha família chegou aqui em 1975 só tinha campo de fu-tebol. quando chovia ficava uma ‘barreira’ total. a rua onde eu morava era estreita e junto do rio e dava muita enchente. uma vez no ano novo começou a chover e acabou com nosso almoço. o meu pai na época levantou a casa um metro e meio acima da rua. depois disso nun-ca mais teve enchente em casa”, afirma o corretor de

imóveis Manoel luiz adão, 55 anos, português de nascença. sua família chegou ao Bra-sil em 1970 e, após alguns anos morando em outros bairros, seu pai comprou uma casa e até uma chácara, onde o jovem Manoel cuidava e vendia no bairro aquilo que colhia.

as necessidades obrigaram as pessoas a se unirem em busca de melhorias para o bairro, seja por pedidos junto à administração pública ou via contato com políticos que tinham ligação com o bairro, sempre contando com o empenho de alguns líderes comunitários e de associações de bairro. tudo isso possibilitou a instalação de um posto policial, a reforma da praça principal do bairro, o asfaltamento de ruas, a colocação de lombadas, a canalização do córrego taboão mais recentemente, além da ampliação da avenida aricanduva até a avenida dos latinos, já que a via alcançava apenas a avenida itaquera até então.

na verdade, as obras na região do rio aricanduva e a ampliação da avenida até a cidade são Mateus fizeram parte de um grande planejamento governamental que durou entre 1977 e 1979, em que o rio aricanduva foi retificado, foi construído o Viaduto aricanduva e toda a obra viária que conectou são Mateus à Marginal do tietê, avançando ao extremo leste da capital paulista4. “a primeira importância urbanística foi a construção da avenida que proporcionou a ligação e o transporte para uma região isolada. isso trouxe mais circulação à região, porque a radial leste é o caminho para chegar na aricanduva e desta você pega a radial, é a principal forma de entrar nessas partes da cidade”, explica o geógrafo.

outro fator que provocou grandes possibilidades não só no bairro, como para toda a região, foi a inauguração do shopping center aricanduva em 1991 e de todos os empreendimentos comerciais que vieram nos anos seguintes. “a zona leste é muito carente de equipamentos públicos, então a nossa ideia foi de que a pessoa viesse pra cá e resolvesse quase todos os seus problemas, sem que ela precisasse se deslocar muito por são Paulo. além do shopping convencional, de automóveis e de móveis, nós também nos preocupamos com a área de serviços, temos o detran, uma universidade, um centro de diagnósticos, um centro médico deverá ser inaugurado agora. a gente vai caminhando não só para oferecer à população o máximo de produtos, mas também satisfazer suas necessidades de serviços”, afirma o superintendente do centro comercial do aricanduva, Marcos sérgio de oliveira novaes. o local recebe por mês cerca de 4 milhões e meio de pessoas e emprega 7 mil pessoas diretamente e 6 mil de forma indireta.

RIO PAuLISTANOO geógrafo e estudioso da Bacia do Aricanduva, Fabrizio Listo, conta que a bacia do Aricanduva é a única paulistana, pois, apesar de partir da divisa com Mauá, está ainda na Cidade São Mateus; ao mesmo em que desemboca no Rio Tietê. E os dois extremos geográficos também possuem diferenças. Se na região da nascente o cenário é de Mata Atlântica e ocupação precária, com predisposição a deslizamentos, na outra ponta, na região do Tatuapé, Carrão e Aricanduva, trata-se de área urbanizada, com solo mais desenvolvido e de alta impermeabilização, o que facilita a ocorrência de inundações.

Finalizada nos anos

1970, a Avenida

Aricanduva é uma das principais

“artérias” de ligação de

uma parte da Zona Leste

com a cidade

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hoje o bairro mostra um crescimento tanto do ponto de vista residencial quanto do comercial. “a partir disso o bairro cresceu. aumentou o comércio, vieram mais bancos. Você vê muitos prédios brotando no aricanduva, eu acho que hoje em construção devem ter uns dez prédios”, crê Pelegrini. “o aricanduva hoje é um dos metros quadrados mais caros da região. hoje para comprar uma casa de dois quartos, sala, cozinha, banheiro e lavandeira você não paga menos de 260 mil, não se acha mais casa de 100 mil. Porque aqui hoje você tem tudo o que precisa. e também tem condução fácil para tudo quanto é lugar”, diz adão. “o bairro do aricanduva está se formando ainda. o bairro tinha um poder aquisitivo profundamente diferenciado em relação aos outros bairros. hoje já está se desenvolvendo. Mas até o Aricanduva tirar esse atraso que ficou vai demorar um ‘bucadinho’, mas tem evoluído muito”, acredita o administrador de empresas emilio Meneghini Junior.

Notas

1Ponciano, levino. Bairros Paulistanos de a a z. são Paulo: senac são Paulo, 2001.2Prefeitura do MunicÍPio de são Paulo. histórico. subprefeitura aricanduva, s/d. disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/aricanduva/historico/index.php?p=35. acesso em: 17 out 2011.3op. cit., 2001, p. 22.4Prefeitura do MunicÍPio de são Paulo. aricanduva. são Paulo: eMurB, 1979.

o aMadeu da farMácia

o “seu” amadeu da farmácia é figura carimbada do bairro do aricanduva. natural de rinópolis, no interior de são Paulo, o oficial de farmácia amadeu riguetti Pelegrini, 70 anos, participa ativamente dos rumos do bairro e nas reivindicações de melhoria. apesar de não estar no bairro desde os primórdios da fundação, “seu” amadeu é bastante conhecido por conta de uma farmácia que instalou no bairro em 1965 e que existiu no

mesmo endereço por 43 anos, na avenida rio das Pedras, que nem asfaltada era ainda. “a frente da farmácia era um brejo”, relembra.

Após a conclusão do curso de oficial de farmácia, em 1962, Amadeu trabalhou no Hospital das clínicas por cerca de dois anos, quando o destino lhe reservou uma região para morar e uma companheira. “eu comecei a namorar uma moça que hoje é a minha esposa e ela morava aqui no aricanduva. e um dia eu cheguei aqui e gostei muito. Parece que o lugar me atraiu, fui tão bem recebido no aricanduva, até me convidaram para almoçar na casa de um morador, então aquilo ali cativou muito”, conta. e como ele já desejava abrir um negócio próprio, resolveu que sua farmácia ali seria. Acabou ficando pelo bairro, casou em 1968 com a namorada, que se tornou a esposa Amélia, e, dois anos depois, tiveram duas filhas gêmeas.

Mas como o bairro não tinha infraestrutura, se juntou à população e buscou por melhorias. “nós formamos a sociedade amigos do Jardim aricanduva e tudo que tem de benfeitoria no aricanduva é por causa da associação”, diz, orgulhoso. como líder comunitário, chegou a ser presidente da as-sociação algumas vezes e ajudou com que as ruas fossem asfaltadas, na ampliação de um trecho da avenida aricanduva, na vinda de ônibus para o bairro. “eu faço o que for possível. tudo que eu fiz pelo Aricanduva não foi nada mais do que uma obrigação que eu tenho com o bairro até hoje. tudo que eu tenho ganhei do aricanduva”.

a farmácia existiu no mesmo lugar até 2008, quando “seu” amadeu a vendeu para instalar uma nova unidade na Avenida Inconfidência Mineira, próxima ao bairro. Mesmo com seu co-mércio tendo mudado de lugar, a casa e a rua onde mora são as mesmas há 45 anos. e explica o porquê de nunca sair do aricanduva. “eu te-nho até hoje uma amizade bem formada aqui, se precisar de um engenheiro, de um colega, eu tenho aqui. se precisar de uma imobiliária, eu sei onde arrumar as coisas com mais rapidez. eu tenho aqui uma irmandade. é um povo muito acolhedor. não pretendo sair daqui”.

NúMEROS DO ARICANDuVAárea (km²): 6.84 População (2010): 89.622 Densidade Demográfica (km²): 13.756,71 O QuE FAZER NO ARICANDuVA

Parque linear aricanduVaavenida aricanduva; rua dona cenoveva; rua

alferes frasão

ceu aricanduVarua olga fadel abarca s/nº, Jd. santa terezinha tel. (11) 2723.7558

Parque Linear do Aricanduva é uma das opções de lazer do bairro

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eRmeLinomataRazzo

O bairro Ermelino Matarazzo tem sua origem carregada de influência da família Matarazzo, não apenas no nome, na estação de trem, mas em todo o princípio de povoamento e expansão do bairro. depois, entretanto, a população começou a criar raízes e identidade com o lugar e passou a tomar as rédeas de seu destino. Mas os registros documentais dão conta de que a região já havia sido povoada muito antes. um desses registros é o sítio Piraquara, que remonta a períodos anteriores ao século XiX, aparentemente, tendo sido levantado pelos índios guaianazes que povoavam a margem esquerda do rio tietê, a chamada região do ururaí – ou Planalto de Baquirivu – e que inclui São Miguel Paulista, que tem sua antiguidade confirmada por meio da Capela São Miguel arcanjo. segundo o artista e pesquisador do bairro ricardo cardoso1, a primeira referência sobre o sítio é a que está no testamento do capitão Paulo da fonseca, de 1711.

em 1739, aparece também uma citação no testamento de Baltazar Veiga Bueno. no século se-guinte, uma menção mais elaborada surge no inventário do Padre Manuel de souza, de 1854, com uma descrição do local. “com casa de vivenda, paredes de pilão cobertas de telhas, casa de fabri-co de farinha, também de paredes de pilão cobertas de telhas, com as terras a ele pertencentes fazendo frente para a várzea do tietê, com uma capela construída pelos índios da região dedica-da a Bom Jesus de Pirapora2”. no entanto, documento do condePhaat (conselho de defesa do Patrimônio histórico, arqueológico, artístico e turístico do estado de são Paulo) que garante o tombamento da casa do sítio Piraquara indica que o documento mais antigo citado na burocracia apresentada ao órgão é de XiX, embora o próprio condePhaat admita presumir que o local seja “bem anterior” a essa data3. O documento ainda identifica o local como uma provável edificação

para a produção de açúcar e álcool. uma das razões para essa afirmação está na moenda que pertenceu ao sítio e hoje está guardada na igreja são francisco de assis, sendo um elemento conside-rado patrimônio pela Prefeitura de são Paulo. outro indício antigo, embora do século XiX, está na informação do pes-quisador do bairro, Marino Bacaicoa4, de que foi construída no próprio local, uma capela em 1854 em louvor a Bom Jesus de Pirapora no próprio local. infe-lizmente, hoje não mais existem, nem a capela, nem vestígios do sítio.

uMa conquista do PoVo

A CRuZ PRETAMissionários de passagem pelo bairro deixaram uma cruz preta – entalhada de 1850 – no côncavo de uma árvore, que servia de paragem de descanso para bandeirantes e carava-nas que seguiam para o Rio de Janeiro, e pediram que o casal que morava ali, Sr. Francisco e D. Justina, sempre rezassem um terço, o que foi cumprido à risca. Certa vez, durante uma chuva forte, um raio partiu a árvore, restando apenas o tronco com o côncavo, reservatório natural de água das chuvas. O fato aumentou o número de fiéis, motivados pelos relatos da água milagrosa. Em função disso, o terreno acabou sendo do-ado e uma capela construída em 1920, e melhorada em 1939. O tronco resiste até hoje, enquanto que a cruz fora roubada.

Casarão da chácara de veraneio da família Matarazzo hoje é a sede administrati-va do Parque Ermelino Matarazzo

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o Bairro dos Matarazzo

Mas é no século XX que a história do bairro começa a se delinear efetivamente, com relação bem próxi-ma do nome Matarazzo. Por volta de 1913 e 1915, as indústrias Matarazzo adquiriram uma gleba de terra na região, totalizando 420.530 metros quadrados5. na década de 1920 teve início a construção da linha variante de trem, chamada de variante calmon Via-na, que liga os bairros de ermelino Matarazzo, itaim Paulista, são Miguel Paulista à malha ferroviária paulistana, e vai até a cidade de suzano.

a estação comendador ermelino foi inaugurada em 7/2/1926, mas foi aberta ao tráfego apenas em 1934, assim como toda a linha, que teve sua obra parada por vários anos6 – por conta desta data, o aniversá-rio do bairro passou a ser comemorado neste dia. em

razão de a estação passar pelas terras das indústrias Matarazzo, resolveu-se homenagear algum membro da família. O escolhido foi o Comendador Ermelino Matarazzo, terceiro filho do Conde Francisco Matarazzo, tendo sido o primeiro filho brasileiro, que acabou morto em um acidente de carro na itália, em 19207. “ermelino era o mais inteligente, o mais capacitado para exercer as funções administrativas. tanto que na Primeira guerra o conde Matarazzo voltou para a itália para ajudar seu país e quem assumiu os negócios da família Matarazzo no Brasil foi o comendador ermelino. quando ermelino morreu, o conde sofreu muito, tanto que conta-se que ele guardou as vestes e os pertences do ermelino numa sala especial do palacete dele”, relata o jornalista Mauro Proença, pesquisador da história do bairro.

com a criação da linha de trem e os projetos de construção de uma rodovia ligando são Paulo ao rio de Janeiro, Matarazzo vendeu 274 lotes, correspondendo a 10% do total de suas terras entre 1926 e 1939, dando origem a um pequeno povoado em torno da estação de trem. Mas é a instalação das indústrias reunidas francisco Matarazzo no bairro, com a inauguração, em 1941, da fábrica de celofane celosul, a maior da américa latina, é que vai ser responsável pelo desenvolvimento de ermelino Matarazzo. “a origem de ermelino é baseada na fábrica celosul. isso impulsionou o bairro. Matarazzo construiu casas, a fábrica, cinema, uma infinidade de coisas foi feita por ele. Mais de 100 propriedades daqui foi ele quem fez”, conta Marino Bacaicoa. ele escreveu um livro sobre o bairro, no qual dá detalhes sobre a fábrica na qual trabalhou por 29 anos, até se aposentar. “além do papel celofane, fabricava ácido sulfúrico, sulfureto de carbono, sulfato de sódio anidro e cristalizado, além de gráfica em papel estampado, impressão e fabricação de sacos de papel transparente, e tripas artificiais (trificel)8”.

Foi construída uma vila – que hoje é o Jardim Matarazzo – para as pessoas mais qualificadas tra-balharem, além de um hotel para os técnicos que vinham do exterior para ensinar o trabalho para os brasileiros. a relação próxima da família Matarazzo com o bairro era tanta que eles possuíam uma casa de veraneio, onde eles também passavam alguns finais de semana. Hoje o local foi transforma-do no Parque ermelino Matarazzo, com algumas das construções daquela época ainda em pé. em 1948 a indústria Matarazzo construiu a primeira escola estadual do bairro, o grupo escolar erme-lino Matarazzo, que ficava na Avenida Principal – atual Abel Tavares, um português que foi dos pri-meiros moradores do bairro. apesar desse progresso todo, a luz elétrica começou a chegar ao bairro somente em 1951, especificamente no Jardim Belém e na Vila Paranaguá9. em 1949 mais uma fábrica chegava a ermelino: a indústria de vidros cis-per, que produzia garrafas em série, e que acabou dando o nome para o que hoje é a Vila cisper. Vivia-se uma efervescência muito grande na re-

CORREIONaquele período, as correspondências enviadas aos moradores do bairro chegavam endereçadas à Estação Comendador Ermelino Matarazzo, já que não havia registro oficial do local em formação. Os moradores se dirigiam à estação para retirar suas correspondências. Ao longo dos anos o nome da estação acabou se estendendo ao bairro, que ficou conhecido como Ermelino Matarazzo.

JARDIM BELéMuma das primeiras casas na região foi a de Domingos Scarpel, tão logo ele chegou da Itália, em 1929. O local foi denominado Jardim Berlim. Mas, por conta da Segunda Guerra Mundial e da participação do Brasil junto aos Aliados (EuA, Inglaterra, França, união Soviética) contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o nome que remetia à capital da Alemanha foi modificado para Jardim Belém, que, em hebraico significa “Casa do Pão”.

As Indústrias Reunidas Francisco

Matarazzo foram

responsáveis pela criação

do bairro

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gião, com a instalação de fábricas, e do momento áureo da nitro química em são Miguel Paulista, que tem papel semelhante na expansão do bairro, assim como as indústrias Matarazzo tiveram na origem de ermelino10. inclusive, naquele período, ermelino ainda fazia parte de são Miguel Paulista, tendo sido desmembrado apenas em 1959, por meio da lei nº 5.28511. essa “invasão” de fábricas ajudou a formular uma classe trabalhadora bastante atuante na região, que vai consoli-dar em movimentos sociais muito fortes e atuantes nas décadas seguintes.

erMelino À luta

todos aqueles loteamentos foram sendo ocupados e, aos poucos, o transporte começou a chegar no bairro e todas as melhorias necessitadas pela população que foram fruto de muita participação dos próprios moradores. “a luta do povo foi fundamental para o crescimento e expansão do nosso bairro. todas as conquistas aqui na nossa região partiram da iniciativa popular, da mobilização dos movimentos sociais, da sociedade civil organizada, da igreja são francisco de assis, por meio do Padre ticão. não foi uma coisa que aconteceu, um achismo. foi uma luta muito bem articulada, o governo foi pressionado. Por exemplo, o único hospital que tinha para atendimento na região era o tide setubal, em são Miguel. a comunidade fez uma luta e trouxe o hospital municipal em ermelino Matarazzo. o hospital está aí, com todos os defeitos e virtudes, mas é atendimento público e não se tinha isso antes”, afirma Proença. Outro exemplo é o transporte público. Segundo Bacaicoa, a primeira linha de ônibus que começou a circular no bairro é de 1947 e ia até a Penha12. “antes só tinha uma linha de ônibus aqui, a ViP se chamava Viação Penha-são Miguel, por causa da primeira linha aqui que fazia essa ligação. e não era coisa rápida, você demorava duas horas ‘pra’ chegar em são Miguel”, lembra o ativista social luis frança, 47 anos.

Mas foi na moradia que o movimento popular teve uma atuação ainda mais destacada, tendo sido reconhecida e, também, recebida até atenção de estudos acadêmicos. “nos anos 1980 foi feita uma revolução na questão da moradia. algumas ocupações de áreas devolutas, que eram improdutivas, foram reivindicadas por essa população. e a igreja foi fundamental nisso, os movimentos sociais foram fundamentais”, diz Proença. a socióloga cleide lugarini realizou entre 1986 e 1987 uma pesquisa a respeito dos movimentos por moradia da zona leste, especialmente em ermelino Matarazzo, que serviu de base para sua dissertação de mestrado, motivada pela aproximação com o movimento devido a trabalhos realizados junto à Puc-sP.

“a organização do movimento era bastante desenvolvida, graças à estrutura que o Padre ticão oferecia, ele era o centro da organização do movimento. eles se reuniam no salão da igreja

para fazer as reuniões de preparação das idas aos órgãos públicos. Me lembro bem de uma organização, de uma ida à secretaria de habitação, que estava no ibirapuera, tempo da prefeitura do Mário covas. essa organização era: aluguel de ônibus, lanche para o pessoal. uma equipe organizava a infraestrutura e a outra a segurança do local; a outra discutia as palavras de ordem. era muito interessante, porque, na verdade,

havia um processo de politização muito grande da parte dos líderes e dos frequentadores e, ao mesmo tempo, havia reações dos participantes nem um pouco politizados”, conta cleide lugarini.

o contexto em que estava inserido o movimento social era o da abertura democrática, um instante de grande eferves-cência política e participação popular que, no entanto, aca-bou arrefecendo em toda a sociedade brasileira anos mais tarde. Mesmo assim, foram vários os resultados positivos no sentido de regularizar suas moradias e obter espaços para a construção de habitação para quem não tinha. “eu visitei duas favelas onde moravam líderes do movimento, eram es-paços muito precários de moradia e depois de alguns anos estive lá novamente e encontrei dois desses líderes que já estavam morando em terra cedida, construído. eles conse-guiram muita coisa. a zona leste era e é uma região absolu-tamente abandonada, mas a luta de seus moradores é res-ponsável por muitas conquistas”, observa a socióloga.

hoje o nome Matarazzo remete apenas à história do bairro ligada a uma abastada família italiana, cujo passado se torna cada vez mais distante. tendo sido fechada, em 1994, a celosul virou coopercel e passou às mãos de uma parte dos funcionários que resolveram constituir uma cooperativa para administrar aquilo que havia restado da fábrica e dar continuidade à produção de celofane. hoje, o bairro ermelino Matarazzo tem história própria, de lutas e de união que só a periferia guarda ainda nos dias de hoje. “Parece cidade do interior. a gente se encontra no bairro, tem a feira de domingo, o cara da feira me conhece. eu vou à farmácia e fico conversando com o farmacêutico. Você ainda vê isso em ermelino, em outros bairros não. isso é fruto dessa comunhão de movimentos sociais e de espaços de convivência que temos aqui”, pondera frança.

Notas

1cardoso, ricardo. histórico de er-melino Matarazzo. ermelino.org, s/d. disponível em: http://www.ermelino.org/historia/57-origem. acesso em: 13 set 2011.2idem.3condePhaat. – conselho de defesa do Patrimônio histórico, arqueoló-gico, artístico e turístico do estado de são Paulo. ermelino.org, 1984. disponível em: http://www.ermelino.org/images/nossobairro/historia/tombamento%20sitio%20piraquara.pdf. acesso em: 13 set 2011.4 Bacaicoa, Marino. história do Bairro de ermelino Matarazzo. são Paulo. 2007.5cardoso, op. cit., p. 01.6_____. comendador ermelino. esta-ções ferroviárias, 2010. disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/c/comendermelino.htm. acesso em: 13 set 2011.7cardoso, op. cit., p. 02.8Bacaicoa, 2007, op. cit., p.199santos, Mateus José dos. grandes Momentos de nossa história. ermeli-no.org, s/d. disponível em: http://www.ermelino.org/historia/105-grandes-momentos-de-nossa-historia. acesso em: 13 set 2011.10Mais sobre o assunto no capítulo sobre são Miguel Paulista.11cardoso, op. cit., p. 3. 12Bacaicoa, 2007, op. cit., p. 25

Após muita luta, a região

cresceu e é orgulho

de seus moradores

A Igreja São Francisco de Assis foi a sede dos movimentos populares por moradia de Ermelino Matarazzo e região nos anos 80

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uM oPerário do Bairro

com 85 anos, Valentim Morcelli carrega uma pesada bagagem de histórias e memórias de uma vida marcada por muito trabalho e bastante atividade social. nascido em Pirassununga, aportou em são Paulo em 1952 para concluir o curso de química que iniciara em sua terra natal, deixando a família e uma namorada de longa data. acabou gostando da nova cidade e, indicado por um amigo, conseguiu um emprego na fábrica celosul, em ermelino Matarazzo.

“Minha família tinha uma fazenda em Pirassununga, mas eu não ia na roça, não tinha experiência. então minha mãe e meu irmão me aconselharam a vir para são Paulo. Meu irmão dizia: ‘aqui você só pode ser escriturário de banco, caixeiro de uma venda. Você tem que arriscar um negócio’”.

o começo foi difícil para o jovem Valentim, que, sozinho, foi morar no hotel da empresa, construído para os estrangeiros que chegavam para trabalhar na fábrica. “chegava sábado e domingo e você não tinha o que fazer. eu era moço, gostava de namorar, não havia moça nenhuma aqui, sabe? tinham uns bailes nuns rincões aí, mas sempre acabava em briga. Eu ficava com medo. Eu até preferia durante a semana, que tinha o convívio dos colegas, tinha as moças aí, eu me dava melhor”, conta.

com o local pouco povoado e com raras opções de lazer, o único jeito do namorador Valentim encontrar alguém seria dentro da própria fábrica. e foi assim que ele conheceu teresinha. “ela trabalhava no laboratório e eu ia lá pegar amostra para fazer análise. No fim, eu ia pegar mais amostra do que o necessário para vê-la”, relata. com um novo relacionamento, era preciso resolver o passado em Pirassununga. “eu fui lá e argumentei com minha namorada que estávamos longe. ela concordou. aí eu me casei com a teresinha em 1956”.

no mesmo período, sua mãe morreu e, com o dinheiro da venda da fazenda, deu entrada na casa em que mora até hoje. “no começo só tinha a sala, quarto e cozinha. a porta era com pau escorado para dentro, não tinha chave. ao redor era mato para todo lado. não tinha água, tinha que furar poço de 15, 20 metros de profundidade”, comenta. não à toa, a comunidade se reuniu e fundou a associação amigos do Jardim Matarazzo, que trouxe luz, água, asfalto e outras melhorias para o bairro. “a gente se reunia aqui em casa”, lembra Valentim, que chegou a ser Presidente da entidade.

Valentim teve uma carreira de destaque na fábrica celosul, passando por diversos cargos de chefia. Até que resolveu afrontar a forma como a fábrica tratava seus operários. “Eu era chefe do setor e o chefe do departamento de recursos humanos chegou na minha seção um dia e me chamou: ‘olha, esse seu aurélio tá indo muitas vezes na enfermaria, a pressão dele tá alta, é bom a gente dispensá-lo, senão vai dar problema’. eu falei: ‘Mas ele é dos melhores operadores que tenho’. Daí ei entrei em conflito com a direção administrativa. Já o pessoal técnico gostava de mim”. e tudo culminou quando Valentim resolveu sair como candidato da oposição sindical, o que desagradou os seus superiores e o grupo sindical que já estava no poder. segundo

Valentim, sua saída em 1982 se deu devido ao desgaste na relação com os diretores, movida pela insatisfação contra a preocupação dele em procurar melhorias para os operários.

sua militância política e social não foi apenas na fábrica. ele reorganizou e presidiu o círculo operário de ermelino Matarazzo, dirigiu um Banco de solidariedade aos desempregados, foi presidente de uma cooperativa de consumo Popular e, em 1972, fundou o centro de Promoção humana lar Vicentino, que atende idosos até hoje por meio de doações. todas essas atividades em plena ditadura militar chamaram a atenção do departamento de ordem Política e social, o temido DOPS. “Em um primeiro de maio teve um desfile, eu estava com o Padre Inácio e fomos presos, sob a alegação de que éramos comunistas. eles achavam que o lar Vicentino era base de subversivo. tudo porque nós fizemos uma quermesse para arrecadar dinheiro para o Lar e pegamos emprestado de um padre da Ponte rasa, que também fazia quermesse, algumas espingardas para fazer aquele jogo de atirar no maço de cigarro. quando eu fui preso, perguntaram: ‘e aquelas armas que você pegou na igreja da Ponte rasa?’ eram umas espingardas velhas, a rolha nem derrubava direito o maço”, conta seu Valentim, aos risos.

Na primeira vez em que foi preso, Valentim ficou três dias no xilindró. Mas, mesmo depois de ser liberado, volta e meia o chamavam na delegacia. e a tortura era psicológica e a base de ‘petelecos’. “A gente ficava sentado no corredor, sem cadeira. Aí me chamavam para ir numa sala. Eu entrei e estava lá o delegado e uma cadeira. eu sentei e ele falou um nome feio e disse ‘quem mandou o senhor sentar aí? cadeira não é para subversivo!’ aí eu levantei, ele me interrogou por uma hora sobre a história da espingarda e eu voltei para o corredor. duas, três horas depois, me chamava de novo na mesma sala, o mesmo delegado. aí eu ficava de pé e ele dizia: ‘Porque não senta? ou você quer sentar no meu colo?’”. fora da mira do doPs, Valentim precisou en-carar outro desafio. Viúvo, teve que criar os filhos praticamente sozinho, enquanto partici-pava de todo o movimento que fervilhava com a abertura democrática no País, ao mesmo tempo em que passou a se dedicar mais ao lar Vicentino. e com quase 60 anos de bairro, ten-do participado desde o início de vários de seus momentos, reflete: “Eu sempre gostei daqui, criei um vínculo. quando me aposentei, pensei em comprar uma chácara e voltar para Piras-sununga. Mas meus filhos não queriam. Eu re-solvi ficar aqui e foi a melhor coisa que eu fiz”.

NúMEROS DE ERMELINO MATARAZZOárea (km²): 8.95 População (2010): 106.838 Densidade Demográfica (km²): 12.917,16 O QuE FAZER NO ERMELINO MATARAZZO

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são migueL pauLista

Desde o princípio, São Miguel Paulista vai ter sua importância bastante definida no contexto de são Paulo, desde o desenvolvimento da Vila de Piratininga até a formação do ldeamento de são Miguel de ururaí. apesar da data de fundação do bairro ser de 1622 – tanto que esta data está na portada da capela – e de estar ligada à construção da capela atual, situada no centro do bairro, e a transferências de índios de itaquaquecetuba para lá em 1623, segundo documento da época1, há fortes indícios de que a origem de são Miguel Paulista se dá mais de 60 anos antes, inclusive, com a existência de uma primeira capela, anterior a que está em pé até os dias de hoje.

roseli santaella stella, doutora em história pela usP, defende que a fundação de são Miguel Paulista ocorreu em 1560, com a visita do Beato José de anchieta aos índios guaianases que haviam se refugiado da Vila de Piratininga, após a extinção da Vila de santo andré da Borda do campo, que fez com que seus moradores fossem para a nova Vila, assustando parte dos índios que se dispersaram à leste da Vila. Mas, mais do que isso, pelo fato de que são Miguel Paulista tinha uma importância estratégica muito clara. “são Miguel é um posto avançado na defesa da Vila de são Paulo de Piratininga contra os ataques dos tamoios que vinham desse litoral norte. é um período em que os índios tamoios têm aliança com os franceses, sendo uma ameaça constante. então o aldeamento de são Miguel de ururaí é fundado nesse período. e você percebe que além de são Paulo, são Miguel é um dos primeiros pontos de fixação mais dentro do território, enquanto toda a colonização se dava ao longo da orla litorânea brasileira”, atesta.

sendo assim, anchieta teria ido até a localidade para aglomerar em um núcleo aqueles índios que estavam dispersos, a exemplo do que havia sido feito em salvador, trazendo os índios para o lado dos jesuítas e reconduzi-los ao seio cristão e, consequentemente, ajudarem na defesa da Vila de Piratininga. “não resta dúvida que a fundação se dá em 1560 porque ele recebe uma orientação do Padre Manuel da nóbrega para que os índios fossem visitados, em junho de 1560. depois, em janeiro de 1561, ele escreve para o nóbrega informando que os índios foram visitados. então, os índios foram visitados entre a ordem do nóbrega e a carta que ele escreve para o nóbrega”, defende.

segundo roseli, durante suas pesquisas no arquivo dos Jesuítas no Vaticano, ela encontrou documentos de 1583, nos quais anchieta, já na condição de provincial da companhia de Jesus, faz uma relação dos pontos onde os jesuítas atuavam e menciona o aldeamento de são Mi-guel de ururaí, em 1583, como um ponto onde ensinavam o tupi e a existência de um trabalho catequista. “os jesuítas, para dar continuidade ao trabalho de cristianização dos índios, es-

uMa aldeia indÍgena que Virou referÊncia na zona leste

Capela se São Miguel Arcanjo é o patrimônio mais antigo da Zona Leste

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forçaram-se para não perder o contato com aqueles índios dissidentes que se afastaram da Vila de Piratininga. tudo parece indicar que eles conseguiram, pelo menos parcialmente, esse intento e em duas aldeias indígenas próximas da Vila construíram duas pequenas capelas: uma dedicada a são Miguel arcanjo e outra a nossa senhora da conceição dos Pinheiros2”.

a importância dada a são Miguel em seus primórdios era tanta, que o aldeamento foi intitulado de Padroado real. “dentro da concepção do estado Português, é uma aldeia de importância estratégica, porque ela está subordinada diretamente ao estado Português. ela não é uma aldeia que tem autonomia, deve uma subordinação política direta ao reino”, explica roseli. Mais tarde, essa relação direta com a coroa vai provocar problemas junto à câmara de são Paulo, que vai interferir diretamente nesse aldeamento, agravado pela defesa feita pelos jesuítas aos índios, opondo-se à retirada dos índios do local para seguir a exploração pelo sertão brasileiro. “quando ocorre a retirada maciça dos índios de são Miguel e de são Paulo para essas expedições, o bairro perde importância. e isso ocorreu já no século XVii. a importância que se tinha inicialmente como ponto de defesa é perdida”, diz roseli. segundo o professor de história avelar cezar imamura, nesse período o aldeamento já era marcado por um predomínio de brancos, o que explicaria a reconstrução da capela em moldes mais adequados à celebração da liturgia católica, atendendo a uma demanda maior de pessoas no vilarejo3.

com uma população totalmente diferente de sua formação, são Miguel Paulista presencia a expulsão dos Jesuítas do Brasil e a chegada dos franciscanos, durante o século XViii, que vão transformar a destinação da capela. “são Miguel Paulista passa a ser um hospício franciscano, um lugar para aqueles que tinham mais idade. não era mais só uma igrejinha, eles moravam ali. então, outros edifícios foram construídos para abrigá-los. a reforma ampliou o espaço existente e

manteve boa parte da segunda igreja, inaugurada em 1622”, afirma Roseli. O aldeamento indígena decai enquanto que a Vila prospera enquanto bairro graças à atividade agrícola4. Já o século XiX é marcado por uma estagnação do bairro, perdendo ainda mais sua importância perante a cidade de são Paulo, principalmente devido à sua distância. quando se fala em são Miguel Paulista é importante saber que, nesse período, o bairro contemplava não só o distrito de são Miguel, mas ermelino Matarazzo, itaim Paulista e até itaquera e guaianases. nos seus primórdios, alcançava até Mogi das cruzes. aos poucos, os demais bairros e cidades foram surgindo, tornando-se autônomos e diminuindo o tamanho da região principal. o curioso é que são Miguel Paulista foi erigida a distrito somente em 1891. até então, pertencia à Penha.

a nitro quÍMica encerra o isolaMento do Bairro

até as primeiras décadas do século XX são Miguel Paulista permaneceu apartada de são Paulo, apesar de prover alguns produtos para a cidade. isso porque, ainda sofria com problemas de transporte, dada à distância do centro, que começava a crescer e a expandir para o Brás, o Pari e a Mooca, do lado leste. competia a são Miguel Paulista fornecer tijolos, pedregulho e areia, material extraído a partir do rio tietê, que também era usado para o escoamento desses produtos. Já o rio era pouco utilizado para o transporte de pessoas5. a estação de trem mais próxima era situada entre Itaquera e Guaianases, dificultando e muito a ligação do bairro com São Paulo, que começava a ser o centro nervoso de urbanização e industrialização. o cenário vai começar a mudar a partir de algumas intervenções na região, como a construção da rodovia são Paulo-rio, em 1922 e, na década seguinte, a inauguração de uma linha de ônibus entre Penha e são Miguel Paulista. Mas a principal delas é a construção da linha variante de trem, que fará com que seja construída a estação são Miguel Paulista no centro do bairro, diminuindo os problemas em torno do transporte6.

POR QuE SãO MIGuELO local era conhecido como Aldeia de ururaí e, posteriormente, mudou para São Miguel de ururaí, graças ao Beato José de Anchieta, que era devoto de São Miguel. Conforme Roseli, Anchieta cresceu em frente a uma ermida de São Miguel na cidade de San Cristóbal de La Laguna, na Ilha de Tenerife.

Apesar de menor do que no passado, a Nitro Química

funciona até hoje

SíTIO MIRIMOutro registro histórico antigo da região é o Sítio Mirim, situado na Avenida Dr. Assis Ribeiro, s/n. A referência mais antiga data de 1750, quando a propriedade constou no inventário do guarda-mor Francisco de Godoy Preto, tendo sido descrita como um sítio “com suas casas antigas de três lanços divididos de paredes de taipa de pilão5”. Para Roseli, este registro, além de detalhes arquitetônicos usados em época anterior, aponta para o fato de que a casa é de um período anterior a esta data. Estudo arqueológico feito nos anos 80 corrobora esta tese. Apesar do sítio ser considerado território de São Miguel Paulista, há um movimento reivindicatório para que o sítio vá para o Ermelino Matarazzo.

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a chegada da nitro química, que começou a funcionar em 1937, e inaugurada três anos de-pois, com a presença do presidente da repúbli-ca Getúlio Vargas, vai ser o passo definitivo para uma verdadeira revolução urbana no bairro, devolvendo um papel estratégico a ele no con-texto da zona leste. a nitro química surge de uma empresa falida nos estados unidos, e sua estrutura foi adquirida por um grupo de empre-sários e trazida para o Brasil, junto com milha-res de toneladas de equipamentos.

“a nitro química tornou são Miguel Paulista praticamente numa pequena cidade operária-industrial dentro de são Paulo, gerou toda uma identidade própria a presença da nitro química, porque não transformou são Miguel Paulista em um bairro dormitório, só será dormitório a partir dos anos 1970. até os anos 1950 será um bairro vinculado à nitro química”, observa Paulo fontes, Professor da faculdade getúlio Vargas do rio de Janeiro e autor do livro um nordeste em são Paulo, que narra a história dos migrantes em são Miguel Paulista. “tudo em são Miguel girava em torno da nitro química. tinha berçário aqui, vila operária para os encarregados. ela construiu um hospital, a catedral de são Miguel não teria saído se ela não ajudasse. a nitro foi a base para pujança e crescimento de são Miguel”, crê nilton cruz, 71 anos, ex-funcionário da nitro química.

com a nitro química, era preciso mão de obra para trabalhar na nova empresa. e muitos dos trabalhadores foram buscados nas Minas gerais, Paraná, interior de são Paulo e, principalmente, no nordeste. em um momento em que o Brasil vivia uma grande mudança de população do campo para a cidade, como mostramos na introdução. “trabalhar na nitro na época era só chegar na portaria, desde que você tivesse idade, não precisava ser alfabetizado, tinha emprego garantido”, fala seu nilton cruz. o impacto da nitro química no bairro foi imenso. em 1940 a empresa já empregava cerca de 2.700 trabalhadores, mais ou menos um terço do total da população do bairro à época, que era de aproximadamente 7.600 habitantes7. essa migração transformou são Miguel Paulista em um bairro de forte presença nordestina. e para essas pessoas trabalharem na empresa, precisaram também morar perto do local, que foi amplamente loteado e vendido para essa classe trabalhadora realizar o sonho da casa própria.

Se era tão fácil conseguir emprego, já que não era necessária a qualificação, as condições de trabalho não eram as melhores e a dificuldade de comunicação entre os chefes e os operários era complicada, pois havia dificuldade no entendimento da produção – havia diversas fábricas dentro do complexo industrial, que não se limitava a produzir o fio raiôn, mas também soda cáustica e até produtos explosivos, principalmente durante a segunda guerra Mundial. nesse meio tempo os norte-americanos foram embora e os que ficaram precisaram entender o seu trabalho e ensinar para os operários migrantes. “Aí fica complicado. Como uma pessoa que não tem domínio completo

da máquina, do espaço, vai ensinar a quem não sabe nada? consequentemente, quase toda a semana havia uma explosão. Acidentes e mortes eram comuns”, afirma Ricardo Correia Marcondes, mestre em história pela Puc-sP com uma dissertação sobre a nitro química. e a vida do bairro era regida pelos apitos da fábrica. “eu obtive relatos de pessoas que quando criança sabiam que quando houvesse um sinal da fábrica significava saída ou entrada de turno. Agora, se escutassem três sinais em seguida, todos na sala deveriam ficar no chão, porque aquilo representava explosão. Isso ficou marcado no bairro. Pelo sinais as pessoas sabiam o que acontecia na fábrica”.

com as condições de trabalho insalubres, as manifestações e as greves eram cada vez mais constantes, além de problemas financeiros, superados pelos concorrentes, até que em 1966 ocorre a demissão de um terço dos funcionários, que marcou a ruptura de um ano áureo para uma derrocada que vai perder sua importância econômica e política – como instrumento do nacional-desenvolvimentismo governo getúlio Vargas –, embora mantenha as portas abertas até os dias de hoje.

com a decadência da nitro química, a partir da metade da década de 1960, são Miguel Paulista começa a perder sua força e centralidade, se transformando em um bairro-dormitório, cada vez mais parecido com os seus vizinhos. segundo fontes, ainda assim, são Miguel vai permanecer como uma pequena sede da zona leste, principalmente por causa de um comércio muito intenso. “Podemos perceber que a ‘vocação’ econômica de são Miguel Paulista já deixou, há muito tempo, de ser industrial para se tornar uma região com forte estrutura econômica voltada para o setor terciário da economia (comércio e prestação de serviços). essa tendência acompanha o desen-volvimento econômico da região metropolitana de são Paulo, que cada vez mais ocupa menos pessoas nas indústrias e passa a ocupar mais no setor de comércio e serviços8”.

O comércio popular é

uma das ca-racterísticas

de São Miguel Paulista

NORTE-AMERICANOS EM SãO MIGuEL?Os primeiros núcleos planejados de habitação de São Miguel Paulista foram a Vila Americana e a Vila Nitro Química. A primeira foi construída para abrigar os engenheiros e técnicos americanos que vieram para instalar a indústria, por isso possui esse nome.

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as lutas sociais e o coMércio

com a decadência da nitro química, a partir da metade da década de 60, são Miguel Paulista começa a per-der sua força e centralidade, prin-cipalmente pela diminuição de em-prego na região, se transformando em um bairro-dormitório, cada vez mais parecido com os seus vizinhos. apesar disso, o bairro e seu entor-no vai manter uma atuação forte na zona leste por ter sido um lugar que

recebeu uma grande concentração das demandas sociais em forma de movimentos popula-res reivindicatórios. “a existência dos movimentos sociais na região leste (...) data da década de 60, ainda com uma presença dispersa e esporádica de pessoas que foram se engajando em vários grupos, para depois se constituírem em formas de organização e se inserirem no espectro dos movimentos sociais populares da cidade de são Paulo9”.

e com o crescimento dos movimentos populares, a igreja católica teve papel importante por se posicionar ao lado dessas reivindicações. “a região leste como um todo passa a ocupar um lugar proeminente na arquidiocese de são Paulo, dando vida a diversos órgãos de sustentação das novas pastorais, especialmente as da saúde, da terra, da liturgia e dos Ministérios. À época de sua atuação, a igreja Matriz de são Miguel foi local de assembléias populares e celebrações litúrgicas memoráveis, conjugando a firme e decidida presença ao lado da população na busca de solução para suas demandas sociais mais prementes, à sua missão pastoral precípua centrada nas necessidades espirituais dos fiéis10”.

com o decorrer dos anos, são Miguel Paulista volta a se firmar cada vez mais como uma sub-sede da zona leste, principalmente por causa de um comércio muito intenso, que tem no Mercado Municipal dr. américo sugai um dos principais pontos do comércio de hortifrutigranjeiros da região. “Podemos perceber que a ‘vocação’ econômica de são Miguel Paulista já deixou, há muito tempo, de ser industrial para se tornar uma região com forte estrutura econô-

Notas

1BonteMPi, silvio. o Bairro de são Miguel Paulista. são Paulo: Prefeitura do Município de são Paulo, 1970.2iMaMura, avelar cezar. história da urbanização de são Miguel Paulista. são Paulo. s/ editora, s/d.3idem, p. 3.4ibidem.5stella, roseli santaella. Preciosidade do século 16 em ruínas. Portal são Miguel Paulista. disponível em: http://www.saomiguelpaulista.com.br/portal/index.php?secao=news&id_noticia=584&subsecao=20. acesso em: 09 nov 2011.6iMaMura, op.cit., p.4.7idem, p. 5.

mica voltada para o setor terciário da economia (comércio e prestação de serviços). essa tendência acompanha o desenvolvimento econômico da região metropolitana de são Paulo, que cada vez mais ocupa menos pessoas nas in-dústrias e passa a ocupar mais no setor de comércio e serviços11”.

outro fato que vai ressaltar a importân-cia de são Miguel Paulista como ator na zona leste é do ponto de vista religio-so. em 1989, o Papa João Paulo ii criou a diocese de são Miguel, com sede na en-tão igreja Matriz de são Miguel arcanjo, que depois seria elevada a catedral dio-cesana12. limitada pela arquidiocese de são Paulo, da qual foi desmembrada, e pelas dioceses de guarulhos e Mogi das cruzes, é, em termos territoriais, a me-nor diocese do Brasil, apesar de abran-ger três regiões episcopais: são Miguel Paulista, Penha e itaquera-guaianases, e seus vários setores.

PADRE ALEIXOPadre Aleixo Monteiro Mafra nasceu em Guaratinguetá em 1901 e formou-se no Seminário de Taubaté em 1924. O Sacerdote ingressou na paróquia de São Miguel Arcanjo em 2 de março de 1941 e foi um dos grandes responsáveis pela construção da Igreja Matriz. Ele faleceu no dia 11 de fevereiro de 1967, ao completar 66 anos. hoje, dá seu nome à praça que abriga a Capela de São Miguel Arcanjo.

8idem, p. 7.9rodrigues, geraldo antonio. defesa da Vida e cidadania: experiências pastorais e políticas de moradores da região leste da cidade de são Paulo – 1968/1984. são Paulo, 1995. doutorado em história – Pontifícia universidade católica de são Paulo.10associação cultural Beato José de anchieta, capela de são Miguel: restauro, fé e sustentabilidade. são Paulo, 2010.11iMaMura, op.cit., p. 12-13.12associação cult ural Beato Joséde anchieta, op. cit., p. 53

Mercado Municipal Dr. Américo Sugai é um local impor-tante para o comércio do bairro

Catedral São Miguel

Arcanjo abriga a

Diocese de São Miguel

Paulista

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NúMEROS DE SãO MIGuEL PAuLISTAárea (km²): 7.65 População (2010): 135.043 Densidade Demográfica (km²): 12.338,03

O QuE FAZER EM SãO MIGuEL PAuLISTA

caPela de são Miguel arcanJoagendaMento de Visita

Pça. Pe. aleixo Monteiro Mafra, 10

tel. (11) 2032.3921

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casa de cultura de são Miguel antÔnio Marcos rua irineu Bonardi 169, Vila Pedroso

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festa dos santos reistodo dia 7 de Janeiro

catedral de são Miguel arcanjo, Praça Padre

aleixo Mafra 11

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www.catedralsaomiguel.org.br

aqui é traBalho, Meu filho!

como a grande maioria dos moradores de são Miguel Paulista, nilton cruz, 71 anos, veio com a família de outro estado para conseguir emprego e encontrou na nitro química a realização de seu objetivo. natural de Minas gerais, nilton, seus 19 irmãos e seus pais foram antes para o Paraná, mas, sem conseguirem melhores condições de vida do que antes, rumaram para a capital paulista, em franca ebulição. “nós

chegamos aqui no carnaval de 1950, a rua não tinha paralelepípedo, nem era asfaltada. era dia de carnaval, então a rua estava em festa. fomos morar numa casinha pequena com uma família numerosa, meu pai comprou umas camas, colchões e todo mundo se acomodou ali”, conta.

aos poucos, quem tinha condição de trabalhar tirou a documentação necessária para conseguir o registro nas empresas. alguns dos irmãos conseguiram trabalho na nitro química. nilton, com dez anos, iniciou os estudos, com três anos de atraso. em fevereiro 1954, ainda com 14 anos incompletos, ele conseguiu uma licença do juizado e entrou na nitro química.

“eu comecei como aprendiz de conicaleiras, que são máquinas que fiam o raiôn. Você imagina uma criança que a única coisa que fazia antes era engraxar sapato e vender pipoca no parque de diversão que tinha aqui. Você não sabe nada, vem cru. chega numa seção e tem um monte de máquina fazendo barulho, mais de 500 motores ligados, aquilo era assustador ‘pra’ quem nunca tinha visto. e tinha o chefe lá com a cara fechada e eu pensava: ‘o que vão fazer comigo agora?’”, lembra.

Mas o pequeno nilton foi aprendendo o serviço. enquanto isso, fazia cursos paralelos, aperfeiçoando uma maior facilidade para a escrita. e com a ajuda de um professor fez a prova de admissão para o ginásio, retomando os estudos formais, o que lhe garantiu uma promoção: trabalhar de escriturário na fábrica de soda cáustica. “eles perceberam que eu tinha alguma qualidade para escrever, fazer relatório, memorando, carta. de vez enquando eu dava uma burilada nos textos que vinham para mim, meus superiores gostaram e me promoveram a encarregado. não havia um plano de carreira na época, você que fazia o progresso, mostrava qualidade e alguém ia vendo”, diz.

e assim nilton subiu degrau por degrau, tendo sido secretário do clube de regatas da nitro química e secretário da diretoria da fábrica. sua capacidade de organização o levou a ser chamado para ajudar na expedição. “tava tendo muito atraso na expedição, demora muito a correspondência, todo dia o diretor ficava até mais tarde e aquela correspondência tinha que assinar porque tinha que mandar por mala para o escritório de são Paulo. aí eu fui pra lá, comecei as mudanças e consegui por ordem na casa em pouco tempo”.

todo esse empenho e reconhecimento ajudaram financeiramente nilton e a sua família. “nunca pensei em sair daqui porque são Miguel sempre me deu todas as condições, quer coisa melhor que trabalhar numa empresa que você mora na região? não precisa pegar transporte, perder seu tempo em condução, condução sempre foi ‘brabo’ em são Miguel, você pegava trem e ônibus lotado. e eu morava aqui e consegui galgar funções na nitro, ter uma carreira aqui. isso fez com que eu me acomodasse um pouco, achei que não havia razão de sair”.

e a satisfação de nilton por trabalhar na nitro química ia além da recompensa material que obteve ao longo da carreira na empresa. isso porque, a fábrica possuía diversos serviços de assistência aos funcionários, uma novidade para a época, o que fez com que quem trabalhasse lá tivesse uma visão totalmente positiva do seu patrão.

“a nitro química tinha atendimento muito grande voltado ao social, a empresa dava muita atenção para as pessoas, na fábrica tinha um berçário para os bebês que nas-ciam e para os pais que trabalhavam tinha uma creche para deixar as crianças. as mães que estavam amamentando tinham autorização para ir à creche amamentar os filhos. tinha médico para as crianças, tinha tam-bém ambulatório”, enumera. “tinha tam-bém uma escola do senai para ensinar cursos profissionalizantes para a pessoa trabalhar na própria fábrica, já que a nitro química precisava de mão de obra qualifi-cada. então ela tinha curso de encanador, eletricista, mecânico”.

é evidente a gratidão pelos anos vividos na empresa, até se aposentar, em 1992: “eu não posso me queixar da nitro química. nunca houve atraso, sempre fui reconhecido como um bom funcionário, recebi homenagem quando fiz 25 anos de trabalho”, afirma nilton, exibindo sua foto com o empresário e dono da empresa antônio ermírio de Moraes. até hoje nilton tem contato com alguns ex-funcionários da nitro química, embora nunca mais tenha posto os pés na empresa. “nós costumamos nos reunir em uma chácara e vem gente de ribeirão Preto, de Belo horizonte, porque fazem questão dessa amizade, porque era uma família”.

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itaim pauLista

do rural ao urBano: a transição ViVida no Bairro

FAZENDA BIACICASegundo o pesquisador do bairro, Jesus Matias de Melo, a primeira citação sobre a região do que hoje é o Itaim Paulista data de 1611, a partir de uma carta de sesmaria concedendo as terras – que tinham como limite, a leste, o rio Guayó (divisa entre Poá e Suzano), e a oeste, o ribeiro Imbiacica (atual córrego Lajeado) a Domingos de Góes em 21 de junho daquele ano2. Essa visão é compartilhada pelo Instituto histórico e Geográfico3: “A paragem de Biacica, até então devoluta e deshabitada, foi concedida por sesmaria em 1611, a Domingos de Góes, também sesmeiro (...) terrenos estes que em 1621 já se achavam em poder dos carmelitanos de São Paulo, segundo declaração divulgada por essa ordem religiosa em 1869 (...)”. Ou seja, apesar da sesmaria ter sido concedida à Domingos de Góes, o fato de Lopo Dias, outro português que veio para o Brasil anos antes, já ser dono daquelas terras e tê-las doado, em testamento, à ordem religiosa, explica a ocupação pelos frades carmelitas4. Já o Departamento histórico e Geográfico informa em texto sobre a capela de Biacica que a Fazenda é mantida pela Ordem Nossa Senhora do Carmo desde 16215.

Remodelada, a estação de trem é um dos símbolos do Itaim urbano

a ocupação do itaim Paulista como conhecemos hoje remete a um processo vivido em todo o país, que é a transformação do Brasil rural para um Brasil urbano a partir dos anos 50, em que a ocupação de são Paulo – símbolo da urbanização e industrialização do período – cresce de forma avassaladora, e o itaim Paulista – assim como todo o extremo leste da cidade – vai ser ocupado por essa massa de gente que vem de várias partes do País. essa explicação, adaptada da doutora em geografia pela usP, rosalina Burgos, pesquisadora do bairro e das periferias urbanas de são Paulo, reflete a importância histórica que o itaim Paulista tem na cidade, e que é pouco explorada.

Mas antes de alcançarmos os anos de 1950, o itaim Paulista também possui uma história sobre um povoamento bastante antigo no que hoje é o bairro (ver quadro abaixo). trata-se da fazenda Biacica, que teve o auge de sua existência no século XVii, com uma lavoura conside-rável que abastecia a cidade1, até entrar em decadência e perder importância como produtora de alimentos, intensificado pela inauguração da Estrada de Ferro do Norte, ou Estrada de

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além das chácaras, que proporcionam uma nova relevância ao itaim Paulista, dois outros elementos vão colaborar para a urbanização que viria décadas mais tarde: a inauguração da estrada de rodagem são Paulo-rio de Janeiro, em 1922, aproveitando-se de um caminho que ligava Biacica à Penha, e a construção da linha Variante da central do Brasil, inaugurada em 1934, que vai proporcionar a instalação de fábricas em torno de algumas dessas estações, como no caso de ermelino Matarazzo e são Miguel Paulista. no caso desta última, vai impactar decisivamente no aumento populacional daquela região. “o grande mote para o crescimento da região foi a vinda da nitro química. impactou toda a região, porque tinha trabalho pra todo mundo. e com a necessidade de trabalhadores vieram muitas pessoas do nordeste e do norte de Minas. aí aumentaram os loteamentos, principalmente a partir da década de 50, 60”, aponta Matias de Melo.

ferro são Paulo-rio de Janeiro, em 1875, que servia para escoar a produção de café do Vale do Paraíba. dois anos depois a li-nha foi estendida até a cidade de cachoei-ra Paulista, ligando com a estrada de dom Pedro ii, outra linha de trem que vinha do rio de Janeiro até aquela região, mas, por ser de bitola diferente, era preciso realizar uma baldeação em cachoeira Paulista. an-tes de terminar o século as duas estradas de ferro foram unidas, dando ainda maior importância a esse corredor de trilhos, o

que fez praticamente sumir a relevância de Biacica, já que a ligação férrea ficava distante da fazenda, ao passo que guaianases e itaquera ganharam destaque, principalmente por conta de suas pedreiras, e das olarias existentes em guaianases, que serviram de material para a construção civil que crescia na primeira grande urbanização de são Paulo.

restou aos carmelitas venderem suas terras, que iam daquela região até onde é hoje conhe-cido como o Parque do carmo. “Várias famílias tradicionais de são Paulo compraram aquelas terras. dois sócios, João de Mello e estanislau camargo de seabra compraram. na parte de cima comprou goffredo teixeira silva teles. os primeiros loteamentos foram a Vila aimoré e a Vila silva telles, em 1924”, conta Matias de Melo. com isso, surgiram as chácaras de veraneio que muitas famílias endinheiradas compraram para passar o fim de semana. “No fim século XIX

e início do XX, quando temos os primeiros surtos de urba-nização e industrialização de são Paulo, a zona leste vai se caracterizar como um su-búrbio, mas não um subúrbio como sinônimo de periferia, mas como aquilo que não é urbano, porém não deixa de ser urbano, sub-urbano. Por isso as chácaras de descan-so. assim como Biacica, que se tornou para um grupo de famílias ricas chácara de veraneio às margens do rio tietê, que servia para o lazer nessa época”, complementa rosalina Burgos.

CAPELA DE BIACICAA Capela de Nossa Senhora de Biacica foi construída na fazenda no final do século XVII. Matias de Melo informa, no entanto, que é bem possível que a capela seja anterior, pois o final do século XVII refere-se a data de 1682, que é quando foi dada pela diocese a provisão de pároco para aquela capela6.

AS VáRIAS FACES DO NOME ITAIMItaim significa pedra pequena ou pedrinha. Ita = pedra e “im” é o sufixo do diminutivo para “mirim” ou “miri”, que significa pequeno. Em vários documentos o bairro também chegou a ser grafado como “Itahym”. O “Paulista” foi agregado ao nome após a elevação do Itaim à Distrito, em 1980. Até então, o Itaim era conhecido como “Itaim de São Miguel Paulista”, por ser, até então, sub-distrito de São Miguel, ou “Itaim da Variante”, por causa da linha do trem, e até mesmo “Itaim da Central”. Tudo isso para se diferenciar do “Itaim Bibi”, da zona sul de São Paulo.

Fazenda Biacica, hoje pertencente

à subpre-feitura de

São Miguel Paulista,

foi o núcleo do primeiro

povoamento do Itaim Paulista

Principal via da região, a Avenida Marechal Tito antes era conhecida como a Estrada de Rodagem São Paulo-Rio de Janeiro

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Monumento A Mão que

Segura Pedra Pequena, na Praça

Silva Teles, simboliza o

bairro

Grafite mostra como era a antiga estação de trem de Itaim Paulista

esse período marca o crescimento dos loteamentos por conta do que a geógrafa rosalina Burgos chama de “segunda grande surto de industrialização” no Brasil, e em especial em são Paulo, a partir dos anos 1950, com o governo de Juscelino Kubitschek, em que o desenvolvimentismo passa a ser priorizado com base na instalação da indústria automobilística no aBc Paulista. “o eixo leste vai ser gradativamente sendo foco dessa expansão para a classe trabalhadora. e depois de 50 a escala passa a ser gigantesca e vai além da indústria automobilística, o setor da construção civil também é revolucionário. o objetivo é o de fazer crescer a cidade, o que vai demandar uma mão-de-obra imensa com pessoas vindas de pau-de-arara do nordeste”. a partir daí itaim entra no rolo compressor dos loteamentos irregulares e da autoconstrução, que avançou sobre boa parte da zona leste, como vimos mais detalhadamente na introdução.

ainda assim, o itaim Paulista era totalmente dependente de são Miguel. “não tinha nada aqui, o itaim era muito provinciano. se você queria comprar alguma coisa, pagar carnê, ir ao banco, tudo era em são Miguel. o Jardim camargo Velho e camargo novo não tinha nada, era plantação de eucaliptos”, diz Matias de Melo. o chamado progresso chegou aos poucos no bairro e se consolidou mesmo a partir de 1980, quando foi criado o distrito do itaim Paulista, dando autonomia para a região em relação a são Miguel. “com a criação do distrito veio agência bancária, o comércio começou a se agitar. Mas na verdade só a partir de 2000 começou a ter lojas-âncora, bancos maiores, aí o bairro foi crescendo. Principalmente por causa da duplicação da avenida Marechal tito, em 1996. o bairro cresceu muito”.

Notas

1Melo, Jesus Matias de. itaim Paulista: a origem histórica, o início da urbanização e a elevação a distrito. são Paulo, 2004.2idem, p. 13.3comissão do instituto histórico e Geográfico de São Paulo. Biacica in: revista do instituto histórico e Geográfico de São Paulo. Volume XXIII, 1925, pp. 322-323. retirado de: Burgos, rosalina. itaim Paulista: 20, 50 ou 400 anos?. Portal itaim Paulista, s/d. disponível em: http://www.itaimpaulista.com.br/portal/index.php?secao=historia. acesso em: 09 nov 2011.

4Melo, op. cit., p. 11.5associação cultural Beato José de anchieta. guia cultural e turístico da zona leste de são Paulo. são Paulo: 20106Melo, op. cit., p. 33-34.

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“seu” lucena, uM Batalhador

francisco Mendes de lucena. Mas pode chamá-lo de “seu” lucena que ele atende. Morador do itaim Paulista há mais de 40 anos, ele, assim como outras milhares de pessoas, deixou a tranquilidade da roça onde nasceu para tentar a sorte grande em são Paulo, a terra do progresso. e das ilusões. “seu lucena” é natural de serra talhada, interior pernambucano e, mesmo tendo uma vida considerada boa para os padrões da época – já que seu pai possuía uma fazenda

que produzia cana de açúcar –, embora simples, tinha o desejo de conhecer o lugar de onde ouvia muitas histórias. “quando vinha alguém de são Paulo, chegava lá contando mil e uma coisas, que são Paulo era isso, era aquilo, dava a ilusão para eu ver. eu queria contar também”. em 1959, com 17 anos, o jovem lucena rumou para são Paulo, onde se encontrou com um irmão que já havia feito o mesmo trajeto dois anos antes. “as coisas eram muito difíceis aqui no começo. Meu pai falava assim: ‘você vai, se não se der bem você pede um dinheiro que eu mando ‘pra’ você voltar’. Mas eu carreguei num capricho para não pedir e fiquei”, lembra. E assim, ele e seu irmão moraram em uma pensão em são Miguel Paulista. “eu vim do sertão do Pernambuco, de uma roça, para morar em são Paulo, na capital, e nem luz elétrica tinha. fomos morar na Vila gabi, a gente pegava uma balsa para atravessar o outro lado de são Miguel, tinha um porto de areia. Uma lagoa azul que a turma ia nadar. Hoje tá canalizado e tá pelo outro lado, fizeram a ayrton senna. antes era só uma lagoa. eram casas de tijolos, chão cimentado, bem rústico”.

seu irmão já trabalhava em são Paulo, como polidor de navalha em uma fábrica. lucena não tinha experiência nenhuma e procurava qualquer coisa para ajudar no sustento dos irmãos na cidade. só que com um problema: o alistamento militar se aproximava, o que impossibilitava que ele conseguisse um emprego registrado. “eu tinha uma pequena prática de sapato, calçado à mão, aí eu comecei a tentar algum trabalho nas sapatarias de são Miguel. um dia um sapateiro me mostrou um que ficava na Rua Dr. Félix, era a rua da delegacia, a rua ainda estava em formação. Eu pedi o serviço para o seu Eupídio, que fazia sapato de escola para criança. Ele ficou com dó de mim e me chamou como ajudante, sem pagar nada. Eu aceitei, só ficava em casa. Aí eu comecei a montar e no primeiro fim de semana ele me pagou 30 contos. Foi uma farra só. Aí eu fui melhorando”. Pouco tempo depois, lucena foi morar em um quarto vazio na casa do dono da sapataria. “eu chegava cansado, com sono. um dia seu eupídio percebeu e perguntou por que eu chegava desse jeito. o lugar que eu morava era muito ruim, chegava uns maloqueiros fazendo barulho. aí ele me botou para morar no sobrado dele. tinha luz, água encanada. era um luxo!”

com três anos de cidade grande, lucena conseguiu o emprego que tanto queria: com carteira registrada. seu irmão o indicou para trabalhar na Moinhos santista, que ficava no tatuapé, na altura da avenida salim farah Maluf. a experiência como rastelador de lã durou dois anos, quando voltou a ficar desempregado, pegando bicos de sapateiro em

lojas da Penha. em 1965, ele tirou carta de motorista, o que, segundo ele, foi importante para conseguir um emprego que finalmente lhe trouxesse estabilidade.

“um dia eu tava ouvindo na rádio que a ‘light’ tava pegando gente, de preferência com carta de motorista. aí eu fui na ‘light’, não sabia nem o que era a ‘light’ direito, sabia que era na rua Xavier de toledo. o único lugar que eu entrei sem ninguém me apresentar, entrei na raça. eu pensava que ia trabalhar num serviço ruim porque eles falavam que era trabalho braçal. eu fui trabalhar na seção de medidores. eu era tão inocente que nem sabia o que era um medidor. era medidor de luz. aquilo me animou muito. desde o primeiro dia que comecei trabalhando foi bom. tinha um senhor com 27 anos de ‘light’ que falou assim: ‘o baixinho vai comigo’. nós fomos ‘pra’ rua, trabalhar a pé, nos apartamentos da Baixada do glicério”.

apesar da satisfação pelo emprego novo, o deslocamento da zona leste até o cambuci, onde ficava a sede da ‘Light’, era cansativo. “Eu entrava às 7h30 lá, mas eu tinha que sair de casa às 5h, 5h30. as conduções eram lotadas. e depois passou a ter o ônibus que saía da Praça silva teles, no centro do itaim, e ia até a Praça clóvis”. foi nesse tempo que “seu” lucena foi morar no itaim. “seu eupídio me falou que tinham uns caras vendendo loteamento novo no itaim. aí nós fomos atrás e na Praça silva telles tinha um corretor que nos mostrou esse terreno. aqui era tudo mato, tinham feito umas ruas, tinha só uma casa aberta. não tinha luz, nada. eu dei uma entrada e fui pagando a prestação. quando foi em 1969 eu fui ao Pernambuco e arrumei a minha esposa ‘pra’ namorar aí, eu resolvi me casar. aí resolvi construir no terreno.”.

apesar das péssimas condições para viver no bairro, no início, o preço do terreno foi o maior atrativo para o “seu” lucena e para tantas outras pessoas que não tinham condição de pagar aluguel, nem de investir alto em áreas mais próximas do centro. e o tempo foi o senhor da razão para esses moradores, já que o “progresso”, mesmo que de maneira torta e, por vezes, precária, foi alcançado também os extremos. “eu nunca consegui sair daqui para uma casa melhor. Mas se naquele tempo não tinha nada, hoje tem, hospital, escola, ônibus, tem de tudo aqui. Vou sair agora por quê?”, define “seu” lucena , com a sabedoria de alguém que, assim como muitos outros, abandonou família e sua terra querida para tentar uma vida melhor nas regiões mais ao sul do Brasil.

NúMEROS DO ITAIM PAuLISTAárea (km²): 12.22 População (2010): 224.074 Densidade Demográfica (km²): 19.459,58 O QuE FAZER NO ITAIM PAuLISTA

casa de cultura do itaiM Paulistarua Barão de alagoas 340

tel. (11) 2963.2742

www.centroculturalitaimpaulista.blogspot.com

cluBe escola curuçárua grapirá 537, Vila curuçá Velha

tel. (11) 2584.3865 www.

clubeescolacurucaitaim.blogspot.com

Parque linear itaiMPrincipais vias de acesso: rua Marechal tito; rua

estevão ribeiro garcia; rua Bento gil de oliveira

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guaianases

guaianases teve um desenvolvimento peculiar. sem indústrias, suas principais atividades econômicas foram basicamente a exploração das pedreiras e as olarias, que, juntas, forneceram uma parte importante dos elementos para a construção civil paulistana durante muitos anos. no princípio, o lugar se chamava lajeado e sua origem está ligada à tribo indígena dos guaianás que foram os primeiros habitantes da região1. o local servia de pouso de viajantes que seguiam rumo ao Vale do Paraíba pelo caminho então conhecido como estrada do imperador. essa passagem foi importante quando da descoberta de ouro em Minas gerais, o que causou uma grande migração paulistana para explorar a nova riqueza, ficando conhecida como caminho dos guaianases, que servia já no século XViii de ligação entre as duas províncias2. a região é mencionada em registros como aldeia por volta de 1802. anos mais tarde, um dos proprietários daquelas terras, o senhor Manuel Joaquim alves Bueno (representante de uma das primeiras famílias que se instalaram em guaianases), mandou erguer uma capelinha onde hoje está o cemitério lajeado, sendo ali o núcleo da primeira formação do bairro. ao cabo da construção, foi celebrada uma missa em 3 de maio de 1861, dia de santa cruz. o Padre João cardoso Mendes de souza, Vigário de arujá, realiza a missa e abençoa a capela que passaria a ser conhecida como capela de santa cruz do lajeado.

o desenvolvimento do bairro permanecerá estagnado e calcado basicamente na extração mineral e vegetal até a chegada da estrada de ferro d. Pedro ii, em 1875, que vai fazer com que o local passe a receber imigrantes estrangeiros, especialmente portugueses e espanhois, que vão incrementar e ampliar as atividades extrativistas e agrícolas. “com a linha férrea implantada começam essas atividades de extração mineral, grandes cavas de pedreira são criadas para tirar o granito. e não só da cava em si, mas é uma região muito ramificada de córrego e de muita argila, o que facilita a produção de tijolos e de telhas”, explica o arquiteto e mestre em história social pela Puc-sP, edimilsom Peres castilho, que tem seu mestrado na Puc/sP, voltado à guaianases. segundo o estudioso, boa parte dos tijolos e telhas produzidos no bairro foram utilizados na construção de casas na região central da cidade e parte das pedras serviram de calçamentos, para obras diversas. e tudo que era extraído ali passou a ser levado de trem pela nova linha que foi expandida em direção aos extremos da cidade.

o impacto da estação de trem foi tão grande que provocou uma reorganização espacial na região. o antigo povoado que estava localizado em uma região um pouco mais distante da ferrovia praticamente abandonou aquele território, rumando em direção do trilho ao trem. isso fez com que o bairro se dividisse em dois: o lajeado Velho e o lajeado novo3. o

do eXtratiVisMo a autoconstrução

Autocons-trução é uma das carac-terísticas do bairro

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primeiro corresponde ao lugar onde fora construída a capela de santa cruz e o núcleo mais recente que se instalou ao redor da estação recebeu a nomenclatura “novo”. Já a antiga capela de santa cruz do lajeado teve a padroeira trocada por santa quitéria, para evitar a confusão com a nova capela. além disso, no final do século XiX, o novo lajeado ganhou também uma igreja dedicada à santa cruz. esse novo núcleo urbano passou a se constituir como o cerne do bairro, com crescimento sustentado, enquanto que o antigo aldeamento manteve-se

estagnado. o aumento da população ampliou-se principalmente entre o fim do século XiX e o início do século XX, quando, em praticamente toda a cidade, os imigrantes vinham de todos os lados para desenvolver seus conhecimentos e tentar uma vida melhor. tanto que, se em 1934 guaianases possuía 1.642 habitantes, em 1940 esse número passa para 2.942. dez anos depois, a população saltara para 10.413 habitantes, com mais da metade vivendo em áreas urbanizadas4.

Bairro-dorMitório

apesar da condição privilegiada à época de possuir uma ferrovia passando pelo bairro, a região não foi provida de indústrias de grande porte que pudessem desenvolvê-lo e diversificassem sua atividade econômica, que permaneceu basicamente extrativista. segundo a dissertação de edimilsom castilho, já no século XX – quando ocorreu o deslocamento das fábricas do centro para a periferia de são Paulo, em busca de terrenos maiores, mais baratos e servidos pelas ferrovias –, guaianases não participou desse cenário. Muito por conta de dois fatores em específico: a falta de áreas planas extensas próximas à ferrovia e de volumosos cursos de água necessários ao abastecimento industrial5. uma das consequências disso é a consolidação de Guaianases como um bairro-dormitório, já que não havia atividade suficiente para manter as pessoas trabalhando no bairro. é nessa época que o bairro passa a se chamar guaianases, oficialmente a partir do dia 24 de dezembro de 1948.

Essa característica vai se intensificar a partir dos anos 1940, com a nova onda migratória, dessa vez composta de pessoas do próprio País, nordestinos em sua maioria, que, como se vê ao longo deste livro, vão passar a habitar os extremos da zona leste, regiões em que os terrenos são baratos, compatíveis com a pouca ou nenhuma condição financeira dos novos moradores. No final dos anos 1950, por exemplo, a população já era de 24.689 habitantes6.

o professor de educação inclusiva, Beto custódio, lembra como era o bairro quando sua família chegou no início dos anos 1960, vinda de Minas gerais: “na época em que mudamos tinham duas chácaras, cada uma de um lado da rua e cinco residências. hoje não tem nenhuma chácara. tem um supermercado e do outro lado tem um conjunto de moradias. Já são 70 moradias na mesma rua”.

Do final do século XIX, a Igreja de

Santa Cruz é a mais

antiga do bairro

ORIGEM DO NOME LAJEADOhá duas versões para o nome Lajeado. A primeira dá conta de que a estrada que ligava o Lajeado Velho ao Novo tinha um trecho calçado com lajes e paralelepípedos de granito, surgindo daí o nome. Outros estudiosos apontam, porém, que o nome Lajeado tem a ver com uma grande laje rochosa que cobre a região e vai de Guaianases até Mogi das Cruzes.

CALIBRE 32Beto Custódio conta que seu pai chegou a trabalhar perto de casa, na fábrica de papel Guaianazes. Como naquela época a sensação de perigo era grande, seu pai ia trabalhar com um revólver calibre 32. “Ele trabalhava das 14h às 22h e quando ele voltava, ao chegar na beira do córrego, ele dava dois tiros para o alto. Aquilo significava que ele estava chegando e que era para abrir a porta e esperá-lo na esquina. Ele nunca precisou usar a arma contra ninguém. um dia ele jogou no rio e disse: ‘Ah, chegou desenvolvimento na região, então não preciso mais’”.

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uma característica muito evidente das novas casas no novo bairro, que se encaminhava para a explosão populacional, era a autoconstrução da casa própria nesses rincões da cidade, já que as famílias buscavam fugir do aluguel nas regiões mais centrais. “a construção da casa é feita de forma muito rudimentar. o trabalhador brasileiro que constrói sua casa não tem técnica apurada de construção. aprende com o vizinho, utiliza os materiais mais baratos, faz aos finais de semana. São casas muito provisórias, lembram o tipo social do caipira, que monta sua casa de sapê porque sabe que não vai ficar muito tempo ali, até porque a terra não é dele”, afirma o sociólogo e mestre em História Social pela PUC-SP, Eribelto Peres Castilho.

em contrapartida a esse crescimento acelerado, a infraestrutura era praticamente zero nos primeiros anos. é o caso de dona francisca Pereira de souza, de 82 anos, que veio do ceará em 1961 com o marido. “aqui era só lama, daqui até a estação”, lembra. “na-quela época só tínhamos um hospital que fica em são Miguel até hoje, o tide setubal. só tinha uma escola, que era o ‘Primeirinho’ e que hoje chamamos de Pedro táxi. a gen-te tinha que andar uns cinco quilômetros para chegar à escola”, conta custódio. ele também revela coisas positivas do bairro à época. “guaianases sempre foi uma região bonita. Me lembro que tinha o rio itaquera-Mirim que hoje é totalmente poluído. nós tínhamos o privilégio de pescar, pegar rã, peixe. e tinha muitas áreas de futebol, uns 50

campos. hoje temos três”, lamenta. as dificuldades fizeram com que a população se reunisse para buscar melhorias. após reivindicações da sociedade local organizada, a pri-meira linha de ônibus criada na re-gião foi a expresso santa rita ltda. que, a partir da década de 1960, fazia a ligação entre guaianases e santo andré, em um período em que o aBc paulista vivia uma gran-de fase de industrialização.

hoje guaianases se consolidou como um bairro dormitório e popu-loso, em que as autoconstruções são marcas registradas. Mesmo assim, o acesso à moradia ainda é problema nos dias atuais. além disso, o transporte público, por meio da estação de trem – respon-

sável pela formação atual do bairro –, não consegue dar conta de tanta gente que sai de casa para as regiões onde os empregos estão concentrados. no entanto, o bairro possui dinâmica própria, um comércio formal e informal grande. e mantém, ainda hoje, algumas características de seus primórdios, como a produção de tijolos e de telhas, agora para as autoconstruções do próprio bairro, além da extração de pedra por meio de uma das pedreiras que segue ativa.

“a pedreira de guaianases até hoje é uma das maiores fornecedoras de ‘pedra rachão’, que é a base para as rodovias. a rodovia ayrton senna, na Várzea do tietê, foi feita com granito dessas pedreiras de guaianases. a empresa ainda tem uma permissão de uso da pedreira de cinco anos, que é sempre renovado. só que a explosão com dinamite acaba causando várias fissuras nas moradias do entorno. outras duas pedreiras servem como ‘piscinão’: para evitar enchente, a água do Itaquera-Mirim – afluente do Aricanduva – é deslocada para lá. existe outra pedreira que foi aterrada. essas pedreiras têm valor histórico importante para guaianases”, diz edimilsom castilho.

Notas

1castilho, edimilsom Peres. a Praça dos trabalhadores de guaia-nases: Periferia de são Paulo. são Paulo, 2007, 131 f.. Mestrado em história social – Pontifícia univer-sidade católica de são Paulo.2idem, p. 43.3idem, p. 46.4idem, p. 49.5idem, p. 49.6idem, p. 52.

A antiga Chácara das Flores foi transformada em parque para o lazer da população

Característica marcante da

região, uma das pedreiras

resiste e segue em fun-

cionamento ainda hoje

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a faz-tudo do Bairro

dona francisca Pereira de souza, 82 anos, mora em guaianases há 50. ela viu e participou ativamente de todo o processo de desenvolvimento do bairro, tendo lutado por cada melhoria vista por ali. Mas antes de vir para são Paulo, ela já tinha uma vida agitada na cidade de aurora, no interior do ceará. lá ela trabalhava como professora pelo estado e Prefeitura, além de ser catequista e trabalhar no cartório da cidade.

até que chegou o ano de 1961 e, ao precisar viajar até fortaleza de trem para receber seu primeiro pagamento pelo cartório, tomou contato, de modo inusitado, com seu futuro marido, Valter. se hoje as pessoas levam mais tempo para se casar e, às vezes, nem chegam a formalizar o relacionamento, francisca casou-se primeiro para depois conhecer direito seu noivo. “quando o trem chegou à estação, veio o Valter dentro do trem gritando: ‘papai, eu vim me casar’. quando eu ia subir no trem o velho dele me puxou pela blusa e disse: ‘desce, meu filho vai casar e é com você’. eu disse, ‘valha-me, nossa senhora!’ daí eu pedi para dr. raimundo [responsável pelo cartório] pegar meu salário e dar para os pobres. eu e Valter casamos no domingo e viajamos para são Paulo na segunda”.

ao tomar contato com a cidade, um instante de choque com um clima totalmente diverso de sua terra natal. “quando eu cheguei aqui e senti aquele frio, vi aquela garoa, e Valter me falou para não levar roupa, porque tinha de tudo. Eu confiei. Mas, meninos, eu sofri”, lembra.

Mas uma ajuda sacerdotal quase fez com que dona francisca voltasse a trabalhar no cartório em são Paulo. “eu ia todo dia à igreja assistir à missa. o padre me viu passando com uma fita amarela no pescoço e quis conversar comigo. ele me perguntou se eu era catequista. eu disse que sim, expliquei que trabalhava no cartório, na escola e na igreja. aí ele escreveu para o padre de aurora e pediu meus papéis para a igreja e para o cartório, para que eu voltasse a trabalhar”, relembra. o problema é que, ao apresentar a papelada no cartório, ela foi discriminada. “o responsável pelo cartório rasgou os papéis e disse que não aceitava gente de fora para trabalhar no cartório”.

o impacto com o novo lugar foi duro para dona francisca, que, acostumada a trabalhar em três empregos no ceará, se viu trancada dentro de casa, enquanto o marido ganhava a vida cidade a fora, como maquinista. “eu ficava sozinha em casa esperando neném. a casa ainda era alugada, aí tinha um terreno, nós construímos lá. não tinha luz, a geladeira era a gás, o rádio à pilha. não tinha água, o poço que cavamos tinha 35 metros, era puxando a corda e chorando. um dia eu dei uma de louca. Joguei as panelas no chão. ‘ah, não quero mais morar aqui, você me traz numa terra dessa, eu não sabia nem lavar um prato! e agora tenho que lavar prato, fazer comida, cuidar da

NúMEROS DE GuAIANASESárea (km²): 8.66 População (2010): 164.512 Densidade Demográfica (km²): 12.668,88 O QuE FAZER EM GuAIANASES

chácara das floresestrada dom João nery 3551, guaianases

tel. (11) 2963.1055

Parque laJeado rua antonio thadeo s/n, lajeado

tel. (11) 2153.6215

casa. ou você arranja uma casa ou vou embora ‘pro’ ceará’. Já tinha dois filhos. aí o coitadinho saiu e arrumou essa casa grande”.

com o tempo, dona francisca foi se integrando ao bairro. e se no cartório não deu certo, dona francisca foi recrutada para trabalhar como catequista em duas igrejas. e com a residência resolvida, o problema passou a ser a infraestrutura ao redor. “Para chegar à estação precisava levar um pano na mão, ir descalço para limpar os pés para poder pegar o trem, porque era lama daqui até a estação. a nossa compra vinha do rio de Janeiro, de trem. o carro parava aqui na linha e o rapaz que tinha carroça trazia aqui em casa”.

insatisfeita com o rumo de sua vida e de seu bairro, dona francisca decidiu procurar os políticos locais para trabalhar junto e melhorar as condições da região. depois de perguntar na estação e em uma farmácia, ela finalmente conheceu Guilherme Gianetti, seu primeiro “parceiro”. Anos mais tarde, conheceu e atuou junto a Beto custódio, outro político local. “a primeira coisa que a gente fez foi mandar asfaltar as ruas. aí pediram para eu ajudar a construir um posto aqui e eu botei o Beto no meio. eu sei que isso aqui era uma buraqueira, parecia um chiqueiro de porco. graças a deus hoje o povo agradece nosso trabalho. Mas nós precisamos ajudar o próximo, não é só para mim aquela rua, é para todos. é nossa obrigação, né?” além de buscar por melhorias no bairro e ajudar a políticos do bairro, dona francisca também trabalhou na igreja, começando como catequista, além de ter atuado fortemente para ajudar a arrecadar fundo para a construção das igrejas de são francisco, nossa senhora da conceição e santa luzia. “eu caso, celebro, batizo, faço tudo”, conta.

até por todo esse trabalho, dona francisca se sente querida pelos amigos e realizada por tudo que conquistou, apesar de ainda não se acostumar com são Paulo. “se o povo não tivesse morri-do tudo eu queria voltar para aurora. Meu ma-rido perguntava: ‘Mas tu ia deixar teus filhos?’ eu falei: ‘quando eu vim pra cá eu não trouxe nenhum, nasceram aqui’. São cinco filhos, to-dos muito bem casados. ‘tô’ feliz, não ‘tô’? ‘tô’ sozinha com o velho e meus amigos. Mas não gosto muito daqui não. gosto só do meu tra-balho. Mas eu sou feliz. ‘Pra’ que vida melhor? ‘Pra’ que riqueza maior do que essa? Você ser rico e não dormir sossegado com medo de la-drão? eu, na minha pobreza, ‘tô’ feliz da vida, gosto de todo mundo, ajudo todos. ‘Pra’ você ser feliz não precisa pensar em dinheiro não, trabalhe com amor, com sinceridade, hones-tidade e deus te dá tudo”, ensina.

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itaqueRa

é possível indicar que as origens de itaquera têm relação com a de são Miguel Paulista, embora não se possa afirmar com precisão a existência de um núcleo de povoamento como São Miguel Paulista apresentou na sua formação, como veremos mais à frente no capítulo desse bairro. uma das referências mais mencionadas em sites da internet, inclusive no da subprefeitura de itaquera, dá conta de uma carta de sesmaria de 1686, em que os índios de são Miguel Paulista são citados, bem como um rio chamado taquera1. no entanto, há também a versão de que o ano de 1675 remete a um primeiro documento referente à posse de terras na área de itaquera, que é o do inventário de fernando Munhoz, que teria sido o construtor da capela de são Miguel arcanjo2. silvio Bontempi registra, em seu livro sobre são Miguel3, que itaquera é conhecida desde 1620, ao ser citada no inventário de Violante cardoso como um pedaço de terra situado em “taquera”.

há outras menções à itaquera, mas sempre muito nebulosas e pouco elucidativas, devido à falta de documentos categóricos sobre a origem desta região. isso faz com que se tenha, inclusive, poucos registros históricos até o final do século XIX. Do que se sabe é que boa parte da região era conhecida como caguaçu e serviu, assim como em guaianases, como rota de passagem para quem saía e chegava à Vila de são Paulo, especialmente durante o período de descoberta de ouro nas Minas gerais4. não é a toa que alguns registros em sites sobre o bairro comentam que o local era conhecido como “Paragem de itaquera5”. caguaçu foi também nome de uma fazenda onde estiveram instalados os carmelitas, que, tal e qual no itaim Paulista, foram os donos de boa parte das terras de itaquera e do Parque do carmo. a agricultura era o principal foco dessa e de outras fazendas e pequenos lotes de terra com população precariamente instalada na região.

o fiM do isolaMento

diante disso, itaquera viveu isolada até o final do século XIX, devido a sua distância da metrópole e a falta de transporte e vias de acesso. o bairro vai começar a fazer parte de forma mais efetiva da história paulistana com a criação da estrada de ferro central do Brasil, em 1875. curio-samente, a estação foi inaugurada com o nome de são Miguel, pois esta era a vila mais próxima da estação. “quando foi

de Bairro-dorMitório a sede da coPa do Mundo

PEDRA DuRA?há várias versões para o nome “Itaquera”. A mais conhecida é “pedra dura” (Ita = pedra e quera = dura), pois a região de muitas pedras. Já no volume 24 destinado à Itaquera da série história dos Bairros de São Paulo, está que a palavra significa “pedra a dormir” (Ita + Aker). Segundo o pesquisador Jesus Matias de Melo, Itaquera quer dizer pedra velha, pois a palavra que viria após “Ita” seria “coera”, que significaria velha.

A Avenida Jacu-Pêssego é hoje uma das principais vias de acesso da Zona Leste e liga Guarulhos ao ABC paulista e ao litoral sul

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criada a freguesia da Penha, em 1776, toda essa região da Penha para leste pertencia a ela, até 1891, quando foi criado o distrito de Paz de são Miguel, que abrangia o itaim Paulista, ermelino Matarazzo, o lajeado (guaianases) e itaquera”, explica Matias de Melo.

Com a estação, que anos mais tarde ganharia o nome definitivo de Itaquera, uma população começa a se fixar ao redor da estação, assim como ocorreu em Guaianases, forjando uma região suburbana, cujo destaque para itaquera foi justamente a criação de chácaras, a partir da venda das terras por partes dos carmelitas, que foram loteadas para a alta sociedade paulistana que passou a adquirir lotes na região. um dos grandes loteamentos criados foi justamente onde hoje fica a Vila Carmosina, em 1919. “A região de Itaquera tinha clima bastante aprazível, ótimo para lazer, fim de semana. Com tudo isso, Itaquera não concordava em pertencer a são Miguel. então, em 27 de dezembro de 1920 foi criado o Distrito de Itaquera, que passou a ser Itaquera e Lajeado”, afirma Matias de Melo. Outro loteamento, neste caso, rural, foi chamado inicialmente de “colônia”, mas que, devido à maciça vinda de imigrantes japoneses ao local a partir dos anos 1920, acabou conhecido como “colônia japonesa”. a principal marca da produção dos colonos japoneses em itaquera foi o pêssego, tanto que uma das vias mais importantes do bairro foi chamada por anos de estrada do Pêssego6. a chegada dos japoneses vai reforçar a vocação agrícola de itaquera, enquanto que o núcleo ao redor da estação tem características mais urbanas. ao mesmo tempo, a região se firma cada vez mais como bairro-dormitório.

outra face bastante marcante de itaquera está atrelada ao seu nome: uma região composta de muitas pedras e, por isso, pedreiras foram instaladas – incluindo em guaiana-ses, como já visto em seu respec-tivo capítulo – que serviram, entre outras coisas, para a construção da catedral da sé. “o meu avô era es-panhol e ele veio para o Brasil para cortar pedras da pedreira para a construção da catedral. terminan-do a primeira fase da construção da catedral, ele foi chamado para cortar pedras para assentar os dor-mentes da ligação do trem que foi construída até Poá”, conta Marcos falcon, 60 anos, nascido e criado em itaquera graças à vinda de seu avô da espanha até a região.

Mesmo com os loteamen-tos, com a estrada de fer-ro e os muitos imigrantes que começaram a povoar o local, o bairro manteve suas características ru-rais até mais ou menos as décadas de 1950 e 1960. só havia quatro vilas, com desenvolvimento mais ou menos semelhante: a Vila dos campanelas, a Vila carmosina, a Vila corberi e a Vila santana. “nes-sa época itaquera ain-da tinha uma população pequena, não existiam

muitas casas de aluguel, havia mais minichácaras, casarios antigos, com famílias tradi-cionais na região. nem a estrada de itaquera, que era a avenida principal, era asfaltada. na Vila corberi, onde eu nasci, não tinha nem luz elétrica nessa época, era tudo à base do lampião. não existia supermercado, cada vila tinha o seu armazém de secos e molhados, vendiam arroz solto, feijão solto, dois tipos de macarrão. e galinha, essas coisas, quem tinha na sua casa o outro ia lá e comia galinha, ovo, havia hortas e um comprava do outro a verdura”, relembra falcon.

Bairro dorMitório Por eXcelÊncia

a partir da década de 60 do século XX, a cidade de são Paulo sofreu um processo violento de expansão, por meio de loteamentos periféricos e de construção de casas pelos próprios moradores. itaquera acompanhou esse fato, só que, como em toda a zona leste, sem a infraestrutura necessária, provocando um crescimento descontínuo e o surgimento de favelas. nesse contexto de amplo clamor social que surge a obra social dom Bosco em 1981, um ator relevante do bairro, para atender os mais necessitados de itaquera e guaianases nos mais variados serviços. e o que vai aumentar exponencialmente a população de itaquera e consolidá-la como um bairro-dormitório é a criação, nos anos 1970 e 1980, dos conjuntos habitacionais, que começaram com a cohab i, na região do artur alvim, e logo foram para a cohab ii, na região conhecida como José Bonifácio, a cohab iii, e demais conjuntos de guaianases e o mais famoso de todos, o da cidade tiradentes. como o objetivo era produzir habitações populares a preços acessíveis, a região foi escolhida porque possuía terrenos baratos7.

PERSONAGENS DO BAIRROFalcon destaca algumas pessoas marcantes na sua infância. uma delas foi a espanhola Dona Natividade, que, entre os anos 1930 e 1960, fez o parto de praticamente todo mundo que nasceu na região, inclusive o dele. Outro era o Seu Gabriel, do táxi, o único veículo no bairro nos anos 1950. “Quem quebrava um braço, uma perna, ou mesmo o parto, ou tinha que fazer alguma outra coisa, o táxi dele, um Ford Preto, ia buscar as pessoas em casa”, conta. Seu Gabriel foi também o primeiro a implantar uma linha de ônibus na região. “A linha fazia das chácaras japonesas até a estação de trem. Depois ele comprou outro ônibus que ia até o Parque Dom Pedro II”.

Templo japonês em Itaquera preserva a história da colônia no bairro

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a construção das cohab’s coloca novos problemas em pauta e, um dos mais relevantes, é a falta de identidade com o novo lugar, que até há pouco tempo não existia. “os conjuntos habitacionais em Itaquera e em Guaianases significaram um processo de massificação, em que as pessoas não sabiam onde viveriam. aí a contundência e a violência de políticas habitacionais de grandes massas fazendo convergir gente de vários lugares que não se reconheciam como parceiras. é uma redefinição desses espaços, e da neutralização de suas identidades anteriores, inclusive pela quantidade de gente que é movida para essas áreas e que não pertencia a elas anteriormente, numa circunstância de produção da habitação também muito novas para todas elas”, analisa a professora de Geografia da USP, Amélia Damiani, que fez seu doutorado sobre a criação da Co-hab i. “todos os apartamentos eram parecidos, a chave de um apartamento fazia com que você pudesse entrar no outro, as pessoas não conseguiam identificar direito onde moravam, abriam um apartamento que não era seu. o processo de retomar formas identitárias foi longo, dependeu da constituição de movimentos sociais, sindicais, da igreja, e como a quantidade de população mudava de tamanho rapidamente você imagina a luta que foi para todos eles entenderem a nova situação, tomarem o pé da própria história nessa nova circunstância”.

outro problema premente para essas novas populações era a questão de infraestrutura e equipamentos públicos, já que primeiro pensou-se em construir as habitações e depois em levar os demais elementos que compõem um lugar para a moradia. Mesmo com o governo, após anos e muitas lutas sociais, resolvendo atender os reclames populares, faltava espaço. e isso ocorreu devido a uma maquiaveliana mudança dos projetos. “se você olhar o código de edificações do conjunto habitacional é uma coisa assustadora, de início era 60% de habitações residenciais para 40% de outras áreas, institucionais, verdes. Logo eles alteraram isso e ficaram 80% de áreas residenciais e 20% para institucionais. então, de itaquera ia (cohab Pe. Manuel da nóbrega) era 80% por 20%, sendo diferente da cohab Pe. anchieta que era 60% por 40%, teve mudança no processo de construção das cohab’s. ou seja, como não chegava logo a escola, o posto de saúde, essas estruturas que foram idealmente pensadas de início no projeto passaram a ser densificadas com novos usos residenciais”, observa Amélia Damiani.

noVas PersPectiVas

agora, já no novo milênio, a região de itaquera, que já se de-senvolveu bastante e é um dos principais bairros da zona leste, parece receber uma atenção maior, especialmente do poder público. obras são anunciadas a todo o momen-to, com incentivos fiscais para empresas se instalarem na região, com uma promessa de melhorias para a população local. a primeira novidade e mais conhecida é a construção do estádio do corinthians no terreno de uma das antigas pedreiras, e que promete ser o palco de abertura da copa do Mundo de 2014. além disso, no terreno ao lado projeta-se a construção de um fórum, de uma fatec/etec, um senai, uma rodoviária, centro de convenções,e muitas ou-tras coisas, apenas na região em volta da estação itaquera do Metrô. sem falar no rodoanel leste, na operação rio Verde-Jacu e nos planos da cPtM de fazer uma linha de veículo leve sobre trilhos ou pneus – ainda não foi definido o modal a ser escolhido – que ligaria o aBc à guarulhos cortando a zona leste e passando por itaquera.

tudo isso abre uma perspectiva de esperança para o bairro, de finalmente afastar sua característica de dormitório e fazer parte mais fortemente da eco-nomia e do desenvolvimento paulistano. e também para a zona leste, que almeja receber mais atenção e investimentos relativos ao seu tamanho, desenvol-tura e contribuição de seus moradores para a cidade. ao mesmo tempo, coloca uma inquietação por parte de especialistas, pois, com o crescimento do inves-timento público e privado, o bairro será valorizado, inviabilizando a permanência das classes mais po-bres na região. “o local vai ficar mais caro para elas continuarem morando lá, essas novas reestrutura-ções urbanas significam que os antigos moradores tenham que morar nas periferias mais distantes, é uma redefinição imensa do lugar de moradia, não só da zona leste, mas de toda a metrópole”, alerta a professora amélia.

Conhecida como COhAB II, o Conjunto habitacional José Boni-fácio foi o segundo a ser inaugurado

Parque do Carmo e a

sua antiga fazenda

reúnem a maior reserva

de Mata Atlântica

preservada da Zona Leste

Notas

1leMos, amália inês geraiges de; frança, Maria cecília. história dos Bairros de são Paulo: itaquera. Vol. 24. são Paulo: departamento do Patrimônio histórico, 1999.2idem, p. 23.3BoMteMPi, sylvio. história dos Bairros de são Paulo: o Bairro de são Miguel Paulista. são Paulo: Prefeitura do Município de são Paulo, 1970.4leMos; frança, op. cit., p. 24.5_____. histórico da região. Portal itaquera, s/d. disponível em: http://www.itaquera.com.br/viewpage.aspx?id=1742059194. acesso em: 26 set 2011.6_____. uma região forjada a duras pedras. são Paulo Minha cidade, s/d. disponível em: http://www.saopaulominhacidade.com.br/bairros_itaquera.asp. acesso em: 26 set 2011.7leMos; frança, op. cit., p. 81.

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uM sonhador que luta

em uma tarde ensolarada na Vila corberi, a poucos metros da estação itaquera do metrô, está a rua nicolino Mastrocola, como tantas outras da periferia paulistana. Bem, seria uma rua comum não fosse por um detalhe evidente por quem anda por ela: uma pista de atletismo pintada por vários metros de sua extensão. Mais surpreendente do que isso é saber que ali, todos os dias, um jovem de 39 anos movido pelo sonho de transformar a vida das pessoas, estimula garotos e

garotas a treinarem corrida e, por meio do esporte, serem uma estatística a menos no mundo das drogas e do crime. francisco carlos da silva, conhecido como fran, é o idealizador do projeto. sua história se confunde com a de tantos moradores da zona leste, de são Paulo e do Brasil: uma vida bastante sofrida, mas que os obstáculos foram ultrapassados com muita superação e esforço. sem pai, fran foi criado pela mãe, pela tia e avó. todas analfabetas. sua mãe, dona francisca, foi embora de São Paulo para ter o filho em Potengi, no Ceará. Dois anos depois, voltou para a capital paulista e cuidou da família com muita dificuldade. “Minha mãe trabalhava arduamente, dia e noite, e sofria muito porque várias vezes ela pegou o ônibus errado por não saber ler. eu ouvia muito a minha avó – que morreu aos 96 anos – dizer que ser pobre não é vergonha ‘pra’ ninguém, vergonha é você roubar o que é dos outros. uma pessoa que passou por três secas no nordeste e que dizia que tinha orgulho de ter pedido esmola ‘pra’ criar os filhos, passar esse conceito que você tem que ser honesto ‘pra’ ser alguém na vida. eu fui crescendo com isso na minha cabeça”, lembra.

O problema é que as dificuldades aumentavam e Fran, que já alcançava os 13 anos, achou que o melhor era parar de estudar e arrumar um emprego. Mas sua mãe pediu para que ele continuasse estudando, com a esperança de que seu filho pudesse mudar a vida de sua família. “Então eu fiz um juramento de que ia mudar a minha vida por meio da escola, fazia questão de ser o primeiro aluno da sala de aula, de estudar que nem um maluco, ‘pra’ poder tentar realizar o sonho da minha mãe”. Em meio às dificuldades, Fran foi percebendo que gostava muito de praticar esportes. Apesar dos seus 1,69 de altura, ele jogava no gol no futsal. também praticava corrida e artes marciais. o que o ajudou a ter um salário que desse para ajudar sua mãe. anos mais tarde, esses dons iam ajudá-lo a mudar definitivamente a sua vida. “Com 23 anos a minha noiva ficou grávida e eu pensei: ‘agora eu tenho que correr atrás, não sou mais responsável por mim, agora ‘tô’ botando um filho no mundo. ele não pode passar o que passei na minha infância’. foi quando eu resolvi entrar na faculdade. só que eu ganhava 390 reais por mês e pagava 350 de aluguel. Mas eu sempre ouvi minha avó falar: ‘que nossa senhora aparecida te proteja’. sempre fui muito bem abençoado, então achava que deus ia dar um jeito na minha vida. e quando eu cheguei na faculdade eu vi uma faixa ‘100% de bolsa para atletas’: poxa é a luz que eu pedi a deus. eu participei de uma peneira, competi com 480 inscritos e fiquei entre os 12, e eu passei a receber uma bolsa de 100% da faculdade. Eu me formei na área de informática e percebi que o esporte começou a abrir uma série de janelas ‘pra’ mim. e eu vi também que poderia servir de exemplo ‘pra’ outras pessoas”, conta.

Em 1998, Fran largou a prática competitiva para ficar mais próximo da família. Mas como gos-tava de futsal, ele e amigos criaram o Kauê futsal, em homenagem ao filho que tinha três anos. só que, junto com o time, fran passou a fazer vários trabalhos sociais na comunidade onde mora. Vendo esse empenho de fran, um amigo sugeriu que fosse criada uma entidade para intensificar esses trabalhos. E assim foi criada a Associação Esportiva e Cultural Kauê, sem parcerias governamentais, apenas com o esforço pessoal e de amigos que se encantam pelo projeto. hoje a entidade tem sede e, com a reciclagem de equipamentos eletrônicos, até uma sala de computação, além de atividades físicas para a terceira idade. Mas a principal atividade é o treinamento de corrida para adolescentes, feito três vezes por semana à noite, na mais com-pleta escuridão. “nosso sonho é o de transformar a vida das pessoas por meio do esporte, da inclusão social. e tudo isso transcende essa coisa de você preparar a criança no asfalto, porque vai contra todas as regras do esporte. um atleta de alto rendimento tem que treinar numa pista oficial. Mas a gente conseguiu botar na cabeça das crianças que essa pista que pintamos na rua é o trampolim para uma mudança na vida delas”. como exemplo e motivação para fran, e para os jovens atletas, dessa rua de atletismo já saíram dois garotos que hoje competem pelo esporte clube Pinheiros. rafael e andré já ganharam cam-peonatos e são o orgulho do projeto. ao falar do título brasileiro de rafael nos 1.500 metros quando tinha 17 anos, fran se emocionou. “Meu sonho é um dia montar em 2016 um telão no começo dessa pista onde ele começou a correr, sentar todo mundo da comunidade, como se fosse um jogo de copa do Mundo, vê-lo correr e falar que saiu daqui”, diz o sonhador fran. isso alimenta a alma para manter sua iniciativa com os jovens. “a gente tenta passar ‘pra’ mole-cada que vão existir dezenas de pedras no ca-minho, foi assim comigo, mas elas nunca foram obstáculo, foram combustíveis para chegar aon-de cheguei”, afirma. Hoje, com uma vida um pou-co melhor do que no passado, ele conseguiu até comprar uma casa para a sua mãe, cumprindo o sonho antigo dela. E mesmo com as dificuldades diárias, fran mantém sua luta, até como uma forma de agradecimento ao bairro. “eu tenho um sentimento de gratidão às pessoas que lá atrás deram um pouquinho do seu tempo ‘pra’ gente. faço isso por amor ao bairro. eu nasci e cresci aqui, tenho orgulho de ser um cara de itaquera, de ser um ‘pedra dura’”.

NúMEROS DE ITAQuERAárea (km²): 14.64 População (2010): 204.871 Densidade Demográfica (km²): 14.924,56 O QuE FAZER EM ITAQuERA

Parque do carMo/festa da cereJeira seMPre eM agosto

av. afonso de sampaio e souza 951

tel. (11) 2748.0010

Parque e casa de cultura raul seiXasrua dos Murmúrios da tarde 211, cohab ii

tel. (11) 2527.4142 (parque) e (11) 2521-6411 (casa

de cultura)

Planetário do carMorua John speers 137, itaquera

tel. (11) 6522.8555

www.prefeitura.sp.gov.br/astronomia

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cidadetiRadentes

com mais de 40 mil unidades, a cidade tiradentes é o maior conjunto habitacional da américa latina, reunindo mais de 200 mil habitantes. não é a toa que o distrito ganhou uma subprefeitura própria para si, desvinculando-se de guaianases em 1 de agosto de 2002, por meio da lei nº 13.3991. Mas, antes disso, o bairro era constituído por uma fazenda, chamada Santa Etelvina, uma área composta de chácaras de fim de semana e veraneio da classe média, e algumas pequenas fazendas que compunham uma face rural bem distinta do que viria a ser o local nos anos seguintes2.

Para entender o surgimento da cidade tiradentes, no entanto, é preciso voltar um pouco no tempo, à criação da companhia de habitação de são Paulo (cohaB-sP), ocorrida em 1965 – já na época da ditadura militar – como plano do governo de massificar o acesso à moradia e tentar diminuir o déficit habitacional que crescia cada vez mais, principalmente com a chegada de migrantes vindos de diversas regiões do País, fato que empurrava a cada dia populações para os extremos da cidade, à procura de um pedaço de terra para morar.

é somente nos anos 1970, quando o órgão passa a receber grandes somas de verbas do sistema financeiro de habitação e do Banco nacional de habitação, que o projeto deslanchou. “nesse período a cohab resolveu comprar enormes glebas de terra na zona leste, aproveitando a possibilidade da constituição de uma megalópole rio-são Paulo. isso fez com que a zona leste ingressasse esse processo de urbanização vivido na cidade. aquelas terras não estavam incorporadas no mercado de terras urbano, eram mais baratas. então a cohab comprou essas terras, para que fosse feito esse mega projeto de construir conjuntos habitacionais. Pensou-se assim: ‘se é para resolver o déficit habitacional, vamos fazer prédios porque eles adensam o uso do espaço’; ou seja, é possível fazer para milhares de pessoas. foi a partir daí que a fazenda santa etelvina foi adquirida pra fazer esses conjuntos habitacionais da zona leste, que é a região que mais tem esses projetos de Cohab e CDHU no município de São Paulo, até hoje”, afirma Márcio Rufino Silva, mestre em Geografia pela USP com uma dissertação sobre a Cidade Tiradentes.

de acordo com simone lucena cordeiro3, que teve a cidade tiradentes como tema de seu doutorado em história social pela Pontifícia universidade católica (Puc-sP), a cohab justificava a escolha de lugares distantes pelo objetivo de destinar as residências do tipo bairro-dormitório às parcelas mais pobres da população. Pesquisando as leis municipais que deram as diretrizes para o funcionamento da cohab, a pesquisadora relaciona a opção de construir conjuntos habitacionais em áreas remotas da cidade dedicadas às pessoas de “baixa renda” com um contexto de remoção de cortiços, favelas e moradores

uM Bairro de desBraVadores

O maior conjunto habitacional da América Latina é também o mais diverso em suas formas

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em situação de rua. ou seja, afastar das regiões mais visíveis aqueles que não tinham condições financeiras favoráveis para permanecer ali. é preciso ressaltar, entretanto, que, no princípio, a grande parcela de pessoas que se mudou para a cidade tiradentes o fez para fugir do drama do aluguel e realizar o sonho da casa própria.

os eXPloradores da noVa cidade eM forMação

os primeiros moradores de cidade tiradentes podem ser considerados verdadeiros desbravadores, comparados aos bandeirantes que fizeram várias incursões pelo interior do Brasil nos primeiros anos de sua história. a comparação pode parecer um tanto quanto exagerada, mas cabe, quando conhecemos a história da auxiliar de enfermagem aposentada, Therezinha Cecília da Silva Lira, 58 anos, que chegou com o marido e quatro filhos em 1984. “Eu fiz inscrição para a Cohab, mas eu tinha ideia de ir para Artur Alvim, Cohab-II. Quando me chamaram eu fiquei abismada, porque era tudo mato, tinham alguns prédios, apenas uma escola. eu morava de aluguel, mas era uma casa grande. de repente me mostraram um cubículo, beliche aqui e ali, uma portinha para entrar. eu falei que não queria. aí o rapaz falou para eu esperar pela casa. em uma semana me chamaram para a casa embrião, que era um ‘embrulhão’. Porque era muito pequena. era um quarto-sala, cozinha e banheiro. eu tive que desfazer de tudo o que eu tinha porque não cabia. colocamos o guarda-roupa, a cozinha, a beliche, meus filhos dormiam dois em dois. Daí eu respirei e falei: ‘vou para a minha casa’”.

o mesmo aconteceu com claudio nu-nes de sousa, 45 anos, mais conhecido no bairro como tio Pac. “eu tinha uma visão assustadora de cidade tiraden-tes no começo dos anos 1980. eu tinha um parente que morava aqui perto no iguatemi e quando eu vinha olhava para o fundão aqui e era só mato, escuridão, me dava muito medo. eu falava: ‘nossa, pai, nunca quero ir ao outro lado’. Mas, com o desejo de sair do aluguel, meu

pai fez uma inscrição na cohab, em 1981, e dois anos depois saiu a casa. no começo não tinha infraestrutura nenhuma, só tinha um aglomerado de casas e prédios. acho que só tinha uma linha de ônibus que operava aqui e umas peruas de lotação movidas à gás. quando eu mudei para cá eu trabalhava na lapa e pegava essa perua até guaianases para tomar o trem até a lapa. quando a perua não pegava fogo. era tudo clandestino. tinha uma outra linha que ia para são Mateus, era terminal Vila carrão-cidade tiradentes, demorava em torno de uma hora para chegar lá”, conta tio Pac, que tem uma ong e trabalha com projetos de audiovisual no bairro.

aliás, essa é uma marca dos conjuntos habitacionais: primeiro se faziam as residências e depois se pensava na infraestrutura ao redor. “a cidade tiradentes é só concreto. não tem uma praça pública, os prédios não têm playground. Às vezes, os próprios moradores criam o seu comércio ao lado das casas. não tem espaço para mais nada, o que complica as relações entre os moradores. Um morador que está nesse prédio tem dificuldade de interagir com outros na comunidade, tudo se limita à escada. e no acesso às ruas não tem uma padaria, uma venda, uma coisa que distribua o espaço de convivência social e cultural. é uma cidade de pedra, que limita esses espaços”, considera simone lucena cordeiro. no texto acadêmico, ela afirma que a construção daqueles conjuntos habitacionais reforçou a segregação aqueles moradores em relação à cidade, complicando o próprio convívio entre eles4.

ao longo dos anos, porém, a infraestrutura tão sonhada pelos moradores foi sendo tra-zida, mesmo que aos poucos. e por meio de muita luta da comunidade. “havia uma in-serção política dos moradores, organizados como movimentos sociais urbanos, para que suas ações acontecessem de uma forma que lhes assegurassem uma certa infraestrutura urbana”, afirma a professora de geografia da usP, amélia luisa damiani. “a cidade tira-dentes é historicamente constituída de participação popular, de muitas lutas. a cohab veio, foi feito esse conjunto habitacional, composto de várias fases e sem equipamentos públicos, nada. Mas muitas organizações vieram, já com experiência, gente do movimento popular, de diversos segmentos, hip hop, movimento cultural, escola de samba, até time

ANIVERSáRIOO primeiro conjunto habitacional construído foi o de nome Cidade Tiradentes, com extensão aproximada de 15 quilômetros, inaugurado em 21 de abril de 1984, data cívica nacional que homenageia o insurgente mineiro Tiradentes e marca a fundação do bairro.

Garagens construídas

nos terrenos dos prédios

são trans-formadas

em comércio improvisado

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de futebol. e aqui, hoje ainda, continua ten-do movimento. claro que estamos tendo um dissenso nas lutas sociais, mas aqui ainda é o lugar que mais fervilham os movimentos, seja por transportes, por saúde, seja mesmo por vagas em escolas da educação infantil”, afirma o professor da rede municipal de en-sino, e morador do bairro, João galvino.

um problema característico que permanece no lugar é o da cidade tiradentes ter crescido além de suas unidades formais, não tendo conseguido absorver uma camada cada vez maior de gente que chegava até o bairro, o que acabou criando novas formas de moradia, especialmente as favelas no entorno dos prédios e casas construídas pelo poder público. “Muitas pessoas que vinham de outras cidades e tentavam participar do processo seletivo da cohab e mesmo da cdhu não conseguiam, porque você tem que ter residência fixa de no mínimo cinco anos em são Paulo. apesar de o projeto ter boas intenções no sentido de alcançar essa população mais desfavorável, ele acabava também excluindo pessoas que gostariam de ter suas moradias”, observa simone cordeiro.

Vida PróPria

a cidade tiradentes parece ter uma dinâmica própria, de um bairro que pulsa, que está sempre em pleno movimento, em constante mudança. Melhora uma coisinha aqui, uma coisinha ali. Parece ainda viver nos seus primeiros anos de bairro povoado, em que o povo precisou “correr atrás”. sempre há o que aprimorar. “tem coisas que o estado tem que pensar em fazer mais. em relação ao audiovisual, oficinas de vídeo, cineclube, coisas culturais em geral, teatro... dá a impressão que a gente da periferia não consome cultura. além da gente produzir a gente consome, isso que eu queria que o estado entendesse. cultura para os caras é só show de funk, só”, critica tio Pac, ao mesmo tempo em que se assombra com a evolução ocorrida no bairro.

“aqui é uma cidade dentro de uma própria cidade. Você anda o dia inteiro aqui e não conhece tudo. eu acho isso muito louco. eu não acreditava que a evolução chegaria tão rápido aqui. tem etec, dois ceu’s, telecentros. eu participava de algumas coisas e achava que os caras estavam todos doidos, falando de monotrilho. quem diria! cidade tiradentes é o bairro mais servido pelo transporte público. todo mundo reclama, mas, meu, quantas linhas tem aqui dentro?”, pergunta tio Pac, admirado com tanta novidade. o monotrilho de que ele fala é um metrô de média capacidade que vai andar por meio de estrutura em elevado e pretende carregar 500 mil pessoas/dia, ligando o bairro e boa parte sul da zona leste até a estação de Metrô Vila Prudente, da linha 2-Verde. sem falar

no trecho do rodoanel leste que está em construção e deverá ter conexão com o bairro e, principalmente, no estádio do corinthians, que está sendo construído em itaquera e que receberá o pontapé inicial da copa do Mundo de 2014, o que faz voltar às atenções do mundo para a região, na qual a cidade tiradentes está próxima.

não é à toa que os olhos do poder público estão cada vez mais para os extremos da zona leste, o que só aumenta a surpresa e a felicidade de quem vive no bairro desde os seus primórdios. “eu jogo na tele-sena e meus netos perguntam: ‘Vó, o que a senhora vai fazer se ganhar?’ eu digo sempre que eu derrubo essa casa, faço outra e fico aqui mesmo. não saio desse cantinho, porque é um cantinho que a gente adquiriu com muito sacrifício. a gente hoje tem o Metrô já. as áreas de atendimento foram chegando, posto de saúde ninguém tem hoje igual ao cidade tiradentes. ainda tem muitas coisas a serem resolvidas, mas com o conselho da saúde, conselho gestores de educação, que tem aqui dentro, isso tudo tá dando vazão para a comunidade participar e ajudar uns aos outros”, crê dona therezinha. “Às vezes, eu fico uma, duas semanas fora daqui e fico assim ‘pô, mano, tenho que voltar ‘pro’ bairro’. não consigo ficar longe. eu fiquei no rio de Janeiro duas semanas, era para ficar um mês. disseram: ‘ah, tio Pac, tem que produzir’. eu disse: ‘não, mano, eu vou embora, volto daqui dois meses, mas deixa eu voltar ‘pro’ bairro’”.

MAR DE PRéDIOSCompõem hoje a Subprefeitura da Cidade Tiradentes nada menos do que 16 conjuntos habitacionais diferentes, sem contar as casas, autoconstruções e favelas ao redor.

Notas

1cordeiro, simone lucena. cidade tiradentes e cohaB: Moradia Popular na Periferia da cidade de são Paulo – Projetos e trajetórias (1960-1980). são Paulo, 2009, 213 f.. doutorado em história social – Pontifícia universidade católica de são Paulo.2SILVA, Marcio Rufino. “Mares de prédios” e “mares de gente”: território e urbanização crítica em cidade tiradentes. são Paulo, 2008, 253 f.. Mestrado em Geografia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da universidade de são Paulo.3cordeiro, op. cit., p. 42.4idem, p. 152.

Tiradentes não tem

só prédios, como mostra

o Parque Municipal da Consciência

Negra

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uMa guerreira entre guerreiros

Visualize em sua mente uma área verde de mata fechada, uma fazenda. agora, imagine que essas árvores foram derrubadas e substituídas por centenas de prédios e casas exatamente iguais uns aos outros. e lama. Muita lama. sem escolas, posto de saúde, creche, mercado. com ônibus a cada três horas. imagine que você vai morar nesse lugar. e não conhece ninguém. na porta do recente bairro, policiais com armas em punho e caras

amarradas a parar cada veículo e pessoa que tentava entrar. documentos são pedidos. “cadê o contrato? ah, tá liberado. Pode passar”. o que você pensaria em chegar a um lugar assim, sabendo que ali seria a sua moradia para o resto da vida? dalva fátima dos santos, 55 anos, a quarta moradora do setor a da cidade tiradentes, não teve outra sensação ao chegar com sua família no extremo da zona leste, em 1984: “foi um horror. eu me senti em um campo de concentração. eu vinha de santana, só que não chegava. eu falava para o motorista: “tá longe?”. ele dizia: “não, ‘tamo’ chegando”. só tinha uma entrada, que era fechada com madeiras de tapume. os policias paravam os caminhões. e quando eu entrei o impacto foi horrível. quando eu vi aquelas casas todas iguais, sabe, um horror”.

dalva vivia com o marido roberto na casa da sogra, no alto de santana, zona norte de são Paulo. com o sonho da casa própria, se inscreveram na cohab para adquirir uma residência no grajaú, extremo sul da cidade. só que as vagas acabaram e a cohab informou que não haveriam mais construções ali. sobraram duas opções: sapopemba e itaquera. “eu falei: ‘sapopemba não’. e itaquera eu achava que seria no centro de itaquera, não aqui”, conta dalva. o mais “curioso” é que, antes de virar distrito – hoje tem até subprefeitura – a cidade tiradentes pertencia à guaianases, não à itaquera.

o início da vida na cidade tiradentes foi bastante duro, não só para a família da dalva, já que todos os equipamentos públicos e infraestrutura vieram aos poucos, meses e anos após centenas de moradores terem se instalado no bairro. “se a gente quisesse alguma coisa tinha que ir até guaianases. depois começou a vir uma pessoa com uma perua pela manhã para vender as coisas. Minha intenção era ir embora logo. Mas, sabe, não tinha condição financeira”.

Com o destino definido na sua morada, Dalva lutou com os moradores pelo cumprimento das promessas feitas. “quando a gente veio pra cá, eles falaram que aqui teria escola, ônibus, tudo o que a gente precisasse, só que a realidade não foi essa. e as prestações eram tão caras, que a gente parou de pagar, então houve um movimento da população, todo mundo juntou os carnês, cada um deu um pouco de dinheiro, compramos um caixão, colocamos as prestações no caixão para entregar na cohab. foi aí, então, que eles chamaram todo mundo, montaram escritório da cohab aqui ‘pra’ renegociar a dívida e cada um dizer o quanto poderia pagar”.

NúMEROS DO DISTRITO CIDADE TIRADENTESárea (km²): 15.12 População (2008): 242,077 Densidade Demográfica (km²): 16.009,03 O QuE FAZER NA CIDADE TIRADENTES

Parque MuniciPal da consciÊncia negrarua José francisco Brandão, 320, cidade tiradentestel. (11) 2285.1940

Parque da ciÊnciarua ernestina levina, 266, conjunto habitacional santa etelvinatel. (11) 2282.2579

segundo dalva, outro problema era a discriminação. “Você falava que morava na cidade tiradentes, o pessoal se encolhia inteirinho perto de você. táxi então... uma vez em são Mateus eu estava com meus filhos pequenos e tentei pegar um táxi e o motorista perguntou: ‘Pra onde?’ eu respondi: ‘cidade tiradentes’. ele falou: ‘Pode descer’. ‘Mas, senhor, eu ‘tô’ com criança’. ele falou: ‘eu pago ‘pra’ você descer’”. então a gente tinha que andar só de condução e o pessoal trazia de tudo no ônibus, vinha colchão, galinha viva, saco de arroz. no começo era pior porque o metrô só ia até o tatuapé. aos pouquinhos ele veio até chegar à itaquera a [avenida] aricanduva não tinha toda ainda. hospital mais próximo que seria o Planalto [localizado no centro de itaquera] foi inaugurado seis meses depois que a gente estava aqui. Olha, quem ficou aqui mesmo eu posso te dizer que foi guerreiro”.

E mesmo com todas essas dificuldades, a família precisava seguir a vida. Seu marido, feirante, passava o dia todo fora de casa. Já dalva precisava trabalhar para ajudar na renda mensal e, ao mesmo tempo, cuidar dos filhos. Então, ela abriu uma banca de jornal. A primeira da Cidade Tiradentes. Há 27 anos. “Ali eu criei meus filhos. Meu filho caçula, por exemplo, aprendeu a andar ali. Eu o amamentava enquanto atendia às pessoas. Todos os meus filhos vinham comigo e estudavam na banca. a gente vinha de manhã e passava o dia todo aqui, trazia ‘coberta’, comida. eu acompanhei a construção desses prédios [apontando para os edifícios à frente]”. Dalva se orgulha de todo o esforço feito para educar os filhos: “Eles não precisaram trabalhar. na minha casa não tinha nada, não tinha cadeira ‘pra’ sentar, não tinha sofá, não tinha televisão, mas estudar tinha que estudar. então tudo que eu ganhei foi investindo na educação deles, era roupa de um passando para o outro, roupa ganhada, roupa de brechó”. E o esforço foi recompensado, para a satisfação da mãe. Os filhos mais velhos estudaram em universidades públicas, o mais novo fez curso de informática no bairro e hoje trabalha em uma grande empresa do governo. toda essa história vivida no bairro é que mantém dalva ainda na cidade tiradentes, apesar de andar insatisfeita com os dias atuais, ainda que o bairro tenha se desenvolvido, bem diferente do sufoco que foi há 27 anos. “eu gosto da cidade tiradentes. Mas penso em mudar, porque é meu direito de viver num lugar melhor. e as pessoas mudaram. o bairro foi perdendo identidade. Mas não quero desfazer da minha casa. eu tenho esse apego com a minha casa porque eu criei meus filhos aqui, eu tive essa condição, que em outro lugar eu não teria”, reflete.

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são mateus

as origens da cidade são Mateus remontam ao século XiX, época em que existia no local a fazenda são francisco, de propriedade de João francisco rocha, onde se criavam cavalos, carneiros e bois1. em 1842, a fazenda foi comprada por antônio cardoso de siqueira. lá pelos anos 1940, o lugar era conhecido como fazenda rio das Pedras e pouco ou quase nada havia por aquelas terras. ela foi dividida em glebas e o italiano Mateo Bei comprou uma delas, com o objetivo de por em prática o seu desejo de criar um bairro nobre, repleto de chácaras e casas de veraneio, em uma região afastada. com esse desejo em mente, comprou 50 alqueires de terra e loteou no ano de 1946. “no início, a ideia do imigrante não deu muito resultado, pois ninguém queria morar a quatro horas do centro da cidade. o jeito foi criar facilidades para atrair moradores: cada família que adquirisse um terreno ganhava quinhentas telhas e dois mil tijolos2”.

com a vontade de transformar o bairro em algo atrativo para as pessoas, ruas começaram a ser abertas por nildo gregório da silva, funcionário de uma empresa de terraplanagem de são Miguel Paulista, que fez o trajeto entre os bairros santos durante três anos, até concluir o trabalho solicitado por Mateo Bei. uma das obras foi a abertura da avenida Mateo Bei, que virou ponto de referência do bairro e leva o nome do fundador do bairro, além da antiga avenida caguaçu, atual rio das Pedras. com as ruas criadas, era preciso comércio para desenvolver o bairro e atender aos novos moradores. em 1948 o caboclo natalino negrão dos santos instalou o primeiro armazém de alvenaria na avenida Mateo Bei3. um pouco mais à frente, o nordestino Manoel cabral abriu o primeiro bar. dois anos depois uma padaria chegou a são Mateus, de propriedade do português Manoel amorim, além da barbearia do João coelho e do bar do violonista e seresteiro, José Martins. as ruas, no entanto, ainda não eram asfaltadas, o que aumentava a dificuldade de transporte pela região, principalmente

quando chovia. Já havia também o empório do Eustáquio e o do Maninho, também em fins de 1940 e início de 19504.

Mesmo com algumas atividades, o “progresso” demorou a chegar a são Mateus, mantendo na região um clima rural. as pessoas iam caçar pela grande área de Mata atlântica que cobria aquelas terras. o rio aricanduva, que nasce por ali, era cristalino e muitas pessoas pesca-vam nele. esse cenário brejeiro existia, princi-palmente, porque essas paragens sofriam da dificuldade de acesso. Nem ônibus chegava

a fazenda que cresceu coMo uMa cidade

hOMENAGEM AO FuNDADORO nome Cidade São Mateus foi escolhido pelo filho de Mateo Bei, Salvador Bei, em homenagem ao pai, morto em 1956, que fundou o bairro. O termo cidade teria sido empregado porque todos da Família Bei acreditavam que o bairro um dia se transformaria em uma grande cidade.

Avenida Mateo Bei: o núcleo de formação do bairro

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ao bairro. após reivindicações dos moradores, uma linha de ônibus entre são Mateus e o largo do carrão foi criada. Mas ela funcionava de forma precária, pois o português que diri-gia o coletivo parava para o almoço e só retornava após as 16h, depois de tirar uma soneca embaixo da árvore de frente para a sua casa5. sendo assim, as pessoas tinham que andar cerca de 12 quilômetros do bairro até o largo do carrão, até que, após muitas passeatas e protestos, uma linha foi instalada e a rio das Pedras, melhorada.

o bairro começou a receber mais popula-ção a partir dos anos 1950, com a implan-tação da indústria automobilística na re-gião do aBc paulista, muito próxima a são Mateus, e que necessitou de muita mão de obra para o desenvolvimento dessa nova fase de industrialização brasileira. outro evento que possibilitou uma aceleração da ocupação urbana em são Mateus foi a inauguração da refinaria de capuava6, em Mauá, em 1954, que constituiu ao seu re-dor um grande pólo petroquímico quase na divisa com são Paulo e o bairro de são Mateus. a conclusão de obras viárias que

proporcionaram a ligação com outras regiões também foram vitais para que a região fosse cada vez mais habitada. a abertura da avenida aricanduva até o bairro possibi-litou as ligações com a Penha e o tatuapé, além de conectar-se com a radial leste e a Marginal tietê. além disso, a extensão da avenida do estado por meio de santo andré, bem como sua ligação com são Mateus pela avenida Presidente costa e silva, aproxi-maram a região com o ipiranga e o aBc, além, claro, de Mauá.

esse processo foi consolidado nos anos 1980, com a inauguração de um corredor exclusivo de trólebus que conectou o bairro com a região do aBc e a zona sul de são Paulo. o corredor exclusivo de ônibus hoje passa por santo andré, são Bernardo, diadema e faz conexão com o corredor recém inaugurado que leva a pessoa até a estação de trem do Morumbi, na Marginal Pinheiros. Para o futuro, projeta-se que o monotrilho que está em obras na Vila Prudente alcance são Mateus no primeiro trecho do projeto que pretende levar o metrô de média capacidade em elevado até a cidade tiradentes.

o aumento da população proporcionou também com que parte dessas pessoas ocupassem, ao longo dos anos, áreas de morro e constituíssem favelas, sempre sujeitas a deslizamentos por causa da chuva, surgindo, posteriormente, as chamadas áreas de risco. “quando você vai para são Mateus, onde termina a avenida aricanduva, a realidade é de favela, cortes inadequados, solo exposto, cano direto no solo, que faz a água cair

direto na encosta. tudo isso vai saturando esse solo, deixando-o pesado, até ceder”, explica o geógrafo fabrizio listo, que estuda o rio aricanduva e fez em seu mestrado uma pesquisa aprofundada sobre um de seus afluentes, o córrego rapadura, que fica na região de são Mateus.

transforMações e lutas

em 1984, quando o bairro começava a se estruturar melhor e a ter uma face mais urbana, gildaia felipe Maia rocha, 54 anos, abandonara a Mooca onde morava com parentes para iniciar a sua vida de casada com o marido em são Mateus. era o ano de 1984 e, mesmo com um bairro mais desenvolvido, o começo foi difícil. “onde eu moro são oito sobrados e eu fui a primeira moradora. e quando nós compramos a casa, uns meses antes de casar, um tio meu falava que conhecia um colega que dizia que morar em são Mateus era perigoso. daí eu chorava muito porque meus parentes todos estavam na Mooca, eu não tinha muito contato com a família do meu marido. e ele saía cedo para trabalhar e eu ficava sozinha. Mas aí eu fui vendo que não era nada disso, as pessoas eram muito amáveis, meu marido saía cedo e nunca houve problema nenhum”, afirma.

após criar os filhos, gildaia passou a se envolver com as necessidades do bairro, participando do movimento de saúde da região, assim como várias outras mulheres que, até hoje, lutam por melhorias para são Mateus e para a zona leste. “com a ajuda da

DISTRITOApesar de São Mateus ter nascido com o objetivo de seu fundador em se tornar uma cidade independente, o bairro só foi reconhecido oficialmente pelo governo municipal no dia 19 de dezembro de 1985, quando foi criado o distrito de São Mateus. No mesmo dia, surgira o Distrito de Sapopemba. No entanto, o desejo de ser uma cidade nunca foi alcançado.

O terminal de ônibus de

São Mateus é a opção de

transporte público para a população

local

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comunidade, a gente foi buscando melhorar e eu acredito que realmente melhorou e muito”, diz. o mesmo pensamento tem Prudenciana Martins apariz, 66 anos, moradora do bairro desde 1966. “quando cheguei aqui não tinha nem posto de saúde. tinha só uma padaria, um açougue, uma farmácia. tinha também uma casa alugada que era o posto de saúde, mas não tinha médico, nem remédio ou vacina. Para dar vacina nas crianças mandava a gente na Penha porque aqui não tinha”, lembra.

e foi com muita luta que os postos de saúde passaram a ser equipados – hoje há as unidades Básicas de saúde no bairro – e até um hospital foi construído. inaugurado em 1991, o hospital geral de são Mateus é orgulho do movimento de saúde. “o povo levava tiro, se acidentava, e até chegar ao hospital do tatuapé morriam no meio do caminho porque era longe. então a gente resolveu lutar pelo hospital. nós fomos tantas vezes visitar o secretário de saúde que eu nem sei contar quantas. fomos de ônibus, de perua. a gente conversou muito, exigiu, discutiu e graças a deus o hospital ‘tá’ aí atendendo o nosso povo”, relata dona Prudenciana, orgulhosa do trabalho feito pela comunidade.

Notas

1Prefeitura do MunicÍPio de são Paulo. histórico. subprefeitura são Mateus, s/d. disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/sao_mateus/historico/index.php?p=438. acesso em: 17 out 2011.2Ponciano, levino. Bairros Paulistanos de a a z. são Paulo: senac são Paulo, 2001.3_____. são Mateus guerreiro: a histórica abnegação. in: diário Popular, são Paulo, 20 ago 1985.4op. cit., s/d.5op. cit., 1985.6Prefeitura do MunicÍPio de são Paulo. Base de dados para Planejamento – cadernos regionais – administração regional de são Mateus – serviços e equipamentos sociais. são Paulo: seMPla 1993.

histórias como essa revelam o tamanho da luta que foi para conseguir que são Mateus se trans-formasse na “cidade” que a família Bei sonhou nos primórdios do bairro. se não oficialmente, com certeza informalmente, no coração e no cotidiano de muitas pessoas que ali vivem a maioria dos mo-mentos de suas existências e procuram se desen-volver e fazer com que seu bairro cresça, apesar de todos os problemas que ainda rondam o lugar. a falta de emprego, moradia, a baixa renda fami-liar, a distância dos locais de trabalho, não aliviada por causa de o ônibus ser a única opção de trans-porte, são alguns dos desafios que se impõem aos moradores e ao poder público. Mas a semente foi plantada na antiga fazenda que se transformou em uma grande “cidade”.

Inaugurado em 1991,

o hospital Geral de São

Mateus é fruto da luta dos

movimentos de saúde da

região

Praça Felisberto Fernandes da Silva, mais conhecida como Largo de São Mateus

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Prudenciana e seu aMor Pelo Bairro

“eu tenho uma história aqui”. com essa frase, a paranaense Prudenciana Martins apariz, 66 anos, revela todo o amor que possui por são Mateus, um carinho que tem relação no seu envolvimento com o bairro desde os seus primeiros anos de zona leste.

natural de sertanópolis, no Paraná, na região de londrina, onde vivia em um sítio, Prudenciana estranhou o Bairro do limão, onde morou por dois anos tão logo chegou a são Paulo.

“nós chegamos com uma filha de dez meses e a gente foi morar no limão com alguns parentes. Mas se fosse para ter ficado no limão acho que eu não tinha ficado em são Paulo, porque lá era tudo muito individual, o povo não tinha amizade, eu sofri muito lá”, conta. e uma sugestão de um parente que morava em são Mateus ia modificar sua vida. “um parente meu puxou a gente pra cá. aí cheguei aqui vi aquele bairro começando, não tinha asfalto, não tinha água, não tinha luz, a água era de poço. e o povo era mais amigo, companheiro, mais parecido com a roça onde a gente morava”.

o principal fato, portanto, para dona Prudenciana ter se ambientado em são Mateus era com o aspecto de roça que o bairro ainda pouco urbanizado tinha em 1966. “a gente comprava leite de litros tirado da vaca, puro, não tinha feira, só tinha uma chácara que a gente comprava verdura”, lembra.

Mas esse clima de roça, com o passar do tempo, se mostrava difícil para seus recentes moradores. “quando eu cheguei aqui só tinha a Mateo Bei asfaltada e tinha acabado de asfaltar. a luz era ‘rabicho’ que puxava de uma casa para a outra. ‘Pra’ mim era bom porque me lembrava do tempo em que eu morava no sítio. Mas hoje em dia a gente vê que não é legal”, destaca. “a rua que a gente morava só tinha barro. um dia uma vizinha foi casar e tiveram que levá-la no colo até a Mateo Bei para tomar o carro e ir para a igreja, porque não entrava carro na rua quando chovia. era lama só”.

com pouco tempo de bairro, seu marido darcy apariz conseguiu um emprego na Mooca, onde trabalhou por 18 anos. o problema é que ele não gostava muito do bairro. tanto que ele pediu demissão do trabalho e a família rumou para rondônia, onde ficaram por sete anos com alguns irmãos e cunhados que lá residem.

“Mas aí eu é que não gostei e quis vir embora. rondônia foi muito ruim para mim. são Mateus era o único lugar do meu coração”, confessa Prudenciana. ainda hoje o marido demonstra o desejo de voltar para rondônia, mas isso não atrapalhou o casamento que completou 50 anos recentemente e que resultou em três filhos e quatro netos. “ele não

acostumou muito não, mas pra lá eu não volto mais. ele quer voltar de qualquer jeito, mas para rondônia eu não vou não”.

como o bairro tinha pouca estrutura desde seu princípio, foi preciso uma grande mobilização dos moradores para reivindicar por benfeitorias, como em praticamente toda a zona leste. segundo ela, a chegada de alguns padres de fora do País e a maior participação social contribuiu para que a população se reunisse em busca de melhorias para o bairro. “o padre começou a trabalhar em conjunto para comprar sacos de alimentos e dividir entre as pessoas”, relata.

o passo seguinte foi aglutinar os movimentos sociais em áreas específicas para reivindicar diversas benfeitorias para são Mateus e arredores. “a gente construiu são Mateus na luta do dia a dia. nós fizemos várias comissões, um foi para o asfalto, outro para a moradia, luz, e eu fiquei na área da saúde onde estou até hoje”, conta Prudenciana, que é voluntária do hospital geral de são Mateus e uma das promotoras legais na área da saúde.

Prudenciana demonstra com muita emoção a alegria de ter acompanhado o crescimento do bairro e ter contribuído para que são Mateus se transformasse na cidade de hoje. “são Mateus mudou muito, até o modo de viver. hoje eu acostumei aqui porque eu tenho a minha vida inteira vivida aqui e em cima do trabalho. tudo que aconteceu aqui em são Mateus eu ‘tava’ enfiada”, afirma.

com todo esse histórico de luta e amor por são Mateus, Prudenciana revela o sentimento de dever cumprido por todas as conquistas obtidas no bairro, ao longo das décadas, e vivenciadas em cada momento dos 45 anos vividos desde quando se mudou para o extremo da zona leste.

“eu costumo dizer que eu sou realizada, porque tudo o que eu sonhei para lutar, não para bens próprios, isso daí nunca fui muito ligada não, mas para ver meu bairro bom, meu bairro progredindo... porque em vista do que era são Mateus e do que é hoje, o meu bairro é uma cidade, muito maior do que muitas por aí. Mas tudo foi fruto de uma grande luta que continua até hoje, porque as coisas não são muito fáceis. Mas hoje ‘tá’ bem melhor, graças a deus”, diz.

NúMEROS DE SãO MATEuSárea (km²): 12.83 População (2010): 143.992 Densidade Demográfica (km²): 12.382,17

O QuE FAZER EM SãO MATEuScasa de cultura são Mateusrua tita ruffo 1016tel. (11) 3793.1071

ceu são Mateusrua curumatim 221tel. (11) 2732.8117

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referÊncias BiBliográficas

referÊncias gerais

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Prefeitura de são Paulo

gilBerto KassaB Prefeitoalda Marco antonio Vice-prefeita

secretaria MuniciPal de cultura

carlos augusto Machado calil secretário José roBerto sadeK secretário adjunto

diocese de são Miguel Paulista

doM Manuel Parrado carral

associação cultural Beato José de anchieta

Pe. geraldo antÔnio rodrigues PresidentealeXandre de araúJo galVão gestor culturalMaria claudete do nasciMento assistente administrativo

agradeciMentos

aos que viabilizaram a realização deste projeto:

ricardo teiXeira, Vereadorantonio carlos rizeque Malufe, secretário especial de relações governamentais

gostaríamos de agradecer também a todos os entrevistados e pessoas que possibilitaram o maior acesso às fontes, personagens e informações históricas dos bairros:

aMadeu riguetti Pelegrini, aricanduvaAMÉLIA LUISA DAMIANI, Professora de Geografia da USPANDRÉ MARTIN, Professor de Geografia da USPandré silVa, Movimento de defesa do faveladoantÔnio eduardo do nasciMento, Vila PrudentearquiVo histórico MuniciPalBeto custódio, guaianasescleide lugarini, sociólogadalVa fátiMa dos santos, cidade tiradentesdanielle franco, Mestre em ciências sociais pela Puc-sPediMilsoM Peres castilho, arquiteto e Mestre em história social pela Puc-sPeMilio Meneghini Junior, aricanduvaeriBelto Peres castilho, sociólogo e Mestre em história social pela Puc-sPeuclydes BarBulho, escritor, MoocaFABRIZIO LISTO, Mestre em Geografia pela USPfrancisca Pereira de souza, guaianasesfrancisco carlos da silVa, itaquerafrancisco folco, curador do Memorial Penha de françafrancisco Mendes de lucena, itaim Paulistagildaia feliPe Maia, são MateusProfessor Jesus Matias de Melo, Pesquisador do itaim PaulistaJoão arMindo coelho, cadescJoão galVino, ProfessorJosé de souza nasciMento, são MateusKazuo naKano, arquiteto urbanista, instituto Pólislisena Montanaro carrieri, Brásluciana gennari , Professora da faculdade de arquitetura e urbanismo da ufrJluis frança, ermelino MatarazzoMaisa infante, editora da revista do tatuapé

face leste - reVisitando a cidade

Pe. dr. geraldo antÔnio rodrigues direção

Juliana Pessoa Produção cultural

daniel reis coordenação editorial

rodrigo herrero texto e Pesquisa

ADRIANE BERTINI Projeto Gráfico

THEO GRAHL E GIULIANO NOVI Fotografia

caMile rodrigues aragão costa revisão

Manoel luiz adão, aricanduvaMÁRCIO RUFINO SILVA, Mestre em Geografia pela USPMarco sérgio de oliVeira noVaes, superintendente do centro comercial do aricanduvaMarcos falcon, ex-morador de itaqueraMaria ruth do aMaral saMPaio, Professora de Pós-graduação da faculdade de arquitetura e urbanismo da usPMarino Bacaicoa, ermelino MatarazzoMario ronco filho, Jornalista, Vila PrudenteMauro Proença, Jornalista, ermelino MatarazzoModesto graVina neto, francesca raffaele e a todos da associação são Vito Mártirnilton cruz, são Miguel PaulistaPaulo fontes, Professor da faculdade getúlio Vargas-rJPedro aBarca, Pesquisador, tatuapéPortal da MoocaPortal do itaM PaulistaPrudenciana Martins aPariz, são Mateusricardo correia Marcondes, Mestre em história pela Puc-sProBerto, riciane e élida, osciP caminho, são MateusROSALINA BURGOS, Doutora em Geografia pela USProsana helena Miranda, Professora da faculdade de arquitetura e urbanismo da usProseli santaella stella, doutora em história pela usPruBens Morelli, Psicólogo, PenhasiMone cordeiro, doutora em história social pela Puc-sPsuzana Barretto riBeiro, fotógrafa e doutora em história pela unicamptaisa da costa endrigue, Mestre em arquitetura e urbanismo pela usPtherezinha cecÍlia da silVa lira, cidade tiradentestio Pac, cidade tiradentesValentiM Morcelli, ermelino Matarazzo

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realização Produção aPoio

ProJeto ViaBilizado coM recursos da eMenda ParlaMentar do Vereador ricardo teiXeira

fonte akkuratPaPel couché 115g/m2

iMPressão Gráfica Ave MariatirageM 10.000dezeMBro 2011são Paulo

_

L855f Lopes, Rodrigo Herrero Face Leste : revisitando a cidade / [Rodrigo Herrero Lopes] ; [organizador Geraldo Antônio Rodrigues ; coordenador Daniel Vicente Reis]. - São Paulo : Mitra Diocesana São Miguel Paulista, 2011. 130p. : retrats. ; 23 cm Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-61003-01-2 1. São Paulo (SP) - História. I. Rodrigues, Geraldo Antônio. II. Reis, Daniel Vicente III. Igreja Católica. Arquidiocese de São Paulo (SP). IV. Título.

11-7580. CDD: 981.61 CDU: 94(815.6)

08.11.11 18.11.11 031308