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1
MIRAÇÕES EM TELA: “EXPERIÊNCIAS, PERCEPÇÕES E
ANTROPOLOGIA1”.
Maria Lucia ada Silva Coelho (Ciências Sociais -UFPA2)
Resumo:
Este ensaio etnográfico e resultado do terceiro capítulo do meu TCC e esboça a minha
experiência do uso da Ayahuasca no contexto ritual do Santo Daime junto ao grupo da
igreja Luz de Maria em Marabá, sendo esta experiência ao mesmo tempo individual e
coletiva. Neste sentido busco fazer uma reflexão sobre o processo de criação da mesma e
um breve estudo sobre a performance da narrativa, através da pintura e da “memória
partilhada”, reconhecendo e registrando modos de estar nesse universo, de ver, de sentir,
de perceber e de conhecer. O Santo Daime será pensado a partir do que os Cientistas
Sociais denominam como “novos movimentos religiosos”, traçando assim a história do
surgimento da Igreja do Santo Daime Luz de Maria, que surge a partir de uma dissidência
de um grupo anterior. Através do trabalho de campo (realizada no período de setembro
de 2010 a janeiro de 2013) na referida igreja, é que entro em contato com o universo
místico/religioso das mirações. As mirações são consideradas experiências de natureza
espiritual ou mística já que são experiências vividas em outros planos, que só podem ser
traduzidas para o plano material de forma descritiva, performática e simbólica. Dentre as
diversas imagens presentes nas mirações, procurei destacar neste trabalho, alguns
significados das imagens que aparecem em minhas telas, assim como alguns contrastes
que eles podem passar dependendo da cultura local.
Palavras-chave: Santo Daime, Mirações, Antropologia, Religião e Modernidade.
Oh! Minha Mãe estou aqui
Recebendo a Vossa luz de amor
Que universo encantado
Dentro de mim se revelou
Este jardim tão cintilante Reinado do meu beija flor
De pedras finas tão brilhantes
Que o Meu Pai me entregou
1 Trabalho apresentado no II Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os
dias 25 e 27 de outubro de 2016, Belém/PA, no GT Etnografia Visual e sonora: olhares sobre uma
região de fronteira do sul e sudeste do Pará. 2 Este artigo também faz parte do capítulo III do meu tcc "Experiências, Percepções e Antropologia:
Interpretando Mirações no Santo Daime" sob Orientação da profª. Dra. Gisela Macambira Villacorta, para
a conclusão do curso de Ciências Sociais com ênfase em Antropologia da Ufpa, na época campus
universitário de Marabá, hoje Unifesspa.
2
Todos os seres Divinos
Me acompanham para o Além
E vai subindo, vai subindo
Sobe até aqui quem me convém
A harmonia envolvente
Do som da harpa e do clarim
Meu Jesus Cristo vai na frente
Esta viagem não tem fim
Brilho no sol, brilho na lua
Eu brilho em todo jardim
A Minha Mãe está comigo
Meu Pai é quem zela por mim3.
INTRODUÇÃO
Neste artigo apresento meus trabalhos em telas, as quais objetivam não apenas a
representação do mundo externo e natural, e sim o vasto mundo interior que através do
Santo Daime se revelou, bem como um resumo do conceito de arte visionaria e ainda a
análise da construção social das imagens refletindo sobre os significados das memórias
partilhadas através de entrevistas sobre mirações. evidenciando as mirações que geram,
de forma aleatória, imagens e sons que acompanham os movimentos. Dessa forma,
podemos compreender a plasticidade dos corpos, pois o daime amplia os sentidos,
modificando o “estar” no mundo, por meio da interação homem e natureza, bem como
um resumo do conceito de arte visionária e ainda a análise da construção social das
imagens refletindo sobre os significados das memórias partilhadas através de entrevistas
sobre mirações.
3 Hino nº 37 “Universo Encantado” do hinário “A Chave”, recebido por Júlio César.
3
ARTE VISIONÁRIA
As artes constituem, sem dúvida, um dos instrumentos mais poderosos para o
desvelamento de fenômenos tais como estados não ordinários de consciência.
A conexão entre a criatividade e experiências com enteógenos – especialmente
com a ayahuasca – intrigou-me. São vários artistas que conheci na Amazônia
que me disseram ter recebido sua inspiração nas visões (LUNA 2004, 194)4.
Arte visionária5 pode ser entendida como um fazer artístico onde a produção é
feita durante o efeito do chá, ou no momento da “força”, onde os artistas materializam o
conteúdo de suas visões, através de diversas obras como pinturas, esculturas, nas variadas
artes visuais, ou através da poesia e da musica. A definição mais sucinta e de mais fácil
entendimento é dizer que a Arte Visionária é o resultado de experiências de expansão de
consciência retratadas plasticamente. Esse conceito de arte não é novidade, ele existe
desde o tempo das cavernas, como por exemplo, as pinturas rupestres. Esse estilo de arte
também esteve presente nas obras de vários artistas do Renascimento, como Paolo
Ucello, Arcimboldo e Bosch, marcou também a arte de William Blake, além de ocorrer
no Simbolismo, Surrealismo, Realismo Fantástico, Psicodelismo e, atualmente aparecem
mais consistentemente nas obras dos artistas visionários6, que se dedicam a retratar suas
visões e experiências com a ayahuasca, tais como Pablo Amaringo, Alex Gray, Alexandre
Segrégio, entre outros.
A arte visionária tem como propósito transcender o mundo físico, retratar visões
que muitas vezes incluem temas espirituais e místicos ou pelo menos referentes a tais
experiências. Outra característica da arte visionaria é a tentativa do artista em busca de
uma representação original. Dentro deste contexto, também está envolvida a “arte
enteógena”7, ou seja, criações feitas sob o efeito de substâncias desse gênero. Esse termo
foi adotado por ser muito usual entre os artistas e também por sua maior flexibilidade,
envolvendo o uso de visões compreendidas em varias formas de expansão de consciência,
com ou sem o uso de substancias enteogenas.
4 Apud Mikosz (2009, p. 107). 5 Para um histórico sobre a arte visionária e ayahuasca, bem como os primeiros autores a reportar isso em seus estudos, ver Mikosz (2009). 6 Chamados aqui de visionários por causa da característica de pintarem suas visões. 7 Enteógeno foi um termo proposto por Wasson et. Al. (1969), eleito para livrar-se de rótulos tais como
droga ou alucinógenos, desgastados e carregados de preconceitos. Além de conflituosos em relação as
visões nativas. Segundo MacRae (1992, p.16), enteogeno deriva do grego antigo entheos que significa
“Deus dentro”; o neologismo enteógeno significaria então “o que leva o divino para dentro de si”.
4
MIRAÇÕES EM TELAS
Em junho de 2012, por motivos pessoais e financeiros tomei a decisão de viver
uma verdadeira aventura antropológica, inspirada pela antropóloga Florinda Donner-
Grau, autora do livro “Shabono: uma viagem ao universo místico dos índios ianomâmis”.
O livro de Florinda conta a história de uma antropóloga que se entrega como aprendiz aos
guias indígenas que a levam por estranhos caminhos de uma sabedoria intuitiva e
misteriosa. Para conhecer os segredos de cura destes habitantes das matas, adere aos
costumes tribais e consegue desvendar, a partir do seu próprio ser, a magia ancestral dos
espíritos da floresta. Inspirada por esse livro rico em magia e mistério, decidi passar um
tempo morando no sítio da igreja, durante esse período de aproximadamente seis meses,
fiz um verdadeiro mergulho em um mundo ainda desconhecido, mas muito real em meio
as minhas mirações.
Essas mirações tornaram-se cada vez mais encantadoras e mágicas, com
elementos desconhecidos, novas mirações que transcendem os modos comuns de
percepção que me conduziram a criação de um verdadeiro “tesouro”, pois é assim que me
refiro a minhas telas. Para descrever uma dessas experiências utilizo parte do meu diário
de campo.
Marabá, 5 de agosto de 2012
Tomei o daime logo cedo, havia poucas pessoas no sítio e queria aproveitar o
momento de sossego para fazer uma tela especial, até agora à força não chegou,
sinto apenas uma leve sensação de bem estar. Depois de alguns minutos fechei
os olhos para senti-la, durante a força comecei a observar o detalhe das coisas,
os riscos das folhas, as diversas cores das flores e o aroma da natureza. Por um
momento pude sentir o silêncio dos meus pensamentos, fiquei atenta a
qualquer movimento, atenta a tudo, comecei a perceber que tudo aquilo que
desejamos leva ao sofrimento. Nunca estamos vivendo o agora sempre estamos
pensando no que seremos ou no que teremos no futuro. Isso quase sempre nos
deixa deprimidos e sempre vivendo “o que ainda será”, deixamos de viver o
mais importante que é o agora. A força me levou para uma viagem ao além da minha consciência, parti em busca da desconstrução deste mundo ilusório.
Comecei a criar novas saídas para atravessar as dificuldades que estava
passando naquele momento e o daime me ensinava como mudar a energia do
meu corpo e do meu espírito. Estava observando tudo com outros olhos e estes
comtemplavam o belo com todas as suas cores, com todo o seu brilho colossal,
sentia o doce cheiro sedutor das flores, ouvia com muita atenção o cantar dos
pássaros com milhares de acordes e sentidos, seus voos de liberdade, suas asas
que ao baterem me traziam os ventos, contemplei à noite com suas estrelas
incandescentes, e o brilho protetor da lua. Neste momento pingos d’água
começaram a cair sobre o meu corpo, águas que levam o mal para o além,
chuva que vem nos banhar e nos trazer vida, o florescer da natureza. Tudo era tão magico, uma vida que traz outras possibilidades, criações divinas feitas
5
para serem comtempladas e amadas. Durante a força junto com toda essa
compreensão eu ia traçando a minha nova obra, as cores me conduziam a um
mundo profundo existente dentro de mim, elas tornavam-se amplamente
dispersas, fascinada observei a transparência do ar a dissolver as sombras a
minha volta. Uma suavidade envolvia o pincel que se expandia revelando os
vários contornos sobre a tela, sentia a minha volta uma brisa suave que tinha
cores desconhecidas de um brilho envolvente. Pintei até o momento em que a
força passou...
Cada tela é um mundo, um aprendizado, uma cura, um novo caminho, quando
estou pintando sinto uma onda de sentimentos que invadem e me levam para dentro do
próprio daime ,os desenhos formam uma vibração que modela, conserta, cura e cria, a
força aumenta e percebo meu corpo estremecer. O canto dos pássaros me dá o tom, as
flores me dão o seu brilho, as árvores e o céu a sua suavidade, deixo os detalhes brotarem.
Cada tela é uma história, cada figura tem o seu significado e sentido, que variam de acordo
com o ponto de vista de cada pessoa, assim como afirma o autor José Bizerril, no texto
“O território da confluência: Poética e Antropologia”:
...tais convenções variam de acordo com cada tradição e mesmo no interior de
cada gênero particular. Pode estar ligado a determinados tipos de contextos,
instituições e sujeitos sociais (Bizerril ano, 107).
Ao olhar para a tela cada pessoa faz a sua própria viagem de acordo com seus
conceitos e cultura. Cada tela possui o seu ensinamento, a força das imagens, muitas vezes
sensibiliza o espectador de forma inconsciente. Os olhos são fisgados pelo colorido e o
encantamento decorrente desse encontro devolve a graça ao dia, reconstrói em segundos
a ponte com a fantasia e o mágico que os transporta para outro lugar. Em meio a essas
viagens conheço seres de luz que vem até mim, para mostrar os seus conhecimentos, que
serão repassadas através das pinturas. São seres cheios de magia e conhecimentos, belas
sereias, princesas, rainhas e reis.
Cada tela é um reflexo de mim, do que estou sentindo, são frutos da emoção que
emprego nelas, esses sentimentos permanece estampado em cada detalhe e em cada cor.
As pinturas retratam, em sua maioria, paisagens iluminadas pelo sol ou pela lua, quase
sempre com presença de flores. Em muitos quadros, se vê água, principalmente de rios e
cachoeiras, mas também o mar.
Uma das dificuldades em pintar minhas visões é justamente encontrar em um
modo material, as tintas nas cores que costumo ver na força, pois as cores que encontro
são menos vivas e brilhantes, e não exprimem a ideia da experiência original.
6
3 CADA TELA UM “NOVO OLHAR”
Figura 15: Tela 1 da série "Encantos do mar".
Em março de 2013. Fonte: Arquivo pessoal.
A primeira tela foi uma grande surpresa, a minha preferida, passei por tantas
provas durante a sua confecção, tantos obstáculos que por um momento pensei em não
pintar mais, porém o amor pela arte superou tudo. A arte vem de dentro, o amor é quem
a constrói. Essa tela foi especial porque além de ser a primeira, ainda existiu o perdão, a
compreensão e o amor profundo. Ela me fez entender que cada pessoa tem seu valor, que
nossos erros são reflexos de nossas vitórias e que através deles podemos construir algo
muito melhor (FIGURA 15).
Essa tela me ajudou a exercer a caridade e o amor pelo próximo, me fez entender
que a raiva, o rancor e o orgulho não valem de nada, são apenas reflexos de nossas
derrotas e obstáculos para a nossa evolução. O Daime é a chave de tudo, os desenhos são
sonhos de um mundo melhor, são refúgios para os que acreditam no amor, no canto dos
pássaros, no brilho da lua e na magia das matas.
Essa tela possui varias figuras e formas, e cada uma delas tem algo a nos ensinar,
estão nos repassando sentimentos e inspirações. A começar pela primeira tela sempre
existiu a figura de uma grande serpente que dentro da doutrina representa conhecimento
7
e é quem abre nossas mirações, conhecida como a protetora da mãe terra. Sempre começo
a tela pela serpente ou por algo que vai se ligar a ela. Para Chevalier e Gheerbrant (1982):
As serpentes são animais que parecem inspirar simultaneamente medo e
fascinação devido a sua beleza, seus mistérios, seu perigo. Alguns desenhos,
desde o período paleolítico, são linhas sinuosas relacionadas ao movimento das
serpentes, do mesmo modo que os pigmeus ainda as representam, com uma
linha no chão (CHEVALIER & GHEERBRANT 1982, 814).8
A figura da serpente possui diversos significados e uma infinidade de aspectos
simbólicos, tanto pelas suas características físicas, como pela variedade de habitats. Ela
é considerada como o símbolo da fertilidade, da sexualidade ambivalente, representa
ainda as fontes da vida e da imaginação. Também é chamada de Kundalini9, que significa
o poder do desejo puro dentro de nós, é a energia de nossa alma, de nossa consciência, é
a nossa emanação do infinito, a energia do cosmos dentro de cada um de nós. Como nossa
energia criativa, ela pode ser imaginada como uma serpente enroscada adormecida na
base da nossa coluna vertebral representa a energia da libido que sobe pelos chakras10,
abrindo-os, iluminando-os, ajudando a renovar as personalidades, além disso, pode ser a
serpente do paraíso que tentou Eva, que trouxe a queda simbólica da humanidade.
Para os Xamãs Ancestrais11 a serpente é um animal de poder uma grande aliada
de cura, ela é poderosa e indispensável. Ela tem a capacidade de devorar doenças,
comendo tumores e outros patógenos virulentos, pois o organismo da Serpente não é
vulnerável às mesmas doenças que os nossos. Na medicina a serpente representa o
símbolo do bem e do mal, portanto da saúde e da doença; é o símbolo da astúcia e da
8 Apud Mikosz (2009, p. 123). 9 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio:
<http://www.salves.com.br/kunkun.htm> (acessado 12 de janeiro de 2013). 10 Chakra, em sânscrito, significa “roda de luz”. Na filosofia hindu, são os pontos de junção por onde passa
a energia vital, geralmente sete, distribuídos da base do períneo até o topo da cabeça. São como centros de consciência (CHEVALIER & GHEERBRANT 1982, 231). Em sentido mais amplo, “Chakra significa
círculo, esfera” (CAMPBELL 1991, 191). Os Chakras são centros de energia, que representam os diferentes
aspectos da natureza sutil do ser humano. São eles: corpo físico, emocional, mental e energético. Os sete
principais Chakras ficam localizados ao longo da coluna vertebral do corpo humano e, segundo a Tradição
Hindu, seguem as cores do arco-íris. 11 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio:
< http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/Simbolo.htm>
8
sagacidade; símbolo do poder de rejuvenescimento, pela troca periódica da pele; além de
ser considerado o ctônico, elo entre o mundo visível e invisível12.
Nessa tela podemos observar a figura de uma bela índia com seu penache colorido,
ela simboliza os seres da mata (FIGURA 15). Que nos trás a sua proteção, suas penas
coloridas representam a alegria dos pássaros, que nos transmitem conforto. Notamos a
presença de borboletas que nos envolvem com o brilho das matas, nos transportando para
um novo tempo de transformação. Os pássaros presentes na tela tem o poder de nos
transmitir através do seu colorido uma energia pura, que nos leva a um mergulho pelos
mundos encantados e profundos.
A lua prateada presente em quase todas as telas dessa série “encantos do mar”,
simboliza Nossa Senhora da Conceição, nossa mãe protetora. As flores simbolizam a
beleza e o encanto das cores. O índio que aparece no canto esquerdo nos remete aos
estados iniciais dos efeitos do daime, onde padrões coloridos de diversas formas
costumam ser vistos, espirais que se movimentam e nos levam a viver aquele momento,
desprendendo nossa mente de tantos pensamentos, nos conduzindo para outros mundos.
As espirais são efeitos de energia e movimento, presentes em várias culturas e religiões e
exprimem a conexão com o universo espiritual, assim como podem representar os
labirintos e as teias de aranha, com a ideia de centro e periferia. Vale lembrar que elas
também estão presentes nas pinturas pré-históricas e são usadas desde a antiguidade como
símbolos ornamentais13.
12 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio:
<http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/Simbolo.htm> 13 Para um histórico sobre espirais ver ainda Mikosz (2009, p. 143).
9
Figura 16: Tela 2 da série "Encantos do
mar". Título: Iluminação, em março de
2013. Fonte: Arquivo pessoal.
Na pintura “Iluminação”, retrato a historia de uma jovem sem rosto, perdida em
meio a pensamentos sem rumo e vazios, que a levam ao nada a solidão do mundo. Os
seres presentes nessa tela tem seu sentido voltado para os espíritos da floresta, todos eles
vêm para abençoar a jovem sem rosto e ajuda-la a sair do mundo de ilusões (FIGURA
16).
A pintura nos modifica, nos leva a construir novos mundos, nos transporta para
uma viagem em meio às cores, nos conecta com o universo cósmico, nos traz força e
alegria. No momento em que estava pintando sentia que uma luz muito forte me
iluminando, que me levava para um mundo encantado que estava em constante
transformação, onde tudo se ligava as serpentes, reis, curandeiros e espíritos da floresta
que me ofereciam o poderoso balsama protetor feito pelo daime.
Essa tela possui uma ligação muito forte com o momento que eu estava passando.
Ela remete a transformação, uma busca pelo autoconhecimento, momento de tomar uma
decisão, uma saída do mundo de ilusão, desapego das pessoas e dos bens materiais, foi o
momento em que decidi passar um tempo no sitio. Durante o processo de criação da tela
passei por uma fase de reconhecimento de encontro comigo, com meu ser interior. Ela
representa o amor próprio, me ensinou através das pinceladas que quem tem que me amar
10
acima de tudo é eu mesma. Que todo amor que necessito está dentro de mim, que ele deve
ser repassado para as pessoas a minha volta através da pintura. Pintar essa tela me ajudou
a compreender que sou importante para o mundo, que essa arte vai ajudar muita gente a
se reconhecer também.
Essa pintura tem muita magia e encantamento vindo dos seres da floresta, ela foi
construída pelo amor as matas e aos seres que nela habitam. A serpente nesta tela
representa os ensinamentos de uma velha curandeira, que vem trazer todo conhecimento
a menina sem rosto, que ainda não se reconheceu, ainda não sabe do seu valor perante as
pessoas. As serpentes, em muitas mirações descritas durante as entrevistas pelos
daimistas, servem como meio de transporte para os reinos celestes ou subaquáticos.
As borboletas que a levam pela mão para mostrar-lhe a transformação do mundo,
o novo tempo que se aproxima. A borboleta assim como a serpente também possui varias
simbologias, ela nos ensina a perceber todas as etapas necessárias a uma verdadeira
transformação, interna ou externa. Ela passa por vários estágios, de ovo para larva, desta
para casulo. E finalmente nasce. Com isso, ela nos ensina que os estágios são importantes,
indispensáveis, para que não se pule de fase sem a devida atenção ao que está sendo feito.
Devemos ter sempre clara a ideia de eterno ciclo de autotransformação. Pode representar
ainda Clareza mental, novas etapas e liberdade.
A sereia14 que aparece no canto inferior do lado esquerdo da tela representa à
senhora das águas, que vem entregar para a jovem a folha da Rainha15. Através do canto
suave da sereia a jovem será conduzida ao que procura há muito tempo, buscava a
sensibilidade, o equilíbrio e a liberdade da alma.
No canto superior direito podemos contemplar a imagem de um rosto verde
representante dos poderes das águas, de sua boca notamos a queda de uma cachoeira, que
cai sobre a sereia com o poder de purificar as energias negativas, já no canto superior
direito está à figura de outro rosto que representa o senhor dos ventos, que com um só
sopro afasta todos os maus pensamentos. Entre os dois seres, por traz da lua tem um
14 Sereia vem do grego antigo: Σειρῆνας é um ser mitológico, parte mulher e parte peixe. É provável que o
mito tenha tido origem em relatos da existência de animais com características próximas daquela que, mais
tarde foram classificados como sirénios. Filhas do rio Achelous e da musa Terpsícore, tal como as harpias,
habitavam os rochedos entre a ilha de Capri e a costa da Itália. Eram tão lindas e cantavam com tanta doçura
que atraíam os tripulantes dos navios que passavam por ali para os navios colidirem com os rochedos e
afundarem. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sereia 15 Psychotria viridis, componente feminino do chá, chamada também de chacrona.
11
pássaro de fogo que representa nessa tela os raios do rei sol, quem ilumina a terra e nos
salda todos os dias, a lua é a mãe que com o seu brilho nos leva ao bom caminho.
Figura 17: Tela 3 da série "Encantos do mar". Em março de 2013
Título: Brincadeira de Sereia. Fonte: arquivo pessoal.
Para criar essa tela recebi as inspirações das profundezas do mar, com o objetivo
de trazer a purificação e a suavidade, ela veio nos mostrar os encantos das sereias e das
belas cachoeiras para lavar todo o mal. Essa tela é uma das mais simples, porém cheia de
magia para aqueles que enxergam a beleza. A correnteza do mar traz para a tela os seres
místicos e mágicos adormecidos em nosso interior, nos leva a nossa infância, nos faz
lembrar como é bom brincar e ser feliz, rir sem culpa, ter a doçura de uma flor e ver a
beleza de um pássaro. Durante o processo de criação percebi que as crianças amam sem
pedir nada em troca, fazem confusão por tudo e se perdoam no mesmo instante, ao mesmo
tempo percebi que a vida passa tão depressa que muitas vezes deixamos que ela passe por
entre os dedos, deixamos de sonhar, não damos atenção para o presente, sempre pensando
no futuro ou no passado, deixamos de viver momentos importantes estando neles sem
estar, permitimos que o tempo passe e depois nos cobramos por não termos aproveitado
enquanto tínhamos a oportunidade de fazer o melhor momento de nossa vida. Não
subimos nas árvores, não corremos, não gritamos, não fazemos o que é maior, coisas mais
importantes que nada, essa tela representa o chega de acordar e repetir (FIGURA 17).
A tela “Brincadeira de sereia” retrata as brincadeiras e a magia das sereias, a
pintura mostra a magnífica cidade brilhante de Encantos do Mar. Esta cidade é o local de
encontro das mais belas criaturas aquáticas, onde elas se reúnem para brincar e receber a
sabedoria das mais antigas. As belas cachoeiras servem de senário para toda essa viagem,
12
onde na primeira descansa a serei mais antiga Ynaré, que observa o lindo arco-íris e os
botos. Ela é aliada dos grandes mestres, ajuda a resgatar pessoas que se perderam nas
águas profundas, ela está segurando uma flor feita de poesia. Brincando próximo às
pedras estão às sereias Janaína e Jurema, filhas de Ynaré, elas trazem consigo flores
medicinais e irão aprender sobre cura, Essas sereias vivem nas rochas e simplesmente
desaparecem nelas se alguém tenta capturá-las. Mais atrás, do lado direito, estão algumas
borboletas vindas de uma terra distante, vivem no bosque do arco-íris e são aliadas das
belas fadas, elas auxiliam no controle das energias dos ventos e das tempestades. Atrás
das sereias, estão cachoeiras de grande esplendor e beleza.
O círculo colorido ao fundo, simboliza proteção é o símbolo da perfeição, da
ausência de divisão, da totalidade e da eternidade, podendo também simbolizar os ciclos
celestes. Nessa tela o círculo pode representar os caminhos que a alma percorre até chegar
a essa miração. Campbell diz que:
O círculo, por outro lado, representa a totalidade. Tudo dentro do círculo é uma
coisa só, circundada e limitada. Esse seria o aspecto espacial. Mas o aspecto
temporal do círculo é que você parte, vai a algum lugar e sempre retorna. Deus
é o alfa e o ômega, o princípio e o fim. O círculo sugere imediatamente uma
totalidade completa, quer no tempo, quer no espaço (CAMPBELL 191, 234)16.
No canto superior esquerdo do quadro está o lindo passarinho verde responsável
pelo poder do arco-íris. Ele representa o passarinho verde do qual se refere o hino 69 do
Mestre Irineu. A seguir o hino “Passarinho” do Mestre Irineu.
Passarinho está cantando
Discorrendo o ABC
E eu discorro a tua vida
Para todo mundo ver
Passarinho está cantando
Canta na mata deserta
Dizendo para o caçador
Você atira e não acerta
Passarinho Verde canta
Bem pertinho para tu ver
Sou Passarinho e tenho dono
E o meu dono tem poder
Passarinho Verde canta
Com alegria e com amor
Sou Passarinho e canto certo
16 Apud Mikosz (2009, p. 201)
13
E com certeza aqui estou17
Neste hino apresentam-se vestígios de lendas amazônicas que foram
ressignificadas pela Doutrina do Santo Daime. A seguir trecho do livro “O jardim de belas
flores” de Juarez Duarte Bomfim, que apresenta o significado do passarinho.
Deus é tudo e todos, Todos os Seres, e olha por toda sua criação. Aqui é
apresentada uma de suas criaturas, um singelo passarinho, cantando
solitariamente na floresta, e a sua pungente melodia cala tão fundo no coração
que é como se examinasse as nossas vidas. É comum a crença, em diversas regiões rurais brasileiras, na existência de seres encantados defensores da
floresta, que vivem na mata zelando pelas árvores e animais. Esses encantados
voltam-se “contra qualquer um que queira caçar apenas por prazer, ou
desmatar a floresta sem propósito” 18. Por outro lado, são amigos dos que
vivem na mata sem agredi-la, caçando apenas para alimentar-se e respeitando
a flora19. Para atrapalhar os que não agem com boas intenções ecológicas, esses
encantados têm muitas artimanhas20.
Figura 18: Tela 4 da série "Encantos do mar", março de 2013. Título: Canta Praia. Fonte: Arquivo pessoal.
A pintura foi feita entre os dias doze e quinze de agosto de 2012, ela assim como
as outras que busco descrever neste capitulo, fazem parte da serie “Encantos do mar” e
seu titulo é “canta praia”, o mesmo foi sugerido pela daimista Camila, pois durante o
trabalho do dia 15 de agosto, ela viu em sua miração que o nome da tela deveria ser “canta
praia”. A miração aconteceu na hora em que estávamos cantando o hino 24 do Mestre
Irineu, o qual possui o titulo “Canta Praia” (FIGURA 18).
17 Hino nº 69 “Passarinho”, do hinário “O Cruzeiro Universal”, recebido pelo Mestre Irineu. 18 Aliverti (2005, p. 54). 19 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio:
Ibidem. Portal do Santo Daime <www.santodaime.hbe.com.br> 20 Apud Bomfim (2009, p. 123)
14
Canta praia, Canta praia
Canta praia é quem me ensina
Eu sou um filho eterno
Não devo pensar à toa
Conhecer este poder
Que me traz as coisas boas
Não devo te desprezar
Para ir atrás da ilusão
Que me traz tanta riqueza
E me derriba pelo chão
Devo ser eternamente
Para sempre, amém Jesus
Eu sou um filho eterno
De joelhos em uma cruz21
Para descrever com mais clareza como foi essa miração faço uso de um trecho da
entrevista feita com Camila Moreira que consagra o Santo Daime há cinco anos.
Com o passar do tempo, novas pessoas foram chegando ao sitio e com chegada da Malu aqui eu vi nela uma grande amiga mesmo, assim que a gente se
conheceu eu nunca esqueci que ela me pediu para eu ser madrinha dela e pra
mim foi muito bacana. Desde quando ela começou a fazer os primeiros
desenhos eu sempre gostei, sempre fiquei muito admirada com os desenhos e
quando ela começou pintar as telas nossa eu falei pra ela que queria ter dinheiro
pra comprar todas as telas dela, pois as telas são lindas. Teve um dia especial
que ela tinha terminado de pintar uma tela e era dia de trabalho e ela me levou
no quartinho dela aqui onde ela guarda as telas que já pintou e me mostrou uma
tela muito bacana, que tinha uma entidade uma índia ou uma cabocla e ela
estava bem próxima à água, era mesmo assim um convite para aquela água. A
gente subiu para o trabalho as nossas posições dentro do salão, agente fica uma do lado da outra, quando agente cantou o hino que chama “canta praia”. “Canta
praia” também significa cantar pra ir, pra alcançar, pra subir e no momento que
a gente começou a cantar aquele hino eu entrei totalmente para a história
daquela tela que ela havia me mostrado, eu vi aquela cabocla e entendi que
toda aquela situação que estava sendo cantada no hino ela tinha conseguido
inconscientemente expressar na tela e depois eu contei a ela que acabou dando
o nome de “Canta praia” para a pintura. Eu vi também que naquela tela tinha
uma mulher com um vestido longo feito de água eu conseguia ver no meio do
vestido dela os peixinhos nadando e se harmonizando com toda aquela situação
da tela do hino, tudo em perfeita harmonia, como se ela tivesse cantando pra
Malu pintar, ela mesma aquela entidade que devia ser Iemanjá.
A pintura é um momento de performance, como já foi comentado no capítulo
anterior, é quando estabelece-se um quadro interpretativo a partir do qual se compreende
as mensagens, deste modo implica a capacidade da plateia e do narrador, no sentido de ir
21 Hino nº 24 “Canta Praia”, do hinário “O Cruzeiro”, recebido por Mestre Irineu.
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mais além de um micro sentido referencial. Nesse sentido posso dizer que durante a
experiência descrita acima proporcionei simultaneamente uma ampliação da experiência.
A tela “Canta Praia” remete ao encontro de vários seres encantados, que vem
trazer varias oferendas para quem a observa. Cada uma das mulheres presentes na tela
representa um elemento da natureza, repletas de boas vibrações e muita harmonia. A
mulher do canto esquerdo superior simboliza os ventos da alegria que transmitem vida e
um novo florescer, as flores são o nascimento de um tempo prospero e cheio de amor.
A sereia representa nessa tela a magia das águas, ela é a rainha protetora das
profundezas do mar, seu olhar envolvente encanta e transmite à beleza, a flor que ela
segura traz a proteção e o respeito ao próximo. Os peixinhos simbolizam as crianças, a
grande índia vem oferecer bons sentimentos, ela traz segurança e a força de uma guerreira
das matas. Em fim a mulher que está com a lua na mão, representa à senhora das águas a
rainha da lua, a mãe protetora do universo, ela traz o conforto e o amor de mãe.
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Figura 19: Tela 5 da série "Encantos do mar".
Título: Ia guiado pela lua, março de 2013.
Fonte: Arquivo pessoal.
Essa tela representa o despertar da consciência cósmica, através da mediunidade22
é a tela que possui maior significado espiritual, seu título é “Ia guiado pela lua” o mesmo
do hino 84 do Mestre Irineu (já citado no capitulo anterior) ambos remetem ao chamado
da virgem mãe, Nossa Senhora para uma viagem até um ponto destinado e quem ira
conduzir por este caminho será Deus e Ela (FIGURA 19).
Essa viagem leva ao caminho do conhecimento interior, do despertar do autocontrole
e do equilíbrio. A serpente que sai do alto da cabeça da fada representa a serpente
Kundalini guardiã dos sete chakras principais, as flores cor de rosa que aparecem em três
pontos da tela representam os pontos que precisam ser trabalhados pela fada, são os
centros de energia em desequilíbrio e sinaliza o que é preciso melhorar. Os pontos a serem
analisados são: o terceiro chakra chamado de Plexo Solar representa a força do indivíduo,
onde "mora" o ego de cada um, suas funções primordiais são o poder e a vontade e está
22Mediunidade é a faculdade dos médiuns, ou seja, a faculdade que possibilita uma pessoa servir de intermediária entre os Espíritos desencarnados e os homens. A palavra médium é uma expressão latina que significa "meio" ou "intermediário". Allan Kardec apropriou-se dessa expressão para designar as pessoas que são portadoras da faculdade mediúnica. Para um histórico sobre esse assunto ver “O Livro dos Médiuns” Allan Kardec(1861).
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relacionado com as emoções. Quando muito energizado, indica que a pessoa é voltada
para as emoções e prazeres imediatos. Quando fraco sugere carência energética, baixo
magnetismo, susceptibilidade emocional e a possibilidade de doenças crônicas, esse
chakra é representado pela cor amarela e localiza-se na região do umbigo.
Outro ponto a ser trabalhado é o sexto chamado de Chakra Frontal, conhecido
como “terceiro olho” na tradição hinduísta, situa-se no ponto entre as sobrancelhas,
representa a mente e está ligado à capacidade intuitiva e à percepção subtil. Quando bem
desenvolvido, pode indicar um sensitivo de alto grau, é representado pela cor azul índigo.
O ultimo chakra analisado é o sétimo chamado de Coronário, é o mais importante de
todos, pois representa nossa ligação com a energia superior, com o universo, abre a
consciência para o infinito, relaciona-se com o padrão energético global da pessoa,
através dele recebemos a luz divina.
A sua função principal é evoluir, ascender e se aprimorar como ser humano, situa-
se no topo da cabeça, na tela “ia guiado pela lua” está representado pela serpente. Também
conhecido como chakra da coroa, é representado na tradição indiana por uma flor-de-
lótus de mil pétalas na cor violeta. A tradição de coroar os reis fundamenta-se no princípio
da estimulação deste chakra, de modo a dinamizar a capacidade espiritual e a consciência
superior do ser humano. Percepção além do tempo e do espaço.
Na tela “ia guiado pela lua” a fada está vestida com uma roupa cor de rosa que
representa a amor incondicional, a cor da suavidade, do feminino. A água que a fada
oferece para a serpente traz uma simbologia muito forte, remete ao ato de alimentar a
mediunidade. A espiral que aparece ao fundo da tela remete a ideia de passagem para um
espaço além, diferenciado do mundo material. A espiral é o movimento circular que sai
do centro e se alarga ao infinito. Ela se assemelha a um círculo ou a um sistema de círculos
concêntricos. Na sua associação com movimento, as espirais estão conectadas à ideia de
danças circulares, em labirinto e nas danças que evoluem na forma da espiral.
Na parte inferior do lado esquerdo da tela tem uma embarcação antiga feita de
ouro e prata, ela é quem conduzirá a fada pelo caminho do equilíbrio e da iluminação,
para que ela compreenda e aprenda a lição.
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Este ensaio teve como objetivo fazer um exercício etnográfico da minha
experiência ao participar do ritual do Santo Daime, como um requisito de trabalho de
campo exploratório referente à disciplina “Tópicos Temáticos em Antropologia” sobre
Nova Consciência Religiosa. A ideia foi mostrar a complexidade de se etnografar o
“invisível”, o não palpável, o silêncio, já que o que geralmente se concebe como um
elemento possível e importante para ser pesquisado, é algo literalmente concreto e visível
nas relações humanas.
As minhas mirações traduzidas em telas foram o fio condutor, mas
especificamente o método, para etnografar esta experiência que se tornou central no
trabalho de campo, enfatizando cada vez mais que ela é ao mesmo tempo
individual/subjetiva e coletiva. Dessa forma, considerei aqui as telas que eu mesma criei,
um dos elementos importantes da linguagem e da cosmologia daimista, para a
compreensão deste saber local (Geertz,1997), reforçando a concepção de cultura como
um texto que deve ser lido e interpretado. Neste sentido, foi que considerei as mirações
traduzidas em telas como um texto que fiz um primeiro exercício de interpretação,
assumindo todos os “riscos” e “impurezas” que este território de confluência, entre
Antropologia e Arte, imagens, percepções me possibilitaram, questões estas que serão
aprofundadas, quem sabe, em um “futuro próximo”...
A suposta objetividade é uma miragem, tanto na antropologia, quanto na Arte não
é possível analisar sem expectativas. O exercício da performance no contexto
antropológico é ter expectativas de aproximação com o outro, com o que não conhecemos,
nos desafia o contato, a interação. Outros modos de se fazer antropologia, outros modos
de se fazer arte. Olhares atentos a lugares onde o corpo está restrito à lei e à ordem
permitem-nos expandir o olhar...
Aqui findei
Faço a minha narração
Para sempre se lembrarem
Do velho Juramidam23
23 Trecho do hino 111 – Estou aqui, do hinário “O Cruzeiro” Mestre Irineu.
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