Mitologia e Arte Terapia

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  • 7/30/2019 Mitologia e Arte Terapia

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    Mitologia e Arteterapia:

    Uma Experincia Teraputica

    Ana Luisa Baptista

    Maria de Lourdes de Campos Ribeiro

    Resumo

    Nosso objetivo ao publicar este trabalho o de apresentar ao leitor j

    familiarizado com as tcnicas da Arteterapia, o aprendizado que vimos obtendo com

    a aliana feita entre esta e a Mitologia, uma outra forma de abordagem e leitura do

    material inconsciente, tendo como referencial terico a psicologia analtica de C. G.

    Jung.

    O profundo conhecimento dos mitos, fartamente recomendado pelo mestre da

    Basilia, aliado s tcnicas da arteterapia, vm se mostrando campo fecundo para a

    manifestao do simblico em seu constante processo de autogestao.

    Abstract:

    Our objective publishing this document is to present to the readers familiarised

    with the Art-therapy tecnics, the knowledgement we have been obtain with the link

    between such art and the mythology, another form of approach and interpretation ofthe unconscious material, having a theory reference the analytical psychologist of

    C.G. Jung.

    The deep knowledgement of the myths, strongly recommended by the master

    of Basileia, in connection with the art-therapy tecnics, its been showed as a

    productive camp to the manifestation of the symbolic in its continuous process of

    self-formation.

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    A Idade Mdia, a Antiguidade e a Pr-histria

    ainda no esto extintas, como muitos 'esclarecidos' pensam,

    mas continuam alegremente vivas,

    em segmentos significativos da populao.

    As mais antigas mitologias e magias continuam,

    como sempre, prosperando em nossos meiose s so ignoradas por alguns poucos

    que se distanciaram do seu estado original,

    atravs da educao racionalista.

    Sem levar em conta a simbologia eclesistica,

    visvel em toda parte,

    que corporifica uma histria espiritual de seis milnios

    e a repete constantemente,

    os seus parentes pobres, ou seja,

    os conceitos e rituais mgicos, continuam vivos,

    apesar de toda instruo escolar.

    C. G. Jung, Civilizao em Transio

    O que o mito?

    Parafraseando Santo Agostinho, Se me perguntam se sei o que , eu sei;

    quando me pedem para dizer o que , no sou capaz de fazer. De fato, quando

    perguntamos o que mito, somos sempre capazes de responder algo, mas se o

    quisermos fazer corretamente, teremos praticamente tantas respostas quantas so

    as vrias correntes determinantes do pensamento nas vrias pocas e, nenhuma

    delas ser jamais completamente satisfatria.

    O Mito uma fala, uma comunicao, sendo portanto uma mensagem. Mas,

    mesmo sem que nada entendamos sobre assunto, de imediato, percebemos que

    esta no uma fala comum.

    A linguagem verbal, em si, j uma conquista bastante evoluda do Homem,

    talvez sua mais evoluda forma de simbolizao. Antes que esse ser fosse capaz de

    uma fala articulada, j existiam nele expresses evidentes de uma atividade muito

    peculiar, por exemplo: quando um membro do grupo morre e seus despojos so

    enterrados, e mais, presenteado com alimentos, utenslios e outros objetos. O que

    este ser, que ainda no fala, est dizendo? - Que existe nele um sistema de

    crenas, que lhes exigem determinadas atitudes ... Rito!

    Rito o ato que liga o Homem ao seu sistema de crenas, aquilo que ele faz

    para satisfazer ou defender-se de seus deuses (ou de suas necessidades internas).

    Rito a liturgia, a religio, a religio. a necessidade em ao! Mas, mesmo sendo

    ato, no um ato vulgar, um ato simblico. no contexto dos rituais que2

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    primeiramente nos encontramos frente ao smbolo, aquilo que faz a ponte entre o

    ato e aquilo que ele significa. "O smbolo traduz em termos de realidade objetos

    irreais"1.

    Compreender e explicar o mundo si mesmo, ao outro, e as relaes

    estabelecidas entre estes elementos funo simblica - dela, ou com ela, surge o

    rito e mais tarde, transformando sentido em forma, o mito.

    Pela citao de Jung colocada em epgrafe, podemos deduzir sua crena de

    que a linguagem mtica, contrariamente a outras2, no se dirige mente racional.

    Enquanto prtica teraputica que se utiliza de diferentes canais expressivos, a

    Arteterapia, tanto quanto o Mito, uma via de acesso ao inconsciente, que atua no

    campo simblico da atividade humana.

    Ambas as linguagens dirigem-se, a um substrato psquico profundo que as

    apreendem mesmo sem as "compreender", ou as compreendem sem saber como,

    nem porque.

    A clnica junguiana se utiliza da amplificao do smbolo para facilitar o

    entendimento deste pelo cliente. Como ferramenta para tal, a Mitologia contribui com

    diversas imagens e a Arteterapia, com variados instrumentos que facilitam a

    expresso dessas imagens num plano concreto (gestual, figurativo, sonoro etc.).

    Ambas so profundamente esclarecedoras e teraputicas, possibilitando a

    compreenso do smbolo pelo Ego.

    J que o mito no pode ser definido pelo objeto de sua mensagem, o que o

    demarca a maneira como esta proferida. Mito tanto uma determinada forma

    de dizer algo, quanto uma fala dirigida a uma instncia psquica especfica: o

    irracional, o ilgico - o inconsciente.

    As tcnicas expressivas em si trazem possibilidades que se transformam

    atravs do fazer artstico. Elas ganham forma no desenho, na msica, na dana, nogesto, na mscara, no personagem, na escultura, no pano tecido ... Nas mltiplas

    construes de cada ser. Tal processo tambm no se d de forma lgica e racional.

    o inconsciente que rege. Mesmo quando a mente consciente determina o que

    para ser feito, o resultado final mostra a impossibilidade de se seguir o que se tentou

    estabelecer previamente.

    1AUGRAS, Monique,A Dimenso Simblica, Ed. Vozes, Petrpolis, 1998, p.10, citando Georges Dumzil.2 A linguagem artstica tem, seguramente, abrangncia semelhante mtica.

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    Arqutipo, estrutura fundamental da psique no corpo terico da psicologia

    analtica, a

    "Parte herdada da psique; padres de estruturao do desempenho

    psicolgico ligados ao instinto; uma entidade hipottica

    irrepresentvel em si mesma e evidente somente atravs de sua

    manifestaes [...] Os arqutipos no podem ser completamente

    integrados nem esgotados em forma humana. A anlise implica uma

    conscientizao crescente das dimenses arquetpicas da vida de

    uma pessoa."3

    Os arqutipos enquanto estruturas vazias so "frmas" que ganham formasna imagem arquetpica que os mitos e o fazer artstico to bem atualizam.

    A Arteterapia trs para o concreto os smbolos que preenchem as frmas,

    colorindo-as com os mais diversos contedos. Contedos estes que, se por um lado

    falam do percurso de cada um, por outro, contam a histria da humanidade - e,

    desta forma, abrem espao para o significado chegar conscincia.

    Ao olhar para suas prprias produes artsticas, analisar o movimento

    realizado, deparar-se com a imagem de uma personagem refletida no espelho ou

    em um outro, ler as palavras espontaneamente escritas em forma de conto ou

    poesia - o sujeito depara-se com seu prprio processo e com os smbolos que o

    permeiam. Tais smbolos muitas vezes denotam um potencial j em curso de

    realizao, ainda que muito distantes da conscincia.

    Mas, como contestar algo que eu fiz e estou vendo? No ningum mais,

    seno eu prprio, que me "digo" tal ou qual coisa. Esse confronto proporciona um

    afrouxamento das resistncias que facilita em muito a elaborao consciente.

    3 SAMUELS, Andrew; SHORTER, Bani e PLAUT, Fred - Dicionrio Crtico de Anlise Junguiana, Rio deJaneiro, Ed. Imago verbete "Arqutipo".

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    Mitologia, Arteterapia e Psicologia Junguiana:

    Uma Proposta de Integrao

    Para facilitar a compreenso do que desejamos compartilhar, dividiremos estaexposio em duas partes:

    Estrutura e Metas do Trabalho

    Resultados obtidos

    Estrutura e Metas do trabalho.

    Na prtica da psicologia junguiana, a Arteterapia mostra-se eficaz na

    amplificao dos contedos simblicos trazidos pelos pacientes. O mito tem funo

    semelhante.

    No percurso do desenvolvimento humano percorremos uma jornada mtica,

    que vai desde a vivncia do indiferenciado - Ourboros, passando pela vivncia das

    dinmicas da Grande Me Arquetpica e do Pai, chegando na dinmica arquetpica

    do Heri, para atingir a Alteridade, conectar-se com os smbolos da Sabedoria e, por

    fim, retornar ao indiferenciado ao atingir a Dinmica Csmica. Ao longo destepercurso que Jung convencionou chamar de processo de individuao, muitos

    arqutipos so constelados.

    Nosso trabalho props-se a seguir este caminho vivencialmente.

    Partirmos doenfoquejunguiano do mito, buscando chegar, o mais prximo

    possvel, de sua essncia, ou seja, os mitos vistos como smbolos do inconsciente

    coletivo.

    Qualquer sistema mitolgico poderia ter sido escolhido, por conta do carteruniversal de seus smbolos. A escolha do mito grego, nesse caso especfico, deveu-

    se, principalmente, ao fato deste nos ser um pouco mais familiar, j que se encontra

    inserido em nossa linguagem cotidiana.

    Feita a escolha, segundo os ciclos arquetpicos e seus tpicos mais

    pregnantes, as vivncias foram montadas, utilizando-se das tcnicas relativas aos

    cinco canais expressivos. Para cada um dos encontros, escolhemos um

    personagem mtico diferente, mas, cuja trajetria configurasse aquele determinado

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    aspecto que nos havamos proposto a trabalhar. O mito tornou-se, ento, fio

    condutor da vivncia.

    As tcnicas expressivas favorecem a vivncia profunda das emoes,

    trazendo sensaes e sentimentos que se traduzem no movimento, na forma, na

    cor, no som.

    Se por um lado a prtica da Arteterapia trs aspectos estruturantes da

    personalidade, por outro, as tcnicas expressivas so "per se"desestruturantes. A

    vivncia do mito, inicialmente, desorganiza para reorganizar. Num segundo

    momento, a prpria tcnica d suporte para a elaborao dos contedos que

    emergem. As consignas4 dadas, os ritos propostos, bem como a escolha seqencial

    das tcnicas dos diferentes canais expressivos, permitem que esses dois momentos

    ocorram.

    No final da vivncia, a arteterapia favorece a exteriorizao do que foi

    vivenciado, dando uma forma concreta aos afetos, transformando os contedos

    simblicos que inevitavelmente emergem ao contato com os elementos mticos.

    Por fim, conta-se o mito, acompanhado de fotografias dos personagens, de

    utenslios por eles usados e dos lugares onde se passa a narrativa. Neste momento

    correlacionam-se as imagens trazidas por cada elemento do grupo com aquelas

    trazidas pelo mito, amplificando-as ainda mais.

    Embora no tenhamos uma proposta psicoterpica, nosso trabalho vem se

    revelando um importante instrumento teraputico.

    Sabemos que situaes mitolgicas nos atravessam o tempo todo, sendo

    vivenciadas no cotidiano. A Arteterapia facilita a vivncia visceral dessas situaes.

    A amplificao na Arteterapia passa por este lugar e, por isso, a resposta vivncia

    do mito torna-se to intensa.

    Resultados obtidos

    Os mitos, assim como a criatividade, so oriundos de uma mesma fonte - o

    inconsciente coletivo. Ao entrarmos em contato com os diversos tipos de imagens

    concretizadas e, tornando-nos cientes de suas mensagens, "automaticamente"

    4 Entende-se por consigna a induo do facilitador para determinadas aes e conexo comdeterminadas emoes.

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    somos religados com a origem de nossa prpria conscincia. Aquilo a que

    chamamos, e reconhecemos como sendo "eu" ampliado. Demos mais um passo

    no processo de individuao - meta do fazer analtico na tica junguiana.

    Saindo da ignorante obscuridade do no saber, conquistamos uma certa

    liberdade para realmente "fazer escolhas".

    Ao longo deste processo, vimos percebendo intensas e profundas

    transformaes em cada um dos membros e no grupo como um todo.

    Transformaes estas que so abertamente relatadas quase sempre ao fim de cada

    jornada.

    No primeiro encontro, buscou-se contactar com a Mitologia Pessoal. A partir

    das histrias dos ancestrais mais prximos - pais, avs, bisavs, tataravs - cada

    um foi convidado a refletir sobre o seu lugar no contexto das geraes anteriores a

    sua. Trabalhou-se, em seguida, a identidade. Posteriormente, com as imagens de

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    cada um, props-se um trabalho em grupo. Surgiu, ento, o mito de Eurnome5

    deusa primordial. Sincronicamente, no primeiro momento do grupo, enquanto tal,

    nele e dele emerge a imagem de um mito de criao.

    Muitos encontros se seguiram a esse. Nesses, depoimentos emocionados,

    questes antigas e novas, sentimentos, imagens, formas, movimentos. Em cada dia

    um acontecimento marcante, uma nova surpresa. No s para o grupo, mas para

    ns que acompanhamos o percurso.

    Dioniso, enquanto a vivncia da Criana Perseguida, mostrou-nos que a

    essncia de cada um sempre permanece e permite a sobrevivncia nas situaes

    das mais difceis.

    A vivncia passou pela inocncia da criana que no reconhece riscos reais,

    pela tentativa de fuga de situaes limites, pelo recolhimento na dor e pela certeza

    de que, apesar de tudo, sobrevivemos.

    Os relatos trouxeram situaes vivenciadas na infncia: abandono, estupro,

    perdas, sufocamentos.

    Na imagem do corao palpitante de Zagreu6, nossa essncia divina, cada um

    pode conectar-se com o seu corao pulsante, a sua prpria essncia e, tendo-a

    preservada, em torno de um centro - essncia que permanece - reunir os prprios

    pedaos, renascendo. Para isso, entregamos um mandala com o centro preservado

    a cada um, sugerindo que este fosse completada com pedaos de papel.

    Mandala significa centro, circunferncia ou circulo mgico7. smbolo para

    Jung do processo de individuao: expresso psicolgica da totalidade do si-

    mesmo8; imagem do Self e, portanto, centro da personalidade.

    O mandala pulsa como o corao, mantendo o ritmo binrio: quando o centro,

    seu interior, se fecha, a camada externa abre-se e vice-versa.

    5 Deusa primordial que surge do Caos sem que nada a sustentasse. Separou ento o mar do cu e danou sobre as

    ondas, deslocando atrs de si, o vento norte. Friccionando suas mos, criou Ofio, prodigiosa serpente que ao vera graciosa e divina danarina, tomado pelo desejo. Se Enroscado em suas pernas, sob a forma de vento norte,

    Ofio faz amor com Eurnome, que tomando a forma de uma pomba e flutuando sobre as ondas, pe um ovo: OOvo Primordial O Universo. A deusa ento pede a Ofio que choque este ovo. Quando este se parte, de dentro

    dele nascem todas as coisas que existem: planetas, sol, lua, montanhas, rios da terra e todas as coisas quecrescem e vivem.6 Primeiro Dioniso, fruto do amor de Zeus e Persfone, que despertando a raiva de Hera esposa divina eoficial de Zeus, foi despedaado pelos tits.7FINCHER, Suzane F. O Autoconhecimento Atravs das Mandalas: a escolha das tcnicas e cores mais

    adequadas para a criao de uma mandala pessoal. So Paulo: Pensamento, 1991 p. 14.8JUNG, C. G. Os Arqutipos e o Inconsciente Coletivo Petrpolis, RJ: Vozes, 2000. Vol: IX/1 - Par. 542.

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    Resultado Final do Trabalho do Grupo

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    As Mandalas: colagem de papis picados emtorno do centro de purpurina

    Impressionou-nos sobremaneira, quando por volta do 6 . encontro, uma das

    participantes que, j h cinco anos, submete-se a um tratamento psicanaltico

    individual, relatou-nos que h mais de trs semanas, estava trabalhando em sua

    anlise problemas recorrentes que lhe afetavam os ps. E mais, que nunca havia

    pensado que este fosse tema a ser levado ao psicanalista. No 2o. encontro havamos

    abordado o Deus Hefestos, como representante da "Criana Abandonada e

    Mutilada".

    Em 5 anos de psicanlise, aps vrias leses, contuses e outros problemas

    mais nos ps, num nico contato com o mito de Hefestos, concretizado atravs do

    trabalho arteteraputico, esta mulher pode tornar-se consciente de sua pssima

    relao com a figura materna, e o quanto isso tinha afetado "suas bases".

    Ter vivenciado e aprendido alguma coisa acerca desse mito, conjugado a

    possibilidade de identificar-se com uma instncia divina, provocou-lhe uma

    significativa transformao.

    No ltimo encontro daqueles que se propunham a abordar a dinmica

    arquetpica da Grande Me, a ocenica Ttis, enquanto a Me adotiva, despertou a

    possibilidade interna de dilogo e cuidado com a criana interior.

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    O entregar-se ao ldico, a certeza de amar, ser amado, aceito, reconhecido e

    bem cuidado, a despeito do que quer que seja - to incondicionalmente como a

    Deusa amou a todos aqueles a quem acolheu como filhos, inclusive o mutilado

    Hefestos - amor semelhante ao que dedicava a Aquiles, o nico sobrevivente entre

    seus filhos naturais.

    O contato com bolas, o ambiente tornado clido e acolhedor, o terem sido

    carinhosamente cobertos e aquecidos, envoltos em lenis, trouxeram ao final, no

    discurso de todos os participantes, expresses verbais relacionadas ao incio da vida

    e gua, ainda que no soubessem tratar-se de uma divindade marinha: "chorei rios

    de lgrimas", "sementinha", "fluir", "como a gua que no tem territrio".Cada vez mais, tornava-se evidente o quanto a vivncia e o mito propostos,

    alcanavam seu objetivo final.

    Em Cronos, vivenciar O Pai Devorador, trouxe uma angstia intensa a

    todos. Primeiro por parte de a vivncia ter acontecido com as mos amarradas

    contato direto com o limite.

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    Depois pelo tempo que a tudo devora e nos ultrapassa. Solicitou-se que cada

    um representasse a percepo do tempo na infncia, de hoje, daqui a 30 anos e do

    tempo que existir, mas do qual no participaremos, pois este no nos deixar v-lo

    chegar.

    As imagens abaixo mostram algumas destas representaes.

    Numa das vivncias, a relao entre psicomotricidade e arteterapia muito nos

    surpreendeu. Focalizamos a misso a cumprir, atravs do mito de Teseu.

    Aps relembrarem o seu prprio percurso, trazendo imagens das metas de

    cada momento de sua vida e sua trajetria at ento, o grupo foi convidado a

    atravessar, de olhos vendados, um labirinto feito com barbantes, percorrendo o

    caminho da sua meta atual. Chamou-nos a ateno a forma como cada pessoa saiudesse espao-labirinto: uma foi at o final e retornou, saindo por onde entrou; outra

    foi ao final, retornou e saiu pelo centro, exatamente no meio do labirinto; uma

    terceira percorreu o trajeto do incio ao fim e, ao chegar ao final, saiu do labirinto.

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    Posteriormente, cada uma foi convidada a escolher imagens desse ltimo

    trajeto: o quanto j caminhou, onde est nesse processo e onde quer chegar,

    colando-as no fio do seu percurso.

    No relato de cada uma sobre o fio, aquela que saiu pelo incio do labirinto,

    contou-nos que uma pessoa que conhecera h 30 anos atrs cruzara seu caminho,

    levando-a a retornar e comear um novo percurso em sua vida. Ela est comeando

    a tra-lo agora.

    A que saiu pelo centro, disse que seguiu uma carreira traada pelo pai, se

    formou, comeou a trabalhar e viu que no queria nada daquilo. Largou tudo. E

    comeou uma nova trajetria em outra rea, estudando algo completamente

    diferente, mas de acordo com o seu desejo. No momento, continua construindo esse

    caminho, mas ainda sente que h uma longa estrada a ser percorrida at que possa

    chegar aonde quer. Percebe-se no meio do caminho.A terceira pessoa falou-nos de sua luta para conseguir a formao

    profissional que deve se dar no final deste ano. Contou-nos sobre sua entrada na

    faculdade, sua mudana de um curso para outro, as barreiras que surgiram, a forma

    como as superou, at finalmente chegar ao momento atual, quando vislumbra o final

    do curso, to prximo. Sua histria era linear: comeo, meio e fim.

    Estas foram apenas algumas observaes e relatos de inmeros outros que

    os sucederam e de tantos que seguramente ainda esto por vir.12

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    Nosso trabalho mostra que os mitos, embora antigos e pertencentes a um

    outro contexto cultural e cultual, tem uma atualidade "impressionante", justamente

    porque, enquanto imagens arquetpicas, so atemporais e a-culturais.

    Infelizmente, nos dias que correm, onde estamos quase nos tornando "ps-

    letrados"9, a grande maioria no confere o devido crdito necessidade postulada

    por Jung, acerca do conhecimento do mito como forma de amplificao dos

    contedos inconscientes.

    Alm disso, Entendemos que na prxis clnica, o mito permite tambm uma

    dupla via de "identificao":

    O pr. identificando-se com o mito tem mais um caminho para sair do

    "buraco" que ele considera nica e exclusivamente um sofrimento seu,

    particular.

    O analista, conhecendo o mito inteiro pode, de certa forma, "prever" alguns

    desfechos e, a partir da, tomar decises mais conscientes quanto ao modo de

    intervir na relao.

    Se o cliente seja por si prprio ou por ouvi-lo contado por seu analista,

    conhece o mito, sabe que a sua energia o est levando a constelar um determinado

    tipo de atitude [arquetpica] na vida, concretamente. Conhecendo o desenrolar dos

    fatos, cabe a ele corrigir a rota, ou deixar que ela flua nesse caminho, mas...

    Conscientemente. Uma verdadeira escolha.

    importante ressaltar que, quando dizemos "interveno", no queremos

    dizer que o analista v determinar o que o pr. Far ou no. Apenas podemos

    sinalizar caminhos, apontar seus percalos e perigos. A deciso de mudar ou

    permanecer , e sempre ser, dele (do cliente).

    Mas, se tanto um quanto o outro, analista e cliente, desconhecem o mito,

    essa grande via de transformao fica inexoravelmente perdida.

    Imaginemos, agora, quando tratamos de casos em que a morte concreta, que

    muitas vezes ocorrem como resultado de determinadas situaes onde o indivduo

    tomado pela hbris10 - que certamente no acomete apenas os heris - o desfecho

    provvel?

    9 Em contrapartida ao uso da terminologia "pr-letrados" para designar os povos primitivos. Aqueles que

    existiram antes da escrita - elemento que demarca o limite entre a pr-histria e a histria.

    10 Orgulho, descomedimento, ultrapassar o mtron (a justa medida). A medida do humano.

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    Como que ficamos? Onde fica nossa responsabilidade de terapeutas?

    Na prtica clnica, aliando a Arteterapia ao trabalho com o Mito, as tcnicas

    expressivas propiciam a vivncia do desdobramento das atitudes e escolhas

    presentes no futuro, facilitando a compreenso de nossas construes e de nossos

    passos, assim como do caminho para qual estes apontam.

    Ana Luisa Baptista

    Psicloga Clnica CRP: 05/23146Arteterapeuta

    Coordenadora de Grupos de Vivncias e de Grupos de Formao em ArteterapiaEspecialista em Psicologia JunguianaFormanda em Terapia Psico-Corporal

    Maria de Lourdes de Campos RibeiroPsicloga Clnica CRP: 05/5195Analista JunguianaCientista AmbientalDoutora em Antropologia Cultural

    Mitloga

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