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2⁰ Simpósio Internacional de História das Religiões
XV Simpósio Nacional de História das Religiões
ABHR 2016
Uma organização juvenil em rede para o século XXI:
Os desafios e limites da Pastoral da Juventude frente à gratuidade, o institucional e a
técnica na gestão de pessoas.
Denny Junior Cabral Ferreira1
Introdução: jovens, religião e gratuidade
Não é nova a tese que como advento da modernidade o ser humano, em especial o
ocidental, deixou de viver seguindo a orientação única ou exclusiva da religião, seja ela qual
for. De alguma forma houve uma emancipação por parte da humanidade atual de viver sua
imaginação, reflexão, liberdade e explicar sua existência para além da fé e da ciência. Surgiu
uma nova cultura, uma nova ordem social baseada nas novas tecnologias (mesma para
aqueles que ainda não a usufruem em sua totalidade), no novo mercado mundial e nas novas
posições políticas mundiais. Os jovens são a ponta de lança de grande parte desse movimento,
sejam como consumidores e disseminadores dessas novas práticas e tendências, numa atitude
mais ativa ou passiva, conforme o grau de politização que possuem (SILVA, 2006).
1 Menstrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará - UEPA e membro do Grupo de Pesquisa “Movimentos Sociais, Educação e Cidadania na Amazônia - GMSECA”. E-mail: [email protected]. O artigo tem como base o projeto de pesquisa de mestrado “Se a Juventude viesse a faltar, o rosto de Deus iria mudar: Um estudo da atualidade teológica da Pastoral da Juventude do Regional Norte II da CNBB frente a seus stakeholders” sob a orientação da Prof.ª Dr. ª Maria Marize Duarte.
A juventude que participa de uma forma institucionalmente religiosa
(aproximadamente 4% de uma fatia de 15% considerando todo o universo juvenil brasileiro)
critica a hipocrisia, as proibições dogmáticas e regras religiosas, do excesso de cobrança e do
autoritarismo adulto e mais além dos “des exemplos” entre o clero (facilmente noticiosos
entre a Mídia). Há aqueles que resistem à postura das igrejas frente ao aborto, a
homossexualidade (para a Igreja: homossexualismo), os métodos anticonceptivos, a castidade
e a própria noção de pecado. “O Cristianismo deve apresentar-se diante deles sem moralismo”
(LIBÂNIO, 2013, p. 92). Em contrapartida, há grupos de jovens que se familiarizam com uma
igreja conservadora, “marcado pelos costumes veiculados pelas gerações que lhe procederam
e ainda pouco afetado pelas ondas secularizantes da Modernidade” (LIBÂNIO, 2013, p. 38).
Em todos os casos, há o reflexo da nova subjetividade religiosa, seja como forma de relativizar
o tradicional, seja como forma de viver uma espiritualidade militante, mas de teor intimista e
protecionista frente à diversidade secular de nosso tempo. A Igreja já deu sinais de upgrade
com o crescimento dos evangélicos com a ascensão meteórica que teve a Renovação
Carismática Católica (RCC) e o movimento gospel no início dos anos 90 do século XX, expoente
de movimentos mais “adaptados” a essa nova cultura juvenil, que na avaliação de Libânio
“trata-se do perfil juvenil cristão predominante no atual contexto” (LIBÂNIO, 2013, p. 41).2
Nesse cenário, há três atitudes dos jovens em relação à religião: há aqueles que
acreditam em sua importância, mas de uma forma interior e ao seu modo; a segunda atitude
é daqueles que lhe dão crédito, mas não se envolvem ativamente e por fim há aqueles que
acreditam e vivenciam isso de uma forma ativa, o que não limita suas críticas (SILVA, 2006). É
neste último que podemos analisar o papel da gratuidade nesse processo. Como, numa
sociedade em que os indivíduos entendem a gestão da religião como algo de iniciativa privada,
sem preocupação com o outro, vive-la de forma engajada, militante? O que a torna voluntária,
gratuita e despojada? Em outras palavras, como viver uma espiritualidade engajada, em que
se traduzam os valores religiosos em uma prática que não se restrinja ao privado, mas tenha
cor e sabor coletivos e mais ainda, devotados de voluntarismo genuíno, práticas gratuitas, em
2 Para uma compreensão sistematizada das tendências atuais da juventude no campo religioso: Cf. LIBÂNIO, J.B. Para onde vai a juventude? Reflexões pastorais. São Paulo: Paulus, 2011, p. 183-208.
que o ser se torna valoroso em relação ao ter, numa lógica que contraria a religiosidade
neoliberal, típicas de teologias capitalistas em voga?
Primeiro é compreender que tradicionalmente religião é algo coletivo, mas que só tem
sentido de existir se for para fomentar uma espiritualidade militante, privada ou não. Basta
ler o Sermão da Montanha para visualizar como Jesus tratou a questão em seu tempo. Para
Jesus foi mais fácil, todavia fazer a crítica, pois sua sociedade era toda baseada em ideais
religiosos, situação hoje por nós não mais partilhada, pelo menos objetivamente.
Segundo é recuperar o valor da gratuidade não como um dom ou bem privado em que
coloco a disposição de outrem. Em um país capitalista como o nosso em que gratuidade virou
sinônimo de ineficaz ou sujeito a administração pública ou ainda o que é público, mas sem
gerência e moroso. Falar de gratuidade gera um desconforto conceitual, pois pode implicar na
ideia de doação sem qualificação ou daquilo que (deveria) ser público e acessível a todos, mas
sem uma gestão eficaz (reservado aos mais pobres, àqueles que não podem pagar por uma
prestação de serviços e produtos melhores). Os bens públicos não saem de graça, pagasse
impostos para gerá-los ou administrá-los. Os bens da natureza podem ser gratuitos, mas
consumi-los exige custos operacionais.
A gratuidade verdadeira passa pela contraposição de levar vantagem de alguma forma
na troca efetuada, o que a meu ver hoje, não figura numa sociedade neoliberal em que jovens
universitários fazem trabalho voluntário porque necessitam creditar atividades
complementares em seu currículo escolar. Gratuidade hoje é uma prática até comum, mas
não um valor intrínseco a todos que o fazem, mesmo entre os mais jovens, geralmente mais
sensíveis e dispostos à mudança. Neste papel a religião é importante, pois o desafio que é a
tarefa teologal de transformar a gratuidade como prática (uma imanência, algo que percebo
e posso analisar objetivamente) em um valor (algo transcendente, que eleva ao desígnio da
fé, do subjetivo), pode-se recuperar a dinâmica do terceiro grupo de jovens em o cenário é
viver uma espiritualidade engajada (mas muitas vezes não processada, não sistematizada e
mal administrada) e migrar agentes do segundo cenário (que veem a instituição como algo
empalizante, sem cor, sem brilho, “amarrado”), pois são os ideais que podem ser concretizados
que cativam a juventude de hoje, num processo teologal inverso, ou seja, tornar o
transcendente em algo transparente, em que continua com propriedades imanentes, mas
carregado de transcendência – ou seja, de valor, de significado.
Jovens em rede, a instituição e seus desafios
Os jovens, quando devotados, hiperbolizam sua prática religiosa mais que os adultos,
pois o sentido de pertença, o apelo emocional da experiência, o sentido missionário são
encarados como valores em seu universo nascente, pois são entendidos como portas para o
universo adulto. Feita essa experiência, há uma natural acomodação. Se desastrosa essa
experiência nesse interim da vida, um pessimismo enraizado geralmente prevalece por toda a
vida ou são substituídos por uma nova tradição ou prática, às vezes num círculo vicioso. O
papel das redes, sejam virtuais ou não, maximizam essas experiências. Notem que os jovens
só foram entendidos como classe social, na medida em que fizeram experiências em rede,
quando se mobilizaram em massa ou testemunham ações em conjunto3.
A esse respeito, a Pastoral da Juventude 4 (doravante PJ) é uma das organizações
juvenis católicas organizadas em rede, com inspiração no Cristianismo de Libertação,
notadamente omitida nos ensaios dos teóricos da Teologia da Libertação, mas
“provavelmente, mais sensível do que outras às tendências culturais individualistas presentes
na sociedade, a partir dos anos 1990” (SOFIATI, 2012, p.14) que Dick a destaca para temos
uma compreensão como um exemplo digno de organização juvenil e social de amplitude
nacional, afirmando-se em seu protagonismo: a juventude católica da PJ, “sejam eles (os
3 Cf. BRANDÂO, Antonio Carlos; DUARTE, Milton Fernandes. Movimentos culturais de juventude. São Paulo: Moderna, 1990.
4 A Pastoral da Juventude é consequência de uma construção nacional iniciada em 1970 congruente das várias
experiências com a juventude, espalhadas pelo Brasil, enquanto mecanismo privilegiado de evangelização juvenil no meio católico, identificadas com as opções defendidas pelo Cristianismo de Libertação, da pedagogia da autonomia (de Paulo Freire), da opção preferencial pelo pobres (Medellín, 1968) e posteriormente pelos jovens (Puebla, 1979 e Santo Domingo, 1992), perfomando-se gradativamente como a pastoral modelo de trabalho da Igreja Católica frente à juventude brasileira (com a criação em 1983 do Setor Juventude da CNBB) impulsionada em organizar em todos os níveis da instituição católica: comunidades, paroquias, dioceses e prelazias, regionais e nacionalmente, condizentes com um cenário progressista da prática católica, na redemocratização do país (década de 1980) e de uma fé intelectualizada (nos escritos da TdL, os temas das Campanhas da Fraternidade da CNBB a partir de 1970 e no crescimento das Ceb’s).
grupos de jovens) paroquiais ou reunidos por meio de suas especificidades” concluindo que o
atual ambiente episcopal brasileiro tende à problematizar o tipo de evangelização que a PJ
defende, simpatizando mais com “movimentos” menos conscientizadores, “lights” e onde os
adultos exercem mais controle (DICK, 2003, p. 296).
Em nosso século, em que a experiência de estar conectado se massifica a cada dia e
que para a juventude sua perda representa um de seus maiores medos, a experiência de fazer
parte de um grupo, de pertencer a algo, tem um apelo singular, ainda mais se tal conjunto
tiver uma projeção nacional ou internacional. Para os jovens religiosos isso bastaria, pois, a
maioria das igrejas de hoje cumprem esse papel, especialmente a Igreja Católica, universal em
próprio nome, onde “a importância pastoral dos grupos cresce à medida que neles os jovens
criam parâmetros, referencias de valor e de conduta” (LIBÂNIO, 2004, p. 33). Contudo, estar
numa rede e sentisse como rede tem significados diferentes entre os jovens, pois a maioria
quer gestar o canal assumindo-a como sujeito e não apenas como ente social. Nessa visão,
surge inevitavelmente outro embate com o institucional e o tradicional, pois possuem regras
imutáveis aos olhos dos jovens e valores considerados caducos. Observasse essa antipatia
mesmo nas organizações juvenis em que os mesmos protagonizam. Os calouros tendem a
negar o feito pelos anfitriões numa atitude típica de construir sua própria imagem e de
reafirmação. Mas enfatizo que isso ocorre quando a iniciação não ocorre como deveria. É
difícil de admitir, pois no caso da Pastoral da Juventude, mesmo esse processo de cativar,
educar e iniciar os calouros passa, inevitavelmente, pela institucionalização do novo membro,
pois do contrário, não haveria consecução pastoral. A catequese da Crisma, a Catequese de
modo geral, os votos para os noviços/as a vida religiosa, a sacramentalização, a liturgia, as
vestes são símbolos que a Igreja usa para institucionalizar um novo membro. Negar a
instituição é negar um mal necessário do ponto de vista da liberdade humana, mimetizado
como “socialização” em muitos setores, mas sem isso, não há sociedade e com ela seus valores
e princípios. E aí cabe outra pergunta: Como garantir a humanização de nossas relações
religiosas sem desprezar o papel da instituição? É possível separar o ser humano do que é ser
sujeito e do que é ator social? Ser ator social não implica ser sujeito?
Para Jung Mo Sung, a separação é verdadeira e necessária, pois para ele “não é possível
que as instituições funcionem sem nenhum processo de objetivação de seres humanos”
(SUNG, 2002, p. 55) e que possui eco na obra de Peter L. Berger quando este apresenta a
religião como mecanismo de “a socialização procura garantir um consenso perdurável no
tocante aos traços mais importantes do mundo social”, favorecendo assim sua manutenção
(BERGER, 1985, p. 42). O problema seria “a redução do ser humano em determinados papéis.
Redução que nega outras potencialidades do ser humano”. Tal afirmação do ser humano como
sujeito frente a sistemas sociais – que tendem a objetivá-lo, reduzindo-a a peças do sistema –
exige para sua efetivação uma ação social/política, isto é, na medida em que ele se transforma
em um ato social dentro de uma instituição e se torna eficiente em fazer isso. Contudo, diz o
autor “por mais que tentemos nos enganar... acreditando que a solução de problemas
religiosos e sociais estão somente no nível comunitário e microssocial, a realidade da
globalização econômica, a rede de comunicação global e outras relações globalizadas
continuam afetando nossas vidas” (SUNG, 2002, p. 65).
Limitando a questão à PJ, mesmo que seja um eufemismo, ela tem um papel
institucionalizante, à medida que tomou corpo, definiu marcos referenciais, gerou
documentos, criou estruturas de serviço e defende entre os jovens um papel, caso contrário,
não poderia ser uma pastoral, sequer existiria e seus valores ou teriam se perdido ou seriam
restrito a meia dúzia de grupos de jovens esparsos pelos Continente Latino-americano. Seus
líderes, caso não tenham percebido, fazem parte deste processo, cumprem papéis que às
vezes se não se articulam com sua subjetividade. O ponto positivo da instituição chamada “PJ”
é que ela tem como se posicionar frente a outras instituições, em especial a instituição maior
que faz parte, no caso a Igreja Católica Apostólica Romana. A esse respeito, cabe interligar o
conceito de estratégia com o de redes:
As decisões estratégicas das organizações não devem ser separadas do contexto das
relações existentes, sendo que as organizações influenciam e são influenciadas não só pelas
relações diretas que estabelecem com seus stakeholders, mas sim pela rede em que estão
inseridas (SIMAENS, 2012, p. 215).
A experiência mais recente tem demonstrado que só sobrevive no campo católico
àquelas experiências que verdadeiramente são organizadas e bem administradas e que de
alguma forma dão dividendos ao conjunto. E neste cenário, não cabe mais uma simples
“concorrência”, pois o valor da diversidade está em apresentar variadas soluções para um
mesmo fim que o próprio processo de institucionalização tende a conformar, situação
tolerada pela própria Igreja, misto de movimentos, ordens e visões de pastoral. O Cristianismo
não nasceu hegemonizado e uniformizado, o fato de existirem diferentes evangelhos sobre
Jesus prova essa tese, para citar um exemplo próximo. Em suma, a instituição cabe um papel
conservador sim, mas regulador dos valores. O que não pode ocorrer é viver mais a instituição
do que os valores que a geraram. Esse é o conflito básico.
Para a PJ, esse conflito acontece quando:
Quem a guia não está comprometida com seu papel institucional, olhando do
ponto de vista da administração, que escreverei mais à frente como algo que não
pode ser mais negligenciado em nossa atual conjuntura. Combater
vanguardismos, quebra de processo e munir suas lideranças com práticas de
gestão baseada em projetos de vida guiados por acompanhantes eficazes são as
dicas que registro aqui para combater este primeiro sintoma.
Também é gerado desta crise a não conceituação da PJ como uma rede de grupos,
pois limita-la a um conceito vertical, quase piramidal, revoga sua nobre origem e
natureza, descolorindo-a como espaço privilegiado para exercício do
protagonismo do laicato juvenil, perdendo a força que o papel político,
democrático e horizontal das redes, tem no cenário moderno. Atualizar sua
imagem, utilizar com mais eficiência as mídias sociais, dar uma verdadeira atenção
ao lúdico, fomentar a musicalidade em seus grupos de base, são demandas
necessárias de formação com base nesta premissa.
Um terceiro gerador de crise é uma compreensão duvidosa, presente também em
grande número em outras congêneres, que por ser um espaço laico, gratuito e
religioso, tem que ser todo informal, voluntário e improvisado, fardado ao laissez-
faire contínuo. Se a Igreja sobreviveu como a uma das mais poderosas instituições
nestes 2000 anos é porque ela teve uma organização e burocracias eficientes;
justamente por ser uma organização voluntária - a PJ - é que ela tem que ser eficaz
e eficiente para sobreviver, isto exige um uma evolução que Jung Mo Sung registra
como desdobramento do conceito de sujeito: a solidariedade. Seres humanos
conscientizados de sua subjetividade se reconhecem em sua humanidade e
gratuidade, provocando-se em posturas éticas, traduzindo sua utopia coletiva em
projetos históricos viáveis e possíveis. Os jovens são privilegiados com essa
dimensão por natureza.
A gestão de pessoas e o desafio da gratuidade
Mudando o foco da teologia para a Administração: todo administrador é educado para
gerir pessoas, fazendo valer a missão e os valores da organização que atua a fim de conseguir
que gerem resultados de preferência positivos, seja lucro, bens, serviços de qualidade,
produtos inovadores. A mãe que sustenta a casa geralmente a administra, o pároco sua
paróquia ou o bispo sua diocese. Não é um conceito restrito a grandes corporações ou às
empresas.
Em uma organização em que ficam claros os papéis e os ganhos de suas atividades, as
pessoas respondem com mais propriedade (pois do contrário são sancionadas), na
Administração de Recurso Humanos é chamado de gestão instrumental, conceito que, por
mais que o empreendimento possa desejar transparecer e ser humanizado nas relações entre
seus os colaboradores, o interesse último é o resultado esperado (lucro, ganhos, manutenção
de benefícios, cargos, etc.), de preferência satisfazendo empregador e empregados. Pode
parecer antiético, mas numa sociedade capitalista é o que pode se esperar.
Mas quando essa organização não visa propriamente o capital? Em que se estabelece
que as relações e os ganhos sejam os resultados a serem impressos na alma de cada membro,
de natureza altruísta e voluntária, é possível estabelecer parâmetros advindos da
administração científica, da técnica e da economia para gestar essas relações, essas pessoas?
Não se corre o risco de instrumentalizar? Ou fetichizar com os ídolos do mercado essa
organização sem fins lucrativos?
Assim como não se pode conceber mais que um bom catequista dá uma boa instrução
até debaixo de uma mangueira, pois a realidade dos catequizandos exige do mesmo ser mais
criativo, motivado, aparelhado, pois facilmente os signos modernos absorvidos pelos
catequizandos interpelam continuamente uma catequese imediatista, sacramentalista, não-
renovada e pior, improvisada. Como já dito, gratuidade não dispensa qualidade e para se obter
qualidade em qualquer ação, há de se comportar de forma diferente, mudando cultura,
aparelhos, técnicas e oferecer soluções que não sejam mágicas, mas viáveis e que respondam
ao desejo, caso da PJ, dos jovens, de se tornarem sujeitos – de serem reconhecidos, de
estarem conectados, de afirmação – e que não se reduza na espiritualidade privada ou grupal,
mas que o leve a retribuir de forma gratuita e voluntária, o que de “graça” nele foi investido.
J. B. Libânio (2004, p. 41-54; 89-102), tratando em uma de suas obras sobre o jovem moderno
e pós-moderno e os desafios para a PJ, aponta alguns desafios nessa gestão:
Diminuir a defasagem entre o discurso e a prática;
Conforme a crise atinge seu público, a exigência de suas pedagogias diferentes –
uma para os de dentro cujas exigências pastorais devem ser sensíveis ao grau de
consciência de cada um e sua liberdade – e outra para os de fora – tratá-los
conforme a dimensão da crise – intelectual ou afetiva?
Oferecer uma enorme gama de possibilidades de se inventar o humano; abusar da
inventividade e da criatividade, mas de uma forma proposital;
Apontar nos jovens e seus grupos de base um sentido altruísta a sua ação
conjugado com a vida intelectual;
Evitar um pastoral de choque, especialmente para os jovens oriundos da tradição
religiosa familiar ou rural, mas preparar a todos para serem lúcidos pastoralmente,
especialmente frente à vida acadêmica e a razão moderna;
Fazer uma leitura crítica e um uso estratégico da tecnologia, da informática, das
Mídias Sociais e da Sociedade da Informação;
Elaborar um projeto pastoral social que provoque a onda privatizante e intimista
dos grupos de base, aumentando vínculos com as juventudes de fora da Igreja e
suas iniciativas;
Estrategicamente, ampliar da retaguarda da pastoral (o que na Administração de
Serviços se chama back office);
Trabalhar a pedagogia do antes e do agora, muita utilizada pelos movimentos,
para combater a rotatividades dos iniciantes e as práticas de RdV – Revisão de Vida
e RdP – revisão de Prática para os que estão na militância;
Repensar sua estratégia junto aos seus stakeholders: outras pastorais de mesmo
público, movimentos e grupos que se identificam com seu ideário e pedagogia5,
não somente para exercício de uma Pastoral de Conjunto, mas potencializar suas
ações, reforçando-se estrategicamente e politicamente em rede, ampliando o
campo de retaguarda.
Marketing Interno e o desafio de profissionalizar nossa ação
Marketing interno nada é mais que tratar os colaboradores numa organização como se
fossem clientes internos. Usada estrategicamente para “oferecer um ambiente interno
motivador, atrair e reter talentos”, necessitando de todo um esforço de integração pela
organização para que seus serviços atinjam o grau almejado de satisfação do seu público. Para
superar expectativas é preciso que a organização viva uma cultura de excelência não só capaz
de transformar seu público interno em peritos em “vender ou apresentar seus serviços”, mas
também de apresentar para o público externo seus diferenciais, a personalidade daquela
organização. Para efetivar isso, a cultura da qualidade é a base da reputação da organização,
baseado em dicas que vão desde a busca da perfeição, torná-la uma crença internamente,
recompensar, aprimorar, dar autonomia e poder de decisão, estar em sintonia com o público
5 A Pastoral do Menor, a Catequese da Crisma, a Pastoral de Adolescentes são exemplos de organizações também pastorais reconhecidas pelo CNBB e que possuem público formado por jovens. PU, Jufra, Focolares, são organizações eclesiais que historicamente dialogam com a PJ, só para citar casos internos.
externo e buscar conhecê-lo. E um ponto fundamental: para ser bem-sucedido, começa de
cima para baixo, do mais alto grau de responsabilidade e hierarquia até o menor.
Apesar de parecer reducionista, mas se entendemos a PJ como uma prestadora de
serviços, pelo menos em um nível paroquiano e diocesano de sua articulação, a motivação, ou
seja, um estado de entusiasmo e curiosidade permanentes que levem os seus jovens o desejo
de construir algo que julguem relevantes, buscando canalizar a subjetividade deste conceito
para algo mais coletivo, isso só se dá se for concebido de uma forma mais profissional por
aqueles que geririam a organização, apropriando algumas práticas já usadas pela PJ em sua
dimensão da Capacitação Técnica6, mas relendo-as sob a perspectiva da Administração de
Serviços, reinterpretando e atualizando a prática diária, transformando-a em técnicas de:
Empowerment (dar o poder, empoderamento): delegar de forma responsável e
madura, responsabilidades, dando-lhe autonomia de realizar tarefas,
recompensando-o conforme o grau exigido. O princípio do protagonismo juvenil,
tão evidente e delineado na PJ é uma manifestação histórica de empoderamento.
Endomarketing: Capacitar seu público interno a vestir a camisa e incorporar a
visão da organização como sua e de sua competência. Educar uma nova geração
de coordenadores e militantes, mais sensíveis às Mídias Sociais e eletrônicas,
reeducando com técnicas e utilizando a vasta criatividade e qualidade dos signos
da organização.
Endoacting (atuação para dentro, desempenho): Pensar planos de ação para
dentro, objetivando a solução de demandas específicas e a melhoria do
desempenho da organização. De certa forma presentes em seus planos de
formação e espiritualidade, mas a dimensão da ação (vista para o exterior da
instituição) sempre é apresentada em oposto à formação interna e à
espiritualidade, no tripé Ação-Formação-Espiritualidade, fórmula clássica no
planejamento da PJ. Inverter essa lógica, que Programas de Ação podem ser
6 Capacitação Técnica é uma das dimensões do programa de Formação Integral da PJ, juntamente com a personalização, integração comunitária, teológica-teologal e sócio-política e corresponde, justamente ao conjunto de técnicas necessários à condução eficiente da organização e à capacitação do seu pessoal.
internalizados e que os Programas de Formação e Espiritualidade podem ser
externalizados, é o ponto que apresento como novidade.
Coaching (treinamento), Mentoring (tutoria) ou Counselling (aconselhamento): O
papel da assessoria na PJ possui como stakeholder, dependendo da situação, um
misto professor ou treinador, de mentor e de conselheiro, mas dificilmente um
assessor/a domina as três realidades, fora que o papel de coordenar também
possui essas dimensões em grau menor. Preparar quadros, aperfeiçoá-los e cativar
mais pessoas e grupos (congregações religiosas, por exemplo, são stakeholders
potenciais7) de uma forma estratégica é urgente e necessário. Equipes no Serviço
da Assessoria que consigam reunir e operacionalizar essas dimensões em todas as
instancias é o desejável.
Considerações finais
Para fechar, independente da abordagem de como se deva articular a Pastoral da
Juventude, há em relação ao trabalho com os jovens três exigências que, especialmente a
modernidade nos impõe:
Deve-se ficar em contínua abertura para a novidade. Uma continua desinstalação
que não deve ser confundida com vazio, mas como se fosse um interesse genuíno
de aprender, o que exige um discipulado. A vida não é um fim em si mesma, mas
um ser em si mesma. Essa atitude/exigência ajuda a não se fechar em modelos
dedutivos, mas a dialética entre fé-vida.
Deve-se cultivar a capacidade de contemplação. Descobrir os valores teologais
entre os jovens, mostra-lhes o que de divino possuem, numa atitude de realçar
seus valores e criticar os contra valores de sua época.
Não limitar nossa ação ao público interno: Apesar de nosso público ser o jovem
religioso e comprometido com a transformação social, nossa abordagem terá eco
7 A título de exemplo, a Conferencia dos Religiosos do Brasil, definiu como prioridade a juventude e possui em seu organograma um Grupo de Trabalho nacional e regionais, incumbidos de dinamizar a tarefa. Cf. CRB. Plano de Ação 2014-2016. Brasília: CRB, 2014.
e continuará valida se não se restringir a essa juventude, mas potencializar sua
mensagem a toda a juventude, felizes com a ideia que nunca terão a totalidade da
mesma;
Por fim, a organização e todo o sentido de ser da Pastoral da Juventude devem evocar,
naqueles que a vivem como opção pedagógica, como caminho e caminhar no ser e fazer-se
jovem, a alegria de herdá-la e o desafio de dar-lhe continuidade, não porque
institucionalmente ela o exige, mas porque nela se encontram possibilidades e exigências de
ser feliz, porque na experiência de grupo de base, há conexão viva e dialética de fazer uma
experiência face a face que liga o sujeito a algo maior, transcendente; em que respeita-se
àqueles que optam por outras vias, mas cujos quadros militantes não abrem mão da mesma,
pois ela tem a singularidade de viver a laicidade como jovem na Igreja Católica de uma forma
pessoal, coletiva, mas sobretudo empoderada, protagônica. Toda exigência, todo o labor, toda
a cobrança, toda a manutenção dos processos, só terão validade e continuidade, se os atuais
líderes da PJ se conscientizarem da beleza que possam modelar para àqueles iniciantes em
seus quadros (e que que não tem o mesmo nível de compromisso militante) e reconhecer que
profissionalizar a cultura organizacional demanda mais investimento pessoal e coletivo, mas
em nada singular para aqueles que viveram o Processo de Educação na Fé da Pastoral da
Juventude.
Referências
DICK, Hilário. Gritos silenciados, mas evidentes: jovens construindo juventude na História. São Paulo: Edições Loyola, 2003. LIBÂNIO, J.B. Jovens em tempo de pós-modernidade: considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Edições Loyola, 2004. _______, J.B. Linguagens sobre Jesus: as linguagens da juventude e da libertação. São Paulo: Paulus, 2013. BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.
SIMAENS, Ana. Estratégia nas Organizações Sem Fins Lucrativos. In: NELSON, António (Org.) Estratégia Organizacional: do Mercado à Ética. Lisboa: Escolar Editora, 2012, p. 201-240, SILVA, Lourival Rodrigues da. A religião em tempos de pós-Modernidade e a juventude. Redemoinho. Revista da Rede Brasileira de Centros e Institutos de Juventude, nº 000, Porto Alegre, p.41-46, outubro de 2006. SOFIATI, Flávio Munhoz. Juventude Católica: o novo discurso da Teologia da Libertação. São Carlos: EdUSFCar, 2012. SPILLER, Eduardo Santigo et al. Gestão de Serviços e marketing. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2006. 3ª Edição SUNG, Jung Mo. Sujeito e Sociedade Complexas: para repensar os horizontes utópicos. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.