MODELO (Próprio. Autoria) - Parecer - Reconhecimento de Dívida

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Parecer n __/2014

Processo n 0502153055672/2013

Interessada: FB Locaes e Servios Ltda.

Assunto: Reconhecimento de dvida referente a uso de imvel aps a vigncia do competente contrato.

DIREITO ADMINISTRATIVO RECONHECIMENTO DE DVIDA - CONTRATO DE LOCAO EXPIRADO IMPOSSIBILIDADE DE PRORROGAO TCITA - BOA-F DA CONTRATADA BENEFCIOS AUFERIDOS PELO MUNICPIO NECESSIDADE DE RECONHECIMENTO DA DVIDA PELA AUTORIDADE COMPETENTE INTELIGNCIA DO ART. 55, INC. III, DA LEI N 8.666/93.

Trata-se de consulta formulada pela Secretaria Executiva Regional I SER I, com base em reconhecimento de dvida por utilizao de imvel de particular, pelo perodo de 01 de janeiro de 2013 9 de dezembro do mesmo ano, aps expirado o prazo de vigncia do contrato de locao inicial.

fl. 02 apresenta-se proposta de prorrogao do contrato de locao inicialmente firmado entre o Municpio de Fortaleza, por meio da Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos - SCDH, na posio de locatria, e FB Locadora e Servios Ltda, locadora. Seguida de avaliao do imvel (fls. 03/14) feita por profissional contratado pela locadora em janeiro de 2013.

Entretanto, o contrato supracitado j no estava mais vigente, o que levou a Administrao Pblica iniciar processo de dispensa de licitao para locao de imvel, cujo objetivo abrigar o Conselho Tutelar I.

Durante este perodo, contudo, o Conselho Tutelar I manteve suas atividades no imvel em que estava, mesmo com a ausncia de contrato de locao que formalizasse a sua permanncia naquele bem particular, usufruindo deste sem qualquer contraprestao.

Aps o trmite legal da contratao direta retromencionada foi firmado nova avena para que a Administrao Pblica Municipal utilize o mesmo imvel para continuidade das atividades prestadas naquela localidade.

Desta forma, buscando o fiel cumprimento da Lei, a SER I formula esta consulta quanto possibilidade de reconhecimento de dvida de aluguel, por permanecer no citado bem pelo perodo compreendido por 01/01/2013 a 09/12/2013. Este pleito foi ratificado pela Assessoria Jurdica desta Secretaria, por meio do Parecer de fls. 57/62.

Os autos foram instrudos com os seguintes documentos:

1. Laudo Tcnico elaborado pela Secretaria Municipal de Infraestrutura SEINF, no ms de junho de 2013(fls. 19/21);

2. Matrcula incompleta do Imvel locado (fl. 22)

3. Relatrio do Conselho Tutelar I, expondo o perodo de funcionamento e as atividades desenvolvidas naquela unidade;

4. Documentos atinentes ao processo de dispensa de licitao que culminou no contrato de locao n 08/2013 SCDH, notadamente o Termo de Referncia, o parecer jurdico da entidade consulente e desta Procuradoria Geral do Municpio e o Contrato em comento (fls. 28/56)

Eis o que havia a relatar. Passo agora ao exame jurdico do requerimento.

Pretende a empresa interessada o reconhecimento de dvida por parte do Municpio de Fortaleza, tendo em vista o uso do imvel situado a Avenida Bezerra de Meneses n 480, durante o ano de 2013, notadamente o perodo em que no havia contrato referente a locao de tal bem.

Conforme foi mencionado e destacado no relatrio, durante o ano de 2013, a Administrao Pblica Municipal usufruiu do citado imvel sem previso contratual para tal e, portanto, nenhuma contraprestao foi materializada em face daquele que detm o poder de gozo sobre este bem.

Questiona-se primeiramente quanto a possibilidade de prorrogao do pacto locacional anteriormente formalizado e expirado durante o perodo acima, uma vez que a diante est um contrato firmado pela Administrao Pblica que ser regido em paralelo pelas normas de direito privado e de direito pblico.

Entretanto, pacfico na doutrina e jurisprudncia a impossibilidade de prorrogao tcita destes contratos, haja vista ser este instituto de direito privado incompatvel com os princpios e normas de direito pblico, notadamente o que dispe a Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 e a Lei 8.666/93. Sobre o tema destaca-se o Acrdo n 1121 de 2009 do Tribunal de Contas da Unio, veja:CONSULTA. DURAO DOS CONTRATOS DE LOCAO DE IMVEL PARA A ADMINISTRAO PBLICA. CONHECIMENTO.1. Pelo disposto no art. 62, 3, inciso I, da Lei n 8.666/1993, no se aplicam aos contratos de locao em que o Poder Pblico for locatrio as restries constantes do art. 57 da Lei.2. No se aplica a possibilidade de ajustes verbais e prorrogaes automticas por prazo indeterminado, condio prevista no artigo 47 da Lei n 8.245/91, tendo em vista que (i) o pargrafo nico do art. 60 da Lei n 8.666/93, aplicado a esses contratos conforme dispe o 3 do art. 62 da mesma Lei, considera nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administrao e (ii) o interesse pblico, princpio basilar para o desempenho da Administrao Pblica, que visa atender aos interesses e necessidades da coletividade, impede a prorrogao desses contratos por prazo indeterminado. (Destacou-se)Portanto, uma vez impossibilitada a prorrogao automtica, tcita, da locao em que a Administrao Pblica figura como locatria, estaramos diante de uma situao em que o particular no seria acobertado do direito de exigir o cumprimento desta prestao.

Contudo, no h como se admitir esta prtica, de forma que o Cdigo Civil Brasileiro disciplina a situao em destaque, conforme pode ser observado no artigo 884 deste diploma, in verbis:Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer custa de outrem, ser obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualizao dos valores monetrios.Pargrafo nico. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu obrigado a restitu-la, e, se a coisa no mais subsistir, a restituio se far pelo valor do bem na poca em que foi exigido. (grifou-se)

Aqui fica caracterizado a vedao legal as prticas sociais que culminam na obteno de benefcio por uma pessoa, seja jurdica ou fsica, em face de outra que no auferiu a contraprestao devida pelo seu trabalho, empenho ou pelas circunstncias do caso concreto. Este instituto conhecido no Cdigo Civil como Enriquecimento Sem Causa, tambm difundido no mbito jurdico como Enriquecimento Ilcito, que tem como fundamento o Princpio da Igualdade.

Sobre o tema destaca-se o trecho constante na Tese de Doutorado de MARIA CANDIDA DO AMARAL KROETZ, com base nos ensinamentos de Orlando Gomes:Grosso modo, pode-se dizer que o enriquecimento sem causa um instituto que cria para o enriquecido a obrigao de devolver a parcela do patrimnio de outrem, que foi retirada sem uma causa justificativa. Considerando que a principal conseqncia do enriquecimento sem causa criar uma obrigao de restituir, muito difundida na doutrina moderna a linha de pensamento de que o enriquecimento sem causa uma fonte de obrigaes.A obrigao evidenciada no caso em tela decorrente da utilizao do imvel descrito nos autos para abrigo do Conselho Tutelar I durante o perodo de 2013 em que no houve avena entre a administrao e locador sobre o relacionamento descrito.

Destacamos agora que os pagamentos efetuados pela Administrao Pblica a ttulo de indenizao demandam a existncia de trs pressupostos essenciais: se o objeto prestado pela empresa interessada era lcito, se das prestaes executadas derivou benefcio Administrao Pblica e se o administrado estava de boa-f quando da execuo do servio.

Outrossim, a Consultoria Znite citando ainda a doutrina de J. M. Carvalho Santos, enumera os quatro requisitos essenciais que caracterizam o enriquecimento sem causa em favor da Administrao:a) locupletamento: enriquecimento material, intelectual ou moral direto (aumento do patrimnio etc) ou indireto (liberao de uma servido, uma perda evitada etc);

b) empobrecimento correlato da outra parte: positivo (perda material) ou negativo (servio, trabalho ou esforo realizado). Ou seja, toda diminuio efetiva do patrimnio ou a frustrao de vantagem legtima;

c) falta de justa causa: sem razo jurdica, ou seja, sem amparo no Direito, na lei ou em obrigao, exigindo-se, ainda, que inexista vontade ou culpa do credor empobrecido, isto , o empobrecimento no deve decorrer de culpa sua. Reclama-se, assim, ausncia de causa que justifique o enriquecimento, quer porque falte, quer porque seja reprovado pelo Direito. Para se saber se houve enriquecimento sem causa indagar o intrprete se a vantagem patrimonial obtida atribuda por uma razo justa, por um ttulo legtimo, por um motivo lcito (Obrigaes, ORLANDO GOMES, 8a edio, Forense, 1986, p. 303);

d) relao de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento.Acerca do atendimento dos requisitos supraelencados, note:

Percebe-se que a locao de imvel no residencial para abrigo do Conselho Tutelar I constitui objeto lcito, de atendimento a interesse pblico.

Verifica-se tambm que a Administrao Pblica Municipal auferiu benefcios em decorrncia desta locao, que atendeu a um de seus deveres bsicos e constitucionalmente erigidos, alm de beneficiar diretamente a populao atendida.

O empobrecimento correlato da outra parte manifesta-se atravs da frustao da vantagem legtima a que faz direito o locador, qual seja o valor locatcio do imvel.

E, por fim, comprova-se a boa-f do particular na prestao devida, j que houve interesse tempestivo do particular em firmar contrato com o Municpio a fim de regularizar a situao locatcia e no apresentou bice a permanncia do Conselho Tutelar naquela localidade, permitindo o atendimento a uma necessidade dos muncipes.

Adiante nos deparamos com ausncia de contrato regulador para uso de bem imvel de terceiro por parte desta pessoa jurdica de direito pblico. Reporte-se o leitor ao incio desta anlise jurdica, onde foi abordado tal assunto. Com base nisso questiona-se, a ausncia de contrato representa impedimento ao reconhecimento da dvida e, portanto, estaria o Municpio de Fortaleza desobrigado do pagamento dos aluguis requeridos?

Este no parece ser o entendimento difundido pela jurisprudncia ptria como pode ser observado no seguinte julgado da 21 Cmara Cvel do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul:APELAO CVEL - LICITAO E CONTRATO ADMINISTRATIVO - AO DE COBRANA POR SERVIOS PRESTADOS AO MUNICPIO.Alegao de inexistncia da prova de realizao dos mesmos. Impossibilidade. Documentos juntados pela prpria Administrao Pblica que do conta da contratao. Ainda que a Administrao Pblica no tenha observado os princpios que regem os contratos administrativos para a contratao, no pode o contratante ser penalizado pela falta do administrador, uma vez que no lhe compete a observncia de tais princpios. Assim, a causa do pagamento no o contrato nulo ou inexistente, mas sim a vantagem auferida pelo Municpio com o servio prestado pelo particular de boa-f, sob pena de locupletamento sem causa pela Administrao. Apelo provido. Unnime. (Destacou-se)Sendo assim, inobstante a ausncia de contrato, faz-se mister que o pagamento pleiteado seja realizado, sob pena de enriquecimento sem causa (ilcito) da Administrao. Nesse sentido a lio de Mrcio Cammarosano, citada no Informativo de Licitaes e Contratos (ILC), editado pela consultoria Znite, na seo de CONSULTA EM DESTAQUE 140/84/FEV/2001:

cedio na doutrina que terceiros contratados pela Administrao Pblica e que tenham efetivamente prestado os servios, efetuados os fornecimentos ou executado a obra a que se obrigara, tendo agido de boa-f fazem jus ao preo estipulado, desde que compatvel com os de mercado. Deixar a Administrao de pagar o contratado sob alegao de vcios na contratao, especialmente quando de natureza meramente formal, inadmissvel, pois caracteriza enriquecimento sem causa da Contratante e prejuzo para o Contratado.

Por fim, com relao obedincia do princpio da boa-f objetiva, Alice Gonzalez Borges, tambm citada na referida CONSULTA EM DESTAQUE, aduz o seguinte:

4. Obrigar o administrado a recorrer via judicial para obter o pagamento de seus crditos, embora a legitimidade das importncias a serem cobradas esteja amplamente reconhecida pelos rgos tcnicos administrativos competentes.

Esse procedimento danoso e violador do princpio da boa-f , s vezes, vigorosamente sustentado, at, por certos representantes da Fazenda Pblica, que mostram servio, como se estivessem sendo extremamente zelosos na defesa dos interesses pblicos. Com isso, obriga-se o administrado a enfrentar a difcil e morosa via sacra de quem quer que pretenda enfrentar a Fazenda, carregada de privilgios processuais, na arena da Justia.

No que o Judicirio deixe de acolher pretenses justas, copiosamente documentadas, carregadas de veracidade. Pois dificilmente o particular ir enfrentar a Justia, se no se sentir carregado de razes. Mas, infelizmente, fato notrio e sabido, por causas mltiplas que no cabe aqui analisar, que uma demanda judicial pode levar anos para chegar soluo final.

Usando desse expediente, as Administraes inadimplentes, escudadas em seus privilgios processuais, vo ganhando tempo, at que o contratado, cansado e desiludido, acabe por desistir de prosseguir no feito e aceite um mau acordo, no qual nunca deixa de renunciar a boa parcela de seus efetivos direitos.

Estes so apenas alguns exemplos, que se multiplicam e diversificam extremamente na prtica.

O pior que nem sempre as violaes do princpio da boa-f so cometidas intencionalmente com m-f, se se permite o trocadilho. Pessoas altamente bem intencionadas, imbudas dos mais honestos propsitos, julgam estar, assim, servindo melhor ao interesse pblico. Convencem-se, sinceramente, de que foi para isso que o ordenamento jurdico-constitucional adornou o exerccio de suas funes com tal massa de prerrogativas de potestade pblica.

Por outro lado, nestes tempos em que se levanta com tanto vigor a bandeira da luta contra a corrupo administrativa, muitos administradores receiam ser tachados, pela mdia, de coniventes, de conluiados com os particulares, se a estes reconhecerem os legtimos direitos pela via administrativa, se adotarem os procedimentos que um mnimo de boa-f aconselha: a conduta comumente seguida por um homem medianamente honesto, enfim, o que tradicionalmente se considera a prudncia do bom pai de famlia.Assim, o particular faz jus ao pagamento dos valores locatcios requeridos, mas to-somente no que tange ao perodo em que a relao locacional no foi devidamente regularizada, mormente a ausncia de contrato, interregno compreendido entre 01 de janeiro de 2013 9 de dezembro do mesmo ano. Os valores a serem despendidos por esta Administrao Pblica Municipal correspondem ao valor locatcio pactuado em 2012 com as devidas atualizaes, de acordo com os ndices oficiais notadamente o INPC.

Cumpre ressaltar que o presente parecer pea meramente opinativa, no vinculando o administrador em sua deciso (MS n. 24.073, relator Ministro Carlos Velloso, STF).

Diante de todo o exposto, afigura-se juridicamente possvel o pagamento perquirido, haja vista ser a relao em destaque locao objeto lcito, a existncia de vantagem auferida pelo Municpio de Fortaleza, bem como a boa-f com que agiu a interessada, atendendo necessidade pblica, sem descurar da necessidade essencial de verificar a existncia de disponibilidade financeira e oramentria para o atendimento da solicitao.

o parecer, salvo melhor juzo.

considerao do Excelentssimo Procurador Geral do Municpio.

Fortaleza(CE), 15 de junho de 2011.Joo Paulo de Souza Barbosa NogueiraProcurador AssistenteOAB-CE n 16.970Poder-se-ia questionar se a administrao pblica, por no ter pago o valor locatcio tenha enriquecido a custa do locador, causando-lhe empobrecimento. Note, contudo, que no esse o intuito normativo de acordo com o melhor entendimento deste artigo, veja: A expresso enriquecer a custa de outrem no significa, necessariamente, que dever haver empobrecimento (Enunciado n. 35, aprovado na Jornada de Direito Civil de setembro de 2002, celebrada pelo Centro de Estudos Jurdicos do Conselho da Justia Federal). TCU. HYPERLINK "http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/20090616/002-210-2009-0-MIN-BZ.rtf" \t "_blank" AC-1127-20/09-P. Plenrio. Rel. BENJAMIN ZYMLER. Ac de 27/5/2009.

MARIA CANDIDA DO AMARAL KROETZ. Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil Brasileiro Contemporneo e Recomposio Patrimonial, 2005.204 f. Tese (Doutorado em Direito) - Setor de Cincias Jurdicas e Sociais da Universidade Federal do Paran, Coritiba 27 de junho de 2005.

TJRS - 21 Cm. Cvel; ACi n 70022243737-Sobradinho-RS; Rel. Des. Genaro Jos Baroni Borges; j. 5/3/2008; v.u.