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MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR NO CURSO DO PROCESSO: UMA
ANÁLISE COMPARATIVA DOS ARTS. 264 DO CPC/73 E 329 DO CPC/15
Pétrick Joseph Janofsky Canonico Pontes1
Resumo: O presente artigo trata da possibilidade de modificação dos elementos objetivos da
demanda (causa de pedir e pedido) no curso do processo, comparando as disposições dos
Códigos de Processo Civil de 1973 e 2015. O tema envolve o cotejo entre os princípios e regras
da estabilização da demanda, da eventualidade e do contraditório, este último invocado ora
como condição para admissão da medida, ora como óbice a esta, vez que contrária ao sistema
de preclusões que permite à marcha processual chegar a seu termo.
Palavras-chave: Processo Civil. Causa de Pedir. Modificação.
Abstract: The present article deals with the possibility of modifying the objective elements of
demand (cause of action and motion) during the process, comparing the Civil Procedure Codes
of 1973 and 2015. The analysis involves the comparison between the principles and rules of
stabilization of the motion, the contradictory, sometimes summoned as a condition for
admission of the measure, either as an obstacle to this, in opposition to estoppel rules which
allows the procedural motion reaches its end.
Keywords: Civil Procedure. Cause of Request. Modification.
Introdução ............................................................................................................................... 2
O conceito de causa de pedir e sua dedução em juízo ..................................................... 4
Aditamento ou emenda da petição inicial........................................................................ 8
A resposta do réu: defesa quanto aos fatos, e não (apenas) quanto à sua qualificação
jurídica .................................................................................................................................... 9
Sentença de terza via: inovação pelo juízo, decisão extra petita e o princípio da não-
surpresa ................................................................................................................................. 10
Modificação até a citação e o litisconsórcio .................................................................. 13
Novas questões de direito em sede de réplica ou em apelação ..................................... 15
Restrição ou flexibilização?........................................................................................... 16
1 Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista e mestrando em Direito Processual
Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado. E-mail: [email protected].
mailto:[email protected]
2
Considerações Finais ............................................................................................................ 18
Referências Bibliográficas .................................................................................................... 20
Introdução
Este artigo apresenta algumas considerações acerca da possibilidade de modificação dos
elementos objetivos da demanda (causa de pedir e pedido) no curso do processo, comparando
as disposições dos arts. 264 do CPC/73 e 329 do CPC/15.
O tema envolve a análise de normas e valores nem sempre convergentes. De um lado, a
celeridade e a duração razoável do processo harmonizam-se à normas sobre a preclusão e a
estabilização da demanda. De outro, a maximização do propósito de pacificação da lide pode
ensejar uma flexibilização dos sistemas de preclusões para inclusão, modificação ou redução
de pedidos e causas de pedir. Quanto ao contraditório, este pode ser invocado ora como
condição, ora como óbice à medida. Com efeito, a modificação ou formulação de novo pedido
ou causa de pedir no curso do processo poderá evitar o ajuizamento de nova demanda, como
também ensejar, em respeito ao contraditório, uma dilação do prazo para resolução do mérito.
RUGERO GUIBO faz alusão à classificação de sistemas processuais rígidos e flexíveis,
relacionando estes últimos aos sistemas adeptos da teoria da individuação2 e à busca da verdade
real de forma mais intensa, por oposição a um modelo de fases e etapas mais definidas,
estanques, qualificadas pela existência de preclusões3.
CRUZ e TUCCI, a seu turno, destaca que mesmo os sistemas tradicionalmente flexíveis
adotam, vez por outra, ritos processuais rígidos v.g. para questões de direito material de menor
2 DINAMARCO observa que “Mesmo diante das mitigações trazidas intencionalmente pela lei ou por via da interpretação sistemática de seus textos, não existem no Brasil as aberturas, que nos sistemas de procedimento rígido há, para a regra da adaptabilidade do procedimento (Calamandrei): o juiz não tem autorização generalizada para imprimir ao procedimento os rumos que em cada caso se mostrem convenientes, o que em algum medida pode suceder nos sistemas de procedimento flexível. A flexibilidade dos procedimentos europeus relaciona-se com a adoção do sistema da individualização da causa de pedir – oposto ao da substanciação, vigente no Brasil. Lá, podendo ser alterado no curso do processo o material fático integrante do que recebe o nome de circunstâncias particulares e fatos secundários (Liebman), é imperiosa a flexibilidade dos momentos probatórios. Aqui não, dado o rigor que os fundamentos da demanda são estabilizados (art. 264 – [...]) (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 461/462). 3 GUIBO, Antonio Rugero. A imutabilidade da causa de pedir e o fato superveniente no processo civil brasileiro. Dissertação de mestrado apresentada à banca examinadora da PUC/SP, 2005, p. 28/30, passim.
3
complexidade. É o que se infere das narrações do autor ao tratar do modelo de Stuttgart e do
sistema processual alemão, que se caracteriza “pela flexibilidade da modificação da demanda
[...], dependendo do grau de complexidade da causa”4.
DINAMARCO, no mesmo sentido, leciona que
Cada ordenamento jurídico optar por rigor maior ou menor, na exigência da ordem
em que os atos do procedimento devem ser realizados. O brasileiro adere
tradicionalmente ao sistema de procedimento rígido, caracterizado pela nítida
distribuição dos atos processuais em fases e pelo emprego acentuado do instituto da
preclusão, destinado a impedir retrocessos.
Procedimento rígido opõe a procedimento flexível. Em plagas europeias vêem-se
modelos expressivos de procedimento flexível, o qual se caracteriza pela possibilidade
de retrocessos. Surgindo fato novo na causa e havendo conveniência de esclarecê-lo,
novas audiências se fazem apesar de já realizadas as que o sistema ordinariamente
manda realizar. O juiz colhe manifestações das partes quantas vezes for necessário,
praticamente à saciedade, sempre que sentir que elas ainda têm o que dizer em relação
à discussão da causa. Ele tem grandes poderes de direção nos sistemas de
procedimento flexível, maiores que os do juiz inserido no sistema de procedimento
rígido. Na Itália, a reforma processual ocorrida no início dos anos noventa (esp. lei n.
353, de 26.11.90) mitigou a flexibilidade que ali vigorava tradicionalmente, para
adotar um sistema relativamente rígido, permeado por algumas preclusões – um
sistema de compromisso, porém, sem chegar ao ponto de adotar o sistema oposto
(Andrea Proto Pisani)5.
A legislação processual estabelece marcos para a apresentação dos fatos constitutivos
da demanda (pelo autor) e para a impugnação destes (pelo réu). Assim, deve o autor indicar na
petição inicial os fatos e fundamentos jurídicos de seu pedido, o qual deve ser certo e
determinado (arts. 319, III, 322 e 324). Por disposição expressa do art. 336 do CPC, a
contestação deverá conter “toda a matéria da defesa”, com a exposição das razões de fato e de
direito com que o réu impugna o pedido do autor e a especificação das provas que se pretende
produzir. Trata-se, como é cediço, do ônus da impugnação especificada, cuja não-observância
induz à revelia e seus efeitos (art. 344)6. No momento de proferir a sentença, caberá ao juiz
tomar em consideração fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito do autor,
ocorridos depois da propositura da ação, conhecidos de ofício ou a requerimento das partes (art.
4 CRUZ E TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 3.ed. São Paulo: RT, 2009, p. 109/112, passim. 5 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 455/456. 6 O Código autoriza a dedução de novas alegações na hipótese destas (i) serem relativas a direito superveniente; (ii) serem cognoscíveis de ofício; ou (iii) “por expressa disposição legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição” (art. 342).
4
493). Dispõe o art. 1.014, por sua vez, que as questões de fato, não propostas no juízo inferior,
poderão ser suscitadas em apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força
maior. Por fim, o processo encontra na coisa julgada a regra de preclusão máxima, dispondo o
art. 508 que “transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas
todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição
do pedido”.
O CPC/73 adotou um modelo rígido ao dispor em seu art. 264, caput, que “feita a
citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu,
mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei”. O parágrafo único do
mesmo dispositivo dispunha que “a alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma
hipótese será permitida após o saneamento do processo”. O art. 294 do mesmo diploma ainda
permitia ao autor aditar o pedido antes da citação.
Doutrina e a jurisprudência buscaram flexibilizar tais regras, sobretudo com fundamento
nos princípios de direito processual insertos na Constituição Federal.
O CPC/15 fez pontuais, porém relevantes alterações sobre o tema, ao dispor em que art.
329 que o autor poderá “até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir,
independentemente de consentimento do réu” (inciso I); “até o saneamento do processo, aditar
ou alterar o pedido e a causa de pedir, com consentimento do réu, assegurado o contraditório
mediante a possibilidade de manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado
o requerimento de prova suplementar” (inc. II).
O conceito de causa de pedir e sua dedução em juízo
A causa de pedir, composta dos fatos e fundamentos jurídicos, constitui premissa que
orienta não apenas o provimento final buscado pelo autor (o pedido), como também demonstra
o interesse do autor em buscar a tutela jurisdicional, decorrente de uma resistência que o réu
oferece a sua pretensão. Vale trazer à lume a lição de DINAMARCO, que evidencia a
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necessidade de a demanda fundar-se em uma crise, da qual decorre o interesse de agir
(necessidade) do autor7.
A narrativa dos fatos deve ter como ponto central um fato juridicamente relevante, ao
qual a lei prescreva uma consequência jurídica. Desta narrativa se extrairá, além do interesse
de agir, os contornos da demanda e sua resolução. Como observa DINAMARCO, “das
dimensões [dos fatos] que tiverem dependerão os limites da sentença a ser proferida, a qual não
pode apoiar-se em fatos não narrados [...]; bem como os da coisa julgada que sobre ela incidir,
a qual não impedir a propositura de outra demanda, fundada em outros fatos”8.
É de se ressalvar que nem todo fato é apto a fundamentar a pretensão do autor – ou
constitui causa extintiva, modificativa ou impeditiva de tal pretensão –, o que leva a considerar,
por via inversa, que certos fatos podem ser deduzidos ao longo da demanda sem que disto
decorra qualquer prejuízo. Daí a distinção feita pela doutrina entre fatos jurígenos, jurídicos,
primários ou essenciais, de um lado, e fatos simples ou secundários, de outro. Nas palavras de
CRUZ e TUCCI, “para que o órgão do Poder Judiciário possa proferir a sentença, é necessário
que o ato inaugural do processo esteja particularizado por determinado acontecimentos
produzidos pela dinâmica social e dos quais possa ser extraída uma consequência jurídica”9.
O fato principal constitui o núcleo da causa de pedir, “o pressuposto inafastável da
existência do direito submetido à apreciação judicial” e, por conseguinte, o objeto da prova10.
Não obstante, a doutrina e a jurisprudência já reconheceram a importância da prova de tais fatos
secundários como prova indireta do fato principal ou reforço argumentativo para a prova da
verossimilhança deste.
O seguinte exemplo, extraído por CRUZ e TUCCI da obra de Proto PISANI, revela-se
deveras elucidativo: “em acidente de trânsito, a culpa do condutor por excesso de velocidade é
o fato principal; a alta velocidade do automóvel poucos minutos antes do acidente e o hábito do
condutor em dirigir em excesso de velocidade constituem fatos secundários”. Segundo CRUZ
7 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 126/127. No mesmo sentido é a lição de CRUZ E TUCCI (A causa petendi no processo civil. 3.ed. São Paulo: RT, 2009, p. 172/174). 8 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 127. 9 CRUZ E TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 3.ed. São Paulo: RT, 2009, p. 163. 10 Idem, ibidem.
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e TUCCI, “estes fatos secundários ganham dimensão e importância no âmbito do processo na
medida em que o autor, não conseguindo produzir prova direta do fato principal, recorre à
comprovação do fato secundário para que o julgador possa, por presunção, formar um juízo de
verossimilhança acerca daquele”11.
No mesmo sentido, DINAMARCO observava que a regra contida no art. 264 do CPC/73
não afastava a alegação de meras circunstâncias, as quais poderão servir como argumentação,
reforço argumentativo “ou como fonte indiciária de convencimento”12.
Destarte, a despeito de o fato primário integrar a causa de pedir e constituir, a primeira
vista, o objeto da prova, a exposição e prova de fatos secundários revela-se via relevante para
o desfecho da demanda. Vale notar que a prova de indícios encontra, inclusive, espaço próprio
no Título VII do Livro I do CPP, cujo art. 239 dá ao termo a seguinte definição: “considera-se
indício a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por
indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”13.
A distinção entre o pedido em si e os fatos que o compõe se mostra deveras relevante
em demandas contra o Estado para promoção de tratamentos e fornecimento de medicamentos.
O STJ já decidiu que “a simples troca nos medicamentos postulados na inicial não configura
modificação do pedido, o qual é o próprio tratamento médico”. No caso, aos medicamentos
inicialmente pleiteados para o tratamento do Mal de Alzheimer, a autora solicitou outros, tendo
em vista a evolução da doença, fato este que, na visão do Tribunal, “constitui fato normal,
inexistindo modificação do pedido”14. No mesmo sentido, o STJ afastou a alegação de violação
ao princípio da estabilização da demanda, asseverando que “a substituição de um medicamento
por outro para tratar a mesma doença não constitui novo pedido, pois os objetos imediatos e
mediatos não foram alterados: a requerente busca provimento jurisdicional que condene o
11 CRUZ E TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 3.ed. São Paulo: RT, 2009, p. 163/164. 12 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 71/72. 13 Sobre o tema, vide STJ, REsp 702.739/PB, Relª. Minª. Nancy Andrighi, 3ª T., julgado em 19/09/2006, DJ 02/10/2006, p. 266). 14 AgRg no REsp 1.222.387/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., julgado em 15/03/2011, DJe 01/04/2011.
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Estado a fornecer medicamentos, para tratar as sequelas de moléstia que lhe sucedeu, com vistas
à manutenção de sua saúde para garantia de uma vida digna”15.
Essencial, ainda, que tal narrativa enseje ao réu o mínimo conhecimento dos eventos e
efeitos que compõem a pretensão do autor, conferindo a este a oportunidade real de se defender.
Este, aliás, um dos critérios que a jurisprudência se volta de forma recorrente ao decidir pela
inépcia da petição inicial16. A exemplificar a importância da narração dos fatos para a
constituição da causa de pedir, nos autos do REsp 1.074.066/PR o STJ confirmou o
reconhecimento de inépcia da petição inicial de ação de indenização que, conquanto tenha
manifestado a insurgência do autor quanto às matérias publicadas pelo réu, deixou de indicar
precisamente quais os textos e trechos reputados ofensivos e em qual medida. Note-se que, na
ocasião, o STJ afastou a alegação de ofensa ao art. 284 do CPC/73, confirmando o entendimento
pela vedação da emenda da petição inicial após a contestação17.
Quanto aos fundamentos jurídicos, estes consistem “na demonstração de que os fatos
narrados se enquadram em determinada categoria jurídica [...] e de que a sanção correspondente
é aquela que o demandante pretende” e exteriorizam mera “proposta ou sugestão endereçada
ao juiz, ao qual compete fazer depois os enquadramentos adequados”18. Com efeito, a voz
corrente da doutrina considera que o sistema processual civil brasileiro adotou a teoria da
15 AgRg no Ag 1.352.744/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª T., julgado em 08/02/2011, DJe 18/02/2011. 16 “A inépcia da petição inicial, escorado no inciso II do parágrafo único do artigo 295 do Código de Processo Civil, se dá nos casos em que se impossibilite a defesa do réu ou a efetiva prestação jurisdicional” (REsp 1.134.338/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., julgado em 20/09/2011, DJe 29/09/2011); “Esta Corte Superior entende ser correta a decisão que afasta a alegação de inépcia da exordial que fornece satisfatoriamente os elementos necessários para a formação da lide, narrando devidamente os fatos a ponto de possibilitar a compreensão da causa de pedir, do pedido e do respectivo fundamento jurídico. Violação dos arts. 165, 267, I, e 295, I e parágrafo único do CPC não configurada” (REsp 1.222.070/RJ, Relª. Minª. Nancy Andrighi, 3ª T., julgado em 12/04/2011, DJe 16/05/2011); “De acordo com a jurisprudência desta Corte, não há falar em inépcia da petição inicial quando possível a identificação da narração dos fatos, das partes, do pedido e da causa de pedir” (AgRg no Ag 807.673/RJ, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., julgado em 05/05/2009, DJe 18/05/2009); “Nada obstante confusa e imprecisa, se a petição inicial permitiu a avaliação do pedido e possibilitou a defesa e o contraditório, não é de considerar-se inepta (JTJ 141/37)” (NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado. 9.ed. São Paulo: RT, 2006, nota 18 ao art. 295 do CPC). 17 REsp 1.074.066/PR, Relª. Minª. Nancy Andrighi, 3ª T., julgado em 04/05/2010, DJe 13/05/2010. 18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 126/127.
8
substanciação, em que os fatos, e não os fundamentos jurídicos, delimitam os contornos da
demanda e da sentença19.
Aditamento ou emenda da petição inicial
Da leitura dos arts. 264, 284 e 294 do CPC/73 infere-se que o autor podia alterar a
petição inicial livremente até a citação, quer por iniciativa própria (aditamento), quer em
atenção a despacho do juiz (emenda)20. O CPC/15 manteve a mesma sistemática (art. 329, I),
especificando que, em caso de determinação de emenda, caberá ao magistrado indicar com
precisão o que deve ser corrigido ou complementado na petição inicial (art. 321).
Malgrado se tratar de erro grosseiro, vício de menor monta ou mera disposição de
vontade do autor, a alteração da petição inicial é livre quanto a todos e quaisquer elementos da
ação, a saber, das partes, causa de pedir e do pedido.
Não emendada a petição inicial – e estando ausente qualquer dos requisitos do art. 319
ou, em termos pragmáticos, de vícios que obstem o completo entendimento acerca da pretensão
do autor ou a defesa do réu –, resta ao magistrado reconhecer-lhe a inépcia. Isto porque, como
bem decidiu o STJ, “contestada a ação, a petição inicial já não pode ser emendada; a não ser
assim, o réu – quem demonstrou o defeito – estaria fornecendo subsídios contra si próprio, em
benefício do autor” (EREsp 674.215, por maioria). De outra parte, como afinal se verificou nos
autos do REsp 1.074.066/PR, a emenda após a contestação já era admitida excepcionalmente,
em nome dos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual. Com efeito,
19 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 127. 20 O pronunciamento do juiz que determina a emenda da petição inicial é recorrível? Nos autos do REsp 66.123/RJ (Rel. Min. Edson Vidigal, 5ª T., julgado em 13/10/1998, DJ 16/11/1998, p. 109), o STJ entendeu que “a determinação de emenda da petição inicial tem natureza de despacho de mero expediente, sendo impassível de Agravo de Instrumento”. Note-se, contudo, que o relatório não contém detalhes sob qual o ponto que demandava emenda segundo o juízo, bem como que o recurso afinal não foi conhecido, por ausência de prequestionamento. De outra parte, citem-se no âmbito da mesma corte entendimentos mais recentes de que "o despacho de emenda da petição inicial é irrecorrível. Contudo, no caso, diante da negativa de seguimento de agravo de instrumento interposto da decisão de ofício que determinou a emenda da petição inicial da execução para que o recorrente apresentasse novo demonstrativo de débito, avançou o limite do simples impulso processual e o impedimento do uso da via recursal implica violação do preceito do art. 162, § 2º, do CPC" (REsp 302.266-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU de 18.02.02); no mesmo sentido: “deve ser relativizada, em casos excepcionais, a regra de que o despacho que determina a emenda da petição inicial é irrecorrível, analisando-se se a decisão agravada subverte ou não a legislação processual em vigor de maneira a causar gravame à parte” (REsp 891.671/ES, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., julgado em 06/03/2007, DJ 15/03/2007, p. 303).
9
eventual emenda na petição inicial após a contestação que importe em alteração da causa de
pedir ou do pedido demandaria nova citação do réu e, pois, novo prazo para resposta.
A resposta do réu: defesa quanto aos fatos, e não (apenas) quanto à sua qualificação
jurídica
Dado que, ao expor os fundamentos jurídicos de sua pretensão, o autor apresenta uma
mera proposta de sua qualificação, passível, portanto, de modificação pelo juízo, a contestação
deve, precipuamente, se manifestar sobre os fatos. Neste sentido, referindo-se àquilo que a
doutrina convencionou denominar defesas direta e indireta, poderá o réu negar os fatos, pura e
simplesmente, ou, admitindo-os, opuser outros fatos impeditivos, modificativos ou extintivos
ao direito do autor.
Em paralelo a tal entendimento, verifica-se que os arts. 383 e 384 do CPP21, ao tratarem
dos institutos da mutatio libeli e da emendatio libeli, respectivamente, autorizam o juiz “sem
modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa”, a atribuir a este “definição
jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave”, isto é, sem
demandar a reabertura de prazo para defesa, já que esta deve se ater aos fatos. A corroborar tal
raciocínio, tem-se que o aditamento da denúncia ou queixa será necessário, por via inversa,
quando “encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato,
em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal
não contida na acusação”.
Neste mesmo contexto, o STJ vem firmando entendimento de que a condenação por ato
de improbidade administrativa (Lei 8.429/92) por fundamento diverso do postulado no inicial
não enseja a nulidade da sentença, mas representa mera adequação, pelo juízo, das questões de
fato à hipótese normativa respectiva22. Convém, contudo, tecer alguma reflexão sobre o tema.
Tome-se por exemplo certa demanda que pretende a nulidade de contrato administrativo
firmado com dispensa de licitação reputada indevida, razão pela qual o Ministério Público
pretende a condenação dos réus pela prática de ato tipificado no art. 10, VIII, da Lei 8.429/92.
A petição inicial afirmou expressamente que a lesividade ao erário seria presumida e
21 Ambos com redação dada pela Lei nº. 11.719/2008. 22 REsp 439.280/RS, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., julgado em 01/04/2003, DJ 16/06/2003, p. 265.
10
equivalente ao valor integral do contrato, em razão da impossibilidade de, em tese, a
Administração selecionar propostas economicamente mais vantajosas. A discussão ficou
restrita, portanto, à validade da aplicação da hipótese de dispensa de licitação que fundamentou
a contratação direta. Considerando que os atos de improbidade tipificados no art. 10 da Lei
8.429/92 exigem a prova do dano, como prevê o caput do dispositivo e o art. 21, I, da mesma
Lei, a defesa arguiu a inexistência de ato de improbidade a ser punido, dada a inexistência de
dano no caso concreto. Com efeito, o Ministério Público não apontara que os serviços não foram
prestados ou que estes não foram prestados a contento, tampouco alegara superfaturamento,
desvio ou malversação de recursos. Caso o Ministério Público, durante as oitivas das
testemunhas arroladas pela defesa para demonstrar a ausência de dolo, passe a inquiri-las sobre
os critérios para elaboração de orçamento prévio ao contrato, bem como sobre os preços
usualmente praticados pela Administração Pública para contratação se serviços similares
àqueles objeto do contrato em exame, é evidente que estar-se-á diante de uma alteração
substancial no contexto fático, o qual dependerá da anuência da defesa para ser modificado.
Outrossim, a alteração da construção argumentativa da acusação, para enquadrar o fato dentre
os atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito, por exemplo (art. 9º),
demandaria no mínimo a oportunidade de que a defesa se manifestasse sobre tal pretensão,
inclusive para produzir provas da inexistência de enriquecimento ilícito. Vê-se, pois, que o
cenário não se traduz em simples modificação dos fundamentos jurídicos da demanda, mas
também em substancial alteração no contexto fático, a demandar a aplicação do art. 329 do
CPC. A rigor, a hipótese em exame não demandou a alteração dos fundamentos jurídicos
inicialmente atribuídos pelo Ministério Público, mas sim do próprio fato constitutivo do direito
do autor: no primeiro caso, o superfaturamento em substituição à alegação da impossibilidade
de selecionar propostas mais vantajosas em processo competitivo; no segundo exemplo, a
inserção do enriquecimento ilícito como mais um elemento fático a ser objeto do contraditório.
Destarte, convém ressalvar que a alteração dos fundamentos jurídicos não pode resultar em
concomitante alteração dos fatos discutidos pelas partes.
Sentença de terza via: inovação pelo juízo, decisão extra petita e o princípio da não-
surpresa
Se os fundamentos jurídicos da pretensão do autor constituem uma proposta de
qualificação a ser submetida ao contraditório e, principalmente, ao crivo do magistrado, tal
liberdade não é conferida quanto aos fatos constitutivos da demanda, sendo, pois, vedado ao
11
magistrado decidir sobre fatos não narrados e, mais ainda, com base em fatos não discutidos
efetivamente pelas partes.
Assim, nos autos do REsp 998.696/ES23 o STJ reconheceu a nulidade de sentença e
acórdão que concluíram pela procedência de demanda indenizatória proposta por correntista
em face de instituição financeira, na medida em que baseadas em causa de pedir não alegada
na inicial. Como narra o voto do Eminente Ministro Massami Uyeda, a pretensão do autor
fundava-se na indevida compensação de cheques de titularidade do autor, cujo roubo fora
comunicado ao banco, e foi julgada procedente com base em fundamento diverso, qual seja, a
negligência da instituição financeira em averiguar a veracidade das assinaturas apostas nos
cheques compensados.
No mesmo sentido está o acórdão proferido nos autos do REsp 1169755/RJ24, em que a
alteração da causa de pedir não se deu, a princípio, por iniciativa dos autores, mas pelo próprio
órgão Tribunal a quo, em sede de apelação. Viúva e filhas de paciente que veio a falecer
enquanto internado na clínica médica-ré e sob os cuidados da equipe médica, também
demandada, pleitearam indenização, sustentando que “a causa mortis da vítima foram os
inquestionáveis maus tratos sofridos pela mesma durante a internação”, “a negligência e
imprudência por parte da Suplicada” e “o mau atendimento médico-hospitalar, mau
atendimento de enfermagem, falta de cuidados mínimos com água e a má qualidade de
assistência médica e o total desconhecimento mínimo de humanização de uma clínica e falta
absoluta de cumprimento das regras básicas de medicina sanitária”. Julgado improcedente o
pedido em primeiro grau, o Tribunal a quo veio a reformar a sentença em sede de apelação, a
fim de julgar a demanda procedente e arbitrar indenização por danos morais “tendo em vista a
dor incalculável da perda do pai e marido em nefasta morte que poderia ter sido evitada
facilmente com um mínimo de atenção as regras básicas de saúde por parte da Suplicada”, e na
“dor, humilhação, o desespero dos familiares ao verificarem as condições de assistência
prestada pela Clínica, sem terem meios financeiros ou prestígio social para evitar tal
procedimento”. Como observado pelo Ministro Relator, “a causa de pedir tem como base o
sofrimento dos autores em função da morte do paciente, que teria sido resultado do mau
atendimento médico-hospitalar dispensado durante a internação. Consideram falsa a causa
23 STJ, REsp 998.696/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., julgado em 25/08/2009, DJe 10/09/2009. 24 REsp 1.169.755/RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina (desembargador convocado), 3ª T., julgado em 06/05/2010, DJe 26/05/2010.
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mortis consignada na certidão de óbito, imputando a causa da morte aos ‘inquestionáveis maus
tratos sofridos pela mesma durante a internação’. Já o Tribunal de origem fundamentou a
condenação em circunstância diversa, qual seja, o sofrimento suportado pelos autores ao verem
o parente ser submetido ao péssimo tratamento dispensado pela clínica”. Considerando este
cenário, o STJ houve por bem dar provimento ao recurso, considerando os princípios da
adstrição ou congruência e da estabilização da demanda, observando, ainda, que “o provimento
judicial está adstrito, não somente aos pedidos formulados pela parte na inicial, mas também à
causa de pedir, que, segundo a teoria da substanciação, adotada pela nossa legislação
processual, é delimitada pelos fatos narrados na petição inicial”.
Quanto à alteração dos fundamentos jurídicos da demanda ou da defesa de ofício, é
essencial relembrar que esta depende de prévia provocação às partes, nos termos do art. 10 do
CPC. Como sustenta Fredie DIDIER JR.,
Há um velho brocardo iura novit cúria (do Direito cuida a corte). Há, ainda, outro da
mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos, que eu te darei o direito).
Não pode o órgão jurisdicional decidir com base em um argumento, uma questão
jurídica ou uma questão de fato não postos pelas partes no processo. Perceba: o órgão
jurisdicional, por exemplo, verifica que a lei é inconstitucional. Ninguém alegou que
a lei é inconstitucional. O autor pediu com base em uma determinada lei, a outra parte
alega que essa lei não aplicava ao caso. O juiz entendeu de outra maneira, ainda não
aventada pelas partes: ‘Essa lei apontada pelo autor como fundamento do seu pedido
é inconstitucional. Portanto julgo improcedente a demanda’. O órgão jurisdicional
pode fazer isso, mas deve antes submeter essa nova abordagem à discussão das partes.
O órgão jurisdicional teria de, nessas circunstâncias, intimar as partes para manifestar-
se a respeito (“intimem-se as partes para que se manifestem sobre a
constitucionalidade da lei”). Não há aí qualquer prejulgamento. Trata-se de exercício
democrático e cooperativo do poder jurisdicional, até mesmo porque o juiz pode estar
em dúvida sobre o tema.
Assim, evita-se a prolação de uma decisão-surpresa.
[...]
Decisão surpresa é decisão nula, por violação ao princípio do contraditório.
Essa nova dimensão do princípio do contraditório redefine o modelo do processo civil
brasileiro. O processo há de ser cooperativo25.
25 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento/ Fredie Didier Jr. – 18. Ed. – Salvador Jus Podivm, 2016, p. 86 e 87.
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Em suma, mesmo o princípio do iuria novit curia não pode resultar na adoção de
fundamento jurídico não discutido – ao menos submetido à discussão – no processo. Tal
passagem vem a reforçar a importância dada ao contraditório pelo legislador de 2015.
Modificação até a citação e o litisconsórcio
Como já delineado acima, a vedação à modificação dos elementos objetivos da demanda
(causa de pedir e pedido) após a citação se justifica, em especial, pelo respeito ao contraditório
que se deve deferir ao réu, bem como no interesse de se buscar uma rápida solução do litígio.
Cumpre, porém, indagar se tal vedação se aplicaria apenas ao final da citação de todos
os réus (em caso de litisconsórcio passivo) ou já valeria a partir da citação de um deles.
DINAMARCO, sobre o tema, opina pelo acerto da segunda corrente, conforme:
Existe também precedente no sentido de que as estabilizações ditadas pelo art.
264 só se consumam a partir de quando todas as citações hajam sido feitas,
sendo admissíveis as alterações objetivas e subjetivas quando algum dos
litisconsortes já esteja citado, estando outro por citar; mas isso transgride o
art. 264 (necessidade de consentimento do réu citado) e contraria os objetivos
da própria estabilização, deixando os réus citados à mercê delas e da vontade
do autor26.
Com base na lição de DINAMARCO e de MONIZ DE ARAGÃO, a Terceira Turma do
C. STJ27, após firmar entendimento pela impossibilidade de conversão de execução em ação
monitória após a citação, analisou questão peculiar em que se autorizou a conversão em
processo monitório de execução de título extrajudicial fundada em contrato de cheque
especial28, após o oferecimento de exceção de pré-executividade por um dos demandados, o
qual compareceu espontaneamente nos autos, antes da citação dos demais litisconsortes. Em
sede de recurso especial, sustentou o recorrente a violação aos arts. 264 e 294 do CPC,
porquanto “‘a citação só se completa nos moldes da dicção do artigo 264 do CPC/73, quando
26 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 69. 27 REsp 1.170.459/PE, Relª. Minª. Nancy Andrighi, 3ª T., julgado em 12/08/2010, DJe 20/08/2010. 28 Nesse sentido: STJ, Súmula 233: “O contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é título executivo”; e Súmula 247: “O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória”.
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todos os réus forem citados, o que não ocorreu no presente caso, em que apenas um deles o
fora’”. Tal entendimento foi afastado pelo C. STJ, ao argumento de que tal interpretação
violaria o postulado da segurança jurídica e afetaria o encadeamento lógico-sistemático dos atos
processuais, ambos buscados pelas regras que tratam da estabilização da demanda. Confira-se
o pertinente trecho do voto da Eminente Ministra Relatora:
E essa estabilização da demanda tem razão de ser. Com efeito, o processo é
constituído de uma sequência de atos concatenados de forma lógica, com o
objetivo de assegurar o exercício de direitos essenciais, como o do
contraditório e o da ampla defesa. Dessa forma, na fase de formação do
processo, os atos processuais conduzirão à definição dos limites objetivos e
subjetivos da lide. Os demais atos processuais, com inclusão da sentença,
restringir-se-ão, a grosso modo, a essa demarcação traçada para a demanda.
Sem a estabilização da demanda após a citação e o saneamento do processo
nos moldes do art. 264 do CPC, o processo fluiria sob o impulso de uma grave
insegurança jurídica, prejudicial a garantias elementares, como a do devido
processo legal, a do contraditório e a da ampla defesa.
Assim, não prospera a tese do recorrente de que a demanda estabilizar-se-ia
apenas com a citação de todos os réus, pois subverteria a finalidade do art.
264, caput, do CPC, que foi privilegiar a segurança jurídica e o encadeamento
lógico-sistemático dos atos processuais.
[...]
Dessarte, havendo mais de um réu, a citação de apenas um deles implica a
impossibilidade de o autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o
consentimento do réu citado.
NERY JUNIOR expõe entendimento diverso em seus comentários, isto é, “havendo
mais de um réu, enquanto não realizadas todas as citações, a modificação do pedido ou da causa
de pedir é possível, mesmo sem o consentimento dos réus já citados (JTACivSP 95/264).
Convém anotar que, havendo a modificação, os réus já citados deverão sê-lo novamente, para
que possam tomar conhecimento da modificação”29.
29 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado. 9.ed. São Paulo: RT, 2006, nota 4 ao art. 264 do CPC.
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Com efeito, parece-nos mais acertado o entendimento de que a citação de um dos réus
(ou o comparecimento espontâneo deste, que atinge a mesma finalidade) torna imperiosa a
concordância deste para a modificação da causa de pedir e do pedido.
Ainda sobre o tema, convém indagar se a concordância de todos os réus se faz necessária
em qualquer modalidade de litisconsórcio passivo. Em análise perfunctória, pode-se considerar
que, em casos de litisconsórcio facultativo simples, cada réu seria livre para dispor sobre as
consequências decorrentes da alteração dos contornos objetivos da demanda contra si proposta,
na medida em que os demais réus não serão atingidos por tal ato.
Novas questões de direito em sede de réplica ou em apelação
Nos autos do REsp 924.946/RR, o STJ considerou lícita a invocação, em réplica, da
inconstitucionalidade de lei estadual que o réu, em contestação, alegou haver sido violada.
Confira-se:
O que se discute na presente demanda é se o autor pode invocar, em sede de réplica,
a inconstitucionalidade da lei que o réu, na contestação, apontou como ofendida.
Sustenta o recorrente que, após a contestação, o autor não poderia modificar a causa
de pedir, sob pena de violação do artigo 264 do Código de Processo Civil, que assim
dispõe: [...]
Não assiste razão ao recorrente. O imperativo de estabilização da relação processual
não vai ao ponto de impedir o magistrado de aplicar o preceito adequado à resolução
da demanda que lhe foi submetida.
Compete à parte autora ao propor a demanda, de acordo com a teoria da substanciação,
demonstrar a ação contrária ao seu direito (causa de pedir próxima), bem como o
fundamento jurídico que lhe assiste (causa de pedir remota), conforme artigo 282, III,
do CPC, mas essa qualificação jurídica não se torna perene, pois o juiz apreciará a
demanda e aplicará o melhor direito à causa, conforme a máxima de que jura novit
curia.
Veja-se que até mesmo o autor, mantidos os fatos por ele alegados, pode se convencer
no curso da lide de que o fenômeno jurídico ocorrido é outro, o que não implica
violação do preceito em comento30.
De outra parte, a Segunda Turma do mesmo Tribunal, nos autos do REsp 852.622/SP
considerou que a arguição de inconstitucionalidade em sede de apelação apenas violaria o art.
30 REsp 924.946/RR, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., julgado em 05/06/2007, DJ 21/06/2007, p. 303.
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264 do CPC/7331. De forma contrária decidiu a Primeira Turma do STJ decidiu de forma
contrária ao sustentar que “de acordo com a jurisprudência pacificada nesta Corte, a
inconstitucionalidade da norma instituidora do tributo pode ser argüida em qualquer momento
ou grau de jurisdição, inclusive por meio de exceção de pré-executividade, razão pela qual nada
obsta que seja feita em sede de apelação”32.
Restrição ou flexibilização?
O parágrafo único do art. 264 do CPC/73 estabelecia que “a alteração do pedido ou da
causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo”.
Dando razão à vedação – o que, vale frisar desde logo, não parece em nada conflitar
com a busca pela efetividade do processo – DINAMARCO pontuava que “resolvidas as
questões incidentes, fixados os pontos fáticos dependentes de prova e deferidos os meios
probatórios a produzir [...], o procedimento já terá chegado a um ponto tal, que retroceder seria
tumultuar; como o processo não é um negócio em família e a jurisdição é uma função pública,
o poder de disposição das partes não pode chegar ao ponto de permitir que elas prejudiquem o
bom exercício desta”33.
SCARPINELLA BUENO, compartilhando o entendimento de BEDAQUE, apresentava
entendimento diverso, sustentando que “seria melhor que as partes pudessem, sempre com a
expressa concordância uma da outra e consoante determinados critérios legais menos rígidos,
pelo menos no que diz respeito ao instante procedimental, ampliar ou reduzir o objeto da
decisão do juiz ou, até mesmo, os sujeitos em face dos quais a tutela jurisdicional será
prestada”34. O autor ainda cuida de rebater a objeção quanto à transformação do processo em
uma relação absolutamente privada, conforme:
A crítica que poderia ser formulada à compreensão mais ampla dos limites a
que se refere o parágrafo único do art. 264 é que, a se admitir uma maior
flexibilização na alteração dos elementos de demanda, estar-se-ia
transformando o Poder Judiciário em algo privado, privatístico, até, como se
31 REsp 852.622/SP, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 26/09/2006, DJ 10/10/2006, p. 301. 32 AgRg no Ag 841.774/RJ, Relª. Minª. Denise Arruda, 1ª T., DJ de 07.05.2007, p. 287. 33 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.2. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 68. 34 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. v.2. Tomo I. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 250.
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tratasse do chamado ‘processo arbitral’ em que as partes podem, até mesmo,
escolher as regras de procedimento que melhor atendam às suas expectativas
para o julgamento de seus conflitos de interesses. A objeção deve ser rejeitada,
contudo. É que as diretrizes do direito processual civil não se voltam a
preservar a forma e os moldes legais, mesmo que legitimamente escolhidos
pelo legislador, acima de outros valores, de outras finalidades, os verdadeiros
‘escopos do processo’. A flexibilização aqui exposta e à qual aqui se adere é
providência irrecusável não só do ponto de vista do atual estágio da teoria das
nulidades processuais [...], mas também, e principalmente, como
consequência irrecusável do ‘modelo constitucional do direito processual
civil’, responsável, em última análise, a dar evidência suficiente para os
objetivos a serem atingidos pela atuação do Estado-juiz em todo e em qualquer
caso35.
BARROS LEONEL propunha, em nome da efetividade do processo, a mitigação da
regra do art. 264 do CPC/73. Segundo o autor, tal proposta seria aplicada em caráter
excepcional, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa e desde que a introdução de
dados supervenientes não decorra de má-fé do autor36.
Neste contexto de mitigação dos dogmas de estabilização da demanda, o autor destaca
o papel relevante que pode – ou, na concepção de um poder-dever – deve ser assumido pelo
magistrado para o conhecimento e consideração de tais fatos, ainda que de ofício. Para tanto, o
autor harmoniza os princípios da inércia da jurisdição e do impulso oficial, buscando afastar,
ademais, eventuais argumentos pela nulidade da decisão proferida com fundamento em fatos
não narrados37.
O autor assim resumia sua proposta:
a) trata-se de solução excepcional, que não afasta a validade e necessidade das
regras inerentes à formação e estabilização da demanda;
b) depende da incidência do contraditório e da ampla defesa, e em última
análise do respeito ao devido processo legal do modo mais abrangente
possível, como forma de legitimação da solução excepcional;
c) evidencia a necessidade de que a introdução do dado superveniente não
decorra de má-fé, devendo, se for o caso, contar com adequada justificação;
35 BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. v.2. Tomo I. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 250/251. 36 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006, p. 231-233. 37 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006, p. 233/241.
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d) na análise conjuntural das consequências da aceitação ou rejeição da
dedução superveniente será necessário ao magistrado considerar o efetivo
proveito ou economia, em sentido global, para a solução definitiva da
controvérsia (se da inovação decorre tumulto processual, ou necessidade de
retorno a fases procedimentais já superadas, como, v.g., complexa instrução
probatória, deve ser rejeitada e reservada para ulterior demanda);
e) será necessário ponderar também, partindo do exame das posições jurídicas
das partes, a inexistência de prejuízo concreto e indevido, considerando o
contraditório, a possibilidade de defesa pelos litigantes e a produção de
resultados legítimos (v.g., se a pretensão ou causa de pedir deduzidos pelo
autor, violando os limites da estabilização, acabam contando com sentença de
improcedência, não há por que se reconhecer nulidade, na medida em que
aquele que seria prejudicado, o réu, acabou sendo beneficiado:
definitivamente estará afastada a possibilidade de que venha a ser novamente
demandado, em função da mesma situação de direito material)38.
Os argumentos trazidos pela doutrina e jurisprudência para a admissão da modificação
dos elementos objetivos da demanda após a citação invocam princípios como a efetividade do
processo, a economia processual e a celeridade, ressalvando sempre, como medida de justiça,
o respeito ao contraditório, dentre outras garantias que compõe o sobreprincípio do devido
processo legal.
Considerações Finais
Dentre todas estas garantias, parece-nos que o contraditório teve papel de destaque na
normatização da possibilidade de modificação da causa de pedir e do pedido no curso do
processo.
Nesse sentido, o art. 329 do CPC assegura ao réu, caso consinta com a alteração da causa
de pedir ou do pedido até o saneamento, o direito ao “contraditório mediante a possibilidade de
manifestação deste no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova
suplementar”. Ao custo de uma dilação das fases postulatória e probatória, o art. 329 do CPC/15
talvez tenha encontrado espaço para ampliar as chances de pacificação dos conflitos levados ao
Judiciário, evitando que o causas de pedir ou pedidos adicionais exijam nova demanda para seu
conhecimento.
38 LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006, p. 249.
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MARINONI e ARENHART apontam que a supressão da expressão “em nenhuma
hipótese”, que constava do parágrafo único do art. 264 do CPC/73, abre espaço para uma
modificação convencional dos elementos objetivos da demanda mesmo após o saneamento,
verdadeiro negócio jurídico processual (CPC/15, art. 190)39, a despeito da redação do art. 329,
II, do CPC.
DIDIER JR., por sua vez, a despeito de defender igual saída, parece interpretar a
previsão do art. 329, II, como vedação à aplicação do mesmo art. 190 e à modificação da causa
de pedir e do pedido por consenso. Conforme:
É realmente difícil entender essa vedação: parece um fóssil legislativo, remanescente
de um sistema anterior, incompatível com o sistema atual, que permite a negociação
processual. É, enfim, inegavelmente, uma regra que restringe a negociação processual,
pois, ao regular um negócio processual típico, impõe os seus limites.
De nossa parte, o tempo nos levou a refletir e alterar posicionamento anterior para
admitir, com maior flexibilidade e em nome da efetividade do processo, a possibilidade de
modificação da causa de pedir e do pedido em casos tais. Concedemos, inclusive, maior carga
à proposta de MARINONI e ARENHART quanto à modificação consensual, mesmo após o
saneamento.
Tome-se a hipótese em que, durante a fase probatória, certo depoimento de testemunha
induza a discussão de fato até então não invocado por qualquer das partes. Tal o caso em que
uma testemunha confirma que o réu não cruzou o sinal vermelho, e sim o sinal de verde para
amarelo, porém para fazê-lo acelerou bruscamente o veículo, ensejando a colisão com o veículo
que estava a sua frente. Evidente que uma leitura fria do art. 329, II, do CPC ensejaria que as
considerações sobre a aceleração brusca do veículo do réu não poderiam ser tomadas para
resolução da lide, já que a inobservância do sinal semafórico consistia no único fundamento da
demanda e o processo já se encontrava em fase probatória. Caso, porém, o Juízo permita ao réu
manifestar-se sobre tais fatos e requerer novas provas, como, por exemplo, a produção de prova
pericial para atestar a velocidade a partir da frenagem ou a exibição do tacógrafo. Esta
oportunidade poderá até mesmo ser aproveitada pelo réu para dar cabo definitivo da lide,
39 MARINONI, Luiz Guilherme. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 294 ao 333. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart. 2.ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 460.
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evitando sua postergação com nova demanda que discutirá o mesmo evento, ora sob a alegação
de excesso de velocidade e com o uso de prova emprestada.
A observância do contraditório para a admissão da modificação da causa de pedir e do
pedido constitui, a nosso ver, o mais importante vetor para a análise do tema e, nesse sentido,
o legislador de 2015 empreendeu inegável avanço, ainda que se pudesse cogitar uma
interpretação ainda mais ampliativa da regra contida no art. 329, II, do CPC.
Por ora, o STJ analisou a violação ao art. 329 do CPC/15 em poucas oportunidades,
ocasião em que: (i) concluiu pela impossibilidade de se alterar o valor indicado em petição
inicial a título de purgação da mora em ação de busca e apreensão após a citação do réu, ainda
que decorrente de erro material, como alegava o autor40; (ii) admitiu a emenda da inicial após
a citação do réu para incluir um litisconsorte necessário (cônjuge do réu), desde que isso não
acarrete alteração da causa de pedir ou do pedido41; (iii) em análise ao art. 264 do CPC/73 (mas
com brevíssima menção ao correspondente art. 329 do CPC/15), decidiu o STJ pela
impossibilidade de o devedor alegar pagamento parcial na fase de instrução se tal alegação não
constou da petição inicial dos embargos à execução; anote-se que, no caso, não se tratava de
fato superveniente42.
O tempo e o “‘balançar dos olhos” mostrarão se a flexibilização trazida pelo art. 329 do
CPC/15 será, de fato, bem aproveitada.
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21
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