MODOS DE PENSAR A TELEVIS+âO - Arlindo Machado

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  • 8/13/2019 MODOS DE PENSAR A TELEVIS+O - Arlindo Machado

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    MODOS DE PENSAR A TELEVISOPor: Arlindo Machado

    Publicado originalmente em Revista CULT n 115

    Apesar de considerado o meio de comunica!o hegem"nico a partir da segunda metade do s#culo$%& a televis!o #& na verdade& uma id#ia do s#culo 1'( )um momento de intensiva e*pans!o do capitalismo& +e,-se necess.rio desenvolver +ormas de comunica!o r.pidas e / longa dist0ncia& pre+erencialmente em tempo reale sem transporte de obetos +2sicos& utili,ando cabos ou ondas eletromagn#ticas( 3 assim 4ue surge o tel#gra+otransmiss!o de te*to6& o tele+one transmiss!o de som6 e a televis!o transmiss!o de imagem e som6( 7primeiro prot8tipo de televis!o ainda mec0nico6 +oi proposto pelo pes4uisador alem!o Paul )ip9o& em 1;;or?9in 4ue trabalhou na =estinghouse e& depois& na RCA& nos @UA6 e o norte-americano Philo arnsorth&um inventor solit.rio(

    Uma ve, 4ue o obetivo original da televis!o era a transmiss!o de imagens em tempo real e

    presente& a opera!o ao vivo acabou por se revelar& dentre todas as possibilidades de televis!o& a4uela 4uemarcou mais pro+undamente a e*periBncia desse meio( A televis!o nasceu ao vivo& desenvolveu todo o seurepert8rio b.sico de recursos e*pressivos num momento em 4ue operava e*clusivamente ao vivo e essecontinua sendo o seu trao distintivo mais importante dentro do universo do audiovisual( e +ato& a opera!o emtempo presente constitui a principal novidade introdu,ida pela televis!o dentro do campo das imagens t#cnicas(A partir da televis!o como . acontecia com o r.dio& no plano da transmiss!o sonora6& o registro de umespet.culo& a sua edi!o e a sua visuali,a!o por parte da comunidade de espectadores podem se darsimultaneamente e # esse ustamente o trao distintivo da transmiss!o direta: a recep!o& por parte deespectadores situados em lugares distantes& de eventos 4ue est!o acontecendo em outros lugares e nessemesmo instante(

    A transmiss!o direta constitui& portanto& o primeiro +ormato de televis!o& pois& como se sabe& asprimeiras emissDes televisuais +oram transmissDes ao vivo de eventos e*tratelevisuais& como os Eogos

    7l2mpicos de Ferlim 1'GH6& a coroa!o do rei Eorge IJ da Jnglaterra 1'GK6& a conven!o do PartidoRepublicano norte-americano na cidade de ilad#l+ia 1'

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    semanais ou mensais( Chamamos de seria!o essa apresenta!o descont2nua e +ragmentada do programatelevisual( )o caso espec2+ico das +ormas narrativas& o enredo # geralmente estruturado sob a +orma de cap2tulosou epis8dios& cada um deles apresentado em dia ou hor.rio di+erente e subdividido& por sua ve,& em blocosmenores& separados uns dos outros por brea9s para a entrada de comerciais ou de chamadas para outrosprogramas( Muito +re4entemente& esses blocos incluem& no in2cio& uma pe4uena conte*tuali,a!o do 4ueestava acontecendo antes para re+rescar a mem8ria ou in+ormar o espectador 4ue n!o viu o bloco anterior6 e&no +inal& um gancho de tens!o& 4ue visa a manter o interesse do espectador at# o retorno da s#rie depois dobrea9 ou no dia seguinte(

    Q. v.rias e*plicaDes sobre as ra,Des 4ue levaram a televis!o a adotar a seria!o como aprincipal +orma de estrutura!o de seus produtos audiovisuais( Para muitos& a televis!o& muito mais 4ue osmeios anteriores& +unciona segundo um modelo industrial e adota como estrat#gia produtiva as mesmasprerrogativas da produ!o em s#rie 4ue . vigoram em outras es+eras industriais& sobretudo na indSstriaautomobil2stica( A necessidade de alimentar com material audiovisual uma programa!o ininterrupta teria e*igidoda televis!o a ado!o de modelos de produ!o em larga escala& na 4ual a seria!o e a repeti!o in+inita domesmo prot8tipo constituem a regra( Com isso& # poss2vel produ,ir um nSmero bastante elevado de programasdi+erentes& utili,ando sempre os mesmos atores& os mesmos cen.rios& o mesmo +igurino e uma Snica situa!o

    dram.tica( @n4uanto produtos como o livro& o +ilme e o disco de mSsica s!o concebidos como unidades mais oumenos independentes& 4ue demoram um tempo relativamente longo para serem produ,idos& o programa detelevis!o # concebido como um sintagma-padr!o& 4ue repete o seu modelo b.sico ao longo de um certo tempo&com variaDes maiores ou menores( 7 +ato mesmo da programa!o televisual como um todo constituir um +lu*oininterrupto de material audiovisual& transmitido todas as horas do dia e todos os dias da semana& aliado aindaao +ato de 4ue uma boa parte da programa!o # constitu2da de material ao vivo& 4ue n!o pode ser editadoposteriormente& e*igem velocidade e racionali,a!o da produ!o( A tradi!o parece demonstrar 4ue um certo+atiamento da programa!o permite agili,ar melhor a produ!o o programa pode . estar sendo transmitidoen4uanto ainda est. sendo produ,ido6 e tamb#m responder /s di+erentes demandas por parte dos distintossegmentos da comunidade de telespectadores(

    Mas& independentemente dessa e*plica!o econ"mica& e*istem tamb#m ra,Des de nature,aintr2nseca ao meio condicionando a televis!o / produ!o seriada( A recep!o de televis!o em geral se d. em

    espaos dom#sticos iluminados& em 4ue o ambiente circundante concorre diretamente com o lugar simb8lico datela pe4uena& desviando a aten!o do espectador e solicitando-o com muita +re4Bncia( Jsso 4uer di,er 4ue aatitude do espectador em rela!o ao enunciado televisual costuma ser dispersiva e distra2da em grande partedas ve,es( iante dessas contingBncias& a produ!o televisual se vB permanentemente constrangida a levar emconsidera!o as condiDes de recep!o e essa press!o acaba +inalmente por se cristali,ar em +orma e*pressiva(Um produto ade4uado aos modelos correntes de di+us!o n!o pode assumir uma +orma linear& progressiva& come+eitos de continuidade rigidamente amarrados como no cinema& ou ent!o o telespectador perder. o +io dameada cada ve, 4ue a sua aten!o se desviar da tela pe4uena( A televis!o logra melhores resultados 4uantomais a sua programa!o +or do tipo recorrente& circular& reiterando id#ias e sensaDes a cada novo plano& ouent!o 4uando ela assume a dispers!o& organi,ando a mensagem em pain#is +ragment.rios e h2bridos& como nat#cnica da collage(

    A no!o de programa tem sido bastante 4uestionada nas Sltimas d#cadas( Ra,Des n!o +altam para

    isso: a televis!o costuma borrar os limites entre os programas& ou inserir um programa dentro do outro& a pontode tornar di+2cil a distin!o entre um programa continente e um programa conteSdo( Al#m disso& os programasde televis!o carregam a contradi!o de terem uma dura!o& de um lado& cada ve, mais redu,ida spotspublicit.rios& videoclipes& logos de identidade da rede televisual6 e& de outro& cada ve, mais dilatada seriados&telenovelas6( )os dois casos& o 4ue chamamos de programa resulta numa entidade t!o di+2cil de ser identi+icada4uanto de+inida( )os anos 1'K%& Ra?mond =illiams 4uestionou o conceito est.tico de programa& porconsiderar 4ue& na televis!o& n!o e*istem unidades +echadas ou acabadas& 4ue possam ser analisadasseparadamente do resto da programa!o( @m lugar do conceito de programa& ele contrap"s o conceito maisdin0mico de +lu*o televisual& em 4ue os limites entre um segmento e outro n!o eram mais considerados t!omarcados como em outros meios( Por outro lado& na televis!o& a recep!o tende a ser cada ve, mais+ragmentada e heterogBnea& em decorrBncia do e+eito ,apping& ou sea& do embaralhamento de todos os canaiscom o controle remoto( Com a ameaa permanente desse dispositivo& . n!o se contam mais hist8riascompletas& es+acelam-se as distinDes de gBnero e +ormato& n!o mais sobra se4uer a distin!o ontol8gica entrerealidade e +ic!o(

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    Apesar disso tudo e mesmo 4ue a singularidade do programa de televis!o continue sendo4uestionada& investigaDes emp2ricas tBm demonstrado 4ue tanto a produ!o 4uanto a recep!o televisualcontinuam se baseando +ortemente em nScleos de signi+ica!o coerentes& como os gBneros& os +ormatos e osprogramas( @m outras palavras& os programas& os +ormatos e os gBneros continuam sendo os modos maisest.veis de re+erBncia / televis!o como +ato cultural( Por essa ra,!o& podemos nos perguntar se o +lu*otelevisual # o resultado da a+irma!o de alguma essBncia natural da televis!o ou t!o somente de umacontingBncia hist8rica particular( 3 preciso considerar +inalmente - e esse nos parece o ponto mais importante -4ue a id#ia de programa leva ainda& sobre a id#ia de +lu*o& a vantagem de permitir uma abordagem seletiva e4ualitativa( 7 conceito de +lu*o empastela toda a produ!o televisual num caldo homogBneo e amor+o& en4uantoo de programa permite nitidamente distinguir di+erenas ou perceber a 4ualidade 4ue desponta sobre o +undo damesmice(

    Oualidade # hoe uma palavra-chave na .rea dos estudos de televis!o& embora n!o sea umconceito +.cil de de+inir( eo++ Mulgan& no livro The 4uestion o+ 4ualit?& enumera pelo menos sete di+erentesacepDes da palavra 4ualidade em circula!o nos meios 4ue discutem a televis!o( Oualidade pode ser 16 umconceito puramente t#cnico& a capacidade de usar bem os recursos e*pressivos do meio: a boa +otogra+ia& oroteiro coerente& a boa interpreta!o dos atores& a indument.ria de #poca convincente etc( @sse conceito

    encontra-se di+undido principalmente entre os pro+issionais 4ue +a,em televis!o( )a dire!o contr.ria& 4ualidadepode ser $6 a capacidade de detectar as demandas da audiBncia an.lise de recep!o6 ou as demandas dasociedade an.lise de conuntura6 e trans+orm.-las em produto& abordagem predileta dos comunic8logos etamb#m dos estrategistas de mar9eting( A 4ualidade pode ser tamb#m G6 uma particular competBncia parae*plorar os recursos de linguagem numa dire!o inovadora& como o re4uer a abordagem est#tica( E. aabordagem 4ue Mulgan chama de ecol8gica& identi+icada com o ponto de vista dos educadores e religiosos&pre+ere privilegiar