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Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós - Graduação em Educação
Moises Levy Pinto Cristo
Labirintos da m emória: e xperiências e ducativas de
e x - i nternos da Colônia de M arituba / PA (1940 - 1970) Belém - PA
2019
Moises Levy Pinto Cristo
Labirintos da memória: experiências educativas de ex-internos da Colônia de Marituba/PA (1940-1970)
Texto de defesa apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia, da Universidade do Estado do Pará.
Orientadora Prof.ª Dr. Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França.
BELÉM-PA 2019
Dados Internacionais de Catalogação na publicação (CIP) Biblioteca do CCSE/UEPA, Belém - PA
Cristo, Moises Levy Pinto Labirintos da memória: experiências educativas de ex-internos da Colônia de
Marituba/PA (1940-1970) / Moises Levy Pinto; orientador ; 2019
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019.
1. Educação-Marituba (PA). 2. Hanseníase-Marituba (PA) 3. Hospital Colônia
de Marituba (PA). I. França, Maria do Perpétuo S. G. S. A. de (orient.). II.Título. CDD. 23º ed. 371.9
Moises Levy Pinto Cristo
Labirintos da memória: experiências educativas de ex-internos da Colônia de Marituba/PA (1940-1970)
Texto de defesa apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Pará. Área de concentração: Saberes culturais e educação na Amazônia
Data da aprovação: 21/05/2019
Banca examinadora
____________________________________ – Orientadora Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França Doutora em Educação Universidade do Estado do Pará
__________________________________________ – Examinador Interno Josebel Akel Fares Doutora em Comunicação e Semiótica: Intersemiose na Literatura e nas Artes Universidade do Estado do Pará
__________________________________________ – Examinador Externo Laura Maria Silva Araújo Alves Doutora em Psicologia da Educação Universidade Federal do Pará
__________________________________________ – Examinador Externo Tatiana do Socorro Corrêa Pacheco Doutora em Educação Universidade Federal Rural da Amazônia
À minha eterna mestra, minha mãe, que viu em mim a possibilidade de contar histórias de luta e superação.
AGRADECIMENTOS
Diante deste longo tapete púrpura que me pus a caminhar, caminhos
sinuosos e cheio de desafios contribuíram para a produção desta dissertação.
Horas de estudo, isolamento, angústias, interpelações e o fazer e refazer,
provocavam em mim um sentimento de solidão. Contudo, nunca estive só no
trilhar parte deste caminho, que a cada passo, revelava-se múltiplo.
Sou grato a Deus, que permitiu a estada nesse ciclo acadêmico e que
iluminou a minha chegada até aqui. Que esta vivência impulsione minha vida para
novos desafios. Haverá pausa somente para tomar fôlego e definir novas metas.
À minha eterna mestra, Lucidea Cristo, que nunca pôs em dúvida os meus
sonhos e sempre se dispõe a apoiar qualquer caminho escolhido por mim. Que
desde a infância veio alimentando-me com histórias que me inspiraram e me
instigaram a descobrir o lugar de memórias em que cresci.
Destaco neste percurso minha esposa, Thalyta, e meus filhos, Davi e
Esther Cristo, que me iluminaram, acreditaram e apoiaram a produção deste
trabalho. Que aceitaram meu afastamento familiar para a construção deste, e
dividiram comigo minhas angústias, minha rotina acadêmica, meus “estresses” e
minhas lamentações. Que sempre me incentivam a caminhar nesta carreira de
estudos. Obrigado pelo apoio incondicional. Amo vocês.
À Ruth Almeida, que após suas orientações valiosas em torno do um
projeto em que me arrastava por três anos, se propôs a contribuir na fase inicial
da construção do objeto de estudo. Esse apoio, sem dúvida, contribuiu para que
eu esteja escrevendo este agradecimento.
Às escolas parceiras: Cooperativa Educacional Invicto, onde todos os
professores cooperados contribuíram neste percurso; e à Escola M. E. F. Júlio
Cézar, onde a coordenadora Josilene Rodrigues e professores/funcionários
amigos, que mesmo sem minha liberação para os estudos, articularam
meticulosamente minhas saídas para eu cumprir as disciplinas e ser orientado,
dispensas para reuniões e viagens para apresentações de comunicações orais.
Sintam todos meu abraço de gratidão pelo apoio dado nesse caminhar.
Aos meus familiares, que de perto ou mesmo de longe, me acompanham em
todos meus passos.
Aos meus amigos que me apoiaram, dividiram dúvidas, frustações e que,
às vezes, diziam “verdades acadêmicas” duras, mas que me impulsionaram a
buscar a concretização deste trabalho. Em especial, as amigas – irmãs
acadêmicas – que o mestrado me trouxe, Gercina, Jane e Thaís, com quem
muitas vezes dividi afazeres e projetos da pós-graduação.
À minha orientadora, Socorro França, que acreditou no embrião do objeto
de pesquisa, e a meu lado se pôs a me guiar pelo chão púrpura de forma
magistral. Que me instigou a descobrir os caminhos da pesquisa, que me deu
liberdade para o amadurecimento intelectual, me orientando de forma segura e
competente, não se deixando abater pelas adversidades que a vida lhe trouxe.
Minha eterna gratidão.
Às professoras avaliadoras, Josebel Fares, Tatiana Pacheco e Laura
Alves, que avaliaram o trabalho em sua fase inicial e que com seus apontamentos
me fazeram atentar à outras possibilidades em que o objeto estava envolto. Grato
pela atenção e contribuição nesta caminhada.
Não poderia deixar de agradecer aos intérpretes da pesquisa: Conceição
Silva, Reulina Tavares, Lucidea Cristo, Zé Maria e Geraldo Cascaes, sem os
quais não seria possível o remontar do Hospital Colônia de Marituba-PA.
Guardiões de um passado rico e silenciado. Que confiaram em meu trabalho, se
dispuseram a dividir suas memórias e a me ensinar uma pequena parte de suas
experiências grandiosas de um período de internação. Dispuseram-se a abrir o
coração, o baú de recortes e fotos preciosas – que não estão à disposição de
todos – em que estão registrados momentos singulares de um passado histórico.
São vencedores.
Espero que nestas breves linhas eu não tenha sido injusto com ninguém.
Meu objetivo com estas palavras era expressar como todos contribuíram para
minha chegada até aqui... mas tenho consciência de que não é suficiente. Eterna
gratidão a todos.
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la,
isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto
é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela ou ser por ela [...]. Por isso se escreve, por isso se
diz, por isso se publica [...].
(Antônio Cícero, Guardar) RESUMO
CRISTO, Moises Levy Pinto. Labirintos da memória: experiências educativas de ex-internos da Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019.
Este estudo trata sobre as experiências educativas de ex-internos da Instituição Colônia de Marituba/PA, criada no ano de 1942, com o objetivo de isolar as pessoas acometidas pela lepra. Ela funcionou em moldes de internação compulsória de pessoas contaminadas pela doença adotando um regime de microcidade, na qual havia pavilhões, casas, hospital, escola, teatro, campo de futebol, cemitério, entre outros. O estudo tem como objetivo geral: analisar como se configuraram as experiências educativas de ex-internos no Hospital Colônia de Marituba/PA, nos anos de 1940-1970. São seus objetivos específicos: apresentar as relações sócio-afetivas que permearam a vida dos internos; reconstruir os múltiplos espaços educativos da instituição; identificar os saberes transmitidos nesses espaços educativos; caracterizar as cerimônias institucionais presentes na instituição. O estudo tem como metodologia a história oral e como técnica a história oral temática híbrida. Os intérpretes da investigação são 05 (cinco) ex-internos, três mulheres e dois homens, que viveram na Colônia de Marituba/PA. Foi realizada com eles uma entrevista semiestruturada com a finalidade de compreender o que vivenciaram, aprenderam e ensinaram naquela instituição total. Juntamente com as fontes orais, foram utilizados os documentos: “A história da Lepra no Brasil” (1950), “O manual de Leprologia” (1960), “História da Lepra no Brasil do período Republicano: Álbum de Organizações antilepróticas” (1948), “Campanha da Solidariedade em prol da construção do Preventório para filhos dos Lázaros, no Pará” (1939), “I Conferência Nacional de Assistência Social aos Leprosos” (1939), “A Prophylaxia da Lepra e Doenças Venéreas do Estado do Pará” (1922), “Lazarópolis do Prata: A primeira Colônia Agrícola de Leprosos Fundada no Brasil” (1924) e jornais locais como “Folha do Norte”, “Folha Vespertina” e “O Estado do Pará” (1942), registros fotográficos, fichas leprológicas, revistas e livros que contemplaram temas como a hanseníase e o lugar a ser pesquisado. O referencial teórico tem por base as obras de Goffman (1974), Halbwachs (2003), Bosi (1994), Burke(2017), Foucault (2014), Castro (2017), Frago (2001), Freitas (2006), Meihy e Holanda (2017), Sanfelice (2007), Stepan (2004),Thompson (1992), Portelli (1996), entre outros. Os intérpretes dessa investigação foram retirados do seio familiar e segregados em um espaço hospitalar politicamente idealizado para o tratamento da lepra. Um hospital que promoveu em seus espaços múltiplas experiências sócio-educativas, como organização de horários das atividades, cursos e oficinas, formação técnica para o interno trabalhar na instituição, cerimônias religiosas e festejos diversos como o carnaval, festa junina, 7 de Setembro e Natal. Os intérpretes permaneceram sob o controle institucional, em que o corpo, a mente e a alma puderam ser educados. Diante do controle e da vigilância, criaram estratégias de sobrevivência que tornaram o hospital-colônia lugar de experiências educativas e de resistência.
Palavras-chave: Experiências educativas. Hospital Colônia de Marituba. Lepra.
ABSTRACT
CRISTO, Moises Levy Pinto. Labyrinths of Memory: Educational experiences of former inmates of the Marituba / PA colony (1940-1970). 2019. 205f. Dissertation (Master in Education) - University of the State of Pará, Belém. 2019.
This study deals with the educational experiences of former inmates of the Colônia Institution of Marituba / PA, created in 1942, in order to isolate the people affected by leprosy. The same worked in a regime of compulsory hospitalization of people contaminated by the disease in a micro-city, where there were pavilions, houses, hospital, school, theater, soccer field, cemetery, among others. The objective of this study is to analyze how the educational experiences of exinmates were configured in the Marituba / Pa Hospital-Colony, in the years 19401970. Its specific objectives are: to present the socio-affective relations that permeated the life of the inmates; to rebuild the Institution's multiple educational spaces; identify the knowledge transmitted in these educational spaces, characterize the institutional ceremonies present in the institution. The study has as methodology the history as the hybrid oral history. The interpreters are 05 former inmates, three women and two men, who lived in the Marituba / PA Colony. A semi-structured interview was carried out with them in order to understand what they experienced, learned and taught in that total institution. Together with the oral sources I use the documents: The History of Leprosy in Brazil (1950), The Manual of Leprology (1960) History of Leprosy in Brazil from the Republican Period: Album of Antileprotic Organizations (1948), Solidarity Campaign for the Construction of the Preventory for Children of Lazarus, in Pará (1939), 1st National Conference on Social Assistance to Lepers (1939), A Leprosy Prophylaxia and Venereal Diseases of the State of Pará (1922),
Lazaropolis do Parta: The first Leprosy Agricultural Colony Founded in Brazil (1924) and local newspapers such as Folha do Norte, Folha Vespertina and O Estado do Pará (1942), records photographs, magazines, magazines and books
that dealt with topics such as leprosy and the place to be researched. The theoretical reference is based on the works of Goffman (1974), Halbwachs (2003),
Bosi (1994), Burke (2017), Foucault (2014), Castro (2017), Frago (2001), Freitas and Holland (2017), Sanfelice (2007), Stephan (2004), Thompson (1992), Portelli (1996), among others. The interpreters of this investigation were removed from
the family and segregated in a hospital space politically idealized for the treatment of leprosy. A hospital that promoted in its various spaces socioeducational activities, such as organization of schedules of activities, courses and workshops,
technical training for the inmate to work in the institution, religious ceremonies and various festivities such as the carnival, Christmas. The interpreters remained
under institutional control, in which body, mind and soul could be educated. Before the control and the vigilance they created strategies of survival that made the Hospital Colony place of educational experiences and of resistance. Palavras-
chave: Educational experiences. Hospital Colônia de Marituba. Leprosy. LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Conceição Silva 40
Imagem 2 – Reulina Tavares 41
Imagem 3 – Lucidea Cristo 43
Imagem 4 – Zé Maria 44
Imagem 5 – Geraldo Cascaes 46
Imagem 6 – Moradias de leprosos antes da construção dos modernos
asilos
63
Imagem 7 – Vista geral do Asylo do Tucunduba, inaugurado em 1816 67
Imagem 8 – Entrada da Colônia do Prata, em 1970 73
Imagem 9 – Vista aérea do Leprosário de Marituba 75
Imagem 10 – Mapa da localização do município de Marituba e antigo
hospital-colônia
80
Imagem 11 – Leprosário de Marituba e suas construções em 1938 81
Imagem 12 – Limpeza do espaço onde foi construído o Hospital Colônia de
Marituba
83
Imagem 13 – Moeda que circulou na Colônia de Marituba 85
Imagem 14– Passeio de carro pelas ruas do Leprosário de Marituba/PA 92
Imagem 15 – Vista panorâmica da Colônia de Marituba, pavilhão e casas
geminadas
93
Imagem 16– Grupo de crianças leprosas e pavilhões coletivos 94
Imagem 17 – Ficha de identificação e recebimento do interno no leprosário
de Marituba
105
Imagem 18 – Ficha leprológica de 1954 106
Imagem 19 – Ficha de tratamento de 1954 107
Imagem 20 – I Conferência Nacional de Assistência Social aos Leprosos 115
Imagem 21 – Cartaz de 1929, utilizado para educação sanitária da
população
123
Imagem 22 – Curso de Formação em técnico em Enfermagem – Colônia de
Marituba
131
Imagem 23 – Formação técnica em Enfermagem 131
Imagem 24 – Igreja e escola primária do leprosário de Marituba 136
Imagem 25 – Certificado do Projeto Minerva de 1972 138
Imagem 26 – Curso de bordado à máquina, década de 70 142
Imagem 27 – Curso de corte e costura, década de 60 142
Imagem 28 – Mostra de trabalhos bordados na Colônia de Marituba 144
Imagem 29 – Pavilhão da administração 150
Imagem 30 – Casas para enfermeiros 150
Imagem 31 – Divulgação do trabalho governamental contra a lepra 151
Imagem 32 – Cassino da Colônia de Marituba, final da década de 70 169
Imagem 33 – Pavilhão de diversão da Colônia Santa Tereza-SC 170
Imagem 34 – Time Perseverança 171
Imagem 35 – Time Nacional 171
Imagem 36 – Amistoso entre Progresso e 9 de Setembro, em 1951 174
Imagem 37 – Sambista do carnaval na Colônia de Marituba 179
Imagem 38 – Apresentação da quadrilha junina, 1970 182
Imagem 39 – Procissão do Círio de Marituba 183
Imagem 40 – Cristandade em Marituba, 1970 187
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Memórias de hospitais-colônias 24
Quadro 2 – Saberes e experiências educativas em hospitais-colônias 26
Quadro 3 – Categoria de análise 52
Quadro 4 – Quadro de substituição dos nomes lepra/hanseníase 59
Quadro 5 – Asilos/hospitais que se destacaram 64
Quadro 6 – Autorização para sair do hospital-colônia 86
Quadro 7 – A cadeia 87
Quadro 8 – Medo, sofrimento e dor no isolamento compulsório 101
Quadro 9 – O uso da palavra “novato(a)” para novos internos 103
Quadro 10 – Medicações utilizadas no tratamento da lepra 109
Quadro 11 – Relação de leprosários regulamentados sob normas profilática
e regime único, em 1937
116
Quadro 12 – As diferentes idades de internação 119
Quadro 13 – Aceitação da condição de infectado/internado 120
Quadro 14 – Locais de internação do intérprete 124
Quadro 15 – Práticas e regras educativas escola/lar e escola/quartel 127
Quadro 16 – Formação técnica e o trabalho 129
Quadro 17 – A Escola Renausto Amanajás 134
Quadro 18 – Os professores que lecionaram no Grupo Escolar Renausto
Amanajás
139
Quadro 19 – Cursos e oficinas 140
Quadro 20 – Espaços de práticas educativas 143
Quadro 21 – Prática 143
Quadro 22 – Professores de arte terapia 145
Quadro 23 – Moradia dos funcionários sadios do hospital-colônia 148
Quadro 24 – O autofalante 152
Quadro 25 – O namoro 155
Quadro 26 – Prefeitura do hospital-colônia 157
Quadro 27 – Regras e horários institucionais 159
Quadro 28 – Alimentação no leprosário 162
Quadro 29 – Comemorações natalinas 165
Quadro 30 – Espaço de diversão: cassino 167
Quadro 31 – Jogos comemorativos 172
Quadro 32 – Dias de visita 175
Quadro 33 – Carnaval 178
Quadro 34 – Festa junina 180
Quadro 35 – 7 de Setembro 182
Quadro 36 – Círio 184
Quadro 37 – Eventos religiosos 185
SUMÁRIO
I – INTRODUÇÃO ............................................................................................ 13
1.1 CHÃO DE PÚRPURA ............................................................................. 13
II – PERCURSO METODOLÓGICO..................................................................31
III – DO VISÍVEL AO INVISÍVEL: PRÁTICA SEGREGATÓRIAS DA HANSENÍASE NO BRASIL E NO PARÁ DO SÉCULO XIX ............................ 55
3.1 MEMÓRIAS DA LEPRA: INVISIBILIDADE AOS DOENTES ................... 56
3.2 A LEPRA NO BRASIL: LABIRINTOS EM BUSCA DE UMA SOCIEDADE
IDEAL ........................................................................................................... 60
3.3 LEPROSÁRIO MODELO: BUSCA POR UM IDEÁRIO DE PÁTRIA
DESENVOLVIDA.......................................................................................... 69
3.4 MARITUBA: LUGAR DE HISTÓRIAS PRESENTES............................... 78
IV – ARTES NO FAZER: AS EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS NO LEPROSÁRIO DE MARITUBA ................................................................................................ 96
4.1 MEMÓRIAS DO CORAÇÃO: UM LUGAR DE EXPERIÊNCIAS
EDUCATIVAS ............................................................................................... 98
4.2 ESPAÇOS QUE EDUCAM: APROXIMAÇÕES EDUCATIVAS NO
LEPROSÁRIO DE MARITUBA ................................................................... 113
4.3 APRENDER A FAZER OU OCUPAR O TEMPO? – PRÁTICAS
EDUCATIVAS NA COLÔNIA DE MARITUBA ............................................. 133
V – CERIMÔNIAS INSTITUCIONAIS: ARES DE UMA SOCIEDADE NORMAL ....................................................................................................................... 146
5.1 CÁRCERE OU SOCIEDADE FICCIONAL? – O HOSPITAL COLÔNIA EM
MEIO A CERIMÔNIAS INSTITUCIONAIS .................................................. 146
5.2 FESTEJOS INSTITUCIONAIS: A ARTE DE AMENIZAR AS DORES DA
EXCLUSÃO ................................................................................................ 164
VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 188
FONTES E REFERÊNCIAS ........................................................................... 192
APÊNDICE .................................................................................................... 199
APÊNDICE – ROTEIRO DA ENTREVISTA TEMÁTICA ............................. 200
ANEXO .......................................................................................................... 202 ANEXO I – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...... 203 ANEXO II – TERMO DE AUTORIZAÇÃO E USO DE IMAGENS E
DEPOIMENTOS ........................................................................................ 205
13
CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
I – INTRODUÇÃO
1.1. CHÃO DE PÚRPURA
Passei minha infância, nos anos de 1983 a 1990, nos limites espaciais em
que funcionou o Hospital Colônia de Marituba, localizado a 16,8 quilômetros de
distância dos limites da cidade de Belém do Pará. Espaços como este, segundo
Silva (2009), foram criados para a internação compulsória de pessoas acometidas
com a “lepra”, doença que deixava deformidades físicas no infectado, gerando
medo e discriminação, ao ponto de muitas delas serem totalmente excluídas,
perseguidas e segregadas em hospitais-colônias, construídos em lugares de
difícil acesso.
Esses locais foram uma das estratégias criadas pelos governantes:
instituições de isolamento com o objetivo de conter o avanço da endemia. Tais
instituições foram denominadas de leprosários, hospital de lázaros, lazarópolis,
sanatórios, hospício de lázaros ou colônias de hansenianos (BRASIL, 1960).
Muitas foram as brincadeiras que tive oportunidade de compartilhar com
meus amigos de infância naqueles anos em que vivi no antigo espaço da Colônia
de Marituba. As brincadeiras aconteciam por entre os corredores imponentes de
árvores fortes e viçosas, cujas floradas de flores de jambo criavam um longo
tapete púrpura, flores que talvez estivessem ali com a única função de embelezar
um lugar repleto de vozes, que ecoam ao longo do tempo. Tapete voador que
nascia de suas flores abertas em pompons e que bastava uma brisa para
espalhar os estames cor-de-maravilha para embelezar as ruas com longas
alcatifas.
Chão de púrpura, cor que remete a um espaço mítico, significando
espiritualidade, magia e mistério. Traz em seu bojo um contato espiritual
individual, proporcionando a purificação do corpo e da mente, e a libertação de
medos e inquietações outrora vividos, sentido e compartilhado em grupo.
Referese à transformação individual alcançada para o novo viver.
O mesmo vento, que salpicava a púrpura por entre os diversos caminhos
– ora paralelos, ora interligados – insiste em entrecruzar vozes que estão
14
CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
impregnadas em minhas memórias. Foi nesse ambiente cor de púrpura, que
representa a alquimia, os mistérios, a transformação e introspecção individual
para a libertação, que cresci. Com os pés nesse chão, palco de tantas vivências,
e de ouvidos bem atentos – embora nem percebesse o significado real –,
escutava minha mãe narrar em corriqueiras ou longas conversas, entre familiares
e amigos, alguns fatos experienciados no Hospital Colônia de Marituba, no que
se referia à internação, às visitas, oficinas de artes, escolas, festas de casamento
e cerimônias.
Então me encontrava a imaginar, tentando criar quadros que pudessem
contemplar tais histórias de vida e superação. Mesmo ainda pequeno, percebi
que não era uma história única, apesar de ser individual, mas que estava ligada
a um grupo ao qual minha mãe também fez parte – e que ainda faz.
Em si, contempla memórias e recordações, em que a memória transporta o
narrador aos acontecimentos antigos, fazendo ruir as barreiras que separam o
presente do passado (VERNANT, 1973). Aprendizados que seus próprios olhos
viram, e que podem ajudar a recontar um passado singular, transformando a
memória em história viva, em tons salpicados de púrpura, concedendo a esse
período vivido a real nobreza e o devido respeito a um passado pouco explorado.
Com perseverança e superação de vida em um dado período histórico,
mostrando que, apesar dos obstáculos encontrados em meio ao período de
tratamento da doença, há possibilidade de se construir histórias ainda melhores
do que aquelas vividas no passado. História melhores? De certo não sei, pois
momentos únicos e transformadores foram vividos e experienciados no
hospitalcolônia ao qual minha mãe pertenceu.
Fui então crescendo, filho de ex-interna, escutando diversas histórias de
vida, tentando formular quadros na memória – expressão utilizada por Halbwacs
(2003) – que talvez pudessem explicar as inúmeras narrações escutada e
internalizada. Em conversas com minha mãe, sempre fui orientado a tratar bem
as pessoas com quem convivíamos, porque, apesar de “diferentes” – no sentido
físico –, todas mereciam respeito. Ela me dizia que eu não precisava ficar olhando
fixamente para elas, devendo cumprimentá-las, pegar em suas mãos sem medo,
15
CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
afinal, a maioria das pessoas que ali moravam tinham sequelas nos membros
devido à doença. Ressaltava que as pessoas internadas passaram por momentos
difíceis por conta da doença e que algumas delas não tinham mais família,
somente os amigos que lá encontraram.
Em meio a muitos cuidados e na tentativa de me alfabetizar em casa por
meio de cópias do meu nome em um pequeno caderno e quadrados em papel
contendo consoantes, chegou a hora de estudar. Fui então matriculado, aos 6
anos de idade, na Escola de Ensino Fundamental São José, escola de profissão
católica, localizada a 800 metros de onde morávamos, na qual cursei parte da
segunda série do ensino fundamental, tendo sido transferido para outra escola em
Belém, pois, devido às dificuldades físicas adquiridas pela doença, ficava difícil
para minha mãe me levar e buscar na escola diariamente.
Por ela acreditar que a educação é transformadora, oportunizou meus
estudos. Vim para Belém, morar com os meus avós, para ter a possibilidade de
estudar, e pude concluir o ensino fundamental no ano de 1998, na Escola Paulino
de Brito, e o ensino médio no Colégio Impacto. Em 2001, ingressei no Curso de
Formação de Professores, da Universidade do Estado do Pará, que mais tarde
seria transformado em Licenciatura Plena em Pedagogia. Ser professor? Ainda
não tinha certeza.
Ao longo do curso, fui me encontrando. Participei em 2004 como bolsista
de iniciação científica do projeto “Carimbó: uma expressão da mestiçagem
amazônica”, sob orientação da professora Josebel Akel Fares. Nesse projeto, tive
oportunidade de estudar e pesquisar o ritmo carimbó como uma expressão cultural
e educacional. A referida professora foi a responsável por estimular o meu
interesse pelos caminhos da pesquisa acadêmica.
Essa primeira pesquisa rendeu frutos, pois dela originou-se o meu
Trabalho de Conclusão de Curso, trabalho este premiado pela Universidade do
Estado do Pará – UEPA, como Melhor Trabalho de Conclusão de Curso no ano
de 2008. O reconhecimento incentivou-me ainda mais a me tornar um
pesquisador, pois o contato com entrevistas realizadas em campo sempre deixa
marcas e interpelações que nos direcionam para novas investigações.
16
CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
Continuei o percurso no grupo de pesquisa CUMA (Culturas e Memórias
Amazônicas), no ano de 2005, em que tive a oportunidade de participar e contribuir
voluntariamente com um projeto de pesquisa coordenado pelas professora
Josebel Fares e Venize Rodrigues, intitulado “Memórias de Belém em Histórias de
Velho”, que tinha como objetivo reconstruir a cidade de Belém dos anos 40 a 60
do século XX, por meio de memórias de idosos do Asilo Pão de Santo Antônio.
A partir desse projeto sobre memórias, comecei a ter alguns insights de
como registrar a história da comunidade em que passei praticamente toda a minha
infância. Trazer à tona um passado rico, silenciado e pouco explorado, de espaços
e experiência de vida das pessoas que habitaram e ainda habitam o lugar em que
funcionou o Hospital Colônia de Marituba/PA. Esse desejo passou a se intensificar
na minha vida profissional.
Depois de formado, ao retornar ao espaço da antiga Colônia de Marituba,
onde resido atualmente, o interesse em realizar um estudo sobre a antiga colônia
como lugar de memória se intensificou. O termo antiga é usado pelos exinternos,
e cabe ressaltar que o nome popularmente dado ao espaço é Colônia, referindo-
se à antiga instituição. Esse lugar poderia ser classificado, segundo Goffman
(1974), como uma instituição total, por abrigar centenas de vidas com situações
semelhantes, segregadas em um viver fechado, excluindo-as da sociedade
aberta.
Com o passar do tempo, o espaço que recebia o nome Colônia, referindose
à antiga instituição de tratamento da lepra, passou a ser denominado Bairro Dom
Aristides – em homenagem a um padre que dedicou parte de sua vida aos
hansenianos, na década de 70 –, contudo, a marca cultural deixada pela
instituição ainda persiste, pois a linha de ônibus, que atende ao referido lugar,
recebe o nome de “Marituba Colônia”, trazendo implicitamente o desejo de situar
o visitante ao espaço em que chegará.
Hoje, ao me deparar com o novo espaço, menos árvores de jambeiros que
embelezavam certos períodos do ano, com suas longas alcatifas púrpuras, casas
e prédios modificados, menos amigos de infância, e o descaso com a história da
instituição, me senti angustiado e desafiado a não deixar de registrar momentos
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
vividos pelos ex-pacientes naquele lugar. Mais angustiado fiquei ao começar a
trabalhar como coordenador pedagógico, em 2013, em algumas escolas
municipais de bairros próximos ao local do Hospital Colônia de Marituba, e
perceber que os alunos em sua maioria, na faixa etária entre 6 a 20 anos, não
tinham conhecimento sobre a história dessa instituição.
Em uma das escolas do município, Escola Municipal de Ensino
Fundamental Dr. Renausto Amanajás, certa manhã, em arrumações de livros e
papéis amontoados, deparei-me com um impresso do Diário do Pará (2010), que
trazia uma matéria sobre a situação em que se encontravam os ex-hansenianos
do Hospital Colônia de Marituba.
Ao ler a matéria fiquei extremante tocado com o seguinte depoimento de
um ex-hanseniano: “[...] a doença levou-lhe as pernas, as mãos, a visão [...]. Só
não a memória”. Tais linhas me permitiram olhar para a instituição como lugar
mítico, repleto de memórias, de saberes e de práticas culturais e educacionais que
resistem ao tempo, que precisam ser reconstituídas. Memórias que tragam o olhar
do outro lado, o olhar do interno, trazendo reflexões sobre as políticas
isolacionistas.
A narrativa despertou em mim memórias de infância, falas internalizadas,
espaços que convivi, lembranças de pessoas que me viram crescer, prédios que
eram conservados e que hoje se esvaem com o passar do tempo. Memórias que
permeiam o sujeito, ligado a um coletivo vivido que teme em completar um ciclo,
memórias que parecem névoa que se condensam, passando do virtual ao real,
que aos poucos vêm à tona e ganham a cor (BERGSON, 2006).
Assim como o chão de púrpura, que vem e vai, completando o ciclo natural
da vida, os anos passam, mas permanece o silêncio, e junto a ele as memórias
são soterradas, ficam subterrâneas, e até podem trazer em seu bojo,
adormecidas, lembranças traumatizantes, lembranças que esperam o momento
propício para serem expressas (POLLAK, 1989) sobre a história da Colônia de
Marituba. Tempo implacável, que insiste em levar consigo as mais ricas memórias
que possam proporcionar a reescrita da história sobre o espaço do Hospital
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
Colônia de Marituba/PA em seus múltiplos espaços de vivências e experiências
educativas.
Ingressei no Grupo de Pesquisa História da Educação da Amazônia em
fevereiro de 2017. Os estudos realizados nesse grupo sobre instituições
educativas, intelectuais e os processos educativos em ambientes não escolares
ampliaram minha visão sobre as instituições e seus aspectos como a idealização
e os espaços que educam. Dentre os autores estudados, destaco Frago (2001)
que, em seu trabalho sobre instituições, destaca que o espaço se projeta ou se
imagina, como foi o caso dos hospitais-colônia, criados com a finalidade de
controle da lepra, mas que se reconstruíram a partir das múltiplas experiências
vividas no seu interior. Múltiplos foram os espaços que educaram, ao longo do
tempo, cada interno. Este pensamento reflete que a educação pode ocorrer não
somente em um espaço específico construído para tal fim, mas que ela pode ser
experienciada em qualquer lugar.
A palavra experiência, em sua etimologia, como trata Bondía (2002, p.
21), em espanhol, teria o sentido de “o que nos passa”, e em português, seria “o
que nos acontece”, ou no latim experiri, o provar, experimentar, desvelando o
encontro e as relações com algo que se experimentou. O hospital-colônia, como
um lugar de relações experienciáveis, adquiridas na troca entre as pessoas, um
saber único e singular, guardado nas memórias de pessoas que experimentaram
o aprender a viver em um determinado tempo e um espaço.
O espaço, impregnado de memórias, de um tempo vivido, não é algo
objetivo e pensado fixamente, mas trata-se de uma realidade psicológica viva, que
foi experimentada ao longo de décadas. Espaço que traz em si um tempo
comprimido, repleto de vivências e experimentos, espaço que em si imprime o
valor de lugar. Lugar que contribuiu diretamente na formação da personalidade a
da mentalidade dos sujeitos que ali experimentaram viver no isolamento, marcado
por símbolos e vestígios de relações sociais daqueles que habitaram o hospital-
colônia. Nesse sentido, Frago (2001, p. 63) destaca que
O conhecimento de si mesmo, a história interior, a memória, em suma, é um depósito de imagens. De imagens de espaços que, para nós,
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
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foram, alguma vez durante algum tempo, lugares. Lugares nos quais algo de nós ali ficou e que, portanto, nos pertencem; que são, portanto, nossa história.
Rememorações de uma história vêm a mim e me remetem a um grupo de
internos que aprendiam crochê, pintura, costura, culinária, marcenaria, curso de
enfermagem, entre outras atividades. O ponto de encontro para que ocorressem
trocas de aprendizagem e ensino eram nos “pavilhões” – prédios térreos,
agrupados em certos espaços, com várias salas e com entradas tanto pela direita,
quanto pela esquerda. Um exemplo disso seria uma sala que abrigava um
pequeno grupo de ex-internas da Colônia que realizava um fazer artístico,
costume herdado das políticas de instalação profiláticas, como aponta Heráclides
C. Souza-Araújo, médico profilático, em trabalho publicado sobre a lepra no Pará
(SOUZA-ARAÚJO,1922, p. 15), no qual destaca “addccionem-selhes a pecuária
e algumas officinas de artes e officios”, o que mostra a presença e a circulação de
práticas e saberes desenvolvidas dentro das colônias que abrigavam os
hansenianos.
A pesquisa consiste em muito mais do que a irrupção de ressentimentos
acumulados de um determinado tempo e de uma memória de dominação e
sofrimento que não puderam ser expressadas publicamente (POLLAK, 1989,
p.5); o que se quer é reconstituir as experiências educativas que marcaram a vida
de ex-internos da Colônia de Marituba, possibilitando assim esclarecimento
quanto ao período histórico de funcionamento dessa instituição.
Quando se trata do Hospital Colônia de Marituba, muitas são as lacunas
sobre o período em que ocorreu o funcionamento, pois não houve – e até o
presente momento não há –, maneiras de resguardar a história local. Nesse
sentido, reconstituir a história de uma instituição que proporcionou inúmeras
experiências educativas – mesmo não estando projetada para este fim –,
possibilitará a compreensão e a possibilidade de alargamento de estudo
(dimensão social, cultural, literária etc.) de possíveis descontinuidades históricas
de uma instituição, como coloca Magalhães (1999, p. 49):
A história da educação é um domínio do saber capaz de proporcionar uma compreensão simultânea das descontinuidades de cada tempo e
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
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das permanências e sobrevivências – a história é a construção de relações, de intenções complexas no tempo e no espaço.
Dessa forma, o Hospital Colônia de Marituba, objeto desse estudo, é aqui
considerado como lugar de formação, de troca de experiências educativas de
pessoas que lá viveram em sistema de isolamento. Lugar que envolveu seus
internos em múltiplas trocas de saberes, não ficando restrito somente ao controle
da saúde pública em suas dependências – outrora destacado por Frago (2001) –
, mas também como lugar de convivência e construção social.
Logo, compreender esses processos e experiências educativas presentes
na instituição proporcionará o repensar sobre o modo de viver dos internos, que,
de algum modo, puderam ressignificar a própria vida no lugar em que
permaneceram longos anos. E com o sentido de investigar um espaço complexo
de vidas, sentimentos, experiências, aprendizados e memórias da instituição é o
que me propus a realizar este estudo.
Espaço que esteve envolto em muito mais que um simples tratamento
médico, mas na elaboração de um plano governamental de instalação de um
lugar adequado para o tratamento da lepra. Um projeto que foi minuciosamente
pensado, em modelos de microcidades, como relata Souza-Araújo (1924), no
trabalho “Lepra no Pará”, nos termos “O plano do novo Leprosário”, que seria
implantado na cidade de Belém/PA e que evidencia a presença de múltiplos
espaços que contribuíram na formação dos sujeitos que ali habitariam.
Os lotes A, B, C, F, G, H, I e K... ficam reservados para as construções das várias dependências do futuro leprosário. Pela cópia photográphica do projeto do leprosário posso descrever a séde de cada uma das secções importantes do futuro asylo... 1 posto policial, 1 casa de machinas, 1 hospital para homens, e a zona dos solteiros... A portaria, o posto médico e o laboratório, a capella, o refeitório geral e a habitação de mulheres... A pedreira, a rezidencia do pessoal administrativo e empregados, o hospital para mulheres e zona dos casados, zona dos menores, as terras da lavanderia, o isolamento, mais um posto policial e o necrotério... O leproso só se sentirá feliz, vivendo livremente, em colônias amplas, onde tenha, além de assistência medica efficiente,trabalho e distracções (SOUZA-ARAÚJO, 1924, p. 14-15).
A obra de Souza-Araújo (1924) aponta para os diversos espaços pensados
para uma boa implantação de um modelo de instituição de tratamento
compulsório da lepra. Um lugar que atendesse a todas as necessidades do
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
interno, onde poderia se “conviver livremente”. Esse dado intensifica ainda mais
a necessidade de desdobramentos de pesquisas que revelem as experiências
que circularam dentro desses locais.
Experiências essas escutadas por meio de memórias de minha mãe em
relação aos aprendizados adquiridos em seu período de internação na Colônia
de Marituba/PA, como experiências/saberes aprendidos em costura, crochê,
pintura, culinária, religião, eventos, cursos, entre outros, que reforçam ainda mais
a presença desses espaços de aprendizagem, declarados por SouzaAraújo
(1924).
Dessa forma, a problemática que busco responder nesta investigação é:
Como se configuraram as experiências educativas de ex-internos no Hospital
Colônia de Marituba/PA, no período de 1940 a 1970? O estudo tem como objetivo
geral: analisar como se configuraram as experiências educativas de exinternos no
Hospital Colônia de Marituba/PA, nos anos de 1940-1970. Dele derivam-se estes
objetivos específicos: apresentar as relações sócio-afetivas que permearam a vida
dos internos; reconstruir os múltiplos espaços educativos da instituição; identificar
os saberes transmitidos nesses espaços educativos; caracterizar as cerimônias
institucionais presentes na instituição.
O estudo ainda é marcado por tempos opacos, por uma história turva, com
lacunas e com memórias silenciadas sobre o período. E quando essa história vem
à tona, a instituição é registrada somente pelo foco da História oficial, trazendo
em seu bojo apenas o olhar do Estado. Clarificar esses espaços distantes e
labirínticos, com a história contada do outro lado, pelo interno, impregnada de
sentimentos, símbolos e desejos do sujeito que viveu e conviveu de perto com a
Instituição da Colônia de Marituba/PA, é contribuir no sentido de
“falta de um pequeno nada, um pingo de algo, um resto que se tornou precioso
[...] e que o invisível tesouro da memória vai fornecer” (CERTEAU, 1998, p. 162).
O arvorar sobre a temática foi organizado primeiramente na seleção de
autores bases que poderiam contribuir com a investigação do objeto. Dessa
maneira, selecionei por referenciais de análise, como: História oral, Thompson
(1992), Freitas (2006) e Meihy e Holanda (2017); Memória, Halbwacs (2003) e
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
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Bosi (1994); Instituições educativas, Frago (2001) e Sanfelice (2007); Instituições totais, Goffman (1974), Foucault (2014) e Castro (2017); dentre outros autores que permeiam o trabalho.
Destaco também os trabalhos já produzidos sobre o objeto de estudo, com
a finalidade de conhecer o campo de pesquisa. O levantamento foi feito em 2017,
no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aproveitamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), nos Programas de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade do Estado
do Pará (UEPA). Ao iniciar a busca por produções voltadas ao tema, utilizei
inicialmente os descritores “Lepra e Educação” e “Hanseníase e Educação”, e
pude localizar aproximadamente 953.136 trabalhos sobre a temática, ligados aos
mais variados campos do conhecimento.
A maioria dos trabalhos pertence ao campo da saúde – medicina e
enfermagem. Eles trazem debates sobre os aspectos clínicos da doença.
Identifiquei generoso número de trabalhos no campo da história, que traça um
registro histórico de espaços em que funcionaram os leprosários e políticas dos
mesmos; e em outros campos, como geografia, arquitetura e educação, os
números encontrados foram tímidos, e no que se refere à educação, são
destinados à campanhas educativas sobre a hanseníase.
Por essa amostra de trabalhos apresentarem como foco outros aspectos
da doença como o estudo da epiderme, visão, medicamentos, entre outros ligados
ao campo da medicina, optei por utilizar os descritores “Leprosário de Marituba” e
“Colônia de Marituba”. Durante o levantamento não foram encontrados estudos na
base de dados da CAPES, referentes a esses descritores.
Como os descritores utilizados anteriormente não permitiram localizar
trabalhos que pudessem contribuir com a pesquisa, decidi utilizar o descritor
“Lepra”, especificando assim a doença e locais onde ela foi motivo de isolamento
e tratamento. Ao usar esse descritor, localizei 166 trabalhos diretamente ligados
a instituições que trataram a doença.
Dos 166 trabalhos que abordam a temática da lepra/hanseníase, foram
localizadas 124 dissertações de mestrado e 42 teses de doutorado, defendidas no
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
marco temporal dos anos de 1990 a 2016, com expressiva defesa nos Programas
de Pós-Graduação da região sudeste.
O levantamento das produções permitiu verificar que os trabalhos
produzidos sobre a temática “lepra” aparecem timidamente nos anos 90. Contudo,
é nos anos 2000 que estudos sobre os hospitais-colônias ganham projeção no
cenário nacional, revelando o tema “lepra” em variados campos de estudos, como
a história, geografia, medicina, sociologia, psicologia, enfermagem e educação.
Esses campos de estudo corroboram, consideravelmente, com o processo de
discussão quanto ao contexto das instituições que cuidaram da “lepra”. Cabe
ressaltar que é nos anos 2000 que a temática ganha maior expressão,
continuando a região sudeste como maior produtora de estudos voltados para
essa temática.
Diante das 124 dissertações de mestrado e 42 teses de doutorado, optei
por realizar mais um recorte temporal e temático, restringindo ainda mais o foco
em relação ao campo de levantamento – outrora de 1990 a 2016. Defini o marco
temporal entre os anos 2000 a 2017, buscando estudos que usaram os
descritores “Memórias de hospital-colônia” e “Saberes e experiências educativas
em hospitais-colônia”, analisando os resumos de cada uma dessas pesquisas.
Esse levantamento de dados priorizou a seleção de estudos que tratassem
sobre memórias de ex-internos de colônias de hansenianos no sentido de
reconstrução da história local e que tratassem as experiências educativas
ocorridas nessas instituições que abrigaram os sujeitos infectados pela lepra.
Dentre esses trabalhos, destaco:
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
Quadro 01 – Memórias de hospitais-colônias
ANO PRODUÇÃO TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO
2005 Dissertação Auto-imagem, Fotografia e Memória: Contribuições de Ex-internos do
AsiloColônia Aimorés-SP
Daniela Lemos de
Moraes Universidade Estadual de
Campinas-SP
2009 Tese Memórias do Isolamento: Trajetórias marcadas pela experiência de vida no
hospital colônia Itapuã
Juliane Conceição
Primon Serres Universidade do Vale
do Rio dos Sinos-RS
2013 Dissertação Memórias na Pele: um processo de experimentação em dança com idosos remanescentes da Colônia de Hansenianos de Marituba-PA
Leda Maria Wellot
Pereira Universidade Federal
do Pará-PA
2013 Tese Memórias do Isolamento Compulsório no Hospital-Colônia Tavares de
Macedo-RJ (1936-1986)
Ivonete Alves de
Lima Cavaliere Universidade Federal
Fluminense-SP
2014 Dissertação Crianças e a Memória do Confinamento Patrícia da Silva Costa
Universidade Federal
de São Paulo-SP 2014 Dissertação Trajetos de Exclusão e Reclusão:
História Oral Temática de Familiares Atingidos pelo Tratamento Asilar da Hanseníase
Monica Gisele Costa Pinheiro
Universidade Federal do Rio Grande do
Norte-RN
Total: 06
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
No quadro 01, temos quatro dissertações de mestrado e duas teses de
doutorado voltadas para a temática memórias de ex-internos de hospitaiscolônias,
entre os séculos XIX e XX; cinco estudos foram produzidos em programas de pós-
graduação de universidades públicas e um estudo foi produzido em programa de
pós-graduação de universidade particular. Esses estudos trazem como foco
central as instituições que trataram a lepra em regime compulsório, revelando as
múltiplas facetas dos hospitais-colônias.
O primeiro estudo é de Daniela Lemos de Moraes, com o título
“Autoimagem, Fotografia e Memória: Contribuições de Ex-internos do Asilo-
Colônia
Aimorés-SP”, dissertação de mestrado em multimeios, defendida em 2005, no
Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Campinas-SP. O
trabalho consiste em um estudo antropológico-visual de ex-internos do antigo
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
Asilo-Colônia Aimorés-SP, na década de 30 e 60, utilizando dois recursos
humanos (voz e imagem), compondo o trabalho com fragmentos verbais e
imagens, compondo o lugar do estudo.
O segundo trabalho, de Juliane Conceição Primon Serres, com o título
“Memórias do Isolamento: Trajetórias marcadas pela experiência de vida no hospital colônia Itapuã”, tese de doutorado em história, defendida em 2009 no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos-RS, trata do isolamento compulsório na Colônia de Itapuã, discutindo o processo de isolamento, exclusão e reconstrução de vida na instituição na década de 40.
A terceira pesquisa, de Leda Maria Wellot Pereira, com o título “Memórias
na Pele: um processo de experimentação em dança com idosos remanescentes
da Colônia de Hansenianos de Marituba-PA”, dissertação de mestrado em artes
no Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Pará-PA, defendida
em 2013, apresentou o Abrigo João Paulo II – como um dos espaços readaptados
do antigo Hospital Colônia de Marituba. Seu estudo tem como foco de análise a
dança com idosos acometidos com a hanseníase e as memórias dos mesmos
sobre um bloco carnavalesco que ocorria no local no período de internação. O
trabalho utilizou a etnometodologia como percurso metodológico.
O quarto estudo destacado, com o título “Memórias do Isolamento
Compulsório no Hospital-Colônia Tavares de Macedo-RJ (1936-1986)”, tese de
doutoramento em política social, defendido no Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal Fluminense-SP, de Ivonete Alves de Lima Cavaliere, situa
sua pesquisa dos anos 30, período inicial da colônia, aos anos 80, época da
extinção da mesma. Aborda as políticas públicas do Brasil de combate à lepra, as
ações sanitárias e vidas cotidianas, utilizando fontes orais para a visibilidade do
tema.
O penúltimo estudo, de Patrícia da Silva Costa, com o título “Crianças e a
memória do confinamento”, dissertação de mestrado em educação e saúde na
infância e adolescência, defendida em 2014 no Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal de São Paulo-SP, aborda as memórias de infância de
pessoas que foram internadas no período do isolamento compulsório no Estado
de São Paulo.
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
E, o trabalho de Mônica Gisele Costa Pinheiro, que traz o título “Trajetos de
Exclusão e Reclusão: História Oral Temática de Familiares Atingidos pelo
Tratamento Asilar da Hanseníase” é a dissertação de mestrado em enfermagem
defendida em 2014, no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte-RN. Utiliza narrativas de familiares de pessoas que foram
internadas no período compulsório, verificando o processo de exclusão e
marginalização da família, observando se os laços familiares permaneceram, qual
a compreensão da família em relação à doença e como ex-internos estão sendo
reintegrados na sociedade.
O segundo descritor a ser utilizado foi “Saberes/experiências educativas
em Hospitais Colônia”. Utilizando esse descritor, identifiquei três dissertações de
mestrado e uma tese de doutorado, que utilizaram a temática para abordar o
processo histórico de internação e memórias de ex-internos. Os trabalhos
elencados são:
Quadro 02 – Saberes e experiências educativas em hospitais-colônias
ANO PRODUÇÃO TÍTULO AUTOR INSTITUIÇÃO
2008 Dissertação Redes Sociais: Saberes e Práticas no cotidiano de Ex- Hansenianos
Ana Carolina Rocha
Peixoto Universidade de
Fortaleza-CE
2009 Dissertação Hanseníase, experiências de sofrimento e vida cotidiana num
ex-leprosário
Amanda Rodrigues Farias
Universidade de
Brasília-BR
2013 Dissertação Práticas Sociais, Memórias e Vivências no Combate à Lepra: Isolamento Compulsório em Asilos-Colônias e Preventórios Brasileiro – 1935 a 1986
Bruna Alves Silveira Universidade Federal de
Uberlândia-MG
2013 Tese A Educação como Transgressão: Nos horizontes da escolarização de Hansenianos no Pará do século
XX a (re) criação da experiência
de si
Ghislaine Dias
da Costa Universidade
Federal do Pará-PA
2017 Tese Infância, Crianças e Experiências educativas no Educandário Eunice Weaver em Belém do Pará (1942-1980)
Tatiana do Socorro
Corrêa Pacheco Universidade
Federal do Pará-PA
Total: 05
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
Colônia de Marituba/PA (1940-1970). 2019. 205f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Universidade do Estado do Pará, Belém, 2019. ___________________________
Fonte: Elaborado pelo autor, 2017.
A primeira dissertação é em saúde coletiva, de Ana Carolina Rocha
Peixoto, defendida em 2008, no Programa de Pós-Graduação, da Universidade
de Fortaleza, denominada “Redes Sociais: Saberes e Práticas no cotidiano de
Ex-Hansenianos”, e registra a história de saúde-doença dos ex-hansenianos,
focando os saberes, as experiências vividas e a práxis dos atores sociais
envolvidos desde os momentos iniciais da colonização até os dias de hoje.
A segunda dissertação, de Amanda Rodrigues Farias, intitulada
“Hanseníase, experiências de sofrimento e vida cotidiana num ex-leprosário”,
defendida em 2008, no Programa de Pós-Graduação de antropologia da
Universidade de Brasília-BR, e a terceira dissertação, de Bruna Alves Silva,
“Práticas Sociais, Memórias e Vivências no Combate à Lepra: Isolamento
Compulsório em Asilos-Colônias e Preventórios Brasileiro – 1935 a 1986”,
defendida em 2013, no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade
Federal de Uberlândia-MG, tratam sobre as práticas sociais relacionais que
ocorreram nos hospitais-colônias. Experiências de sofrimento e dor gerados por
meio das internações compulsórias para o tratamento da lepra.
O penúltimo trabalho, de Ghislaine Dias da Costa, com o título “A
Educação como Transgressão: Nos horizontes da escolarização de Hansenianos
no Pará do século XX a (re)criação da experiência de si”, tese de doutorado
defendida em 2013, no Programa de Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Federal do Pará-PA, registrou, por meio de memórias de exinternos,
as experiências escolares que ocorreram no Grupo Escolar Renausto Amanajás,
grupo que funcionou dentro do antigo Hospital Colônia de Marituba/PA,
apresentando a educação como processo de transgressão ao sistema implantado
de isolamento compulsório nas colônias de hansenianos.
O último trabalho, a tese de doutorado do Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal do Pará-PA, de Tatiana do Socorro Corrêa Pacheco,
intitulada “Infância, Crianças e Experiências educativas no Educandário Eunice
Weaver em Belém do Pará (1942-1980)”. Nesse estudo, a pesquisadora analisa
o preventório como um espaço de controle, de instrução, de educação e de
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CRISTO, Moisés Levy Cristo. Labirintos de memória: experiências educativas de ex-internos da
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resistência de crianças acometidas por hanseníase nos anos de 1942 a 1980, em
Belém do Pará.
Destaco duas teses: a de Costa (2013), que analisa a educação no grupo
escolar que havia no espaço Hospital Colônia de Marituba, no qual os educadores
eram os próprios internos com mais instrução. A autora destaca as experiências
de escolarização que ocorreram no referido local de isolamento; e a pesquisa de
Pacheco (2017), que traça um cenário político-regional isolacionista, sobre os
moldes profiláticos que vinham sendo implantados na primeira metade do século
XX, para assim se alcançar o controle da lepra no Brasil.
Não foram encontrados no banco de dados da Universidade do Estado do
Pará estudos sobre o Hospital Colônia de Marituba/PA como espaço de saberes
e experiências educativas.
O levantamento revela que o espaço a ser pesquisado não é visto somente
como espaço que funcionou para tratamento da lepra – como estava disposto na
maioria das teses e dissertações publicadas na década de 90 –, e sim que os
hospitais-colônias, a partir dos anos 2000, ganharam novos olhares quanto a
objetos de pesquisa, olhares como o da história, geografia, psicologia, sociologia,
arquitetura entre muitos outros campos científicos.
Ainda existem 33 ex-hospitais-colônia no país (MORHAN, 2005) que lutam
por estabelecer memórias e direitos das pessoas que lá viveram. Em meio a esse
imaginário, muitas coisas perderam-se ao longo do caminho. A palavra perder é
utilizada com o significado de apagar da história/memória quaisquer
possibilidades de contágio da lepra. E esse imaginário foi alimentado em todo país
por uma política segregacionista, que também se fez presente em Marituba.
Quando a Colônia de Marituba foi extinta oficialmente no ano de 1980,
após 38 anos de funcionamento, um grande atentado contra a história local foi
cometido, como relata Castro (2017, p. 203):
As pessoas encarregadas pela de mobilização da instituição, recolheram prontuários dos doentes, encaminhamentos e registros médicos e escolares e fizeram uma grande fogueira. Quase todo registro histórico foi transformado em fumaça e cinzas. Ali, naquele fogaréu, certamente havia uma rica documentação que, se decifrada
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por historiadores, seria capaz de contar um dos episódios mais cruéis da história do país.
Incinerar esses documentos fora, talvez, um ato de crueldade para 2.000
pessoas que por lá passaram (CASTRO, 2017). O fogo que consumiu esses
documentos consumiu em parte o direito à memória histórica e de sofrimento que
aqueles doentes passaram. O fogo transformou em cinzas somente uma parte
documental, pois as pessoas que lá foram segregadas, trazem seus testemunhos
como “documentação viva” (MEYHY; HOLANDA, 2017, p. 43) para o desvendar
desse período que se torna labiríntico. Os mesmos autores colocam a História
oral como
[...] produtora de documentos e episódios em que em que a censura e as políticas governamentais não promoveram “outros registros” .[...] vale-se de artifícios quando se destroem notas de alguns processos históricos – como a queima de documentos sobre a “subversão” promovida por autoridades instruídas no poder com o intuito de apagar a presença da oposição (MEYHY; HOLANDA, 2017, p. 25).
Dos documentos oficiais poucos sobraram, e estes foram espalhados por
várias instituições, algumas pertencentes ao estado do Pará, igrejas e, quem
sabe, casas de pessoas comuns (CASTRO, 2017). Reunir informações,
possibilitando uma clarificação do período histórico dessa dada microcidade, é o
que a pesquisa realizou durante seu percurso, para assim, contribuir com o
preenchimento de mais uma lacuna histórica, que foi o Hospital Colônia de
Marituba/PA.
Muitos são os estudos sobre a lepra, em especial os da área da saúde.
Contudo, ainda são poucos os estudos na área da educação, em específico no
campo das instituições educativas, que estejam voltados para os múltiplos
espaços sociais que existiram dentro do Hospital Colônia de Marituba – análise a
que se propõe a presente pesquisa –,desvelando a instituição como um lugar de
intensas relações sociais e de aprendizagens, entre os sujeitos, experiências
singulares e educativas.
Dessa maneira, destacamos a relevância deste estudo sob o ângulo das
experiências educativas que ocorreram no Hospital Colônia de Marituba (1940 a
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1970), pois nos programas de pós-graduação do país, entre 2000 a 2017, estudos
pela ótica educativa sobre hospitais-colônias ainda são poucos.
Revelar um hospital que cuidou e cerceou centenas de vidas amazônicas,
caracterizando-o de forma a proporcionar uma visão de como o mesmo
funcionou, seus mecanismos de controles, a educação e a formação imposta aos
diversos sujeitos, sem dúvida será um estudo que contribuirá com a preservação
da memória local, assim como contribuirá para uma possível elucidação de como
se deu esse período histórico do tratamento compulsório da lepra.
Este estudo traz para discussão as múltiplas faces do antigo
HospitalColônia de Marituba/PA, microcidade que abrigou centenas de pessoas
acometidas pela lepra. Um lugar repleto de experiências que educaram o corpo,
a mente e a alma. Lugar de memórias que precisam ser resguardadas; espaço
que também foi responsável por educar centenas de vidas internadas, no qual
“os historiadores não podem esquecer que são os cidadãos que fazem realmente
a história – os historiadores apenas as dizem” (RICOEUR, 2003, p. 5).
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II – PERCURSO METODOLÓGICO
O presente estudo está assentado no campo da História das Instituições
Educativas na Amazônia, e apresenta o Leprosário de Marituba/PA como um lugar
educativo. Espaço que foi projetado para o controle da saúde pública, mas que
em si, tornou-se lugar... lugar de ensinamentos e de diversas relações humanas
que puderam educar o corpo, a alma, as relações sociais cotidianas, o viver de
centenas de pessoas, que em meio a relações diárias, absorveram e promoveram
um leque de ensinamentos (FRAGO, 2001).
Instituição que se tornou lugar educativo e foi analisada com um conceito
ampliado de educação, proposto por Magalhães (1999, p. 50), em que a
educação seja traduzida como um processo multivetorial e ininterrupto de
formação e desenvolvimento do indivíduo. Processos de formação que marcaram
e moldaram historicamente o lugar e os internos que ali permaneceram
internados compulsoriamente, o que Foucault (2014, p. 137) chamou de “a arte
de talhar pedras”.
A História da educação tem se voltado a investigar instituições que
existiram e que por algum motivo cessaram seu funcionamento, buscando assim
uma história do passado (SANFELICE, 2007) como um domínio do saber capaz
de proporcionar a compreensão das descontinuidades de cada tempo,
permanências e sobrevivências de um determinado período, permitindo reflexões
sobre um determinado tempo e espaço a ser pesquisado (MAGALHÃES, 1999).
Ao buscar a compreensão de um determinado tempo, espaço social,
pensamento em que está inserida a instituição, faz-se necessário percorrer por
diferentes caminhos que levem a indícios que possibilitem a organização de
dados sobre o objeto em questão. Sanfelice (2007) aborda o trabalho minucioso
do pesquisador de escavar fontes que possibilitem o remontar institucional.
No interior das instituições educativas há um quebra-cabeça a ser decifrado. Uma vez dentro da instituição, trata-se de se fazer o jogo das peças em busca dos seus respectivos lugares. Legislações padrões disciplinares, conteúdos escolares, relações de poder, ordenamento do cotidiano, uso dos espaços docentes, alunos e infinitas outras coisas ali se cruzam. Pode-se dizer que uma instituição escolar ou educativa é a
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síntese de múltiplas determinações de variadíssimas instâncias (políticas, econômicas, cultural, religiosa, da educação geral, moral, ideológica, etc.) que agem entre si, acomodando-se dialeticamente de maneira tal que daí resulte uma identidade (SANFELICE, 2007, p. 77).
Em meio ao quebra-cabeça colocado por Sanfelice (2007), busquei reunir
dados sobre a vida dos ex-internos e as relações sociais presentes no corpo da
instituição Hospital Colônia de Marituba que possibilitassem reconstituir os
múltiplos espaços e instâncias que compuseram o lugar. O recorte temporal
escolhido compreende os anos de 1940 a 1970, período que abarca a década
inicial da construção e inauguração, 1938-1942, e décadas finais, 1970, do
funcionamento da Colônia de Marituba.
O estudo também assume um papel mediador entre o passado e presente,
tendo como parâmetro quatro orientações metodológicas proposta por Magalhães
(1999). A primeira orientação seria a inventabilidade do triângulo espaço, tempo e
ação, que correspondem à inscrição do local ao universal, destacando o contexto
em que o objeto se inscreve, tomando por base a não ideia de um tempo, período
restrito, mas a um tempo que se inscreve em um contexto; o segundo parâmetro
seria o alargamento do objeto revelando a multiplicidade de espaços educativos
escolares e não escolares, havendo sempre a necessidade de se renovar as
abordagens historiográficas educacionais – apresentando o hospital-colônia como
uma das possibilidades dessa abordagem; o terceiro parâmetro, o alargamento do
conceito de fonte histórica, não ficando restrito somente a documentos escritos,
como se deu na historiografia clássica, que se preocupava somente por análise
de documentos historicamente hegemônicos (livros, revistas, relatórios etc.), mas
avançar, usando também as narrativas, documentos pessoais, iconografias e
outros, quando for um passado próximo, no qual o historiador deve buscar as mais
variadas fontes; e como último parâmetro, temos a abertura à interdisciplinaridade,
em que se deve estabelecer o uso dos mais variados conhecimentos que possam
versar sobre o interesse da pesquisa, alargando ainda mais o número de
conhecimentos, permitindo a interação dos diversos campos como forma de
contribuição para a pesquisa.
Em meio a variadas instâncias de uma instituição (SANFELICE, 2007),
busco compreender o hospital-colônia como espaço de educação, pensamento
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que vai ao encontro de Frago (2001), que destaca a escola não como espaço,
mas como um lugar que se constrói a partir do fluir da vida. O hospital foi um
espaço criado para realizar o tratamento e controle endêmico da lepra, todavia,
em sua estrutura, apresentou parlatório, pavilhões, enfermarias, cemitério, prisão,
igreja, teatro, lavanderia, horários de acordar e recolher, músicas que
identificavam a chegada do médico, horários para aprender/ensinar um ofício. Ou
seja, foi criada uma estrutura para tratar uma doença, mas o lugar pôde ser
ressignificado pelo interno como um lugar de aprendizagens.
A educação, como premissa básica, necessita de uma dimensão espacial
e temporal, em que o espaço pode dar um salto qualitativo, possibilitando a
transformação do espaço em lugar. De acordo com Frago (2001, p. 61),
O espaço se projeta, se imagina; o lugar se constrói. Constrói-se a partir do fruir da vida e a partir do espaço como suporte; o espaço, portanto, está sempre disponível e disposto a se converter em lugar, para ser construído [...]. Há muitas maneiras de se impedir ou de proibir, mesmo sem fazê-lo de forma expressa. Basta que se ocupem todos os espaços e todos os tempos. Um projeto totalitário seria aquele em que os indivíduos, isolados ou em grupos, não dispusesse de espaços ou de tempos. De espaços aos quais lhe dessem sentido fazendo deles um lugar.
O hospital foi o espaço, e pôde se converter em lugar, onde as vidas que
estiveram inscritas nele, a Colônia de Marituba/PA, realizaram um diálogo e trocas
de experiências em seus múltiplos espaços. Sendo essas experiências
cronometradas por um regime institucional, o hospital foi considerado uma
instituição total, por possuir seu cotidiano organizado pela direção, em que todas
as necessidades essenciais do interno eram planejadas minuciosamente
(GOFFMAN, 1974).
Essas organizações impostas à vida do doente ocasionaram inúmeras
experiências educativas para quem experienciou a internação. É importante que
sejam resguardadas e organizadas como uma proposta de reflexão e registro de
uma instituição que funcionou na Amazônia, e que, ao longo dos anos, nem os
órgãos governamentais locais nem a comunidades desenvolveram mecanismos
que viabilizassem manter o registro de uma instituição como o Hospital Colônia;
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registro este que vem compor a própria história do município, pois o leprosário foi
um dos primeiros espaços a ser ocupado na Vila de Marituba.
É por meio da memória coletiva, a partir dos pressupostos de Halbwacs
(2003), que pretendo alcançar parâmetros para compreender a vida no regime de
internação compulsória dos internos no hospital-colônia e as suas experiências
educativas. Esse autor aponta que “uma ou muitas pessoas juntando suas
lembranças conseguem descrever com muita exatidão fatos ou objetos [...]”
(HALBWACS, 2003, p. 31).
Deve-se tratar a lembrança e “a memória não como matriz da história, mas
como (re)apropriação do passado por uma memória que a história instruiu e
muitas vezes feriu” (RICOEUR, 2003, p. 1), tratando a memória e a história de
modo não linear, mas circular; como se fosse nessas antigas coreografias de
dança, em que mudamos sempre de par – grupos sociais –, mas voltamos sempre
a encontrar o mesmo par em intervalos bem próximos – grupos de origem
(HALBWACS, 2003).
A memória assume a sua função de conhecimento do passado, como
Bresciane e Naxara (2004, p. 42) apresentam:
Toda memória é fundamentalmente “criação do passado”: uma reconstrução engajada no passado (muitas vezes subversiva, resgatando a periferia e os marginalizados) e que desempenha um papel fundamental na maneira como os grupos sociais mais heterogêneos apreendem o mundo presente e reconstroem sua identidade [...]. A memória é ativada visando, de alguma forma, ao controle do passado (e, portanto, do presente). Reformar o passado em função do presente via gestão das memórias significa, antes de mais nada, controlar a materialidade em que a memória se expressa (das relíquias aos monumentos, aos arquivos, aos símbolos, rituais datas, comemorações...). Noção de que a memória torna poderoso(s) aquele(s) que a gere(m) e a controla(m).
As memórias expressam o remontar de experiências vividas e possibilitam
a presentificação do passado (HALBWACS, 2003). Esta presentificação pode ser
alcançada por meio de narrativas de memórias de quem esteve internado e pôde
participar ativamente do cotidiano institucional. Logo, essas memórias contribuem
para o recompor do cenário social da Colônia de Marituba nas décadas de 1940
a 1970.
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As memórias se constroem e se organizam a fim de incursionar o sentido das vivências do passado e, para tanto, é necessário expô-las seletivamente, publicamente e coerentemente para dar conta da trajetória de vida pessoal em sociedade. Por isso, conceber a memória como algo por construir, mais que mostrar uma lembrança, é um giro heurístico importante que beneficia a reflexão e traz à luz uma história silenciada (TEDESHI, 2015, p. 335).
O período histórico dessa investigação é um tempo marcado por
continuidades e rupturas, e a História, por ser um conjunto de fatos múltiplos, que
necessitam de recortes para que a mesma possa focalizar determinada
sociedade, permite a (re)construção social, proporcionando assim o
reconhecimento de valores, vivências e significados de um período precedente.
Assentado na Nova História, em que os sistemas de relações são tão reais
quanto os dados materiais que permearam o lugar aqui pesquisado, os espaços
serão ocupados por sujeitos anônimos e espontâneos, tornando-se um dos focos
da pesquisa, para rememorar a antiga instituição, com o seu olhar de interno.
Espaço não mais ocupado somente por grandes “heróis da narrativa” (CHARTIER,
2002).
O Hospital Colônia de Marituba/PA será analisado não somente pela sua
estrutura socialmente imposta e pelas relações de poder, mas será também
analisado pelo viés educativo, recorrendo a documentos no sentido amplo da
palavra. Para tanto, houve a necessidade de romper com as barreiras criadas em
torno de métodos de pesquisa historiográficos hegemônicos, que se limitavam
apenas a documentos “livrescos”, expressão usada por Le Goff (2013) para
designar documentos impressos, ditos oficiais, dessa forma, na pesquisa é
possível buscar sempre novas fontes, como, por exemplo, som e imagem, para
assim agregar mais possibilidades que contribuam com as pesquisas históricas.
Ressalto que a palavra documento traz em sua etimologia latina a palavra
documentum, derivado de docere, ensinar, que pôde evoluir para o significado de
prova. Considerarei o documento no sentido amplo, da Nova História,
diferentemente da História positivista, fundada somente em documento = texto;
usarei a palavra documento no sentido liberto da palavra, considerando, além dos
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textos, a imaginação e a memória coletiva outrora esmagada pela História
positivista, como testemunho de uma determinada periodização (LE GOFF, 2013).
Diante das relações sociais, não destacarei somente as relações de poder
estabelecidas dentro da instituição, pois as mesmas não são únicas e centrais,
“mas de relações estabelecidas entre indivíduos ou grupos” (CHARTIER, 2002, p.
190) que permaneceram internados no leprosário, no qual as relações de poder
também proporcionaram a “aquisição e a coleção interminável dos seus
conhecimentos particulares” (CERTEAU, 1998, p. 158), um saber construído ao
longo da vida por meio de muitas experiências adquiridas durante o período de
internação compulsória.
Para alcançar essas experiências, utilizei a História oral, que traz em si a
possibilidade de se materializar tudo o que existe em estado oral retido na
memória, períodos que foram abafados, silenciados, e a própria comunidade se
desafia a não deixar morrer determinadas experiências, e que para isso reinventa
situações nas quais o tempo presente possibilita a reinvenção do passado não
resolvido, no qual a história passada presentifica-se (MEIHY; HOLANDA, 2017).
Por meio das narrativas de memórias, deverão ser reconstruídos os
espaços de sociabilidades, saberes e experiências sócio-educativas. A História
oral proporcionou a “reconstrução mais realista do passado” (THOMPSON, 1992,
p. 25), em que as experiências de vida das pessoas passam a ser utilizadas como
matéria-prima, proporcionando uma nova dimensão para a história.
Adoto a História oral como metodologia. Meihy e Holanda (2017, p. 72)
destacam que os testemunhos são o epicentro da busca por informações:
Como método, a história oral se ergue segundo alternativas que privilegiam as entrevistas como atenção essencial aos estudos. Tratase de centralizar os testemunhos como ponto fundamental, privilegiado, básico, de análises. A história oral como metodologia implica em formular as entrevistas como epicentro da pesquisa.
A História oral tem a função social de compreensão de certos períodos com
o olhar de quem o viveu, fazendo ruir barreiras sobre determinados assuntos e até
mesmo contribuir com possíveis novos campos de pesquisa (THOMPSON, 1992).
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A partir de seus pressupostos, a História oral será utilizada, não somente
como um instrumento de mudança, mas no sentido acrescentar ou transformar a
história, pois, ao alterar o enfoque histórico, ela poderá revelar novos campos de
investigação.
A história oral tem a função social a compreensão de certos períodos com o olhar de quem viveu determinado fato, fazendo ruir barreiras sobre determinados assuntos e até mesmo contribuir com possíveis novos campos de pesquisa (THOMPSON, 1992, p. 22).
Neste estudo, a narração também se revestiu de fonte histórica, pois, por
meio do discurso da memória, foi evid