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11 INTRODUÇÃO Entender os processos educativos que acontecem em espaços não-formais sempre foi muito atrativo para mim. E a partir da experiência fantástica de ensino e aprendizagem no Projeto Social Casa Rebeca, situado na cidade de Jacobina, é que propus discutir os fundamentos da educação não-formal analisando as práticas educativas desenvolvidas dentro deste projeto, e as repercussões que elas causam na vida das crianças e adolescentes acolhidos neste espaço. Buscando fundamentar os conceitos e perspectivas que se entrelaçam nas relações entre educação e sociedade, desenvolvemos reflexões acerca de organizações que assumem práticas educativas atreladas ao aparato social, evidenciando entraves e implicações neste outro jeito de se fazer educação, ou seja, de vivenciar culturas. Inserida numa sociedade que requisita um poder de hierarquizações, com demandas respaldadas em interesses individualistas, se encontram um universo de concepções e práticas educativas baseadas em diferentes pedagogias. Optar por significações no âmbito da educação libertária, por exemplo, se dá no enfretamento de valores mercantilistas e ideológicos efêmeros, disseminados por essa sociedade atual (globalitária), com padronizações condicionadas aos objetivos de mercado. Com isso, pessoas de múltiplas linguagens e referências são reveladas como “coisas” a serem usadas para alcançarem determinados fins lucrativos. Direcionando nosso olhar a questionamentos relevantes para a compreensão das posturas educativas e sociais desenvolvidas na Casa Rebeca, caminhamos nas bases filosóficas da etnopesquisa multirreferencial, que abarca as aproximações e distanciamentos revelados no processo de investigação no contexto referenciado. Nosso trabalho está organizado em quatro capítulos, a saber: Capítulo I: Trata-se da problematização geral da educação não-formal como aparato pedagógico, pontuando a presença dos movimentos sociais e sua força política organizacional, mobilizando novas formas de ordem social durante toda a história do

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Pedagogia 2011

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INTRODUÇÃO

Entender os processos educativos que acontecem em espaços não-formais sempre

foi muito atrativo para mim. E a partir da experiência fantástica de ensino e

aprendizagem no Projeto Social Casa Rebeca, situado na cidade de Jacobina, é que

propus discutir os fundamentos da educação não-formal analisando as práticas

educativas desenvolvidas dentro deste projeto, e as repercussões que elas causam

na vida das crianças e adolescentes acolhidos neste espaço.

Buscando fundamentar os conceitos e perspectivas que se entrelaçam nas relações

entre educação e sociedade, desenvolvemos reflexões acerca de organizações que

assumem práticas educativas atreladas ao aparato social, evidenciando entraves e

implicações neste outro jeito de se fazer educação, ou seja, de vivenciar culturas.

Inserida numa sociedade que requisita um poder de hierarquizações, com

demandas respaldadas em interesses individualistas, se encontram um universo de

concepções e práticas educativas baseadas em diferentes pedagogias. Optar por

significações no âmbito da educação libertária, por exemplo, se dá no enfretamento

de valores mercantilistas e ideológicos efêmeros, disseminados por essa sociedade

atual (globalitária), com padronizações condicionadas aos objetivos de mercado.

Com isso, pessoas de múltiplas linguagens e referências são reveladas como

“coisas” a serem usadas para alcançarem determinados fins lucrativos.

Direcionando nosso olhar a questionamentos relevantes para a compreensão das

posturas educativas e sociais desenvolvidas na Casa Rebeca, caminhamos nas

bases filosóficas da etnopesquisa multirreferencial, que abarca as aproximações e

distanciamentos revelados no processo de investigação no contexto referenciado.

Nosso trabalho está organizado em quatro capítulos, a saber:

Capítulo I: Trata-se da problematização geral da educação não-formal como aparato

pedagógico, pontuando a presença dos movimentos sociais e sua força política

organizacional, mobilizando novas formas de ordem social durante toda a história do

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nosso país. Apresentamos também o contexto específico que aguçou nosso olhar

inquietante, nossa questão de pesquisa e os seus objetivos.

Capítulo II: Abordamos os estudos teóricos, fundamentados em diversos autores

que alicerçaram as discussões dessa pesquisa, sobre a educação não-formal,

movimentos sociais e Projeto Social Casa Rebeca, identificando contrapontos e

conceituações no imbricamento de idéias e significações a respeito da educação e

sociedade atual.

Capítulo III: Apresentamos o tipo de metodologia utilizada, pontuando a abordagem

qualitativa adotada no presente estudo, bem como os instrumentos metodológicos

selecionados para a coleta de dados.

Capítulo IV: Encaminhamos a análise e interpretação dos resultados tendo como

subsídio o quadro teórico, enfatizando dessa forma, os diversos significados

adquiridos através da pesquisa em questão.

Por fim, tecemos algumas considerações, sobre as aprendizagens construídas a

partir desta pesquisa.

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CAPÍTULO I

PROBLEMATIZANDO A TEMÁTICA

Dentre muitos que construíram e marcaram a história da nação brasileira ao longo

de diferentes e conflituosos acontecimentos, poucos são lembrados como

protagonistas desse processo. Contudo, é inevitável negar a existência de sujeitos

“socialmente desconhecidos” que enraizaram lutas e manifestações populares em

busca de uma cultura política mais justa e democrática. Não se pode negar as forças

convergentes que constituíram o cenário do país em tempos de ditadura militar.

Além de ter sido caracterizado como um marco histórico pode-se conceber a esse

momento o alicerce preponderante para futuras transformações sociais.

Podemos destacar aqui, a força organizacional dos movimentos sindicais em defesa

aos direitos dos trabalhadores em seus respectivos grupos (trabalhadores rurais,

professores, aposentados, entre outros), assim como todo movimento da Igreja

Católica que discorre de um histórico bastante marcante no que diz respeito às

mobilizações feitas através de suas pastorais sociais, como a PJMP (Pastoral da

Juventude do meio popular), Pastoral da Criança e Pastoral do Menor, almejando

provocar mudanças nas políticas públicas, como podemos citar o grupo da ASA (

Articulação no Semi-Árido brasileiro) que articulou o programa de formação e

mobilização social para a convivência com o Semi-Árido: um milhão de cisternas

para homens, mulheres e crianças da região semi-árida.

Palavras de ordem e progresso já foram proclamadas, por uma nova ordem em que

a cidadania e liberdade fossem exercidas com igualdade, onde direitos e deveres

acontecessem simultaneamente. Lutas foram verdadeiramente travadas a partir de

iniciativas de organização populares. Aí consiste o desfecho das significativas

mobilizações realizadas pela força das pessoas em organizações sociais. Nesta

perspectiva, sujeitos aparentemente invisíveis somados a tantos outros, revelaram

nas suas lutas o espaço histórico que Freire (1987), sempre declarou, “através de

sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens,

simultaneamente criam a história e se fazem seres histórico-sociais” (p. 92).

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Incitados nesta visualização de sujeitos sociais, foram surgindo grupos organizados

que passaram a se perceber como personagens participantes de um emaranhado

modelo sociopolítico vigente (fez-se necessário se contrapor aos padrões

ideológicos opressores que ameaçavam a dignidade das pessoas). A presença dos

movimentos sociais enquanto força organizacional representou um marco de

efervescência e mobilizações na e para a sociedade.

A presença dos movimentos sociais é uma constante na historia da política do país, mas ela é cheia de ciclos, com fluxos ascendentes e refluxos (alguns estratégicos, de resistência ou rearticulação em face a nova conjuntura e as novas forças sociopolíticas em ação. O importante a destacar é esse campo de força sociopolítico e o reconhecimento de que suas ações impulsionam mudanças sociais diversas (GOHN, 2004, p. 01).

Regidos por suas frentes de lutas os movimentos sociais estabeleceram causas e

almejavam realizações. A idéia de organizar, movimentar, trás consigo proposições

interessantes para promover inquietações políticas por entre os sujeitos sociais.

Organizados e movimentados podem fazer ecoar vozes que historicamente foram

silenciadas, em detrimento à relação de poder, emanada na vida em sociedade.

De acordo com Gohn (2004), os movimentos sociais deram origem a diferentes

formas de organizações populares. Esses espaços de educação não-formal criaram

fóruns de discussões e ações, produzindo intervenções inclusive nas políticas

públicas governamentais, “no caso da habitação e reforma urbana, por exemplo, o

próprio Estatuto da Cidade, é resultado dessas lutas” (p. 01).

Evidenciamos na educação, ações positivas resultantes de discussões acerca da

historicidade da negritude e dos povos indígenas, por exemplo, melhor enfatizada

atualmente nos componentes curriculares, por meio da disciplina de História e

cultura Afro-brasileira e indígena, oportunizando desenhar outro rosto a essas

questões sociais enraizadas em nosso país.

Estes movimentos sociais criaram outros cenários em favor da democratização do

poder estatal, rompendo relações marcadamente alienantes de autoritarismo.

Fincados na história a partir dos anos 90, podemos ressaltar o Movimento Ética e

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Política ou a Ação da Cidadania Contra fome e a miséria; os movimentos de gênero;

afro-brasileiros e o movimento indígena, ambientalista, entre tantos outros

alimentados pela especificidade de cada um, vinculado a um conjunto em comum,

no ínfimo de cada movimento (GOHN, 2004).

De acordo com Gohn (2005), a criatividade humana passa pela educação não-

formal. Nesses espaços (ONGs, Sindicatos, Associações, Movimentos Sociais)

tecem-se concepções e valores educativos baseadas na produção de discursos

contra hegemônicos, necessários à promoção de possíveis transformações. Assim,

é importante salutar a existência de tais espaços não-formais de educação, pois:

Preconiza-se o trabalho das ONGs no âmbito educativo comunitário e intra-familiar, na área de educação fundamental junto a comunidades indígenas e rurais, assim como programas de educação para o trabalho, principalmente em entidades que promovem programas sobre tecnologias apropriadas, autogestão, formas alternativas para exploração correta dos recursos naturais do meio ambiente, de modo a preservá-lo da devastação. (GOHN, 2005, p. 94)

As organizações populares questionam e protagonizam dentro de seus contextos de

atuação. Buscar a aquisição de direitos humanos alimenta princípios de justiça e

igualdade, assim como norteia ações na vivência grupal, superando o comodismo de

que os sistemas políticos e econômicos entre outros existentes, sempre implicam em

presenças satisfatórias.

Com base nas idéias de Brandão (2002):

(...) os movimentos populares originais e segue envolvendo alguns da atualidade, em uma sempre rigorosa crítica teológica (movimento da igreja), ideológica e política do sistema capitalista. E o que os aproxima, em meio a diferenças ideológicas é que em comum eles propõem superação deste “sistema capitalista” em plano nacional e, por extensão em todo planeta. Uma “Pátria Nova” em uma “Terra Nova”. (p. 257).

Atualmente, com a propositiva mística de mudanças ocorridas na organização da

sociedade, agora representada num cenário bem mais globalizado, provoca-se

alterações no campo de atuação desses movimentos. A nova ordem social delibera

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reflexões em torno de processos humanísticos entre pessoas de diversos grupos,

resultando em novos sentidos e significados a práticas sociais (GOHN, 2004).

Os movimentos sociais inseridos na conjuntura atual da contemporaneidade, se

deparam sob novas formas de conduzir os processos de transformação da

sociedade. Hoje abrem espaço para reflexão em um campo ideológico, que abarque

discussões sobre identidades, culturas e participação política bem mais vinculada a

redes sociais. Nas sociedades de redes (para usar uma terminologia de Manuel Castells), o associativismo localizado (ONGs comunitárias e associações locais) ou setorizado (ONGs feministas, ecologistas, étnicas e outras), ou, ainda, os movimentos sociais de base locais (de moradores, sem teto, sem terra, etc.) percebem cada vez mais a necessidade de se articularem com outros grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania (WARREN, 2006, p.113).

Essa atuação em rede torna-se importante, uma vez que muitas problemáticas são

comuns a vários segmentos da sociedade, o que implica em tecer relações que

comunguem da luta que favorece a um todo, construído a partir das especificidades.

Podemos exemplificar a Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB) que

se intitula como rede por agregar as diversidades constitutivas das ações que

seguem uma perspectiva da “educação para a convivência com o semi-árido

brasileiro” (MARTINS, 2004).

A atuação dos sujeitos nos espaços da sociedade civil organizada em rede tem se

defrontado com outras redes que se movimentam em um emocionar capitalista na

lógica de uma economia globalizada. Nessa perspectiva, é importante visualizar os

produtos e os meios de produção que se dá, por exemplo, numa rede de produção

da agricultura familiar.

Aspirando mobilização, os movimentos sociais são considerados por Gohn (2004),

como espaços de educação não-formal da sociedade civil. Educação que perpassa

sistematizações de interesses de diversos gêneros. Visualizada sob uma ótica mais

humana, a educação acontecida em espaços não-formais atua e convive com outras

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instituições formais, passando a ser percebida na relação de ou entre pessoas de

contextos diferenciados, inter-relacionando-se em seus cotidianos.

Considerando o descaso, a má qualidade de ensino, a ideologização dos currículos

e tantos outros contrapontos existentes na vida escolar, usada como aparelho

ideológico do Estado para semear suas facetas de desenvolvimento, é que

precariza-se a atuação social destas instituições. O seu público alvo torna-se

números para as pesquisas, e os níveis de aprendizagem se limitam a status social.

E os saberes? E as produções de conhecimento que deveriam ser o ápice de todo

processo de ensino? Irão multiplicar-se nas prisões dessa decadência escolar?

A educação formal em meio a essa conjuntura eloquente, reintegra outros fatores às

suas sistematizações. A sua precariedade delibera a necessidade de se obter outras

formas de significar aprendizagens, construir conhecimentos e compartilhar saberes.

E nos espaços não sistemáticos de ensino, as metodologias (consideradas muitas

vezes como impotentes) abrem espaço para serem construídas a partir das múltiplas

linguagens, onde a cultura, a arte ganha expressão de aprendizagem, resultado da

vivência do cotidiano de seus sujeitos.

É no campo da Educação Não-Escolar que podemos encontrar iniciativas que

problematizam as questões sociais, econômicas, políticas ao invés de normalizá-las,

a exemplo do Projeto Social Casa Rebeca, objetivando desenvolver a formação

política e educacional das crianças e adolescentes das camadas populares, na

busca de constituírem-se como sujeitos atuantes, autônomos e conscientes de suas

potencialidades em meio a essa estrutura de sociedade injusta e desigual que

estamos inseridos.

Ao longo da sua história social e educativa, o Projeto Social Casa Rebeca, engaja-

se em lutas a favor de uma transformação social libertadora. Entre um desafio e

outro, a meta apresentava-se claramente: incitar nas crianças e adolescentes das

camadas populares o desejo por mudanças, por dignidade de vida, por

reconhecimento enquanto gente que pensa, estuda e sonha. Sensibilizar a

comunidade, as famílias e a escola, a projetarem mobilizações sociais necessárias,

em detrimento aos direitos injustamente negados, marcou a existência da Casa

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Rebeca, pois como diz Brandão (2002) “Os sonhos de ‘transformação do mundo’

deságuam na realidade dos ‘projetos de desenvolvimento deste mundo viável”

(p.22).

A realidade das crianças e adolescentes da Casa Rebeca é marcada por situações

de riscos bastante corriqueiras. Álcool, drogas, violência, prostituição, desestrutura

familiar são fatores de diários enfrentamentos junto aos processos educativos e

sociais propostos pelo Projeto. É a partir dessa realidade social que descobre-se sob

à luz de Freire (1992) que:

(...) não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente tornando-se cada vez mais intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens. A utopia implica essa denúncia e esse anúncio, mas não deixa esgotar-se a tensão entre ambos quando da produção do futuro antes anunciado e agora um novo presente. (p. 47).

Exemplos de organizações educacionais estão espalhados por todos os lugares,

cada um com suas perspectivas e caminhos a percorrer. Contudo, é necessário

questionar o que está sendo efetivado, problematizar dentro desses espaços, que

ultrapasse a assistencialização dos desprivilegiados e desprovidos de direitos, pois

educar para humanizar delibera outras práticas conscientes, onde os direitos devem

ser conquistados e não doados (FREIRE, 2001).

A conquista, a luta, fazem das pessoas sujeitos da sua própria história, que vivencia

o processo de busca pela efetivação de algo pertencente a si, ou a um grupo e que

foi negado. Faz-se necessário fomentar nos indivíduos essa capacidade humana de

“existenciar- se”, como dizia Freire (2001) em seus sonhos realizáveis. Usar da

liberdade para transformar aquilo que é infligido aos homens, caracterizando-os

como sujeitos atuantes, o que naturalmente deveria acontecer. Preiswerk (1997)

comunga com os pensamentos de Freire sobre a importância do processo de

humanização, quando diz: “A pessoa transforma o mundo humanizando-o, e

transforma seu próprio ser no mundo humanizando-se” (p.46).

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É o processo de análise das ações construídas na vida social com tudo que delibera,

levando em conta principalmente as relações de desigualdades e negação de

direitos para os seres no mundo, que precisa ser reinventado.

Almejar a transformação desse mundo viável pressupõe uma visão ampla e crítica

sobre as inter-relações que nele são desenvolvidas, sob quais interesses são

alicerçados, em benefício a quem. Essas indagações são imprescindíveis para

tornar “viva” a existência de tantos sujeitos ocultados em seus anseios e silenciados

em suas utopias inalcançáveis.

É nesse caminho de significações da pessoa humana enquanto ser no mundo, que

serão problematizados os impasses e contrapontos das perspectivas educacionais

adotadas nos espaços não-formais de ensino, aprofundando os discursos teóricos

de autores que contribuem significadamente para uma melhor visão acerca da

educação diante da nossa realidade social.

E movida pelo encantamento das aprendizagens adquiridas na vivência nesses

espaços não-formais de educação, especificamente no Projeto Social Casa Rebeca,

onde a subjetividade ganha vida na troca entre a carência e a doação, é que

problematizo, a partir da minha experiência docente no Projeto, os sentidos e

significados construídos dentro desse contexto.

Reinventar as vivências, transcender as perspectivas massacradas pela

desesperança, é perceber em meio a uma sociedade complexa, as entrelinhas que

fortalecem a Pedagogia dos Sonhos Possíveis que Freire efetivou em sua

existência. Com base nestas inquietações, discorreremos nosso estudo a partir da

propositiva inquietação: Que pensamento ideológico embasa as práticas que

norteiam a essência desta instituição, e quais as repercussões essas práticas

causam na vida das crianças e adolescentes que habitam os sentidos deste projeto?

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CAPÍTULO II

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fim de nortear discussões acerca dos processos educativos acontecidos em

espaços não-formais de educação, e sua relação histórica com os parâmetros

sociais vigentes, discorreremos questionamentos e inquietações em busca do

entendimento das relações que a educação abarca, por aglomerar teias de

conhecimentos que se convergem e se contrapõem em diferentes âmbitos da

sociedade. A partir da contextualização dos paradigmas sociopolíticos e econômico

que se inter-relacionam na nossa conjuntura atual, será discutido a partir dos

conceitos-chave: Educação Não-Formal. Movimentos Sociais. Projeto social Casa Rebeca. 2.1 Percorrendo o universo da Educação Não-Formal Numa sociedade historicizada em uma cultura política hegemônica, fez-se

necessário emergir das revoltas e mobilizações populares, a conscientização dos

papeis delegados e assumidos entre os sujeitos sociais. A busca por uma nova

organização social referida nos anos posteriores à época do militarismo de 1964

demarcou excentricamente um novo jeito de ser e de existir de muitos indivíduos

moldados a ocupar um espaço de expectadores.

A mudança gradual e lenta da cultura política é fator e resultado do exercício da cidadania, sob a forma ativa, aquela que opera via a participação dos cidadãos, de forma que interfere, interage e influencia na construção dos processos democráticos em curso nas arenas políticas, segundo os princípios de equidade e da justiça, tendo como parâmetros o reconhecimento e a vontade expressa de universalização dos direitos (GOHN, 2005, p.89-90).

Diante das mudanças na sociedade, a educação se apresenta como sinônimo da

própria cultura numa relação dialética, pois segundo Brandão (2002), “somos, seres

humanos, o que aprendemos na e da cultura de quem somos e de que

participamos”, dessa forma, não poderia ausentar-se de seu papel na formação de

pessoas como, “sujeitos do mundo da cultura”, que produz, reinventa e recria as

atividades sociais que lhes são postuladas.

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Até os anos 80, as prioridades educacionais estavam voltadas aos sistemas

escolares de ensino, os olhares apontavam para a burocratização das instituições

como o único mecanismo qualitativo de promover a educação, mas a educação não-

formal nos anos 90 (com a queda na qualidade da educação formal) direcionou-se

politicamente a questão de cidadania, atrelado ao pressuposto educativo

transformador, pois as diferenças sociais eram vistas como diferenças de

capacidades (GOHN, 2005).

A educação há muito tempo foi resumidamente sinônimo de escola, com seu

propósito e projetos criados a partir das exigências e domínios estatais, sob

interesses capitalistas de produção de mão-de-obra, para um mercado explorador e

alienante. Nesse sentido, podemos declarar fundamentados em Brandão (2002),

que eram “vidas transformadas em mercadoria” (p. 293), para alcançar um

“desenvolvimento” tecnológico e não humano, sob a luz de princípios capitalistas e

globalizantes.

Diante de uma série de significações e práticas vinculadas ao ensino e a

aprendizagem, surge os processos educativos em espaços não-formais, construindo

um novo cenário dentro das políticas educacionais do país.

Com isto um novo campo da Educação se estrutura: o da educação não-formal. Ela aborda processos educativos que ocorrem fora das escolas, em processos organizativos da sociedade civil. Ao redor de ações coletivas do chamado terceiro setor da sociedade, abrangendo movimentos sociais, organizações não-governamentais e outras entidades sem fins lucrativos que atuam na área social; ou processos educacionais, frutos da articulação das escolas com a comunidade educativa, via conselhos, colegiados, etc (GOHN, 2005, p. 07).

Enraizada em um protótipo de uma sociedade conflituosa, a Educação Não-Formal

prolifera-se, direcionados ao reconhecimento de uma nova cultura política vista

como peça chave das manifestações coletivas, na construção de mobilizações

acerca de fatores externos sociais, como a princípio, o respeito à individualidade e à

identidade de cada cidadão, enxergando-os como pessoas capazes de construir

concepções em vista a sua realidade, pois:

Falar de cultura política é tratar de comportamentos de indivíduos nas ações coletivas, os conhecimentos que os indivíduos tem a

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respeito de si próprio e seu contexto, os símbolos e a linguagem utilizadas, bem como as principais correntes de pensamento existente (GOHN, 2005, p.60).

Na perspectiva de reconhecimento e autenticidade do sujeito cidadão, está presente

no universo da Educação Não-Formal o projeto social Casa Rebeca, a quem propus

problematizar. Trata-se de trazer presente uma conjuntura social bastante

inquietante, quando nos referimos a espaços de educação que ousa vivenciar a

aproximação do que é utópico com a realidade atual, muitas vezes marcada por

conflitos e desigualdades. Sociedade esta onde a opressão é mascarada nas

entrelinhas de um gigantesco sistema que viabiliza ideologicamente a permanência

da relação de poder como negação da prática de liberdade, minimamente

encontrada nas políticas educacionais da contemporaneidade.

A educação como prática de liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens (FREIRE, 1987, p.70).

Vivenciamos com o passar dos anos o alargamento das concepções de educação,

tendo em vista a formação política e ética dos cidadãos (resultado das lutas de

muitos movimentos sociais), a qual se encontrava distanciada dos currículos

escolares, assim foi percebendo-se a relevância dos processos educativos não-

formais onde abarca para si essas necessidades sociais.

Na concepção de Gohn (2005):

A educação não-formal designa um processo com quatro campos ou dimensões, que correspondem a suas áreas de abrangência. O primeiro envolve a aprendizagem política dos direitos enquanto cidadãos (...). O segundo, a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades. O terceiro, a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltados para a solução de problemas coletivos cotidianos (...). O quarto, é a aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal, escolar, em formas e espaços diferenciados (p.99).

Expandindo-se as significações da existência e utilidade da Educação como forma

de intervenção no mundo (Freire, 1996), foram desencadeadas outras maneiras de

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conduzir as relações educativas perante as padronizações escolares. A educação

não-formal vem constituindo-se sob essa perspectiva de aproximação entre sujeitos

de contextos diferenciados e o mundo em que vivem, pois: É composta de uma grande diversidade e esse aspecto é bastante estimulante para o campo educacional, permitindo, além de contribuições de diversas áreas, a composição de diferentes bagagens culturais. Por ter essas características, a educação não-formal permite certa irreverência ao lidar com aspectos do contexto educacional e com as relações que são inerentes a esse contexto, favorecendo e possibilitando a criação. (GARCIA, 2009, p. 29).

Dessa forma, reconhecer a expansão de atuações educacionais, a exemplo de

processos educativos em espaços como as ONGs, orfanatos, hospitais e empresas

trouxe, ao invés de substituição de uma modalidade educativa por outra, a amplitude

do exercício da educação diante de sua larga demanda, conclamada também pelos

fatores sociais, entrelaçados nos cotidianos escolares, pouco discutidos. Segundo

Garcia (2009) “A educação não-formal não pode ser encarada como uma

possibilidade salvadora para os problemas encontrados no campo da educação

formal” (p.147), pois existem problemáticas que giram em torno de seu campo de

atuação também.

Credibilizados em novas práticas conscientizadoras, que ressignificou os papeis de

ensinantes e aprendentes, a educação não-formal tem se fortalecido. Os problemas

sociais como a questão da divisão de classes, ganharam espaço para ser

experienciado através da protagonização dos sujeitos, muitas vezes inferiorizados

(cultural e linguisticamente) por pertencer a uma classe discriminada pela situação

de pobreza econômica.

Os procedimentos metodológicos utilizados dos processos da educação não-formal estão pouco codificados na palavra escrita e bastante organizados ao redor da fala. A voz ou vozes, que entoam ou ecoam de seus participantes são carregadas de emoções, pensamentos, desejos etc. São falas que estiveram caladas e passaram a se expressar por algum motivo impulsionador (carência socioeconômica, direito individual ou coletivo usurpado ou negado, projeto de mudança, demanda não atendida), (GOHN, 2005, p. 106).

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Estando inserida numa época de modernizações ideológicas, a educação tornou-se

alvo de interesses globalizantes. Os discursos defensores da democracia na

efetivação de direitos pela igualdade, hoje são usados pelos “detentores do poder”

como metas assumidas, na tentativa de manipular e reverter às perspectivas sócio-

educativas ao seu favor. Discursos promissores para muitos.

A educação, a ciência e a tecnologia, então, instrumentalmente subordinadas como condições para conseguir a competitividade, a qual por sua vez se requer para ampliar os limites materiais dentro dos quais se possa alcançar maior equidade e democracia (CORAGGIO, 1996, p.109).

As Organizações Não-Governamentais (ONGs), por exemplo, vivenciaram o

desenrolar de paradigmas sociais repleto de embates nos diferentes âmbitos:

políticos, econômicos e culturais. Consideradas como entidades direcionadas à

educação popular e o desenvolvimento social, foram constituindo-se ao longo de

diferentes formas de governo. Percorrendo uma trajetória histórica de lutas, e

chegando à contemporaneidade, essas organizações reconhecidas como base de

representações populares atuam num modelo de sociedade essencialmente

capitalista, no entanto buscam outra ótica de organização dentro desse contexto.

As idéias apresentadas pelo sistema do capital não reconhece a dinâmica de

mobilização dos movimentos sociais como representação de força política, pois

viabilizam a inculcação de uma democracia abstrata, ideológica, distanciada da

participação das pessoas nas discussões políticas. As lutas de classes, de gênero,

de etnias e de poder, por exemplo, não se extinguiram nos conflitos históricos, mas

podem ser encontradas embutidas em atitudes renovadoras, como podemos

perceber na proposição de:

Políticas em ‘educação’, ou seja, as orientações refletidas na estrutura e nos conteúdos dos currículos. Elas dependem não só das condições políticas de uma conjuntura histórica, mas também das características e do poder dos grupos hegemônicos (BIANCHETTI, 2005, p.93).

Num cenário neoliberal com bases capitalistas, há um convívio de diferentes

poderes, o poder econômico mundial de certa forma fragiliza o poder estatal das

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nações. Neste mesmo cenário o surgimento de ONGs desenvolve marcadamente

uma força política de chamamento de responsabilidade das políticas

governamentais do país. O plano econômico de um mercado de trabalho com

prioridades lucrativas exacerbadas, com financiamentos multidimensionais, traz para

a realidade de muitas ONGs1, projetos “ideologicamente” defendidos por

Organismos Internacionais, a exemplo do Banco Mundial, que se diz contrapor a

governos injustos.

Os processos educativos não-formais apresentam suas especificidades com relação

à educação formal, contudo, mesmo se constituindo ainda sob críticas e análises da

sua estruturação não sistemática, e um tanto quanto “incerta”, ela apresenta

aspectos de responsabilidades com o social, outro jeito de se conduzir a educação,

enquanto a escola vem assumindo suas burocratizações delegadas a ela, como uma

agência de socialização do saber sistematizado.

A educação que liberta e inquieta deve apresentar-se indissociável a consciência

política. Entrelaçam-se nas teias sociais e é de suma importância que elas sejam

vistas como complementares, numa relação dialética, pois se baseando em Gentili

(2007), “educar é ajudar a viabilizar a ressurreição da política” (p. 114). Faz-se

necessário a concretização daquilo que almejamos, quando discursamos em favor

do processo de humanização dos indivíduos, é preciso politizá-los, sem isso pouco

se chegará onde a educação deseja alcançar.

1 As ONGs tendem a serem utilizadas em projetos traçados pelo Banco Mundial e pelos governos sem participação popular, como partem de uma ação meramente compensatória das políticas de ajuste (CORAGGIO, 1996, p. 173).

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2.2 Um outro jeito de ser cidadão: “Nós” em Movimento gerando o “Social”

Espelhados por múltiplas manifestações, lutas e conquistas populares

desencadeadas ao longo de significativos anos, referenciamos os movimentos

sociais por toda sua força política e organizacional necessária a consistentes

mobilizações na arena social. Como força política representa a construção de uma

nova ordem social, demarcando identidades, subjetividades e projetos de grupos

sociais (GOHN, 2004).

A partir de cenários despolitizadores, as inquietações em torno das questões sociais

como a luta pela terra, moradia, educação de qualidade, os direitos dos

trabalhadores(as) do campo foram sendo emergenciados. E expandindo-se por todo

território nacional, encontramos em nosso nordeste brasileiro, no início da década de

60, O Movimento de Cultura (MCP) em Recife, a campanha “De pé no chão também

se aprende a ler” em Natal, e o Movimento de Educação de Base (MEB) criado pela

Conferência Nacional dos Bispos em convênio com o governo federal (STRECK,

2010, p. 301)

Para Streck (2010) “um movimento social é, por princípio, a busca de um outro lugar

social” (p. 305). Trata-se de romper com as determinações que historicamente nos

impuseram nas divisões de classes de raça, de gênero, de sexo, de religião...

Porque aceitar as condições de sistemas conservadores e capitalistas que

estabelecem fronteiras entre os direitos que temos e os interesses de produção que

possuem?

No marco da história, sujeitos organizados protagonizaram conflitos intensos na

busca pela democratização da sociedade, na dimensão pública. A dinâmica de

movimento traz consigo o que é de fundamental importância para possíveis

transformações: a mobilização. Sair das demarcações individuais em prol da

coletividade, exercitando a prática de justiça e liberdade para um todo social, em

favor de muitos, já que é nos grupos sejam eles étnicos, homossexuais de gênero

que as pessoas individualmente sofrem discriminações.

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Segundo Gohn (2008), “mobilização social é um processo político cultural presente

em todas as formas de organização das ações coletivas” (p. 448), um instrumento

que potencializa a força organizacional de diversos grupos, onde causas e bandeiras

deixam de pertencer a individualidades, e ganham sentidos comungados pela

coletividade. Na contramão desse processo, a ordem capitalista e neoliberal

condiciona essas iniciativas a simplórias significações. Na visão capitalista, a

“valorização” das pessoas perpassa pelos bens que elas produzem, é o “ser”

condicionado para o mundo do consumo, na negação daquilo que Freire afirma

(1987) como seres no mundo e com o mundo, em um processo de interação social.

A partir desses paradigmas sociais, criou-se uma nova gramática na qual mobilizar

deixou de ser para o desenvolvimento de uma consciência crítica ou para protestar

nas ruas. Mobilizar passou a ser sinônimo de arregimentar e organizar a população

para participar de programas e projetos sociais, a maioria dos quais já vinha

totalmente pronta atendia a pequenas parcelas da população (GOHN, 2004).

Diante das problemáticas nos diferentes âmbitos da sociedade podemos

potencializar a presença dos movimentos sociais como bsinônimo de força política,

pois suas ações engendra possibilidades de participação indispensáveis a

efetivação de uma cidadania ativa. Para Duriguetto; Souza e Silva (2009), “foram os

movimentos sociais que transformaram a questão social, na realidade brasileira e

em qualquer outra formação social capitalista, numa questão política e pública”

(p.14).

Os movimentos sociais abarcam os movimentos de mulheres, dos homossexuais,

dos afro-brasileiros, dos indígenas, de mobilizações de luta pela terra, que

demarcam suas identidades e suas bandeiras de luta atuando junto a ONGs. Há os

movimentos ambientalistas e também os movimentos populares com uma atuação

histórica diante dos fatores socioeconômicos – Gohn (2004) – esses entre muitos

outros apresentam quanto a sua estruturação, um processo de metamorfose

incidente com as problemáticas vivenciadas a cada época.

Com base nessas indicações podemos entender melhor a diferença da sua

funcionalidade nos anos 70/80 quando a sociedade era fixada em políticas de

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adestramento, revelados em práticas de autoritarismo, censura e rigidez. Passeatas

com faixa, apitos, gritos de protestos, rostos pintados, direitos aclamados nas

avenidas e praças das cidades, eram manifestações fervorosas que efetivavam as

vozes articuladas dos movimentos sociais diversos.

Hoje, convivemos com políticas de reajuste, planos de desenvolvimento nacional,

projetos de assistência social, mercado internacional, produção de interesses

capitalistas, que escoam nas mãos de mulheres e homens, negros e negras,

indígenas e homossexuais invisibilizados pela corrente do lucro e da globalização,

tão solidificada nas ações governamentais. Segundo Streck (2010), “deixou-se de

lado o caráter de protesto e reivindicações e passou-se a linguagem de projetos e

programas” (p. 307).

É neste complexo cenário de modernizações que os movimentos sociais diversos

reconstroem seus paradigmas. No percurso do desenvolvimento intelectual, da

educação como dimensão da cultura (BRANDÃO, 2002), abre-se um leque de

representações que se encontram num processo de reinvenção. A atuação em rede,

por exemplo, adicionou elementos importantes na obtenção de participação política

dos atores sociais. Sobre esse aspecto, Warren (2006) argumenta:

Na sociedade das redes (para usar uma terminologia de Manuel Castells), o associativismo localizado (ONGs comunitárias e associações locais) ou setorizado (ONGs feministas, ecologistas, étnicas, e outras) ou, ainda os movimentos sociais de bases locais (de moradores, sem teto, sem terra, etc.) percebem cada vez mais a necessidade de se articularem com outros grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania (p. 113).

As manifestações públicas organizadas num panorama mais ampliado de

representações ganharam maior visibilidade de expressão. Pautados na legitimidade

de seus direitos, os sujeitos sociais se mobilizam em prol da coletividade, vista de

forma que abarque todas as modalidades de reivindicações. Segundo Gohn ( 2004),

“a maioria dos movimentos, rurais e urbanos, passaram a atuar em redes e a

construir agendas manuais de congressos e manifestações públicas, como o Grito

dos Excluídos, por exemplo” (p. 26).

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A presença do Estado também alterou a participação nas instâncias sociais. A partir

da década de 80, os movimentos sociais direcionaram suas práticas para a

institucionalização de suas relações com as agências estatais, na perspectiva de

criar estratégias diante das suas necessidades, na luta por direitos de cidadania

(DURIGUETTO; SOUZA E SILVA, 2009).

Na controvérsia dessa relação, pode-se identificar um interesse pela despolitização

da sociedade civil. Iniciativas de negligenciamentos do papel exercidos pelos

movimentos sociais passaram a existir (ibid, p. 16). De toda forma, a sociedade de

reprodução capitalista esforça-se para negativar a existência dos movimentos

sociais como força política, porque esta, (a sociedade globalizante) reconhece a

dimensão que eles representam, quando se refere a participação cidadã.

Contudo, é de salutar relevância a atuação do Estado nas políticas emancipatórias

defendidas pelos movimentos sociais, pois a participação da sociedade civil nos

parâmetros públicos através de Conferências, Conselhos, Orçamentos

Participativos, segundo Gohn (2004), “não é para substituir o Estado, mas para lutar

para que este cumpra seu dever: propiciar educação, saúde, e demais serviços

sociais com QUALIDADE, e para todos” (p. 24).

Outra questão que vale salientar, diz respeito a migração dos militantes dos

movimentos sociais para o poder parlamentar e ou na ocupação de cargo no setor

governamental. De atores comungantes de protestos e reivindicações de causas

relacionadas às questões raciais, educacionais, econômicas, etc. Passaram a

ocupar o espaço dentro da política governamental, esse cenário causou inicialmente

conflitos de identidade, no jogo das representações sociais. Assim, podemos

perceber as alterações na conjuntura dos movimentos sociais, associado ao: “o fato

de várias lideranças ascenderem a cargos no poder público, ou ao parlamento,

também teve alguma influência na nova dinâmica dos movimentos” (GOHN, 2004, p.

26).

Migrando para outro aspecto de atuação dos movimentos sociais na

contemporaneidade, Streck (2010), abre uma discussão no seu artigo “Entre

emancipação e regulação: (des)encontros entre educação popular e movimentos

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sociais” acerca das novas perspectivas dessas organizações estarem entrelaçadas

na “configuração de novos territórios de resistência e suas pedagogias; e as novas

governabilidades e suas formas de regulação” (p. 304 -305).

Sabemos que o campo político, econômico, cultural e social integra ações de cunho

assistencialista (remendos sociais) mascarando a aquisição de direitos de muitos

cidadãos, exemplo disso “são as políticas compensatórias, os muitos tipos de bolsas

que interferem de forma direta na vida das pessoas”, redirecionando as ações

governamentais frente às necessidades populares. Tais iniciativas inculcam a idéia

de assistência à população como público que tem seus direitos respeitados, mas

que não provocam alterações na conjuntura das desigualdades sociais.

Sob a ótica da relação entre os movimentos sociais e educação diante dos

paradigmas ideológicos educacionais, podemos identificar aproximações daquilo

que a pedagogia carrega como problemática: a teoria e a prática como realidade

contraposta. Almejando as transformações na organização da sociedade desigual,

trilhando os caminhos da politização dos discursos perpassados numa consciência

crítica do contexto atual, os movimentos sociais, segundo Streck (2010), “se

caracterizam por introduzir o conflito como um elemento pedagógico” (p. 304).

Para o autor, essa relação provoca aprendizagens múltiplas, essenciais para a

convivência no cenário sociopolítico atual. São elas:

a) O redimensionamento do popular, ampliado o seu significado par

além da tradicional visão classista; b) b) o enraizamento como uma necessidade para uma educação que

se propõe a reconstruir identidades; c) Ao mesmo tempo, a ruptura e a insurgência como parte da

pedagogia dos movimentos sociais; d) A participação como princípio metodológico, uma vez que a

solidariedade entre os integrantes de um movimento é constitutiva do próprio movimento;

e) Uma nova compreensão de sujeito, como emergência na ação e não como instância fixa;

f) A produção de saberes específicos da área de atuação dos movimentos sociais, tais como ecologia, direitos humanos, a questão da terra e moradia... (ibid, p. 304).

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Diante deste panorama, é inevitável discutir as questões sociais com toda sua gama

de embates e organizações, sem o reconhecimento da presença e força política dos

movimentos sociais. Históricos e atuais, os movimentos sociais reinventam a partir

de contextos e governabilidades, a participação cidadã dos seres do e no mundo,

como algo satisfatório à convivência da coletividade. É outro jeito de viver e conviver

na sociedade contemporânea.

Ensejando mobilizações diante da realidade opressora que vivenciam crianças e

adolescentes das camadas populares da cidade de Jacobina, o Projeto Social Casa

Rebeca adentra na luta diária, pelo reconhecimento de protagonistas sociais de

linguagens e identidades múltiplas na participação cidadã, buscando assim

efervescer uma cultura política de mobilização social, alimentada no decorrer das

lutas históricas dos movimentos sociais.

2.3 Conhecendo o Projeto Social Casa Rebeca

“Quem sabe um dia O povo já cansado

De ser tão enganado, Possa se libertar...”

(Canto das Ceb’s)

Visualizar a educação como prática social para a transformação requer o

entendimento de sua complexidade. A busca por uma reinvenção educacional que

favoreça e fundamente a libertação dos sujeitos ocultados pelas percepções

históricas das sociedades, tem sido frequente no contexto atual que vivenciamos.

Para tanto, Freire (1987), ressalta:

A educação como prática de liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens (p. 70).

Podemos perceber que muitos outros espaços concebidos aos processos

educativos, como as associações, colegiados, igrejas, sindicatos, Organizações

Não-Governamentais, projetos sociais - Gohn (2005) - tornou-se fundamental, por

compartilhar também impasses e possibilidades de ensino e aprendizagem.

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A educação Não-Formal hoje, expressa sua importância nas relações políticas, no

reconhecimento dos atores e contextos sociais. Por isso, baseados em Brandão

(2002), acreditamos que, “A educação do homem existe por toda parte, e muito mais

do que a escola, é o resultado da ação de todo meio sociocultural sobre os seus

participantes. É o exercício de viver e conviver que educa” (p. 47).

Engajado nos múltiplos e complexos meios de fomentar uma pedagogia a favor da

esperança e dos sonhos possíveis encontra-se o Projeto de Acompanhamento a

crianças e adolescentes Casa Rebeca. Inicialmente, tinha sua representatividade

atrelada à Pastoral do Menor, uma organização eclesial da Igreja Católica, que se

orienta pelas Diretrizes Gerais da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil), onde trabalha com a mística e identidade própria no sentido de promover e

defender crianças e adolescentes empobrecidos e em situação de risco, sempre na

ótica da inclusão e dos direitos humanos (WWW.PASTORALDOMENOR.ORG).

Diferenciando-se de outras organizações a Pastoral do Menor se objetiva em

efetivar sob a luz do evangelho, à sensibilização da sociedade como um todo, pois

se acredita na real libertação dos sujeitos quando se entrelaça todos os âmbitos da

sociedade, na busca de uma participação política de organismos governamentais e

não-governamentais.

A opção pelos pobres é uma das orientações prioritárias da pastoral e da teologia latino-americana desde os anos 60. É a opção dos cristãos que buscam dar a razão de sua fé e de sua esperança dentro de um continente explorado há séculos (PREISWERK, 1997, p. 215).

Na construção dessa ideologia, o caminho a ser percorrido para o seu

encaminhamento, indispensavelmente é direcionado à educação, como fonte de

possíveis mudanças. Uma educação que mobiliza e inquieta os sujeitos, para a

partir do saber que se constrói a cada dia, visualizar possibilidades de

transformação. Vale ressaltar aqui, a presença do movimento da Teologia da

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Libertação2 que demarcou a luta e defesa do grito articulado do oprimido em direção

a um processo de libertação integral (BOFF, 2001, p.141).

Mobilizando seu projeto transformador, a Pastoral do Menor acolhia seu público

mesmo sem organização institucional. Por volta dos anos 90 reuniam-se em lugares

abertos: mães e pais, voluntários e educadores, para discutir as situações de vida

que se encontravam diante das opressões que o norteavam. Na luta pela

sobrevivência enfrentaram a fome, as condições de vida precária, e a desnutrição

dos filhos, problema este que se tornou uma triste realidade para muitas famílias,

pois causou um número significativo de mortes entre as crianças.

A Pastoral do Menor há mais de 19 anos desencadeia um trabalho na cidade de

Jacobina, especificamente na Paróquia de São José Operário situada em bairros de

zona periférica, onde há um alto índice de violência, tráfico e usuários de drogas,

como também de prostituição.

As dificuldades diante da conjuntura de exclusão era um cenário de enormes

desafios. Mediar, construir e reconstruir concepções de vida mediante a situação

oprimida de pobreza econômica e política revelou-se prioritariamente, pois é “muito

mais difícil trabalhar em favor da desocultação, que é um nadar contra a correnteza,

do que trabalhar ocultando, que é um nadar a favor da correnteza. É difícil, mas é

possível” (FREIRE, 1997, p.98).

Incitada pelas possibilidades, a Pastoral do Menor foi institucionalizando-se ao

passo que sua demanda de crianças e adolescentes, junto ao desempenho positivo

dos trabalhos, foi crescendo. E assim, surgiu o PACA (Projeto de Acompanhamento

a Crianças e Adolescentes), onde abarca três Casas em diferentes bairros

periféricos da cidade que são: Espaço Comunitário Santa Luzia (bairro Caixa

D’água), Fazendinha José Josivan de Jesus (bairro da Boiadeira) e Casa Rebeca

(bairro Bananeira), que comungavam dos ideais de justiça e igualdade acreditando

que: 2 A teologia da libertação não é uma manifestação espontânea das massas latino-americanas. É um produto intelectual que vai ganhando forma na reflexão, na luta e na meditação junto com os setores populares. (PREISWERK,1997)

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A paz e a reconciliação sociais são somente possíveis ma medida em que forem superados os motivos reais que continuamente destilam os conflitos: as relações desiguais e injustas entre o capital e o trabalho, as discriminações entre as raças, as culturas e os sexos (BOFF, 2001,p. 101).

A implantação da Casa Rebeca, entidade reconhecida até 2009, como pertencente à

Paróquia São José operário da cidade Jacobina, é assim chamada em memória de

uma criança de nome Rebeca com apenas três anos de idade, acompanhada pela

Pastoral, que faleceu devido a uma forte desnutrição,atrelada ao seu alto nível de

pobreza e descuidados.

Atualmente a Casa Rebeca sobrevive de recursos financiados pelos micro-projetos

vindos da Áustria, coordenados pelo padre José Heheenberger criador de muitos

projetos sociais na cidade, sendo um dos disseminadores da Teologia da Libertação,

que acredita nessas iniciativas como meio de transformação social. Não há

financiamentos em nenhuma instância, vinculados a rede municipal, estadual e

federal de ensino, não há apoio dessas entidades, pois são divergentes nos

aparatos ideológicos, mediante os seus anseios educacionais.

Especificamente um grupo organizado da Áustria Cristoes Solidarios Internacionais,

(CSI), familia Karner,Eva Kreel e Elisabett e Margarett apoiam a a Casa Rebeca,

com seus financiamentos, intermediados pela Associação Comunitária das Irmãs do

Divino Espírito Santo (ACIDES), onde dá sustentação aos salários das educadoras e

coordenação, merenda, material didático, material de limpeza e todas as outras

necessidades. Tem apoio parcial de órgãos não governamentais que auxiliam a

Casa com doações de roupas, merenda, calçados entre outros.

Inseridos numa sociedade que intercala em suas raízes uma relação de poder

subjugada a hierarquizações e status social, podemos percebê-la fortemente

ocasionada na organização interna deste projeto, que envolve as três casas, o

PACA. Questões de interesses individualistas são disseminados nos discursos

promissores em prol da coletividade. É o exercício de conviver na contradição e

paradoxos existentes entre teoria e a prática que nos deparamos frequentemente

dentro da organização desse espaço.

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Efervescida por esses embates ideológicos de aquisição de poder e práticas

politizadoras, deu-se no ano de 2009, o desmembramento da Casa Rebeca com as

demais Casas pertencentes ao PACA. A sua coordenação ainda conta com o apoio

do padre José Hehenberger e alguns grupos da Áustria, devido aos compromissos

políticos, educativos e sociais que alimentam em seu cotidiano, diante das estruturas

que sufocam, negam e ocultam o contexto de crianças e adolescentes das camadas

populares. Assim, fomentam a idéia de que:

Educar é criar cenários, cenas e situações em que, entre elas e eles, pessoas e comunidades aprendentes de pessoas, símbolos sociais e significados da vida e do destino possam ser criados, recriados, negociados e transformados (BRANDÃO, 2002, p.26).

Refletindo sobre essas relações podemos abrir um leque de questionamentos no

que diz respeito à educação como sonho possível (FREIRE, 2001), a educação

como cultura (BRANDÃO, 2002), a educação como esperança em tempos de

desencantos (GENTILI, 2007), e a educação como cidadania (GOHN, 2005).

Entrelaçar essas perspectivas de forma a qualificar as possíveis práticas educativas

transformadoras mediante uma conjuntura social desigual e desumanizante, é um

chamado a exercer uma consciência política libertária, e isso é um tanto quanto

relativo, quando nos referimos a interesses de classes e de poder.

Que a educação, a cidadania, o direito, a sociedade, a justiça e a democracia se vinculam entre si, ninguém duvida; o problema é como o fazem, sobre quais fundamentos se define tal vínculo, que tipo de educação se relaciona com que tipo de cidadania, de direito, de cidadania, de justiça ou de democracia (GENTILI, 2007, p. 67).

Historicamente, a luta pela significação dos saberes e de conhecimentos na qual

favoreçam e repercutam no meio social das crianças e adolescentes é reacendida

diariamente. É neste sentido que se pretende uma aprendizagem não sistemática,

como afirma Grossi (2000):

Um produto de aprendizagem é transformador na medida em que se acrescenta “ser” a quem aprende, modificando-lhe algo na sua maneira de viver. O saber implica num valor capaz de mobilizar energias de quem aprende a ponto de levá-los a novas formas de vida (p. 117).

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Por isso, o trabalho social é considerado indispensável, pois partindo do

reconhecimento dos sujeitos e de seus contextos, o projeto Casa Rebeca

encaminha-se para o enfrentamento de desafios nos âmbitos sociais, como as

influências “negativas” dos pais na vida dos filhos (pois o álcool e prostituição

também estão presentes na vida dos pais).

Não há como evitar a barbárie se não lutamos para transformar, limitar e destruir as condições sociais que a produzem. O silêncio, a atenuação, a ocultação edulcorada da exclusão fazem com que esta se torne mais poderosa, mais intensa, menos dramática e, portanto, mais efetiva (GENTILI, 2007, p. 42).

Ensinar e aprender diante de diferentes questões sociais, como a “estrutura familiar”,

realidades frustrantes como a prostituição infantil, o alcoolismo e principalmente a

falta de amor, de diálogo e compreensão entre pais e filhos, torna-se desafiador. O

exercício da educação como prática de liberdade (FREIRE, 1996) surge como uma

necessária bandeira conclamada entre os sonhos e possibilidades, pois “no fundo, o

essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdade,

entre pais e filhos, é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua

autonomia”. (p. 94).

O pouco ou nenhum apoio dos pais e mães afetam diretamente a mobilização desse

projeto. Uma vez desfavorecidos com o alcoolismo e outros fatores familiares que os

cercam, estabelecem “abismos” conduzidos a caminhos sem perspectivas, refletidos

pouco a pouco nas vivências diárias das crianças e adolescentes.

Além disso, as práticas educativas também se desafiam diante da carência de

formação continuada para as educadoras que insistentemente lutam pela reinvenção

da realidade incorporada pela ocultação de vozes que foram silenciadas ao passar

dos tempos. “A coragem em mudar em educação, segundo Grossi (2000) é um bom

exemplo de quanto é fértil a associação bem dosada entre conhecimento científico,

vontade política e prática pedagógica.”

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Socializando minha experiência docente na Casa Rebeca

“A gente vai, a gente vem, Firme na estrada a gente

segue caminhando... Amém.”

(cântico das Ceb’s)

Experienciando a docência há tempos provinda de muitos anseios e fascinação pela

educação desde muito cedo, recebi um convite a assumir uma missão (pois é assim

que a percebo) diante de um projeto social com propósitos e realidade

verdadeiramente desafiantes.

Referenciada nos movimentos de luta direcionada à Igreja Católica, especialmente

nas CEB’s (Comunidade Eclesiais de Base), na PJMP (Pastoral Juventude do Meio

Popular) e também na pastoral da Catequese. Aprendi a entoar hinos onde

aspiravam por um mundo mais justo, a criar perspectivas de vida, a acreditar em

sonhos possíveis. Aprendi a importância da denúncia, a perceber as relações de

opressão multifacetada nos grupos étnicos, de gênero, de classes existentes na

história do nosso país.

Enraizada numa Comunidade Eclesial de Base (Comunidade do Alto Bonito) na

cidade de Jacobina, construi percepções que se encaminhavam rumo aos ideiais da

Teologia da Libertação, que articulam a fé e esperança diante das desigualdades

sociais. Ao contrário do que possam imaginar como algo superficial e utópico, as

CEB”s trouxeram um novo jeito de ser igreja, voltada à representação de Deus no

que costumamos chamar de Fé e Vida, relação essa que aproxima a fé cristã (parte

eclesial) com as situações de marginalização das pessoas (Vida), através da

vivência grupal, da denúncia. Organizados em comunidades clamamos e lutamos

juntos: “Eu sinto a presença de Deus, é na luta, é na luta, é na luta.” (Livros de

Cantos das CEB”s).

Através do método de mobilização das pastorais sociais: ver, julgar e agir, podemos

conviver a propósito, com um processo de entendimento das situações de

desigualdades (ver), atrelado a uma análise de conjuntura atual (julgar), na tentativa

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de mobilizar as pessoas em direção à prática do exercício de uma cidadania atuante

(agir), ou seja, Fé e Vida entrelaçados nas vivências e crenças de homens ,

mulheres e jovens sofridos e negligenciados em seus direitos.

A partir da sede por justiça e libertação alimentada nesses espaços não-formais é

que a arte se fez presente na minha trajetória de educadora. Em meados de 2005

crianças e adolescentes das camadas populares se tornaram ponte que

aproximavam os desejos, compromissos e responsabilidades educacionais

assumidas, com as descobertas que viriam a surgir no contato com a arte “na

dimensão da sensibilidade, do perceber o mundo de outra maneira, de refinar a

nossa percepção, os nossos sentimentos” (DUARTE JÚNIOR. In: LINS, 2011, p. 22)

práticas necessárias para qualificar os meios educativos e sociais que a Casa

Rebeca necessitava.

A partir da conjuntura moldada por cotidianos desumanos, como alto índice de

adolescentes sendo alvo de tráfico de drogas, crianças sendo violentadas por pais

ou responsáveis, crianças abandonadas, adolescentes com gravidez precoce, mães

e pais, é que fui chamada a exercer uma prática educativa na Casa Rebeca.

Com o passar do tempo, os desafios arduamente enfrentados foram ganhando

forma e significado para minha existência como humana, cristã e educadora. Hoje

entendo claramente as palavras de Rubem Alves (2000) quando destaca

“professores, há milhares, mas o professor é profissão... Educadores, ao contrário

não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma

grande esperança” (p. 16). Enquanto presença posso fazer minha opção, e ela não

se resume à nomeclatura das palavras, ser um ou outro, mas ao meu olhar sob a

educação. Que tipo de educação quero semear?

A cada história ouvida nas rodas de conversa, cada olhar de carência afetiva, refletia

passo a passo, uma vontade de existenciar-se (FREIRE 2001), de fazer valer sua

dignidade negada, de se sentir gente, de se sentir “luz” em meio a tantas

atrocidades acontecidas na massificante vida que tem, pois :

Precisamos acreditar que podemos fazer possíveis os sonhos aparentemente impossíveis desde que vivamos esse existenciar-se ,

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verdadeiro. São eles, os sonhos e o existenciar-se, que nos “permitem” irmos nos fazendo sempre seres da luta pela libertação, Seres Mais (p. 16).

E foi em direção à arte que nossa equipe de trabalho apontou possíveis mudanças.

Pintavam panos de pratos, bordavam (e muito bem) vagonite em tecidos, faziam

crochê e teciam bolsas de lã. Os teatros produzidos coletivamente retratavam os

problemas sociais, (pobreza econômica, álcool, drogas etc.) e se tornavam um

verdadeiro palco de encenações da vida do outro, refletida na própria vida dos

atores em questão. Nas apresentações o medo, a vergonha abriu espaço para a

emoção, houve momentos de revoltas, de indignações, de lágrimas e também de

esperanças contido em cada face, em cada expressão. Ouvíamos vozes que há

muito tempo foram silenciadas, se tornarem alto-falantes públicos. Formamos um

grupo de teatro e fazíamos apresentação nos eventos culturais da cidade.

A dança pouco a pouco e com muita dificuldade foi sendo implantada como

atividade educativa. O enfrentamento de gostos musicais incendiou muitas

discussões entre os adolescentes. Aprendemos a ouvir, apreciar juntos às

variedades musicais a exemplo do reggae, funk, pagode e axé, (músicas

socialmente discriminadas) refletindo as letras e os significados que ela tem diante

das estruturas sociais que nos é apresentada. E quebrando paradigmas,

englobamos todos estes ritmos musicais na celebração do Dia da Consciência

Negra , para mostrar a caracterização que construímos de uma negritude com

diferentes potencialidades. Freiras, padres e convidados estrangeiros ficaram

perplexos com tamanha perspicácia.

Assumindo procedimentos metodológicos flexíveis como a pintura, vídeo-aulas, aula

de campo, a música, paródias, dinâmicas de grupo, gincanas, jogos recreativos, o

teatro, a dança, construi em um período de quase três anos laços de amizade e

companheirismo consistentes entre as crianças, adolescentes, algumas mães e

equipe de trabalho, além de múltiplas aprendizagens para minha vida como “ser no

mundo” (FREIRE, 1996) apreendendo significações através do chão que demarcam

minhas histórias.

Vale destacar como resultado das nossas reflexões e ações coletivas voltada a uma

educação política ativa, uma reunião dos adolescentes da Casa com a coordenação

do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) que auxiliava o projeto

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dispondo de seus profissionais. Um acontecimento que trouxe surpresa e causou

perplexidade para os presentes: uma adolescente de doze anos transformou aquela

reunião nostálgica em palco de indignações, quanto a precariedade do atendimento

dos profissionais do CRAS. Para eles a surpresa, para mim a satisfação, o

contentamento abrigou-se em gotículas de lágrimas de emoção... Percebi naquele

momento, pequenas iniciativas do que Freire (1996) denomina de “educação como

intervenção no mundo” (p. 98).

Alimento as utopias em educação que para muitos são irrealizáveis, porque sinto-a

como missão, como vocação. E na construção de conhecimentos vinculados à

Pedagogia, assim como da Esperança, acredito na reinvenção do saber na

proporção de cultivá-lo em favor daqueles (aparentemente ou não) sedentos de

educação qualificada, aquela que (re)constrói percepções e realidades, que objetiva

libertar homens, mulheres, crianças e adolescentes, homossexuais, negros e

brancos entre tantos outros das algemas sociais.

A luta por dignidade, o exercício de autonomia foi ganhando alicerce nas pequenas

manifestações. Por isso, potencializo as perspectivas freirianas nas diversas

realidades educacionais por onde houver caminho. Ensinar e aprender no Projeto

Social Casa Rebeca fez-me construir significados inefáveis, não se exprimem por

palavras, por mais força que elas tenham nas relações sociais.

Aprendi além de bordar, pintar, costurar, vivenciar a arte diante do real aterrorizante,

aprendi a ser aprendente além de ensinante, e assim concluir que, sou um ser

inacabado, que sempre precisa ousar, sonhar e incendiar em si e no outro a

coragem de inquietar-se com as práticas abusivas de poder, como também

problematizar as justificativas que nos é imposta, em detrimento a uma organização

social contemporânea que aspira alienação e incertezas.

Page 31: Monografia Maria Aparecida Pedagogia 2011

41

CAPÍTULO III

CAMINHOS METODOLÓGICOS

Desenvolvendo um estudo que almeje uma melhor aproximação entre os requisitos

teóricos de formação docente e a necessidade da práxis como fundamento

metodológico, é que pautada em Macedo (2004), percebo a “pesquisa como

dimensão pedagógica de formação e produção de conhecimento” (p. 23), que

delibera o ato da inquietação, do planejamento, da criticidade em meio aos

paradigmas entrelaçados em nosso cotidiano.

Portanto evidencia-se a relevância da metodologia, como caminho promissor para

uma boa pesquisa, na busca de alcançar um determinado objetivo para de forma

abrangente interpretá-lo.

A metodologia de pesquisa é completamente interessada nos processos que buscam, simplesmente, mudar o mundo. Indagando os processos permanentes produzidos nas relações sociais para ofuscar e ocultar as múltiplas dimensões da realidade e do ser humano, a pesquisa amplifica as possibilidades de interpretação e compreensão do cotidiano e vai encontrando meios para melhor compreender a complexidade humana (GARCIA, 2003, p.128).

Buscando uma compreensão da realidade que se dá num emaranhado social

construído a partir de concepções e significados entrelaçados nas vivências entre

pessoas, trilhamos os caminhos metodológicos da etnopesquisa crítica e

multirreferencial para nortear nossa investigação.

3.1Compreensões sobre Etnopesquisa Multirreferencial

Alimentada pelas ressignificações ocorridas no projeto “Casa Rebeca” nos âmbitos

social e educativo, percebo na minha experiência que o campo da pesquisa se

conduziria pela etnopesquisa, uma vez que esta nasce da inspiração etnográfica,

postura da qual necessitaria para traçar as descrições íntimas a partir da

convivência que tive com o ambiente da pesquisa. Segundo André (1995) na

“descrição da cultura (práticas, hábitos, crenças valores, linguagens, significados) de

Page 32: Monografia Maria Aparecida Pedagogia 2011

42

um grupo social, a preocupação central dos estudiosos da educação é com o

processo educativo” (p.28), pois, com sua característica relacional possibilita

compreensões de ordem social, cultural e política, construídos nos diferentes grupos

de pessoas.

Incitada pelo propósito de pesquisar engajado nos acontecimentos cotidianos da

realidade, credibilizo a etnopesquisa crítica como fonte metodológica essencial para

alicerçar minhas percepções, em vista dos significados e sentidos dos atores que

vivenciam lutas diárias pela sobrevivência a partir das inter-relações evidenciadas.

No processo de construção do saber científico, a etnopesquisa crítica não considera os sujeitos do estudo um produto descartável de valor meramente utilitarista. Entende como incontornável, irremediavelmente e interpretativamente, a voz do ator social para o corpus empírico analisado, e para a própria composição conclusiva do estudo, até porque a linguagem assume aqui um papel co-constitutivo central (MACEDO, 2004, p.30).

Caminhando entre as bases filosóficas da etnopesquisa encontramos na inspiração

fenomenológica, o reconhecimento do ato da pesquisa com experiências sócio-

educativas desenvolvidas na Casa Rebeca como fenômeno a ser compreendido e

interpretado. A realidade aqui é entendida como perspectival, (MACEDO 2004)

dependendo dos olhares e interpretações múltiplas que são realizadas diante do

real, construída a partir da relação que se cria no processo interativo entre sujeitos.

A etnopesquisa se relaciona com o caráter multirreferencial, considerando a

diversidade de culturas como eixo norteador, implicada na significação das

realidades construídas por diferentes contextos. Relação esta que fundamenta as

percepções do pesquisador diante de sujeitos sócio-culturais com identidades,

valores, classe social, etnia e gênero particulares.

É nesse olhar que vivenciamos esta pesquisa. No contato com pessoas que sentem,

pensam, expressam e caminham inseridas em diferentes realidades. É o convite

feito à nossa subjetividade, estudar os contextos e interpretá-los, buscando “ver para

compreender”, de forma a legitimar a importância do olhar e não do julgamento

(MACEDO, 2004).

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43

A pesquisa se apresenta com cunho qualitativo, que comunga com o pensamento de

Ludke e André sobre “o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida são

focos de atenção especial pelo pesquisador” (p.12). É na aproximação indispensável

entre pesquisador e sujeito que se apreende as subjetividades reais, resultantes da

convivência relacional nos cenários sociais. “É na descrição etnográfica que entram

em jogo as qualidades de observação, de sensibilidade, de inteligência e de

imaginação científica do pesquisador”. (LAPLANTINE, 2004, p.10).

3.2 Lócus da pesquisa

O lócus de pesquisa escolhido foi o Projeto Social Casa Rebeca que está situado na

Trav. Paulo Dantas s/n, essa organização não governamental possui um caráter

filantrópico, sem fins lucrativos, e é organizada na perspectiva do acompanhamento

educativo e social a crianças e adolescentes pertencentes às camadas populares da

Bananeira, bairro periférico da cidade de Jacobina.

Por apresentar e também por ter sido palco de experiências docentes significantes,

é que direcionamos nosso olhar ao Projeto Social Casa Rebeca como lócus do

processo investigativo da pesquisa.

3.3 Sujeitos da Pesquisa

Os sujeitos de pesquisa foram 11 (onze) crianças com faixa etária de 4 a 12 anos, e

3 (três) adolescentes com idades entre 13 anos 16 anos, apresentam níveis de

escolaridade que estende-se desde o Ensino Fundamental I ao Ensino Fundamental

II, com alguns estudantes do Ensino Médio.

São acompanhados no Projeto no turno oposto ao horário da escola, um público

referenciado de meninos e meninas, pobres, negros e negras, órfãos e

abandonados inseridos numa conjuntura socioeconômica desfavorecida quanto à

aquisição de direitos, e participação cidadã na sociedade, expostos à precariedade

das condições de vida, junto a problemas sociais diversos, como a violência, a

prostituição, o tráfico de drogas entre outros.

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44

3.4 Instrumentos de coleta de dados

Por meio da seleção dos instrumentos utilizados em uma pesquisa construímos

compreensões em vista das problemáticas que nos inquietam, em direção a uma

análise contextual. Ao pesquisador é delegada a função do intermédio, pois segundo

André (1995) “o pesquisador é instrumento principal na coleta e na análise dos

dados” (p.28).

Selecionamos como instrumento de investigação a observação participante, a qual

contextualiza a participação do pesquisador no contato direto com os sujeitos, a

entrevista semi-estruturada que segue apontamentos flexíveis, a história oral para

documentar vozes que refletem fatos, acontecimentos e vivências de sujeitos com

múltiplas referências.

3.4.1 Observação Participante

A observação participante é um aspecto importante nas abordagens qualitativas, um

instrumento enriquecedor na relação pesquisador e pesquisado, pois oportuniza

uma interação que qualifica melhor o processo de pesquisa, firmada em

acontecimentos reais vividos pelos sujeitos.

A observação participante e sua démarche científica vem afirmar a inegável verdade de que pesquisador e pesquisado, suas artes e obras existem porque implicam numa ação de sujeitos, Sapiens Sapiens desejosos, capazes de optar, portanto políticos, atribuidores de significados, dessa forma seres morais. (MACEDO, 2004, p.160-161).

Através da observação participante o pesquisador desconstrói a demarcação

normalizadora entre ensinante e aprendente em seres segregados. De acordo com o

autor citado acima “o envolvimento deliberado do investigador na situação da

pesquisa é não só desejável, mas essencial, por ser esta forma a mais congruente

com os pressupostos da Observação Participante” (p. 154).

A observação possibilita o pesquisador à obtenção de informações com o contato

pessoal, e “na medida em que o observador acompanha in loco as experiências

diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o

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45

significado que eles atribuem à realidade que os cerca e as suas próprias ações”

(LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26).

Valorizando as inter-relações construídas a partir das experiências no lócus da

pesquisa, adotamos como instrumento a observação participante discutida por

André (1995), por entender que nela “o pesquisador tem sempre um grau de

interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetada” (p. 28).

Tendo, a pesquisadora experienciado um contato direto com a realidade estudada

por um longo período, fez-se necessário uma reflexão diante das práticas

desenvolvidas no Projeto atualmente, entendendo que ainda há um engajamento da

pesquisadora no projeto, que através da efetivação da pesquisa almeja possíveis

mudanças para o lócus estudado.

Diante dessa dialogicidade, assumimos um olhar implicado sob a realidade de

crianças e adolescentes, na dimensão da sensibilidade, da subjetividade. Isso não

se restringe a um olhar romântico sob o perceptível, trata-se de mergulhar no

imperceptível, no improvável, nas muitas razões de ser e de existir que cada um e

cada uma carregam para a convivência com o outro, e com o mundo que está

inserido.

Nesse sentido, dialogamos com o pensamento de Barros e Lehfeld (2000),

apontando a importância da observação nestas situações. Nas palavras dos autores: Observar é aplicar atentamente os sentidos a um objeto para dele adquirir um conhecimento claro e preciso. É um procedimento investigativo de suma importância na Ciência, pois é através dele que se inicia todo estudo dos problemas (p.61).

Percebendo a construção do outro como um processo dinâmico que se afirma na

multiplicidade de identidades e na interação entre elas, compartilhamos com a

etnopesquisa a observância da vida social através da linguagem do cotidiano.

(MACEDO, 2004). Rica e imprevisível, a pluralidade de sujeitos e culturas é fator

preponderante na efetivação da pesquisa, apreendê-la com todas as suas

singularidades, expressões, sentidos e significados implica trilhar os caminhos que

fundamentam a etnopesquisa.

Page 36: Monografia Maria Aparecida Pedagogia 2011

46

3.4.2 Entrevista semi-estruturada

Respondendo as inquietações pontuadas nessa pesquisa, por meio da entrevista

semi-estruturada, podemos obter pelo exercício da escuta, informações importantes,

como Ludke e André (1986) ressaltam: “a grande vantagem da entrevista sobre

outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação

desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados

tópicos” (p.34).

Oportunizando uma melhor aproximação com os sujeitos, desmistificando o olhar

sob o aparente, do senso comum, de homogeneizar as pessoas seguindo critérios

de classificação, a entrevista semi-estruturada nos possibilita conhecer o indivíduo

através de suas concepções construídas a respeito das situações que vivem. Para

Macedo (2004): Poderoso recurso para captar representações, na entrevista os sentidos construídos pelos sujeitos assumem para o etnopesquisador o caráter da própria realidade, só que do ponto de vista de quem a descreve. A linguagem aqui é um fator de mediação para a apreensão da realidade, e não se restringe apenas à noção de verbalização. Há toda uma gama de gestos e expressões densas de conteúdos indexais importantes para a compreensão das práticas cotidianas (p. 164).

Optamos pela entrevista semi-estruturada por conceder uma interação com os

sujeitos com a abertura necessária para guiar-se através de roteiros flexíveis, de

acordo com a demanda ocasionada pelo momento das oralidades, como enfatiza

Lakatos (2005) “o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em

qualquer direção que considere adequada” (p. 199), condição bastante favorável

para alargar as questões a serem problematizadas.

Considerando esses apontamentos, percebemos que a entrevista semi-estruturada

é condizente com as perspectivas da etnopesquisa, pois capta-se informações

importantes para produções científicas mediante a liberdade de expressão, a escuta

de vozes silenciadas e a relevância de subjetividades imbutidas nas palavras

ecoadas em frases, gestos e sensações. O entrevistador deve manter-se na escuta ativa e com a atenção receptiva a todas as informações prestadas, intervindo com discretas

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47

interrogações de conteúdo ou com sugestões que estimulem a expressão mais circunstanciada de questões que interessem à pesquisa. A atitude disponível à comunicação, a confiança manifesta nas formas e escolhas de um diálogo descontraído devem deixar o informante inteiramente livre para exprimir-se sem receios, falar sem constando-os no contexto em que ocorrem (CHIZZOTTI, 1991, p.93 apud FIORENTINI, 2006, p.122).

Assim, podemos favorecer o alcance de nossos objetivos diante das

problematizações discorridas na pesquisa através da conversação, da aproximação,

da confiança expressa, do envolvimento com os sujeitos em questão, para melhor

reinventar as relações construídas diariamente.

3.4.3 História Oral Encontramos como aporte metodológico para nossa pesquisa que visa

problematizar as práticas desenvolvidas no Projeto Casa Rebeca, a história oral, que

desembarca nas vivências de sujeitos sociais, como forma de documentar vozes,

depoimentos e acontecimentos importantes para a construção histórica desses

sujeitos e da sociedade.

A história oral é hoje um caminho interessante para se conhecer e registrar múltiplas possibilidades que se manifestam e dão sentido a formas de vidas e escolhas de diferentes grupos sociais, em todas as camadas da sociedade (ALBERTI, 2008, p. 164).

Como um recurso pertinente à etnopesquisa, apresenta-se como valorização às

concepções e perspectiva do sujeito social. Numa situação de autonomia e

liberdade, os relatos vão ganhando vida à medida que cada fato é reintegrado na

história como documento histórico, perpassado por entre a história oral.

O que é capturado pela história oral é, raramente, um estudo exaustivo de todos os dados relevantes, mas, ao contrário, um segmento da experiência humana, no contexto de um passado relembrado, de um presente dinâmico e de um futuro desconhecido e aberto. Depoimento pessoal e memória são, assim, os ingredientes irremediáveis da história oral (MACEDO, 2008, p. 174).

Os relatos de experiências ouvidos pelos próprios atores demarcam uma ruptura à

rigorosidade cientificista voltada aos registros históricos escritos. Legitimar histórias

orais significa em um pensamento dialógico, reviver culturas, pensamentos e ações

de pessoas que viveram a margem. Portanto, visualiza-se outra maneira de

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48

historicizar os fatos, entendendo que a “História vista de baixo, história local e do

comunitário, história dos humildes e dos sem-história, tira do esquecimento aquilo

que a história oficial sepultou” ( MACEDO, 2004, p. 173).

Há muitas maneiras de externalizar histórias de vida de alguém ou de um grupo.

Podemos contar com a biografia, autobiografia, relatos de vida, memória, história

oral entre outros, direcionados ao percurso de vidas pessoais pertencentes a

determinadas realidades sociais (CHIZZOTTI, 2008, p.102). Contudo, é na história

oral que pontuamos o relato de uma presença feminina, que já foi pertencente à

Pastoral do Menor e, depois de adulta, encaminhou-se a docência na Casa Rebeca,

assumindo até os dias atuais.

Oportunizando conhecer através da história de vida oral, as vivências da educadora

em questão, indica para nós a relevância de acontecimentos, reflexões,

aprendizagens e atitudes edificadas, que, diante da nossa pesquisa precisam ser

enfatizados. Buscar contrapontos nas experiências vividas, nos leva a compreensão

de formas de organização da sociedade em diferentes tempos históricos, como

enfatiza Dollard (1949), “os estudos minuciosos da vida de um indivíduo revelarão

novas perspectivas sobre a cultura como um todo” (apud CHIZZOTTI, 2008, p. 108).

Esse instrumento de pesquisa não se resume a oralidades externalizadas e

transcritas com fidelidade no papel. Trata-se de dá sentido a noção de processo,

quando busca entender no decorrer das aproximações entre os sujeitos, como se

constrói a vida do ator, as suas causas e repercussões na vivência em sociedade

(MACEDO, 2008).

Buscando uma correspondência entre os relatos de vida e os objetivos que se

almeja alcançar na investigação, fundamentamos a história oral para assim

“resgatar a riqueza e a importância das recordações dos sujeitos humanos,

devolvendo às pessoas que fizeram e fazem a história um lugar fundamental,

mediados por suas próprias palavras”(ibid, 2008, p.176). É o exercício de identificar

a produção cultural de tantos e tantos atores que desconsideravelmente ocupam um

lugar de silenciados, na conjuntura social cheia de protagonistas farsantes que

vivemos.

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49

CAPITULO IV

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

4.1 Contribuições da Observação Participante

Construir perspectivas educacionais baseado na práxis desenvolvida nos impasses

e possibilidades de múltiplas vivências é a concretude necessária para alimentar ou

não as utopias. Discursar a favor de uma educação libertária requer muito mais do

que fundamentações teorias em cursos de formação. Vivenciá-la, nas

sistematizações, no conflito, na manipulação regida por ideologias massacrantes,

torna-se cotidianamente um desafio a ultrapassar.

4.1.1Vozes que agradecem

Numa manhã de terça-feira a professora propõe num momento de oração coletiva, que as crianças e adolescentes fizessem seus agradecimentos a Deus, e envolvidos no silêncio que abriu espaço para o pensamento, começaram a externalizar seus motivos para agradecer... “Agradeço a Deus pela minha família”, “Eu agradeço pelo pão de cada dia”, “Agradeço por mais um dia de vida”, “Eu agradeço pela Casa Rebeca”. E num súbito consciente a professora fez seus agradecimentos direcionados a minha presença no ambiente, pela motivação que eu sempre representei para ela... Diante da situação, voltei ao tempo e lembrei o quanto era difícil conduzir o momento de oração devido às dificuldades das crianças e dos adolescentes em silenciar, em conceber aquele momento um significado. Senti-me surpreendida com as falas, e ao mesmo tempo, um sentimento de contentamento assolou meu ser, por perceber atores coadjuvantes serem transformados na “labuta” do dia a dia, em seres ativos e pensantes. É diante desses fatos que faço referência a Freire (1996) que já afirmava “mudar é difícil, mas é possível.” (p. 79).

Refletindo sobre a dinâmica de organização da Casa Rebeca percebemos a

flexibilidade das metodologias selecionadas a partir das demandas trazidas pelos

sujeitos. Produção de cartões artísticos, ganhando forma e beleza em mosaicos

coloridos; caça-dicionário para reforçar os saberes escolares; rodas de conversas

temáticas como: Relação dos pais, mães e filhos, o marxismo, discutidas através de

perguntas e respostas, dinâmicas.

Há de pontuar aqui a precariedade dos recursos para a realização das atividades.

Os poucos dicionários da Casa tiveram que ser usados em duplas ou trios porque

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50

não tem a quantidade suficiente para todos. Alguns cartões ficam interminados por

conta dos materiais, assim como os bordados em tecido. Os materiais didáticos são

escassos, as folhas de ofício reutilizadas são enviadas de uma gráfica quando há

sobras, papel para confecção de cartazes, trabalhos em grupos, avisos precisam

entrar no orçamento da merenda. Essas condições econômicas desfavorecem

muitas vezes o caminhar das práticas educativas da Casa Rebeca rumo a

significativas mudanças para as vivências das crianças e adolescentes dentro desse

espaço.

No que diz respeito às relações entre educadores, coordenação, crianças e

adolescentes percebe-se um nível de interação bastante significante, as conversas

no corredor, as discussões das temáticas se dão na troca de pensamentos, nos

questionamentos, nas dúvidas onde o vínculo de amizade, de cuidado e

aprendizado acontece continuamente. Segundo Gentili (2007), “As relações que ali

estabelecem, notadamente entre alunos e professores, além da necessária troca de

saberes, são intrisecamente, espaços de troca de perspectivas, percepções e

vivências” (p. 21).

4.1.2 O jogo de futebol...

“Na hora da distribuição da merenda, eu estava a conversar na primeira sala com algumas crianças e fui surpreendida com a presença de Ían um menino de 11 anos, carregando um copo de sopa, que era a minha merenda. Com um jeitinho recusei-a, pois não estava com fome, mas ele insistiu, externalizei os meus motivos a ele, que entendendo dividiu com outro colega a merenda que seria minha. Fomos para o recanto (espaço de atividades esportivas e recreação) e formando dois times de futebol (especialidade da Casa) onde logo me acidentei, as crianças pararam de jogar para me socorrer, e voltamos para a Casa para fazer os curativos.” As relações positivas construídas dentro das convivências da Casa Rebeca entendo

como um reflexo daquilo que deveria acontecer na família. No decorrer de cada

visita, foi perceptível a diferenciação dos valores, dos comportamentos das crianças

e adolescentes que tem ou não acompanhamento familiar nos afazeres diversos,

assim como no desenvolvimento dos saberes escolares e também nas atividades

propostas pela Casa. Um exemplo disso é algumas crianças e adolescentes

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51

ajudarem na limpeza e arrumação do espaço após as atividades, e outras se

recusarem, por aprender dos pais e mães as idéias machistas de não ser

empregado de ninguém.

Esses aspectos vão se estendendo a outras situações. E é na luta diária que as

educadoras buscam desmistificar esses modos de ser no mundo, brutalmente

imbuídas de opressão, vivenciadas e reproduzidas por pais e mães pobres, negros,

desempregados condicionados pelas ideologias neoliberais que usam dos próprios

sujeitos, (marginalizados por pertencer a uma etnia, classe social e gênero “inferior”)

para reproduzirem a desigualdade, num gigantesco sistema de alienação

aparentemente transformador. “Para eles, os pais (grifo meu) o novo homem, são

eles mesmos, tornando-se opressores de outros. A sua aderência ao opressor não

lhes possibilita a consciência de si como pessoa, nem a consciência de classe

oprimida” (FREIRE, 1996, p. 33).

No emaranhado social que vivemos, crianças e adolescentes enfrentam múltiplas

carências: a fome, a qualidade de vida, a educação escolar, familiar e principalmente

política de qualidade. Por isso, observamos o destaque que tem para eles o horário

da merenda e da recreação. Para muitos representa a força da sobrevivência

alimentada no lanche e nas brincadeiras vividas cotidianamente.

4.2 Resultados da entrevista semi-estruturada

Buscando almejar as repercussões das práticas desenvolvidas na Casa Rebeca

para a vida dos seus atores sociais, abrimos espaço para a escuta sensível de

opiniões e significados construídos ao longo da história de cada um e cada uma

criança e adolescente do Projeto. Na organização de três eixos norteadores,

problematizaremos a questão de pesquisa. As falas das crianças serão

representadas por C1, C2, C3... e os adolescentes por A1, A2, A3...

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52

Eixo 1- Dos sentimentos construídos pela Casa Rebeca

Tendo construído uma história de mais de 19 anos de acompanhamento social e

educativo a crianças de faixa etária de 4 a 12 anos e adolescentes de 13 a 18 anos,

os objetivos e as práticas exercidas demarcaram representações, e sentimentos na

vida de seus acolhidos. Tem-se histórico de crianças e adolescentes que estão no

Projeto há mais de seis anos. O que elas dizem sobre os sentimentos de fazerem

parte desta história:

C(1) – Eu gosto da Casa Rebeca, gosto de tá aqui por causa do recanto. C(2) – Aqui é um lugar bom, a gente aprende, estuda. É ótimo pra mim estudar aqui. C(8) – Gosto daqui porque é muito bom. As professoras, as merendas, o recanto onde nós brinca, meus colegas e a diretora tmabém é boa, os dever também. A(1) – Gosto daqui porque tem um bocado de coisa legal e... é bom participar. A(2) – Eu gosto (risos) daqui. As professoras são legais, as atividades que elas passam. Aprendi muitas coisas aqui.

Durante todo o processo de interação nos aproximamos das discussões de Freire

(1992), sobre formar seres fazedores de sua própria história, no entrelaçar de

sentidos e significados constuídos na vivência e nas aprendizagens que essas

vivências carregam consigo. “Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a

história, como sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da inserção no

mundo e não da pura adaptação ao mundo...” (p.47).

Reconhecer-se como criança que opina, reflete e cria pensamentos e lógicas, é algo

inalcansável para elas, manifestações de vergonha, timidez e risos foram

expressadas nos momentos de ativar suas vozes, de fazer ecoar silêncios, de

expressar seus sentimentos. C2, há oito anos no projeto, apresentou-se com muita

vergonha de falar, depois de momentos de descontração discorreu sua fala,

revelando sua opinião com muita facilidade.

Em se tratando do cotidiano e o modo como estão organizadas, os roteiros diários

de atividades, eles expressaram:

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53

C(4 ) O que eu mais gosto é do artesanato e das brincadeiras. C (9) Gosto de muitas coisas. Deixa eu ver...as brincadeiras que a senhora me ensinou, jogar bola, estudar. Tudo é bom. C (6) - Gosto do recanto (alegria). As professoras me ajudam a responder as atividades da escola. A gente trás pra cá e já sabe mais ou menos como responder. A(3) – Não gosto muito de fazer dever, mas gosto de fazer cartão, dos dias da pintura. Gosto dos teatros que as vezes tem aqui.

Percebe-se aqui a desenvoltura nas falas, a autonomia expressa através de gestos

e olhares. A práticas exercidas pelo Projeto como o reforço escolar, é uma das

prioridades a serem efetivadas. Dentro dos objetivos de acompanhamento aos

menores, o reforço é preocupação secundária, porém condicional para pertencerem

a Casa. É a relação entre educação formal e educação não-formal estabelecida

como propostas paralelas de ensino, que é semeada.

A criança que representa C6 antes tímida, calada e passiva discorreu suas opiniões

e sentimentos com bastante naturalidade. Senti que se desprendeu, ao perceber

que estava falando de sua própria história, ali na Casa, e contou vários

acontecimentos que a deixavam inquieta. Lembrava do tempo que eu (a

pesquisadora) ensinava na Casa Rebeca, nossas cantorias depois das orações, os

jogos de matemática...

Eixo 2 - Dos significados construídos pela Casa Rebeca

Em sua organização metodológica, o Projeto Casa Rebeca em seu formato de

organização não-formal de educação abarca para si, juntamente com os objetivos e

perspectivas educativas e sociais voltadas para o desenvolvimento cognitivo,

pessoal e social dos sujeitos, uma gama de significados quanto às aprendizagens

proporcionadas no percurso de suas atividades.

O que aprendem as crianças e adolescentes:

C(2 )– Aprendi a bordar, a pintar, a fazer cartão. Ah sim, eu sou ruim em matemática e a professora me ensina também. C(8) – Aprendi a ler e a escrever. Aprendi a pintar também.

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C(7) – Aprendi a fazer conta, a ler... C(10) - Aprendi que não podemos namorar cedo, a não usar drogas.

As aprendizagens expostas pelos sujeitos entrelaçam-se na necissadade da

alfabetização como fator base para almejar uma produção intelectual importante

para a luta contra as amarras sociais, como diz Gentili (2007), “ quem está

desinformado é mais facilmente explorado” (p. 61).

Trilhar os caminhos do reconhecimento do papel educativo a ser exercido diante de

uma conjuntura de alto índice de violência, de uma grande maioria de crianças

abandonadas pelos pais, é alimentar na força da esperança a cada dia. As

organizações sociais que aderem a esse tipo de olhar à educação, signifca “fazer

todo dia uma pequena revolução (2007). Os poucos resultados de crianças que

conseguem manejar a vida, superando as estruturas negativas da família e os

valores distorcidos socialmente, apreendidos na vivência da rua, revigora as

tentativas de sempre seguir em frente, mesmo que a passos lentos.

Analisando os apontamentos sobre os significados que a Casa possui frente à suas

ações positivas, abrimos questionamentos sobre o que falta acontecer para melhorar

as condições de ensino e aprendizagem. E as falas mostram as opiniões:

C(8) – Hum...nada! tudo bom aqui. C(4) – O respeito entre os meninos que não tem respeito, e fica falando palavrão. Falta aula de inglês, sou péssima em inglês. C(6) – Falta mais gente, uma sala de videogame. C(3) – Hum...deixa eu ver...aula de computação, mais professoras. A (1) – O teatro, já fiz teatro, se tivesse direto seria bom. A(2) – Melhoraria a Casa se tivesse teatro, só tem de vez e quando. Profesores de inglês, já que o pessoal da Áustria vem visitar a gente.

Tratando-se de qualidade em educação não podemos deixar de destacar as

condições que favorecem o seu desenvolvimento. O ensino através da arte é um

caminho promissor para significar apredizagens. Vivenciar as histórias de vida das

diferentes referências nos palcos teatrais, implica na reivenção de se fazer

educação vinculada a arte como instrumento de formação.

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55

Esse é o aprendizado fundamental que arte nos dá: ter a experiências de outras pessoas, saber o que o outro está sentindo, aprender o sentimento do outro, inclusive de povos diferentes, de situações diferentes. Essa formação humana, acerdito, seja o que de mais fundamental nos dê a arte (DUARTE JUNIOR in LINS, 2011. p. 24).

Num espaço de educação não-formal sem a arte, a vida suada e vivida dos sujeitos

resume-se a condicionamentos, sem mobilidade, sem sonhos de transformação. E

conscientes das dificuldades que norteiam as práticas educativas diversas, é preciso

seguir em frente, reiventando histórias e situações sociais. Ir ao encontro do que

Bauman (2001) chama de modernidade líquida, onde os valores e ensinamentos

giram em torno do uso das pessoas enquanto objetos descartáveis.

Compreender as especificidades de cada ator social e as construções que eles

realizam em cada vivência histórica, implica em considerarmos suas identidades,

suas raízes, “trazendo para a cena desta compreensão as visões de mundo, escalas

de valores, sentimentos, desejos, projetos, etnométodos e hábitos específicos”

(MACEDO, 2004, p. 86).

Eixo 3 - Do sentido que Casa Rebeca possui enquanto presença promissora

Diante de todos os impasses pedagógicos, estruturais e ideológicos que norteiam as

ações exercidas pelas professoras e a coordenação, a Casa Rebeca cultiva muitas

sementes educativas em meio aos desencantos na educação dentro do contexto da

contemporaneidade. Em vista disso, provocamos a seguinte situação: Como seria a

vida se não tivesse a Casa Rebeca?

Analisemos as respostas:

C(2) – É, eu ia assim...eu não ia saber de nada, eu ia só andar na rua, só indo pro colégio. Ia pra casa dos outros, ficava na rua. Ia ser ruim pra mim. C(9) – Ia ficar triste. Quando não tive lugares pra eu ir, eu vinha pra Casa. Isto é tudo pra mim. A(2) – Ficaria triste, porque de tarde em casa não faço nada, aí se não tivesse a Casa Rebeca eu fazer o quê em casa, e também ia deixar de aprender. É uma ocupação pra mim.

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A(1) – Não tinha aprendido nada do que sei agora, não tinha aprendido a bordar, aprendido a ter reforço do colégio. Não sabia o que sei agora.

Para a diversidade de referências acolhidas na Casa Rebeca, uma multiplicidade de

sentidos construídos a respeito dela. Para uns um lugar, um abrigo. Para outros um

manancial de aprendizagens. Para outros ainda uma ocupação. Entre tramas e

esperanças, as perspectivas vão sendo traçadas. No processo de ensino e

aprendizagens, movem-se montanhas ou derrubam-se árvores. Na realidade é

preciso manter “o gosto da luta permanente, gerando esperança, sem a qual a luta

fenece” (FREIRE, 1992, p.179), para então provocar mudanças, mesmo sendo elas

tão pequenas.

Sintetizando o sentido que a Casa Rebeca representa na vida dos seus atores,

propomos a apresentação de uma palavra que abarcasse todas as aprendizagens,

os sentimentos e o olhar que tinham diante do projeto.

Dentre as mais interessantes palavras podemos sentir essas:

C(5 )- Carinho. C(2) – Amor C(6 )– Brincar C(9 )– A minha vida. C(7) – Estudo. C(10) – Tudo. C(11) – União. A(2) – Solidariedade.

As crianças que citaram essas palavras têm um histórico muito rico na Casa

Rebeca, além do tempo que estão no projeto, representam parte da luta de

libertação assumida pela Casa. C9, por exemplo, é um menino que sofre os maus

tratos da mãe que tem uma vida ligada a prostituição. Ele diz que a Casa Rebeca é

“minha vida”, nessa hora a emoção invadiu meu ser, e lembrei as inúmeras vezes

que ele chegou a Casa às 7 horas da manhã sem tomar café, ansioso pelo horário

da merenda.

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57

E cada um revelou para si a palavra representativa carregada de sentimentos e

sensações produzidos ao longo de diversas vivências. Tudo que se constroem as

relações, o respeito, as sensibilidades, as aproximações, as rupturas são marcos

que indicam os caminhos promissores ou não, e as descobertas vão surgindo a

medida que cada momento expressam suas aprendizagens. Portanto, educar na

esperança em tempos de desencantos (GENTILI, 2007), é credibilizar os sonhos

coletivamente assumindo a luta pela construção das condições e possibilidade

(FREIRE, 2001).

Eixo 3- O olhar das educadoras do Projeto Casa Rebeca

Discorrendo de conversas informais com as educadoras da Casa Rebeca,

manifestações de indignação, criticidade e revolta foram evidenciadas. E através de

indagações feitas ao longo dos diálogos, foram identificadas caracterizações acerca

da realidade que vive a Casa Rebeca sob o olhar das duas educadoras, assim

identificadas:

E(1) para a educadora que ensina no Projeto Social há sete anos, e atualmente

cursa Educação Física na UNEB (Universidade do Estado da Bahia), campus IV -

Jacobina.

E(2)representa a educadora que participa do Projeto há quatro anos, é graduanda

em Pedagogia na UNOPAR. Ambas têm um histórico de lutas e carências das

camadas populares. Ambas são moradoras de bairros periféricos, e carregam

consigo marcas de desigualdades sociais.

Quanto aos significados que as experiências docentes proporcionam diante dos

problemas diariamente enfrentados, elas pontuaram a Casa Rebeca como:

E(1) - Um refúgio diante das injustiças. Um ambiente que as crianças e adolescentes possam se sentir, amparados e amados . E(2) - Um lugar de trocas de experiências e orientação.

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58

Construir essas relações com cada criança e adolescente, com suas

referencialidades distintas, requer atitudes que conduzam a defesa de uma

educação política que favoreça a (des)construção de condicionamentos já pré-

estabelecidos (discriminações quanto a etnia, classes social, etc.) na sociedade.

Para tanto, há de considerar os fatores que estão à disposição para a efetivação

dessa educação política, tão provocada nas organizações não-formais.

A falta de material, a formação qualitativa e contínua direcionada a práticas

transformadoras, e a forte influência negativa dos pais na vida dos filhos escrevem a

história das educadoras enquanto presenças docentes na Casa. Desafiam-se frente

a requalificação do ato educativo mediante a pobreza de recursos, o que não supera

o descaso que os pais e mães demonstram por seus filhos e filhas. Construir forças

de libertação dentro desses contextos é acreditar nas potencialidades que a

educação enquanto mobilização oferece às pessoas.

E1 – “Acredito na educação renovadora, revolucionária, que não baixa a cabeça, que ensina a lutar por seus direitos, trabalhando em grupo. Baseado numa perspectiva de vida melhor para os meninos, diante da realidade de cada família das crianças.” E2 -“Acredito numa educação transformadora, que ajuda a se tornarem pessoas pensativas, reflexivas diante da sua desconfortável vida. Baseado em Cristo, na maneira como ele viveu.”

Com olhares de revolta mostraram suas vozes repletas de insatisfação e criticidade.

Falavam de uma libertação urgente, necessária. Vinda da prática e da

conscientização de que ela é indispensável para a qualificação da vida das crianças

e adolescentes, ela (a libertação) é perpassada entre dores de abandono e descaso

vindos de várias instâncias, que propaga-se desde o familiar até o social. Em meio

a esse panorama a Casa Rebeca traça seus objetivos educativos e sociais, que na

opinião das educadoras são:

E1 – “Acolher. Não fazer diferença entre um e outro. Olhar além das aparências.” E2 – “Acolher crianças, incentivar a amizade, a andar com seus próprios pés...”

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59

Exercitar tais objetivos é uma proposta visualizada como evangelização. Mediar

ensinamentos, reinventar valores, desconstruir ideologias é uma tarefa educacional

bastante reveladora. É preciso desprender-se de estereótipos, discriminações

sociais. A lutas alimentadas, as causas defendidas e as práticas exercitadas pelas

educadoras da Casa Rebeca no marco da efervescência dos conflitos em favor das

crianças e adolescentes, e que as educadoras arriscam suas vidas, nos faz

referenciar o texto que Freire (1996) declama:

Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou o professor contra o desengano que me consome e mobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o riso de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa, mas não desiste (p. 103).

Atuar em espaços não-formais de educação com todos seus embates teóricos e

metodológicos escassos, com um público consideravelmente despolitizado por

sistematizações sociais voltadas ao assistencialismo como sendo solução, e

medidas de promoção de indivíduos, é um chamado à convivência da libertação na

sua concretude, incitando no outro a vontade de decidir, opinar, refletir e lutar, para

alcançar possíveis transformações, mesmo nas dificuldades. Por isso revelam:

Portanto, vale ressaltar as presenças, os olhares do ser do educador como aquele

ser corajoso, criativo e indispensável ao processo de aprender e ensinar caminhos

de possibilidades. Seres aprendentes, que constroem sentidos e significados ao

aproximar-se de linguagens e referências singularidades, constituídas de afetos,

carências expressados na vivência com o outro, que não é apenas alguém, e sim

gente capaz de captar significações extraordinárias.

4.3 Vivências de uma educadora popular

Dentro da história de vida que Projeto Casa Rebeca possui ao longo de seus 21

anos de existência, destacamos a presença de Edileuza Matos da Silva Costa,

natural de Jacobina, tem 29 anos, casada, cursa a graduação em Educação Física

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pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e desempenha um trabalho

educativo e social no Projeto Casa Rebeca há sete anos.

Aos 14 anos de idade, Edileuza tornou-se uma adolescente acolhida pela Pastoral

do Menor, que então não era institucionalizada. Mesmo com a sua infância marcada

somente pela presença da mãe, e com as dificuldades de quem pertence a uma

classe economicamente marginalizada, construiu sua história com um alicerce

familiar bastante consistente, o que a diferenciava das demais crianças e

adolescentes. Esse fato foi determinante para futuras aprendizagens. Ela relata:

“A Pastoral do Menor sempre teve uma postura só: não fazer diferença entre as crianças nenhuma. Toda criança é igual em direitos. Mas, como muitas crianças eram bem mais carentes do que eu, principalmente de afeto, de família, porque minha mãe sempre (não tenho o que falar) fez tudo, sempre defendeu, aconselhou, sempre estava do meu lado. Então era como se a responsabilidade também fosse minha de tá lá ajudando elas, mesmo sendo adolescente.”

Analisando essas questões de carência familiar que atravessam as problemáticas

históricas da educação no Brasil, podemos direcioná-la ao Projeto Casa Rebeca

como foco de grandes problemas. Nesse contexto, há duas indagações: a falta de

apoio dos pais, e a influência negativa que eles tem na vida dos seus filhos. O

trabalho educativo semeado nesta realidade pouco alcança seus ideais de

libertação, quando notamos atitudes dos pais na contramão do que é ensinado pelo

Projeto, valores como respeito, amor ao próximo, sentimento de cuidado e

pertencimento à Casa, entre outros.

Aos 22 anos de idade, surgiu o chamado para a docência. A adolescente que um dia

fora acolhida pela pastoral, estava frente a teorias e práticas. Uma estudante

batalhadora, assume portanto a atuação docente da Casa Rebeca, como sinônimo

de enfrentamento, de desafio.

“A coordenadora Cléa então me chamou pra ensinar na Casa. Eu não sou formada em magistério que naquela época era professor não era? Eu não tinha também tanta sensibilidade de conviver com todas as histórias da realidade das crianças, e ainda me sensibilizar. Era mais grossa, mais tímida também, e eu não me aproximava de jeito nenhum, era elas lá e eu cá, era bem assim. Com o tempo, aprendi a ser mais sensível,

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aprendi a ouvir mais ainda, ouvir assim, não ouvir simplesmente, mas ouvir e entender o lado da outra pessoa,sabe...”

No processo de conviver com o outro, com as suas diferenças e particularidades

assimilamos um universo significativo de aprendizagens. Sujeitos que

aparentemente são rotulados de incapazes, inconseqüentes, inúteis pelo fato de

estarem classificados economicamente no grupo dos pobres, marginalizados,

revelam através do multiculturalismo, linguagens, identidades e potencialidades

enriquecedoras. “No âmbito daquilo a que acostumamos a dar o nome de educação,

acontece também dentro de um âmbito mais abrangente de processos sociais de

interações chamado cultura.” (BRANDÃO, 2002, p. 24).

Diante dos desafios diários que a Casa Rebeca enfrentava as insatisfações, as

revoltas, as indignações aumentavam continuamente. E os dias, e as atividades

pareciam não ter bons resultados. Era inquietante promover iniciativas de

reinvenção de saberes diversos, e ver todo esse trabalho desconstruído a cada dia

quando é chegada a hora do retorno às residências.

MOMENTOS DE DESÂNIMO... “Quando eu chegava em casa, eu não dormia pensando: eu saio ou não da Casa Rebeca? Só que aí, vinha aquela força, aquele poder, alguma coisa dentro de mim me dizia: não saia, não saia. Você é muito maior do que isso, de todos esses sentimentos ruins de todas essas dificuldades que você passa, você é muito maior do que isso. Eu sempre pensava, eu sou maior só que isso, eu vou conseguir. A minha convivência foi se tornando melhor, eu fui crescendo, amadurecendo na verdade, porque eu com vinte e dois anos não era adolescente, mas também não era adulta. Eu fui amadurecendo no trabalho, e nesse amadurecer me tornei independente, adulta. Eu não vou deixar que A ou B falem o que devo fazer. Eu vou decidir o que eu quero pra minha vida.” Desabafa Edileuza.

Criar sentimentos de independência, de liberdade, de autonomia é o caminho a ser

trilhado por cada um de nós, buscando reconhecer no outro e em nós como o outro,

a capacidade de existenciar-se. Significar a nossa existência, na troca de saberes,

no contato com a diversidade e nutrir-se dela, nos torna segundo Brandão (2002)

mais do que seres “morais” ou “racionais”, nós somos seres aprendentes”(p. 25).

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RESULTADOS DA ATUAÇÃO...

Hoje, ao longo dos meus trinta anos, sinto um pouco de satisfação, porque eu acredito como fui vitoriosa porque eu participei aos 14 anos, e se eu não tivesse participado, com certeza, minha história de vida seria outra. Mas, assim, eu vejo que muitas pessoas gostam do nosso trabalho, e acham que é um trabalho sério, como vejo que é um trabalho sério, é um trabalho que a gente não faz por brincadeira, é um trabalho que meche com a vida das pessoas, principalmente das famílias. Agora eu acredito o seguinte: se a gente pudesse ter um pouquinho mais de apoio, um pouco maios de tempo, de material pra gente ir até as famílias o trabalho seria melhor. A Casa Rebeca para mim, é uma missão”.

Compreendemos a importância do Projeto para além dos limites do assistencialismo,

e a atuação docente como instrumento de formação política e qualificação das

práticas educativas. Reinventar a realidade assessorada pela educação como

cultura, faz-se necessário.

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63

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Adentrar nas caracterizações da educação não-formal com todos seus aparatos

práticos e ideológicos foi o ápice para fomentar muitas descobertas, no vislumbrar

de possibilidades educacionais ensejadas na sede de mudanças, no

reconhecimento do processo de compreensão da realidade como algo

problematizador, acreditando na ideias de Gentili e Alencar (2007) que salienta o

fato de que o “próprio ser humano é uma possibilidade”(p. 99).

Construir relações, tecer sentidos e significados através da convivência com a

multirreferencialidade de sujeitos, nos convida a alimentar tantos sonhos de

possibilidades, que deságuam na luta incessante pela efetivação da participação

cidadã como uma reinvenção de se fazer educação, moldando uma cultura política

de atuações populares, no marco da contemporaneidade.

Problematizar a conjuntura do Projeto Social Casa Rebeca, com todos seus atores

envolvidos e suas demandas educativas e sociais, representou uma parte de mim

agora compreendida e historicizada para futuras realizações. Os valores e

aprendizagens apreendidas por meio da experiência foram inefáveis. A aproximação

de nossas concepções de educação, muitas vezes distorcidas, frente à realidade

sentida e vivida nos faz caminhar com os pés fincados no chão, certos de que as

contraposições existentes serão extraídas do conhecimento que temos daquilo que

experimentamos.

Os sentidos e significados que as crianças e adolescentes construíram ao longo de

cada acontecimento, cada aprendizagem e momentos de interação, fazem e

refazem o jeito de ser e agir da Casa Rebeca. Mediante a situação atual de

carências afetiva, familiar, econômica e de formação docente, as perspectivas

educativas são traçadas a partir da inconstante necessidade de qualificação das

práticas, uma vez que essas determinam a relevância do Projeto Social.

Acreditar na educação como aquela que abre espaço para (des)construções de

ideologias , é credibilizar a força política que ela detêm. Percebendo-a como

ferramenta de luta e de libertação, concretizam-se as potencialidades que possui no

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enfrentamento das desigualdades sociais postas como algo estático e estabelecido.

Alimentando-se dos pensamentos de Freire (2001), respaldamos a educação na

perspectiva da justiça, como aquela que deve despertar os dominados para a

necessidade da briga, da organização, da mobilização crítica, justa e democrática,

séria, rigorosa provocando o desejo da participação ativa e consciente diante das

injustiças praticadas (p. 99).

Acredito na educação libertária quando vivencio experiências dignificantes como as

da Casa Rebeca. Em meio ao número relevante de adolescentes vítimas do tráfico

de drogas, das crianças abandonadas pelos pais, sujeitos sem perspectivas de vida,

entre outros contextos, em qualquer situação, há de se buscar no acolhimento diário,

o desejo de ver suscitar sorrisos e contentamentos ofuscados na pobreza de sonhos

e na passividade das idéias.

É o exercício de concretizar as possibilidades, que a educação permite almejar.

Sonhar uma educação sem luta, sem resistência e ancorada em políticas

compensatórias, é negar seu poder de reinvenção. Os resultados desta pesquisa

nos conduzem a essa perspectiva, de construir a partir das inter-relações entre

sujeitos, sentidos e significados sobre as posturas exercidas, a caminho de

possíveis reinvenções, pois como Freire (1992) “não há utopia verdadeira fora da

tensão entre a denúncia de um presente tornando-se cada vez mais intolerável e o

anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por

nós, mulheres e homens” (p. 31).

Acredito, pois na educação como ato político necessário.

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65

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APÊNDICES

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Depoimento de Cléa Gomes coordenadora da Casa Rebeca

O projeto da Casa Rebeca é um espaço de refúgio para as crianças e adolescentes

carentes e em situação de risco, que na sua maioria tem como famílias mães

separadas, mães solteiras, mães avós, mães alcoólatras, pais que usam drogas,

pais que geraram sem nenhum planejamento e não conseguem educar e preparar

seus filhos para enfrentar a vida em grupo e em sociedade.

Muitos momentos nestes anos tivemos vitórias, mas também descaso total das

autoridades municipais e de outros que poderiam ter sido solidários a esta causa.

Sonhamos que um dia estas crianças se tornem pessoas conscientes e

conhecedoras da realidade social a partir da sua própria vida, a fim de saberem se

posicionar na sociedade, sonhamos que um dia as famílias destes meninos sejam

parceiras no projeto e ajudem a resgatar seus filhos para que estes não entre no

mundo da marginalidade e abandono, por que acreditamos na vida a partir da

solidariedade e da animação que Jesus o filho de Deus nos dá para tentarmos ser

Luz em meio as trevas.

Cada pessoa vem neste mundo com uma missão, amar e servir, e eu penso que

para muitos este amor é prova de fogo que arde, doe, mas que realiza e os faz feliz,

nesta estrada muitas vezes chorei tive vontade de fechar a Casa, muitas vezes

achei loucura continuar, a maioria destes meninos não conseguem dar passos

diferentes, a mudança é lenta demais, mas tenho pessoas que me motivam a

continuar mesmo em meio a dor da indignação, e eu sei que elas são enviadas por

Deus, pois a força que recebo não pode ser humana, as duas pessoas que ainda

estão comigo dão tudo que pode de si mesmo para semear a semente mesmo em

meio a tantos pedregulhos, as que passaram por aqui, também deram seu recado, o

padre José não se cansa de dizer “Vai em frente Deus está com vocês nesta luta.”

Os problemas são constantes começando pela questão financeira, o projeto prega

uma coisa na família é outra realidade, a falta de apoio público e social também é

uma pedra no caminho. Muitas vezes somos interpretados como loucos por irmos

contra ao massacre e violência de tantos meninos e meninas que pagaram o preço

com as suas vidas por se tornarem deliquentes incentivados pela própria família e

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sociedade, por tentarmos oferecer aos meninos o espaço para expressão do que

pensam e sentem, por tentar educar de forma diferente. Portanto, para mim, a Casa

Rebeca é um sonho, de termos pessoas na vida como Edileuza, Erielson, Rafael,

Fabrício, Alessandra, Clarice, Rosilaia e tantos outros que apesar da sua dura e

sofrida realidade da infância assumem a sua vida com dignidade sem deixar levar

pela onda da sociedade.

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Depoimento do Padre José orientador espiritual da Casa Rebeca

Com alegria e satisfação lhe escrevo a minha experiência a respeito da Casa

Rebeca. A origem nos fala da criança Rebeca , que faleceu por causa da fome e

para que não se morre mais de fome e de abandono foi criada essa casa

maravilhosa para as crianças , onde eles encontram o espaço delas , mães e irmãs

(os) deles e sobretudo amor fraterno. São crianças muito sofridas, desamparadas e

marcadas pela opressão de geração em geração. As professoras heróicas se doam

com aquele esforço de devolver a dignidade e a paz familiar, por isso se faz

reuniões frequentes com os pais destes jovens, adolescentes e crianças, para gerar

um comportamento de compreensão, de levar um espírito de luta contra a violência

e a morte, quando se trata de socorrer crianças ameaçadas na rua ou em situações

de risco. Este projeto sobrevive em primeiro lugar pela mão de Deus, que envia

doadores e recursos para que todos (as) se sustentam. Questiona nós e as

autoridades a respeito da responsabilidade transformadora definitiva, que deve parar

a maquina de miséria e matança de muitos. A Casa Rebeca nos apela para a

constante reconciliação familiar, escolar e social. Deus abençoe tudo e todas (os),

que colaborem pela sobrevivência deste instrumento, que é de máxima importância.

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM

ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM AS CRIANÇAS E

ADOLESCENTES

Você gosta da Casa Rebeca?

O que você já aprendeu na Casa Rebeca?

O que você mais gosta na Casa Rebeca?

Em que a Casa Rebeca ajuda você

Como seria sua vida se não tivesse a Casa Rebeca?

O que a Casa Rebeca significa para você?

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII

SENHOR DO BONFIM

ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM AS EDUCADORAS

Qual o significado que a Casa Rebeca tem para você?

Como você avalia as atividades educativas realizadas na Casa Rebeca?

Quais são os objetivos traçados pelo projeto?

Que pensamento embasa os objetivos da Casa Rebeca?

Que tipo de educação você acredita?

Qual seu sentimento diante das perspectivas do Projeto?b

Quais as dificuldades sócio-educativas enfrentadas?

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Apresentação cultural – Dança afro (Dia da Consciência Negra)

Apresentação de Natal feita pelos adolescentes– O nascimento de Jesus

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A horta do recanto Moisés Vitorino dos Santos

Oficina de capoeira

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76

Gincana do Dia das Crianças

Encontro de formação de professores: parceria entre Projeto Social e escola

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77

Almoço comunitário de Natal

Adolescentes da Casa Rebeca ajudando a organizá-la nas férias