Upload
biblioteca-campus-vii
View
767
Download
1
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Pedagogia 2011
Citation preview
11
INTRODUÇÃO
Entender os processos educativos que acontecem em espaços não-formais sempre
foi muito atrativo para mim. E a partir da experiência fantástica de ensino e
aprendizagem no Projeto Social Casa Rebeca, situado na cidade de Jacobina, é que
propus discutir os fundamentos da educação não-formal analisando as práticas
educativas desenvolvidas dentro deste projeto, e as repercussões que elas causam
na vida das crianças e adolescentes acolhidos neste espaço.
Buscando fundamentar os conceitos e perspectivas que se entrelaçam nas relações
entre educação e sociedade, desenvolvemos reflexões acerca de organizações que
assumem práticas educativas atreladas ao aparato social, evidenciando entraves e
implicações neste outro jeito de se fazer educação, ou seja, de vivenciar culturas.
Inserida numa sociedade que requisita um poder de hierarquizações, com
demandas respaldadas em interesses individualistas, se encontram um universo de
concepções e práticas educativas baseadas em diferentes pedagogias. Optar por
significações no âmbito da educação libertária, por exemplo, se dá no enfretamento
de valores mercantilistas e ideológicos efêmeros, disseminados por essa sociedade
atual (globalitária), com padronizações condicionadas aos objetivos de mercado.
Com isso, pessoas de múltiplas linguagens e referências são reveladas como
“coisas” a serem usadas para alcançarem determinados fins lucrativos.
Direcionando nosso olhar a questionamentos relevantes para a compreensão das
posturas educativas e sociais desenvolvidas na Casa Rebeca, caminhamos nas
bases filosóficas da etnopesquisa multirreferencial, que abarca as aproximações e
distanciamentos revelados no processo de investigação no contexto referenciado.
Nosso trabalho está organizado em quatro capítulos, a saber:
Capítulo I: Trata-se da problematização geral da educação não-formal como aparato
pedagógico, pontuando a presença dos movimentos sociais e sua força política
organizacional, mobilizando novas formas de ordem social durante toda a história do
12
nosso país. Apresentamos também o contexto específico que aguçou nosso olhar
inquietante, nossa questão de pesquisa e os seus objetivos.
Capítulo II: Abordamos os estudos teóricos, fundamentados em diversos autores
que alicerçaram as discussões dessa pesquisa, sobre a educação não-formal,
movimentos sociais e Projeto Social Casa Rebeca, identificando contrapontos e
conceituações no imbricamento de idéias e significações a respeito da educação e
sociedade atual.
Capítulo III: Apresentamos o tipo de metodologia utilizada, pontuando a abordagem
qualitativa adotada no presente estudo, bem como os instrumentos metodológicos
selecionados para a coleta de dados.
Capítulo IV: Encaminhamos a análise e interpretação dos resultados tendo como
subsídio o quadro teórico, enfatizando dessa forma, os diversos significados
adquiridos através da pesquisa em questão.
Por fim, tecemos algumas considerações, sobre as aprendizagens construídas a
partir desta pesquisa.
13
CAPÍTULO I
PROBLEMATIZANDO A TEMÁTICA
Dentre muitos que construíram e marcaram a história da nação brasileira ao longo
de diferentes e conflituosos acontecimentos, poucos são lembrados como
protagonistas desse processo. Contudo, é inevitável negar a existência de sujeitos
“socialmente desconhecidos” que enraizaram lutas e manifestações populares em
busca de uma cultura política mais justa e democrática. Não se pode negar as forças
convergentes que constituíram o cenário do país em tempos de ditadura militar.
Além de ter sido caracterizado como um marco histórico pode-se conceber a esse
momento o alicerce preponderante para futuras transformações sociais.
Podemos destacar aqui, a força organizacional dos movimentos sindicais em defesa
aos direitos dos trabalhadores em seus respectivos grupos (trabalhadores rurais,
professores, aposentados, entre outros), assim como todo movimento da Igreja
Católica que discorre de um histórico bastante marcante no que diz respeito às
mobilizações feitas através de suas pastorais sociais, como a PJMP (Pastoral da
Juventude do meio popular), Pastoral da Criança e Pastoral do Menor, almejando
provocar mudanças nas políticas públicas, como podemos citar o grupo da ASA (
Articulação no Semi-Árido brasileiro) que articulou o programa de formação e
mobilização social para a convivência com o Semi-Árido: um milhão de cisternas
para homens, mulheres e crianças da região semi-árida.
Palavras de ordem e progresso já foram proclamadas, por uma nova ordem em que
a cidadania e liberdade fossem exercidas com igualdade, onde direitos e deveres
acontecessem simultaneamente. Lutas foram verdadeiramente travadas a partir de
iniciativas de organização populares. Aí consiste o desfecho das significativas
mobilizações realizadas pela força das pessoas em organizações sociais. Nesta
perspectiva, sujeitos aparentemente invisíveis somados a tantos outros, revelaram
nas suas lutas o espaço histórico que Freire (1987), sempre declarou, “através de
sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens,
simultaneamente criam a história e se fazem seres histórico-sociais” (p. 92).
14
Incitados nesta visualização de sujeitos sociais, foram surgindo grupos organizados
que passaram a se perceber como personagens participantes de um emaranhado
modelo sociopolítico vigente (fez-se necessário se contrapor aos padrões
ideológicos opressores que ameaçavam a dignidade das pessoas). A presença dos
movimentos sociais enquanto força organizacional representou um marco de
efervescência e mobilizações na e para a sociedade.
A presença dos movimentos sociais é uma constante na historia da política do país, mas ela é cheia de ciclos, com fluxos ascendentes e refluxos (alguns estratégicos, de resistência ou rearticulação em face a nova conjuntura e as novas forças sociopolíticas em ação. O importante a destacar é esse campo de força sociopolítico e o reconhecimento de que suas ações impulsionam mudanças sociais diversas (GOHN, 2004, p. 01).
Regidos por suas frentes de lutas os movimentos sociais estabeleceram causas e
almejavam realizações. A idéia de organizar, movimentar, trás consigo proposições
interessantes para promover inquietações políticas por entre os sujeitos sociais.
Organizados e movimentados podem fazer ecoar vozes que historicamente foram
silenciadas, em detrimento à relação de poder, emanada na vida em sociedade.
De acordo com Gohn (2004), os movimentos sociais deram origem a diferentes
formas de organizações populares. Esses espaços de educação não-formal criaram
fóruns de discussões e ações, produzindo intervenções inclusive nas políticas
públicas governamentais, “no caso da habitação e reforma urbana, por exemplo, o
próprio Estatuto da Cidade, é resultado dessas lutas” (p. 01).
Evidenciamos na educação, ações positivas resultantes de discussões acerca da
historicidade da negritude e dos povos indígenas, por exemplo, melhor enfatizada
atualmente nos componentes curriculares, por meio da disciplina de História e
cultura Afro-brasileira e indígena, oportunizando desenhar outro rosto a essas
questões sociais enraizadas em nosso país.
Estes movimentos sociais criaram outros cenários em favor da democratização do
poder estatal, rompendo relações marcadamente alienantes de autoritarismo.
Fincados na história a partir dos anos 90, podemos ressaltar o Movimento Ética e
15
Política ou a Ação da Cidadania Contra fome e a miséria; os movimentos de gênero;
afro-brasileiros e o movimento indígena, ambientalista, entre tantos outros
alimentados pela especificidade de cada um, vinculado a um conjunto em comum,
no ínfimo de cada movimento (GOHN, 2004).
De acordo com Gohn (2005), a criatividade humana passa pela educação não-
formal. Nesses espaços (ONGs, Sindicatos, Associações, Movimentos Sociais)
tecem-se concepções e valores educativos baseadas na produção de discursos
contra hegemônicos, necessários à promoção de possíveis transformações. Assim,
é importante salutar a existência de tais espaços não-formais de educação, pois:
Preconiza-se o trabalho das ONGs no âmbito educativo comunitário e intra-familiar, na área de educação fundamental junto a comunidades indígenas e rurais, assim como programas de educação para o trabalho, principalmente em entidades que promovem programas sobre tecnologias apropriadas, autogestão, formas alternativas para exploração correta dos recursos naturais do meio ambiente, de modo a preservá-lo da devastação. (GOHN, 2005, p. 94)
As organizações populares questionam e protagonizam dentro de seus contextos de
atuação. Buscar a aquisição de direitos humanos alimenta princípios de justiça e
igualdade, assim como norteia ações na vivência grupal, superando o comodismo de
que os sistemas políticos e econômicos entre outros existentes, sempre implicam em
presenças satisfatórias.
Com base nas idéias de Brandão (2002):
(...) os movimentos populares originais e segue envolvendo alguns da atualidade, em uma sempre rigorosa crítica teológica (movimento da igreja), ideológica e política do sistema capitalista. E o que os aproxima, em meio a diferenças ideológicas é que em comum eles propõem superação deste “sistema capitalista” em plano nacional e, por extensão em todo planeta. Uma “Pátria Nova” em uma “Terra Nova”. (p. 257).
Atualmente, com a propositiva mística de mudanças ocorridas na organização da
sociedade, agora representada num cenário bem mais globalizado, provoca-se
alterações no campo de atuação desses movimentos. A nova ordem social delibera
16
reflexões em torno de processos humanísticos entre pessoas de diversos grupos,
resultando em novos sentidos e significados a práticas sociais (GOHN, 2004).
Os movimentos sociais inseridos na conjuntura atual da contemporaneidade, se
deparam sob novas formas de conduzir os processos de transformação da
sociedade. Hoje abrem espaço para reflexão em um campo ideológico, que abarque
discussões sobre identidades, culturas e participação política bem mais vinculada a
redes sociais. Nas sociedades de redes (para usar uma terminologia de Manuel Castells), o associativismo localizado (ONGs comunitárias e associações locais) ou setorizado (ONGs feministas, ecologistas, étnicas e outras), ou, ainda, os movimentos sociais de base locais (de moradores, sem teto, sem terra, etc.) percebem cada vez mais a necessidade de se articularem com outros grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania (WARREN, 2006, p.113).
Essa atuação em rede torna-se importante, uma vez que muitas problemáticas são
comuns a vários segmentos da sociedade, o que implica em tecer relações que
comunguem da luta que favorece a um todo, construído a partir das especificidades.
Podemos exemplificar a Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro (RESAB) que
se intitula como rede por agregar as diversidades constitutivas das ações que
seguem uma perspectiva da “educação para a convivência com o semi-árido
brasileiro” (MARTINS, 2004).
A atuação dos sujeitos nos espaços da sociedade civil organizada em rede tem se
defrontado com outras redes que se movimentam em um emocionar capitalista na
lógica de uma economia globalizada. Nessa perspectiva, é importante visualizar os
produtos e os meios de produção que se dá, por exemplo, numa rede de produção
da agricultura familiar.
Aspirando mobilização, os movimentos sociais são considerados por Gohn (2004),
como espaços de educação não-formal da sociedade civil. Educação que perpassa
sistematizações de interesses de diversos gêneros. Visualizada sob uma ótica mais
humana, a educação acontecida em espaços não-formais atua e convive com outras
17
instituições formais, passando a ser percebida na relação de ou entre pessoas de
contextos diferenciados, inter-relacionando-se em seus cotidianos.
Considerando o descaso, a má qualidade de ensino, a ideologização dos currículos
e tantos outros contrapontos existentes na vida escolar, usada como aparelho
ideológico do Estado para semear suas facetas de desenvolvimento, é que
precariza-se a atuação social destas instituições. O seu público alvo torna-se
números para as pesquisas, e os níveis de aprendizagem se limitam a status social.
E os saberes? E as produções de conhecimento que deveriam ser o ápice de todo
processo de ensino? Irão multiplicar-se nas prisões dessa decadência escolar?
A educação formal em meio a essa conjuntura eloquente, reintegra outros fatores às
suas sistematizações. A sua precariedade delibera a necessidade de se obter outras
formas de significar aprendizagens, construir conhecimentos e compartilhar saberes.
E nos espaços não sistemáticos de ensino, as metodologias (consideradas muitas
vezes como impotentes) abrem espaço para serem construídas a partir das múltiplas
linguagens, onde a cultura, a arte ganha expressão de aprendizagem, resultado da
vivência do cotidiano de seus sujeitos.
É no campo da Educação Não-Escolar que podemos encontrar iniciativas que
problematizam as questões sociais, econômicas, políticas ao invés de normalizá-las,
a exemplo do Projeto Social Casa Rebeca, objetivando desenvolver a formação
política e educacional das crianças e adolescentes das camadas populares, na
busca de constituírem-se como sujeitos atuantes, autônomos e conscientes de suas
potencialidades em meio a essa estrutura de sociedade injusta e desigual que
estamos inseridos.
Ao longo da sua história social e educativa, o Projeto Social Casa Rebeca, engaja-
se em lutas a favor de uma transformação social libertadora. Entre um desafio e
outro, a meta apresentava-se claramente: incitar nas crianças e adolescentes das
camadas populares o desejo por mudanças, por dignidade de vida, por
reconhecimento enquanto gente que pensa, estuda e sonha. Sensibilizar a
comunidade, as famílias e a escola, a projetarem mobilizações sociais necessárias,
em detrimento aos direitos injustamente negados, marcou a existência da Casa
18
Rebeca, pois como diz Brandão (2002) “Os sonhos de ‘transformação do mundo’
deságuam na realidade dos ‘projetos de desenvolvimento deste mundo viável”
(p.22).
A realidade das crianças e adolescentes da Casa Rebeca é marcada por situações
de riscos bastante corriqueiras. Álcool, drogas, violência, prostituição, desestrutura
familiar são fatores de diários enfrentamentos junto aos processos educativos e
sociais propostos pelo Projeto. É a partir dessa realidade social que descobre-se sob
à luz de Freire (1992) que:
(...) não há utopia verdadeira fora da tensão entre a denúncia de um presente tornando-se cada vez mais intolerável e o anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por nós, mulheres e homens. A utopia implica essa denúncia e esse anúncio, mas não deixa esgotar-se a tensão entre ambos quando da produção do futuro antes anunciado e agora um novo presente. (p. 47).
Exemplos de organizações educacionais estão espalhados por todos os lugares,
cada um com suas perspectivas e caminhos a percorrer. Contudo, é necessário
questionar o que está sendo efetivado, problematizar dentro desses espaços, que
ultrapasse a assistencialização dos desprivilegiados e desprovidos de direitos, pois
educar para humanizar delibera outras práticas conscientes, onde os direitos devem
ser conquistados e não doados (FREIRE, 2001).
A conquista, a luta, fazem das pessoas sujeitos da sua própria história, que vivencia
o processo de busca pela efetivação de algo pertencente a si, ou a um grupo e que
foi negado. Faz-se necessário fomentar nos indivíduos essa capacidade humana de
“existenciar- se”, como dizia Freire (2001) em seus sonhos realizáveis. Usar da
liberdade para transformar aquilo que é infligido aos homens, caracterizando-os
como sujeitos atuantes, o que naturalmente deveria acontecer. Preiswerk (1997)
comunga com os pensamentos de Freire sobre a importância do processo de
humanização, quando diz: “A pessoa transforma o mundo humanizando-o, e
transforma seu próprio ser no mundo humanizando-se” (p.46).
19
É o processo de análise das ações construídas na vida social com tudo que delibera,
levando em conta principalmente as relações de desigualdades e negação de
direitos para os seres no mundo, que precisa ser reinventado.
Almejar a transformação desse mundo viável pressupõe uma visão ampla e crítica
sobre as inter-relações que nele são desenvolvidas, sob quais interesses são
alicerçados, em benefício a quem. Essas indagações são imprescindíveis para
tornar “viva” a existência de tantos sujeitos ocultados em seus anseios e silenciados
em suas utopias inalcançáveis.
É nesse caminho de significações da pessoa humana enquanto ser no mundo, que
serão problematizados os impasses e contrapontos das perspectivas educacionais
adotadas nos espaços não-formais de ensino, aprofundando os discursos teóricos
de autores que contribuem significadamente para uma melhor visão acerca da
educação diante da nossa realidade social.
E movida pelo encantamento das aprendizagens adquiridas na vivência nesses
espaços não-formais de educação, especificamente no Projeto Social Casa Rebeca,
onde a subjetividade ganha vida na troca entre a carência e a doação, é que
problematizo, a partir da minha experiência docente no Projeto, os sentidos e
significados construídos dentro desse contexto.
Reinventar as vivências, transcender as perspectivas massacradas pela
desesperança, é perceber em meio a uma sociedade complexa, as entrelinhas que
fortalecem a Pedagogia dos Sonhos Possíveis que Freire efetivou em sua
existência. Com base nestas inquietações, discorreremos nosso estudo a partir da
propositiva inquietação: Que pensamento ideológico embasa as práticas que
norteiam a essência desta instituição, e quais as repercussões essas práticas
causam na vida das crianças e adolescentes que habitam os sentidos deste projeto?
20
CAPÍTULO II
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A fim de nortear discussões acerca dos processos educativos acontecidos em
espaços não-formais de educação, e sua relação histórica com os parâmetros
sociais vigentes, discorreremos questionamentos e inquietações em busca do
entendimento das relações que a educação abarca, por aglomerar teias de
conhecimentos que se convergem e se contrapõem em diferentes âmbitos da
sociedade. A partir da contextualização dos paradigmas sociopolíticos e econômico
que se inter-relacionam na nossa conjuntura atual, será discutido a partir dos
conceitos-chave: Educação Não-Formal. Movimentos Sociais. Projeto social Casa Rebeca. 2.1 Percorrendo o universo da Educação Não-Formal Numa sociedade historicizada em uma cultura política hegemônica, fez-se
necessário emergir das revoltas e mobilizações populares, a conscientização dos
papeis delegados e assumidos entre os sujeitos sociais. A busca por uma nova
organização social referida nos anos posteriores à época do militarismo de 1964
demarcou excentricamente um novo jeito de ser e de existir de muitos indivíduos
moldados a ocupar um espaço de expectadores.
A mudança gradual e lenta da cultura política é fator e resultado do exercício da cidadania, sob a forma ativa, aquela que opera via a participação dos cidadãos, de forma que interfere, interage e influencia na construção dos processos democráticos em curso nas arenas políticas, segundo os princípios de equidade e da justiça, tendo como parâmetros o reconhecimento e a vontade expressa de universalização dos direitos (GOHN, 2005, p.89-90).
Diante das mudanças na sociedade, a educação se apresenta como sinônimo da
própria cultura numa relação dialética, pois segundo Brandão (2002), “somos, seres
humanos, o que aprendemos na e da cultura de quem somos e de que
participamos”, dessa forma, não poderia ausentar-se de seu papel na formação de
pessoas como, “sujeitos do mundo da cultura”, que produz, reinventa e recria as
atividades sociais que lhes são postuladas.
21
Até os anos 80, as prioridades educacionais estavam voltadas aos sistemas
escolares de ensino, os olhares apontavam para a burocratização das instituições
como o único mecanismo qualitativo de promover a educação, mas a educação não-
formal nos anos 90 (com a queda na qualidade da educação formal) direcionou-se
politicamente a questão de cidadania, atrelado ao pressuposto educativo
transformador, pois as diferenças sociais eram vistas como diferenças de
capacidades (GOHN, 2005).
A educação há muito tempo foi resumidamente sinônimo de escola, com seu
propósito e projetos criados a partir das exigências e domínios estatais, sob
interesses capitalistas de produção de mão-de-obra, para um mercado explorador e
alienante. Nesse sentido, podemos declarar fundamentados em Brandão (2002),
que eram “vidas transformadas em mercadoria” (p. 293), para alcançar um
“desenvolvimento” tecnológico e não humano, sob a luz de princípios capitalistas e
globalizantes.
Diante de uma série de significações e práticas vinculadas ao ensino e a
aprendizagem, surge os processos educativos em espaços não-formais, construindo
um novo cenário dentro das políticas educacionais do país.
Com isto um novo campo da Educação se estrutura: o da educação não-formal. Ela aborda processos educativos que ocorrem fora das escolas, em processos organizativos da sociedade civil. Ao redor de ações coletivas do chamado terceiro setor da sociedade, abrangendo movimentos sociais, organizações não-governamentais e outras entidades sem fins lucrativos que atuam na área social; ou processos educacionais, frutos da articulação das escolas com a comunidade educativa, via conselhos, colegiados, etc (GOHN, 2005, p. 07).
Enraizada em um protótipo de uma sociedade conflituosa, a Educação Não-Formal
prolifera-se, direcionados ao reconhecimento de uma nova cultura política vista
como peça chave das manifestações coletivas, na construção de mobilizações
acerca de fatores externos sociais, como a princípio, o respeito à individualidade e à
identidade de cada cidadão, enxergando-os como pessoas capazes de construir
concepções em vista a sua realidade, pois:
Falar de cultura política é tratar de comportamentos de indivíduos nas ações coletivas, os conhecimentos que os indivíduos tem a
22
respeito de si próprio e seu contexto, os símbolos e a linguagem utilizadas, bem como as principais correntes de pensamento existente (GOHN, 2005, p.60).
Na perspectiva de reconhecimento e autenticidade do sujeito cidadão, está presente
no universo da Educação Não-Formal o projeto social Casa Rebeca, a quem propus
problematizar. Trata-se de trazer presente uma conjuntura social bastante
inquietante, quando nos referimos a espaços de educação que ousa vivenciar a
aproximação do que é utópico com a realidade atual, muitas vezes marcada por
conflitos e desigualdades. Sociedade esta onde a opressão é mascarada nas
entrelinhas de um gigantesco sistema que viabiliza ideologicamente a permanência
da relação de poder como negação da prática de liberdade, minimamente
encontrada nas políticas educacionais da contemporaneidade.
A educação como prática de liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens (FREIRE, 1987, p.70).
Vivenciamos com o passar dos anos o alargamento das concepções de educação,
tendo em vista a formação política e ética dos cidadãos (resultado das lutas de
muitos movimentos sociais), a qual se encontrava distanciada dos currículos
escolares, assim foi percebendo-se a relevância dos processos educativos não-
formais onde abarca para si essas necessidades sociais.
Na concepção de Gohn (2005):
A educação não-formal designa um processo com quatro campos ou dimensões, que correspondem a suas áreas de abrangência. O primeiro envolve a aprendizagem política dos direitos enquanto cidadãos (...). O segundo, a capacitação dos indivíduos para o trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/ou desenvolvimento de potencialidades. O terceiro, a aprendizagem e exercício de práticas que capacitam os indivíduos a se organizarem com objetivos comunitários, voltados para a solução de problemas coletivos cotidianos (...). O quarto, é a aprendizagem dos conteúdos da escolarização formal, escolar, em formas e espaços diferenciados (p.99).
Expandindo-se as significações da existência e utilidade da Educação como forma
de intervenção no mundo (Freire, 1996), foram desencadeadas outras maneiras de
23
conduzir as relações educativas perante as padronizações escolares. A educação
não-formal vem constituindo-se sob essa perspectiva de aproximação entre sujeitos
de contextos diferenciados e o mundo em que vivem, pois: É composta de uma grande diversidade e esse aspecto é bastante estimulante para o campo educacional, permitindo, além de contribuições de diversas áreas, a composição de diferentes bagagens culturais. Por ter essas características, a educação não-formal permite certa irreverência ao lidar com aspectos do contexto educacional e com as relações que são inerentes a esse contexto, favorecendo e possibilitando a criação. (GARCIA, 2009, p. 29).
Dessa forma, reconhecer a expansão de atuações educacionais, a exemplo de
processos educativos em espaços como as ONGs, orfanatos, hospitais e empresas
trouxe, ao invés de substituição de uma modalidade educativa por outra, a amplitude
do exercício da educação diante de sua larga demanda, conclamada também pelos
fatores sociais, entrelaçados nos cotidianos escolares, pouco discutidos. Segundo
Garcia (2009) “A educação não-formal não pode ser encarada como uma
possibilidade salvadora para os problemas encontrados no campo da educação
formal” (p.147), pois existem problemáticas que giram em torno de seu campo de
atuação também.
Credibilizados em novas práticas conscientizadoras, que ressignificou os papeis de
ensinantes e aprendentes, a educação não-formal tem se fortalecido. Os problemas
sociais como a questão da divisão de classes, ganharam espaço para ser
experienciado através da protagonização dos sujeitos, muitas vezes inferiorizados
(cultural e linguisticamente) por pertencer a uma classe discriminada pela situação
de pobreza econômica.
Os procedimentos metodológicos utilizados dos processos da educação não-formal estão pouco codificados na palavra escrita e bastante organizados ao redor da fala. A voz ou vozes, que entoam ou ecoam de seus participantes são carregadas de emoções, pensamentos, desejos etc. São falas que estiveram caladas e passaram a se expressar por algum motivo impulsionador (carência socioeconômica, direito individual ou coletivo usurpado ou negado, projeto de mudança, demanda não atendida), (GOHN, 2005, p. 106).
24
Estando inserida numa época de modernizações ideológicas, a educação tornou-se
alvo de interesses globalizantes. Os discursos defensores da democracia na
efetivação de direitos pela igualdade, hoje são usados pelos “detentores do poder”
como metas assumidas, na tentativa de manipular e reverter às perspectivas sócio-
educativas ao seu favor. Discursos promissores para muitos.
A educação, a ciência e a tecnologia, então, instrumentalmente subordinadas como condições para conseguir a competitividade, a qual por sua vez se requer para ampliar os limites materiais dentro dos quais se possa alcançar maior equidade e democracia (CORAGGIO, 1996, p.109).
As Organizações Não-Governamentais (ONGs), por exemplo, vivenciaram o
desenrolar de paradigmas sociais repleto de embates nos diferentes âmbitos:
políticos, econômicos e culturais. Consideradas como entidades direcionadas à
educação popular e o desenvolvimento social, foram constituindo-se ao longo de
diferentes formas de governo. Percorrendo uma trajetória histórica de lutas, e
chegando à contemporaneidade, essas organizações reconhecidas como base de
representações populares atuam num modelo de sociedade essencialmente
capitalista, no entanto buscam outra ótica de organização dentro desse contexto.
As idéias apresentadas pelo sistema do capital não reconhece a dinâmica de
mobilização dos movimentos sociais como representação de força política, pois
viabilizam a inculcação de uma democracia abstrata, ideológica, distanciada da
participação das pessoas nas discussões políticas. As lutas de classes, de gênero,
de etnias e de poder, por exemplo, não se extinguiram nos conflitos históricos, mas
podem ser encontradas embutidas em atitudes renovadoras, como podemos
perceber na proposição de:
Políticas em ‘educação’, ou seja, as orientações refletidas na estrutura e nos conteúdos dos currículos. Elas dependem não só das condições políticas de uma conjuntura histórica, mas também das características e do poder dos grupos hegemônicos (BIANCHETTI, 2005, p.93).
Num cenário neoliberal com bases capitalistas, há um convívio de diferentes
poderes, o poder econômico mundial de certa forma fragiliza o poder estatal das
25
nações. Neste mesmo cenário o surgimento de ONGs desenvolve marcadamente
uma força política de chamamento de responsabilidade das políticas
governamentais do país. O plano econômico de um mercado de trabalho com
prioridades lucrativas exacerbadas, com financiamentos multidimensionais, traz para
a realidade de muitas ONGs1, projetos “ideologicamente” defendidos por
Organismos Internacionais, a exemplo do Banco Mundial, que se diz contrapor a
governos injustos.
Os processos educativos não-formais apresentam suas especificidades com relação
à educação formal, contudo, mesmo se constituindo ainda sob críticas e análises da
sua estruturação não sistemática, e um tanto quanto “incerta”, ela apresenta
aspectos de responsabilidades com o social, outro jeito de se conduzir a educação,
enquanto a escola vem assumindo suas burocratizações delegadas a ela, como uma
agência de socialização do saber sistematizado.
A educação que liberta e inquieta deve apresentar-se indissociável a consciência
política. Entrelaçam-se nas teias sociais e é de suma importância que elas sejam
vistas como complementares, numa relação dialética, pois se baseando em Gentili
(2007), “educar é ajudar a viabilizar a ressurreição da política” (p. 114). Faz-se
necessário a concretização daquilo que almejamos, quando discursamos em favor
do processo de humanização dos indivíduos, é preciso politizá-los, sem isso pouco
se chegará onde a educação deseja alcançar.
1 As ONGs tendem a serem utilizadas em projetos traçados pelo Banco Mundial e pelos governos sem participação popular, como partem de uma ação meramente compensatória das políticas de ajuste (CORAGGIO, 1996, p. 173).
26
2.2 Um outro jeito de ser cidadão: “Nós” em Movimento gerando o “Social”
Espelhados por múltiplas manifestações, lutas e conquistas populares
desencadeadas ao longo de significativos anos, referenciamos os movimentos
sociais por toda sua força política e organizacional necessária a consistentes
mobilizações na arena social. Como força política representa a construção de uma
nova ordem social, demarcando identidades, subjetividades e projetos de grupos
sociais (GOHN, 2004).
A partir de cenários despolitizadores, as inquietações em torno das questões sociais
como a luta pela terra, moradia, educação de qualidade, os direitos dos
trabalhadores(as) do campo foram sendo emergenciados. E expandindo-se por todo
território nacional, encontramos em nosso nordeste brasileiro, no início da década de
60, O Movimento de Cultura (MCP) em Recife, a campanha “De pé no chão também
se aprende a ler” em Natal, e o Movimento de Educação de Base (MEB) criado pela
Conferência Nacional dos Bispos em convênio com o governo federal (STRECK,
2010, p. 301)
Para Streck (2010) “um movimento social é, por princípio, a busca de um outro lugar
social” (p. 305). Trata-se de romper com as determinações que historicamente nos
impuseram nas divisões de classes de raça, de gênero, de sexo, de religião...
Porque aceitar as condições de sistemas conservadores e capitalistas que
estabelecem fronteiras entre os direitos que temos e os interesses de produção que
possuem?
No marco da história, sujeitos organizados protagonizaram conflitos intensos na
busca pela democratização da sociedade, na dimensão pública. A dinâmica de
movimento traz consigo o que é de fundamental importância para possíveis
transformações: a mobilização. Sair das demarcações individuais em prol da
coletividade, exercitando a prática de justiça e liberdade para um todo social, em
favor de muitos, já que é nos grupos sejam eles étnicos, homossexuais de gênero
que as pessoas individualmente sofrem discriminações.
27
Segundo Gohn (2008), “mobilização social é um processo político cultural presente
em todas as formas de organização das ações coletivas” (p. 448), um instrumento
que potencializa a força organizacional de diversos grupos, onde causas e bandeiras
deixam de pertencer a individualidades, e ganham sentidos comungados pela
coletividade. Na contramão desse processo, a ordem capitalista e neoliberal
condiciona essas iniciativas a simplórias significações. Na visão capitalista, a
“valorização” das pessoas perpassa pelos bens que elas produzem, é o “ser”
condicionado para o mundo do consumo, na negação daquilo que Freire afirma
(1987) como seres no mundo e com o mundo, em um processo de interação social.
A partir desses paradigmas sociais, criou-se uma nova gramática na qual mobilizar
deixou de ser para o desenvolvimento de uma consciência crítica ou para protestar
nas ruas. Mobilizar passou a ser sinônimo de arregimentar e organizar a população
para participar de programas e projetos sociais, a maioria dos quais já vinha
totalmente pronta atendia a pequenas parcelas da população (GOHN, 2004).
Diante das problemáticas nos diferentes âmbitos da sociedade podemos
potencializar a presença dos movimentos sociais como bsinônimo de força política,
pois suas ações engendra possibilidades de participação indispensáveis a
efetivação de uma cidadania ativa. Para Duriguetto; Souza e Silva (2009), “foram os
movimentos sociais que transformaram a questão social, na realidade brasileira e
em qualquer outra formação social capitalista, numa questão política e pública”
(p.14).
Os movimentos sociais abarcam os movimentos de mulheres, dos homossexuais,
dos afro-brasileiros, dos indígenas, de mobilizações de luta pela terra, que
demarcam suas identidades e suas bandeiras de luta atuando junto a ONGs. Há os
movimentos ambientalistas e também os movimentos populares com uma atuação
histórica diante dos fatores socioeconômicos – Gohn (2004) – esses entre muitos
outros apresentam quanto a sua estruturação, um processo de metamorfose
incidente com as problemáticas vivenciadas a cada época.
Com base nessas indicações podemos entender melhor a diferença da sua
funcionalidade nos anos 70/80 quando a sociedade era fixada em políticas de
28
adestramento, revelados em práticas de autoritarismo, censura e rigidez. Passeatas
com faixa, apitos, gritos de protestos, rostos pintados, direitos aclamados nas
avenidas e praças das cidades, eram manifestações fervorosas que efetivavam as
vozes articuladas dos movimentos sociais diversos.
Hoje, convivemos com políticas de reajuste, planos de desenvolvimento nacional,
projetos de assistência social, mercado internacional, produção de interesses
capitalistas, que escoam nas mãos de mulheres e homens, negros e negras,
indígenas e homossexuais invisibilizados pela corrente do lucro e da globalização,
tão solidificada nas ações governamentais. Segundo Streck (2010), “deixou-se de
lado o caráter de protesto e reivindicações e passou-se a linguagem de projetos e
programas” (p. 307).
É neste complexo cenário de modernizações que os movimentos sociais diversos
reconstroem seus paradigmas. No percurso do desenvolvimento intelectual, da
educação como dimensão da cultura (BRANDÃO, 2002), abre-se um leque de
representações que se encontram num processo de reinvenção. A atuação em rede,
por exemplo, adicionou elementos importantes na obtenção de participação política
dos atores sociais. Sobre esse aspecto, Warren (2006) argumenta:
Na sociedade das redes (para usar uma terminologia de Manuel Castells), o associativismo localizado (ONGs comunitárias e associações locais) ou setorizado (ONGs feministas, ecologistas, étnicas, e outras) ou, ainda os movimentos sociais de bases locais (de moradores, sem teto, sem terra, etc.) percebem cada vez mais a necessidade de se articularem com outros grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania (p. 113).
As manifestações públicas organizadas num panorama mais ampliado de
representações ganharam maior visibilidade de expressão. Pautados na legitimidade
de seus direitos, os sujeitos sociais se mobilizam em prol da coletividade, vista de
forma que abarque todas as modalidades de reivindicações. Segundo Gohn ( 2004),
“a maioria dos movimentos, rurais e urbanos, passaram a atuar em redes e a
construir agendas manuais de congressos e manifestações públicas, como o Grito
dos Excluídos, por exemplo” (p. 26).
29
A presença do Estado também alterou a participação nas instâncias sociais. A partir
da década de 80, os movimentos sociais direcionaram suas práticas para a
institucionalização de suas relações com as agências estatais, na perspectiva de
criar estratégias diante das suas necessidades, na luta por direitos de cidadania
(DURIGUETTO; SOUZA E SILVA, 2009).
Na controvérsia dessa relação, pode-se identificar um interesse pela despolitização
da sociedade civil. Iniciativas de negligenciamentos do papel exercidos pelos
movimentos sociais passaram a existir (ibid, p. 16). De toda forma, a sociedade de
reprodução capitalista esforça-se para negativar a existência dos movimentos
sociais como força política, porque esta, (a sociedade globalizante) reconhece a
dimensão que eles representam, quando se refere a participação cidadã.
Contudo, é de salutar relevância a atuação do Estado nas políticas emancipatórias
defendidas pelos movimentos sociais, pois a participação da sociedade civil nos
parâmetros públicos através de Conferências, Conselhos, Orçamentos
Participativos, segundo Gohn (2004), “não é para substituir o Estado, mas para lutar
para que este cumpra seu dever: propiciar educação, saúde, e demais serviços
sociais com QUALIDADE, e para todos” (p. 24).
Outra questão que vale salientar, diz respeito a migração dos militantes dos
movimentos sociais para o poder parlamentar e ou na ocupação de cargo no setor
governamental. De atores comungantes de protestos e reivindicações de causas
relacionadas às questões raciais, educacionais, econômicas, etc. Passaram a
ocupar o espaço dentro da política governamental, esse cenário causou inicialmente
conflitos de identidade, no jogo das representações sociais. Assim, podemos
perceber as alterações na conjuntura dos movimentos sociais, associado ao: “o fato
de várias lideranças ascenderem a cargos no poder público, ou ao parlamento,
também teve alguma influência na nova dinâmica dos movimentos” (GOHN, 2004, p.
26).
Migrando para outro aspecto de atuação dos movimentos sociais na
contemporaneidade, Streck (2010), abre uma discussão no seu artigo “Entre
emancipação e regulação: (des)encontros entre educação popular e movimentos
30
sociais” acerca das novas perspectivas dessas organizações estarem entrelaçadas
na “configuração de novos territórios de resistência e suas pedagogias; e as novas
governabilidades e suas formas de regulação” (p. 304 -305).
Sabemos que o campo político, econômico, cultural e social integra ações de cunho
assistencialista (remendos sociais) mascarando a aquisição de direitos de muitos
cidadãos, exemplo disso “são as políticas compensatórias, os muitos tipos de bolsas
que interferem de forma direta na vida das pessoas”, redirecionando as ações
governamentais frente às necessidades populares. Tais iniciativas inculcam a idéia
de assistência à população como público que tem seus direitos respeitados, mas
que não provocam alterações na conjuntura das desigualdades sociais.
Sob a ótica da relação entre os movimentos sociais e educação diante dos
paradigmas ideológicos educacionais, podemos identificar aproximações daquilo
que a pedagogia carrega como problemática: a teoria e a prática como realidade
contraposta. Almejando as transformações na organização da sociedade desigual,
trilhando os caminhos da politização dos discursos perpassados numa consciência
crítica do contexto atual, os movimentos sociais, segundo Streck (2010), “se
caracterizam por introduzir o conflito como um elemento pedagógico” (p. 304).
Para o autor, essa relação provoca aprendizagens múltiplas, essenciais para a
convivência no cenário sociopolítico atual. São elas:
a) O redimensionamento do popular, ampliado o seu significado par
além da tradicional visão classista; b) b) o enraizamento como uma necessidade para uma educação que
se propõe a reconstruir identidades; c) Ao mesmo tempo, a ruptura e a insurgência como parte da
pedagogia dos movimentos sociais; d) A participação como princípio metodológico, uma vez que a
solidariedade entre os integrantes de um movimento é constitutiva do próprio movimento;
e) Uma nova compreensão de sujeito, como emergência na ação e não como instância fixa;
f) A produção de saberes específicos da área de atuação dos movimentos sociais, tais como ecologia, direitos humanos, a questão da terra e moradia... (ibid, p. 304).
31
Diante deste panorama, é inevitável discutir as questões sociais com toda sua gama
de embates e organizações, sem o reconhecimento da presença e força política dos
movimentos sociais. Históricos e atuais, os movimentos sociais reinventam a partir
de contextos e governabilidades, a participação cidadã dos seres do e no mundo,
como algo satisfatório à convivência da coletividade. É outro jeito de viver e conviver
na sociedade contemporânea.
Ensejando mobilizações diante da realidade opressora que vivenciam crianças e
adolescentes das camadas populares da cidade de Jacobina, o Projeto Social Casa
Rebeca adentra na luta diária, pelo reconhecimento de protagonistas sociais de
linguagens e identidades múltiplas na participação cidadã, buscando assim
efervescer uma cultura política de mobilização social, alimentada no decorrer das
lutas históricas dos movimentos sociais.
2.3 Conhecendo o Projeto Social Casa Rebeca
“Quem sabe um dia O povo já cansado
De ser tão enganado, Possa se libertar...”
(Canto das Ceb’s)
Visualizar a educação como prática social para a transformação requer o
entendimento de sua complexidade. A busca por uma reinvenção educacional que
favoreça e fundamente a libertação dos sujeitos ocultados pelas percepções
históricas das sociedades, tem sido frequente no contexto atual que vivenciamos.
Para tanto, Freire (1987), ressalta:
A educação como prática de liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens (p. 70).
Podemos perceber que muitos outros espaços concebidos aos processos
educativos, como as associações, colegiados, igrejas, sindicatos, Organizações
Não-Governamentais, projetos sociais - Gohn (2005) - tornou-se fundamental, por
compartilhar também impasses e possibilidades de ensino e aprendizagem.
32
A educação Não-Formal hoje, expressa sua importância nas relações políticas, no
reconhecimento dos atores e contextos sociais. Por isso, baseados em Brandão
(2002), acreditamos que, “A educação do homem existe por toda parte, e muito mais
do que a escola, é o resultado da ação de todo meio sociocultural sobre os seus
participantes. É o exercício de viver e conviver que educa” (p. 47).
Engajado nos múltiplos e complexos meios de fomentar uma pedagogia a favor da
esperança e dos sonhos possíveis encontra-se o Projeto de Acompanhamento a
crianças e adolescentes Casa Rebeca. Inicialmente, tinha sua representatividade
atrelada à Pastoral do Menor, uma organização eclesial da Igreja Católica, que se
orienta pelas Diretrizes Gerais da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil), onde trabalha com a mística e identidade própria no sentido de promover e
defender crianças e adolescentes empobrecidos e em situação de risco, sempre na
ótica da inclusão e dos direitos humanos (WWW.PASTORALDOMENOR.ORG).
Diferenciando-se de outras organizações a Pastoral do Menor se objetiva em
efetivar sob a luz do evangelho, à sensibilização da sociedade como um todo, pois
se acredita na real libertação dos sujeitos quando se entrelaça todos os âmbitos da
sociedade, na busca de uma participação política de organismos governamentais e
não-governamentais.
A opção pelos pobres é uma das orientações prioritárias da pastoral e da teologia latino-americana desde os anos 60. É a opção dos cristãos que buscam dar a razão de sua fé e de sua esperança dentro de um continente explorado há séculos (PREISWERK, 1997, p. 215).
Na construção dessa ideologia, o caminho a ser percorrido para o seu
encaminhamento, indispensavelmente é direcionado à educação, como fonte de
possíveis mudanças. Uma educação que mobiliza e inquieta os sujeitos, para a
partir do saber que se constrói a cada dia, visualizar possibilidades de
transformação. Vale ressaltar aqui, a presença do movimento da Teologia da
33
Libertação2 que demarcou a luta e defesa do grito articulado do oprimido em direção
a um processo de libertação integral (BOFF, 2001, p.141).
Mobilizando seu projeto transformador, a Pastoral do Menor acolhia seu público
mesmo sem organização institucional. Por volta dos anos 90 reuniam-se em lugares
abertos: mães e pais, voluntários e educadores, para discutir as situações de vida
que se encontravam diante das opressões que o norteavam. Na luta pela
sobrevivência enfrentaram a fome, as condições de vida precária, e a desnutrição
dos filhos, problema este que se tornou uma triste realidade para muitas famílias,
pois causou um número significativo de mortes entre as crianças.
A Pastoral do Menor há mais de 19 anos desencadeia um trabalho na cidade de
Jacobina, especificamente na Paróquia de São José Operário situada em bairros de
zona periférica, onde há um alto índice de violência, tráfico e usuários de drogas,
como também de prostituição.
As dificuldades diante da conjuntura de exclusão era um cenário de enormes
desafios. Mediar, construir e reconstruir concepções de vida mediante a situação
oprimida de pobreza econômica e política revelou-se prioritariamente, pois é “muito
mais difícil trabalhar em favor da desocultação, que é um nadar contra a correnteza,
do que trabalhar ocultando, que é um nadar a favor da correnteza. É difícil, mas é
possível” (FREIRE, 1997, p.98).
Incitada pelas possibilidades, a Pastoral do Menor foi institucionalizando-se ao
passo que sua demanda de crianças e adolescentes, junto ao desempenho positivo
dos trabalhos, foi crescendo. E assim, surgiu o PACA (Projeto de Acompanhamento
a Crianças e Adolescentes), onde abarca três Casas em diferentes bairros
periféricos da cidade que são: Espaço Comunitário Santa Luzia (bairro Caixa
D’água), Fazendinha José Josivan de Jesus (bairro da Boiadeira) e Casa Rebeca
(bairro Bananeira), que comungavam dos ideais de justiça e igualdade acreditando
que: 2 A teologia da libertação não é uma manifestação espontânea das massas latino-americanas. É um produto intelectual que vai ganhando forma na reflexão, na luta e na meditação junto com os setores populares. (PREISWERK,1997)
34
A paz e a reconciliação sociais são somente possíveis ma medida em que forem superados os motivos reais que continuamente destilam os conflitos: as relações desiguais e injustas entre o capital e o trabalho, as discriminações entre as raças, as culturas e os sexos (BOFF, 2001,p. 101).
A implantação da Casa Rebeca, entidade reconhecida até 2009, como pertencente à
Paróquia São José operário da cidade Jacobina, é assim chamada em memória de
uma criança de nome Rebeca com apenas três anos de idade, acompanhada pela
Pastoral, que faleceu devido a uma forte desnutrição,atrelada ao seu alto nível de
pobreza e descuidados.
Atualmente a Casa Rebeca sobrevive de recursos financiados pelos micro-projetos
vindos da Áustria, coordenados pelo padre José Heheenberger criador de muitos
projetos sociais na cidade, sendo um dos disseminadores da Teologia da Libertação,
que acredita nessas iniciativas como meio de transformação social. Não há
financiamentos em nenhuma instância, vinculados a rede municipal, estadual e
federal de ensino, não há apoio dessas entidades, pois são divergentes nos
aparatos ideológicos, mediante os seus anseios educacionais.
Especificamente um grupo organizado da Áustria Cristoes Solidarios Internacionais,
(CSI), familia Karner,Eva Kreel e Elisabett e Margarett apoiam a a Casa Rebeca,
com seus financiamentos, intermediados pela Associação Comunitária das Irmãs do
Divino Espírito Santo (ACIDES), onde dá sustentação aos salários das educadoras e
coordenação, merenda, material didático, material de limpeza e todas as outras
necessidades. Tem apoio parcial de órgãos não governamentais que auxiliam a
Casa com doações de roupas, merenda, calçados entre outros.
Inseridos numa sociedade que intercala em suas raízes uma relação de poder
subjugada a hierarquizações e status social, podemos percebê-la fortemente
ocasionada na organização interna deste projeto, que envolve as três casas, o
PACA. Questões de interesses individualistas são disseminados nos discursos
promissores em prol da coletividade. É o exercício de conviver na contradição e
paradoxos existentes entre teoria e a prática que nos deparamos frequentemente
dentro da organização desse espaço.
35
Efervescida por esses embates ideológicos de aquisição de poder e práticas
politizadoras, deu-se no ano de 2009, o desmembramento da Casa Rebeca com as
demais Casas pertencentes ao PACA. A sua coordenação ainda conta com o apoio
do padre José Hehenberger e alguns grupos da Áustria, devido aos compromissos
políticos, educativos e sociais que alimentam em seu cotidiano, diante das estruturas
que sufocam, negam e ocultam o contexto de crianças e adolescentes das camadas
populares. Assim, fomentam a idéia de que:
Educar é criar cenários, cenas e situações em que, entre elas e eles, pessoas e comunidades aprendentes de pessoas, símbolos sociais e significados da vida e do destino possam ser criados, recriados, negociados e transformados (BRANDÃO, 2002, p.26).
Refletindo sobre essas relações podemos abrir um leque de questionamentos no
que diz respeito à educação como sonho possível (FREIRE, 2001), a educação
como cultura (BRANDÃO, 2002), a educação como esperança em tempos de
desencantos (GENTILI, 2007), e a educação como cidadania (GOHN, 2005).
Entrelaçar essas perspectivas de forma a qualificar as possíveis práticas educativas
transformadoras mediante uma conjuntura social desigual e desumanizante, é um
chamado a exercer uma consciência política libertária, e isso é um tanto quanto
relativo, quando nos referimos a interesses de classes e de poder.
Que a educação, a cidadania, o direito, a sociedade, a justiça e a democracia se vinculam entre si, ninguém duvida; o problema é como o fazem, sobre quais fundamentos se define tal vínculo, que tipo de educação se relaciona com que tipo de cidadania, de direito, de cidadania, de justiça ou de democracia (GENTILI, 2007, p. 67).
Historicamente, a luta pela significação dos saberes e de conhecimentos na qual
favoreçam e repercutam no meio social das crianças e adolescentes é reacendida
diariamente. É neste sentido que se pretende uma aprendizagem não sistemática,
como afirma Grossi (2000):
Um produto de aprendizagem é transformador na medida em que se acrescenta “ser” a quem aprende, modificando-lhe algo na sua maneira de viver. O saber implica num valor capaz de mobilizar energias de quem aprende a ponto de levá-los a novas formas de vida (p. 117).
36
Por isso, o trabalho social é considerado indispensável, pois partindo do
reconhecimento dos sujeitos e de seus contextos, o projeto Casa Rebeca
encaminha-se para o enfrentamento de desafios nos âmbitos sociais, como as
influências “negativas” dos pais na vida dos filhos (pois o álcool e prostituição
também estão presentes na vida dos pais).
Não há como evitar a barbárie se não lutamos para transformar, limitar e destruir as condições sociais que a produzem. O silêncio, a atenuação, a ocultação edulcorada da exclusão fazem com que esta se torne mais poderosa, mais intensa, menos dramática e, portanto, mais efetiva (GENTILI, 2007, p. 42).
Ensinar e aprender diante de diferentes questões sociais, como a “estrutura familiar”,
realidades frustrantes como a prostituição infantil, o alcoolismo e principalmente a
falta de amor, de diálogo e compreensão entre pais e filhos, torna-se desafiador. O
exercício da educação como prática de liberdade (FREIRE, 1996) surge como uma
necessária bandeira conclamada entre os sonhos e possibilidades, pois “no fundo, o
essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdade,
entre pais e filhos, é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua
autonomia”. (p. 94).
O pouco ou nenhum apoio dos pais e mães afetam diretamente a mobilização desse
projeto. Uma vez desfavorecidos com o alcoolismo e outros fatores familiares que os
cercam, estabelecem “abismos” conduzidos a caminhos sem perspectivas, refletidos
pouco a pouco nas vivências diárias das crianças e adolescentes.
Além disso, as práticas educativas também se desafiam diante da carência de
formação continuada para as educadoras que insistentemente lutam pela reinvenção
da realidade incorporada pela ocultação de vozes que foram silenciadas ao passar
dos tempos. “A coragem em mudar em educação, segundo Grossi (2000) é um bom
exemplo de quanto é fértil a associação bem dosada entre conhecimento científico,
vontade política e prática pedagógica.”
37
Socializando minha experiência docente na Casa Rebeca
“A gente vai, a gente vem, Firme na estrada a gente
segue caminhando... Amém.”
(cântico das Ceb’s)
Experienciando a docência há tempos provinda de muitos anseios e fascinação pela
educação desde muito cedo, recebi um convite a assumir uma missão (pois é assim
que a percebo) diante de um projeto social com propósitos e realidade
verdadeiramente desafiantes.
Referenciada nos movimentos de luta direcionada à Igreja Católica, especialmente
nas CEB’s (Comunidade Eclesiais de Base), na PJMP (Pastoral Juventude do Meio
Popular) e também na pastoral da Catequese. Aprendi a entoar hinos onde
aspiravam por um mundo mais justo, a criar perspectivas de vida, a acreditar em
sonhos possíveis. Aprendi a importância da denúncia, a perceber as relações de
opressão multifacetada nos grupos étnicos, de gênero, de classes existentes na
história do nosso país.
Enraizada numa Comunidade Eclesial de Base (Comunidade do Alto Bonito) na
cidade de Jacobina, construi percepções que se encaminhavam rumo aos ideiais da
Teologia da Libertação, que articulam a fé e esperança diante das desigualdades
sociais. Ao contrário do que possam imaginar como algo superficial e utópico, as
CEB”s trouxeram um novo jeito de ser igreja, voltada à representação de Deus no
que costumamos chamar de Fé e Vida, relação essa que aproxima a fé cristã (parte
eclesial) com as situações de marginalização das pessoas (Vida), através da
vivência grupal, da denúncia. Organizados em comunidades clamamos e lutamos
juntos: “Eu sinto a presença de Deus, é na luta, é na luta, é na luta.” (Livros de
Cantos das CEB”s).
Através do método de mobilização das pastorais sociais: ver, julgar e agir, podemos
conviver a propósito, com um processo de entendimento das situações de
desigualdades (ver), atrelado a uma análise de conjuntura atual (julgar), na tentativa
38
de mobilizar as pessoas em direção à prática do exercício de uma cidadania atuante
(agir), ou seja, Fé e Vida entrelaçados nas vivências e crenças de homens ,
mulheres e jovens sofridos e negligenciados em seus direitos.
A partir da sede por justiça e libertação alimentada nesses espaços não-formais é
que a arte se fez presente na minha trajetória de educadora. Em meados de 2005
crianças e adolescentes das camadas populares se tornaram ponte que
aproximavam os desejos, compromissos e responsabilidades educacionais
assumidas, com as descobertas que viriam a surgir no contato com a arte “na
dimensão da sensibilidade, do perceber o mundo de outra maneira, de refinar a
nossa percepção, os nossos sentimentos” (DUARTE JÚNIOR. In: LINS, 2011, p. 22)
práticas necessárias para qualificar os meios educativos e sociais que a Casa
Rebeca necessitava.
A partir da conjuntura moldada por cotidianos desumanos, como alto índice de
adolescentes sendo alvo de tráfico de drogas, crianças sendo violentadas por pais
ou responsáveis, crianças abandonadas, adolescentes com gravidez precoce, mães
e pais, é que fui chamada a exercer uma prática educativa na Casa Rebeca.
Com o passar do tempo, os desafios arduamente enfrentados foram ganhando
forma e significado para minha existência como humana, cristã e educadora. Hoje
entendo claramente as palavras de Rubem Alves (2000) quando destaca
“professores, há milhares, mas o professor é profissão... Educadores, ao contrário
não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma
grande esperança” (p. 16). Enquanto presença posso fazer minha opção, e ela não
se resume à nomeclatura das palavras, ser um ou outro, mas ao meu olhar sob a
educação. Que tipo de educação quero semear?
A cada história ouvida nas rodas de conversa, cada olhar de carência afetiva, refletia
passo a passo, uma vontade de existenciar-se (FREIRE 2001), de fazer valer sua
dignidade negada, de se sentir gente, de se sentir “luz” em meio a tantas
atrocidades acontecidas na massificante vida que tem, pois :
Precisamos acreditar que podemos fazer possíveis os sonhos aparentemente impossíveis desde que vivamos esse existenciar-se ,
39
verdadeiro. São eles, os sonhos e o existenciar-se, que nos “permitem” irmos nos fazendo sempre seres da luta pela libertação, Seres Mais (p. 16).
E foi em direção à arte que nossa equipe de trabalho apontou possíveis mudanças.
Pintavam panos de pratos, bordavam (e muito bem) vagonite em tecidos, faziam
crochê e teciam bolsas de lã. Os teatros produzidos coletivamente retratavam os
problemas sociais, (pobreza econômica, álcool, drogas etc.) e se tornavam um
verdadeiro palco de encenações da vida do outro, refletida na própria vida dos
atores em questão. Nas apresentações o medo, a vergonha abriu espaço para a
emoção, houve momentos de revoltas, de indignações, de lágrimas e também de
esperanças contido em cada face, em cada expressão. Ouvíamos vozes que há
muito tempo foram silenciadas, se tornarem alto-falantes públicos. Formamos um
grupo de teatro e fazíamos apresentação nos eventos culturais da cidade.
A dança pouco a pouco e com muita dificuldade foi sendo implantada como
atividade educativa. O enfrentamento de gostos musicais incendiou muitas
discussões entre os adolescentes. Aprendemos a ouvir, apreciar juntos às
variedades musicais a exemplo do reggae, funk, pagode e axé, (músicas
socialmente discriminadas) refletindo as letras e os significados que ela tem diante
das estruturas sociais que nos é apresentada. E quebrando paradigmas,
englobamos todos estes ritmos musicais na celebração do Dia da Consciência
Negra , para mostrar a caracterização que construímos de uma negritude com
diferentes potencialidades. Freiras, padres e convidados estrangeiros ficaram
perplexos com tamanha perspicácia.
Assumindo procedimentos metodológicos flexíveis como a pintura, vídeo-aulas, aula
de campo, a música, paródias, dinâmicas de grupo, gincanas, jogos recreativos, o
teatro, a dança, construi em um período de quase três anos laços de amizade e
companheirismo consistentes entre as crianças, adolescentes, algumas mães e
equipe de trabalho, além de múltiplas aprendizagens para minha vida como “ser no
mundo” (FREIRE, 1996) apreendendo significações através do chão que demarcam
minhas histórias.
Vale destacar como resultado das nossas reflexões e ações coletivas voltada a uma
educação política ativa, uma reunião dos adolescentes da Casa com a coordenação
do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) que auxiliava o projeto
40
dispondo de seus profissionais. Um acontecimento que trouxe surpresa e causou
perplexidade para os presentes: uma adolescente de doze anos transformou aquela
reunião nostálgica em palco de indignações, quanto a precariedade do atendimento
dos profissionais do CRAS. Para eles a surpresa, para mim a satisfação, o
contentamento abrigou-se em gotículas de lágrimas de emoção... Percebi naquele
momento, pequenas iniciativas do que Freire (1996) denomina de “educação como
intervenção no mundo” (p. 98).
Alimento as utopias em educação que para muitos são irrealizáveis, porque sinto-a
como missão, como vocação. E na construção de conhecimentos vinculados à
Pedagogia, assim como da Esperança, acredito na reinvenção do saber na
proporção de cultivá-lo em favor daqueles (aparentemente ou não) sedentos de
educação qualificada, aquela que (re)constrói percepções e realidades, que objetiva
libertar homens, mulheres, crianças e adolescentes, homossexuais, negros e
brancos entre tantos outros das algemas sociais.
A luta por dignidade, o exercício de autonomia foi ganhando alicerce nas pequenas
manifestações. Por isso, potencializo as perspectivas freirianas nas diversas
realidades educacionais por onde houver caminho. Ensinar e aprender no Projeto
Social Casa Rebeca fez-me construir significados inefáveis, não se exprimem por
palavras, por mais força que elas tenham nas relações sociais.
Aprendi além de bordar, pintar, costurar, vivenciar a arte diante do real aterrorizante,
aprendi a ser aprendente além de ensinante, e assim concluir que, sou um ser
inacabado, que sempre precisa ousar, sonhar e incendiar em si e no outro a
coragem de inquietar-se com as práticas abusivas de poder, como também
problematizar as justificativas que nos é imposta, em detrimento a uma organização
social contemporânea que aspira alienação e incertezas.
41
CAPÍTULO III
CAMINHOS METODOLÓGICOS
Desenvolvendo um estudo que almeje uma melhor aproximação entre os requisitos
teóricos de formação docente e a necessidade da práxis como fundamento
metodológico, é que pautada em Macedo (2004), percebo a “pesquisa como
dimensão pedagógica de formação e produção de conhecimento” (p. 23), que
delibera o ato da inquietação, do planejamento, da criticidade em meio aos
paradigmas entrelaçados em nosso cotidiano.
Portanto evidencia-se a relevância da metodologia, como caminho promissor para
uma boa pesquisa, na busca de alcançar um determinado objetivo para de forma
abrangente interpretá-lo.
A metodologia de pesquisa é completamente interessada nos processos que buscam, simplesmente, mudar o mundo. Indagando os processos permanentes produzidos nas relações sociais para ofuscar e ocultar as múltiplas dimensões da realidade e do ser humano, a pesquisa amplifica as possibilidades de interpretação e compreensão do cotidiano e vai encontrando meios para melhor compreender a complexidade humana (GARCIA, 2003, p.128).
Buscando uma compreensão da realidade que se dá num emaranhado social
construído a partir de concepções e significados entrelaçados nas vivências entre
pessoas, trilhamos os caminhos metodológicos da etnopesquisa crítica e
multirreferencial para nortear nossa investigação.
3.1Compreensões sobre Etnopesquisa Multirreferencial
Alimentada pelas ressignificações ocorridas no projeto “Casa Rebeca” nos âmbitos
social e educativo, percebo na minha experiência que o campo da pesquisa se
conduziria pela etnopesquisa, uma vez que esta nasce da inspiração etnográfica,
postura da qual necessitaria para traçar as descrições íntimas a partir da
convivência que tive com o ambiente da pesquisa. Segundo André (1995) na
“descrição da cultura (práticas, hábitos, crenças valores, linguagens, significados) de
42
um grupo social, a preocupação central dos estudiosos da educação é com o
processo educativo” (p.28), pois, com sua característica relacional possibilita
compreensões de ordem social, cultural e política, construídos nos diferentes grupos
de pessoas.
Incitada pelo propósito de pesquisar engajado nos acontecimentos cotidianos da
realidade, credibilizo a etnopesquisa crítica como fonte metodológica essencial para
alicerçar minhas percepções, em vista dos significados e sentidos dos atores que
vivenciam lutas diárias pela sobrevivência a partir das inter-relações evidenciadas.
No processo de construção do saber científico, a etnopesquisa crítica não considera os sujeitos do estudo um produto descartável de valor meramente utilitarista. Entende como incontornável, irremediavelmente e interpretativamente, a voz do ator social para o corpus empírico analisado, e para a própria composição conclusiva do estudo, até porque a linguagem assume aqui um papel co-constitutivo central (MACEDO, 2004, p.30).
Caminhando entre as bases filosóficas da etnopesquisa encontramos na inspiração
fenomenológica, o reconhecimento do ato da pesquisa com experiências sócio-
educativas desenvolvidas na Casa Rebeca como fenômeno a ser compreendido e
interpretado. A realidade aqui é entendida como perspectival, (MACEDO 2004)
dependendo dos olhares e interpretações múltiplas que são realizadas diante do
real, construída a partir da relação que se cria no processo interativo entre sujeitos.
A etnopesquisa se relaciona com o caráter multirreferencial, considerando a
diversidade de culturas como eixo norteador, implicada na significação das
realidades construídas por diferentes contextos. Relação esta que fundamenta as
percepções do pesquisador diante de sujeitos sócio-culturais com identidades,
valores, classe social, etnia e gênero particulares.
É nesse olhar que vivenciamos esta pesquisa. No contato com pessoas que sentem,
pensam, expressam e caminham inseridas em diferentes realidades. É o convite
feito à nossa subjetividade, estudar os contextos e interpretá-los, buscando “ver para
compreender”, de forma a legitimar a importância do olhar e não do julgamento
(MACEDO, 2004).
43
A pesquisa se apresenta com cunho qualitativo, que comunga com o pensamento de
Ludke e André sobre “o significado que as pessoas dão às coisas e à sua vida são
focos de atenção especial pelo pesquisador” (p.12). É na aproximação indispensável
entre pesquisador e sujeito que se apreende as subjetividades reais, resultantes da
convivência relacional nos cenários sociais. “É na descrição etnográfica que entram
em jogo as qualidades de observação, de sensibilidade, de inteligência e de
imaginação científica do pesquisador”. (LAPLANTINE, 2004, p.10).
3.2 Lócus da pesquisa
O lócus de pesquisa escolhido foi o Projeto Social Casa Rebeca que está situado na
Trav. Paulo Dantas s/n, essa organização não governamental possui um caráter
filantrópico, sem fins lucrativos, e é organizada na perspectiva do acompanhamento
educativo e social a crianças e adolescentes pertencentes às camadas populares da
Bananeira, bairro periférico da cidade de Jacobina.
Por apresentar e também por ter sido palco de experiências docentes significantes,
é que direcionamos nosso olhar ao Projeto Social Casa Rebeca como lócus do
processo investigativo da pesquisa.
3.3 Sujeitos da Pesquisa
Os sujeitos de pesquisa foram 11 (onze) crianças com faixa etária de 4 a 12 anos, e
3 (três) adolescentes com idades entre 13 anos 16 anos, apresentam níveis de
escolaridade que estende-se desde o Ensino Fundamental I ao Ensino Fundamental
II, com alguns estudantes do Ensino Médio.
São acompanhados no Projeto no turno oposto ao horário da escola, um público
referenciado de meninos e meninas, pobres, negros e negras, órfãos e
abandonados inseridos numa conjuntura socioeconômica desfavorecida quanto à
aquisição de direitos, e participação cidadã na sociedade, expostos à precariedade
das condições de vida, junto a problemas sociais diversos, como a violência, a
prostituição, o tráfico de drogas entre outros.
44
3.4 Instrumentos de coleta de dados
Por meio da seleção dos instrumentos utilizados em uma pesquisa construímos
compreensões em vista das problemáticas que nos inquietam, em direção a uma
análise contextual. Ao pesquisador é delegada a função do intermédio, pois segundo
André (1995) “o pesquisador é instrumento principal na coleta e na análise dos
dados” (p.28).
Selecionamos como instrumento de investigação a observação participante, a qual
contextualiza a participação do pesquisador no contato direto com os sujeitos, a
entrevista semi-estruturada que segue apontamentos flexíveis, a história oral para
documentar vozes que refletem fatos, acontecimentos e vivências de sujeitos com
múltiplas referências.
3.4.1 Observação Participante
A observação participante é um aspecto importante nas abordagens qualitativas, um
instrumento enriquecedor na relação pesquisador e pesquisado, pois oportuniza
uma interação que qualifica melhor o processo de pesquisa, firmada em
acontecimentos reais vividos pelos sujeitos.
A observação participante e sua démarche científica vem afirmar a inegável verdade de que pesquisador e pesquisado, suas artes e obras existem porque implicam numa ação de sujeitos, Sapiens Sapiens desejosos, capazes de optar, portanto políticos, atribuidores de significados, dessa forma seres morais. (MACEDO, 2004, p.160-161).
Através da observação participante o pesquisador desconstrói a demarcação
normalizadora entre ensinante e aprendente em seres segregados. De acordo com o
autor citado acima “o envolvimento deliberado do investigador na situação da
pesquisa é não só desejável, mas essencial, por ser esta forma a mais congruente
com os pressupostos da Observação Participante” (p. 154).
A observação possibilita o pesquisador à obtenção de informações com o contato
pessoal, e “na medida em que o observador acompanha in loco as experiências
diárias dos sujeitos, pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o
45
significado que eles atribuem à realidade que os cerca e as suas próprias ações”
(LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 26).
Valorizando as inter-relações construídas a partir das experiências no lócus da
pesquisa, adotamos como instrumento a observação participante discutida por
André (1995), por entender que nela “o pesquisador tem sempre um grau de
interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetada” (p. 28).
Tendo, a pesquisadora experienciado um contato direto com a realidade estudada
por um longo período, fez-se necessário uma reflexão diante das práticas
desenvolvidas no Projeto atualmente, entendendo que ainda há um engajamento da
pesquisadora no projeto, que através da efetivação da pesquisa almeja possíveis
mudanças para o lócus estudado.
Diante dessa dialogicidade, assumimos um olhar implicado sob a realidade de
crianças e adolescentes, na dimensão da sensibilidade, da subjetividade. Isso não
se restringe a um olhar romântico sob o perceptível, trata-se de mergulhar no
imperceptível, no improvável, nas muitas razões de ser e de existir que cada um e
cada uma carregam para a convivência com o outro, e com o mundo que está
inserido.
Nesse sentido, dialogamos com o pensamento de Barros e Lehfeld (2000),
apontando a importância da observação nestas situações. Nas palavras dos autores: Observar é aplicar atentamente os sentidos a um objeto para dele adquirir um conhecimento claro e preciso. É um procedimento investigativo de suma importância na Ciência, pois é através dele que se inicia todo estudo dos problemas (p.61).
Percebendo a construção do outro como um processo dinâmico que se afirma na
multiplicidade de identidades e na interação entre elas, compartilhamos com a
etnopesquisa a observância da vida social através da linguagem do cotidiano.
(MACEDO, 2004). Rica e imprevisível, a pluralidade de sujeitos e culturas é fator
preponderante na efetivação da pesquisa, apreendê-la com todas as suas
singularidades, expressões, sentidos e significados implica trilhar os caminhos que
fundamentam a etnopesquisa.
46
3.4.2 Entrevista semi-estruturada
Respondendo as inquietações pontuadas nessa pesquisa, por meio da entrevista
semi-estruturada, podemos obter pelo exercício da escuta, informações importantes,
como Ludke e André (1986) ressaltam: “a grande vantagem da entrevista sobre
outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação
desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados
tópicos” (p.34).
Oportunizando uma melhor aproximação com os sujeitos, desmistificando o olhar
sob o aparente, do senso comum, de homogeneizar as pessoas seguindo critérios
de classificação, a entrevista semi-estruturada nos possibilita conhecer o indivíduo
através de suas concepções construídas a respeito das situações que vivem. Para
Macedo (2004): Poderoso recurso para captar representações, na entrevista os sentidos construídos pelos sujeitos assumem para o etnopesquisador o caráter da própria realidade, só que do ponto de vista de quem a descreve. A linguagem aqui é um fator de mediação para a apreensão da realidade, e não se restringe apenas à noção de verbalização. Há toda uma gama de gestos e expressões densas de conteúdos indexais importantes para a compreensão das práticas cotidianas (p. 164).
Optamos pela entrevista semi-estruturada por conceder uma interação com os
sujeitos com a abertura necessária para guiar-se através de roteiros flexíveis, de
acordo com a demanda ocasionada pelo momento das oralidades, como enfatiza
Lakatos (2005) “o entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em
qualquer direção que considere adequada” (p. 199), condição bastante favorável
para alargar as questões a serem problematizadas.
Considerando esses apontamentos, percebemos que a entrevista semi-estruturada
é condizente com as perspectivas da etnopesquisa, pois capta-se informações
importantes para produções científicas mediante a liberdade de expressão, a escuta
de vozes silenciadas e a relevância de subjetividades imbutidas nas palavras
ecoadas em frases, gestos e sensações. O entrevistador deve manter-se na escuta ativa e com a atenção receptiva a todas as informações prestadas, intervindo com discretas
47
interrogações de conteúdo ou com sugestões que estimulem a expressão mais circunstanciada de questões que interessem à pesquisa. A atitude disponível à comunicação, a confiança manifesta nas formas e escolhas de um diálogo descontraído devem deixar o informante inteiramente livre para exprimir-se sem receios, falar sem constando-os no contexto em que ocorrem (CHIZZOTTI, 1991, p.93 apud FIORENTINI, 2006, p.122).
Assim, podemos favorecer o alcance de nossos objetivos diante das
problematizações discorridas na pesquisa através da conversação, da aproximação,
da confiança expressa, do envolvimento com os sujeitos em questão, para melhor
reinventar as relações construídas diariamente.
3.4.3 História Oral Encontramos como aporte metodológico para nossa pesquisa que visa
problematizar as práticas desenvolvidas no Projeto Casa Rebeca, a história oral, que
desembarca nas vivências de sujeitos sociais, como forma de documentar vozes,
depoimentos e acontecimentos importantes para a construção histórica desses
sujeitos e da sociedade.
A história oral é hoje um caminho interessante para se conhecer e registrar múltiplas possibilidades que se manifestam e dão sentido a formas de vidas e escolhas de diferentes grupos sociais, em todas as camadas da sociedade (ALBERTI, 2008, p. 164).
Como um recurso pertinente à etnopesquisa, apresenta-se como valorização às
concepções e perspectiva do sujeito social. Numa situação de autonomia e
liberdade, os relatos vão ganhando vida à medida que cada fato é reintegrado na
história como documento histórico, perpassado por entre a história oral.
O que é capturado pela história oral é, raramente, um estudo exaustivo de todos os dados relevantes, mas, ao contrário, um segmento da experiência humana, no contexto de um passado relembrado, de um presente dinâmico e de um futuro desconhecido e aberto. Depoimento pessoal e memória são, assim, os ingredientes irremediáveis da história oral (MACEDO, 2008, p. 174).
Os relatos de experiências ouvidos pelos próprios atores demarcam uma ruptura à
rigorosidade cientificista voltada aos registros históricos escritos. Legitimar histórias
orais significa em um pensamento dialógico, reviver culturas, pensamentos e ações
de pessoas que viveram a margem. Portanto, visualiza-se outra maneira de
48
historicizar os fatos, entendendo que a “História vista de baixo, história local e do
comunitário, história dos humildes e dos sem-história, tira do esquecimento aquilo
que a história oficial sepultou” ( MACEDO, 2004, p. 173).
Há muitas maneiras de externalizar histórias de vida de alguém ou de um grupo.
Podemos contar com a biografia, autobiografia, relatos de vida, memória, história
oral entre outros, direcionados ao percurso de vidas pessoais pertencentes a
determinadas realidades sociais (CHIZZOTTI, 2008, p.102). Contudo, é na história
oral que pontuamos o relato de uma presença feminina, que já foi pertencente à
Pastoral do Menor e, depois de adulta, encaminhou-se a docência na Casa Rebeca,
assumindo até os dias atuais.
Oportunizando conhecer através da história de vida oral, as vivências da educadora
em questão, indica para nós a relevância de acontecimentos, reflexões,
aprendizagens e atitudes edificadas, que, diante da nossa pesquisa precisam ser
enfatizados. Buscar contrapontos nas experiências vividas, nos leva a compreensão
de formas de organização da sociedade em diferentes tempos históricos, como
enfatiza Dollard (1949), “os estudos minuciosos da vida de um indivíduo revelarão
novas perspectivas sobre a cultura como um todo” (apud CHIZZOTTI, 2008, p. 108).
Esse instrumento de pesquisa não se resume a oralidades externalizadas e
transcritas com fidelidade no papel. Trata-se de dá sentido a noção de processo,
quando busca entender no decorrer das aproximações entre os sujeitos, como se
constrói a vida do ator, as suas causas e repercussões na vivência em sociedade
(MACEDO, 2008).
Buscando uma correspondência entre os relatos de vida e os objetivos que se
almeja alcançar na investigação, fundamentamos a história oral para assim
“resgatar a riqueza e a importância das recordações dos sujeitos humanos,
devolvendo às pessoas que fizeram e fazem a história um lugar fundamental,
mediados por suas próprias palavras”(ibid, 2008, p.176). É o exercício de identificar
a produção cultural de tantos e tantos atores que desconsideravelmente ocupam um
lugar de silenciados, na conjuntura social cheia de protagonistas farsantes que
vivemos.
49
CAPITULO IV
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
4.1 Contribuições da Observação Participante
Construir perspectivas educacionais baseado na práxis desenvolvida nos impasses
e possibilidades de múltiplas vivências é a concretude necessária para alimentar ou
não as utopias. Discursar a favor de uma educação libertária requer muito mais do
que fundamentações teorias em cursos de formação. Vivenciá-la, nas
sistematizações, no conflito, na manipulação regida por ideologias massacrantes,
torna-se cotidianamente um desafio a ultrapassar.
4.1.1Vozes que agradecem
Numa manhã de terça-feira a professora propõe num momento de oração coletiva, que as crianças e adolescentes fizessem seus agradecimentos a Deus, e envolvidos no silêncio que abriu espaço para o pensamento, começaram a externalizar seus motivos para agradecer... “Agradeço a Deus pela minha família”, “Eu agradeço pelo pão de cada dia”, “Agradeço por mais um dia de vida”, “Eu agradeço pela Casa Rebeca”. E num súbito consciente a professora fez seus agradecimentos direcionados a minha presença no ambiente, pela motivação que eu sempre representei para ela... Diante da situação, voltei ao tempo e lembrei o quanto era difícil conduzir o momento de oração devido às dificuldades das crianças e dos adolescentes em silenciar, em conceber aquele momento um significado. Senti-me surpreendida com as falas, e ao mesmo tempo, um sentimento de contentamento assolou meu ser, por perceber atores coadjuvantes serem transformados na “labuta” do dia a dia, em seres ativos e pensantes. É diante desses fatos que faço referência a Freire (1996) que já afirmava “mudar é difícil, mas é possível.” (p. 79).
Refletindo sobre a dinâmica de organização da Casa Rebeca percebemos a
flexibilidade das metodologias selecionadas a partir das demandas trazidas pelos
sujeitos. Produção de cartões artísticos, ganhando forma e beleza em mosaicos
coloridos; caça-dicionário para reforçar os saberes escolares; rodas de conversas
temáticas como: Relação dos pais, mães e filhos, o marxismo, discutidas através de
perguntas e respostas, dinâmicas.
Há de pontuar aqui a precariedade dos recursos para a realização das atividades.
Os poucos dicionários da Casa tiveram que ser usados em duplas ou trios porque
50
não tem a quantidade suficiente para todos. Alguns cartões ficam interminados por
conta dos materiais, assim como os bordados em tecido. Os materiais didáticos são
escassos, as folhas de ofício reutilizadas são enviadas de uma gráfica quando há
sobras, papel para confecção de cartazes, trabalhos em grupos, avisos precisam
entrar no orçamento da merenda. Essas condições econômicas desfavorecem
muitas vezes o caminhar das práticas educativas da Casa Rebeca rumo a
significativas mudanças para as vivências das crianças e adolescentes dentro desse
espaço.
No que diz respeito às relações entre educadores, coordenação, crianças e
adolescentes percebe-se um nível de interação bastante significante, as conversas
no corredor, as discussões das temáticas se dão na troca de pensamentos, nos
questionamentos, nas dúvidas onde o vínculo de amizade, de cuidado e
aprendizado acontece continuamente. Segundo Gentili (2007), “As relações que ali
estabelecem, notadamente entre alunos e professores, além da necessária troca de
saberes, são intrisecamente, espaços de troca de perspectivas, percepções e
vivências” (p. 21).
4.1.2 O jogo de futebol...
“Na hora da distribuição da merenda, eu estava a conversar na primeira sala com algumas crianças e fui surpreendida com a presença de Ían um menino de 11 anos, carregando um copo de sopa, que era a minha merenda. Com um jeitinho recusei-a, pois não estava com fome, mas ele insistiu, externalizei os meus motivos a ele, que entendendo dividiu com outro colega a merenda que seria minha. Fomos para o recanto (espaço de atividades esportivas e recreação) e formando dois times de futebol (especialidade da Casa) onde logo me acidentei, as crianças pararam de jogar para me socorrer, e voltamos para a Casa para fazer os curativos.” As relações positivas construídas dentro das convivências da Casa Rebeca entendo
como um reflexo daquilo que deveria acontecer na família. No decorrer de cada
visita, foi perceptível a diferenciação dos valores, dos comportamentos das crianças
e adolescentes que tem ou não acompanhamento familiar nos afazeres diversos,
assim como no desenvolvimento dos saberes escolares e também nas atividades
propostas pela Casa. Um exemplo disso é algumas crianças e adolescentes
51
ajudarem na limpeza e arrumação do espaço após as atividades, e outras se
recusarem, por aprender dos pais e mães as idéias machistas de não ser
empregado de ninguém.
Esses aspectos vão se estendendo a outras situações. E é na luta diária que as
educadoras buscam desmistificar esses modos de ser no mundo, brutalmente
imbuídas de opressão, vivenciadas e reproduzidas por pais e mães pobres, negros,
desempregados condicionados pelas ideologias neoliberais que usam dos próprios
sujeitos, (marginalizados por pertencer a uma etnia, classe social e gênero “inferior”)
para reproduzirem a desigualdade, num gigantesco sistema de alienação
aparentemente transformador. “Para eles, os pais (grifo meu) o novo homem, são
eles mesmos, tornando-se opressores de outros. A sua aderência ao opressor não
lhes possibilita a consciência de si como pessoa, nem a consciência de classe
oprimida” (FREIRE, 1996, p. 33).
No emaranhado social que vivemos, crianças e adolescentes enfrentam múltiplas
carências: a fome, a qualidade de vida, a educação escolar, familiar e principalmente
política de qualidade. Por isso, observamos o destaque que tem para eles o horário
da merenda e da recreação. Para muitos representa a força da sobrevivência
alimentada no lanche e nas brincadeiras vividas cotidianamente.
4.2 Resultados da entrevista semi-estruturada
Buscando almejar as repercussões das práticas desenvolvidas na Casa Rebeca
para a vida dos seus atores sociais, abrimos espaço para a escuta sensível de
opiniões e significados construídos ao longo da história de cada um e cada uma
criança e adolescente do Projeto. Na organização de três eixos norteadores,
problematizaremos a questão de pesquisa. As falas das crianças serão
representadas por C1, C2, C3... e os adolescentes por A1, A2, A3...
52
Eixo 1- Dos sentimentos construídos pela Casa Rebeca
Tendo construído uma história de mais de 19 anos de acompanhamento social e
educativo a crianças de faixa etária de 4 a 12 anos e adolescentes de 13 a 18 anos,
os objetivos e as práticas exercidas demarcaram representações, e sentimentos na
vida de seus acolhidos. Tem-se histórico de crianças e adolescentes que estão no
Projeto há mais de seis anos. O que elas dizem sobre os sentimentos de fazerem
parte desta história:
C(1) – Eu gosto da Casa Rebeca, gosto de tá aqui por causa do recanto. C(2) – Aqui é um lugar bom, a gente aprende, estuda. É ótimo pra mim estudar aqui. C(8) – Gosto daqui porque é muito bom. As professoras, as merendas, o recanto onde nós brinca, meus colegas e a diretora tmabém é boa, os dever também. A(1) – Gosto daqui porque tem um bocado de coisa legal e... é bom participar. A(2) – Eu gosto (risos) daqui. As professoras são legais, as atividades que elas passam. Aprendi muitas coisas aqui.
Durante todo o processo de interação nos aproximamos das discussões de Freire
(1992), sobre formar seres fazedores de sua própria história, no entrelaçar de
sentidos e significados constuídos na vivência e nas aprendizagens que essas
vivências carregam consigo. “Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a
história, como sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da inserção no
mundo e não da pura adaptação ao mundo...” (p.47).
Reconhecer-se como criança que opina, reflete e cria pensamentos e lógicas, é algo
inalcansável para elas, manifestações de vergonha, timidez e risos foram
expressadas nos momentos de ativar suas vozes, de fazer ecoar silêncios, de
expressar seus sentimentos. C2, há oito anos no projeto, apresentou-se com muita
vergonha de falar, depois de momentos de descontração discorreu sua fala,
revelando sua opinião com muita facilidade.
Em se tratando do cotidiano e o modo como estão organizadas, os roteiros diários
de atividades, eles expressaram:
53
C(4 ) O que eu mais gosto é do artesanato e das brincadeiras. C (9) Gosto de muitas coisas. Deixa eu ver...as brincadeiras que a senhora me ensinou, jogar bola, estudar. Tudo é bom. C (6) - Gosto do recanto (alegria). As professoras me ajudam a responder as atividades da escola. A gente trás pra cá e já sabe mais ou menos como responder. A(3) – Não gosto muito de fazer dever, mas gosto de fazer cartão, dos dias da pintura. Gosto dos teatros que as vezes tem aqui.
Percebe-se aqui a desenvoltura nas falas, a autonomia expressa através de gestos
e olhares. A práticas exercidas pelo Projeto como o reforço escolar, é uma das
prioridades a serem efetivadas. Dentro dos objetivos de acompanhamento aos
menores, o reforço é preocupação secundária, porém condicional para pertencerem
a Casa. É a relação entre educação formal e educação não-formal estabelecida
como propostas paralelas de ensino, que é semeada.
A criança que representa C6 antes tímida, calada e passiva discorreu suas opiniões
e sentimentos com bastante naturalidade. Senti que se desprendeu, ao perceber
que estava falando de sua própria história, ali na Casa, e contou vários
acontecimentos que a deixavam inquieta. Lembrava do tempo que eu (a
pesquisadora) ensinava na Casa Rebeca, nossas cantorias depois das orações, os
jogos de matemática...
Eixo 2 - Dos significados construídos pela Casa Rebeca
Em sua organização metodológica, o Projeto Casa Rebeca em seu formato de
organização não-formal de educação abarca para si, juntamente com os objetivos e
perspectivas educativas e sociais voltadas para o desenvolvimento cognitivo,
pessoal e social dos sujeitos, uma gama de significados quanto às aprendizagens
proporcionadas no percurso de suas atividades.
O que aprendem as crianças e adolescentes:
C(2 )– Aprendi a bordar, a pintar, a fazer cartão. Ah sim, eu sou ruim em matemática e a professora me ensina também. C(8) – Aprendi a ler e a escrever. Aprendi a pintar também.
54
C(7) – Aprendi a fazer conta, a ler... C(10) - Aprendi que não podemos namorar cedo, a não usar drogas.
As aprendizagens expostas pelos sujeitos entrelaçam-se na necissadade da
alfabetização como fator base para almejar uma produção intelectual importante
para a luta contra as amarras sociais, como diz Gentili (2007), “ quem está
desinformado é mais facilmente explorado” (p. 61).
Trilhar os caminhos do reconhecimento do papel educativo a ser exercido diante de
uma conjuntura de alto índice de violência, de uma grande maioria de crianças
abandonadas pelos pais, é alimentar na força da esperança a cada dia. As
organizações sociais que aderem a esse tipo de olhar à educação, signifca “fazer
todo dia uma pequena revolução (2007). Os poucos resultados de crianças que
conseguem manejar a vida, superando as estruturas negativas da família e os
valores distorcidos socialmente, apreendidos na vivência da rua, revigora as
tentativas de sempre seguir em frente, mesmo que a passos lentos.
Analisando os apontamentos sobre os significados que a Casa possui frente à suas
ações positivas, abrimos questionamentos sobre o que falta acontecer para melhorar
as condições de ensino e aprendizagem. E as falas mostram as opiniões:
C(8) – Hum...nada! tudo bom aqui. C(4) – O respeito entre os meninos que não tem respeito, e fica falando palavrão. Falta aula de inglês, sou péssima em inglês. C(6) – Falta mais gente, uma sala de videogame. C(3) – Hum...deixa eu ver...aula de computação, mais professoras. A (1) – O teatro, já fiz teatro, se tivesse direto seria bom. A(2) – Melhoraria a Casa se tivesse teatro, só tem de vez e quando. Profesores de inglês, já que o pessoal da Áustria vem visitar a gente.
Tratando-se de qualidade em educação não podemos deixar de destacar as
condições que favorecem o seu desenvolvimento. O ensino através da arte é um
caminho promissor para significar apredizagens. Vivenciar as histórias de vida das
diferentes referências nos palcos teatrais, implica na reivenção de se fazer
educação vinculada a arte como instrumento de formação.
55
Esse é o aprendizado fundamental que arte nos dá: ter a experiências de outras pessoas, saber o que o outro está sentindo, aprender o sentimento do outro, inclusive de povos diferentes, de situações diferentes. Essa formação humana, acerdito, seja o que de mais fundamental nos dê a arte (DUARTE JUNIOR in LINS, 2011. p. 24).
Num espaço de educação não-formal sem a arte, a vida suada e vivida dos sujeitos
resume-se a condicionamentos, sem mobilidade, sem sonhos de transformação. E
conscientes das dificuldades que norteiam as práticas educativas diversas, é preciso
seguir em frente, reiventando histórias e situações sociais. Ir ao encontro do que
Bauman (2001) chama de modernidade líquida, onde os valores e ensinamentos
giram em torno do uso das pessoas enquanto objetos descartáveis.
Compreender as especificidades de cada ator social e as construções que eles
realizam em cada vivência histórica, implica em considerarmos suas identidades,
suas raízes, “trazendo para a cena desta compreensão as visões de mundo, escalas
de valores, sentimentos, desejos, projetos, etnométodos e hábitos específicos”
(MACEDO, 2004, p. 86).
Eixo 3 - Do sentido que Casa Rebeca possui enquanto presença promissora
Diante de todos os impasses pedagógicos, estruturais e ideológicos que norteiam as
ações exercidas pelas professoras e a coordenação, a Casa Rebeca cultiva muitas
sementes educativas em meio aos desencantos na educação dentro do contexto da
contemporaneidade. Em vista disso, provocamos a seguinte situação: Como seria a
vida se não tivesse a Casa Rebeca?
Analisemos as respostas:
C(2) – É, eu ia assim...eu não ia saber de nada, eu ia só andar na rua, só indo pro colégio. Ia pra casa dos outros, ficava na rua. Ia ser ruim pra mim. C(9) – Ia ficar triste. Quando não tive lugares pra eu ir, eu vinha pra Casa. Isto é tudo pra mim. A(2) – Ficaria triste, porque de tarde em casa não faço nada, aí se não tivesse a Casa Rebeca eu fazer o quê em casa, e também ia deixar de aprender. É uma ocupação pra mim.
56
A(1) – Não tinha aprendido nada do que sei agora, não tinha aprendido a bordar, aprendido a ter reforço do colégio. Não sabia o que sei agora.
Para a diversidade de referências acolhidas na Casa Rebeca, uma multiplicidade de
sentidos construídos a respeito dela. Para uns um lugar, um abrigo. Para outros um
manancial de aprendizagens. Para outros ainda uma ocupação. Entre tramas e
esperanças, as perspectivas vão sendo traçadas. No processo de ensino e
aprendizagens, movem-se montanhas ou derrubam-se árvores. Na realidade é
preciso manter “o gosto da luta permanente, gerando esperança, sem a qual a luta
fenece” (FREIRE, 1992, p.179), para então provocar mudanças, mesmo sendo elas
tão pequenas.
Sintetizando o sentido que a Casa Rebeca representa na vida dos seus atores,
propomos a apresentação de uma palavra que abarcasse todas as aprendizagens,
os sentimentos e o olhar que tinham diante do projeto.
Dentre as mais interessantes palavras podemos sentir essas:
C(5 )- Carinho. C(2) – Amor C(6 )– Brincar C(9 )– A minha vida. C(7) – Estudo. C(10) – Tudo. C(11) – União. A(2) – Solidariedade.
As crianças que citaram essas palavras têm um histórico muito rico na Casa
Rebeca, além do tempo que estão no projeto, representam parte da luta de
libertação assumida pela Casa. C9, por exemplo, é um menino que sofre os maus
tratos da mãe que tem uma vida ligada a prostituição. Ele diz que a Casa Rebeca é
“minha vida”, nessa hora a emoção invadiu meu ser, e lembrei as inúmeras vezes
que ele chegou a Casa às 7 horas da manhã sem tomar café, ansioso pelo horário
da merenda.
57
E cada um revelou para si a palavra representativa carregada de sentimentos e
sensações produzidos ao longo de diversas vivências. Tudo que se constroem as
relações, o respeito, as sensibilidades, as aproximações, as rupturas são marcos
que indicam os caminhos promissores ou não, e as descobertas vão surgindo a
medida que cada momento expressam suas aprendizagens. Portanto, educar na
esperança em tempos de desencantos (GENTILI, 2007), é credibilizar os sonhos
coletivamente assumindo a luta pela construção das condições e possibilidade
(FREIRE, 2001).
Eixo 3- O olhar das educadoras do Projeto Casa Rebeca
Discorrendo de conversas informais com as educadoras da Casa Rebeca,
manifestações de indignação, criticidade e revolta foram evidenciadas. E através de
indagações feitas ao longo dos diálogos, foram identificadas caracterizações acerca
da realidade que vive a Casa Rebeca sob o olhar das duas educadoras, assim
identificadas:
E(1) para a educadora que ensina no Projeto Social há sete anos, e atualmente
cursa Educação Física na UNEB (Universidade do Estado da Bahia), campus IV -
Jacobina.
E(2)representa a educadora que participa do Projeto há quatro anos, é graduanda
em Pedagogia na UNOPAR. Ambas têm um histórico de lutas e carências das
camadas populares. Ambas são moradoras de bairros periféricos, e carregam
consigo marcas de desigualdades sociais.
Quanto aos significados que as experiências docentes proporcionam diante dos
problemas diariamente enfrentados, elas pontuaram a Casa Rebeca como:
E(1) - Um refúgio diante das injustiças. Um ambiente que as crianças e adolescentes possam se sentir, amparados e amados . E(2) - Um lugar de trocas de experiências e orientação.
58
Construir essas relações com cada criança e adolescente, com suas
referencialidades distintas, requer atitudes que conduzam a defesa de uma
educação política que favoreça a (des)construção de condicionamentos já pré-
estabelecidos (discriminações quanto a etnia, classes social, etc.) na sociedade.
Para tanto, há de considerar os fatores que estão à disposição para a efetivação
dessa educação política, tão provocada nas organizações não-formais.
A falta de material, a formação qualitativa e contínua direcionada a práticas
transformadoras, e a forte influência negativa dos pais na vida dos filhos escrevem a
história das educadoras enquanto presenças docentes na Casa. Desafiam-se frente
a requalificação do ato educativo mediante a pobreza de recursos, o que não supera
o descaso que os pais e mães demonstram por seus filhos e filhas. Construir forças
de libertação dentro desses contextos é acreditar nas potencialidades que a
educação enquanto mobilização oferece às pessoas.
E1 – “Acredito na educação renovadora, revolucionária, que não baixa a cabeça, que ensina a lutar por seus direitos, trabalhando em grupo. Baseado numa perspectiva de vida melhor para os meninos, diante da realidade de cada família das crianças.” E2 -“Acredito numa educação transformadora, que ajuda a se tornarem pessoas pensativas, reflexivas diante da sua desconfortável vida. Baseado em Cristo, na maneira como ele viveu.”
Com olhares de revolta mostraram suas vozes repletas de insatisfação e criticidade.
Falavam de uma libertação urgente, necessária. Vinda da prática e da
conscientização de que ela é indispensável para a qualificação da vida das crianças
e adolescentes, ela (a libertação) é perpassada entre dores de abandono e descaso
vindos de várias instâncias, que propaga-se desde o familiar até o social. Em meio
a esse panorama a Casa Rebeca traça seus objetivos educativos e sociais, que na
opinião das educadoras são:
E1 – “Acolher. Não fazer diferença entre um e outro. Olhar além das aparências.” E2 – “Acolher crianças, incentivar a amizade, a andar com seus próprios pés...”
59
Exercitar tais objetivos é uma proposta visualizada como evangelização. Mediar
ensinamentos, reinventar valores, desconstruir ideologias é uma tarefa educacional
bastante reveladora. É preciso desprender-se de estereótipos, discriminações
sociais. A lutas alimentadas, as causas defendidas e as práticas exercitadas pelas
educadoras da Casa Rebeca no marco da efervescência dos conflitos em favor das
crianças e adolescentes, e que as educadoras arriscam suas vidas, nos faz
referenciar o texto que Freire (1996) declama:
Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo. Sou o professor contra o desengano que me consome e mobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o riso de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa, mas não desiste (p. 103).
Atuar em espaços não-formais de educação com todos seus embates teóricos e
metodológicos escassos, com um público consideravelmente despolitizado por
sistematizações sociais voltadas ao assistencialismo como sendo solução, e
medidas de promoção de indivíduos, é um chamado à convivência da libertação na
sua concretude, incitando no outro a vontade de decidir, opinar, refletir e lutar, para
alcançar possíveis transformações, mesmo nas dificuldades. Por isso revelam:
Portanto, vale ressaltar as presenças, os olhares do ser do educador como aquele
ser corajoso, criativo e indispensável ao processo de aprender e ensinar caminhos
de possibilidades. Seres aprendentes, que constroem sentidos e significados ao
aproximar-se de linguagens e referências singularidades, constituídas de afetos,
carências expressados na vivência com o outro, que não é apenas alguém, e sim
gente capaz de captar significações extraordinárias.
4.3 Vivências de uma educadora popular
Dentro da história de vida que Projeto Casa Rebeca possui ao longo de seus 21
anos de existência, destacamos a presença de Edileuza Matos da Silva Costa,
natural de Jacobina, tem 29 anos, casada, cursa a graduação em Educação Física
60
pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), e desempenha um trabalho
educativo e social no Projeto Casa Rebeca há sete anos.
Aos 14 anos de idade, Edileuza tornou-se uma adolescente acolhida pela Pastoral
do Menor, que então não era institucionalizada. Mesmo com a sua infância marcada
somente pela presença da mãe, e com as dificuldades de quem pertence a uma
classe economicamente marginalizada, construiu sua história com um alicerce
familiar bastante consistente, o que a diferenciava das demais crianças e
adolescentes. Esse fato foi determinante para futuras aprendizagens. Ela relata:
“A Pastoral do Menor sempre teve uma postura só: não fazer diferença entre as crianças nenhuma. Toda criança é igual em direitos. Mas, como muitas crianças eram bem mais carentes do que eu, principalmente de afeto, de família, porque minha mãe sempre (não tenho o que falar) fez tudo, sempre defendeu, aconselhou, sempre estava do meu lado. Então era como se a responsabilidade também fosse minha de tá lá ajudando elas, mesmo sendo adolescente.”
Analisando essas questões de carência familiar que atravessam as problemáticas
históricas da educação no Brasil, podemos direcioná-la ao Projeto Casa Rebeca
como foco de grandes problemas. Nesse contexto, há duas indagações: a falta de
apoio dos pais, e a influência negativa que eles tem na vida dos seus filhos. O
trabalho educativo semeado nesta realidade pouco alcança seus ideais de
libertação, quando notamos atitudes dos pais na contramão do que é ensinado pelo
Projeto, valores como respeito, amor ao próximo, sentimento de cuidado e
pertencimento à Casa, entre outros.
Aos 22 anos de idade, surgiu o chamado para a docência. A adolescente que um dia
fora acolhida pela pastoral, estava frente a teorias e práticas. Uma estudante
batalhadora, assume portanto a atuação docente da Casa Rebeca, como sinônimo
de enfrentamento, de desafio.
“A coordenadora Cléa então me chamou pra ensinar na Casa. Eu não sou formada em magistério que naquela época era professor não era? Eu não tinha também tanta sensibilidade de conviver com todas as histórias da realidade das crianças, e ainda me sensibilizar. Era mais grossa, mais tímida também, e eu não me aproximava de jeito nenhum, era elas lá e eu cá, era bem assim. Com o tempo, aprendi a ser mais sensível,
61
aprendi a ouvir mais ainda, ouvir assim, não ouvir simplesmente, mas ouvir e entender o lado da outra pessoa,sabe...”
No processo de conviver com o outro, com as suas diferenças e particularidades
assimilamos um universo significativo de aprendizagens. Sujeitos que
aparentemente são rotulados de incapazes, inconseqüentes, inúteis pelo fato de
estarem classificados economicamente no grupo dos pobres, marginalizados,
revelam através do multiculturalismo, linguagens, identidades e potencialidades
enriquecedoras. “No âmbito daquilo a que acostumamos a dar o nome de educação,
acontece também dentro de um âmbito mais abrangente de processos sociais de
interações chamado cultura.” (BRANDÃO, 2002, p. 24).
Diante dos desafios diários que a Casa Rebeca enfrentava as insatisfações, as
revoltas, as indignações aumentavam continuamente. E os dias, e as atividades
pareciam não ter bons resultados. Era inquietante promover iniciativas de
reinvenção de saberes diversos, e ver todo esse trabalho desconstruído a cada dia
quando é chegada a hora do retorno às residências.
MOMENTOS DE DESÂNIMO... “Quando eu chegava em casa, eu não dormia pensando: eu saio ou não da Casa Rebeca? Só que aí, vinha aquela força, aquele poder, alguma coisa dentro de mim me dizia: não saia, não saia. Você é muito maior do que isso, de todos esses sentimentos ruins de todas essas dificuldades que você passa, você é muito maior do que isso. Eu sempre pensava, eu sou maior só que isso, eu vou conseguir. A minha convivência foi se tornando melhor, eu fui crescendo, amadurecendo na verdade, porque eu com vinte e dois anos não era adolescente, mas também não era adulta. Eu fui amadurecendo no trabalho, e nesse amadurecer me tornei independente, adulta. Eu não vou deixar que A ou B falem o que devo fazer. Eu vou decidir o que eu quero pra minha vida.” Desabafa Edileuza.
Criar sentimentos de independência, de liberdade, de autonomia é o caminho a ser
trilhado por cada um de nós, buscando reconhecer no outro e em nós como o outro,
a capacidade de existenciar-se. Significar a nossa existência, na troca de saberes,
no contato com a diversidade e nutrir-se dela, nos torna segundo Brandão (2002)
mais do que seres “morais” ou “racionais”, nós somos seres aprendentes”(p. 25).
62
RESULTADOS DA ATUAÇÃO...
Hoje, ao longo dos meus trinta anos, sinto um pouco de satisfação, porque eu acredito como fui vitoriosa porque eu participei aos 14 anos, e se eu não tivesse participado, com certeza, minha história de vida seria outra. Mas, assim, eu vejo que muitas pessoas gostam do nosso trabalho, e acham que é um trabalho sério, como vejo que é um trabalho sério, é um trabalho que a gente não faz por brincadeira, é um trabalho que meche com a vida das pessoas, principalmente das famílias. Agora eu acredito o seguinte: se a gente pudesse ter um pouquinho mais de apoio, um pouco maios de tempo, de material pra gente ir até as famílias o trabalho seria melhor. A Casa Rebeca para mim, é uma missão”.
Compreendemos a importância do Projeto para além dos limites do assistencialismo,
e a atuação docente como instrumento de formação política e qualificação das
práticas educativas. Reinventar a realidade assessorada pela educação como
cultura, faz-se necessário.
63
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Adentrar nas caracterizações da educação não-formal com todos seus aparatos
práticos e ideológicos foi o ápice para fomentar muitas descobertas, no vislumbrar
de possibilidades educacionais ensejadas na sede de mudanças, no
reconhecimento do processo de compreensão da realidade como algo
problematizador, acreditando na ideias de Gentili e Alencar (2007) que salienta o
fato de que o “próprio ser humano é uma possibilidade”(p. 99).
Construir relações, tecer sentidos e significados através da convivência com a
multirreferencialidade de sujeitos, nos convida a alimentar tantos sonhos de
possibilidades, que deságuam na luta incessante pela efetivação da participação
cidadã como uma reinvenção de se fazer educação, moldando uma cultura política
de atuações populares, no marco da contemporaneidade.
Problematizar a conjuntura do Projeto Social Casa Rebeca, com todos seus atores
envolvidos e suas demandas educativas e sociais, representou uma parte de mim
agora compreendida e historicizada para futuras realizações. Os valores e
aprendizagens apreendidas por meio da experiência foram inefáveis. A aproximação
de nossas concepções de educação, muitas vezes distorcidas, frente à realidade
sentida e vivida nos faz caminhar com os pés fincados no chão, certos de que as
contraposições existentes serão extraídas do conhecimento que temos daquilo que
experimentamos.
Os sentidos e significados que as crianças e adolescentes construíram ao longo de
cada acontecimento, cada aprendizagem e momentos de interação, fazem e
refazem o jeito de ser e agir da Casa Rebeca. Mediante a situação atual de
carências afetiva, familiar, econômica e de formação docente, as perspectivas
educativas são traçadas a partir da inconstante necessidade de qualificação das
práticas, uma vez que essas determinam a relevância do Projeto Social.
Acreditar na educação como aquela que abre espaço para (des)construções de
ideologias , é credibilizar a força política que ela detêm. Percebendo-a como
ferramenta de luta e de libertação, concretizam-se as potencialidades que possui no
64
enfrentamento das desigualdades sociais postas como algo estático e estabelecido.
Alimentando-se dos pensamentos de Freire (2001), respaldamos a educação na
perspectiva da justiça, como aquela que deve despertar os dominados para a
necessidade da briga, da organização, da mobilização crítica, justa e democrática,
séria, rigorosa provocando o desejo da participação ativa e consciente diante das
injustiças praticadas (p. 99).
Acredito na educação libertária quando vivencio experiências dignificantes como as
da Casa Rebeca. Em meio ao número relevante de adolescentes vítimas do tráfico
de drogas, das crianças abandonadas pelos pais, sujeitos sem perspectivas de vida,
entre outros contextos, em qualquer situação, há de se buscar no acolhimento diário,
o desejo de ver suscitar sorrisos e contentamentos ofuscados na pobreza de sonhos
e na passividade das idéias.
É o exercício de concretizar as possibilidades, que a educação permite almejar.
Sonhar uma educação sem luta, sem resistência e ancorada em políticas
compensatórias, é negar seu poder de reinvenção. Os resultados desta pesquisa
nos conduzem a essa perspectiva, de construir a partir das inter-relações entre
sujeitos, sentidos e significados sobre as posturas exercidas, a caminho de
possíveis reinvenções, pois como Freire (1992) “não há utopia verdadeira fora da
tensão entre a denúncia de um presente tornando-se cada vez mais intolerável e o
anúncio de um futuro a ser criado, construído, política, estética e eticamente, por
nós, mulheres e homens” (p. 31).
Acredito, pois na educação como ato político necessário.
65
Referências ALBERTI, Verena. Fontes orais. Histórias dentro da história. IN: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes histórias. (org). 2 ed. – São Paulo: Contexto, 2008. ALVES, Rubens. Conversas com quem gosta de ensinar. –Campinas, SP: Papirus, 2000. ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de: Etnografia da prática escolar. – Campinas, SP; Papirus, 1995. – (Serie pedagógica). BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LAHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de Metodologia Científica: Um guia para a iniciação científica – 2. ed. Ampliada, São Paulo, Makron Books, 2000. BIANCHETTI. Roberto G. Modelo neoliberal e políticas educacionais. Ed. São Paulo: Cortez, 2005. BOFF, Leonardo; BOFF, Clodovis. Como fazer teologia da libertação. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 2001. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. ________, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 2002. ________, Carlos Rodrigues. A educação como cultura. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2002. CERVO, Amado Luiz; BERVIAN, Pedro Alcino; SILVA, Roberto da. Metodologia científica. – 6 ed. – São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007. CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. 2 ed. – Petrópolis, RJ:Vozes, 2008 CORAGGIO, José Luís. Desenvolvimento humano e educação: o papel das ONGs latino-americanas na iniciativa da educação para todos. – São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 1996. DEMO, Pedro. Avaliação Qualitativa. 3 ed. – São Paulo: Autores Associados, 1991. DURIGUETTO, Maria Lúcia; SOUZA, Alessandra Ribeiro de e SILVA, Karina Nogueira. Sociedade civil e movimentos sociais: debate teórico e ação prático-política. Rev. katálysis [online]. 2009 vol.12, n.1, Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php . Acesso dia 12 de julho 2011. FERNANDES, Ângela Maria Dias et al. Cidadania, trabalho e criação: exercitando um olhar sobre projetos sociais. Rev. Dep. Psicol. UFF [online]. 2006, vol.18, n.2, pp. 125-142.
66
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa – São Paulo: Paz e Terra, 1996. ________, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. – Rio de janeiro: Paz e Terra, 1992. _________, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra: 1987. _________, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. Ana Maria Araújo Freire – organizadora. – São Paulo: Editora UNESP, 2001. _________, Paulo. Política e educação. – São Paulo: Cortez, 1997. GARCIA, Regina Leite. Método; Métodos e contramétodo – São Paulo: Cortez, 2003. GOHN, Maria da Glória. Abordagens teóricas no estudo dos movimentos sociais na América Latina. Caderno CRH, Salvador, v. 21 n.54, set/ dez, 2008. Disponível em www.scielo.br/pdf/ccrh/v21n54/03. Acesso em 10 de agosto de 2011. _________, Maria da Glória. Educação Não-formal e cultura política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. - São Paulo: Cortez, 2005. _________,Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Rev. Saúde e sociedade. [online]. 2004. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?. Acesso dia 10 agosto de 2011. _________, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. - 2 ed. São Paulo: Cortez,1994.
_________, Maria da Glória. Movimentos sociais: espaços de educação não-formal da sociedade civil, 2004. Disponível em http://universia.com.br . Acesso dia 14 de julho 2011.
GENTILI, Pablo; ALENCAR, Chico. Educar na esperança em tempos de desencantos. 7 ed. – Petrópolis, RJ:Vozes, 2007. GROSSI, Esther. A coragem em mudar em educação. Petrópolis, RS: Vozes, 2000. http://www.pastoraldomenornacional.org/site/a-pastoral-do-menor/quem-somos. Acesso dia 06 de junho de 2011. LAKATOS, Eva Maria. MARCONI, Maria de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 6 ed. – São Paulo: Atlas, 2005. LAPLANTINE, François. A descrição etnográfica; Tradução João Manuel Ribeiro Coelho e Sérgio Coelho. São Paulo: Terceira Margem, 2004. LINS, Claudia Maisa Antunes. A arte e a educação. – Juazeiro: Fonte Viva, 2011.
67
MACEDO, Roberto Sidnei. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. 2. ed. Salvador: EDUCBA, 2004. PREISWERK, Mathias. Educação popular e teologia da libertação; Tradução de Romualdo Dias. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. STRECK, Danilo R. Entre emancipação e regulação: (des)encontros entre educação popular e movimentos sociais. Rev. Bras. Educ.\ [online]. 2010, vol.15, n.44. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n44/v15n44a07.pdf. Acesso dia 13 de agosto de 2011. TEDESCO, Juan Carlo. O novo pacto educativo: educação, competitividade e cidadania na sociedade moderna. –São Paulo: Ática, 1998. ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. trad. Ernani F. da Rosa. – Porto Alegre: Artmed, 1998. WARREN, Ilse Cherer. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Soc. estado. [online]. Vol. 21, n.1. 2006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php Acesso dia 26 de maio 2011
68
APÊNDICES
69
Depoimento de Cléa Gomes coordenadora da Casa Rebeca
O projeto da Casa Rebeca é um espaço de refúgio para as crianças e adolescentes
carentes e em situação de risco, que na sua maioria tem como famílias mães
separadas, mães solteiras, mães avós, mães alcoólatras, pais que usam drogas,
pais que geraram sem nenhum planejamento e não conseguem educar e preparar
seus filhos para enfrentar a vida em grupo e em sociedade.
Muitos momentos nestes anos tivemos vitórias, mas também descaso total das
autoridades municipais e de outros que poderiam ter sido solidários a esta causa.
Sonhamos que um dia estas crianças se tornem pessoas conscientes e
conhecedoras da realidade social a partir da sua própria vida, a fim de saberem se
posicionar na sociedade, sonhamos que um dia as famílias destes meninos sejam
parceiras no projeto e ajudem a resgatar seus filhos para que estes não entre no
mundo da marginalidade e abandono, por que acreditamos na vida a partir da
solidariedade e da animação que Jesus o filho de Deus nos dá para tentarmos ser
Luz em meio as trevas.
Cada pessoa vem neste mundo com uma missão, amar e servir, e eu penso que
para muitos este amor é prova de fogo que arde, doe, mas que realiza e os faz feliz,
nesta estrada muitas vezes chorei tive vontade de fechar a Casa, muitas vezes
achei loucura continuar, a maioria destes meninos não conseguem dar passos
diferentes, a mudança é lenta demais, mas tenho pessoas que me motivam a
continuar mesmo em meio a dor da indignação, e eu sei que elas são enviadas por
Deus, pois a força que recebo não pode ser humana, as duas pessoas que ainda
estão comigo dão tudo que pode de si mesmo para semear a semente mesmo em
meio a tantos pedregulhos, as que passaram por aqui, também deram seu recado, o
padre José não se cansa de dizer “Vai em frente Deus está com vocês nesta luta.”
Os problemas são constantes começando pela questão financeira, o projeto prega
uma coisa na família é outra realidade, a falta de apoio público e social também é
uma pedra no caminho. Muitas vezes somos interpretados como loucos por irmos
contra ao massacre e violência de tantos meninos e meninas que pagaram o preço
com as suas vidas por se tornarem deliquentes incentivados pela própria família e
70
sociedade, por tentarmos oferecer aos meninos o espaço para expressão do que
pensam e sentem, por tentar educar de forma diferente. Portanto, para mim, a Casa
Rebeca é um sonho, de termos pessoas na vida como Edileuza, Erielson, Rafael,
Fabrício, Alessandra, Clarice, Rosilaia e tantos outros que apesar da sua dura e
sofrida realidade da infância assumem a sua vida com dignidade sem deixar levar
pela onda da sociedade.
71
Depoimento do Padre José orientador espiritual da Casa Rebeca
Com alegria e satisfação lhe escrevo a minha experiência a respeito da Casa
Rebeca. A origem nos fala da criança Rebeca , que faleceu por causa da fome e
para que não se morre mais de fome e de abandono foi criada essa casa
maravilhosa para as crianças , onde eles encontram o espaço delas , mães e irmãs
(os) deles e sobretudo amor fraterno. São crianças muito sofridas, desamparadas e
marcadas pela opressão de geração em geração. As professoras heróicas se doam
com aquele esforço de devolver a dignidade e a paz familiar, por isso se faz
reuniões frequentes com os pais destes jovens, adolescentes e crianças, para gerar
um comportamento de compreensão, de levar um espírito de luta contra a violência
e a morte, quando se trata de socorrer crianças ameaçadas na rua ou em situações
de risco. Este projeto sobrevive em primeiro lugar pela mão de Deus, que envia
doadores e recursos para que todos (as) se sustentam. Questiona nós e as
autoridades a respeito da responsabilidade transformadora definitiva, que deve parar
a maquina de miséria e matança de muitos. A Casa Rebeca nos apela para a
constante reconciliação familiar, escolar e social. Deus abençoe tudo e todas (os),
que colaborem pela sobrevivência deste instrumento, que é de máxima importância.
72
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM
ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM AS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
Você gosta da Casa Rebeca?
O que você já aprendeu na Casa Rebeca?
O que você mais gosta na Casa Rebeca?
Em que a Casa Rebeca ajuda você
Como seria sua vida se não tivesse a Casa Rebeca?
O que a Casa Rebeca significa para você?
73
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS VII
SENHOR DO BONFIM
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COM AS EDUCADORAS
Qual o significado que a Casa Rebeca tem para você?
Como você avalia as atividades educativas realizadas na Casa Rebeca?
Quais são os objetivos traçados pelo projeto?
Que pensamento embasa os objetivos da Casa Rebeca?
Que tipo de educação você acredita?
Qual seu sentimento diante das perspectivas do Projeto?b
Quais as dificuldades sócio-educativas enfrentadas?
74
Apresentação cultural – Dança afro (Dia da Consciência Negra)
Apresentação de Natal feita pelos adolescentes– O nascimento de Jesus
75
A horta do recanto Moisés Vitorino dos Santos
Oficina de capoeira
76
Gincana do Dia das Crianças
Encontro de formação de professores: parceria entre Projeto Social e escola
77
Almoço comunitário de Natal
Adolescentes da Casa Rebeca ajudando a organizá-la nas férias