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Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio A busca da Flor de Ouro Como os textos clássicos chineses de alquimia interior podem influenciar a prática clínica de um acupuntor no moderno mundo ocidental Autor: João Carlos Baldan Acupunturista – Associação Brasileira de Acupuntura – ABA 349 Sindicato dos Acupunturistas e Terapeutas Orientais – Satosp 736 Terapeuta – Sindicato dos Terapeutas – CRT 31.535 Monografia de Conclusão do Curso de Especialização em Ciências Clássicas Chinesas Orientador: Orley Dulcetti Jr São Paulo – Primeiro Semestre – 2007

Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

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Page 1: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio

A busca da Flor de Ouro

Como os textos clássicos chineses de alquimia

interior podem influenciar a prática clínica de

um acupuntor no moderno mundo ocidental

Autor: João Carlos Baldan

Acupunturista – Associação Brasileira de Acupuntura – ABA 349

Sindicato dos Acupunturistas e Terapeutas Orientais – Satosp 736

Terapeuta – Sindicato dos Terapeutas – CRT 31.535

Monografia de Conclusão do Curso de

Especialização em Ciências Clássicas Chinesas

Orientador: Orley Dulcetti Jr

São Paulo – Primeiro Semestre – 2007

Page 2: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

A busca da Flor de Ouro

Ilustração Wisheng Shenglixue mingzhi

Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta

Zhao Bichen

Page 3: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

“O pressuposto inicial da cosmovisão é a de que o cosmo e o

homem, no fundo, obedecem às mesmas leis; o homem é um cosmo em

miniatura, não estando separado do macrocosmo por barreiras

intransponíveis. São regidos pelas mesmas leis e há uma passagem ligando

uma situação à outra. O homem participa por sua natureza de todo

acontecimento cósmico e está entretecido a ele, interna e externamente”.

Richard Wilhelm

“A partir do fundo, o fogo sobe e penetra a semente, incubando-a,

de tal modo, que uma grande flor de ouro cresce da vesícula seminal. Esta

simbólica refere-se a uma espécie de processo alquímico de purificação e

de enobrecimento; a escuridão gera a luz e a partir do ´chumbo da região

da água` cresce o ouro nobre; o inconsciente torna-se consciente

mediante um processo de vida e crescimento. Desse modo se processa a

unificação de consciência e vida”.

Carl Gustav Jung

“Se quiseres completar o corpo diamantino sem efluxões

Deves aquecer diligentemente a raiz da consciência e da vida.

Deves iluminar a terra bem-aventurada e sempre vizinha

E nela deixar sempre escondido teu verdadeiro Eu “.

Hui Ming Ging

“Quando a soberania está centrada e em ordem,

todos os heróis subversivos se apresentam com as

lanças de ponta para baixo a fim de receber ordens”

Richard Wilhelm

Page 4: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Esta monografia, embora não pretenda atingir a forma e a constituição de uma resenha,

segundo sua acepção clássica, ela se aproxima bastante disto. Afinal, não se trata, aqui de um

´resumo crítico´ de determinada obra, conforme reza os parâmetros da resenha. No entanto,

como tal permite, tecemos comentários ao longo deste trabalho, bem como emitimos opiniões

e realizamos julgamentos de valor, além de realizarmos comparações com outras obras de

áreas afins, seguidas das devidas avaliações.

Apresentamos as linhas de um raciocínio complexo sobre diversos assuntos

pertinentes e apresentados logo na introdução deste trabalho, baseado em textos clássicos

chineses e em um trabalho de uma colega psicóloga, sem, no entanto, finalizarmos com a

pretensão científica da defesa de uma tese abalizada em experiências empíricas. De fato, este

trabalho não fecha questões. Antes, ao contrário, ele pretende formular propostas para futuros

estudos e reflexões.

Neste sentido, foram estudadas duas obras principais. “O Segredo da Flor de Ouro”

(Tai I Gin Hua Dsung Dschï), texto clássico chinês em uma edição específica que conta com

comentários de Carl Gustav Jung e Richard Wilhelm e “Wisheng Shenglixue mingzhi –

Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta” de Zhao Bichen, com tradução e introdução de

Catherine Despeux na versão para o castelhano de Francisco F. Villalba.

Um outro texto clássico – Hui Ming Ging ou o ´livro da Consciência e da Vida` foi

bastante utilizado nas pesquisas e citado no decorrer do trabalho.

*

Antes de tudo, porém, para ambientar e contextualizar o escopo da discussão proposta,

o autor apresenta e propõe uma meditação – seguida de avaliação despojada de valores pré-

concebidos – sobre o que, de fato, representou o contato entre civilizações tão díspares,

quanto a ocidental e a oriental, sobretudo para os primeiros. Principalmente no tocante aos

seus reflexos sob a análise do ponto de vista psicológico.

Mais uma vez não se pretendeu fechar questão. Antes, porém, abrir horizontes para o

pensamento, a cultura e a informações futuras.

Page 5: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Na trajetória, não nos esquecemos de questões didáticas relacionadas ao objetivo

proposto, de tal sorte que foram apresentados alguns conceitos básicos da cultura e medicina

chinesas, de forma menos aprofundada, é certo – não por desmerecimento dos temas e sim

para não corrermos riscos de perda no foco prático, ou mesmo da finalidade desta monografia.

Destarte, realizado tal alerta, tratamos de conceitos como Tao, dualidade primordial,

Tchi ou Qi, além de apresentarmos considerações, não menos importantes, sobre energias e

seu ´engendramento` no homem.

Seguindo por esta linha de raciocínio, apresentamos os ciclos de geração e

dominância, tratamos de numerologia chinesa – sobretudo do número cinco e não deixamos

de comentar sobre sua simbologia – estabelecemos paralelos entre medicina chinesa e física

quântica, bem como comentamos os fatores de adoecimento. Dedicamos um capítulo especial

às ´entidades viscerais` e falamos, ainda que rapidamente, sobre o Shen, o Espírito, assunto

vasto e profundo que mereceria, seguramente, outro trabalho de igual monta.

No entanto, como se trata de assunto absolutamente importante e inerente aos

objetivos desta monografia, o tratamos da melhor forma possível, sem perdermos o

referencial primeiro deste trabalho.

Com isso, encerramos a primeira parte.

Na segunda, adentramos nossos estudos explicando porque nossa preferência por Jung,

citamos seus estudos e práticas clinicas relacionadas às pesquisas sobre alquimia e seus

reflexos psicológicos nas fases da busca do Elixir da Longa Vida, segundo o modo ocidental

de pensar.

Demos um salto para o oriente e fizemos referência, com maior ênfase aos textos

clássicos propriamente ditos, de como eles indicam as aplicações e recomendações rumo à

obtenção do ´Elixir da Longa Vida`, ou o caminho para a longevidade mediante fórmulas e

exercícios apresentados pela chamada alquimia interior, segundo a concepção chinesa.

Estudamos o caminho da meditação, bem como a fisiologia Taoísta, os Vasos

Extraordinários, ou Maravilhosos, bem como realizamos um resumo das etapas propostas

pelos textos clássicos na obtenção de tal alquimia.

Apresentamos a conclusão de Zhao Bichen, bem como de outros taoístas, além de

propormos uma discussão – e reflexão – de como todo este embasamento teórico pode

refletir-se na prática clínica moderna ocidental.

Page 6: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Encerramos, conforme já dito, não propondo questões fechadas e sim indicando uma

possível abertura para novos estudos e caminhos que poderão propiciar ao moderno terapeuta

acupunturista – por intermédio de um olhar bastante individual sobre seus pacientes – uma

tentativa de visar algo mais e maior do que a simples retirada de sintomas ou a cura de males

ou doenças.

Palavras Chaves:

Medicina Tradicional Chinesa – MTC, Acupuntura, O Segredo da Flor de Ouro, Alquimia Ocidental,

Alquimia Chinesa, Alquimia Interior, Medicina Taoísta, Meditação, Entidades Viscerais.

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Sumário

Introdução ....................................................................................................... xx

Primeira Parte

Capítulo I – Ponto de Partida: Contato ou Choque? ......................................... xx

Capítulo II – Do Tao à Dualidade Primordial ................................................... xx

Capítulo III - Dois pólos: antagônicos, mas complementares ............................. xx

Capítulo IV – Tchi ou Qi – Um sopro a se realizar ........................................ xx

Capítulo V – Conceitos importantes sobre Energias ........................................ xx

Capítulo VI – Patologias Modernas versus Patologias Antigas ...................... xx

Capítulo VII - Ciclos de Geração e Dominância .......................................... xx

Capítulo VIII – O número Cinco e sua Simbologia ......................................... xx

Capítulo IX – Paralelo com a Física Quântica ............................................... xx

Capítulo X – Fatores de adoecimento, segundo a MTC ................................. xx

Capítulo XI – Entidades Viscerais ................................................................. xx

Capítulo XII – Shen, o Espírito........................................................................ xx

Segunda Parte

Capítulo XIII – Apêndices Psicológicos à chinesa .......................................... xx

Capítulo XIV – O Porque de Jung ..................................................................... xx

Capítulo XV – Alquimia, pela Alquimia mesma ............................................... xx

Capítulo XVI – Fisiologia Taoísta e Alquimia Interior ..................................... xx

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Capítulo XVII – Os Oito Vasos Extraordinários, ou Maravilhosos ................. xx

Capítulo XVIII – A Flor de Ouro é o Elixir da Vida ............................................ xx

Capítulo XIX – A Flor de Ouro é a Luz do Céu ............................................. xx

Capítulo XX – O Caminho da Meditação .......................................................... xx

Capítulo XXI – As Etapas da Alquimia Interior na Leitura Chinesa ................ xx

Capítulo XXII – Sublimação da Essência ............................................................. xx

Capítulo XXIII – Sublimação do Sopro ................................................................ xx

Capítulo XXIV – Sublimação da Energia Espiritual ............................................ xx

Capítulo XXV – Conclusão: Zhao Bichen & Taoístas ....................................... xx

Capítulo XXV – Conclusão Final.................................................................. xx

Referências Bibliográficas............................................................................... xx

Page 9: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Introdução

A idéia para a realização desta monografia para a conclusão do curso de especialização

em Ciências Clássicas Chinesas pela Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio

partiu da necessidade de o autor estabelecer alguns parâmetros entre sua prática clínica –

como terapeuta acupunturista ocidental – face à riqueza e profundidade da filosofia,

pensamento e espiritualidade chinesas.

Para ampliar o assunto em referência e tratando-se da origem do autor – descendente

de italianos, nascido e criado no bairro do Bom Retiro, próximo ao centro da cidade de São

Paulo, SP – buscou-se, então, levantar como foram, e de fato ainda é, para os cidadãos das

diversas culturas e formações os primeiros contatos do homem ocidental com a civilização

oriental.

Antes de tudo, é preciso destacar que tais contatos se deram em diversos momentos

históricos e de variedade muito grande de formas. Muitas delas, de maneira absolutamente

específica e individual, como foram os casos de alguns renomados sinólogos, sem contar a

experiência própria de G. Soulié de Morrant que, literalmente, mergulhou na cultura chinesa

de modo a apreender os cânones mais profundos da Medicina Tradicional Chinesa – MTC e

da Acupuntura para transformar-se, posteriormente, em seu introdutor às mentes da

civilização ocidental.

Dito isto, e excetuando-se tais sinólogos e o próprio Soulié de Morrant, pode-se

perguntar como foram os contatos entre estas duas civilizações hemisféricas? Como

ocidentais, cabe formular algumas perguntas.

– Como foi este impacto para nós, diante de uma cultura milenarmente mais evoluída?

Como este contato modificou – e ainda está modificando – sua prática clínica mediante a

aplicação da Acupuntura, por exemplo? Como foram as primeiras relações entre ´o estado da

alma` dos ocidentais com este mesmo estado dos orientais e vice-versa?

Em um trecho do livro ´O Segredo da Flor de Ouro, Um Livro de Vida Chinês`, com

comentários de C. G. Jung e R. Wilhelm1, o primeiro reconhece que o conhecimento do

1 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. O texto original Tai I Gin Hua Dsung Dschï provém de um circulo esotérico da China cujo teor foi transmitido

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Oriente implicou em um conhecimento de uma civilização milenar, “edificada organicamente

sobre instintos primitivos, a qual nada tem a ver com a moralidade brutal dos germanos

bárbaros, recentemente civilizados que somos (referindo-se aos europeus). Por isso, os

chineses não têm tendência à repressão violenta dos instintos, que envenena nossa

espiritualidade, imprimindo-lhe um exagero histérico”2, escreve Jung3.

Uma repressão, como veremos no decorrer desta monografia, capaz de causar uma

ferida na psique que necessitará ainda de algum tempo antes de fechar-se totalmente.

Note-se, entretanto, que esta é apenas uma das premissas básicas, o ponto de partida

desta monografia que tem a presunção de analisar um outro tópico importante da filosofia

chinesa que, em seus ditames mais profundos, relaciona-se à alquimia antiga, por exemplo, e

sua possível importância na prática clinica do profissional acupunturista.

– Existem conceitos, até mesmo pontos de acupuntura que devem ser levados em

conta na hora de se aplicar uma agulha em tratamento de patologias comuns que podem

atingir o amplo conceito da alquimia? – Como a alquimia prevê a unificação de consciência e

vida? – Como se deve atentar aos pontos específicos, durante a anamnese, de modo a escolher

a melhor terapêutica, segundo tais princípios?

De fato, estas foram as primeiras perguntas surgidas ao se pensar sobre o tema desta

monografia e que se somaram a muitas outras relativas a tal proposta. Principalmente se

levarmos em conta a possibilidade de um corpo teórico – tão vasto e profundo quanto o da

Medicina Tradicional Chinesa – MTC, que conta com registros há pelo menos cinco mil anos

– que visa inclusive tratar de patologias consideradas contemporâneas e modernas de estudos

e relatos bem mais recentes. – Haveriam patologias tão similares na época antiga? – Como o

conhecimento filosófico pode auxiliar nesta prática clínica?

Estas são algumas das questões que procuraremos responder e também propor para

uma reflexão conjunta ao longo deste trabalho.

oralmente durante muito tempo. Mais tarde também por intermédio de manuscritos. A primeira publicação data da época de Kiën-Lung (século XVIII), e em 1920 este texto foi reimpresso em Pequim, aparecendo numa edição de 1000 exemplares, junto com o Hui Ming Ging. 2 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 60. 3 Carl Gustav Jung, ilustre médico suíço nasceu em 1875. No principio de sua carreira dedicou-se à psiquiatria e à compreensão da psique humana. Contemporâneo de Freud, Jung foi considerado um de seus discípulos favoritos. Porém com o tempo, diferenciou-se, pois acabou discordando e ampliando alguns de seus conceitos principalmente no tocante ao desenvolvimento da sexualidade e seus distúrbios. Jung não satisfeito foi além. Observando os sonhos de seus pacientes, mitos das mais diversas culturas e religiões, Jung constatou a existência de uma estrutura psíquica comum a toda humanidade. A isto chamou de Inconsciente Coletivo.

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Primeira Parte

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Capítulo I

Ponto de Partida.

Contato ou Choque?

O contato entre as civilizações oriental e ocidental – logo após tomarem conhecimento

uma da outra – pode ser analisado sob diversos ângulos e facetas. Afinal, falamos de culturas

de natureza absolutamente diferentes, de formas e costumes totalmente díspares e, até então,

autônomos diante de um conhecimento que deve ser analisado, aliás, como tudo, em sentido

de mão dupla. De ida e de vinda, como tão bem preconiza a filosofia oriental, em especial a

chinesa.

É fato que foram – e ainda são – muitas as dificuldades, segundo a ótica do mundo

ocidental, para que se possa entender o âmago dos conceitos filosóficos – e, por conseguinte,

da própria Medicina Tradicional Chinesa –MTC em toda a sua magnitude.

A começar pela linguagem do mundo oriental. Peguemos, em princípio, este fato, o da

linguagem. É fato que não pretendemos adentrar aqui na complexa concepção filosófica dos

ideogramas, fato que daria, certamente, uma outra monografia. No entanto, iremos apenas

ressaltar que os ideogramas representam idéias e símbolos, ao contrário das palavras, sinais e

signos, conforme as conhecemos nos diversos idiomas ocidentais.

Vamos aqui nos ater às dificuldades de interpretação dos textos orientais segundo o

´ponto de partida`, a inicial de um texto e da defesa das idéias, algo semanticamente diferente

do que estamos acostumados a lidar.

O Centro como Partida

Uma diferença básica – e de fundamental importância – é que o autor chinês,

normalmente, parte do centro de suas idéias. Ele inicia seu texto, sua defesa teórica,

justamente pelo assunto principal, pelo mais importante. Depois, conforme o caso, ele vai

explicando, de maneira simbólica, o âmago apresentado logo no início.

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É o que o ocidental denomina de ápice, meta, ou o último fato a ser conhecido em uma

explanação, seja textual, seja oral. É a conclusão teórica. Apenas para dar um exemplo prático

do que isto significa, é como se iniciássemos uma monografia pela sua conclusão.

Portanto, enquanto o oriental inicia sua explanação pela parte mais importante, nós,

ocidentais, damos inúmeros volteios até atingir o clímax do texto, ou apontar a conclusão de

todo o raciocínio teórico anteriormente apresentado.

Entre outros tantos exemplos, neste sentido, podemos citar duas frases inicias do texto

denominado Hui Ming Ging4:

“O que existe por si mesmo se chama Tao”.

Uma outra:

“O segredo mais sutil do Tao é a essência e a vida”5.

A tradução do chinês para o português, como se vê, indica uma série de palavras que

podem sugerir grande profundidade e magnitude teórica e filosófica. Lembremos de um

detalhe importante, já dito acima e que convém repetir. Não há única tradução para os

ideogramas, principalmente aos temas filosóficos, aos ligados à cosmogênese e no tocante à

Medicina Tradicional Chinesa – MTC.

Basta citar as traduções existentes relativas ao Tao, ideograma que possui, na

linguagem chinesa, dois sinais: cabeça e caminhar.

Por conta disso, muitos autores traduzem Tao por ´caminho` ou ´providência`. Alguns

jesuítas o adaptaram para `Deus´ e Richard Wilhelm, por seu lado, traduz o termo Tao por

´sentido`.

4 Essência (sing) e consciência (hui) – Hui Ming Ging, texto citado no livro O Segredo da Flor de Ouro – Um Livro de Vida Chinês – C.G.Jung e R.Wilhelm, Editora Vozes, 2ª. Edição, Petrópolis, 1984, tradução de Dora Ferreira da Silva e Maria Luíza Appy, página 36. Na página 83 desta mesma obra, Richard Wilhelm escreve que o Hui Ming Ging, ou livro da Consciência e da Vida, foi editado por Liu Hua Yang, em 1794. Natural de Hukou, província de Kiangsi, Liu Yang tornou-se posteriormente monge no Claustro da Dupla Flor de Loto (Shuang Liën Si) na província de Anhui. A tradução foi baseada numa nova edição, que alguém, sob o pseudônimo de Hui Dschen Dsï (aquele que se tornou consciente da Verdade), imprimiu juntamente com o Segredo da Flor de Ouro, numa tiragem de mil exemplares em 1921. 5 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 36.

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Diante disso, comprova-se, mais uma vez, que a tradução pode variar muito, segundo

o tradutor, sua filosofia, experiência de vida, raciocínio, formação didática e orientação

filosófica etc. Vale lembrar que, no caminho da tradução, também se pode utilizar a amplitude

do raciocínio analógico – que, aliás, vai muito além das simples comparações como as

utilizamos no decorrer do aprendizado nas escolas acadêmicas ocidentais –, de modo a

ampliarmos os conceitos inerentes ao nosso objeto de estudo.

Desta forma, para o conceito de ´cabeça`, por exemplo, pode-se fazer analogias com o

termo consciência, da mesma forma que com ´caminhar` para, juntando-se os dois símbolos,

ser traduzido como ´caminho consciente`. Ainda recorrendo-se à analogia, Tao também pode

ser livremente traduzido como a ´luz do céu`6, uma vez que a essência e a vida estão contidas

na luz proveniente do céu.

Como se vê, mais uma vez, ficam patentes as diferenças entre as culturas do Oriente e

do Ocidente, bem como de sua escrita e interpretação simbólica.

Enquanto aqui no ocidente o raciocínio e o pensamento seguem um determinado

sentido e de forma linear, reto e plano, no Oriente ele é mais parecido com o universo,

redondo, circular e global. Como se pode ver no exemplo que se segue:

“Se quiseres completar o corpo diamantino sem efluxões7

Deves aquecer diligentemente a raiz da consciência e da vida.

Deves iluminar a terra bem-aventurada e sempre vizinha

E nela deixar sempre escondido teu verdadeiro eu”

Hui Ming Ging8

6 id. ibid., página 36. 7 Eflúvio – sm – Fluido sutil que emana dos corpos; emanação; perfume, aroma fragrância. Dicionários da Língua Portuguesa – Soares Amora – 6ª. Edição – Editora Saraiva – Evitar a efluxão refere-se à proteção da unidade da consciência contra a fragmentação provocada pelo inconsciente. 8 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 37.

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Segundo Carl Gustav Jung, na obra citada, estes versos contém uma indicação

alquímica, já que indica um método, ou mesmo caminho para a geração do ´corpo

diamantino`, que estudaremos a seguir:

“Para isso, é necessário um ´aquecimento`, ou seja, elevação da

consciência, a fim de que a morada da essência espiritual seja

´iluminada`. Assim, pois, não é apenas a consciência, mas também a

vida que deve ser elevada ou exaltada. A união de ambas produz ´a

vida consciente`. Segundo o (texto) Hui Ming Ging, os antigos sábios

conheciam o modo de suprimir a separação entre consciência e vida,

pois cultivavam as duas. Deste modo o ´scheli´ (corpo imortal) se funde

e se completa o grande Tao”9

Como escrevemos para o homem ocidental – e concordamos com Jung quando ele

ressalta a seriedade de se ter a concordância entre os estados psíquicos e o simbolismo do

Oriente e do Ocidente –, tais analogias abrem um extenso caminho que nos conduz “às

câmaras interiores do espírito oriental, caminho que não pede sacrifício de nossa própria

maneira de ser. Isto sim, seria uma ameaça de desenraizamento”, escreve Jung10.

Destarte, referindo-se aos que não sabem onde estão as verdadeiras fontes da força

secreta, diz Gu De: “As pessoas mundanas perderam as raízes e se atêm às copas das

árvores”.11

Neste ponto é possível destacar que estas analogias não são, nem um telescópio, nem

um microscópio intelectuais capazes de abrir uma perspectiva indiferente, pelo fato de nada

representarem de fundamental. Ao contrário, trata-se de um caminho que indica certo

sofrimento na busca e na luta comum a todos os povos civilizados; “trata-se da tremenda

experiência da natureza de tornar-se consciente, outorgada à humanidade, e que une as

culturas mais distantes numa tarefa comum”.12

Assim, com bastante propriedade, Jung, na obra citada, explica que o homem europeu,

“um germânico recém-civilizado” (uma vez que há apenas mil anos vivia ainda sob os 9 id. ibid., página 37. 10 id. ibid., página 36 11 id. ibid., página 62 12 id. ibid., página 66

Page 16: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

ditames do politeísmo), invadiu o Oriente, em especial a China, defrontando-se com uma

civilização, em diversos aspectos, milenarmente mais evoluída.

Entre outras análises possíveis, o psiquiatra e psicanalista destaca que, justamente, sob

o ponto de vista psíquico e espiritual reside o aspecto e o ponto de vista onde esta invasão

física teve um, talvez entre os mais caros, preço. Afinal, por conta desta tentativa de

colonização e exploração, o homem branco – ocidental e europeu – precisou assimilar uma

cultura – e também um valor espiritual – de maneira muito mais intensa do que ele pudesse,

talvez, estar preparado. Faltou-lhe, então, estrutura.

Neste sentido, para Jung, o homem oriental chinês, por intermédio de seu modo de

vida muito mais natural, sempre conviveu de maneira muito mais harmônica com seus

próprios instintos. Enquanto o europeu, sobretudo depois deste contato – e conhecimento –

precisou reprimir estes instintos, a duras penas, diga-se. Instintos que foram guardados

´embaixo do tapete` sem, no entanto, perderem a sua força original. Afinal, ainda que no

inconsciente – colocado aqui como se lata de descarte fosse – eles continuaram vivos e fortes.

Principalmente porque o problema do progresso espiritual religioso, para Jung, deve

ser tratado com as diferenças entre o Oriente e o Ocidente, quanto ao modo de tratar a ´jóia`,

isto é, o seu símbolo central.

“Enquanto o Ocidente enfatiza a encarnação humana, a personalidade e a

historicidade do Cristo, no Oriente se diz: ´sem começo, sem fim, sem passado, sem futuro`.

Ou seja, enquanto o cristão subordina-se à pessoa divina e superior, à espera de sua graça; o

oriental sabe que a redenção depende de sua própria obra”. 13

Diante disso, este tópico mostra que o contato realizado entre tais civilizações causou

uma repressão dos instintos, uma ferida, do homem ocidental que ainda deverá levar muito

tempo para ser curada. O psiquiatra e psicólogo faz uma interessante analogia do homem

branco europeu com Amfortas, o rei pescador ferido na virilha pela lança de Longinus – a

mesma que feriu o Cristo. Os anjos confiaram e concederam a honra da guarda dos sagrados

objetos (a lança e o cálice que recolheu o sangue do Justo) para Tituriel, pai de Amfortas, de

quem a lança foi mais tarde surrupiada por Klingsor, o cavalheiro que fazia oposição à

comunidade dos santos guerreiros de Monte Salvat (Monte Saúde). Sua oposição advinha pelo

fato dele não ser admitido na Ordem dos Santos Cavalheiros.

13 id. ibid., página 66

Page 17: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Klingsor, então rouba a lança de Amfortas e o fere na virilha que, em se tratando de

figuras mitológicas, representa a própria humanidade agrilhoada ao sexo. Só depois de

Parsifal ter percorrido todos os arcanos maiores por duas vezes – na primeira vez ele deixa de

fazer a pergunta redentora ao se defrontar com o Graal – nosso cavalheiro tolo-inocente-herói,

na segunda oportunidade, consegue realizar a pergunta e libertar todo o reino da magia de

Klingsor.

Só depois disso ele consegue curar a ferida de Amfortas tocando-a com a lança.

Interessante simbologia e analogia já que apenas, e tão somente, o objeto que feriu será capaz

de curar.

Mas esta é uma outra história que, sem dúvida, mereceria esforços para a redação de

outra monografia, assunto que, no entanto, foge muito de nossos objetivos aqui traçados.

Então, retomando-se a pergunta título deste primeiro capítulo – Ponto de Partida,

Contato ou Choque? – deixemos a resposta aos nossos leitores, lembrando, entretanto, que o

raciocínio global, redondo, oriental caminha em contraponto ao modelo linear e cartesiano

ocidental.

Podemos também destacar que, se por um lado, o homem branco europeu invadiu

fisicamente a China, ele foi invadido interiormente por uma cultura milenarmente superior à

sua, o que lhe valeu a ferida do rei Amfortas, segundo Jung, e que agora se encontra em uma

busca incessante para tornar-se consciente do processo de cura de maneira ampla do

inconsciente de todo o mundo ocidental.

“Há pouco mais de mil anos caímos de um politeísmo cru numa religião oriental,

altamente desenvolvida, que impeliu o espírito imaginativo de semibárbaros a alturas que

não correspondem ao seu desenvolvimento espiritual. Para manter de um modo ou de outro

essa altura, era inevitável que a esfera do instinto tivesse que ser duramente reprimida.

Dessa forma, a prática religiosa e a moralidade assumiram um caráter decididamente brutal,

para não dizer maligno.

Os elementos reprimidos obviamente não se desenvolveram, mas prosseguiram e

ainda prosseguem vegetando no inconsciente, em sua barbárie primitiva... A ferida de

Amfortas e o dilaceramento fáustico do homem germânico ainda não estão curados. Seu

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inconsciente ainda permanece carregado de conteúdos que, em primeiro lugar, deverão ser

trazidos à tona da consciência, para que a libertação seja possível”14, escreve Jung.

Em um outro trecho, em sua conclusão sobre este assunto, Jung reconhece que “a

invasão européia do Oriente foi um ato de violência em grande escala e nos legou - ´noblesse

oblige`- a obrigação de compreender o espírito do Oriente. Isto é talvez mais importante para

nós do que parecemos pressentir”.15

14 id. ibid., página 60. 15 id. ibid., página 69.

Page 19: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo II

Do Tao à Dualidade Primordial

Como dito, em seu âmago, o conhecimento tradicional chinês traz em seus símbolos –

e linguagem próprios – muito conteúdo a que nossas mentes ocidentais ainda não estão

acostumadas, até por questões semânticas e culturais, a discernir e entender.

Como se sabe, todo símbolo abrange além dos objetos palpáveis e visíveis e o que eles

podem significar, o que implica em sentidos ocultos em uma só expressão. Por isso é que a

sua interpretação permite riqueza variada de uma gama de significados que podem implicar

em uma série de associações que não podem ser reduzidas, simplesmente, e definidas em

única direção ou sentido. Aliás, definição, em última análise, significa colocar um fim. E o

símbolo caminha justamente em sentido contrário, ou seja, amplia significados. Em outras

palavras, a interpretação do símbolo depende de quem o interpreta, em qual contexto e em

qual momento se localiza, local, história, cultura, níveis de informação etc.

Polaridade em tudo

Ainda que de certa forma bastante popularizada – e até mesmo banalizada nos últimos

tempos por determinados meios e mídias – a filosofia do Yin e do Yang – as duas energias

opostas, mas complementares – o fato é que se trata, ainda, de uma teoria de difícil

compreensão em toda a sua abrangência e utilizando-se apenas a nossa habitual e linear forma

de raciocínio ocidental.

Afinal de contas, trata-se da polaridade primordial responsável pela construção do

universo e das dez mil coisas, inclusas aí as pessoas, bem como a interpretação da filosofia

dos cinco elementos – Água, Terra, Metal, Fogo e Madeira – que apresentam uma dimensão

bastante ampla e simbólica.

O Tao, em sua forma originária, como explica Wilhelm – que o traduz como ´sentido

do mundo` - consiste “em uma cabeça, que deve ser interpretada como ´começo`, e em um

sinal para ´ir` (ou andar), precisamente em seu duplo significado que implica também o de

Page 20: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

´trilho`: além disso, ainda um sinal para ´deter-se` que desaparece na grafia posterior... O

pensamento subjacente é o de que ele, mesmo sendo imóvel, transmite todos os movimentos

outorgando-lhes a lei. Os caminhos do céu são aqueles através dos quais os astros se

movimentam; o caminho do homem é a via pelo qual ele deve andar”.16

Ao tratar da consciência celeste, ou ´luz do céu`, Wilhelm lembra e cita o Mestre Lü

Dsu que dizia: aquilo que é por si mesmo denominamos sentido (Tao).

“O sentido não tem nome, nem forma. É o ser uno, o espírito originário e único. Ser e

vida não podem ser vistos, estão contidos na luz do céu. A luz do céu não pode ser vista, está

contida nos dois olhos. Hoje serei vosso guia e revelar-vos-ei o Segredo da Flor de Ouro do

Grande Uno”.17

Se estabelecermos paralelo com os dias atuais, podemos reconhecer que muito já se

caminhou nesse sentido, sobretudo nos avançados estudos sobre holografia, física quântica

(ora energia, ora partícula material), universos paralelos etc., onde se estabelece que uma

parte – pequena que seja – sempre possui em si o Todo em potencial, em um quantum

suficiente para auxiliar um possível processo de reconstituição após fragmentação.

No entanto, há muito ainda para se marchar diante da necessidade de se ter uma visão

poética do universo capaz de nos permitir adentrar ao hermetismo da linguagem chinesa. Tal,

fato, acreditamos, possibilita chamar a Acupuntura até de Arte Terapêutica – uma arte/ciência,

com absoluta praticidade, indicada para o tratamento de diversos males, inclusive de origem

psíquica, mas unindo a visão da natureza, do cosmos e do homem, em único organismo que é,

a um só tempo, fisiológico e anímico – portanto psíquico – e também espiritual.

Holismo – raiz de holístico – quer dizer a capacidade de sintetizar

unidades em totalidades organizadas. A filosofia oriental reza que o homem é

um todo indivisível, cujos componentes distintos não podem ser considerados

separadamente. Assim como no holograma, qualquer parte de uma imagem é

16 id. ibid., página 92. 17 id. ibid., página 97.

Page 21: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

capaz de reconstruir a imagem inteira. Karl Pribam, neurocientista norte-

americano, faz interessante associação analógica do holograma com os

estudos de imagens do cérebro, o que explica que não se pode determinar uma

região exata para a memória, já que a mesma pode estar espalhada por

diferentes regiões do cérebro e que, ao se reconstituir, seria possível

reconstituir o todo. O símbolo funciona como um holograma ao evocar

imagens diversas para reconstituir o todo original, levando em conta pólos

opostos e conceitos diversos.18

Seguindo esta linha de raciocínio, então, pode-se afirmar que o homem representa

simbolicamente todo o universo e a natureza. Ainda que cada parte representada (pessoa) seja

única e individual, a soma delas é sempre diferente do total inicial, acrescida das

características – e experiências, diríamos, principalmente pelas vivências individuais – que

irão auxiliar, sobremaneira, na interpretação dos fatos e da própria vida na história de um

indivíduo. Segundo Soares Amora, em seu Dicionário da Língua Portuguesa, o termo

indivíduo quer dizer: indiviso; o que não se pode dividir. Portanto, o indivíduo,

analogicamente, é a parte única que não se pode mais dividir.

E é justamente na alma do indivíduo onde se encontram as sedes das duas funções

mais importantes da alma humana: a emoção e o pensamento. Geralmente contraditórias,

portanto com forças distintas, uma vez que uma busca o prazer, enquanto a outra o raciocínio.

Além disso, pode-se também traçar um paralelo analítico (e analógico como dito

acima) com Pathos, enquanto emoção, sensações e sentimentos; e Logos, enquanto raciocínio

lógico e pensamentos. A patologia, então, pode ser encarada como um termo que merece ser

analisado sob a ótica do desequilíbrio entre Pathos e Logos, a emoção e o pensamento,

responsáveis pela vida anímica nesses dois campos de consciência do indivíduo.

18 CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo, 2004. A autora é médica acupunturista e pós-graduada em Psicologia Analítica.

Page 22: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo III

Dois pólos: antagônicos,

mas complementares

O Yin é feminino, passivo, interno, sombra, mal, obscuro, terra, útero, inconsciente,

analogicamente relacionado a Eros, emoção. Já o Yang é masculino, ativo, externo, vida, luz,

bem, claro, céu, o falo, o consciente, relacionado a Logos, portanto, a razão. Nem um nem

outro tem conceito ou valor de bem ou mal no sentido de avaliação moral ou estética, é

preciso ressaltar. Ambos são pólos geradores do Universo que, aliás, não existiria um sem o

outro, seu oposto-complementar.

E é justamente deste conflito – amistoso, é preciso dizer – gerado por estes opostos é

que surge a fonte da vida e toda a sua diversidade. Vida e construção ou doença, morte e

destruição. É assim que os chineses propõem a resolução dos conflitos mediante uma análise

das enormes possibilidades criativas do relacionamento de ambos os pólos.

Quando o Yin e o Yang se unem, formam o universo – diferente do estágio inicial – a

exemplo do que ocorre com os gametas masculinos e femininos que geram uma criança

autônoma e diferente dos pais, aliás também relacionado à física quântica que trataremos mais

a frente.

Diz o Su Wen, um dos mais antigos livros sobre MTC:

“O Yin corresponde à falta de movimento e sua energia simboliza a

terra. O Yang corresponde ao movimento e a sua energia simboliza o céu;

portanto, o Yin e o Yang são caminhos da terra e do céu. Como o nascimento,

o crescimento, o desenvolvimento, a colheita e o armazenamento são levados a

efeito de acordo com a regra de crescimento e declínio do Yin e do Yang, então

o Yin e o Yang são os princípios que norteiam todas as coisas”.19

19– O Livro do Imperador Amarelo - Tradução dos 34 capítulos do Huang Ti Nei Ching Su Wen, Editora Terceiro Milênio.

Page 23: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Notável no símbolo do Tao ou do Tai Chi (acima), é que não há apenas e tão somente

a presença da polaridade, mas encerra-se também a idéia de que um pólo está contido no

outro, em seu oposto. Além disso, o símbolo do Yin e Yang dá uma clara idéia de movimento

e transformação, portanto, não se trata de algo estático, conforme, aliás, explica o I Ching, o

Livro das Mutações. No estágio máximo do Yin, (extremidade inferior), há a semente do

Yang, e no ponto máximo do Yang (extremidade superior), está a semente do Yin.

Em outras palavras – e em uma clara alusão à analogia já citada – à meia-noite ocorre

o início de um novo dia. E, ao meio dia, há o início de uma nova noite.

Ainda em se tratando do Tao, Wilhelm explica que do Tai Gi (símbolo acima) surgem

os princípios da realidade, o pólo luminoso (yang) e o pólo obscuro ou sombrio (yin). “Os

círculos estudiosos europeus pensaram primeiramente em relações sexuais. No entanto, os

sinais se referem aos fenômenos da natureza. Yin é sombra, portanto o lado norte de uma

montanha e o lado sul de um rio (uma vez que o sol durante o dia ocupa tal posição e faz com

Page 24: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

que a montanha vista do sul pareça escura). Yang mostra em sua forma originária pálpebras

pestanejando e é – em relação ao sinal yin – o lado sul da montanha e o lado norte do rio”.20

Entretanto, deve-se destacar que Yin e Yang são só atuantes no domínio do fenômeno

e têm sua origem comum no Uno, sem dualidade, onde Yang é o principio ativo

condicionante e Yin o princípio passivo e condicionado. “Menos abstratos do que Yin e Yang

são os conceitos do criativo e do receptivo que procedem do Livro das Mutações. Eles são

simbolizados pelo Céu e pela Terra. Mediante a união de ambos e através da ação das forças

originárias duais dentro dessa cena (segundo a lei originária uma do Tao) se originam as

´dez mil coisas`, isto é, o mundo exterior”.21

20 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 92 21 id. ibid., página 92.

Page 25: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo IV

Tchi ou Qi – Um sopro a se realizar

Como dito anteriormente, a linguagem chinesa utiliza ideogramas que transmitem

´idéias` e pensamentos. E o ideograma que representa Tchi, como os demais, possui diversas

representações e traduções possíveis. De “respiração”, “sopro” e até de “arroz cru” ou “não

cozido”. Para melhor entendermos isso, é preciso recorrer à gênese do Cosmos, a

Cosmogênese, ou seja, a explicação do surgimento do mundo, segundo os chineses.

O ´arroz cru` ou `não cozido`, segundo entendemos, possui a indicação de um

alimento que ainda necessita ser preparado. Trata-se de uma representação bastante profunda

e ampla já que ali, além do processo mecânico de exalar o ar, busca-se também atingir (no

sentido de buscar) a essência que está por trás do ato em si, a essência enquanto ´sopro`.

E é da polaridade original e primordial na criação do Universo – Yin e Yang – é que

surgem os cinco sopros primordiais que irão, depois, ´engendrar` (no conceito filosófico de

criar e manter), os cinco órgãos, as cinco vísceras e, por conseguinte, as cinco matrizes das

emoções que veremos oportunamente. É por isso que, quando se trata de Medicina

Tradicional Chinesa – MTC, o símbolo da escrita é de fundamental importância, cuja leitura e

interpretação dos ideogramas dependem dos indivíduos em questão e da época dos leitores,

conforme já foi dito.

Assim é, por exemplo, com Chen, termo que representa a palavra espírito e os sopros

universais. O sopro enquanto energia celeste, sopro divino, força transformadora, força vital

que engendra cada órgão do ser humano, segundo as suas especificidades.

Um outro conceito, que ainda pode ser destacado para auxiliar a explicar esta ampla

linha de raciocínio, é o do Tchi, ou Qi, que penetra todas as funções do ser vivo e é

responsável pela formação e transformação de toda a vida. Segundo preconiza a Medicina

Tradicional Chinesa – MTC, os padrões de funcionamento do corpo devem ser interpretados

segundo um agrupamento realizado em torno dos cinco elementos – Água, Madeira, Fogo,

Terra e Metal.

Page 26: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

É a partir das inter-relações dos cinco elementos e de seus princípios é que resulta a

compreensão das determinações das etiologias das doenças, síndromes e também a

formulação de diagnósticos, bem próprios, diga-se, segundo explica a Medicina Tradicional

Chinesa – MTC.

Além dos cinco elementos, a Medicina Tradicional Chinesa – MTC leva em conta e

trabalha com oito princípios:

Yin

Yang

Profundo

Superficial

Deficiente (Vazio)

Plenitude (Excesso)

Frio

Calor

Page 27: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo V

Conceitos importantes sobre Energias

Entre as interpretações possíveis – bem como o estabelecimento da cultura oriental da

Medicina Chinesa – MTC e o conhecimento ocidental é preciso destacar alguns conceitos

importantes que devem ser levados em conta, por exemplo, no decorrer da realização da

anamnese pelo terapeuta/acupunturista, tanto na busca da etiologia das doenças, como na

elaboração do diagnóstico e também na especificação da linha do tratamento. A saber:

Oposição – um se opõe a outro, entretanto por intermédio de uma visão que visa o seu

próprio complemento – masculino e feminino, terra e céu, lua e sol, quietude e

movimento, calor e frio etc. – complementado pelo princípio da interdependência.

Interdependência – um não vive sem o outro. Não há dia sem noite, nem sombra

sem luz etc.

Consumo – excesso de um consome o outro.

Exemplo. Fogueira – fogo é yang, mas a lenha é yin. Um aumenta, o outro diminui.

Transformação – Yin transforma-se em Yang e vice-versa – tempestade e calmaria.

Page 28: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo VI

Patologias Modernas

versus Patologias Antigas

Há cinco mil anos não havia na China microscópios para detectar vírus e bactérias. No

entanto, se falava em energias perversas. Elas podem ser o vento, calor, frio, umidade ou

secura. De acordo com os cinco elementos, Água, Madeira, Fogo, Terra e Metal que, por sua

vez, também agrupam uma série de determinadas doenças.

Além disso, o conceito de saúde para os chineses tradicionais antigos parte da

harmonia do Yin e do Yang e de seus movimentos, em cinco direções, em cinco elementos ou

símbolos. Os cinco movimentos são chamados de Wu Xing, onde Xing significa o que se

movimenta, os pés que se alternam – direita e esquerda – andar, caminhar, conduzir, agir.

Esses movimentos implicam nos elementos, nas cores, sabores, sons e também nos órgãos,

vísceras e suas funções no corpo e na mente do homem.

Vamos analisar cada um dos cinco elementos, indicando rapidamente o seu

movimento, a direção, imagem, ideogramas, órgãos e vísceras, aspectos, atitudes etc.

Fogo

Movimento: culminar, chegar ao máximo

Direção: multidirecional

Imagem: estouro, imagem de um raio

Ideograma: Huo

Dinâmica: explosão

Órgão: Coração

Víscera: ID – Intestino Delgado

Estação: Verão

Manifestação externa: tez, cor do rosto

Page 29: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Abertura: língua

Aspecto mental/emocional: Shen – espírito, consciência

Atitude: extroversão, comunicabilidade, sedução

Emoção: Alegria

Fatores de adoecimento: hiperexcitação, choques emocionais, bebidas alcoólicas,

alimentos gordurosos, perda de sangue

Madeira

Movimento: para cima, dirige-se ao alto

Direção: brota e cresce. Evoca.

Imagem: algo duro, fixo e linear

Ideograma: Mu

Dinâmica: direção ao alto

Órgão: Fígado

Víscera: VB – Vesícula Biliar

Estação: Primavera

Manifestação externa: unhas

Abertura: olhos

Aspecto mental/emocional: alma, inconsciente, força emocional

Atitude: ação, conquista, planejamento

Emoção: Raiva

Fatores de adoecimento: frustrações, alimentação gordurosa, álcool, raiva contida, irritação

Fogo (C – Coração e ID – Intestino Delgado) e Madeira (F –Fígado e VB – Vesícula Biliar)

são características Yang, portanto, com movimentos para cima e para fora. Água (R – Rim e

Page 30: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

B - Bexiga) e Metal (P - Pulmão e IG – Intestino Grosso) – características Yin – apresentam

movimentos para baixo e para dentro.

Metal

Movimento de uma superfície lisa e brilhante

Direção: retorno

Imagem: separação do puro e do impuro, estratificação

Ideograma: Jin

Dinâmica: retração e decantação

Órgão: Pulmão

Víscera: IG – Intestino Grosso

Estação: Outono

Respiração, nariz e intestinos

Manifestação externa: pele e pêlos

Abertura: nariz

Atitude: introspecção, acúmulo, instinto, reflexo

Emoção: Tristeza

Fatores de adoecimento: cigarro, poluição, falta de líquidos, ambientes secos, luto, pesar,

perdas importantes

Água

Movimento que conduz à aproximação e à oscilação em torno de seu eixo

Direção: para baixo

Imagem: regeneração

Ideograma: Shui

Page 31: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Dinâmica: descida

Órgão: Rins

Víscera: B - Bexiga

Estação: Inverno

Clima: Frio

Vitalidade e ancestralidade

Ouvidos e força de vontade

Manifestação externa: cabelos

Abertura: ouvidos

Aspecto mental/emocional: força de vontade e capacidade de adaptação

Atitude: perseverança, coragem e autopreservação

Emoção: Medo, adaptação

Fatores de adoecimento: envelhecimento, doenças crônicas, excesso de atividade sexual,

excesso de trabalho, deficiência de energia hereditária

Terra

Movimento: alto, como um altar que fica no centro do Templo

Direção: multidirecional

Imagem: limite entre o Céu e a Terra – Mundo Interno e Mundo Externo

Ideograma: Tu

Dinâmica: função transmutação, centrar e fixar

Órgão: Baço e Pâncreas

Víscera: E - Estômago

Estação: Verão

Manifestação externa: lábios

Page 32: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Abertura: Boca

Atitude: reflexão, introversão, comedimento

Emoção: Pensamento, Reflexão

Fatores de adoecimento: pensamentos repetitivos, excesso de trabalho, ambientes úmidos e

frios, alimentos crus, alimentação desregrada

Page 33: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo VII

Ciclos de Geração e Dominância

Conhecidos os cinco elementos – os cinco órgãos e as cinco vísceras – agora é preciso

citar e destacar a importância dos ciclos de geração e de dominância entre eles, fundamental

conceito para que se possa entender o conceito de saúde e de doença, segundo os critérios e o

conhecimento chineses.

Antes porém, é preciso explicar e entender que há os ciclos naturais de geração: água

gera madeira, que gera fogo, que gera a terra, que gera o metal, que gera a água.

Assim, temos:

A água irriga a planta (madeira), que alimenta o fogo, que queima a madeira e deposita

as cinzas – que alimenta a terra – que gera em seu interior os metais e também a água que

brota da pedra e das fontes minerais.

Já o ciclo de dominância implica não apenas no controle, mas, também, no domínio de

um elemento sobre outro, o que, em última instância, impede o crescimento descontrolado de

qualquer um deles.

Desta forma, a água controla o fogo, que controla o metal, que controla a madeira, que

controla a terra, que controla a água.

Simbolicamente temos:

A água apaga o fogo, o fogo forja o metal, o metal corta a madeira, a madeira tira da

terra seus nutrientes para crescer e a terra absorve a água.

E é justamente no jogo e na correlação entre as forças dos ciclos de geração e de

dominância que deve haver um equilíbrio – saúde – e, caso entre em desequilíbrio, ocorre a

doença. Quer dizer, a patologia ocorre quando um elemento agride outro – a água agride a

terra, a terra a madeira, a madeira o metal, o metal o fogo e o fogo agride a água.

É o chamado ciclo de contra-geração e de desorganização interna.

Page 34: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo VIII

O número Cinco e sua Simbologia

Em chinês, o ideograma para homem é o pentagrama, a estrela de cinco pontas, que

entre outros tantos significados podemos destacar a figura de um homem em pé de braços e

pernas abertos. O quinto ponto é, justamente, a cabeça.

O número cinco também indica dois movimentos e um retorno.

As cinco posições são:

esquerda, direita, alto, baixo e centro

Trata-se de uma interpretação simbólica das posições – e dos eixos – de respeitável

importância para a realização de uma interpretação psicológica.

No eixo horizontal, por exemplo, pode-se fazer uma associação com o mundo interno

e o mundo externo do ser humano. O Eu e o Outro, o que é Self e o não-Self. No consultório,

diríamos nós, este eixo pode ser associado ao paciente deitado na maca. Já no eixo vertical, a

representação recai sobre o mundo da terra e o mundo do céu, as raízes e o crescimento, bem

e mal, corpo e espírito. Novamente no consultório, pode-se fazer uma analogia com o

terapeuta/acupunturista colocando as agulhas em seu paciente.

Na intersecção dos dois, bem no centro, se encontra a figura do homem que está entre

o céu e a terra.

Aspectos importantes

do número três

A importância da tríade, segundo a filosofia chinesa implica em uma série de

interpretações deste número na Medicina Tradicional Chinesa – MTC. De fato, a tríade

permite uma gama enorme de interpretações sintetizadas no corpo, alma e espírito no homem.

Page 35: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Além disso, grande número de religiões tem a tríade como base da sua filosofia e

prática, a exemplo do catolicismo – Pai, Filho e Espírito Santo – os Egípcios – Osíris, Ísis e

Hórus –, Hindus – Brahma, Vishnu e Shiva –, e mesmo na Cabala judaica onde se destaca, na

árvore sefirotal, a tríplice coroa – Kether, Chokmah e Binah, entre outros tantos exemplos.

Simbolicamente podemos dizer que as energias celestes são captadas pela respiração,

enquanto as telúricas pelos alimentos.

E claro está que esta é apenas uma visão simplista deste posicionamento filosófico e

prático como se verá adiante. Muito embora, nem todos autores estudados em nosso curso de

especialização em ciências clássicas chinesas estabelecem essa leituras paralela, conforme é o

caso de René Guénon, como destaca em sua obra A Grande Tríade. Ali o autor alerta,

sobretudo, as diferenças existentes entre ternário e a trindade cristã. “Antes de abordar o

estudo da Tríade extremo-oriental, convém pôr-se, cuidadosamente em guarda contra as

confusões e as falsas assimilações que circulam em geral no Ocidente e que provêm,

sobretudo, de se querer achar, em seja qual for o ternário tradicional, um equivalente mais

ou menos exato da Trindade cristã. Esse erro não é apenas de teólogos, que seriam ao menos

perdoáveis por querer reduzir tudo a seu ponto de vista especial...22”

Embora, mais a frente, e na mesma obra, o próprio Guénon reconheça que é possível

estabelecer comparações, desde que “dois ternários pertencentes a formas tradicionais

distintas é a possibilidade de estabelecer entre eles, de maneira válida, uma correspondência

temo a termo; noutras palavras, é preciso que seus termos estejam entre si, realmente, uma

relação equivalente ou similar”.23

Claro está, portanto, que se ocorre a possibilidade de correspondência – termo a termo

– em nosso modo de entender, se avaliarmos a ´função` de cada elemento em determinado

momento histórico, inclusive da vida dos terapeutas e também dos pacientes, então é possível

estabelecer paralelos então entre Pai, Mãe e Filho com a trindade cristã e a trimurti das

diversas religiões.

22 GUÉNON, René, A Grande Tríade, Editora Pensamento – Tradução de Daniel Camarinha da Silva, página 13. 23 id. ibid., página 14.

Page 36: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo IX

Paralelo com a Física Quântica

Para a física quântica, o átomo e os seus componentes ora são partículas sólidas, ora

são ondas. Portanto, não há uma representação única e estanque, pois sua natureza é a própria

transformação, o movimento. Pode-se, em nossa opinião, estabelecer uma certa analogia com

o Yin e Yang, sobretudo se avaliarmos sob o ponto de vista de sombra e luz, matéria e

espírito. A matéria equivaleria, nesta leitura, à partícula (Yin) e o espírito à onda (Yang).

Destarte – e além disto – o moderno e atual modelo subatômico quântico, portanto,

serve como importante auxílio para a nossa compreensão, uma vez que não são, em sua

totalidade, aquilo que representam. Portanto, acreditamos ser justo ampliar a dimensão do

mundo psíquico que está por exigir uma transcendência do pensamento linear e racional, de

modo a tornar-se capaz de promover a possibilidade de se entrar no mundo intuitivo e

holográfico dos símbolos.

Como se vê, a holografia é uma interpretação que demonstra – por intermédio de

figuras e ‘projeções’ de imagens – que se pode partir de cada uma das partes e se chegar ao

todo; no entanto, e ao mesmo tempo, o Todo que chega a transcender a simples soma de suas

partes individuais. Podemos entender aqui como o Todo, por pequeno que seja o elemento ou

a ´coisa em si` como um pequeno Tao que se expressa igualmente em suas pequenas partes.

Analogia e bastante interessante do Tao e da própria humanidade.

Isto porque, seguindo na linha psicológica, para os chineses, o Tchi é aquilo que

movimenta o homem em direção ao mundo, no entanto, é mais do que simplesmente a libido,

conforme o conceito freudiano do termo. O Tchi, segundo os chineses, molda o homem e

pode torná-lo mais ou menos neurótico. Pode tanto libertar, quanto prender.

Assim, o Tchi proporciona também a formação da estrutura psíquica, por ser o homem

o resultado das “impressões energéticas” ao longo da vida, como o amor, a atenção, o vazio, a

falta de contato, a contenção da criatividade etc.

Page 37: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo X

Fatores de adoecimento, segundo a MTC

A Medicina Tradicional Chinesa – MTC aponta para duas direções para explicar os

fatores de adoecimento: um interno e outro externo.

Entre as causas externas podem ocorrer aquelas tanto por deficiência do sistema de

defesa (imunológico) ou por causa de um indivíduo sofrer muitas agressões do ambiente em

que vive. Elas não são excludentes e podem, inclusive, ser concomitantes.

Variam muito, de caso para caso, de indivíduo para indivíduo.

Em se tratando dos fatores internos podemos destacar a estrutura genética e

hereditária, bem como outros pontos que devem ser levados em conta, como o modo de vida e

também como a pessoa lida e convive com os seus próprios sentimentos. Em se tratando dos

fatores externos, pode-se citar o clima, as estações e o meio ambiente. Também se deve

considerar ainda que se pode adoecer no físico, na mente ou em ambos.

Nesta linha de raciocínio devemos lembrar que a partir do surgimento da medicina

psicossomática – e também das terapias com abordagem corporal no Ocidente – passou-se a

acreditar que as doenças físicas como gastrites, doenças articulares, cefaléia, doenças

intestinais e até mesmo o câncer teriam como base alterações emocionais. É fato que ocorreu

até um certo exagero neste sentido, uma vez que uma pessoa pode apresentar gastrite sem ser

nervosa, ou desenvolver um câncer sem ser uma pessoa ressentida ou muito magoada. O fato

é que pessoas bem resolvidas sob o ponto de vista emocional também podem ter câncer,

obesidade, gripe, dor etc.

No entanto, é preciso ressaltar, segundo a Medicina Tradicional Chinesa – MTC, os

fatores causadores da doença podem agir de forma diferente em um corpo mais frágil ou em

um mais fortalecido. A abordagem de que a saúde depende de inúmeras interações possíveis

entre o ambiente, emoções, alimentação, estilo de vida e inevitável vulnerabilidade do ser

mostra que na condição humana também se deve incluir a doença e a morte.

É por isso que há tipos de doentes que têm apenas doenças mentais e outros, somente

doenças físicas, uma abordagem, no entanto, que deve ser cuidados para não cindir, uma vez

Page 38: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

mais, corpo e mente, dois aspectos de um mesmo organismo que não podem ser divididos, ou

separados.

Outro fato importante levado em conta pelos chineses é que o equilíbrio entre Yin e Yang,

entre o indivíduo e o meio não é estático, mas dinâmico como a própria natureza. No processo

de adoecimento leva-se em conta:

• Redução da energia vital e do Tchi correto quando o corpo não possui resistência

adequada para defender-se.

• Excesso de agentes patogênicos – também chamados de energia perversa ou Xué.

O desequilíbrio que leva à doença depende da interação entre o ´correto` e o

´perverso`. O Tchi correto depende de alguns fatores como:

• Alimentação.

• Resistência adquirida por treinamento (exercícios).

• Constituição física (hereditariedade).

• Meio circunvizinho (estabilidade ambiental).

• Estado mental.

Fatores de adoecimento externos

Entre estes fatores ressaltamos as alterações no clima, as estações do ano, vírus,

bactérias e aos chamados seis excessos como Vento, Frio, Calor ou Fogo, Umidade, Secura e

Canícula. Sabe-se que, quando o homem é capaz de se adaptar às variações climáticas, os

fatores externos não são considerados patogênicos. Caso contrário, ele adoece.

Por isso, a importância de identificar cada doença em cada pessoa examinando cada

paciente como único, com sua história, que exige exame físico, de língua, pulso etc. No livro

O Físico, o autor, Noah Gordon, traça a história romanceada da medicina. No texto, cita

Page 39: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Avicena – que alguns julgam como figura lendária, outros, entretanto, admitem e apostam que

ele de fato existiu. O importante nesta monografia e destacar uma frase que li no livro de

Gordon e que me marcou muito, então de autoria de Avicena, o ´Príncipe dos Médicos`

dirigida aos estudantes de medicina: “Os pulsos não mentem jamais”, disse ele.

Uma frase de efeito, curta, objetiva e absolutamente correta. Afinal, um paciente pode

dissimular um sentimento, uma emoção, ocultar ou tentar esconder um sintoma do terapeuta,

disfarçar um sinal do médico, do analista etc. No entanto, quando se apalpam os pulsos, as

batidas revelam até mesmo o indizível, o escondido, o oculto, e permite um diagnóstico

próprio da Medicina Chinesa e especialmente para a Acupuntura.

Para se medir o pulso, com os três dedos – indicador, médio e anular – de ambas mãos

– o médico/terapeuta/acupunturista ´mede` uma série de órgãos, avaliando se estão,

basicamente, excitados ou enfraquecidos. O Acupunturista mais experiente é capaz de avaliar

mais detalhes em cada um desses estágios. No entanto, para não sairmos do foco dessa

questão, é importante citar os órgãos avaliados numa tomada de pulso que antecede a

aplicação das agulhas.

Ao todo são 12 funções avaliadas:

Intestino Grosso e Pulmão

Estômago e Baço Pâncreas (para os chineses os dois órgãos formam um meridiano)

Triplo Reaquecedor e Circulação e Sexualidade *

Intestino Delgado e Coração

Vesícula Biliar e Fígado

Bexiga e Rim

Fatores de adoecimento internos

Referem-se às emoções, fato que faz parte integral da vida humana. Quando muito

intensas, ou porque permanecem por longo período, podem tornar-se fatores de adoecimento,

uma vez que podem gerar desarmonia nos órgãos e vísceras. Assim como as desarmonias nos

órgãos e vísceras também geram emoções alteradas e distorções da realidade. Assim, um afeta

Page 40: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

o outro, assim como o Yin afeta o Yang e vice-versa. As principais emoções estudadas na

MTC são: alegria, raiva, tristeza, pesar, preocupação, medo e choque.

Nem externos, nem internos

Há uma gama variada que a MTC leva em conta como alimentação, ocupação,

excessos em geral, de trabalho, de exercícios físicos, de relações sexuais, sem contar os

traumas e epidemias.

Page 41: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XI

Entidades Viscerais

“O coração é, segundo a concepção chinesa, a

sede da consciência emocional, que é despertada através

da reação emotiva dos cinco sentidos para as impressões

do mundo exterior”,24 Wilhelm.

Não se pode estudar o aspecto alquímico da Medicina Tradicional Chinesa – MTC

sem estudar as entidades viscerais: Shen, Hun, Po, Yi e Zhi. São estas entidades, assunto de

grande importância para o entendimento da psicologia e da alquimia em se tratando ao que

dizem os textos clássicos chineses, que tornam possíveis não apenas utilizar os seus conceitos

para o diagnóstico, como também para o tratamento dos pacientes com queixas psicológicas.

Por intermédio da anamnese e do diagnóstico de excessos ou insuficiências de

determinado órgão (ou função e, conseqüentemente, ´entidade visceral` que engloba também

associações entre funções), bem como de sua representação psíquica é possível determinar

quais as melhores linhas de tratamento que devem ser seguidas.

Sem aprofundar-se neste estudo – aqui caberia outra monografia – destacaremos,

rapidamente, o que representa cada uma delas, sem esquecer que todas representam a

consciência (Shen, que é o grande maestro) e os aspectos da alma, da intenção, do

pensamento, dos instintos, vontade de viver, entre outras.

Abaixo, um resumo das colocações, aspectos e características das denominadas

entidades viscerais:

Shen é o espírito, a consciência, ligado ao elemento Fogo, ao verão, também

com a claridade e a expansão. Também responsável pela razão, poder de

síntese, inteligência global com influência direta sobre as demais entidades

24 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 94

Page 42: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

viscerais. O Shen individual é o que a pessoa recebe no céu anterior (antes da

concepção).

Hun é a alma, Madeira, primavera, ascensão, abertura e crescimento.

Imaginação e condicionamento. Memória rápida e não discriminativa como

ocorre em Yi.

Po é a alma corporal, Metal, outono, movimento de descida e recolhimento.

Autopreservação, preservação da espécie e sexualidade.

Yi, raciocínio e lógica, Terra, movimento de centrar ou dar referência. Intuição

e memorização, aprendizado consciente necessário para o amadurecimento do

ser humano.

Zhi, elemento Água, inverno, força e vontade de viver. Determinação do

prazer, vontade de realizar as tarefas. Disfunções – sentimento de culpa =

destrutivo e autopunição

*

O Hun está ligado ao Fígado e tem características associadas ao movimento e ao fluxo

de energia. Pode-se analisar como é a expressão do paciente (ou como está em determinada

fase da vida) mediante a análise do funcionamento deste órgão e a presença deste elemento

em seu quadro geral.

Ligado aos sonhos e a capacidade de planejamento e de traçar objetivos na vida, esta

entidade visceral também é responsável pelo inconsciente, pelos sonhos, arquétipos e

fantasias.

O Hun é o que separa e distingue o que é prazer de desprazer e nos mobiliza em

função do primeiro. Ligado diretamente aos músculos e à tensão ou relaxamento, essa

Page 43: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

função/órgão (e entidade visceral) relaciona-se também às couraças conforme especificou

William Reich.

O Hun também está ligado com a agressividade e o olho é a sua expressão. Assim, o

olhar do paciente deve ser analisado pelo médico/terapeuta para avaliar este importante item

durante a anamnese inicial e em todas as demais sessões de tratamento.

*

Po é a camada mais primitiva da consciência instintiva e também chamada de alma

corporal. Reações de luta e fuga, ataques de pânicos ou impulsivos, além dos controles

esfincterianos são realizados por esta função. Aloja-se no Pulmão, fonte de energia do ar

(energia celestial) que gera a energia suficiente para a queima dos alimentos e sua distribuição

pelo corpo todo. É o espírito estruturante que condensa a energia para a formação de cada ser.

Dá a orientação para a manutenção da vida – necessidades de alimento, sono,

preservação de perigos (instintos) – e ajuda na estruturação também da consciência do Ego.

Emoções como a tristeza e o pesar podem afetar o Po, ligado também à pele. Helena

Campiglia 25 estabelece ligações do Po com o Id da psicanálise e ao cérebro reptiliano.

Atitudes como explosões, sustos, sobressaltos, reações espontâneas, irracionais ou instintivas

estão ligadas ao Po.

*

A entidade visceral Yi está ligada com a intenção e a ideação, sugestão, opinião, idéias

e pensamentos. Relacionada ao meridiano Baço-Pâncreas, esta função dá lucidez ao

pensamento e à consciência. É a compreensão, o julgamento e pode proporcionar a sabedoria.

Não à toa, representa o centro.

Doenças psicológicas como a bulimia e a anorexia também estão relacionadas aos

distúrbios do meridiano Baço-Pâncreas. Também as memórias corporais estão intimamente

25 CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo, 2004

Page 44: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

ligadas a essa função que guarda as imagens, ideais e as intenções. Inspiração e criatividade,

pensamentos e a capacidade de decorar – memória – estão relacionadas ao Yi.

Pensamentos obsessivos são desequilíbrios dessa função. Por excesso. Quando há

deficiência, a pessoa não consegue se concentrar (ou tem dificuldades) de memorizar ou ter

raciocínio lógico. A astenia mental também está inclusa nessa entidade visceral.

*

Zhi pode ser traduzido como a força de vontade ou a capacidade de realização. Gera o

movimento do Tao, portanto é a base do funcionamento do Shen. Aloja-se nos Rins, órgão

responsável pela energia ancestral, também chamada de “bateria do corpo”. Pode-se, entre

outras maneiras, avaliar como está a função de um indivíduo, analisando sua capacidade de

realizar projetos e de concretizar idéias.

Alterações do Zhi podem gerar medo, sentimento de inferioridade, timidez,

desconfiança e, no pólo oposto, sentimento de superioridade, autoritarismo e falta de limites.

Também se relaciona aos objetivos, intensidade e direcionamento da atenção e energia nos

projetos de vida.

A tabela abaixo estabelece algumas relações entre entidades viscerais e reações

emocionais.

Entidade Meridiano Excesso Insuficiência

Yi Baço

Pâncreas

Calma excessiva,

tranqüilidade exagerada,

fixação no passado, idéias

fixas, pode virar obsessão

Falta de memória, esquecimento

freqüente, ansiedade

crônica, falta de desejo e

desgosto

Page 45: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Shen Coração

CS

Excitação mental, alegria

exagerada, riso constante e

exagerado

Abatimento, timidez, muitas

queixas, incapacidade de

esforços físicos e mentais

Hun Fígado Cólera, raiva, ira e

irritabilidade

Falta de imaginação, de

concentração, de coordenação

de idéias, falta de iniciativa

Zhi Rins Autoritarismo, temeridade,

pode gerar hiperplasia de

próstata

Indecisão, medo, angústia,

aperto no peito, ausência de

propósitos, fraqueza de caráter

Pó Pulmão Agressividade seguida de

tristeza, (bi-polar), obsessão

pelo futuro, romântico nas

artes

Desinteresse total, perda do

instinto de conservação,

expõe-se a riscos

desnecessários

Page 46: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XII

Shen – o Espírito

Segundo a Medicina Tradicional Chinesa – MTC, o Shen forma-se no momento da

união do óvulo com o espermatozóide, do encontro da energia da mãe com a energia do pai,

quando se forma um novo ser, uma nova consciência. É da união da essência (Jing) dos pais

que cada órgão formado terá uma parte do Shen. A força do Shen depende da força da

essência dos pais, representada, sobretudo, no encontro primordial do Yang (pai) com o Yin

(mãe).

Assim, o Shen é responsável pela mente e por suas funções como vigília, percepção,

alerta, julgamento, interpretação, associações, memória, inteligência cognição, capacidade

exploratória, domínio dos impulsos, sono, insighths, juízo, humor, conhecimento, assimilação

de experiências, criatividade, armazenamento e uso das informações, autoconhecimento e

evolução.

Pulmão – Po

Baço – Yi

Rim – Zhi

Fígado – Hun

Coração – Shen

A caracterização em cada órgão e víscera do Shen realmente ocorre, mas é preciso

ressaltar que o Shen também é a capacidade de síntese de todas elas, além de origem

energética. Em outras palavras, o Shen está ligado à consciência individual e coletiva das

pessoas, além de ser a única ´entidade visceral` capaz de atuar e interferir nas demais.

“O que é espírito? O espírito (Shen) não pode ser escutado nem

ouvido. O olho deve ser brilhante de percepção e o coração deve ser aberto e

Page 47: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

atento para que o espírito se revele subitamente pela consciência de cada um.

Não se pode exprimir pela boca, só o coração sabe exprimir tudo quanto pode

ser observado. Ao se prestar muita atenção, pode-se saber subitamente, mas

também se pode perde de repente esse saber. Mas Shen, o espírito, torna-se

claro para o homem como se o vento tivesse varrido as nuvens. Por isso se fala

dele como espírito”.

Capítulo 26 do Su Wen, pertencente ao Nei Ching – a Bíblia dos

Acupunturistas

Page 48: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Segunda Parte

Page 49: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XIII

Apêndices Psicológicos à chinesa

“O corpo é animado pela participação conjunta

de duas estruturas anímicas: 1. hun, que eu traduzi por

animus, uma vez que pertence ao princípio Yang e 2. po,

traduzido por anima, uma vez que pertence ao princípio

Yin. Ambos são representações obtidas mediante a

observação do processo da morte, tendo o sinal

característico do demônio do morto (gui)” 26 , escreve

Wilhelm.

Jung, colega e co-autor junto com Wilhelm do livro O Segredo da Flor de Ouro,

acredita ser adequada esta tradução uma vez que o caractere hun é composto do sinal ´nuvens`

associado ao sinal ´demônio`. Portanto, ´demônio das nuvens`, é um princípio, o sopro da

alma que pertence ao Yang, portanto masculino. “Após a morte, hun se eleva e se torna Shen,

´espírito ou deus que se expande e manifesta`”27, diz Jung.

Já a anima, chamada de Po, se escreve com caracteres correspondentes a ´branco` e a

´demônio`, portanto o ´fantasma branco`, que pertence ao Yin, à alma corporal, inferior e que

é feminina. “Após a morte, ela desce tornando-se ´gui`, demônio freqüentemente chamado

´aquele que retorna `( à terá): o fantasma ou espectro”28, escreve Jung.

Destarte, animus e anima na concepção chinesa se separam após a morte, seguindo

cada qual o seu próprio destino. “O animus está no coração celeste; de dia, mora nos olhos

(isto é, na consciência) e, de noite, sonha a partir do fígado”.

26 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 94 27 Página 52 28 Id. Ibidem

Page 50: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

A anima, pelo contrário, é ´a força do pesado e turvo`, presa ao coração corporal,

carnal. “Suas atuações (efeitos) são os ´desejos carnais e os ímpetos de cólera`”29, escreve

Jung.

Aqui se pode recorrer a uma outra diferença fundamental entre as culturas oriental e

ocidental na concepção filosófica e religiosa entre ambas civilizações (conforme assunto

tratado em capítulos anteriores) que é a doutrina yoga chinesa a qual rejeita os conteúdos da

fantasia, assim como nós, ocidentais. Porém, por motivos diferentes.

“No Oriente, imperam concepções e doutrinas que permitem a plena expressão da

fantasia criadora; lá, é necessário proteger-se contra seu excesso. Nós, pelo contrário,

consideramos a fantasia como um pobre devaneio subjetivo. As figuras inconscientes não

aparecem, naturalmente, de um modo abstrato, despojadas de todo ornamento.

Pelo contrário, elas são engastadas e entrelaçadas num véu de fantasias, de um

colorido surpreendente e de uma perturbadora plenitude. O Oriente pode rejeitar essas

fantasias, porque há muito que já tirou seu extrato, condensando-as nos ensinamentos

profundos de sua sabedoria. Nós, porém, não experimentamos tais fantasias uma só vez, e

tampouco extraímos sua quintessênia. Ainda temos de recuperar uma larga faixa de vivências

experimentais e somente então, quando houvermos encontrado o conteúdo sensato na

aparente insensatez, poderemos separar o que é valioso daquilo que não tem valor.

Estejamos seguros de que a essência que extrairmos de nossas vivências será diversa da que

o Oriente hoje nos oferece”, escreve Jung.30

29 Id. Ibidem 30 Idem, Página 56

Page 51: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XIV

O Porque de Jung

“A alquimia encontra-se no limiar da religião e da

ciência e é a mãe da química. Surge como produto

da tecnologia religiosa egípcia e a filosofia grega”.

Fátima Brazão

Alquimia procede da palavra árabe Kimyâ (pedra filosofal). Em grego Khyméia – quer

dizer mistura de vários líquidos. Podemos destacar, entretanto, que a palavra ´curar`

significava, originalmente, ´serviço a Deus`, portanto, a cura ocorria num contexto sagrado.

Na Grécia, os pais da alquimia foram os filósofos pré-socráticos tais como Empedócles,

Thales de Mileto, Zénon de Eléa, Heráclito, Demócrito, Zózimo de Panápolis.

No trabalho, “Alquimia – Um processo de transformação da Alma”, a psicóloga

junguiana Fátima Brazão ressalta que a grande busca humana é encontrar um significado de

existir, “e a procura de um sentido para o mundo e o universo que equivale à busca para um

sentindo de si mesmo”. Em seu trabalho, Brazão lembra que a psique conta com um princípio

estruturador que unifica os conteúdos arquetípicos, o que Jung denominou de Self ou Si-

Mesmo.

“O Self é o centro ordenador e unificador da psique total (consciente e inconsciente),

assim como o eu é o centro da personalidade consciente ou ego”31.

Brazão lembra que Jung observou a existência de uma meta, uma direção, uma

finalidade na psique em direção ao Self. “A esse processo ele designou de Individuação, que

significa tornar-se uno”. Em linguagem chinesa, podemos recorrer ao caminho de retorno ao

Tao. Esta é uma das razões porque damos especial ênfase ao que Jung falava por ser o

médico, psiquiatra e psicanalista ocidental que mais se aproximou dos estudos relativos à

Alquimia oriental e ocidental.

31 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 52: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

“Cedo percebi que a psicologia analítica coincidia de modo bastante singular com a

alquimia... Foi, com efeito, uma descoberta marcante: eu encontrara a contraparte histórica

da minha psicologia do inconsciente. A possibilidade de comparação com a alquimia, bem

como a cadeia intelectual ininterrupta que remontava ao Gnosticismo, davam-lhe

substância... todo o procedimento alquímico pode muito bem representar o processo de

individuação num indivíduo particular, embora com a diferença não desprovida de

importância de que nenhum indivíduo particular abarca a riqueza e o alcance do simbolismo

alquímico”32.

Ainda seguindo nossos estudos no trabalho de Brazão, encontra-se uma reflexão

interessante. “A alquimia encontra-se no limiar da religião e da ciência e é a mãe da química.

Surge como produto da tecnologia religiosa egípcia e a filosofia grega. O patrono desta arte

é o Deus egípcio Toth, divindade da sabedoria que fora posteriormente identificado pelos

gregos como Hermes, para os latinos Mercúrio”. Destarte, os egípcios desejavam assegurar a

imortalidade por intermédio da técnica e magia. Assim, mumificavam seus mortos para se

tornarem divindades cósmicas, Queriam ser um com o universo. Eles acreditavam que o

espírito caiu na matéria e que precisavam libertá-lo.

32 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 53: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XV

Alquimia, pela Alquimia mesma

O processo clássico do trabalho dos alquimistas era criar uma substância transcendente

e miraculosa conhecida como o ´Elixir da Longa Vida`, percorrer o caminho da busca da

Pedra Filosofal. O procedimento, em primeiro lugar, era tentar descobrir qual o material

adequado, a chamada Prima Matéria, depois submetê-la, em seguida, a uma série de

operações que a transformariam em pedra filosofal.

Quando nos referimos aos estados mitológicos, que tratam da evolução da consciência,

cada um deles tem uma referência aos quatro elementos e com a própria operação alquímica.

Desta forma temos:

Calcinatio é a operação do fogo;

Solutio – a da água;

Coagulatio – a da terra;

Sublimatio – a do ar.

Comentaremos, a seguir, brevemente cada um deles:

Calcinatio

A calcinação envolve intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar a água e

todos os demais elementos passíveis de volatilização. Resta um fino pó seco, cinza branca.

São simbolizados por intermédio de três níveis de Fogo na alquimia ocidental: o Lobo,

o Leão e o Rei.

Page 54: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

“Jung demonstrou que o fogo simboliza a libido, nesse sentido o lobo representa o

desejo e os instintos; o Leão é o impulso egocêntrico objetivo e o Rei é a consciência

objetiva”33.

Solutio

Em termos essenciais, esta é a operação que transforma um sólido em estado líquido.

O sólido desaparece no solvente, como se tivesse sido engolido. Solutio, então, significa o

retorno da matéria diferenciada ao seu estado indiferenciado original – isto é, à Prima

Matéria. Se se considerarmos a água como o útero, a solutio é uma espécie de retorno a ele,

no entanto, com interpretação aqui de um ´renascimento`.

Já em se tratando do processo de transformação da consciência, isto ocorre quando os

aspectos fixos e estáticos da personalidade não admitem mudanças. O inconsciente coloca em

questão as atitudes estabelecidas do ego.

Uma receita alquímica de solutio diz :

“Dissolve então sol e lua em nossa água solvente, que é familiar e amigável, cuja

natureza mais se aproxima deles, como se fosse um útero, uma mãe, uma matriz, o princípio e

o fim de sua vida. E esta é a própria razão pela qual eles são melhorados ou corrigidos nesta

água, porque o semelhante se rejubila no semelhante...

Assim, convém te unires aos consangüíneos ou aos de tua espécie... E como sol e lua

têm sua origem nesta água, sua mãe, é necessário, portanto, que nela voltem a entrar, isto é ,

no útero de sua mãe, para que possam ser regenerados ou nascer de novo, e com mais saúde,

mais nobreza e mais força.”( Secret Book of Artephius)34

*

A solutio, de fato, tem duplo efeito: provoca o desaparecimento de uma forma e

também o surgimento de uma nova, desta vez, regenerada. Psicologicamente, é o sentido de

33 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma. 34 Idem.

Page 55: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

que o velho princípio dirigente, que passou pela solutio, pede para voltar a ser coagulado

numa nova forma e com uma certa quantidade de energia à sua disposição.

De certa forma, o batismo tem o antigo significado da provação pela água. Significa

uma conversão total, na morte da velha vida e o renascimento de uma outra pessoa na

comunidade de crentes religiosos.

No batismo cristão, o indivíduo é unido com Cristo; quer dizer, vincula-se o ego com

o Si-Mesmo.

Lao Tsé descreve:

“O melhor dos homens é como a água.

A água a todas as coisas beneficia.

E com elas não compete.

Ocupa os (humildes) locais vistos por

todos com desdém.

Nos quais se assemelha ao Tao.

Em sua morada ama a terra.

Em seu coração, ama a profundidade.

Em suas relações com os outros, ama a paz;

No trabalho, ama a habilidade;

Em suas ações, ama a oportunidade.

Porquanto não querela,

Vê-se livre de reparos”

Já Jung, diz: A análise e a interpretação dos sonhos confronta o ponto de vista da consciência

com as declarações do inconsciente, com o que lhe amplia o horizonte limitado. Esse

afrouxamento de atitudes rígidas e restritas corresponde à solução de elementos pela aqua

permanens”35.

35 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 56: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Para o professor Henrique José de Souza, ilustre conhecedor das ciências de todas as

Idades, diz em um de seus escritos que não são os remédios que curam, mas o magnetismo

que se estabelece entre o médico e o paciente36.

Coagulatio

A coagulatio pertence ao simbolismo do elemento terra. Refere-se, portanto, à

experiência no laboratório onde o resfriamento transforma um líquido em sólido. Em termos

essenciais, a coagulatio é o processo que transforma as coisas em terra. “Terra”, por

conseguinte, é um dos sinônimos de coagulatio.

“Pesada e permanente, tem forma e posição fixa. Não desaparece no ar por meio da

volatilização, nem se adapta facilmente à forma de qualquer recipiente, ao contrário da

água. Psicologicamente, tornar-se terra significa concretizar-se numa forma localizada

particular - isto é, tornar-se algo ligado a um ego”37.

Fátima Brazão, em seu trabalho, explica que nos mitos este processo aparece na

imagem pela ação (mergulho, batedura, movimento em espiral). “O Turba Philosophorum dá

a seguinte receita: Toma o mercúrio, coagula-o no corpo de Magnésio, no chumbo ou no

Enxofre que não queima etc.”

Sob o ponto de vista psicológico, a coagulatio significa que o Espírito fugidio de

Mercúrio é o espírito autônomo da psique arquetípica. “Significa nada menos que ligar o ego

com o Si-Mesmo, realizar a individuação. A assimilação de um complexo é, portanto, uma

contribuição a coagulatio do Si-Mesmo”, escreveu Brazão, ao estabelecer as seguintes

analogias em seu trabalho:

Atribuíam três agentes da coagulatio: o magnésio, o chumbo e o enxofre.

1. O Magnésio que significava vários minérios metálicos crus ou misturas impuras.

Psicologicamente, isto pode ser uma referência à união do transpessoal com a

realidade humana corriqueira.

36 Id. Ibidem 37 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 57: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

2. O Chumbo é pesado, sombrio e incômodo. É associado ao planeta Saturno, carrega as

qualidades de depressão, melancolia e da limitação. Assim sendo, o transcendente

deve vincular-se com a pesada realidade e com a limitação das particularidades

pessoais. Isso ocorre quando o indivíduo assume responsabilidade pessoal pelas suas

fantasias. É diferente da idéia pensada e a falada.

3. O Enxofre tem sua cor amarelada e seu caráter inflamável o associa ao sol. Por outro

lado, seus vapores têm mal cheiro e escurecem a maioria dos metais, é representado

como uma característica do inferno. Jung em Mysterum Coniunctionis, sintetiza o

enxofre:

“O enxofre constitui a substância ativa do sol ou, em linguagem psicológica, a força

impulsionadora da consciência: de um lado, a vontade, melhor concebida como um

dinamismo subordinado à consciência; do outro, a compulsão, uma motivação ou impulso

involuntário, que vai desde o simples interesse até a compulsão propriamente dita.

A compulsão é o grande mistério da existência humana. É o cruzamento da nossa

vontade consciente e da nossa razão por uma entidade inflamável que esta dentro de nós,

manifestando-se ora como um incêndio destruidor, ora como um calor que gera vida”,

escreve Fátima Brazão.

Sublimatio

Sublimatio é a operação que pertence ao ar, transformando os materiais por intermédio

da elevação e volatilização. O sólido, ao ser aquecido, passa diretamente para o estado gasoso

e sobe até a borda do vaso, onde volta a assumir o estado sólido na região superior, mais fria.

A destilação é um processo em que o líquido se torna vapor ao ser aquecido e volta a

condensar-se.

Desta forma, “o termo “sublimação” vem do latim sublimis, que significa “elevado”.

A terra se transforma em ar; um corpo fixo se volatiliza; aquilo que é inferior torna-se algo

superior. Todas as imagens referentes ao movimento para cima, escadas, degraus,

elevadores, alpinismo, montanhas, voar, e assim por diante- pertencem a esse simbolismo.

Page 58: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Em termos psicológicos isso corresponde a uma forma de lidar com um problema

concreto”38. Por isso é que nas imagens da alquimia a sublimatio aparece como aquilo que sai

da terra e é transportado para o céu.

É a fase descrita como purificação. Quando são misturados num estado de

contaminação inconsciente, a matéria e o espírito devem ser purificados pela separação. O

simbolismo da sublimatio permanece no cerne de todos os esforços humanos voltados para o

desenvolvimento. Afinal, tudo aquilo que evoca nossos melhores aspectos de nossa natureza,

“mais elevada” é, com efeito, toda a moralidade, ética e partilham do conjunto de imagens

vinculado a ela.

Mortificatio

Segundo Jung, a opus alquímica tem três estágios: nigredo, albedo e rubedo: o

enegrecimento, o branqueamento e o avermelhamento. A nigredo, ou escurecimento, pertence

à operação denominada de mortificatio. Significa, literalmente, “matar”, sendo pertinente,

portanto, à experiência da morte. É a mais negativa operação da alquimia. Está vinculada ao

negrume, à derrota, à tortura, à mutilação, ao apodrecimento. Todavia, estas imagens

sombrias com freqüência levam a imagens de crescimento e ressurreição.

“Em termos psicológicos, o negrume refere-se à sombra. Em nível pessoal é positivo

ter consciência do próprio mal, porque a negrura é o começo da brancura”. De acordo com

a lei dos opostos, uma intensa consciência de um dos lados constela seu contrário. A partir

do negrume, nasce a luz”39.

Separatio

Considerava-se como a prima matéria um composto, mistura de componentes que são

indiferenciados e opostos entre si e que requeria um processo de separação. A mistura passa,

então, por uma discriminação de suas partes e componentes. Produz-se a ordem a partir da

confusão em um processo análogo ao do nascimento do cosmos a partir do caos nos mitos da

criação.

38 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma. 39 Idem.

Page 59: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Aliás, o primeiro ato da criação é, portanto, a separação do casal divino, Pai Céu e

Mãe Terra, que os afasta o bastante para que seja criado um espaço para o resto da criação. Na

tradição chinesa, do Tao surgem o Yin e o Yang. Em termos psicológicos, o resultado da

separatio pela divisão em dois é a consciência dos contrários.

“Desta forma, a separatio é o elemento que dá ensejo à existência consciente e a

separação entre sujeito e objeto, entre o eu e o não eu; esse é o primeiro par de opostos”40.

Na medida em que os opostos permanecem inconscientes e não-separados, vivemos num

estado de participation mystique, já tratado anteriormente e que significa a identificação com

um dos lados de um par de opostos e a projeção de seu contrário como um inimigo. “O

espaço para a existência da consciência surge entre os opostos, o que significa que nos

tornamos conscientes de sermos capazes de conter e de suportar os opostos em nosso

interior”.

A criação por intermédio da separatio também é descrita como divisão em quatro (os

quatro elementos). O motivo desta divisão corresponde, em termos psicológicos, à aplicação

das quatro funções do ego. “São elas: a sensação que nos dias quais são os fatos; o

pensamento, que determina os conceitos gerais em que os fatos podem ser situados, o

sentimento, que nos diz se gostamos ou não dos fatos; à intuição, que sugere a possível

origem dos fatos, aquilo para onde podem levar e os vínculos que podem ter com outros fatos

e apresenta possibilidades, e não certezas”41.

Ainda sob o ponto de vista psicológico, Brazão lembra que as características ligadas à

separatio são: Logos-Cortador, espadas, facas, lâminas bem afiadas. O Logos é o grande

agente de separatio, aquele que traz a consciência e exerce poder sobre a natureza – interior e

exterior – graças à sua capacidade de dividir, nomear e categorizar. Ao separar os opostos, o

Logos traz clareza; mas, ao torná-lo visível, evidencia também o conflito. No texto do

Evangelho, podemos encontrar : “Eu não vim trazer a paz, mas uma espada...” Jesus: “Talvez

os homens pensem que eu vim para trazer paz à terra. Eles não sabem que eu vim para

trazer discórdia...” Um processo de separatio pode ser anunciado pelo aumento do conflito e

do antagonismo num relacionamento antes amigável. Isso será provável, em especial, se o

relacionamento for o de identificação inconsciente.

Um outro importante aspecto da separatio é vinculado ao termo “extractio”. A

extração é a separação entre a parte essencial e seu corpo. E preciso extrair o espírito da 40 Id., herdem 41 Id., herdem

Page 60: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

matéria, alma do corpo. Isto representa, sob o ponto de vista psicológico, à retirada de uma

projeção, normalmente seguida pela mortificatio.

O produto da purificação da terra é a chamada “terra branca foliada”. Esta é então

unida ao “sol” purificado ou ao princípio do “ouro” pela receita: “Semeia teu ouro na terra

branca”. Os dois protagonistas – Sol e Lua, marido e esposa, terra e espírito – representam

todos os pares de opostos. Devem ser purificados por inteiro da contaminação mútua, o que

significa um diligente e prolongado escrutínio dos próprios complexos de cada pessoa.

Terminada a separatio, os opostos purificados podem ser reconciliados na coniunctio, que é

o alvo da opus. “Só pode se unir aquilo que foi devidamente separado.”42

Coniunctio

A coniunctio é o ponto culminante da opus. Destarte, os alquimistas ocidentais

chegaram a testemunhar em seus laboratórios exemplos variados de combinações químicas e

físicas, na qual duas substâncias se unem para criar uma terceira com propriedades distintas,

uma espécie de conjunção entre homem e mulher.

Este fato forneceu diversas imagens para a fantasia alquímica.

“Quando se tenta compreender o rico e complexo simbolismo da coniunctio, é

aconselhável distinguir duas fases: uma inferior e uma superior. A coniunctio inferior é uma

união ou fusão de substâncias que ainda não se encontram completamente separadas ou

discriminadas. É sempre seguida pela morte ou mortificatio. A coniunctio superior, por outro

lado, é o alvo da opus, a suprema realização. A experiência da união é quase sempre uma

mistura dos aspectos inferiores e superiores. Todavia útil distinguir entre os dois para

propósitos descritivos. A união dos opostos que foram separados de maneira imperfeita

caracteriza a natureza inferior”.

É justamente o objetivo da opus a criação de uma entidade miraculosa que recebe

vários nomes como “Pedra Filosofal”, “Nosso Ouro”, “Água Penetrante”, “Tintura” etc. Sua

produção resulta da união dos opostos purificados, e como combina os opostos, retifica toda

unilateralidade.

Descreve-se a Pedra Filosofal como: “uma pedra que tem o poder de amolecer todos

os corpos duros e de endurecer todos os corpos moles”, a pedra com Sapientia Dei que diz de 42 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 61: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

si mesma: “Eu sou a mediadora dos elementos, que faz um concordar com o outro; aquilo

que é quente torno frio, e vice-versa, aquilo que é seco torno úmido e vice versa, o duro em

mole. Sou o final e o meu amado é o começo. Sou toda a obra, e toda a ciência oculta-se em

mim”43.

Também o termo “Pedra Filosofal” é a união de opostos. A filosofia, o amor pela

sabedoria, é um empreendimento espiritual, ao passo que uma pedra é realidade material, dura

e crua. Assim, o termo sugere algo como a eficácia prática e concreta da sabedoria ou da

consciência.

Jung descreve o seguinte, sobre este assunto:

“Eros é um kosmogonos, um criador e pai-mãe de toda consciência superior. Por

vezes sinto que as palavras de Paulo –“ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos

anjos, mas não tivesse amor” – podem muito bem ser a primeira condição de todo o

conhecimento e a quintessência da divindade. Qualquer que seja a interpretação erudita da

frase “Deus é amor”, as palavras afirmam o complexo oppositorum da cabeça de Deus....

Somos, no sentido mais profundo, as vítimas e os instrumentos do “amor”

cosmogônico... Sendo uma parte um homem não pode captar o todo. Ele se encontra a mercê

do todo. Pode obedecer a ele ou rebelar-se contra ele; mas sempre é tomado por ele e

contido dentro dele. Depende dele e é por ele sustentado. O amor é sua luz e sua treva, cujo

final ele não pode ver. “O amor não termina” – que o homem fale com as “línguas dos

anjos” ou persiga, com exatidão cientifica, a vida da célula em sua fonte última. ... Se possui

um grão de sabedora, ele deporá as armas e nomeará o desconhecido pelo ainda mais

desconhecido, ignotum per ignotius - isto é, como o nome de Deus. Essa é uma confissão de

humildade, de imperfeição e de dependência; mas, ao mesmo tempo, um testemunho da

liberdade do homem para escolher entre a verdade e o erro.” 44

Não poderíamos encerrar esta parte da monografia sem citar um dos textos

considerados entre os mais sagrados da alquimia, conhecido como ´A Tábua da Esmeralda` de

Hermes, o Trimegistro, o três vezes grande, escrita em latim, embora em 1923 fora descoberta

também uma versão na língua árabe.

43 Id. Ibidem 44 Jung, Memories, Dreams, Reflections, p. 353s

Page 62: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

1 – Verdadeiro, sem enganos, certo e digníssimo de crédito.

2 – Aquilo que está embaixo é igual àquilo que está em cima, e aquilo que está em cima é

igual àquilo que está embaixo, para realizar os milagres de uma só coisa.

3 – E, assim como todas as coisas se originaram de uma só, pela mediação dessa coisa, assim

também todas as coisas vieram dessa coisa, por meio da adaptação.

4 – Seu pai é o sol; sua mãe, a lua; o vento a carregou em seu ventre, sua ama é a terra.

5 – Eis o pai de tudo, a complementação de todo o mundo.

6 – Sua força é completada se for voltada para dentro da terra.

7 – Separa a terra do fogo, o sutil do denso, com delicadeza e com grande ingenuidade.

8 – Ela ascende da terra para o céu, e desce outra vez para a terra, e recebe o poder do que

está em cima e do que está embaixo. E, assim, terás a glória de todo o mundo. Desse modo,

toda a treva fugirá de ti.

9 – Eis o forte poder da força absoluta; porque ela vence toda coisa sutil e penetra todo

sólido.

10 – E assim o mundo foi criado.

11 – Daqui virão as prodigiosas adaptações. à feição das quais ela é.

12 – E assim sou chamado Hermes Trismegistus, tendo as três partes da filosofia de todo o

mundo.

13 – Aquilo que eu disse acerca da operação do sol está terminado.

Page 63: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XVI

Fisiologia Taoísta e Alquimia Interior

Nos textos sobre fisiologia taoísta de alquimia interior, estudados no decorrer de nosso

curso de especialização em Ciências Clássicas Chinesas, sobretudo no Weisheng Shenglixue

mingzhi 45 aparecem as palavras campo de cinábrio46 e os meridianos curiosos, meridianos

singulares ou, como melhor chamamos, vasos maravilhosos. Estes termos aparecem segundo

uma interpretação do corpo humano e de seu funcionamento, segundo uma forma taoísta de

encará-lo.

Os campos de Cinábrio (dantian) são alguns locais do corpo humano reconhecidos

como sedes das transformações e das mutações, segundo aponta o citado texto. “O cinábrio, o

sulfureto de mercúrio, é uma forma inferior de uma pedra vermelha que, em alquimia

chinesa, é a matéria prima da pedra filosofal. Em outros termos, o cinábrio é a matéria de

base para a elaboração do ouro em alquimia externa, a droga (no sentido de remédio ou

medicamento) da imortalidade em alquimia interior”.47

Este mesmo texto cita o Shuowen, fazendo referência à lembrança de que o cinábrio

(dan), representa um poço, um agujero (agulheiro ou buraco) que contém uma pedra,

garantindo e lembrando que o cinábrio é muito abundante no sul da China, realizando,

entretanto, importante ressalva. “Os campos de cinábrio não são, pois, nem depósitos e nem

lugares ordinários, e sim campos onde se transformam certos materiais segundo a alquimia

interior”.48

E, muito embora o texto original chinês não dê nenhuma precisão onde se localizam os

campos de cinábrio, conta que a respiração penetra desde o fundo da cabana (choupana) no

campo de cinábrio, onde a essência e o alimento são mantidos na busca da longevidade.

45 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – traducción Del chino al francês, introducción y notas de Catherine Despeux – versión al castellano de Francisco F. Villalba – Miraguano Ediciones. 46 Optamos em manter a palavra Cinábrio uma vez que na língua portuguesa há: Zinabre - sm Azinhavre. Azinhavre – sm – Substância verde que se forma nos objetos de cobre expostos ao ar ou umidade, conforme Dicionário da Língua Portuguesa – Soares Amora – Editora Saraiva. 47 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 19. 48 id. ibid., página 19.

Page 64: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Apenas por volta dos séculos III e IV é que aparecem três campos de cinábrio.

A saber:

• O inferior, embaixo do umbigo.

• O mediano, ao nível do coração.

• O superior, na cabeça.

Note-se que há alguma discrepância entre a localização exata do campo de cinábrio

inferior entre textos mais recentes – Baopuzi neipian e Dengzhen yinjue, do século IV – e os

mais antigos como Taixi jing e Xiuzhen shishu. Enquanto os primeiros o localizam a 2,4

polegadas abaixo do umbigo, os mais antigos referem-se ao mesmo campo a 1,3 polegada

abaixo do umbigo, sendo que a medida de 2,4 polegadas, segundo o texto estudado, é a

medida adotada pela maioria dos taoístas contemporâneos. Voltaremos a este assunto mais

adiante. Ao contrário de outros campos de cinábrio, onde se discute com detalhes sua

localização e função, o inferior é raramente citado e encontrado nas obras clássicas chinesas.

“Raros são os textos que dão outras precisões sobre sua localização. Se pode citar um

texto das Seis Dinastias, de Laozi zhongking (Yunji qiqian), que o descreve da seguinte

maneira: ´O campo de cinábrio (inferior) é a raiz do homem. É onde se acumula a essência e

a energia espiritual. É o lugar da origem dos cinco alentos, o palácio do embrião. É onde se

acumula a essência do homem e a menstruação da mulher. Preside o nascimento e é a porta

da união do Yin e do Yang, e se situa a três polegadas abaixo do umbigo”.49

Este mesmo texto dá forma e cores:

• É vermelho no centro.

• Verde à esquerda e amarelo à direita.

• Branco acima, negro abaixo. Quadrado e redondo.

49 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20.

Page 65: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

• Mede quatro polegadas e tem como modelo o céu, a terra e o homem.

• As cinco cores tomo como modelo os cinco elementos.50

No entanto, segundo Zhao Bichen no texto que ora estudamos, ocorre uma leitura que

acima confunde o cinábrio inferior com o útero e com o sexo. “Pelo que se refere às cores,

sua distribuição não corresponde com a repartição corrente das cores no espaço conforme se

segue: amarelo no centro, vermelho no sul, negro no norte, branco no oeste e verde no

leste”51.

Ainda segundo Zhao Bichen, na alquimia interior os campos de cinábrio são lugares

de transformação da essência, dos sopros e da energia espiritual. São três regiões do corpo

onde se concentram três etapas do trabalho psicofisiológico.

Conforme o Tratado dos Três Campos e os Três Cinábrios52, “a energia espiritual que

nasce no seio do sopro53, se situa no cinábrio superior; o sopro que nasce do seio da

essência, se situa no cinábrio mediano; e a união da água e o sopro verdadeiro forma a

essência que se situa no cinábrio inferior. No campo superior é a morada da energia

espiritual, no campo mediano o palácio dos sopros e no campo inferior é a região da

essência”54.

Outro clássico chinês – Dacheng jiejing55 – também cita os campos de cinábrio e os

nomeia.

“O campo de cinábrio superior o Niwan, se situa no centro da cabeça. Também

chamado Tanque (ou reservatório) do Loto Superior (shang lian-chi), e é onde está contida a

energia espiritual. O campo de cinábrio mediano, também chamado Caldeirão da Terra (tu

fu) o Tanque do Loto Mediano (zhong lianchi), se encontra a 3,6 polegadas por debaixo do

centro do corpo. Mede 1,2 polegadas, e é o lugar onde se alimenta o embrião. Está situado a

direita da Morada do Arcana (dongfang), e a esquerda do Minstang. O campo de cinábrio

inferior, também chamado Tanque Florecido (huachi) ou Oceano dos Sopros (qihai) se situa

a 1,3 polegadas por debaixo do umbigo. Está a mesma distância do cóccix que dos rins e

50 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20. 51 id. ibid., página 20. 52 Xiuzhen shishu, compliacion de los Song, número 263 – página 6b. 53 sm 1 hálito, bafo, alento. 2 vigor. 3 esforço. 4 fig ânimo. Do espanhol aliento pode-se traduzir para o souffle, em francês – sopro, conforme utilizamos a tradução nesta monografia. 54 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20. 55 Dacheng jiejing, escrito por Liu Huayang no século XVIII

Page 66: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

corresponde às gônadas. É onde está encerrada a essência e é o lugar onde se recolhe o

remédio. Também está situado a esquerda do Mingtang e a direita da Morada do Arcano56”.

Segundo Zhao Bichen, os textos de alquimia interior não fazem mais do que descrever

a circulação dos sopros internos pelos vasos maravilhosos de uma maneira mais ou menos

velada, citando o Nanjing – O Livro das 81 Dificuldades que tem três capítulos sobre os oitos

meridianos curiosos, extraordinários ou, como preferimos chamar, de vasos maravilhosos.

“Li Shizhen, célebre médico da dinastia dos Ming, retoma o exposto no Nanjing e

ressalta que o essencial para um médico conhecer bem o papel destes oito meridianos, com o

fim de não buscar vagamente a causa de uma enfermidade, e que um taoísta, graças a estes

meridianos, irá assegurar o bom funcionamento do forno e da caldeira”57.

Ainda segundo este mesmo texto, para os taoístas, os oito meridianos curiosos

desempenham um papel diferente na circulação da energia ancestral já que postulam que estes

meridianos estão bloqueados nos homens comuns que, entretanto, podem funcionar

plenamente por intermédio de exercícios e esforços que estimulariam o seu funcionamento.

56 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 21. 57 id. ibid., página 21.

Page 67: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XVII

Os Oito Vasos Extraordinários,

Curiosos ou Maravilhosos

Os Vasos Maravilhosos, como preferimos chamar, são também conhecidos como

meridianos Extraordinários ou Curiosos e possuem características muito próprias,

principalmente porque são virtuais, isto é, no estado normal do organismo eles encontram-se

como ´adormecidos`. Enquanto os vasos da grande circulação transportam a energia de forma

continuada, os Vasos Maravilhosos só aparecem em estados patológicos.

“Todo transtorno de energia que não pode ser ´absorvido` pela ´pequena circulação`

e seu mecanismo regulador, irá buscar drenar em algum Vaso Maravilhoso”58.

Além de seu funcionamento em estados patológicos, contrariamente, eles são

poderosos aliados no tratamento por intermédio da acupuntura. Diferentemente dos demais

meridianos de energia, os Vasos Maravilhosos possuem pontos mestres que abrem os vasos e

assim o reconectam à grande circulação de energia.

Além disso, eles não precisam de pontos próprios, já que estes pontos mestres fazem

parte de outros meridianos conforme o caso.

Existem oito Vasos Maravilhosos – sendo quatro de natureza Yang e quatro de

natureza Yin. São os seguintes:

Os quatro Vasos Maravilhosos Yin:

1. Tchrong-Mo – Ponto Mestre – BP 4 (Kong-Soun)

2. Inn-Oe – Ponto Mestre – CS 6 (Nei-Koann)

3. Jenn-Mo – Ponto Mestre – P 7 (Lie-Tsiue)

4. Inn-Tsia-Mo – Ponto Mestre – R 6 (Tchao-Rae)

58 Acupuntura – Teoría y Práctica – La Antigua Terapêutica China al Alcance Del Medico Practitco – David Sussmann – Décima Terceira Edicion – Editorial Kier – Los Vasos Maravilhosos – Página 271.

Page 68: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Os quatro Vasos Maravilhosos Yang:

1. Tae-Mo – Ponto Mestre – VB 41 (Linn-Trsi)

2. Iang-Oe – Ponto Mestre – TR 5 (Oae-Koann)

3. Tou-Mo – Ponto Mestre – ID 3 (Reou-Tsri)

4. Iang-Tsiao-Mo – Ponto Mestre – B 62 (Chenn-Mo)

O Vaso Maravilhosos Jenn-Mo e Tou-Mo são distintos não bilaterais como os demais

e relacionam-se com a pequena circulação. Os demais se relacionam e se agrupam em pares:

Primeiro Par

1. Tchrong-Mo – BP 4

2. Inn Oe – CS 6

Segundo Par

1. Tae Mo – VB 41

2. Iang-Oe – TR 5

Terceiro Par

1. Tou-Mo – ID 3

2. Iang-Tsia-Mo – B 62

Quarto Par

1. Jenn-Po – P 7

Page 69: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

2. Inn-Tsiao-Mo – R 6

A escolha de um determinado Vaso Maravilhoso se dá conforme a patologia

apresentada pelo paciente e de acordo com a experiência clínica do acupuntor. “Existe até um

índice terapêutico, com os pontos sintomáticos de cada enfermidade, figurando o Vaso

Maravilhoso correspondente. Ademais, os Vasos Maravilhosos podem ser usados conforme o

critério clínico geral”59.

Depois de escolhido o Vaso Maravilhoso, a sessão de acupuntura deve ser iniciada

pelo ponto mestre, deste vaso, seguido dos pontos sintomáticos e se encerra com o ponto

mestre do vaso par correspondente.

Abaixo citamos algumas indicações60 destes Vasos Maravilhosos, sem entrarmos nos

trajetos já que isto iria demandar muitas explicações que fogem do escopo principal desta

monografia.

Assim temos:

1 – Tchrong-Mo – BP4 (Kong-soun)

Indicações: Transtornos digestivos, aerofagia, todas as enfermidades do estômago

como hiperacidez, inapetência, gases estomacais. Todas as enfermidades intestinais, diarréia e

icterícia. Angina, palpitações, taquicardia, arritmia, endocardites, miocardites, pericardites.

Hipotensão. Em resumo: indicado para dores da região cardíaca, males digestivos, transtornos

hepáticos e transtornos relacionados ao tubo digestivo.

2 – Inn-Oe – CS 6 (Nei-koann)

Indicações: Indigestão, constipação espamódica, convulsões, hipertensão,

arteriosclerose, artrites, varizes, hemorróidas. Obesidade, depressão mental, melancolia,

tristeza, timidez, neurastenia, emotividade, inquietude, angústia, ansiedade, temor, agitação,

riso nervoso, amnésia, sonhos, pesadelos, transtornos mentais e delírio.

59 Acupuntura – Teoría y Práctica – David Sussmann – Décima Terceira Edicion – Editorial Kier – Página 273. 60 Conforme indicações de David Sussmann, em sua obra, Acupuntura – Teoría y Práctica – La Antigua Terapêutica China al Alcance Del Medico Practitco.

Page 70: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

3 – Tae-Mo – VB 41 (Linn-tsri)

Indicações: Artrites e artroses, reumatismo articular agudo, contratura das mãos, pé e

dedos. Tremores nos quatro membros, especialmente do pé. Cefaléias e vertigens. Dores e

edemas na face, olhos, ouvidos e garganta. Dores e nevralgias dos quatro membros, inchaço

do abdômen, vômitos. Menstruação insuficiente, inflamação das mamas, anemia, debilidade

física e mental profundo com esgotamento, enfraquecimento.

4 – Yang-Oe – TR 5 (Oae-koann)

Indicações: Dores nas articulações dos membros, frio nos joelhos, mal estar nos braços

e pernas, enxaquecas, lombalgias e dores na coluna vertebral, no pescoço, cabeça e nas órbitas

dos olhos. Calor e paralisia dos membros. Suores noturnos, dores oculares, prurido

generalizado, dermatites, acnes, otites, sangramento do nariz, excesso de menstruação.

5 – Tou-mo – Ponto Mestre ID 3 (Reou-tsri)

Indicações: Temores, contratura dos membros, confusão mental, enxaqueca, edemas

nos olhos com lacrimação, dor lombar, joelhos, dentes, glaucoma, conjuntivite, estomatite,

gengivite, amidalite, angina, surdez, epilepsia, alucinações. Em resumo: transtornos artríticos,

reumáticos, nervosos e cerebrais.

6 – Iang-Tsiao-Mo – Ponto Mestre – B 62 (Chenn-mo)

Indicações: Contração da coluna vertebral, edema nos maléolos, cefaléia com dor nos

olhos, dificuldades para estender ou flexionar os membros, abscesso na mama, zumbido nos

ouvidos, dores articulares, edemas. Afecções paralíticas nos membros, congestão cerebral,

hemorragia cerebral, afasia.

7 – Jenn-Mo – Ponto Mestre P 7 (Lie-tsiue)

Indicações: Dermatites, eczemas, cefaléia occipital, insuficiência pancreática,

diabetes, todas as enfermidades pulmonares, tosse, bronquite, congestão pulmonar,

broncopneumonia, gripe, coqueluche, tuberculose pulmonar, enfisema, asma. Todas as

Page 71: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

enfermidades do nariz: rinite, sinusite, alergias, faringites, laringites, astenias e todas as

inflamações da mucosa.

8 – Inn-Tsiao-Mo – Ponto Mestre R 6 (Tchao-raé)

Indicações: Todos os transtornos da micção, enurese, cistite, frigidez, impotência,

esterilidade, prostatite, corrimento vaginal, dores e congestão ovárica, transtornos da

menstruação, regras abundantes, ameaça de aborto, insônia, constipação crônica. Em resumo:

todos os transtornos genito-urinários.

Page 72: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XVIII

A Flor de Ouro é o Elixir da Vida

O significado literal de Gin Dan é esfera de ouro, a pílula de ouro, ou o Elixir da Vida,

a Flor de Ouro, que se obtém por intermédio das transformações da consciência espiritual que,

por sua vez, dependem do coração. E, muito embora, seja exata, tal magia é secreta, é fluida e

exige extrema inteligência e lucidez, bem como aprofundamento e tranqüilidade. “As pessoas

desprovidas dessa extrema inteligência e compreensão não encontram o caminho da

utilização, ao passo que as pessoas desprovidas do extremo aprofundamento e tranqüilidade

não conseguem estabilizá-lo”.61

Assim como existem céu e terra, também existem dois corações. O coração de carne,

embaixo, tem a forma de um grande pêssego e é encoberto pelas ´asas` do pulmão. É

sustentado pelo fígado e servido pelas vísceras. Depende do mundo exterior. Já o coração

celeste, que reside na cabeça não deve comover-se. “Se isto ocorresse, não seria bom.

Quando as pessoas comuns morrem, ele se comove, mas isso não é bom. Evidentemente, é

muito melhor que a luz já se tenha firmado num corpo-espírito e que sua força vital penetre

pouco a pouco os impulsos e movimentos. Mas este é um segredo silenciado há milênios”.62

O coração inferior é um general forte e poderoso que despreza o senhor celeste e

usurpa-lhe a liderança. Quando, entretanto, consegue-se fortalecer o castelo originário, o

soberano forte e sadio ocupa o seu trono. “Os olhos impelem ao movimento circular como

dois ministros, um à direita, outro à esquerda, apoiando o soberano com toda a sua força.

Quando a soberania está centrada e em ordem, todos os heróis subversivos se apresentam

com as lanças de ponta para baixo, a fim de receber ordens”.63

E só quando o espírito originário ultrapassa as diferenças polares de luz e obscuridade

é que o discípulo não irá mais permanecer nos três mundos (céu, terra e inferno), embora no

caminho para o Elixir da Vida reconhece-se a água-semente, o fogo-espírito e a terra-

pensamento.

61 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 99. 62 id. ibid., página 100. 63 id. ibid., página 101.

Page 73: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Para explicar melhor este assunto Wilhelm estabelece algumas comparações

importantes e muito úteis aos profissionais da Acupuntura:

1. Água-semente – uma força (Eros) uma e verdadeira do céu primeiro.

2. Fogo-espírito é a luz (Logos).

3. Terra-pensamento é o coração celeste da morada do meio (intuição).

Desta forma poderemos fazer interessante analogia com todas as funções Yin.

Dissemos a pouco que o coração terrestre é como um grande pêssego apoiado no Fígado e

tem como asas os Pulmões.

Portanto, temos três funções Yin: Coração, Fígado e Pulmões.

Agora, Wilhelm fala da água-semente, analogia possível aos Rins, Fogo-espírito

(Logos ou Fogo Imperador) analogia possível com o Coração ou com o Mestre do Coração

(CS), e terra-pensamento, Baço-Pâncreas, tão importante e citado na filosofia de esvaziar-se a

mente e pensar com a barriga.

Acreditamos que tais analogias fazem muito sentido, principalmente ao destacar um

outro trecho de Wilhelm, na obra citada, conforme se segue. “Usamos o fogo-espírito para

agir, a terra-pensamento como substância e água-semente como fundamento”.64

“O Grande Uno contém em si a verdadeira força

(prana), a semente, o espírito, o animus e a anima. Quando os

pensamentos se tranqüilizam plenamente, de modo a ver-se o

coração celeste, a inteligência espiritual, por si mesma, atinge a

origem. Este ser habita, sem dúvida, o verdadeiro espaço, mas o

lampejo da luz habita nos dois olhos. Portanto, o mestre ensina

o movimento circular da luz, a fim de alcançar o verdadeiro ser.

O verdadeiro ser é o espírito originário. O espírito originário é

64 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 101.

Page 74: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

justamente ser e vida, e quando nisso se reconhece o real, aí

está a força originária. E é justamente isto o grande sentido”.65

65 Long Yen – Suramgama-sutra budista. JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 99.

Page 75: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XIX

A Flor de Ouro é a Luz do Céu

Ao entender e buscar compreender o que é Tao, sobretudo se o encararmos como um

método ou caminho consciente que deve unir o que está separado, chegaremos próximo ao

conceito psicológico da linguagem chinesa e de se realizar o que propõe o Tao.

Segundo o texto Hui Ming Ging, “é necessário um ´aquecimento`, ou seja, uma

elevação da consciência, a fim de que a morada da essência espiritual seja ´iluminada`.

Assim, pois, não é apenas a consciência, mas também a vida que deve ser elevada ou

exaltada. A união de ambas produz a ´vida consciente`. ... os antigos sábios conheciam o

modo de suprimir a separação entre consciência e vida, pois cultivavam as duas”.66

Segundo a concepção junguiana, a união dos opostos em um nível mais alto de

consciência não é um processo mental ou racional, menos ainda uma questão de desejo ou

vontade, e sim um processo de desenvolvimento psíquico que se exprime por intermédio dos

símbolos. “Quando as fantasias tomam a forma de pensamentos, emergem formulações

intuitivas de leis ou princípios obscuramente pressentidos, que longo tende a ser

dramatizados ou personificados”67.

Em sua prática clínica e em suas pesquisas, Jung pôde comprovar que as fantasias

desenhadas pelos seus pacientes podem aparecer em símbolos que pertencem ao tipo

´mandala`. “Mandala significa circulo e praticamente circulo mágico. Os mandalas não se

difundiram somente através do Oriente, mas também são encontrados entre nós. A Idade

Média e em especial a baixa Idade Média é rica de mandalas cristãos”.68, escreve Jung.

Nestes mandalas é importante ressaltar que o ponto central também pode ser

representado por Jesus Cristo rodeado pelos quatro evangelistas nos pontos cardeais. Entre os

egípcios também Hórus e seus quatro filhos foram representados da mesma forma e o centro

mostra o local do ´olho filosófico`, ou ´espelho da sabedoria` conforme algumas tradições.

Precisamos ainda ressaltar que diversas tradições, a chinesa inclusive, leva em conta no seu

JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 37 67 id. ibid., página 38 68 id. ibid., página 38

Page 76: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

processo de cosmogênese os quatro pontos cardeais com um quinto ponto no centro, que

depois se desloca acima e à direita, representando a Terra.

Na prática, podemos estabelecer que há os quatro pontos cardeais no consultório e no

centro, onde reside a luz, está o terapeuta/acupunturista e o paciente buscando a vivência

alquímica de se partir do corpo físico buscando atingir a luz do espírito, a descoberta e o

próprio incentivo do Shen. Outra analogia possível é que se forma a cruz mundana, de quatro

braços iguais, sendo que o paciente deitado na horizontal, forma este braço da cruz, enquanto

que o vertical é representado pelo terapeuta-acupuntor trabalhando.

A flor de ouro é a luz.

E a luz do céu é o Tao.

Jung, na obra citada, afirma que a Flor de Ouro é um símbolo mandálico, também

encontrado em uma série de desenhos de seus pacientes. Trata-se de um ´ornamento

geometricamente ordenado` como uma flor irrompendo do fundo da obscuridade em luz

colorida e incandescente. Tais desenhos exprimem o nascimento da flor de ouro, pois,

segundo o Hui Ming Ging, a vesícula germinal` é o ´castelo de cor amarela`, o ´coração

celeste`, ´os terraços da vitalidade`, ´o campo de uma polegada da casa de um pé`, ´a sala

purpúrea da cidade de jade`, ´a passagem escura`, ´o espaço do céu primeiro`, ou também

chamado de ´o castelo do dragão no fundo do mar`.

Ela é também chamada ´a região fronteiriça das montanhas de neve`, ´a passagem

primordial`, ´o reino da suprema alegria`, ´o país sem fronteiras` e o altar sobre o qual

consciência e vida são criadas. “Se o agonizante não conhecer este lugar germinal”, diz Hui

Ming Ging, “não encontrará a unidade de consciência e vida nem mesmo em mil

nascimentos, ou dez mil eons”, cita Jung.69

No princípio, quando tudo ainda é informe e ligado ao um, tudo jaz no fundo do mar,

na escuridão do inconsciente. Uma só unidade, inseparavelmente misturada como a semente

do fogo no forno da purificação. A partir deste fundo é que surge o fogo que sobe e penetra a

semente, incubando-o para que uma grande flor de outro nasça e cresça da vesícula germinal.

69 id. ibid., página 40

Page 77: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Diz Jung. “Esta simbólica refere-se a uma espécie de processo alquímico de

purificação e de enobrecimento; a escuridão gera a luz e a partir do ´chumbo da região da

água` cresce o ouro nobre; o inconsciente torna-se consciente, mediante um processo de vida

e crescimento. Desse modo se processa a unificação de consciência e vida”.70

Ainda segundo o psicanalista, essas imagens surgem espontaneamente de duas fontes:

o inconsciente e a plana devoção que proporciona um pressentimento do si-mesmo, da própria

essência individual.

“Um clarão de luz circunda o mundo do espírito.

Esquecemo-nos uns dos outros, puros,

silenciosos, vazios e onipotentes.

O vazio é atravessado pelo brilho do coração celeste.

Lisa é a água do mar e a lua

se espelha em sua superfície.

Apagam-se as nuvens no espaço azul;

lúcidas, cintilam as montanhas.

A consciência se dissolve em contemplação.

Solitário, repousa o disco da lua”

Hui Ming Ging71

“A meta evidente da imagem é traçar um ´sulcus primigenius`, um sulco mágico em

redor do centro que é o templo ou temenos (área sagrada) da personalidade mais íntima, a

fim de evitar uma possível ´efluxão`, ou preservá-la, por meios apotropaicos, de uma eventual

distração devido a fatores externos”, escreve Jung.72

70 id. ibid., página 39 71 Hui Ming Ging, obra citada. 72 id. ibid., página 40

Page 78: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Ainda sob o ponto de vista psicológico, podemos lembrar do movimento da roda do

sol, que quando começa a girar se vivifica, e a partir daí inicia o seu caminho. “O Tao começa

a atuar e assume a direção. A ação converte-se em não-ação; tudo o que é periférico é

subordinado à ordem que provém do centro”, lembra Jung73.

Ao interpretarmos este texto podemos utilizar a via do estágio de plenitude como um

estado anímico caracterizado pelo desprendimento da consciência em relação ao mundo. Ao

mesmo tempo uma consciência vazia e não-vazia, plena.

A consciência deixa de se preocupar com as imagens das coisas para, apenas, as

conter. Pode-se ter acesso à abundância anterior do mundo, imediata e premente, onde nada

perde de sua riqueza e maravilha, porém também não domina mais a consciência.

“O Tao começa a atuar e assume a direção. A ação converte-se em não-ação; tudo o

que é periférico é subordinado à ordem que provém do centro”, lembra Jung74.

É nesta hora que desaparece a participation mystique 75 responsável pelo

entrelaçamento da consciência com o mundo. É quando a consciência deixa de ser dominada

por intenções compulsivas e passa a contemplar, conforme exprime o texto chinês. Afinal, a

participation mystique aponta para o grande e indeterminado remanescente da indiferenciação

entre sujeito e objeto, de tal monta entre os primitivos, que não pode deixar de espantar os

homens de consciência européia ou ocidental.

“O homem civilizado considera-se naturalmente bem acima destas coisas. No entanto,

não raro, passa a vida inteira identificado com os pais, com seus afetos e preconceitos,

culpando impudicamente os outros pelas coisas que não se dispõe a reconhecer em si mesmo.

E guarda também um remanescente da inconsciência primitiva da não-diferenciação entre

sujeito e objeto. Por isso mesmo é influenciado magicamente por inúmeros seres humanos,

coisas e circunstâncias, isto é, sente-se assediado de modo irresistível por forças

perturbadoras, muito apreciadas com as dos primitivos; do mesmo modo que estes últimos

necessita de encantamentos ou feitiços apotropaicos.... ...O homem ocidental não manipula

id. ibid., página 41 74 id. ibid., página 41 75 Participation Mystique é um termo utilizado por Lévy-Bruhl que designa o sinal característico da mentalidade primitiva.

Page 79: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

mais com amuletos, bolsas medicinais e sacrifícios de animais, porém com soporíferos,

neuroses, racionalismo, culta da vontade etc.”76, conforme Jung.

76 id. ibid., páginas 58 a 60.

Page 80: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XX

O Caminho da Meditação

Citando o Hui Ming Ging, Wilhelm lembra que a obra trata de instruções budistas e

taoístas de meditação como parte de um pressuposto fundamental das duas esferas anímicas

que surgem a partir do nascimento: consciente e inconsciente, separadas uma da outra.

“O consciente é o elemento de diferenciação individual (ego freudiano) e o

inconsciente, o elemento da união cósmica. O princípio da obra se baseia na integração de

ambos os elementos, pelo caminho da meditação. O inconsciente deve ser como que

fecundado pela submersão do consciente, deve ser trazido à consciência; juntamente com o

consciente assim ampliado, acede então a um plano de consciência suprapessoal, na forma

de um renascimento espiritual”77, escreve Wilhelm.

Destarte, se o indivíduo conseguir reconhecer o inconsciente como fator co-

determinante do modo mais amplo possível, então o centro de gravidade da personalidade

total irá se deslocar. Não persistirá no eu, que é apenas o centro da consciência, mas passará

para um ponto, por assim dizer, virtual entre o consciente e o inconsciente: o si-mesmo, o self.

“Se a mudança for bem sucedida isto significa o fim da ´participation mystique`,

surge, então, uma personalidade que só sofrerá nos andares inferiores, uma vez que nos

andares superiores estará singularmente desapegada, tanto dos acontecimentos penosos,

quanto dos felizes”, diz Jung78. O advento e nascimento dessa personalidade superior é o que

tem em mira nosso texto ao falar do ´fruto sagrado`, do ´corpo diamantino`, ou de qualquer

outra espécie de corpo incorruptível.

No entanto, há um perigo quando ocorre o encontro da consciência individual –

delimitada – com a enorme extensão do inconsciente coletivo, já que este último tem um

efeito dissolvente sobre a consciência. Para Jung os ensinamentos contidos no Hui Ming Ging

dizem respeito ao cultivo da ioga chinesa.

77 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 83. 78 Idem, Página 38.

Page 81: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Aliás, a ilustração que consta da capa do O Segredo da Flor de Ouro mostra um sábio

em contemplação e de sua cabeça sai chamas e delas surgem cinco formas humanas que, por

sua vez, se dividem em vinte e cinco formas menores.

Diz uma advertência do Hui Ming Ging: “As formas que se configuram através do

fogo do espírito são formas e cores vazias. A luz da essência brilha de volta ao originário,

que é o verdadeiro”,79 referindo-se à quarta etapa da meditação quando deve ocorrer as

rememorações das encarnações anteriores, conforme esquema que se segue:

Primeira etapa de meditação

Concentração da luz

Segunda etapa de meditação

Começo do renascimento no espaço da força

Terceira etapa de meditação

Libertação do corpo-espírito para uma existência autônoma

Quarta etapa de meditação

O Centro em meio às circunstâncias

Segundo o livro O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï), a prática da

ioga chinesa permite a libertação dos grilhões do mundo exterior ilusório, aliás, objetivo de

diversas seitas que surgiram na China em diversos momentos históricos, sobretudo os de

penúria econômica. No entanto, o mais alto grau desta atitude meditativa é tender ao nirvana

budista “ou então prepara a possibilidade de continuação da vida depois da morte, não com

decomposição no decaído mundo das sombras, mas como espírito consciente; é isto que

79 Hui Ming Ging, citado na página 46 da edição consultada de O Segredo da Flor de Ouro.

Page 82: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

propõe o presente texto, conectando o princípio espiritual do homem com forças psicogênicas

correspondentes”80, escreve Wilhelm.

Segundo ele, com este processo pode-se fortalecer o processo vital obtendo

rejuvenescimento e normalização energética de modo a superar a morte. Esta passa ser um

processo harmônico e natural da conclusão da vida. “O corpo terrestre será, então,

abandonado pelo princípio espiritual (apto a prosseguir uma vida independente no corpo

espiritual (criado por seu sistema energético), tal como ocorre com a cigarra ao abandonar

sua casca seca”81, escreve Wilhelm.

Na época Tang – no decorrer do século VIII – a tradição oral fala do Elixir de Ouro da

Vida (Gin Dan Giau), fundada pelo adepto taoísta Lü Yen (Lü Dung Bin), considerado como

um dois oito imortais em “uma época que todas as religiões autóctones e estrangeiras eram

toleradas e praticadas”82, até a última perseguição movida pelo governo manchú em 1891

quando mais de 15.000 de seus adeptos foram cruelmente massacrados.

Na busca histórica, Wilhelm cita Guan Yin Hi, o Mestre Yin Hi do Desfiladeiro que,

segundo a lenda, foi para ele que Lao Tse escreveu o Tao Te King, onde é possível encontrar

uma série dos ensinamentos místicos, ocultos e esotéricos.

“Na época Han, o taoísmo degenerava cada vez mais em práticas mágicas externas;

os mágicos da corte, de procedência taoísta, procuravam obter a pílula de ouro (a pedra

filosofal) por meios alquímicos, que produzisse ouro a partir de metais vis, conferindo ao

homem a imortalidade física” 83. Além disso, as designações alquímicas começaram a tomar

força e também passaram a representar símbolos de processos psicológicos e se aproximar dos

pensamentos originais de Lao Tse.

Houve importante influência do budismo, sobretudo o praticado na escola Tiën-Tao de

Dschï Kai, de origem Mahayana (que antes desta época dominou fortemente a China) e sutras

que foram repetidos no Gin Dan Giau.

“Numa página é descrito com detalhes o cultivo da ´Flor de Ouro`, e em outra são

introduzidos pensamentos nitidamente budistas, que deslocam a meta com toda a evidência

para a obtenção do nirvana através do repúdio do mundo”84, escreve Wilhelm, admitindo que

80 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 86. 81 Idem, Página 86. 82 Idem Página 87. 83 Idem, página 88. 84 Idem página 88.

Page 83: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

algumas seções foram suprimidas da edição utilizada para esta monografia, embora nas

primeiras fases é que se trata o trabalho do renascimento interior através do movimento

circular da luz e a geração da semente divina.

“A luz é a vida dos homens.

O olho é a Luz do corpo.

O renascimento espiritual do homem pela água e pelo fogo, ao

que se deve acrescer a terra (pensamento), enquanto regaço materno

ou campo arado. Comparemos com as palavras de João (apóstolo).

“Eu vos batizo com o água; depois de mim virá alguém que voz

batizará com o Espírito Santo e fogo” ou “quem não nascer de novo da

água e do espírito não entrará no Reino do Céu”.85, compara Wilhelm.

Wilhelm explica que o processo vital descendente – o movimento direto e habitual –

leva em conta dois fatores – o intelectual e o animal – que, em geral, relaciona-se a anima ou

vontade insensível, aprisionada pelas paixões que, praticamente, obriga o animus, ou

intelecto, a trabalhar para seus serviços (ou satisfações das emoções). O ser volta-se para fora

e as forças do animus e da anima se esvaem e a vida se consome. Gera-se novos seres e o

ponto final é a morte.

“A anima mergulha, o animus se eleva e o eu é privado de sua

força, numa situação dúbia. Quando esta ´externalização` se afirma,

ocorre em conseqüência o peso e o mergulho na surda aflição da morte

e o eu só se alimenta miseravelmente das imagens ilusórias da vida que

ainda o atraem, sem que, no entanto, possa participar ativamente delas

(inferno, almas famintas). Se apesar disso, houve um esforço par ao

alto, recebe-se uma vida relativamente beatífica, de acordo com os

méritos, pelo menos durante algum tempo, enquanto se é fortalecidos

pelas forças dos sacrifícios dos sobreviventes”.86

85 Idem página 89 86 Richard Wilhelm, O Segredo da Flor de Ouro, página 95

Page 84: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

No entanto, ressalta Willhelm, quando se consegue durante a vida iniciar um

movimento ´reversivo` e ascendente das forças vitais, quando a anima é dominada pelo

animus, ocorre uma espécie de libertação das coisas exteriores que passam a ser reconhecidas,

mas não cobiçadas, com o conseqüente rompimento da ilusão.

“Ocorre um movimento circular ascendente das energias. O eu

retira-se dos emaranhados do mundo e permanece vivo depois da

morte, uma vez que a ´interiorização` impediu as forças vitais de se

derramarem para fora; pelo contrário, estas últimas criaram um centro

vital na rotação interior da mônada, que não depende da existência

corporal. Um tal eu é um Deus, um Schen. O sinal para Schen

significa: expandir-se, atuar, em suma, é o contrário de gui. Em sua

grafia antiga, Schen ´pe representado por um meandro duplamente

sinuoso, que também pode significar trovão, raio, excitação elétrica”.87

Em um outro trecho, Wilhelm escreve: “Eterna é apenas a Flor de Ouro, que brota da

libertação interior de todos os envolvimentos com as coisas. O homem que alcança este

estágio ultrapassa seu eu. Não se limita mais à mônada, mas penetra no circula da dualidade

polar de todos os fenômenos e retorna ao Uno, isento de dualidade: o Tao”.88 Além disso,

Wilhelm assinala a diferença entre o budismo e o taoísmo. No primeiro há retorno ao nirvana,

quando ocorre uma extinção total do eu, que é apenas ´ilusório`, assim como o mundo é

ilusório.

Já no taoísmo, ocorre o contrário, a meta é conservar na transfiguração a idéia da

pessoa e os ´vestígios` das vivências. “É a luz que com a vida retorna a si mesma,

simbolizada no nosso texto pela Flor de Ouro”89.

87 Richard Wilhelm, O Segredo da Flor de Ouro, página 95 88 id. ibid., página 96 89 id. ibid., página 96

Page 85: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXI

As Etapas da Alquimia Interior na Leitura Chinesa

Zhao Bichen, que pertencia à escola Wu Liu, estabelece três etapas para o trabalho

psicofisiológico da Alquimia Interior efetuadas em cada um dos três campos de cinábrio90.

Parte do campo inferior, onde se sublima a essência para transformá-la em sopro, no campo

médio, onde o sopro, ou alento se transforma em energia espiritual, e o campo de cinábrio

superior, onde se volta a vacuidade (lian jing hua qi, lian qi hua shen, lian shen huan xu).

São três fenômenos que podem ser observados durante a realização destas três etapas,

segundo aponta Zhao Bichen.

No primeiro, quando a essência é sublimada não se experimentam desejos sexuais.

Quando o sopro é sublimado não se sente fome ou desejos, e quando a energia espiritual está

sublimada não se sente sono ou necessidade de descanso. Esta divisão em três etapas ocorre

ao redor de três conceitos diferentes: essência, sopro e energia espiritual.

Essência, sopro e energia espiritual

Como os caracteres chineses são signos e emblemáticos, para compreender estas

noções fundamentais da alquimia interior o conteúdo semântico pode variar segundo a língua

ocidental utilizada na tradução e a época em que o contexto é analisado.

“Os três tesouros do corpo são a essência, o sopro e a energia espiritual. A intuição

clara e perspicaz é a energia espiritual; aquela que penetra todas as partes e se move em

círculos é o alimento; os humores e os líquidos que embebem o corpo é a essência. Se queres

distingui-los segundo sua função, a energia espiritual controla e governa, o sopro preside a

aplicação das ordens, a essência preside a transformação e a geração. Cada um tem uma

função específica e segue as ordens do chefe. Se queres distingui-los desde o ponto de vista

de sua utilização, a essência pode transformar o sopro, o sopro pode transformar a energia

90 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 35.

Page 86: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

espiritual. Ali onde chega a energia espiritual, chega o sopro. Ali onde chega o sopro, chega

a essência”.91

A Essência

No Neijing, obra médica dos Han, o jing tem as vezes o sentido de essência seminal, e

as vezes o sentido de quintessência dos órgãos, ou as vezes o sentido de gérmen da vida. Diz

o Lingshu. “No começo, durante a concepção, o primeiro que se forma é a essência; uma vez

formada a essência aparecem o cérebro e a medula”, conta no Wisheng Shenglixue mingzhi -

Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen.

Em um outro trecho, da mesma obra, encontramos: “Quando o sopro do céu anterior

se põe em movimento, se transforma em essência do céu anterior invisível, a qual se

transforma em essência material do céu posterior. O trabalho consiste em evitar que a

essência se converta em essência do céu posterior e em fazer uma maneira que a essência do

céu anterior volte a converter-se em sopro primordial. Este trabalho se efetua graças a

respiração”92.

O Sopro

No Shuowen, o sopro ou alento refere-se aos vapores que ascendem. Há quatro grafias

diferentes, cada uma com seu próprio significado. Na primeira, encontra-se o vapor com o

fogo embaixo. Na segunda, antiga da época da dinastia Son, é o sopro do céu anterior em

oposição ao sopro do céu posterior. Na terceira, escreve-se apenas o ideograma relacionado a

vapor e, por último, a mais corrente é o vapor embaixo do elemento arroz, ou seja,

transformação do sopro por intermédio da nutrição física e do alimento.

Aproveitamos outro trecho de Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y

Medicina Taoísta – Zhao Bichen, onde se compara sopro celeste com a respiração humana.

“O sopro está no céu, e o que o coloca em movimento é o vento, e o seu movimento são as

91 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 36. 92 id. ibid., página 37.

Page 87: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

transformações, a respiração, o rápido e o que ascende (sobe), e o que volta, o que se

dispersa, o que abre e o que brilha é a luz. O fogo pode oculta a sombra e conter a forma”.93

A Energia Espiritual

“O Sheng é a divindade celeste de onde surgem as dez mil coisas”, diz o Shuowen. Já

no I Ching, o livro das Mutações, se define assim: “Quando o Yin e Yang são insondáveis, se

fala de Sheng”. No Nijing está escrito o seguinte: “Oh Sheng, inaudível e invisível, quando o

coração se abre a ti, não mais pensamento, a intuição cognitiva nos faz compreender de

pronto que tu és inexpressável”.94 E dá continuidade a essa explicação lembrando que, em

alquimia interior, o Sheng é o embrião imortal que se fabrica no corpo, deve ser sempre

Yang, já que se subsiste um pouco de Yin, se converteria como presa dos demônios (gui)95”,

em uma clara alusão de que Sheng – espírito, encontra-se no céu e se contrapõe aos demônios,

espíritos da terra.

93 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 38. 94 id. ibid., página 38. 95 id. ibid., página 38.

Page 88: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXII

Sublimação da Essência

A primeira etapa, a ´sublimação da essência` também é conhecida como a fase de

´colocar os cimentos nos cem dias` conforme consta de uma passagem do Sutra Budista `Loto

da Boa Lei`96 e que visa que a essência volte para o cérebro depois de estabelecer, nos canais

das funções, o controle da circulação circular ou pequena revolução celeste.

Segundo o Tratado de Alquimia e Medicina Taoísta, de Zhao Bichen, para que esta

essência retorne ao cérebro cita-se práticas antigas e que foram muito utilizadas durante a

dinastia Han. É fato que alguns autores de textos sobre a alquimia interior recomendavam

utilizar a energia sexual – quando aparece durante a meditação – ou ´nas práticas de

dormitório`, como dizem os textos clássicos. Nas práticas sexuais, mesmo nas horas de

máxima excitação, recomendava-se ao homem não chegar ao clímax e ejacular. É fato

também que alguns autores afirmaram que ´cabalgar` (cavalgar, montar) as mulheres seria

uma técnica herética e recomendavam não pensar nas práticas sexuais. Outros não

estabelecem um paralelo entre jing (a essência) e o esperma. ... “deve-se atuar no momento

em que ocorre a ereção e se põe em movimento a energia sexual, momento em que os textos

taoístas chamam de ´período Del Zi vivo`(huozishi)97.

Isto se diz porque, segundo alguns taoístas, a ereção não está apenas ligada à atividade

sexual e sim às boas condições da função vital e demonstra que esta energia circula bem e em

quantidade suficiente, lembrando que ela pode ocorrer com bebês dormindo, por exemplo,

que nada têm a ver com a busca do sexo. Recomenda-se aproveitar este momento de fluxo de

energia pra se trabalhar mediante a pequena revolução celeste e cultivar o Tao.

Segundo Zhilun98, “apenas o sopro que está profundamente enterrado pode inverter a

essência e transformá-la em sopro do céu anterior, quando a essência não pode sair e deve-

se fazê-la subir e estabelecer a circulação circular nos canais de função e de controle

mediante um trabalho mental e respiração rítmica. Isto é a pequena revolução celeste”.

96 Wu Liu xianzong quanji, página 53. 97 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 39. 98 Zhilun, capítulo 8, em Wu Liu xianxong quanxi, página 206, citado em Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 39.

Page 89: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Pequena revolução celeste

Para se estabelecer a pequena revolução celeste, dizem os textos clássicos chineses,

deve-se colocar em movimento a Roda da Lei, de fato, uma expressão budista que representa

o momento da iluminação, em que Buda percebeu bem ser ele um Santo e se pôs a praticar e

divulgar sua doutrina.

“Para estabelecer a comunicação circular deve-se unir os canais abaixo e acima; por

baixo pressionando o canal da uretra e por cima colocando a ponta da língua no palato. O

circulo dos canais de controle e de função estão divididos em doze pontos segundo a jornada

de vinte e quatro horas – 12 horas chinesas – que correspondem aos intervalos de tempo e

respiração....

O microcosmo que é o corpo humano tem um tempo e um ritmo calcado no

macrocosmo. Psicologicamente, situa-se no centro do corpo e move-se no tempo no lugar

desta revolução circular onde se situa muito além do tempo”99.

99 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 43.

Page 90: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

As doze seções são designadas conforme o período cíclico e são denominados: Zi,

Chou, Yin, Mão, Chen, Si, Wy, Wei, Shen, Yu, Xu e Hai que designam também os intervalos

de tempo das respirações. Diz o Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia e

Medicina Taoísta que o sopro verdadeiro do círculo formado pelos canais de função e de

controle devem ser estimulados e acompanhados pela respiração externa – chamada de fogo

militar – oposta ao fogo civil – que é o pensamento criador.

A respiração deve seguir um ritmo preciso de acordo com as seções dos canais

atravessados pelo fluxo da essência invertida. “No começo da inspiração a essência invertida

(quer dizer, o sopro verdadeiro), recorre ao ponto Zi do canal de controle, depois sobre ao

ponto Chou, ao mesmo tempo em que se conta nove inspirando. Sem parar de inspirar, se

conta de novo nove, enquanto que a essência invertida passa por Yin, depois passa por Mão

ao mesmo tempo que se retém a inspiração. Se inspira de novo enquanto se conta duas vezes

nove quando a essência passa por Chen, depois por Si e deve ter chegado ao limite da

inspiração quando a essência chega a Wu”100. Para baixo deve-se seguir de maneira análoga.

Se expira contando duas vezes seis quando a essência recorre os pontos Wei e Shen, se marca

uma pausa durante Yu, depois se continua a expiração e se conta durante Xu e Hai.

“Depois de cem dias desta prática, efetuada em cada ereção, a essência se transforma

continuamente em sopro, e já não se observa perda nenhuma da essência seminal. Então se

100 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 43.

Page 91: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

recupera o estado de indistinção do embrião, estado marcado pela indiferença dos órgãos

dos sentidos e, portanto, da percepção.

Segundo Nan Huaijin, a continuidade desta prática se constitui uma estimulação das

funções hormonais, se observa uma retração do sexo, assim como uma ascensão a partir do

campo do cinábrio inferior de uma força que se une a uma outra força proveniente do

estômago, e um intercâmbio de ambas forças como base da segunda etapa”101.

101 id. ibid., página 43.

Page 92: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXIII

Sublimação do Sopro

Mesmo em menores detalhes, o Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia e

Medicina Taoísta demonstra que a prática é muito mais mental com o desenvolvimento,

durante dez meses, do cambo de cinábrio mediano, do embrião imortal surgido após o

casamento da energia espiritual com o sopro verdadeiro que deve ocorrer na primeira etapa do

trabalho. Há referência nos textos de alquimia oriental que há uma cópula entre o ´fogo do

coração`, representado pelo trigrama Li – Fogo (onde dois traços Yang encerram um Yin) e a

´água dos rins`, representado pelo trigrama Kan – Água (onde traços Yin encerram um Yang),

de forma que o fogo (céu) desce e a água (terra) sobe.

“O movimento para o alto da linha Yang de Kan representa a purificação e a

dissolução da essência; o movimento para baixo da linha Yin de Li representa a cristalização

da luz, o que corresponde as estadas solve e coagula da alquimia ocidental. Se poderia dizer

também que ocorre uma fusão progressiva entre a parte fisiológica (a essência original do

sopro) e a psique (energia espiritual do indivíduo)”.102

“O verdadeiro licor do coração e dos pulmões é atraído pelo verdadeiro sopro

descendente. Deve-se visualizar progressivamente a união até que a luz do chumbo brilhe em

forma de lua e que o sopro de mercúrio se eleve como um sol. O sol e a lua copular e se

fundem em forma de um círculo vermelho que ilumina o alto e o baixo (do corpo). Então se

perde a consciência de si, das coisas e do universo, e se vive como um sono, com se estivesse

embriagado. Este estado é fugidio como um relâmpago e deve ocorrer rapidamente”103.

Noção de embrião

A noção do embrião da imortalidade está prevista no desenvolvimento de um embrião

humano que, segundo os chineses, demora 10 meses. Ele é formado a partir do sopro

verdadeiro, também chamado como ´parcela da luz verdadeira´. Em alguns textos seu

102 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 44. 103 id. ibid., página 44.

Page 93: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

desenvolvimento é descrito como pérola-embrião que deve ser aquecida e alimentada. “No

começo, o caos, no seio do Vazio e do Não-Ser se encontra o sopro luminoso que, uma vez

chegado ao seu apogeu, engendra a umidade, a qual, quando chega a seu apogeu, se

transforma em bruma e em rocio (não sei a tradução)”104.

Diz o Nei King, capítulo 20. “Aqueles que buscam a imortalidade devem respirar o

sopro original... Convém controlar a essência e alimentar a matriz para regenerar o corpo

físico. Se conservar o embrião e se detiver a essência, se pode viver muito tempo”.105

Embrião do Sopro e

Respiração Embrionária

A formação do embrião do sopro no campo de cinábrio está ligada a concepção da

respiração embrionária. Alguns termos podem ser associados ao Tai Chi como ´respiração

embrionária`, `respiração do embrião`, ou `respiração da matriz´.

“O sopro do Uno é a respiração embrionária. A matriz do palácio que encerra a

energia espiritual, a respiração é o ponto de partida da transformação em embrião. A

respiração engendra a respiração e a energia espiritual é o embrião; o embrião não pode

realizar-se em a respiração; a energia espiritual a respiração não tem governador. Assim, a

energia espiritual é a que governa a respiração, a respiração é a raiz do embrião, e a matriz

é a morada da respiração”.106

Adiante, este mesmo texto aponta um comentário publicado no Yunji qi qian

localizando este embrião a três polegadas debaixo do umbigo, referindo-se a este ponto como

o local onde acontece a união entre a energia espiritual e o sopro, engendrando assim o

embrião misterioso.

104 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 48. 105 id. ibid., página 48. 106 id. ibid., página 49.

Page 94: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXIV

Sublimação da Energia Espiritual

Depois de iniciar no campo de cinábrio inferior e encerrada a segunda etapa, no campo

de cinábrio mediano, ocorre o nascimento e, para tal, deve-se elevar a mente até o campo de

cinábrio superior. “É como se o praticante se banhasse em um calor suave acompanhado de

um esquecimento do corpo e do espírito que parece fundir-se em um halo de luz. “Esta

sensação é mais intensa no nível da cabeça”107.

Em uma tradução livre, relato abaixo as fases desta etapa.

1. As flores se reúnem quando o espírito alcança a extrema quietude e depois de reunir

Xing e Ming, os três remédios – essência, sopro e energia espiritual – florecem, sendo

que a energia espiritual aparece na flor de ouro. “Corpo, espírito e pensamento são as

Três Famílias. Quando os três se encontram o embrião está consumado (formado).

Essência, sopro e energia espiritual são as três origens. Quando os três retornam ao

Uno, o cinábrio está consumado. Para retornar os três ao Uno deve-se estar em

quietude e o espírito estar vazio”108.

2. Os cinco sopros rendem homenagem à origem. Os cinco sopros das cinco vísceras ou

dos cinco elementos cujas interpretações podem variar de autor para autor nos textos

clássicos chineses. O sopro original da unidade se divide e engendra os princípios

primários: Yin e Yang. Estes se dividem nas cinco direções e se o corpo está imóvel, a

essência é reforçada e a água retorna a sua origem, sendo que o sopro é reforçado com

o fogo retornando à sua origem. Acalmado o mundo, todas as coisas voltam ao seu

princípio.

Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 52. 108 Chuan dao ji, citado em Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 52.

Page 95: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

3. Amamentar a criatura durante três anos. Uma frase que nos leva à análise ao plano

mais alto dos sentidos e do conhecimento apenas discursivo. Há inclusive uma

advertência neste sentido. ´Muitos perigos acercam o adepto neste estado`, dizem os

textos clássicos chineses. O embrião tende a sair pela porta do céu, acima da cabeça.

Além disso, o recém nascido não é forte o suficiente para voltar e a ´energia espiritual

Yin` deve ser alimentada durante três anos no campo de cinábrio superior. “Neste

período deve-se conseguir transformar a energia espiritual Yin em energia espiritual

Yang. Não há que se pensar que o recém nascido se encontra no campo de cinábrio

superior. É apenas necessário que esta entidade ilumine o campo de cinábrio e se

funda com a Grande Vacuidade: este é o começo da criança”.109 Neste momento, os

referidos textos ressaltam o cuidado que o adepto deve ter já que há uma total

transformação da energia Yin em Yangshen, ou o espírito Yang, o espírito da luz. “A

aparição de um grande número de demônios para atacar o Yang é um dos múltiplos

perigos desta etapa sobre o que insiste Wu Chongxu. Se recordarmos que os demônios

pertencem ao mundo Yin da terra, seu ataque pode interpretar-se como uma última

defesa do Yin antes de seu desaparecimento completo”.110 Uma destas armadilhas é a

das ilusões, com o surgimento de fenômenos luminosos ou de visões de belas

mulheres tocando instrumentos delicados e com todo tipo de coisas agradáveis de

modo a fazer com que o adepto desista de sua busca e intento de iluminar-se.

4. Meditar defronte ao muro por nove anos. Nesta etapa, a energia espiritual – o Shen –

sublima-se e cristaliza-se. Se trata aqui da contemplação surgida de uma grande

concentração que conduz à fusão na vacuidade.... A expressão ´meditar nove anos

defronte a um muro` refere-se a lenda na qual Bodhidharma, primeiro patriarca na

China do Budismo Zen, meditou por nove anos frente a um muro evitando um só

momento de sonolência.

109 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 54. 110 id. ibid., página 55.

Page 96: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXV

Conclusão: Zhao Bichen & Taoístas

Todo o conteúdo tanto as descrições fisiológicas de Zhao Bichen quando texto de

taoístas, sobretudo da escola Wu Liu, provocaram muita ironia e espanto nos ocidentais que o

acusaram de inexatidão, de ´erros grotescos` etc. No entanto, a fisiologia taoísta está baseada,

fundamentalmente, na observação de repetições dos mecanismos psicofisiológicos

importantes que provocam sensações e percepções que, claro, é de caráter absolutamente

subjetivo.

Com muita propriedade, Zhao Bichen coloca em questão da importância das secreções

humorais do corpo como saliva, lágrimas, mucosidades, sêmen etc. com o fato de elas estarem

ligadas à fascinação que exercem sobre os taoístas.

Defende-se, em seus postulados, que a essência pode ser invertida graças à

concentração mental capaz de aumentar a luz interior. “Graças à concentração pode-se

aumentar a luz interior. Aqui aparece o laço estreito que para os taoístas existe entre o

fisiológico e o psicológico, entre matéria e espírito: toda troca espiritual origina uma troca

fisiológica (e sobre isto se trata a alquímica ocidental, convencida de que pode trocar a

matéria com o espírito)”111, destacando-se que, para os taoístas, não há separação entre corpo

e espírito.

Segundo esta concepção taoísta, a primeira troca energética ocorre quanto os gametas

do pai se unem aos da mãe para juntos formarem um novo alento, um novo sopro que dará

origem ao embrião propriamente dito. A segunda troca ocorrer quando o embrião de dez

meses (nove meses de gestação) respira o sopro da vida e quanto o espírito assume sua

própria natureza e se está preparado para vir ao mundo (nascer). A terceira troca, depois de

sua evolução e que vai até 16 anos, quando sua essência e sopro alcançam seu apogeu. “A

primeira passagem é a sublimação da essência e sua transformação em sopro. A segunda

passagem é a sublimação do sopro e sua transformação em energia espiritual, e a terceira

passagem é a sublimação da energia espiritual e seu retorno a Vacuidade”112.

111 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 57. 112 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 57.

Page 97: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

A imortalidade, ou melhor, a longevidade é uma das metas destas práticas, mas não é a

única: os problemas essenciais da vida recebem uma solução original. No curso das três

etapas do trabalho alquímico, o taoísta aprende a suprimir seu desejo sexual que turva a paz

interior de um indivíduo e melhora sua saúde e talvez chega a adquirir a longevidade.

A partir da segunda etapa reduz o consumo de alimentos. Podemos lembrar que o

taoísmo antigo comportava um grande número de práticas que permitiam abster-se de cereais

(alimentos) alimentando-se do sopro e alcançar assim a imortalidade. Aqui a perda do apetite

aparece durante a sublimação do sopro.

E, por último na terceira etapa, a necessidade de dormir diminui. Estes fenômenos vão

acompanhado por um aumento da temperatura interna; as roupas perdem assim sua

importância. O ideal taoísta é poder ter uma vida frugal, com abrigo das necessidades

fisiológicas mais elementares como sono, alimento e sexualidade.

Também não se podem esquecer os textos e os alquimistas ocidentais, inclusive

citados no Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta que bem

estabeleceram comparações e analogias entre o microcosmo e o macrocosmo, conforme se

segue: “O paralelo entre macrocosmos e microcosmo é constantemente estabelecido nos

textos de alquimia ocidental e Fulcanelli insiste bem sobre isto quando diz “O alquimista

deve seguir o mais fielmente possível sua realização microcósmica, todas as circunstâncias

que acompanham a Grande Obra do Criador”113

113 Fulcanelli, Lãs moradas filsofofales, vol II – página 32 - Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – página 59.

Page 98: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXVI

Conclusão final:

É certo que nem todos pacientes estão prontos, ou desejam chegar a uma solução

original de voltar à infância, voltar à mãe, chegar à origem e, portanto, a imortalidade, ao Tao,

a vacuidade original. No entanto, a questão que se propõe nesta monografia é exatamente esta.

E se houver um paciente que busca no acupunturista/terapeuta suas iniciações nos mistérios

possíveis? Pode-se auxiliá-lo ? Quais conceitos que deveremos levar em conta na hora de se

aplicar uma agulha?

Estudando-se a figura publicada na página 41 do Wisheng Shenglixue mingzhi –

Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen podemos fazer analogias livres de

modo a picar pontos que possam auxiliar a fechar o circuito na pequena circulação que,

associadas aos métodos apresentados acima, sobretudo os da respiração e da fixação da

consciência em determinados pontos corporais, podemos destacar, em uma livre associação de

acupontos:

Wu – VG 20 (Pae-Roe)

Zi – VC 1 (Roe-Inn)

Yu – VG 7 (Tchong-Su)

Mao – VC 12 (Tchong-Koann)

Chen – VC 17 (Trann-Tchong)

Com as seguintes características de localização e tratamento de sintomas:

Wu – VG 20 (Pae-Roe) – Ponto de reunião de todos os meridianos Yang.

Sintomas: Sem força espiritual, preocupação com o passado, descuido com o futuro.

Demasiadas idéias e preocupações, Amnésia, perda de objeto, face vermelha e sensação de

congestão depois de ingerir vinho.

Page 99: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Indicado para estados de excitação, depressão, epilepsia, insônia, medo, falta de concentração,

histeria, neurastenia, cefaléia, anemia cerebral, hemiplegia e afasia. Obstrução nasal,

sangramento pelo nariz, hipoacusia, gazes e rinites. Hemorróidas, prolapso retal e palpitações.

Zi – VC 1 (Roe-Inn) – Ponto de reunião com o Vaso Governador e Vaso Tchrong-Mo.

Atua sobre o fígado, cabeça e todas as afecções dor órgãos genitais.

Sintomas: debilidade geral, afecções Yin. Hemorróidas, prurido anal, retenção de urina

e distúrbios menstruais.

Yu – VG 7 (Tchong-Su)

Sintomas: dores na parte baixa do tórax e na região lombar, gastralgia e visão

reduzida.

Mao – VC 12 (Tchong-Koann) – Ponto de alarme do meridiano do estômago. Ponto de

reunião com os meridianos do pulmão, fígado, circulação e sexualidade, triplo reaquecedor,

intestino delgado e está relacionado com os Vasos Maravilhosos : Inn-Oe (CS 6 – BP 4) e

Tchrong-Mo (BP 4 – CS 6).

Sintomas: Todas as enfermidades e disfunções gástricas, náuseas, inapetência,

vômitos, gastralgia, diarréia, úlcera gástrica, meteorismo, aerofagia.

Chen – VC 17 (Trann-Tchong) – Ponto de alarme respiratório e do meridiano do triplo

reaquecedor. Vasos secundários se relacionam com os meridianos do coração, do intestino

delgado, rim, circulação e sexualidade, triplo reaquecedor, fígado, pulmão, intestino grosso,

baço-pâncreas, bem como dos vasos maravilhosos Yang-Tsiao Mo (B 62 – ID 3) Tchrong-Mo

(BP 4 – CS 6) e Inn- Oe (CS 6 – BP 4)

Sintomas: Transtornos energéticos por excesso ou por carência. Tosse, asma, dispnéia,

dores no peito, angina, vômitos, espasmos no esôfago, lactação insuficiente, infecção nas

mamas.

*

Page 100: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Acreditamos, firmemente, que a Acupuntura como método terapêutico praticado com

constância, leva os indivíduos e os pacientes a retornarem, objetivamente, aos seus próprios

princípios, fato que permite a possibilidade do desenvolvimento das etapas da alquimia

interior como preconizavam os chineses antigos.

Atingir tudo por intermédio do vazio pleno, da vacuidade.

A proposta para reflexão, constante na inicial desta monografia, diz respeito

justamente à esta necessidade em estudarmos os pontos acima citados na busca de maior

consciência espiritual das pessoas que se submetem à Medicina Tradicional Chinesa – MTC,

sobretudo à acupuntura, desde que assim o desejarem.

Neste sentido, acreditamos que os acupontos VG 20 (Pae-Roe), VC 1 (Roe-Inn), VG 7

(Tchong-Su), VC 12 (Tchong-Koann) e VC 17 (Trann-Tchong) podem facilitar a

transformação energética, sem contar que alguns deles situam-se exatamente nos campos de

cinábrio, citados anteriormente, que poderão facilitar tal trabalho.

Quanto ao empirismo de tais afirmativas, apenas a experiência prática e clínica –

levando-se em consideração esta assertivas – exigirá ainda um certo tempo de modo que se

comprove ou se rechace tais possibilidades.

Certos de que fizemos nossa parte, com tal estudo e proposta,

aguardemos então o que o tempo – e a prática clinica – dirá.

Page 101: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Referências Bibliográficas

JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua

Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984.

CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo,

2004.

GUÉNON, René, A Grande Tríade, Editora Pensamento, São Paulo.

BRAZÃO, Fátima, Alquimia – Um processo de transformação da Alma. Trabalho inédito da

psicóloga clinica junguiana. São Paulo. 2004.

BICHEN, Zhao – Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta ––

traducción Del chino al francês, introducción y notas de Catherine Despeux – versión al

castellano de Francisco F. Villalba – Miraguano Ediciones.

SUSSMANN, David – Acupuntura – Teoría y Práctica – Décima Terceira Edicion – Editorial

Kier – Buenos Ayres, Décima Terceira Edição – Argentina. 2000.

KING, Nei – O livro de Acupunctura do Imperador Amarelo – Tradução dos 34 capítulos do

Huan Ti Nei Su Wen – Editora Terceiro Milênio – São Paulo. 1995.

SHU, Ling – Base da Acupuntura Tradicional Chinesa – Tradução e Comentários de Ming

Wong – Organização Andrei Editora Ltda., São Paulo, 1995.

Page 102: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Introdução

A idéia para a realização desta monografia para a conclusão do curso de especialização

em Ciências Clássicas Chinesas pela Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio

partiu da necessidade de o autor estabelecer alguns parâmetros entre sua prática clínica –

como terapeuta acupunturista ocidental – face à riqueza e profundidade da filosofia,

pensamento e espiritualidade chinesas.

Para ampliar o assunto em referência e tratando-se da origem do autor – descendente

de italianos, nascido e criado no bairro do Bom Retiro, próximo ao centro da cidade de São

Paulo, SP – buscou-se, então, levantar como foram, e de fato ainda é, para os cidadãos das

diversas culturas e formações os primeiros contatos do homem ocidental com a civilização

oriental.

Antes de tudo, é preciso destacar que tais contatos se deram em diversos momentos

históricos e de variedade muito grande de formas. Muitas delas, de maneira absolutamente

específica e individual, como foram os casos de alguns renomados sinólogos, sem contar a

experiência própria de G. Soulié de Morrant que, literalmente, mergulhou na cultura chinesa

de modo a apreender os cânones mais profundos da Medicina Tradicional Chinesa – MTC e

da Acupuntura para transformar-se, posteriormente, em seu introdutor às mentes da

civilização ocidental.

Dito isto, e excetuando-se tais sinólogos e o próprio Soulié de Morrant, pode-se

perguntar como foram os contatos entre estas duas civilizações hemisféricas? Como

ocidentais, cabe formular algumas perguntas.

– Como foi este impacto para nós, diante de uma cultura milenarmente mais evoluída?

Como este contato modificou – e ainda está modificando – sua prática clínica mediante a

aplicação da Acupuntura, por exemplo? Como foram as primeiras relações entre ´o estado da

alma` dos ocidentais com este mesmo estado dos orientais e vice-versa?

Em um trecho do livro ´O Segredo da Flor de Ouro, Um Livro de Vida Chinês`, com

comentários de C. G. Jung e R. Wilhelm114, o primeiro reconhece que o conhecimento do

114 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. O texto original Tai I Gin Hua Dsung Dschï provém de um circulo esotérico da China cujo teor foi transmitido

Page 103: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Oriente implicou em um conhecimento de uma civilização milenar, “edificada organicamente

sobre instintos primitivos, a qual nada tem a ver com a moralidade brutal dos germanos

bárbaros, recentemente civilizados que somos (referindo-se aos europeus). Por isso, os

chineses não têm tendência à repressão violenta dos instintos, que envenena nossa

espiritualidade, imprimindo-lhe um exagero histérico”115, escreve Jung116.

Uma repressão, como veremos no decorrer desta monografia, capaz de causar uma

ferida na psique que necessitará ainda de algum tempo antes de fechar-se totalmente.

Note-se, entretanto, que esta é apenas uma das premissas básicas, o ponto de partida

desta monografia que tem a presunção de analisar um outro tópico importante da filosofia

chinesa que, em seus ditames mais profundos, relaciona-se à alquimia antiga, por exemplo, e

sua possível importância na prática clinica do profissional acupunturista.

– Existem conceitos, até mesmo pontos de acupuntura que devem ser levados em

conta na hora de se aplicar uma agulha em tratamento de patologias comuns que podem

atingir o amplo conceito da alquimia? – Como a alquimia prevê a unificação de consciência e

vida? – Como se deve atentar aos pontos específicos, durante a anamnese, de modo a escolher

a melhor terapêutica, segundo tais princípios?

De fato, estas foram as primeiras perguntas surgidas ao se pensar sobre o tema desta

monografia e que se somaram a muitas outras relativas a tal proposta. Principalmente se

levarmos em conta a possibilidade de um corpo teórico – tão vasto e profundo quanto o da

Medicina Tradicional Chinesa – MTC, que conta com registros há pelo menos cinco mil anos

– que visa inclusive tratar de patologias consideradas contemporâneas e modernas de estudos

e relatos bem mais recentes. – Haveriam patologias tão similares na época antiga? – Como o

conhecimento filosófico pode auxiliar nesta prática clínica?

Estas são algumas das questões que procuraremos responder e também propor para

uma reflexão conjunta ao longo deste trabalho.

oralmente durante muito tempo. Mais tarde também por intermédio de manuscritos. A primeira publicação data da época de Kiën-Lung (século XVIII), e em 1920 este texto foi reimpresso em Pequim, aparecendo numa edição de 1000 exemplares, junto com o Hui Ming Ging. 115 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 60. 116 Carl Gustav Jung, ilustre médico suíço nasceu em 1875. No principio de sua carreira dedicou-se à psiquiatria e à compreensão da psique humana. Contemporâneo de Freud, Jung foi considerado um de seus discípulos favoritos. Porém com o tempo, diferenciou-se, pois acabou discordando e ampliando alguns de seus conceitos principalmente no tocante ao desenvolvimento da sexualidade e seus distúrbios. Jung não satisfeito foi além. Observando os sonhos de seus pacientes, mitos das mais diversas culturas e religiões, Jung constatou a existência de uma estrutura psíquica comum a toda humanidade. A isto chamou de Inconsciente Coletivo.

Page 104: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo I

Ponto de Partida.

Contato ou Choque?

O contato entre as civilizações oriental e ocidental – logo após tomarem conhecimento

uma da outra – pode ser analisado sob diversos ângulos e facetas. Afinal, falamos de culturas

de natureza absolutamente diferentes, de formas e costumes totalmente díspares e, até então,

autônomos diante de um conhecimento que deve ser analisado, aliás, como tudo, em sentido

de mão dupla. De ida e de vinda, como tão bem preconiza a filosofia oriental, em especial a

chinesa.

É fato que foram – e ainda são – muitas as dificuldades, segundo a ótica do mundo

ocidental, para que se possa entender o âmago dos conceitos filosóficos – e, por conseguinte,

da própria Medicina Tradicional Chinesa –MTC em toda a sua magnitude.

A começar pela linguagem do mundo oriental. Peguemos, em princípio, este fato, o da

linguagem. É fato que não pretendemos adentrar aqui na complexa concepção filosófica dos

ideogramas, fato que daria, certamente, uma outra monografia. No entanto, iremos apenas

ressaltar que os ideogramas representam idéias e símbolos, ao contrário das palavras, sinais e

signos, conforme as conhecemos nos diversos idiomas ocidentais.

Vamos aqui nos ater às dificuldades de interpretação dos textos orientais segundo o

´ponto de partida`, a inicial de um texto e da defesa das idéias, algo semanticamente diferente

do que estamos acostumados a lidar.

O Centro como Partida

Uma diferença básica – e de fundamental importância – é que o autor chinês,

normalmente, parte do centro de suas idéias. Ele inicia seu texto, sua defesa teórica,

justamente pelo assunto principal, pelo mais importante. Depois, conforme o caso, ele vai

explicando, de maneira simbólica, o âmago apresentado logo no início.

Page 105: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

É o que o ocidental denomina de ápice, meta, ou o último fato a ser conhecido em uma

explanação, seja textual, seja oral. É a conclusão teórica. Apenas para dar um exemplo prático

do que isto significa, é como se iniciássemos uma monografia pela sua conclusão.

Portanto, enquanto o oriental inicia sua explanação pela parte mais importante, nós,

ocidentais, damos inúmeros volteios até atingir o clímax do texto, ou apontar a conclusão de

todo o raciocínio teórico anteriormente apresentado.

Entre outros tantos exemplos, neste sentido, podemos citar duas frases inicias do texto

denominado Hui Ming Ging117:

“O que existe por si mesmo se chama Tao”.

Uma outra:

“O segredo mais sutil do Tao é a essência e a vida”118.

A tradução do chinês para o português, como se vê, indica uma série de palavras que

podem sugerir grande profundidade e magnitude teórica e filosófica. Lembremos de um

detalhe importante, já dito acima e que convém repetir. Não há única tradução para os

ideogramas, principalmente aos temas filosóficos, aos ligados à cosmogênese e no tocante à

Medicina Tradicional Chinesa – MTC.

Basta citar as traduções existentes relativas ao Tao, ideograma que possui, na

linguagem chinesa, dois sinais: cabeça e caminhar.

Por conta disso, muitos autores traduzem Tao por ´caminho` ou ´providência`. Alguns

jesuítas o adaptaram para `Deus´ e Richard Wilhelm, por seu lado, traduz o termo Tao por

´sentido`.

117 Essência (sing) e consciência (hui) – Hui Ming Ging, texto citado no livro O Segredo da Flor de Ouro – Um Livro de Vida Chinês – C.G.Jung e R.Wilhelm, Editora Vozes, 2ª. Edição, Petrópolis, 1984, tradução de Dora Ferreira da Silva e Maria Luíza Appy, página 36. Na página 83 desta mesma obra, Richard Wilhelm escreve que o Hui Ming Ging, ou livro da Consciência e da Vida, foi editado por Liu Hua Yang, em 1794. Natural de Hukou, província de Kiangsi, Liu Yang tornou-se posteriormente monge no Claustro da Dupla Flor de Loto (Shuang Liën Si) na província de Anhui. A tradução foi baseada numa nova edição, que alguém, sob o pseudônimo de Hui Dschen Dsï (aquele que se tornou consciente da Verdade), imprimiu juntamente com o Segredo da Flor de Ouro, numa tiragem de mil exemplares em 1921. 118 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 36.

Page 106: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Diante disso, comprova-se, mais uma vez, que a tradução pode variar muito, segundo

o tradutor, sua filosofia, experiência de vida, raciocínio, formação didática e orientação

filosófica etc. Vale lembrar que, no caminho da tradução, também se pode utilizar a amplitude

do raciocínio analógico – que, aliás, vai muito além das simples comparações como as

utilizamos no decorrer do aprendizado nas escolas acadêmicas ocidentais –, de modo a

ampliarmos os conceitos inerentes ao nosso objeto de estudo.

Desta forma, para o conceito de ´cabeça`, por exemplo, pode-se fazer analogias com o

termo consciência, da mesma forma que com ´caminhar` para, juntando-se os dois símbolos,

ser traduzido como ´caminho consciente`. Ainda recorrendo-se à analogia, Tao também pode

ser livremente traduzido como a ´luz do céu`119, uma vez que a essência e a vida estão

contidas na luz proveniente do céu.

Como se vê, mais uma vez, ficam patentes as diferenças entre as culturas do Oriente e

do Ocidente, bem como de sua escrita e interpretação simbólica.

Enquanto aqui no ocidente o raciocínio e o pensamento seguem um determinado

sentido e de forma linear, reto e plano, no Oriente ele é mais parecido com o universo,

redondo, circular e global. Como se pode ver no exemplo que se segue:

“Se quiseres completar o corpo diamantino sem efluxões120

Deves aquecer diligentemente a raiz da consciência e da vida.

Deves iluminar a terra bem-aventurada e sempre vizinha

E nela deixar sempre escondido teu verdadeiro eu”

Hui Ming Ging121

119 id. ibid., página 36. 120 Eflúvio – sm – Fluido sutil que emana dos corpos; emanação; perfume, aroma fragrância. Dicionários da Língua Portuguesa – Soares Amora – 6ª. Edição – Editora Saraiva – Evitar a efluxão refere-se à proteção da unidade da consciência contra a fragmentação provocada pelo inconsciente. 121 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 37.

Page 107: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Segundo Carl Gustav Jung, na obra citada, estes versos contém uma indicação

alquímica, já que indica um método, ou mesmo caminho para a geração do ´corpo

diamantino`, que estudaremos a seguir:

“Para isso, é necessário um ´aquecimento`, ou seja, elevação da

consciência, a fim de que a morada da essência espiritual seja

´iluminada`. Assim, pois, não é apenas a consciência, mas também a

vida que deve ser elevada ou exaltada. A união de ambas produz ´a

vida consciente`. Segundo o (texto) Hui Ming Ging, os antigos sábios

conheciam o modo de suprimir a separação entre consciência e vida,

pois cultivavam as duas. Deste modo o ´scheli´ (corpo imortal) se funde

e se completa o grande Tao”122

Como escrevemos para o homem ocidental – e concordamos com Jung quando ele

ressalta a seriedade de se ter a concordância entre os estados psíquicos e o simbolismo do

Oriente e do Ocidente –, tais analogias abrem um extenso caminho que nos conduz “às

câmaras interiores do espírito oriental, caminho que não pede sacrifício de nossa própria

maneira de ser. Isto sim, seria uma ameaça de desenraizamento”, escreve Jung123.

Destarte, referindo-se aos que não sabem onde estão as verdadeiras fontes da força

secreta, diz Gu De: “As pessoas mundanas perderam as raízes e se atêm às copas das

árvores”.124

Neste ponto é possível destacar que estas analogias não são, nem um telescópio, nem

um microscópio intelectuais capazes de abrir uma perspectiva indiferente, pelo fato de nada

representarem de fundamental. Ao contrário, trata-se de um caminho que indica certo

sofrimento na busca e na luta comum a todos os povos civilizados; “trata-se da tremenda

experiência da natureza de tornar-se consciente, outorgada à humanidade, e que une as

culturas mais distantes numa tarefa comum”.125

Assim, com bastante propriedade, Jung, na obra citada, explica que o homem europeu,

“um germânico recém-civilizado” (uma vez que há apenas mil anos vivia ainda sob os 122 id. ibid., página 37. 123 id. ibid., página 36 124 id. ibid., página 62 125 id. ibid., página 66

Page 108: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

ditames do politeísmo), invadiu o Oriente, em especial a China, defrontando-se com uma

civilização, em diversos aspectos, milenarmente mais evoluída.

Entre outras análises possíveis, o psiquiatra e psicanalista destaca que, justamente, sob

o ponto de vista psíquico e espiritual reside o aspecto e o ponto de vista onde esta invasão

física teve um, talvez entre os mais caros, preço. Afinal, por conta desta tentativa de

colonização e exploração, o homem branco – ocidental e europeu – precisou assimilar uma

cultura – e também um valor espiritual – de maneira muito mais intensa do que ele pudesse,

talvez, estar preparado. Faltou-lhe, então, estrutura.

Neste sentido, para Jung, o homem oriental chinês, por intermédio de seu modo de

vida muito mais natural, sempre conviveu de maneira muito mais harmônica com seus

próprios instintos. Enquanto o europeu, sobretudo depois deste contato – e conhecimento –

precisou reprimir estes instintos, a duras penas, diga-se. Instintos que foram guardados

´embaixo do tapete` sem, no entanto, perderem a sua força original. Afinal, ainda que no

inconsciente – colocado aqui como se lata de descarte fosse – eles continuaram vivos e fortes.

Principalmente porque o problema do progresso espiritual religioso, para Jung, deve

ser tratado com as diferenças entre o Oriente e o Ocidente, quanto ao modo de tratar a ´jóia`,

isto é, o seu símbolo central.

“Enquanto o Ocidente enfatiza a encarnação humana, a personalidade e a

historicidade do Cristo, no Oriente se diz: ´sem começo, sem fim, sem passado, sem futuro`.

Ou seja, enquanto o cristão subordina-se à pessoa divina e superior, à espera de sua graça; o

oriental sabe que a redenção depende de sua própria obra”. 126

Diante disso, este tópico mostra que o contato realizado entre tais civilizações causou

uma repressão dos instintos, uma ferida, do homem ocidental que ainda deverá levar muito

tempo para ser curada. O psiquiatra e psicólogo faz uma interessante analogia do homem

branco europeu com Amfortas, o rei pescador ferido na virilha pela lança de Longinus – a

mesma que feriu o Cristo. Os anjos confiaram e concederam a honra da guarda dos sagrados

objetos (a lança e o cálice que recolheu o sangue do Justo) para Tituriel, pai de Amfortas, de

quem a lança foi mais tarde surrupiada por Klingsor, o cavalheiro que fazia oposição à

comunidade dos santos guerreiros de Monte Salvat (Monte Saúde). Sua oposição advinha pelo

fato dele não ser admitido na Ordem dos Santos Cavalheiros.

126 id. ibid., página 66

Page 109: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Klingsor, então rouba a lança de Amfortas e o fere na virilha que, em se tratando de

figuras mitológicas, representa a própria humanidade agrilhoada ao sexo. Só depois de

Parsifal ter percorrido todos os arcanos maiores por duas vezes – na primeira vez ele deixa de

fazer a pergunta redentora ao se defrontar com o Graal – nosso cavalheiro tolo-inocente-herói,

na segunda oportunidade, consegue realizar a pergunta e libertar todo o reino da magia de

Klingsor.

Só depois disso ele consegue curar a ferida de Amfortas tocando-a com a lança.

Interessante simbologia e analogia já que apenas, e tão somente, o objeto que feriu será capaz

de curar.

Mas esta é uma outra história que, sem dúvida, mereceria esforços para a redação de

outra monografia, assunto que, no entanto, foge muito de nossos objetivos aqui traçados.

Então, retomando-se a pergunta título deste primeiro capítulo – Ponto de Partida,

Contato ou Choque? – deixemos a resposta aos nossos leitores, lembrando, entretanto, que o

raciocínio global, redondo, oriental caminha em contraponto ao modelo linear e cartesiano

ocidental.

Podemos também destacar que, se por um lado, o homem branco europeu invadiu

fisicamente a China, ele foi invadido interiormente por uma cultura milenarmente superior à

sua, o que lhe valeu a ferida do rei Amfortas, segundo Jung, e que agora se encontra em uma

busca incessante para tornar-se consciente do processo de cura de maneira ampla do

inconsciente de todo o mundo ocidental.

“Há pouco mais de mil anos caímos de um politeísmo cru numa religião oriental,

altamente desenvolvida, que impeliu o espírito imaginativo de semibárbaros a alturas que

não correspondem ao seu desenvolvimento espiritual. Para manter de um modo ou de outro

essa altura, era inevitável que a esfera do instinto tivesse que ser duramente reprimida.

Dessa forma, a prática religiosa e a moralidade assumiram um caráter decididamente brutal,

para não dizer maligno.

Os elementos reprimidos obviamente não se desenvolveram, mas prosseguiram e

ainda prosseguem vegetando no inconsciente, em sua barbárie primitiva... A ferida de

Amfortas e o dilaceramento fáustico do homem germânico ainda não estão curados. Seu

Page 110: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

inconsciente ainda permanece carregado de conteúdos que, em primeiro lugar, deverão ser

trazidos à tona da consciência, para que a libertação seja possível”127, escreve Jung.

Em um outro trecho, em sua conclusão sobre este assunto, Jung reconhece que “a

invasão européia do Oriente foi um ato de violência em grande escala e nos legou - ´noblesse

oblige`- a obrigação de compreender o espírito do Oriente. Isto é talvez mais importante para

nós do que parecemos pressentir”.128

127 id. ibid., página 60. 128 id. ibid., página 69.

Page 111: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo II

Do Tao à Dualidade Primordial

Como dito, em seu âmago, o conhecimento tradicional chinês traz em seus símbolos –

e linguagem próprios – muito conteúdo a que nossas mentes ocidentais ainda não estão

acostumadas, até por questões semânticas e culturais, a discernir e entender.

Como se sabe, todo símbolo abrange além dos objetos palpáveis e visíveis e o que eles

podem significar, o que implica em sentidos ocultos em uma só expressão. Por isso é que a

sua interpretação permite riqueza variada de uma gama de significados que podem implicar

em uma série de associações que não podem ser reduzidas, simplesmente, e definidas em

única direção ou sentido. Aliás, definição, em última análise, significa colocar um fim. E o

símbolo caminha justamente em sentido contrário, ou seja, amplia significados. Em outras

palavras, a interpretação do símbolo depende de quem o interpreta, em qual contexto e em

qual momento se localiza, local, história, cultura, níveis de informação etc.

Polaridade em tudo

Ainda que de certa forma bastante popularizada – e até mesmo banalizada nos últimos

tempos por determinados meios e mídias – a filosofia do Yin e do Yang – as duas energias

opostas, mas complementares – o fato é que se trata, ainda, de uma teoria de difícil

compreensão em toda a sua abrangência e utilizando-se apenas a nossa habitual e linear forma

de raciocínio ocidental.

Afinal de contas, trata-se da polaridade primordial responsável pela construção do

universo e das dez mil coisas, inclusas aí as pessoas, bem como a interpretação da filosofia

dos cinco elementos – Água, Terra, Metal, Fogo e Madeira – que apresentam uma dimensão

bastante ampla e simbólica.

O Tao, em sua forma originária, como explica Wilhelm – que o traduz como ´sentido

do mundo` - consiste “em uma cabeça, que deve ser interpretada como ´começo`, e em um

sinal para ´ir` (ou andar), precisamente em seu duplo significado que implica também o de

Page 112: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

´trilho`: além disso, ainda um sinal para ´deter-se` que desaparece na grafia posterior... O

pensamento subjacente é o de que ele, mesmo sendo imóvel, transmite todos os movimentos

outorgando-lhes a lei. Os caminhos do céu são aqueles através dos quais os astros se

movimentam; o caminho do homem é a via pelo qual ele deve andar”.129

Ao tratar da consciência celeste, ou ´luz do céu`, Wilhelm lembra e cita o Mestre Lü

Dsu que dizia: aquilo que é por si mesmo denominamos sentido (Tao).

“O sentido não tem nome, nem forma. É o ser uno, o espírito originário e único. Ser e

vida não podem ser vistos, estão contidos na luz do céu. A luz do céu não pode ser vista, está

contida nos dois olhos. Hoje serei vosso guia e revelar-vos-ei o Segredo da Flor de Ouro do

Grande Uno”.130

Se estabelecermos paralelo com os dias atuais, podemos reconhecer que muito já se

caminhou nesse sentido, sobretudo nos avançados estudos sobre holografia, física quântica

(ora energia, ora partícula material), universos paralelos etc., onde se estabelece que uma

parte – pequena que seja – sempre possui em si o Todo em potencial, em um quantum

suficiente para auxiliar um possível processo de reconstituição após fragmentação.

No entanto, há muito ainda para se marchar diante da necessidade de se ter uma visão

poética do universo capaz de nos permitir adentrar ao hermetismo da linguagem chinesa. Tal,

fato, acreditamos, possibilita chamar a Acupuntura até de Arte Terapêutica – uma arte/ciência,

com absoluta praticidade, indicada para o tratamento de diversos males, inclusive de origem

psíquica, mas unindo a visão da natureza, do cosmos e do homem, em único organismo que é,

a um só tempo, fisiológico e anímico – portanto psíquico – e também espiritual.

Holismo – raiz de holístico – quer dizer a capacidade de sintetizar

unidades em totalidades organizadas. A filosofia oriental reza que o homem é

um todo indivisível, cujos componentes distintos não podem ser considerados

separadamente. Assim como no holograma, qualquer parte de uma imagem é

129 id. ibid., página 92. 130 id. ibid., página 97.

Page 113: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

capaz de reconstruir a imagem inteira. Karl Pribam, neurocientista norte-

americano, faz interessante associação analógica do holograma com os

estudos de imagens do cérebro, o que explica que não se pode determinar uma

região exata para a memória, já que a mesma pode estar espalhada por

diferentes regiões do cérebro e que, ao se reconstituir, seria possível

reconstituir o todo. O símbolo funciona como um holograma ao evocar

imagens diversas para reconstituir o todo original, levando em conta pólos

opostos e conceitos diversos.131

Seguindo esta linha de raciocínio, então, pode-se afirmar que o homem representa

simbolicamente todo o universo e a natureza. Ainda que cada parte representada (pessoa) seja

única e individual, a soma delas é sempre diferente do total inicial, acrescida das

características – e experiências, diríamos, principalmente pelas vivências individuais – que

irão auxiliar, sobremaneira, na interpretação dos fatos e da própria vida na história de um

indivíduo. Segundo Soares Amora, em seu Dicionário da Língua Portuguesa, o termo

indivíduo quer dizer: indiviso; o que não se pode dividir. Portanto, o indivíduo,

analogicamente, é a parte única que não se pode mais dividir.

E é justamente na alma do indivíduo onde se encontram as sedes das duas funções

mais importantes da alma humana: a emoção e o pensamento. Geralmente contraditórias,

portanto com forças distintas, uma vez que uma busca o prazer, enquanto a outra o raciocínio.

Além disso, pode-se também traçar um paralelo analítico (e analógico como dito

acima) com Pathos, enquanto emoção, sensações e sentimentos; e Logos, enquanto raciocínio

lógico e pensamentos. A patologia, então, pode ser encarada como um termo que merece ser

analisado sob a ótica do desequilíbrio entre Pathos e Logos, a emoção e o pensamento,

responsáveis pela vida anímica nesses dois campos de consciência do indivíduo.

131 CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo, 2004. A autora é médica acupunturista e pós-graduada em Psicologia Analítica.

Page 114: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo III

Dois pólos: antagônicos,

mas complementares

O Yin é feminino, passivo, interno, sombra, mal, obscuro, terra, útero, inconsciente,

analogicamente relacionado a Eros, emoção. Já o Yang é masculino, ativo, externo, vida, luz,

bem, claro, céu, o falo, o consciente, relacionado a Logos, portanto, a razão. Nem um nem

outro tem conceito ou valor de bem ou mal no sentido de avaliação moral ou estética, é

preciso ressaltar. Ambos são pólos geradores do Universo que, aliás, não existiria um sem o

outro, seu oposto-complementar.

E é justamente deste conflito – amistoso, é preciso dizer – gerado por estes opostos é

que surge a fonte da vida e toda a sua diversidade. Vida e construção ou doença, morte e

destruição. É assim que os chineses propõem a resolução dos conflitos mediante uma análise

das enormes possibilidades criativas do relacionamento de ambos os pólos.

Quando o Yin e o Yang se unem, formam o universo – diferente do estágio inicial – a

exemplo do que ocorre com os gametas masculinos e femininos que geram uma criança

autônoma e diferente dos pais, aliás também relacionado à física quântica que trataremos mais

a frente.

Diz o Su Wen, um dos mais antigos livros sobre MTC:

“O Yin corresponde à falta de movimento e sua energia simboliza a

terra. O Yang corresponde ao movimento e a sua energia simboliza o céu;

portanto, o Yin e o Yang são caminhos da terra e do céu. Como o nascimento,

o crescimento, o desenvolvimento, a colheita e o armazenamento são levados a

efeito de acordo com a regra de crescimento e declínio do Yin e do Yang, então

o Yin e o Yang são os princípios que norteiam todas as coisas”.132

132– O Livro do Imperador Amarelo - Tradução dos 34 capítulos do Huang Ti Nei Ching Su Wen, Editora Terceiro Milênio.

Page 115: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Notável no símbolo do Tao ou do Tai Chi (acima), é que não há apenas e tão somente

a presença da polaridade, mas encerra-se também a idéia de que um pólo está contido no

outro, em seu oposto. Além disso, o símbolo do Yin e Yang dá uma clara idéia de movimento

e transformação, portanto, não se trata de algo estático, conforme, aliás, explica o I Ching, o

Livro das Mutações. No estágio máximo do Yin, (extremidade inferior), há a semente do

Yang, e no ponto máximo do Yang (extremidade superior), está a semente do Yin.

Em outras palavras – e em uma clara alusão à analogia já citada – à meia-noite ocorre

o início de um novo dia. E, ao meio dia, há o início de uma nova noite.

Ainda em se tratando do Tao, Wilhelm explica que do Tai Gi (símbolo acima) surgem

os princípios da realidade, o pólo luminoso (yang) e o pólo obscuro ou sombrio (yin). “Os

círculos estudiosos europeus pensaram primeiramente em relações sexuais. No entanto, os

sinais se referem aos fenômenos da natureza. Yin é sombra, portanto o lado norte de uma

montanha e o lado sul de um rio (uma vez que o sol durante o dia ocupa tal posição e faz com

Page 116: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

que a montanha vista do sul pareça escura). Yang mostra em sua forma originária pálpebras

pestanejando e é – em relação ao sinal yin – o lado sul da montanha e o lado norte do rio”.133

Entretanto, deve-se destacar que Yin e Yang são só atuantes no domínio do fenômeno

e têm sua origem comum no Uno, sem dualidade, onde Yang é o principio ativo

condicionante e Yin o princípio passivo e condicionado. “Menos abstratos do que Yin e Yang

são os conceitos do criativo e do receptivo que procedem do Livro das Mutações. Eles são

simbolizados pelo Céu e pela Terra. Mediante a união de ambos e através da ação das forças

originárias duais dentro dessa cena (segundo a lei originária uma do Tao) se originam as

´dez mil coisas`, isto é, o mundo exterior”.134

133 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 92 134 id. ibid., página 92.

Page 117: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo IV

Tchi ou Qi – Um sopro a se realizar

Como dito anteriormente, a linguagem chinesa utiliza ideogramas que transmitem

´idéias` e pensamentos. E o ideograma que representa Tchi, como os demais, possui diversas

representações e traduções possíveis. De “respiração”, “sopro” e até de “arroz cru” ou “não

cozido”. Para melhor entendermos isso, é preciso recorrer à gênese do Cosmos, a

Cosmogênese, ou seja, a explicação do surgimento do mundo, segundo os chineses.

O ´arroz cru` ou `não cozido`, segundo entendemos, possui a indicação de um

alimento que ainda necessita ser preparado. Trata-se de uma representação bastante profunda

e ampla já que ali, além do processo mecânico de exalar o ar, busca-se também atingir (no

sentido de buscar) a essência que está por trás do ato em si, a essência enquanto ´sopro`.

E é da polaridade original e primordial na criação do Universo – Yin e Yang – é que

surgem os cinco sopros primordiais que irão, depois, ´engendrar` (no conceito filosófico de

criar e manter), os cinco órgãos, as cinco vísceras e, por conseguinte, as cinco matrizes das

emoções que veremos oportunamente. É por isso que, quando se trata de Medicina

Tradicional Chinesa – MTC, o símbolo da escrita é de fundamental importância, cuja leitura e

interpretação dos ideogramas dependem dos indivíduos em questão e da época dos leitores,

conforme já foi dito.

Assim é, por exemplo, com Chen, termo que representa a palavra espírito e os sopros

universais. O sopro enquanto energia celeste, sopro divino, força transformadora, força vital

que engendra cada órgão do ser humano, segundo as suas especificidades.

Um outro conceito, que ainda pode ser destacado para auxiliar a explicar esta ampla

linha de raciocínio, é o do Tchi, ou Qi, que penetra todas as funções do ser vivo e é

responsável pela formação e transformação de toda a vida. Segundo preconiza a Medicina

Tradicional Chinesa – MTC, os padrões de funcionamento do corpo devem ser interpretados

segundo um agrupamento realizado em torno dos cinco elementos – Água, Madeira, Fogo,

Terra e Metal.

Page 118: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

É a partir das inter-relações dos cinco elementos e de seus princípios é que resulta a

compreensão das determinações das etiologias das doenças, síndromes e também a

formulação de diagnósticos, bem próprios, diga-se, segundo explica a Medicina Tradicional

Chinesa – MTC.

Além dos cinco elementos, a Medicina Tradicional Chinesa – MTC leva em conta e

trabalha com oito princípios:

Yin

Yang

Profundo

Superficial

Deficiente (Vazio)

Plenitude (Excesso)

Frio

Calor

Page 119: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo V

Conceitos importantes sobre Energias

Entre as interpretações possíveis – bem como o estabelecimento da cultura oriental da

Medicina Chinesa – MTC e o conhecimento ocidental é preciso destacar alguns conceitos

importantes que devem ser levados em conta, por exemplo, no decorrer da realização da

anamnese pelo terapeuta/acupunturista, tanto na busca da etiologia das doenças, como na

elaboração do diagnóstico e também na especificação da linha do tratamento. A saber:

Oposição – um se opõe a outro, entretanto por intermédio de uma visão que visa o seu

próprio complemento – masculino e feminino, terra e céu, lua e sol, quietude e

movimento, calor e frio etc. – complementado pelo princípio da interdependência.

Interdependência – um não vive sem o outro. Não há dia sem noite, nem sombra

sem luz etc.

Consumo – excesso de um consome o outro.

Exemplo. Fogueira – fogo é yang, mas a lenha é yin. Um aumenta, o outro diminui.

Transformação – Yin transforma-se em Yang e vice-versa – tempestade e calmaria.

Page 120: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo VI

Patologias Modernas

versus Patologias Antigas

Há cinco mil anos não havia na China microscópios para detectar vírus e bactérias. No

entanto, se falava em energias perversas. Elas podem ser o vento, calor, frio, umidade ou

secura. De acordo com os cinco elementos, Água, Madeira, Fogo, Terra e Metal que, por sua

vez, também agrupam uma série de determinadas doenças.

Além disso, o conceito de saúde para os chineses tradicionais antigos parte da

harmonia do Yin e do Yang e de seus movimentos, em cinco direções, em cinco elementos ou

símbolos. Os cinco movimentos são chamados de Wu Xing, onde Xing significa o que se

movimenta, os pés que se alternam – direita e esquerda – andar, caminhar, conduzir, agir.

Esses movimentos implicam nos elementos, nas cores, sabores, sons e também nos órgãos,

vísceras e suas funções no corpo e na mente do homem.

Vamos analisar cada um dos cinco elementos, indicando rapidamente o seu

movimento, a direção, imagem, ideogramas, órgãos e vísceras, aspectos, atitudes etc.

Fogo

Movimento: culminar, chegar ao máximo

Direção: multidirecional

Imagem: estouro, imagem de um raio

Ideograma: Huo

Dinâmica: explosão

Órgão: Coração

Víscera: ID – Intestino Delgado

Estação: Verão

Manifestação externa: tez, cor do rosto

Page 121: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Abertura: língua

Aspecto mental/emocional: Shen – espírito, consciência

Atitude: extroversão, comunicabilidade, sedução

Emoção: Alegria

Fatores de adoecimento: hiperexcitação, choques emocionais, bebidas alcoólicas,

alimentos gordurosos, perda de sangue

Madeira

Movimento: para cima, dirige-se ao alto

Direção: brota e cresce. Evoca.

Imagem: algo duro, fixo e linear

Ideograma: Mu

Dinâmica: direção ao alto

Órgão: Fígado

Víscera: VB – Vesícula Biliar

Estação: Primavera

Manifestação externa: unhas

Abertura: olhos

Aspecto mental/emocional: alma, inconsciente, força emocional

Atitude: ação, conquista, planejamento

Emoção: Raiva

Fatores de adoecimento: frustrações, alimentação gordurosa, álcool, raiva contida, irritação

Fogo (C – Coração e ID – Intestino Delgado) e Madeira (F –Fígado e VB – Vesícula Biliar)

são características Yang, portanto, com movimentos para cima e para fora. Água (R – Rim e

Page 122: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

B - Bexiga) e Metal (P - Pulmão e IG – Intestino Grosso) – características Yin – apresentam

movimentos para baixo e para dentro.

Metal

Movimento de uma superfície lisa e brilhante

Direção: retorno

Imagem: separação do puro e do impuro, estratificação

Ideograma: Jin

Dinâmica: retração e decantação

Órgão: Pulmão

Víscera: IG – Intestino Grosso

Estação: Outono

Respiração, nariz e intestinos

Manifestação externa: pele e pêlos

Abertura: nariz

Atitude: introspecção, acúmulo, instinto, reflexo

Emoção: Tristeza

Fatores de adoecimento: cigarro, poluição, falta de líquidos, ambientes secos, luto, pesar,

perdas importantes

Água

Movimento que conduz à aproximação e à oscilação em torno de seu eixo

Direção: para baixo

Imagem: regeneração

Ideograma: Shui

Page 123: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Dinâmica: descida

Órgão: Rins

Víscera: B - Bexiga

Estação: Inverno

Clima: Frio

Vitalidade e ancestralidade

Ouvidos e força de vontade

Manifestação externa: cabelos

Abertura: ouvidos

Aspecto mental/emocional: força de vontade e capacidade de adaptação

Atitude: perseverança, coragem e autopreservação

Emoção: Medo, adaptação

Fatores de adoecimento: envelhecimento, doenças crônicas, excesso de atividade sexual,

excesso de trabalho, deficiência de energia hereditária

Terra

Movimento: alto, como um altar que fica no centro do Templo

Direção: multidirecional

Imagem: limite entre o Céu e a Terra – Mundo Interno e Mundo Externo

Ideograma: Tu

Dinâmica: função transmutação, centrar e fixar

Órgão: Baço e Pâncreas

Víscera: E - Estômago

Estação: Verão

Manifestação externa: lábios

Page 124: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Abertura: Boca

Atitude: reflexão, introversão, comedimento

Emoção: Pensamento, Reflexão

Fatores de adoecimento: pensamentos repetitivos, excesso de trabalho, ambientes úmidos e

frios, alimentos crus, alimentação desregrada

Page 125: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo VII

Ciclos de Geração e Dominância

Conhecidos os cinco elementos – os cinco órgãos e as cinco vísceras – agora é preciso

citar e destacar a importância dos ciclos de geração e de dominância entre eles, fundamental

conceito para que se possa entender o conceito de saúde e de doença, segundo os critérios e o

conhecimento chineses.

Antes porém, é preciso explicar e entender que há os ciclos naturais de geração: água

gera madeira, que gera fogo, que gera a terra, que gera o metal, que gera a água.

Assim, temos:

A água irriga a planta (madeira), que alimenta o fogo, que queima a madeira e deposita

as cinzas – que alimenta a terra – que gera em seu interior os metais e também a água que

brota da pedra e das fontes minerais.

Já o ciclo de dominância implica não apenas no controle, mas, também, no domínio de

um elemento sobre outro, o que, em última instância, impede o crescimento descontrolado de

qualquer um deles.

Desta forma, a água controla o fogo, que controla o metal, que controla a madeira, que

controla a terra, que controla a água.

Simbolicamente temos:

A água apaga o fogo, o fogo forja o metal, o metal corta a madeira, a madeira tira da

terra seus nutrientes para crescer e a terra absorve a água.

E é justamente no jogo e na correlação entre as forças dos ciclos de geração e de

dominância que deve haver um equilíbrio – saúde – e, caso entre em desequilíbrio, ocorre a

doença. Quer dizer, a patologia ocorre quando um elemento agride outro – a água agride a

terra, a terra a madeira, a madeira o metal, o metal o fogo e o fogo agride a água.

É o chamado ciclo de contra-geração e de desorganização interna.

Page 126: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo VIII

O número Cinco e sua Simbologia

Em chinês, o ideograma para homem é o pentagrama, a estrela de cinco pontas, que

entre outros tantos significados podemos destacar a figura de um homem em pé de braços e

pernas abertos. O quinto ponto é, justamente, a cabeça.

O número cinco também indica dois movimentos e um retorno.

As cinco posições são:

esquerda, direita, alto, baixo e centro

Trata-se de uma interpretação simbólica das posições – e dos eixos – de respeitável

importância para a realização de uma interpretação psicológica.

No eixo horizontal, por exemplo, pode-se fazer uma associação com o mundo interno

e o mundo externo do ser humano. O Eu e o Outro, o que é Self e o não-Self. No consultório,

diríamos nós, este eixo pode ser associado ao paciente deitado na maca. Já no eixo vertical, a

representação recai sobre o mundo da terra e o mundo do céu, as raízes e o crescimento, bem

e mal, corpo e espírito. Novamente no consultório, pode-se fazer uma analogia com o

terapeuta/acupunturista colocando as agulhas em seu paciente.

Na intersecção dos dois, bem no centro, se encontra a figura do homem que está entre

o céu e a terra.

Aspectos importantes

do número três

A importância da tríade, segundo a filosofia chinesa implica em uma série de

interpretações deste número na Medicina Tradicional Chinesa – MTC. De fato, a tríade

permite uma gama enorme de interpretações sintetizadas no corpo, alma e espírito no homem.

Page 127: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Além disso, grande número de religiões tem a tríade como base da sua filosofia e

prática, a exemplo do catolicismo – Pai, Filho e Espírito Santo – os Egípcios – Osíris, Ísis e

Hórus –, Hindus – Brahma, Vishnu e Shiva –, e mesmo na Cabala judaica onde se destaca, na

árvore sefirotal, a tríplice coroa – Kether, Chokmah e Binah, entre outros tantos exemplos.

Simbolicamente podemos dizer que as energias celestes são captadas pela respiração,

enquanto as telúricas pelos alimentos.

E claro está que esta é apenas uma visão simplista deste posicionamento filosófico e

prático como se verá adiante. Muito embora, nem todos autores estudados em nosso curso de

especialização em ciências clássicas chinesas estabelecem essa leituras paralela, conforme é o

caso de René Guénon, como destaca em sua obra A Grande Tríade. Ali o autor alerta,

sobretudo, as diferenças existentes entre ternário e a trindade cristã. “Antes de abordar o

estudo da Tríade extremo-oriental, convém pôr-se, cuidadosamente em guarda contra as

confusões e as falsas assimilações que circulam em geral no Ocidente e que provêm,

sobretudo, de se querer achar, em seja qual for o ternário tradicional, um equivalente mais

ou menos exato da Trindade cristã. Esse erro não é apenas de teólogos, que seriam ao menos

perdoáveis por querer reduzir tudo a seu ponto de vista especial...135”

Embora, mais a frente, e na mesma obra, o próprio Guénon reconheça que é possível

estabelecer comparações, desde que “dois ternários pertencentes a formas tradicionais

distintas é a possibilidade de estabelecer entre eles, de maneira válida, uma correspondência

temo a termo; noutras palavras, é preciso que seus termos estejam entre si, realmente, uma

relação equivalente ou similar”.136

Claro está, portanto, que se ocorre a possibilidade de correspondência – termo a termo

– em nosso modo de entender, se avaliarmos a ´função` de cada elemento em determinado

momento histórico, inclusive da vida dos terapeutas e também dos pacientes, então é possível

estabelecer paralelos então entre Pai, Mãe e Filho com a trindade cristã e a trimurti das

diversas religiões.

135 GUÉNON, René, A Grande Tríade, Editora Pensamento – Tradução de Daniel Camarinha da Silva, página 13. 136 id. ibid., página 14.

Page 128: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo IX

Paralelo com a Física Quântica

Para a física quântica, o átomo e os seus componentes ora são partículas sólidas, ora

são ondas. Portanto, não há uma representação única e estanque, pois sua natureza é a própria

transformação, o movimento. Pode-se, em nossa opinião, estabelecer uma certa analogia com

o Yin e Yang, sobretudo se avaliarmos sob o ponto de vista de sombra e luz, matéria e

espírito. A matéria equivaleria, nesta leitura, à partícula (Yin) e o espírito à onda (Yang).

Destarte – e além disto – o moderno e atual modelo subatômico quântico, portanto,

serve como importante auxílio para a nossa compreensão, uma vez que não são, em sua

totalidade, aquilo que representam. Portanto, acreditamos ser justo ampliar a dimensão do

mundo psíquico que está por exigir uma transcendência do pensamento linear e racional, de

modo a tornar-se capaz de promover a possibilidade de se entrar no mundo intuitivo e

holográfico dos símbolos.

Como se vê, a holografia é uma interpretação que demonstra – por intermédio de

figuras e ‘projeções’ de imagens – que se pode partir de cada uma das partes e se chegar ao

todo; no entanto, e ao mesmo tempo, o Todo que chega a transcender a simples soma de suas

partes individuais. Podemos entender aqui como o Todo, por pequeno que seja o elemento ou

a ´coisa em si` como um pequeno Tao que se expressa igualmente em suas pequenas partes.

Analogia e bastante interessante do Tao e da própria humanidade.

Isto porque, seguindo na linha psicológica, para os chineses, o Tchi é aquilo que

movimenta o homem em direção ao mundo, no entanto, é mais do que simplesmente a libido,

conforme o conceito freudiano do termo. O Tchi, segundo os chineses, molda o homem e

pode torná-lo mais ou menos neurótico. Pode tanto libertar, quanto prender.

Assim, o Tchi proporciona também a formação da estrutura psíquica, por ser o homem

o resultado das “impressões energéticas” ao longo da vida, como o amor, a atenção, o vazio, a

falta de contato, a contenção da criatividade etc.

Page 129: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo X

Fatores de adoecimento, segundo a MTC

A Medicina Tradicional Chinesa – MTC aponta para duas direções para explicar os

fatores de adoecimento: um interno e outro externo.

Entre as causas externas podem ocorrer aquelas tanto por deficiência do sistema de

defesa (imunológico) ou por causa de um indivíduo sofrer muitas agressões do ambiente em

que vive. Elas não são excludentes e podem, inclusive, ser concomitantes.

Variam muito, de caso para caso, de indivíduo para indivíduo.

Em se tratando dos fatores internos podemos destacar a estrutura genética e

hereditária, bem como outros pontos que devem ser levados em conta, como o modo de vida e

também como a pessoa lida e convive com os seus próprios sentimentos. Em se tratando dos

fatores externos, pode-se citar o clima, as estações e o meio ambiente. Também se deve

considerar ainda que se pode adoecer no físico, na mente ou em ambos.

Nesta linha de raciocínio devemos lembrar que a partir do surgimento da medicina

psicossomática – e também das terapias com abordagem corporal no Ocidente – passou-se a

acreditar que as doenças físicas como gastrites, doenças articulares, cefaléia, doenças

intestinais e até mesmo o câncer teriam como base alterações emocionais. É fato que ocorreu

até um certo exagero neste sentido, uma vez que uma pessoa pode apresentar gastrite sem ser

nervosa, ou desenvolver um câncer sem ser uma pessoa ressentida ou muito magoada. O fato

é que pessoas bem resolvidas sob o ponto de vista emocional também podem ter câncer,

obesidade, gripe, dor etc.

No entanto, é preciso ressaltar, segundo a Medicina Tradicional Chinesa – MTC, os

fatores causadores da doença podem agir de forma diferente em um corpo mais frágil ou em

um mais fortalecido. A abordagem de que a saúde depende de inúmeras interações possíveis

entre o ambiente, emoções, alimentação, estilo de vida e inevitável vulnerabilidade do ser

mostra que na condição humana também se deve incluir a doença e a morte.

É por isso que há tipos de doentes que têm apenas doenças mentais e outros, somente

doenças físicas, uma abordagem, no entanto, que deve ser cuidados para não cindir, uma vez

Page 130: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

mais, corpo e mente, dois aspectos de um mesmo organismo que não podem ser divididos, ou

separados.

Outro fato importante levado em conta pelos chineses é que o equilíbrio entre Yin e Yang,

entre o indivíduo e o meio não é estático, mas dinâmico como a própria natureza. No processo

de adoecimento leva-se em conta:

• Redução da energia vital e do Tchi correto quando o corpo não possui resistência

adequada para defender-se.

• Excesso de agentes patogênicos – também chamados de energia perversa ou Xué.

O desequilíbrio que leva à doença depende da interação entre o ´correto` e o

´perverso`. O Tchi correto depende de alguns fatores como:

• Alimentação.

• Resistência adquirida por treinamento (exercícios).

• Constituição física (hereditariedade).

• Meio circunvizinho (estabilidade ambiental).

• Estado mental.

Fatores de adoecimento externos

Entre estes fatores ressaltamos as alterações no clima, as estações do ano, vírus,

bactérias e aos chamados seis excessos como Vento, Frio, Calor ou Fogo, Umidade, Secura e

Canícula. Sabe-se que, quando o homem é capaz de se adaptar às variações climáticas, os

fatores externos não são considerados patogênicos. Caso contrário, ele adoece.

Por isso, a importância de identificar cada doença em cada pessoa examinando cada

paciente como único, com sua história, que exige exame físico, de língua, pulso etc. No livro

O Físico, o autor, Noah Gordon, traça a história romanceada da medicina. No texto, cita

Page 131: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Avicena – que alguns julgam como figura lendária, outros, entretanto, admitem e apostam que

ele de fato existiu. O importante nesta monografia e destacar uma frase que li no livro de

Gordon e que me marcou muito, então de autoria de Avicena, o ´Príncipe dos Médicos`

dirigida aos estudantes de medicina: “Os pulsos não mentem jamais”, disse ele.

Uma frase de efeito, curta, objetiva e absolutamente correta. Afinal, um paciente pode

dissimular um sentimento, uma emoção, ocultar ou tentar esconder um sintoma do terapeuta,

disfarçar um sinal do médico, do analista etc. No entanto, quando se apalpam os pulsos, as

batidas revelam até mesmo o indizível, o escondido, o oculto, e permite um diagnóstico

próprio da Medicina Chinesa e especialmente para a Acupuntura.

Para se medir o pulso, com os três dedos – indicador, médio e anular – de ambas mãos

– o médico/terapeuta/acupunturista ´mede` uma série de órgãos, avaliando se estão,

basicamente, excitados ou enfraquecidos. O Acupunturista mais experiente é capaz de avaliar

mais detalhes em cada um desses estágios. No entanto, para não sairmos do foco dessa

questão, é importante citar os órgãos avaliados numa tomada de pulso que antecede a

aplicação das agulhas.

Ao todo são 12 funções avaliadas:

Intestino Grosso e Pulmão

Estômago e Baço Pâncreas (para os chineses os dois órgãos formam um meridiano)

Triplo Reaquecedor e Circulação e Sexualidade *

Intestino Delgado e Coração

Vesícula Biliar e Fígado

Bexiga e Rim

Fatores de adoecimento internos

Referem-se às emoções, fato que faz parte integral da vida humana. Quando muito

intensas, ou porque permanecem por longo período, podem tornar-se fatores de adoecimento,

uma vez que podem gerar desarmonia nos órgãos e vísceras. Assim como as desarmonias nos

órgãos e vísceras também geram emoções alteradas e distorções da realidade. Assim, um afeta

Page 132: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

o outro, assim como o Yin afeta o Yang e vice-versa. As principais emoções estudadas na

MTC são: alegria, raiva, tristeza, pesar, preocupação, medo e choque.

Nem externos, nem internos

Há uma gama variada que a MTC leva em conta como alimentação, ocupação,

excessos em geral, de trabalho, de exercícios físicos, de relações sexuais, sem contar os

traumas e epidemias.

Page 133: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XI

Entidades Viscerais

“O coração é, segundo a concepção chinesa, a

sede da consciência emocional, que é despertada através

da reação emotiva dos cinco sentidos para as impressões

do mundo exterior”,137 Wilhelm.

Não se pode estudar o aspecto alquímico da Medicina Tradicional Chinesa – MTC

sem estudar as entidades viscerais: Shen, Hun, Po, Yi e Zhi. São estas entidades, assunto de

grande importância para o entendimento da psicologia e da alquimia em se tratando ao que

dizem os textos clássicos chineses, que tornam possíveis não apenas utilizar os seus conceitos

para o diagnóstico, como também para o tratamento dos pacientes com queixas psicológicas.

Por intermédio da anamnese e do diagnóstico de excessos ou insuficiências de

determinado órgão (ou função e, conseqüentemente, ´entidade visceral` que engloba também

associações entre funções), bem como de sua representação psíquica é possível determinar

quais as melhores linhas de tratamento que devem ser seguidas.

Sem aprofundar-se neste estudo – aqui caberia outra monografia – destacaremos,

rapidamente, o que representa cada uma delas, sem esquecer que todas representam a

consciência (Shen, que é o grande maestro) e os aspectos da alma, da intenção, do

pensamento, dos instintos, vontade de viver, entre outras.

Abaixo, um resumo das colocações, aspectos e características das denominadas

entidades viscerais:

Shen é o espírito, a consciência, ligado ao elemento Fogo, ao verão, também

com a claridade e a expansão. Também responsável pela razão, poder de

síntese, inteligência global com influência direta sobre as demais entidades

137 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 94

Page 134: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

viscerais. O Shen individual é o que a pessoa recebe no céu anterior (antes da

concepção).

Hun é a alma, Madeira, primavera, ascensão, abertura e crescimento.

Imaginação e condicionamento. Memória rápida e não discriminativa como

ocorre em Yi.

Po é a alma corporal, Metal, outono, movimento de descida e recolhimento.

Autopreservação, preservação da espécie e sexualidade.

Yi, raciocínio e lógica, Terra, movimento de centrar ou dar referência. Intuição

e memorização, aprendizado consciente necessário para o amadurecimento do

ser humano.

Zhi, elemento Água, inverno, força e vontade de viver. Determinação do

prazer, vontade de realizar as tarefas. Disfunções – sentimento de culpa =

destrutivo e autopunição

*

O Hun está ligado ao Fígado e tem características associadas ao movimento e ao fluxo

de energia. Pode-se analisar como é a expressão do paciente (ou como está em determinada

fase da vida) mediante a análise do funcionamento deste órgão e a presença deste elemento

em seu quadro geral.

Ligado aos sonhos e a capacidade de planejamento e de traçar objetivos na vida, esta

entidade visceral também é responsável pelo inconsciente, pelos sonhos, arquétipos e

fantasias.

O Hun é o que separa e distingue o que é prazer de desprazer e nos mobiliza em

função do primeiro. Ligado diretamente aos músculos e à tensão ou relaxamento, essa

Page 135: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

função/órgão (e entidade visceral) relaciona-se também às couraças conforme especificou

William Reich.

O Hun também está ligado com a agressividade e o olho é a sua expressão. Assim, o

olhar do paciente deve ser analisado pelo médico/terapeuta para avaliar este importante item

durante a anamnese inicial e em todas as demais sessões de tratamento.

*

Po é a camada mais primitiva da consciência instintiva e também chamada de alma

corporal. Reações de luta e fuga, ataques de pânicos ou impulsivos, além dos controles

esfincterianos são realizados por esta função. Aloja-se no Pulmão, fonte de energia do ar

(energia celestial) que gera a energia suficiente para a queima dos alimentos e sua distribuição

pelo corpo todo. É o espírito estruturante que condensa a energia para a formação de cada ser.

Dá a orientação para a manutenção da vida – necessidades de alimento, sono,

preservação de perigos (instintos) – e ajuda na estruturação também da consciência do Ego.

Emoções como a tristeza e o pesar podem afetar o Po, ligado também à pele. Helena

Campiglia138 estabelece ligações do Po com o Id da psicanálise e ao cérebro reptiliano.

Atitudes como explosões, sustos, sobressaltos, reações espontâneas, irracionais ou instintivas

estão ligadas ao Po.

*

A entidade visceral Yi está ligada com a intenção e a ideação, sugestão, opinião, idéias

e pensamentos. Relacionada ao meridiano Baço-Pâncreas, esta função dá lucidez ao

pensamento e à consciência. É a compreensão, o julgamento e pode proporcionar a sabedoria.

Não à toa, representa o centro.

Doenças psicológicas como a bulimia e a anorexia também estão relacionadas aos

distúrbios do meridiano Baço-Pâncreas. Também as memórias corporais estão intimamente

138 CAMPIGLIA, Helena, Psique e Medicina Tradicional Chinesa - MTC, Ed. Rocca, São Paulo, 2004

Page 136: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

ligadas a essa função que guarda as imagens, ideais e as intenções. Inspiração e criatividade,

pensamentos e a capacidade de decorar – memória – estão relacionadas ao Yi.

Pensamentos obsessivos são desequilíbrios dessa função. Por excesso. Quando há

deficiência, a pessoa não consegue se concentrar (ou tem dificuldades) de memorizar ou ter

raciocínio lógico. A astenia mental também está inclusa nessa entidade visceral.

*

Zhi pode ser traduzido como a força de vontade ou a capacidade de realização. Gera o

movimento do Tao, portanto é a base do funcionamento do Shen. Aloja-se nos Rins, órgão

responsável pela energia ancestral, também chamada de “bateria do corpo”. Pode-se, entre

outras maneiras, avaliar como está a função de um indivíduo, analisando sua capacidade de

realizar projetos e de concretizar idéias.

Alterações do Zhi podem gerar medo, sentimento de inferioridade, timidez,

desconfiança e, no pólo oposto, sentimento de superioridade, autoritarismo e falta de limites.

Também se relaciona aos objetivos, intensidade e direcionamento da atenção e energia nos

projetos de vida.

A tabela abaixo estabelece algumas relações entre entidades viscerais e reações

emocionais.

Entidade Meridiano Excesso Insuficiência

Yi Baço

Pâncreas

Calma excessiva,

tranqüilidade exagerada,

fixação no passado, idéias

fixas, pode virar obsessão

Falta de memória, esquecimento

freqüente, ansiedade

crônica, falta de desejo e

desgosto

Page 137: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Shen Coração

CS

Excitação mental, alegria

exagerada, riso constante e

exagerado

Abatimento, timidez, muitas

queixas, incapacidade de

esforços físicos e mentais

Hun Fígado Cólera, raiva, ira e

irritabilidade

Falta de imaginação, de

concentração, de coordenação

de idéias, falta de iniciativa

Zhi Rins Autoritarismo, temeridade,

pode gerar hiperplasia de

próstata

Indecisão, medo, angústia,

aperto no peito, ausência de

propósitos, fraqueza de caráter

Pó Pulmão Agressividade seguida de

tristeza, (bi-polar), obsessão

pelo futuro, romântico nas

artes

Desinteresse total, perda do

instinto de conservação,

expõe-se a riscos

desnecessários

Page 138: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XII

Shen – o Espírito

Segundo a Medicina Tradicional Chinesa – MTC, o Shen forma-se no momento da

união do óvulo com o espermatozóide, do encontro da energia da mãe com a energia do pai,

quando se forma um novo ser, uma nova consciência. É da união da essência (Jing) dos pais

que cada órgão formado terá uma parte do Shen. A força do Shen depende da força da

essência dos pais, representada, sobretudo, no encontro primordial do Yang (pai) com o Yin

(mãe).

Assim, o Shen é responsável pela mente e por suas funções como vigília, percepção,

alerta, julgamento, interpretação, associações, memória, inteligência cognição, capacidade

exploratória, domínio dos impulsos, sono, insighths, juízo, humor, conhecimento, assimilação

de experiências, criatividade, armazenamento e uso das informações, autoconhecimento e

evolução.

Pulmão – Po

Baço – Yi

Rim – Zhi

Fígado – Hun

Coração – Shen

A caracterização em cada órgão e víscera do Shen realmente ocorre, mas é preciso

ressaltar que o Shen também é a capacidade de síntese de todas elas, além de origem

energética. Em outras palavras, o Shen está ligado à consciência individual e coletiva das

pessoas, além de ser a única ´entidade visceral` capaz de atuar e interferir nas demais.

“O que é espírito? O espírito (Shen) não pode ser escutado nem

ouvido. O olho deve ser brilhante de percepção e o coração deve ser aberto e

Page 139: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

atento para que o espírito se revele subitamente pela consciência de cada um.

Não se pode exprimir pela boca, só o coração sabe exprimir tudo quanto pode

ser observado. Ao se prestar muita atenção, pode-se saber subitamente, mas

também se pode perde de repente esse saber. Mas Shen, o espírito, torna-se

claro para o homem como se o vento tivesse varrido as nuvens. Por isso se fala

dele como espírito”.

Capítulo 26 do Su Wen, pertencente ao Nei Ching – a Bíblia dos

Acupunturistas

Page 140: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Segunda Parte

Page 141: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XIII

Apêndices Psicológicos à chinesa

“O corpo é animado pela participação conjunta

de duas estruturas anímicas: 1. hun, que eu traduzi por

animus, uma vez que pertence ao princípio Yang e 2. po,

traduzido por anima, uma vez que pertence ao princípio

Yin. Ambos são representações obtidas mediante a

observação do processo da morte, tendo o sinal

característico do demônio do morto (gui)”139, escreve

Wilhelm.

Jung, colega e co-autor junto com Wilhelm do livro O Segredo da Flor de Ouro,

acredita ser adequada esta tradução uma vez que o caractere hun é composto do sinal ´nuvens`

associado ao sinal ´demônio`. Portanto, ´demônio das nuvens`, é um princípio, o sopro da

alma que pertence ao Yang, portanto masculino. “Após a morte, hun se eleva e se torna Shen,

´espírito ou deus que se expande e manifesta`”140, diz Jung.

Já a anima, chamada de Po, se escreve com caracteres correspondentes a ´branco` e a

´demônio`, portanto o ´fantasma branco`, que pertence ao Yin, à alma corporal, inferior e que

é feminina. “Após a morte, ela desce tornando-se ´gui`, demônio freqüentemente chamado

´aquele que retorna `( à terá): o fantasma ou espectro”141, escreve Jung.

Destarte, animus e anima na concepção chinesa se separam após a morte, seguindo

cada qual o seu próprio destino. “O animus está no coração celeste; de dia, mora nos olhos

(isto é, na consciência) e, de noite, sonha a partir do fígado”.

139 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 94 140 Página 52 141 Id. Ibidem

Page 142: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

A anima, pelo contrário, é ´a força do pesado e turvo`, presa ao coração corporal,

carnal. “Suas atuações (efeitos) são os ´desejos carnais e os ímpetos de cólera`”142, escreve

Jung.

Aqui se pode recorrer a uma outra diferença fundamental entre as culturas oriental e

ocidental na concepção filosófica e religiosa entre ambas civilizações (conforme assunto

tratado em capítulos anteriores) que é a doutrina yoga chinesa a qual rejeita os conteúdos da

fantasia, assim como nós, ocidentais. Porém, por motivos diferentes.

“No Oriente, imperam concepções e doutrinas que permitem a plena expressão da

fantasia criadora; lá, é necessário proteger-se contra seu excesso. Nós, pelo contrário,

consideramos a fantasia como um pobre devaneio subjetivo. As figuras inconscientes não

aparecem, naturalmente, de um modo abstrato, despojadas de todo ornamento.

Pelo contrário, elas são engastadas e entrelaçadas num véu de fantasias, de um

colorido surpreendente e de uma perturbadora plenitude. O Oriente pode rejeitar essas

fantasias, porque há muito que já tirou seu extrato, condensando-as nos ensinamentos

profundos de sua sabedoria. Nós, porém, não experimentamos tais fantasias uma só vez, e

tampouco extraímos sua quintessênia. Ainda temos de recuperar uma larga faixa de vivências

experimentais e somente então, quando houvermos encontrado o conteúdo sensato na

aparente insensatez, poderemos separar o que é valioso daquilo que não tem valor.

Estejamos seguros de que a essência que extrairmos de nossas vivências será diversa da que

o Oriente hoje nos oferece”, escreve Jung.143

142 Id. Ibidem 143 Idem, Página 56

Page 143: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XIV

O Porque de Jung

“A alquimia encontra-se no limiar da religião e da

ciência e é a mãe da química. Surge como produto

da tecnologia religiosa egípcia e a filosofia grega”.

Fátima Brazão

Alquimia procede da palavra árabe Kimyâ (pedra filosofal). Em grego Khyméia – quer

dizer mistura de vários líquidos. Podemos destacar, entretanto, que a palavra ´curar`

significava, originalmente, ´serviço a Deus`, portanto, a cura ocorria num contexto sagrado.

Na Grécia, os pais da alquimia foram os filósofos pré-socráticos tais como Empedócles,

Thales de Mileto, Zénon de Eléa, Heráclito, Demócrito, Zózimo de Panápolis.

No trabalho, “Alquimia – Um processo de transformação da Alma”, a psicóloga

junguiana Fátima Brazão ressalta que a grande busca humana é encontrar um significado de

existir, “e a procura de um sentido para o mundo e o universo que equivale à busca para um

sentindo de si mesmo”. Em seu trabalho, Brazão lembra que a psique conta com um princípio

estruturador que unifica os conteúdos arquetípicos, o que Jung denominou de Self ou Si-

Mesmo.

“O Self é o centro ordenador e unificador da psique total (consciente e inconsciente),

assim como o eu é o centro da personalidade consciente ou ego”144.

Brazão lembra que Jung observou a existência de uma meta, uma direção, uma

finalidade na psique em direção ao Self. “A esse processo ele designou de Individuação, que

significa tornar-se uno”. Em linguagem chinesa, podemos recorrer ao caminho de retorno ao

Tao. Esta é uma das razões porque damos especial ênfase ao que Jung falava por ser o

médico, psiquiatra e psicanalista ocidental que mais se aproximou dos estudos relativos à

Alquimia oriental e ocidental.

144 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 144: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

“Cedo percebi que a psicologia analítica coincidia de modo bastante singular com a

alquimia... Foi, com efeito, uma descoberta marcante: eu encontrara a contraparte histórica

da minha psicologia do inconsciente. A possibilidade de comparação com a alquimia, bem

como a cadeia intelectual ininterrupta que remontava ao Gnosticismo, davam-lhe

substância... todo o procedimento alquímico pode muito bem representar o processo de

individuação num indivíduo particular, embora com a diferença não desprovida de

importância de que nenhum indivíduo particular abarca a riqueza e o alcance do simbolismo

alquímico”145.

Ainda seguindo nossos estudos no trabalho de Brazão, encontra-se uma reflexão

interessante. “A alquimia encontra-se no limiar da religião e da ciência e é a mãe da química.

Surge como produto da tecnologia religiosa egípcia e a filosofia grega. O patrono desta arte

é o Deus egípcio Toth, divindade da sabedoria que fora posteriormente identificado pelos

gregos como Hermes, para os latinos Mercúrio”. Destarte, os egípcios desejavam assegurar a

imortalidade por intermédio da técnica e magia. Assim, mumificavam seus mortos para se

tornarem divindades cósmicas, Queriam ser um com o universo. Eles acreditavam que o

espírito caiu na matéria e que precisavam libertá-lo.

145 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 145: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XV

Alquimia, pela Alquimia mesma

O processo clássico do trabalho dos alquimistas era criar uma substância transcendente

e miraculosa conhecida como o ´Elixir da Longa Vida`, percorrer o caminho da busca da

Pedra Filosofal. O procedimento, em primeiro lugar, era tentar descobrir qual o material

adequado, a chamada Prima Matéria, depois submetê-la, em seguida, a uma série de

operações que a transformariam em pedra filosofal.

Quando nos referimos aos estados mitológicos, que tratam da evolução da consciência,

cada um deles tem uma referência aos quatro elementos e com a própria operação alquímica.

Desta forma temos:

Calcinatio é a operação do fogo;

Solutio – a da água;

Coagulatio – a da terra;

Sublimatio – a do ar.

Comentaremos, a seguir, brevemente cada um deles:

Calcinatio

A calcinação envolve intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar a água e

todos os demais elementos passíveis de volatilização. Resta um fino pó seco, cinza branca.

São simbolizados por intermédio de três níveis de Fogo na alquimia ocidental: o Lobo,

o Leão e o Rei.

Page 146: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

“Jung demonstrou que o fogo simboliza a libido, nesse sentido o lobo representa o

desejo e os instintos; o Leão é o impulso egocêntrico objetivo e o Rei é a consciência

objetiva”146.

Solutio

Em termos essenciais, esta é a operação que transforma um sólido em estado líquido.

O sólido desaparece no solvente, como se tivesse sido engolido. Solutio, então, significa o

retorno da matéria diferenciada ao seu estado indiferenciado original – isto é, à Prima

Matéria. Se se considerarmos a água como o útero, a solutio é uma espécie de retorno a ele,

no entanto, com interpretação aqui de um ´renascimento`.

Já em se tratando do processo de transformação da consciência, isto ocorre quando os

aspectos fixos e estáticos da personalidade não admitem mudanças. O inconsciente coloca em

questão as atitudes estabelecidas do ego.

Uma receita alquímica de solutio diz :

“Dissolve então sol e lua em nossa água solvente, que é familiar e amigável, cuja

natureza mais se aproxima deles, como se fosse um útero, uma mãe, uma matriz, o princípio e

o fim de sua vida. E esta é a própria razão pela qual eles são melhorados ou corrigidos nesta

água, porque o semelhante se rejubila no semelhante...

Assim, convém te unires aos consangüíneos ou aos de tua espécie... E como sol e lua

têm sua origem nesta água, sua mãe, é necessário, portanto, que nela voltem a entrar, isto é ,

no útero de sua mãe, para que possam ser regenerados ou nascer de novo, e com mais saúde,

mais nobreza e mais força.”( Secret Book of Artephius)147

*

A solutio, de fato, tem duplo efeito: provoca o desaparecimento de uma forma e

também o surgimento de uma nova, desta vez, regenerada. Psicologicamente, é o sentido de

146 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma. 147 Idem.

Page 147: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

que o velho princípio dirigente, que passou pela solutio, pede para voltar a ser coagulado

numa nova forma e com uma certa quantidade de energia à sua disposição.

De certa forma, o batismo tem o antigo significado da provação pela água. Significa

uma conversão total, na morte da velha vida e o renascimento de uma outra pessoa na

comunidade de crentes religiosos.

No batismo cristão, o indivíduo é unido com Cristo; quer dizer, vincula-se o ego com

o Si-Mesmo.

Lao Tsé descreve:

“O melhor dos homens é como a água.

A água a todas as coisas beneficia.

E com elas não compete.

Ocupa os (humildes) locais vistos por

todos com desdém.

Nos quais se assemelha ao Tao.

Em sua morada ama a terra.

Em seu coração, ama a profundidade.

Em suas relações com os outros, ama a paz;

No trabalho, ama a habilidade;

Em suas ações, ama a oportunidade.

Porquanto não querela,

Vê-se livre de reparos”

Já Jung, diz: A análise e a interpretação dos sonhos confronta o ponto de vista da consciência

com as declarações do inconsciente, com o que lhe amplia o horizonte limitado. Esse

afrouxamento de atitudes rígidas e restritas corresponde à solução de elementos pela aqua

permanens”148.

148 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 148: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Para o professor Henrique José de Souza, ilustre conhecedor das ciências de todas as

Idades, diz em um de seus escritos que não são os remédios que curam, mas o magnetismo

que se estabelece entre o médico e o paciente149.

Coagulatio

A coagulatio pertence ao simbolismo do elemento terra. Refere-se, portanto, à

experiência no laboratório onde o resfriamento transforma um líquido em sólido. Em termos

essenciais, a coagulatio é o processo que transforma as coisas em terra. “Terra”, por

conseguinte, é um dos sinônimos de coagulatio.

“Pesada e permanente, tem forma e posição fixa. Não desaparece no ar por meio da

volatilização, nem se adapta facilmente à forma de qualquer recipiente, ao contrário da

água. Psicologicamente, tornar-se terra significa concretizar-se numa forma localizada

particular - isto é, tornar-se algo ligado a um ego”150.

Fátima Brazão, em seu trabalho, explica que nos mitos este processo aparece na

imagem pela ação (mergulho, batedura, movimento em espiral). “O Turba Philosophorum dá

a seguinte receita: Toma o mercúrio, coagula-o no corpo de Magnésio, no chumbo ou no

Enxofre que não queima etc.”

Sob o ponto de vista psicológico, a coagulatio significa que o Espírito fugidio de

Mercúrio é o espírito autônomo da psique arquetípica. “Significa nada menos que ligar o ego

com o Si-Mesmo, realizar a individuação. A assimilação de um complexo é, portanto, uma

contribuição a coagulatio do Si-Mesmo”, escreveu Brazão, ao estabelecer as seguintes

analogias em seu trabalho:

Atribuíam três agentes da coagulatio: o magnésio, o chumbo e o enxofre.

4. O Magnésio que significava vários minérios metálicos crus ou misturas impuras.

Psicologicamente, isto pode ser uma referência à união do transpessoal com a

realidade humana corriqueira.

149 Id. Ibidem 150 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 149: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

5. O Chumbo é pesado, sombrio e incômodo. É associado ao planeta Saturno, carrega as

qualidades de depressão, melancolia e da limitação. Assim sendo, o transcendente

deve vincular-se com a pesada realidade e com a limitação das particularidades

pessoais. Isso ocorre quando o indivíduo assume responsabilidade pessoal pelas suas

fantasias. É diferente da idéia pensada e a falada.

6. O Enxofre tem sua cor amarelada e seu caráter inflamável o associa ao sol. Por outro

lado, seus vapores têm mal cheiro e escurecem a maioria dos metais, é representado

como uma característica do inferno. Jung em Mysterum Coniunctionis, sintetiza o

enxofre:

“O enxofre constitui a substância ativa do sol ou, em linguagem psicológica, a força

impulsionadora da consciência: de um lado, a vontade, melhor concebida como um

dinamismo subordinado à consciência; do outro, a compulsão, uma motivação ou impulso

involuntário, que vai desde o simples interesse até a compulsão propriamente dita.

A compulsão é o grande mistério da existência humana. É o cruzamento da nossa

vontade consciente e da nossa razão por uma entidade inflamável que esta dentro de nós,

manifestando-se ora como um incêndio destruidor, ora como um calor que gera vida”,

escreve Fátima Brazão.

Sublimatio

Sublimatio é a operação que pertence ao ar, transformando os materiais por intermédio

da elevação e volatilização. O sólido, ao ser aquecido, passa diretamente para o estado gasoso

e sobe até a borda do vaso, onde volta a assumir o estado sólido na região superior, mais fria.

A destilação é um processo em que o líquido se torna vapor ao ser aquecido e volta a

condensar-se.

Desta forma, “o termo “sublimação” vem do latim sublimis, que significa “elevado”.

A terra se transforma em ar; um corpo fixo se volatiliza; aquilo que é inferior torna-se algo

superior. Todas as imagens referentes ao movimento para cima, escadas, degraus,

elevadores, alpinismo, montanhas, voar, e assim por diante- pertencem a esse simbolismo.

Page 150: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Em termos psicológicos isso corresponde a uma forma de lidar com um problema

concreto”151. Por isso é que nas imagens da alquimia a sublimatio aparece como aquilo que

sai da terra e é transportado para o céu.

É a fase descrita como purificação. Quando são misturados num estado de

contaminação inconsciente, a matéria e o espírito devem ser purificados pela separação. O

simbolismo da sublimatio permanece no cerne de todos os esforços humanos voltados para o

desenvolvimento. Afinal, tudo aquilo que evoca nossos melhores aspectos de nossa natureza,

“mais elevada” é, com efeito, toda a moralidade, ética e partilham do conjunto de imagens

vinculado a ela.

Mortificatio

Segundo Jung, a opus alquímica tem três estágios: nigredo, albedo e rubedo: o

enegrecimento, o branqueamento e o avermelhamento. A nigredo, ou escurecimento, pertence

à operação denominada de mortificatio. Significa, literalmente, “matar”, sendo pertinente,

portanto, à experiência da morte. É a mais negativa operação da alquimia. Está vinculada ao

negrume, à derrota, à tortura, à mutilação, ao apodrecimento. Todavia, estas imagens

sombrias com freqüência levam a imagens de crescimento e ressurreição.

“Em termos psicológicos, o negrume refere-se à sombra. Em nível pessoal é positivo

ter consciência do próprio mal, porque a negrura é o começo da brancura”. De acordo com

a lei dos opostos, uma intensa consciência de um dos lados constela seu contrário. A partir

do negrume, nasce a luz”152.

Separatio

Considerava-se como a prima matéria um composto, mistura de componentes que são

indiferenciados e opostos entre si e que requeria um processo de separação. A mistura passa,

então, por uma discriminação de suas partes e componentes. Produz-se a ordem a partir da

confusão em um processo análogo ao do nascimento do cosmos a partir do caos nos mitos da

criação.

151 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma. 152 Idem.

Page 151: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Aliás, o primeiro ato da criação é, portanto, a separação do casal divino, Pai Céu e

Mãe Terra, que os afasta o bastante para que seja criado um espaço para o resto da criação. Na

tradição chinesa, do Tao surgem o Yin e o Yang. Em termos psicológicos, o resultado da

separatio pela divisão em dois é a consciência dos contrários.

“Desta forma, a separatio é o elemento que dá ensejo à existência consciente e a

separação entre sujeito e objeto, entre o eu e o não eu; esse é o primeiro par de opostos”153.

Na medida em que os opostos permanecem inconscientes e não-separados, vivemos num

estado de participation mystique, já tratado anteriormente e que significa a identificação com

um dos lados de um par de opostos e a projeção de seu contrário como um inimigo. “O

espaço para a existência da consciência surge entre os opostos, o que significa que nos

tornamos conscientes de sermos capazes de conter e de suportar os opostos em nosso

interior”.

A criação por intermédio da separatio também é descrita como divisão em quatro (os

quatro elementos). O motivo desta divisão corresponde, em termos psicológicos, à aplicação

das quatro funções do ego. “São elas: a sensação que nos dias quais são os fatos; o

pensamento, que determina os conceitos gerais em que os fatos podem ser situados, o

sentimento, que nos diz se gostamos ou não dos fatos; à intuição, que sugere a possível

origem dos fatos, aquilo para onde podem levar e os vínculos que podem ter com outros fatos

e apresenta possibilidades, e não certezas”154.

Ainda sob o ponto de vista psicológico, Brazão lembra que as características ligadas à

separatio são: Logos-Cortador, espadas, facas, lâminas bem afiadas. O Logos é o grande

agente de separatio, aquele que traz a consciência e exerce poder sobre a natureza – interior e

exterior – graças à sua capacidade de dividir, nomear e categorizar. Ao separar os opostos, o

Logos traz clareza; mas, ao torná-lo visível, evidencia também o conflito. No texto do

Evangelho, podemos encontrar : “Eu não vim trazer a paz, mas uma espada...” Jesus: “Talvez

os homens pensem que eu vim para trazer paz à terra. Eles não sabem que eu vim para

trazer discórdia...” Um processo de separatio pode ser anunciado pelo aumento do conflito e

do antagonismo num relacionamento antes amigável. Isso será provável, em especial, se o

relacionamento for o de identificação inconsciente.

Um outro importante aspecto da separatio é vinculado ao termo “extractio”. A

extração é a separação entre a parte essencial e seu corpo. E preciso extrair o espírito da 153 Id., herdem 154 Id., herdem

Page 152: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

matéria, alma do corpo. Isto representa, sob o ponto de vista psicológico, à retirada de uma

projeção, normalmente seguida pela mortificatio.

O produto da purificação da terra é a chamada “terra branca foliada”. Esta é então

unida ao “sol” purificado ou ao princípio do “ouro” pela receita: “Semeia teu ouro na terra

branca”. Os dois protagonistas – Sol e Lua, marido e esposa, terra e espírito – representam

todos os pares de opostos. Devem ser purificados por inteiro da contaminação mútua, o que

significa um diligente e prolongado escrutínio dos próprios complexos de cada pessoa.

Terminada a separatio, os opostos purificados podem ser reconciliados na coniunctio, que é

o alvo da opus. “Só pode se unir aquilo que foi devidamente separado.”155

Coniunctio

A coniunctio é o ponto culminante da opus. Destarte, os alquimistas ocidentais

chegaram a testemunhar em seus laboratórios exemplos variados de combinações químicas e

físicas, na qual duas substâncias se unem para criar uma terceira com propriedades distintas,

uma espécie de conjunção entre homem e mulher.

Este fato forneceu diversas imagens para a fantasia alquímica.

“Quando se tenta compreender o rico e complexo simbolismo da coniunctio, é

aconselhável distinguir duas fases: uma inferior e uma superior. A coniunctio inferior é uma

união ou fusão de substâncias que ainda não se encontram completamente separadas ou

discriminadas. É sempre seguida pela morte ou mortificatio. A coniunctio superior, por outro

lado, é o alvo da opus, a suprema realização. A experiência da união é quase sempre uma

mistura dos aspectos inferiores e superiores. Todavia útil distinguir entre os dois para

propósitos descritivos. A união dos opostos que foram separados de maneira imperfeita

caracteriza a natureza inferior”.

É justamente o objetivo da opus a criação de uma entidade miraculosa que recebe

vários nomes como “Pedra Filosofal”, “Nosso Ouro”, “Água Penetrante”, “Tintura” etc. Sua

produção resulta da união dos opostos purificados, e como combina os opostos, retifica toda

unilateralidade.

Descreve-se a Pedra Filosofal como: “uma pedra que tem o poder de amolecer todos

os corpos duros e de endurecer todos os corpos moles”, a pedra com Sapientia Dei que diz de 155 BRAZÃO, Fátima, psicóloga clinica junguiana em seu trabalho acadêmico Alquimia – Um processo de transformação da Alma.

Page 153: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

si mesma: “Eu sou a mediadora dos elementos, que faz um concordar com o outro; aquilo

que é quente torno frio, e vice-versa, aquilo que é seco torno úmido e vice versa, o duro em

mole. Sou o final e o meu amado é o começo. Sou toda a obra, e toda a ciência oculta-se em

mim”156.

Também o termo “Pedra Filosofal” é a união de opostos. A filosofia, o amor pela

sabedoria, é um empreendimento espiritual, ao passo que uma pedra é realidade material, dura

e crua. Assim, o termo sugere algo como a eficácia prática e concreta da sabedoria ou da

consciência.

Jung descreve o seguinte, sobre este assunto:

“Eros é um kosmogonos, um criador e pai-mãe de toda consciência superior. Por

vezes sinto que as palavras de Paulo –“ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos

anjos, mas não tivesse amor” – podem muito bem ser a primeira condição de todo o

conhecimento e a quintessência da divindade. Qualquer que seja a interpretação erudita da

frase “Deus é amor”, as palavras afirmam o complexo oppositorum da cabeça de Deus....

Somos, no sentido mais profundo, as vítimas e os instrumentos do “amor”

cosmogônico... Sendo uma parte um homem não pode captar o todo. Ele se encontra a mercê

do todo. Pode obedecer a ele ou rebelar-se contra ele; mas sempre é tomado por ele e

contido dentro dele. Depende dele e é por ele sustentado. O amor é sua luz e sua treva, cujo

final ele não pode ver. “O amor não termina” – que o homem fale com as “línguas dos

anjos” ou persiga, com exatidão cientifica, a vida da célula em sua fonte última. ... Se possui

um grão de sabedora, ele deporá as armas e nomeará o desconhecido pelo ainda mais

desconhecido, ignotum per ignotius - isto é, como o nome de Deus. Essa é uma confissão de

humildade, de imperfeição e de dependência; mas, ao mesmo tempo, um testemunho da

liberdade do homem para escolher entre a verdade e o erro.” 157

Não poderíamos encerrar esta parte da monografia sem citar um dos textos

considerados entre os mais sagrados da alquimia, conhecido como ´A Tábua da Esmeralda` de

Hermes, o Trimegistro, o três vezes grande, escrita em latim, embora em 1923 fora descoberta

também uma versão na língua árabe.

156 Id. Ibidem 157 Jung, Memories, Dreams, Reflections, p. 353s

Page 154: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

1 – Verdadeiro, sem enganos, certo e digníssimo de crédito.

2 – Aquilo que está embaixo é igual àquilo que está em cima, e aquilo que está em cima é

igual àquilo que está embaixo, para realizar os milagres de uma só coisa.

3 – E, assim como todas as coisas se originaram de uma só, pela mediação dessa coisa, assim

também todas as coisas vieram dessa coisa, por meio da adaptação.

4 – Seu pai é o sol; sua mãe, a lua; o vento a carregou em seu ventre, sua ama é a terra.

5 – Eis o pai de tudo, a complementação de todo o mundo.

6 – Sua força é completada se for voltada para dentro da terra.

7 – Separa a terra do fogo, o sutil do denso, com delicadeza e com grande ingenuidade.

8 – Ela ascende da terra para o céu, e desce outra vez para a terra, e recebe o poder do que

está em cima e do que está embaixo. E, assim, terás a glória de todo o mundo. Desse modo,

toda a treva fugirá de ti.

9 – Eis o forte poder da força absoluta; porque ela vence toda coisa sutil e penetra todo

sólido.

10 – E assim o mundo foi criado.

11 – Daqui virão as prodigiosas adaptações. à feição das quais ela é.

12 – E assim sou chamado Hermes Trismegistus, tendo as três partes da filosofia de todo o

mundo.

13 – Aquilo que eu disse acerca da operação do sol está terminado.

Page 155: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XVI

Fisiologia Taoísta e Alquimia Interior

Nos textos sobre fisiologia taoísta de alquimia interior, estudados no decorrer de nosso

curso de especialização em Ciências Clássicas Chinesas, sobretudo no Weisheng Shenglixue

mingzhi 158 aparecem as palavras campo de cinábrio159 e os meridianos curiosos, meridianos

singulares ou, como melhor chamamos, vasos maravilhosos. Estes termos aparecem segundo

uma interpretação do corpo humano e de seu funcionamento, segundo uma forma taoísta de

encará-lo.

Os campos de Cinábrio (dantian) são alguns locais do corpo humano reconhecidos

como sedes das transformações e das mutações, segundo aponta o citado texto. “O cinábrio, o

sulfureto de mercúrio, é uma forma inferior de uma pedra vermelha que, em alquimia

chinesa, é a matéria prima da pedra filosofal. Em outros termos, o cinábrio é a matéria de

base para a elaboração do ouro em alquimia externa, a droga (no sentido de remédio ou

medicamento) da imortalidade em alquimia interior”.160

Este mesmo texto cita o Shuowen, fazendo referência à lembrança de que o cinábrio

(dan), representa um poço, um agujero (agulheiro ou buraco) que contém uma pedra,

garantindo e lembrando que o cinábrio é muito abundante no sul da China, realizando,

entretanto, importante ressalva. “Os campos de cinábrio não são, pois, nem depósitos e nem

lugares ordinários, e sim campos onde se transformam certos materiais segundo a alquimia

interior”.161

E, muito embora o texto original chinês não dê nenhuma precisão onde se localizam os

campos de cinábrio, conta que a respiração penetra desde o fundo da cabana (choupana) no

campo de cinábrio, onde a essência e o alimento são mantidos na busca da longevidade.

158 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – traducción Del chino al francês, introducción y notas de Catherine Despeux – versión al castellano de Francisco F. Villalba – Miraguano Ediciones. 159 Optamos em manter a palavra Cinábrio uma vez que na língua portuguesa há: Zinabre - sm Azinhavre. Azinhavre – sm – Substância verde que se forma nos objetos de cobre expostos ao ar ou umidade, conforme Dicionário da Língua Portuguesa – Soares Amora – Editora Saraiva. 160 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 19. 161 id. ibid., página 19.

Page 156: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Apenas por volta dos séculos III e IV é que aparecem três campos de cinábrio.

A saber:

• O inferior, embaixo do umbigo.

• O mediano, ao nível do coração.

• O superior, na cabeça.

Note-se que há alguma discrepância entre a localização exata do campo de cinábrio

inferior entre textos mais recentes – Baopuzi neipian e Dengzhen yinjue, do século IV – e os

mais antigos como Taixi jing e Xiuzhen shishu. Enquanto os primeiros o localizam a 2,4

polegadas abaixo do umbigo, os mais antigos referem-se ao mesmo campo a 1,3 polegada

abaixo do umbigo, sendo que a medida de 2,4 polegadas, segundo o texto estudado, é a

medida adotada pela maioria dos taoístas contemporâneos. Voltaremos a este assunto mais

adiante. Ao contrário de outros campos de cinábrio, onde se discute com detalhes sua

localização e função, o inferior é raramente citado e encontrado nas obras clássicas chinesas.

“Raros são os textos que dão outras precisões sobre sua localização. Se pode citar um

texto das Seis Dinastias, de Laozi zhongking (Yunji qiqian), que o descreve da seguinte

maneira: ´O campo de cinábrio (inferior) é a raiz do homem. É onde se acumula a essência e

a energia espiritual. É o lugar da origem dos cinco alentos, o palácio do embrião. É onde se

acumula a essência do homem e a menstruação da mulher. Preside o nascimento e é a porta

da união do Yin e do Yang, e se situa a três polegadas abaixo do umbigo”.162

Este mesmo texto dá forma e cores:

• É vermelho no centro.

• Verde à esquerda e amarelo à direita.

• Branco acima, negro abaixo. Quadrado e redondo.

162 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20.

Page 157: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

• Mede quatro polegadas e tem como modelo o céu, a terra e o homem.

• As cinco cores tomo como modelo os cinco elementos.163

No entanto, segundo Zhao Bichen no texto que ora estudamos, ocorre uma leitura que

acima confunde o cinábrio inferior com o útero e com o sexo. “Pelo que se refere às cores,

sua distribuição não corresponde com a repartição corrente das cores no espaço conforme se

segue: amarelo no centro, vermelho no sul, negro no norte, branco no oeste e verde no

leste”164.

Ainda segundo Zhao Bichen, na alquimia interior os campos de cinábrio são lugares

de transformação da essência, dos sopros e da energia espiritual. São três regiões do corpo

onde se concentram três etapas do trabalho psicofisiológico.

Conforme o Tratado dos Três Campos e os Três Cinábrios165, “a energia espiritual

que nasce no seio do sopro166, se situa no cinábrio superior; o sopro que nasce do seio da

essência, se situa no cinábrio mediano; e a união da água e o sopro verdadeiro forma a

essência que se situa no cinábrio inferior. No campo superior é a morada da energia

espiritual, no campo mediano o palácio dos sopros e no campo inferior é a região da

essência”167.

Outro clássico chinês – Dacheng jiejing168 – também cita os campos de cinábrio e os

nomeia.

“O campo de cinábrio superior o Niwan, se situa no centro da cabeça. Também

chamado Tanque (ou reservatório) do Loto Superior (shang lian-chi), e é onde está contida a

energia espiritual. O campo de cinábrio mediano, também chamado Caldeirão da Terra (tu

fu) o Tanque do Loto Mediano (zhong lianchi), se encontra a 3,6 polegadas por debaixo do

centro do corpo. Mede 1,2 polegadas, e é o lugar onde se alimenta o embrião. Está situado a

direita da Morada do Arcana (dongfang), e a esquerda do Minstang. O campo de cinábrio

inferior, também chamado Tanque Florecido (huachi) ou Oceano dos Sopros (qihai) se situa

a 1,3 polegadas por debaixo do umbigo. Está a mesma distância do cóccix que dos rins e

163 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20. 164 id. ibid., página 20. 165 Xiuzhen shishu, compliacion de los Song, número 263 – página 6b. 166 sm 1 hálito, bafo, alento. 2 vigor. 3 esforço. 4 fig ânimo. Do espanhol aliento pode-se traduzir para o souffle, em francês – sopro, conforme utilizamos a tradução nesta monografia. 167 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 20. 168 Dacheng jiejing, escrito por Liu Huayang no século XVIII

Page 158: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

corresponde às gônadas. É onde está encerrada a essência e é o lugar onde se recolhe o

remédio. Também está situado a esquerda do Mingtang e a direita da Morada do Arcano169”.

Segundo Zhao Bichen, os textos de alquimia interior não fazem mais do que descrever

a circulação dos sopros internos pelos vasos maravilhosos de uma maneira mais ou menos

velada, citando o Nanjing – O Livro das 81 Dificuldades que tem três capítulos sobre os oitos

meridianos curiosos, extraordinários ou, como preferimos chamar, de vasos maravilhosos.

“Li Shizhen, célebre médico da dinastia dos Ming, retoma o exposto no Nanjing e

ressalta que o essencial para um médico conhecer bem o papel destes oito meridianos, com o

fim de não buscar vagamente a causa de uma enfermidade, e que um taoísta, graças a estes

meridianos, irá assegurar o bom funcionamento do forno e da caldeira”170.

Ainda segundo este mesmo texto, para os taoístas, os oito meridianos curiosos

desempenham um papel diferente na circulação da energia ancestral já que postulam que estes

meridianos estão bloqueados nos homens comuns que, entretanto, podem funcionar

plenamente por intermédio de exercícios e esforços que estimulariam o seu funcionamento.

169 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – Zhao Bichen – página 21. 170 id. ibid., página 21.

Page 159: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XVII

Os Oito Vasos Extraordinários,

Curiosos ou Maravilhosos

Os Vasos Maravilhosos, como preferimos chamar, são também conhecidos como

meridianos Extraordinários ou Curiosos e possuem características muito próprias,

principalmente porque são virtuais, isto é, no estado normal do organismo eles encontram-se

como ´adormecidos`. Enquanto os vasos da grande circulação transportam a energia de forma

continuada, os Vasos Maravilhosos só aparecem em estados patológicos.

“Todo transtorno de energia que não pode ser ´absorvido` pela ´pequena circulação`

e seu mecanismo regulador, irá buscar drenar em algum Vaso Maravilhoso”171.

Além de seu funcionamento em estados patológicos, contrariamente, eles são

poderosos aliados no tratamento por intermédio da acupuntura. Diferentemente dos demais

meridianos de energia, os Vasos Maravilhosos possuem pontos mestres que abrem os vasos e

assim o reconectam à grande circulação de energia.

Além disso, eles não precisam de pontos próprios, já que estes pontos mestres fazem

parte de outros meridianos conforme o caso.

Existem oito Vasos Maravilhosos – sendo quatro de natureza Yang e quatro de

natureza Yin. São os seguintes:

Os quatro Vasos Maravilhosos Yin:

5. Tchrong-Mo – Ponto Mestre – BP 4 (Kong-Soun)

6. Inn-Oe – Ponto Mestre – CS 6 (Nei-Koann)

7. Jenn-Mo – Ponto Mestre – P 7 (Lie-Tsiue)

8. Inn-Tsia-Mo – Ponto Mestre – R 6 (Tchao-Rae)

171 Acupuntura – Teoría y Práctica – La Antigua Terapêutica China al Alcance Del Medico Practitco – David Sussmann – Décima Terceira Edicion – Editorial Kier – Los Vasos Maravilhosos – Página 271.

Page 160: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Os quatro Vasos Maravilhosos Yang:

5. Tae-Mo – Ponto Mestre – VB 41 (Linn-Trsi)

6. Iang-Oe – Ponto Mestre – TR 5 (Oae-Koann)

7. Tou-Mo – Ponto Mestre – ID 3 (Reou-Tsri)

8. Iang-Tsiao-Mo – Ponto Mestre – B 62 (Chenn-Mo)

O Vaso Maravilhosos Jenn-Mo e Tou-Mo são distintos não bilaterais como os demais

e relacionam-se com a pequena circulação. Os demais se relacionam e se agrupam em pares:

Primeiro Par

3. Tchrong-Mo – BP 4

4. Inn Oe – CS 6

Segundo Par

3. Tae Mo – VB 41

4. Iang-Oe – TR 5

Terceiro Par

3. Tou-Mo – ID 3

4. Iang-Tsia-Mo – B 62

Quarto Par

3. Jenn-Po – P 7

Page 161: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

4. Inn-Tsiao-Mo – R 6

A escolha de um determinado Vaso Maravilhoso se dá conforme a patologia

apresentada pelo paciente e de acordo com a experiência clínica do acupuntor. “Existe até um

índice terapêutico, com os pontos sintomáticos de cada enfermidade, figurando o Vaso

Maravilhoso correspondente. Ademais, os Vasos Maravilhosos podem ser usados conforme o

critério clínico geral”172.

Depois de escolhido o Vaso Maravilhoso, a sessão de acupuntura deve ser iniciada

pelo ponto mestre, deste vaso, seguido dos pontos sintomáticos e se encerra com o ponto

mestre do vaso par correspondente.

Abaixo citamos algumas indicações173 destes Vasos Maravilhosos, sem entrarmos nos

trajetos já que isto iria demandar muitas explicações que fogem do escopo principal desta

monografia.

Assim temos:

1 – Tchrong-Mo – BP4 (Kong-soun)

Indicações: Transtornos digestivos, aerofagia, todas as enfermidades do estômago

como hiperacidez, inapetência, gases estomacais. Todas as enfermidades intestinais, diarréia e

icterícia. Angina, palpitações, taquicardia, arritmia, endocardites, miocardites, pericardites.

Hipotensão. Em resumo: indicado para dores da região cardíaca, males digestivos, transtornos

hepáticos e transtornos relacionados ao tubo digestivo.

2 – Inn-Oe – CS 6 (Nei-koann)

Indicações: Indigestão, constipação espamódica, convulsões, hipertensão,

arteriosclerose, artrites, varizes, hemorróidas. Obesidade, depressão mental, melancolia,

tristeza, timidez, neurastenia, emotividade, inquietude, angústia, ansiedade, temor, agitação,

riso nervoso, amnésia, sonhos, pesadelos, transtornos mentais e delírio.

172 Acupuntura – Teoría y Práctica – David Sussmann – Décima Terceira Edicion – Editorial Kier – Página 273. 173 Conforme indicações de David Sussmann, em sua obra, Acupuntura – Teoría y Práctica – La Antigua Terapêutica China al Alcance Del Medico Practitco.

Page 162: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

3 – Tae-Mo – VB 41 (Linn-tsri)

Indicações: Artrites e artroses, reumatismo articular agudo, contratura das mãos, pé e

dedos. Tremores nos quatro membros, especialmente do pé. Cefaléias e vertigens. Dores e

edemas na face, olhos, ouvidos e garganta. Dores e nevralgias dos quatro membros, inchaço

do abdômen, vômitos. Menstruação insuficiente, inflamação das mamas, anemia, debilidade

física e mental profundo com esgotamento, enfraquecimento.

4 – Yang-Oe – TR 5 (Oae-koann)

Indicações: Dores nas articulações dos membros, frio nos joelhos, mal estar nos braços

e pernas, enxaquecas, lombalgias e dores na coluna vertebral, no pescoço, cabeça e nas órbitas

dos olhos. Calor e paralisia dos membros. Suores noturnos, dores oculares, prurido

generalizado, dermatites, acnes, otites, sangramento do nariz, excesso de menstruação.

5 – Tou-mo – Ponto Mestre ID 3 (Reou-tsri)

Indicações: Temores, contratura dos membros, confusão mental, enxaqueca, edemas

nos olhos com lacrimação, dor lombar, joelhos, dentes, glaucoma, conjuntivite, estomatite,

gengivite, amidalite, angina, surdez, epilepsia, alucinações. Em resumo: transtornos artríticos,

reumáticos, nervosos e cerebrais.

6 – Iang-Tsiao-Mo – Ponto Mestre – B 62 (Chenn-mo)

Indicações: Contração da coluna vertebral, edema nos maléolos, cefaléia com dor nos

olhos, dificuldades para estender ou flexionar os membros, abscesso na mama, zumbido nos

ouvidos, dores articulares, edemas. Afecções paralíticas nos membros, congestão cerebral,

hemorragia cerebral, afasia.

7 – Jenn-Mo – Ponto Mestre P 7 (Lie-tsiue)

Indicações: Dermatites, eczemas, cefaléia occipital, insuficiência pancreática,

diabetes, todas as enfermidades pulmonares, tosse, bronquite, congestão pulmonar,

broncopneumonia, gripe, coqueluche, tuberculose pulmonar, enfisema, asma. Todas as

Page 163: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

enfermidades do nariz: rinite, sinusite, alergias, faringites, laringites, astenias e todas as

inflamações da mucosa.

8 – Inn-Tsiao-Mo – Ponto Mestre R 6 (Tchao-raé)

Indicações: Todos os transtornos da micção, enurese, cistite, frigidez, impotência,

esterilidade, prostatite, corrimento vaginal, dores e congestão ovárica, transtornos da

menstruação, regras abundantes, ameaça de aborto, insônia, constipação crônica. Em resumo:

todos os transtornos genito-urinários.

Page 164: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XVIII

A Flor de Ouro é o Elixir da Vida

O significado literal de Gin Dan é esfera de ouro, a pílula de ouro, ou o Elixir da Vida,

a Flor de Ouro, que se obtém por intermédio das transformações da consciência espiritual que,

por sua vez, dependem do coração. E, muito embora, seja exata, tal magia é secreta, é fluida e

exige extrema inteligência e lucidez, bem como aprofundamento e tranqüilidade. “As pessoas

desprovidas dessa extrema inteligência e compreensão não encontram o caminho da

utilização, ao passo que as pessoas desprovidas do extremo aprofundamento e tranqüilidade

não conseguem estabilizá-lo”.174

Assim como existem céu e terra, também existem dois corações. O coração de carne,

embaixo, tem a forma de um grande pêssego e é encoberto pelas ´asas` do pulmão. É

sustentado pelo fígado e servido pelas vísceras. Depende do mundo exterior. Já o coração

celeste, que reside na cabeça não deve comover-se. “Se isto ocorresse, não seria bom.

Quando as pessoas comuns morrem, ele se comove, mas isso não é bom. Evidentemente, é

muito melhor que a luz já se tenha firmado num corpo-espírito e que sua força vital penetre

pouco a pouco os impulsos e movimentos. Mas este é um segredo silenciado há milênios”.175

O coração inferior é um general forte e poderoso que despreza o senhor celeste e

usurpa-lhe a liderança. Quando, entretanto, consegue-se fortalecer o castelo originário, o

soberano forte e sadio ocupa o seu trono. “Os olhos impelem ao movimento circular como

dois ministros, um à direita, outro à esquerda, apoiando o soberano com toda a sua força.

Quando a soberania está centrada e em ordem, todos os heróis subversivos se apresentam

com as lanças de ponta para baixo, a fim de receber ordens”.176

E só quando o espírito originário ultrapassa as diferenças polares de luz e obscuridade

é que o discípulo não irá mais permanecer nos três mundos (céu, terra e inferno), embora no

caminho para o Elixir da Vida reconhece-se a água-semente, o fogo-espírito e a terra-

pensamento.

174 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 99. 175 id. ibid., página 100. 176 id. ibid., página 101.

Page 165: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Para explicar melhor este assunto Wilhelm estabelece algumas comparações

importantes e muito úteis aos profissionais da Acupuntura:

4. Água-semente – uma força (Eros) uma e verdadeira do céu primeiro.

5. Fogo-espírito é a luz (Logos).

6. Terra-pensamento é o coração celeste da morada do meio (intuição).

Desta forma poderemos fazer interessante analogia com todas as funções Yin.

Dissemos a pouco que o coração terrestre é como um grande pêssego apoiado no Fígado e

tem como asas os Pulmões.

Portanto, temos três funções Yin: Coração, Fígado e Pulmões.

Agora, Wilhelm fala da água-semente, analogia possível aos Rins, Fogo-espírito

(Logos ou Fogo Imperador) analogia possível com o Coração ou com o Mestre do Coração

(CS), e terra-pensamento, Baço-Pâncreas, tão importante e citado na filosofia de esvaziar-se a

mente e pensar com a barriga.

Acreditamos que tais analogias fazem muito sentido, principalmente ao destacar um

outro trecho de Wilhelm, na obra citada, conforme se segue. “Usamos o fogo-espírito para

agir, a terra-pensamento como substância e água-semente como fundamento”.177

“O Grande Uno contém em si a verdadeira força

(prana), a semente, o espírito, o animus e a anima. Quando os

pensamentos se tranqüilizam plenamente, de modo a ver-se o

coração celeste, a inteligência espiritual, por si mesma, atinge a

origem. Este ser habita, sem dúvida, o verdadeiro espaço, mas o

lampejo da luz habita nos dois olhos. Portanto, o mestre ensina

o movimento circular da luz, a fim de alcançar o verdadeiro ser.

O verdadeiro ser é o espírito originário. O espírito originário é

177 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro, (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 101.

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justamente ser e vida, e quando nisso se reconhece o real, aí

está a força originária. E é justamente isto o grande sentido”.178

178 Long Yen – Suramgama-sutra budista. JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 99.

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Capítulo XIX

A Flor de Ouro é a Luz do Céu

Ao entender e buscar compreender o que é Tao, sobretudo se o encararmos como um

método ou caminho consciente que deve unir o que está separado, chegaremos próximo ao

conceito psicológico da linguagem chinesa e de se realizar o que propõe o Tao.

Segundo o texto Hui Ming Ging, “é necessário um ´aquecimento`, ou seja, uma

elevação da consciência, a fim de que a morada da essência espiritual seja ´iluminada`.

Assim, pois, não é apenas a consciência, mas também a vida que deve ser elevada ou

exaltada. A união de ambas produz a ´vida consciente`. ... os antigos sábios conheciam o

modo de suprimir a separação entre consciência e vida, pois cultivavam as duas”.179

Segundo a concepção junguiana, a união dos opostos em um nível mais alto de

consciência não é um processo mental ou racional, menos ainda uma questão de desejo ou

vontade, e sim um processo de desenvolvimento psíquico que se exprime por intermédio dos

símbolos. “Quando as fantasias tomam a forma de pensamentos, emergem formulações

intuitivas de leis ou princípios obscuramente pressentidos, que longo tende a ser

dramatizados ou personificados”180.

Em sua prática clínica e em suas pesquisas, Jung pôde comprovar que as fantasias

desenhadas pelos seus pacientes podem aparecer em símbolos que pertencem ao tipo

´mandala`. “Mandala significa circulo e praticamente circulo mágico. Os mandalas não se

difundiram somente através do Oriente, mas também são encontrados entre nós. A Idade

Média e em especial a baixa Idade Média é rica de mandalas cristãos”.181, escreve Jung.

Nestes mandalas é importante ressaltar que o ponto central também pode ser

representado por Jesus Cristo rodeado pelos quatro evangelistas nos pontos cardeais. Entre os

egípcios também Hórus e seus quatro filhos foram representados da mesma forma e o centro

mostra o local do ´olho filosófico`, ou ´espelho da sabedoria` conforme algumas tradições.

Precisamos ainda ressaltar que diversas tradições, a chinesa inclusive, leva em conta no seu

JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 37 180 id. ibid., página 38 181 id. ibid., página 38

Page 168: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

processo de cosmogênese os quatro pontos cardeais com um quinto ponto no centro, que

depois se desloca acima e à direita, representando a Terra.

Na prática, podemos estabelecer que há os quatro pontos cardeais no consultório e no

centro, onde reside a luz, está o terapeuta/acupunturista e o paciente buscando a vivência

alquímica de se partir do corpo físico buscando atingir a luz do espírito, a descoberta e o

próprio incentivo do Shen. Outra analogia possível é que se forma a cruz mundana, de quatro

braços iguais, sendo que o paciente deitado na horizontal, forma este braço da cruz, enquanto

que o vertical é representado pelo terapeuta-acupuntor trabalhando.

A flor de ouro é a luz.

E a luz do céu é o Tao.

Jung, na obra citada, afirma que a Flor de Ouro é um símbolo mandálico, também

encontrado em uma série de desenhos de seus pacientes. Trata-se de um ´ornamento

geometricamente ordenado` como uma flor irrompendo do fundo da obscuridade em luz

colorida e incandescente. Tais desenhos exprimem o nascimento da flor de ouro, pois,

segundo o Hui Ming Ging, a vesícula germinal` é o ´castelo de cor amarela`, o ´coração

celeste`, ´os terraços da vitalidade`, ´o campo de uma polegada da casa de um pé`, ´a sala

purpúrea da cidade de jade`, ´a passagem escura`, ´o espaço do céu primeiro`, ou também

chamado de ´o castelo do dragão no fundo do mar`.

Ela é também chamada ´a região fronteiriça das montanhas de neve`, ´a passagem

primordial`, ´o reino da suprema alegria`, ´o país sem fronteiras` e o altar sobre o qual

consciência e vida são criadas. “Se o agonizante não conhecer este lugar germinal”, diz Hui

Ming Ging, “não encontrará a unidade de consciência e vida nem mesmo em mil

nascimentos, ou dez mil eons”, cita Jung.182

No princípio, quando tudo ainda é informe e ligado ao um, tudo jaz no fundo do mar,

na escuridão do inconsciente. Uma só unidade, inseparavelmente misturada como a semente

do fogo no forno da purificação. A partir deste fundo é que surge o fogo que sobe e penetra a

semente, incubando-o para que uma grande flor de outro nasça e cresça da vesícula germinal.

182 id. ibid., página 40

Page 169: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Diz Jung. “Esta simbólica refere-se a uma espécie de processo alquímico de

purificação e de enobrecimento; a escuridão gera a luz e a partir do ´chumbo da região da

água` cresce o ouro nobre; o inconsciente torna-se consciente, mediante um processo de vida

e crescimento. Desse modo se processa a unificação de consciência e vida”.183

Ainda segundo o psicanalista, essas imagens surgem espontaneamente de duas fontes:

o inconsciente e a plana devoção que proporciona um pressentimento do si-mesmo, da própria

essência individual.

“Um clarão de luz circunda o mundo do espírito.

Esquecemo-nos uns dos outros, puros,

silenciosos, vazios e onipotentes.

O vazio é atravessado pelo brilho do coração celeste.

Lisa é a água do mar e a lua

se espelha em sua superfície.

Apagam-se as nuvens no espaço azul;

lúcidas, cintilam as montanhas.

A consciência se dissolve em contemplação.

Solitário, repousa o disco da lua”

Hui Ming Ging184

“A meta evidente da imagem é traçar um ´sulcus primigenius`, um sulco mágico em

redor do centro que é o templo ou temenos (área sagrada) da personalidade mais íntima, a

fim de evitar uma possível ´efluxão`, ou preservá-la, por meios apotropaicos, de uma eventual

distração devido a fatores externos”, escreve Jung.185

183 id. ibid., página 39 184 Hui Ming Ging, obra citada. 185 id. ibid., página 40

Page 170: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Ainda sob o ponto de vista psicológico, podemos lembrar do movimento da roda do

sol, que quando começa a girar se vivifica, e a partir daí inicia o seu caminho. “O Tao começa

a atuar e assume a direção. A ação converte-se em não-ação; tudo o que é periférico é

subordinado à ordem que provém do centro”, lembra Jung186.

Ao interpretarmos este texto podemos utilizar a via do estágio de plenitude como um

estado anímico caracterizado pelo desprendimento da consciência em relação ao mundo. Ao

mesmo tempo uma consciência vazia e não-vazia, plena.

A consciência deixa de se preocupar com as imagens das coisas para, apenas, as

conter. Pode-se ter acesso à abundância anterior do mundo, imediata e premente, onde nada

perde de sua riqueza e maravilha, porém também não domina mais a consciência.

“O Tao começa a atuar e assume a direção. A ação converte-se em não-ação; tudo o

que é periférico é subordinado à ordem que provém do centro”, lembra Jung187.

É nesta hora que desaparece a participation mystique 188 responsável pelo

entrelaçamento da consciência com o mundo. É quando a consciência deixa de ser dominada

por intenções compulsivas e passa a contemplar, conforme exprime o texto chinês. Afinal, a

participation mystique aponta para o grande e indeterminado remanescente da indiferenciação

entre sujeito e objeto, de tal monta entre os primitivos, que não pode deixar de espantar os

homens de consciência européia ou ocidental.

“O homem civilizado considera-se naturalmente bem acima destas coisas. No entanto,

não raro, passa a vida inteira identificado com os pais, com seus afetos e preconceitos,

culpando impudicamente os outros pelas coisas que não se dispõe a reconhecer em si mesmo.

E guarda também um remanescente da inconsciência primitiva da não-diferenciação entre

sujeito e objeto. Por isso mesmo é influenciado magicamente por inúmeros seres humanos,

coisas e circunstâncias, isto é, sente-se assediado de modo irresistível por forças

perturbadoras, muito apreciadas com as dos primitivos; do mesmo modo que estes últimos

necessita de encantamentos ou feitiços apotropaicos.... ...O homem ocidental não manipula

id. ibid., página 41 187 id. ibid., página 41 188 Participation Mystique é um termo utilizado por Lévy-Bruhl que designa o sinal característico da mentalidade primitiva.

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mais com amuletos, bolsas medicinais e sacrifícios de animais, porém com soporíferos,

neuroses, racionalismo, culta da vontade etc.”189, conforme Jung.

189 id. ibid., páginas 58 a 60.

Page 172: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XX

O Caminho da Meditação

Citando o Hui Ming Ging, Wilhelm lembra que a obra trata de instruções budistas e

taoístas de meditação como parte de um pressuposto fundamental das duas esferas anímicas

que surgem a partir do nascimento: consciente e inconsciente, separadas uma da outra.

“O consciente é o elemento de diferenciação individual (ego freudiano) e o

inconsciente, o elemento da união cósmica. O princípio da obra se baseia na integração de

ambos os elementos, pelo caminho da meditação. O inconsciente deve ser como que

fecundado pela submersão do consciente, deve ser trazido à consciência; juntamente com o

consciente assim ampliado, acede então a um plano de consciência suprapessoal, na forma

de um renascimento espiritual”190, escreve Wilhelm.

Destarte, se o indivíduo conseguir reconhecer o inconsciente como fator co-

determinante do modo mais amplo possível, então o centro de gravidade da personalidade

total irá se deslocar. Não persistirá no eu, que é apenas o centro da consciência, mas passará

para um ponto, por assim dizer, virtual entre o consciente e o inconsciente: o si-mesmo, o self.

“Se a mudança for bem sucedida isto significa o fim da ´participation mystique`,

surge, então, uma personalidade que só sofrerá nos andares inferiores, uma vez que nos

andares superiores estará singularmente desapegada, tanto dos acontecimentos penosos,

quanto dos felizes”, diz Jung191. O advento e nascimento dessa personalidade superior é o que

tem em mira nosso texto ao falar do ´fruto sagrado`, do ´corpo diamantino`, ou de qualquer

outra espécie de corpo incorruptível.

No entanto, há um perigo quando ocorre o encontro da consciência individual –

delimitada – com a enorme extensão do inconsciente coletivo, já que este último tem um

efeito dissolvente sobre a consciência. Para Jung os ensinamentos contidos no Hui Ming Ging

dizem respeito ao cultivo da ioga chinesa.

190 JUNG, Carl Gustav e WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 83. 191 Idem, Página 38.

Page 173: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Aliás, a ilustração que consta da capa do O Segredo da Flor de Ouro mostra um sábio

em contemplação e de sua cabeça sai chamas e delas surgem cinco formas humanas que, por

sua vez, se dividem em vinte e cinco formas menores.

Diz uma advertência do Hui Ming Ging: “As formas que se configuram através do

fogo do espírito são formas e cores vazias. A luz da essência brilha de volta ao originário,

que é o verdadeiro”,192 referindo-se à quarta etapa da meditação quando deve ocorrer as

rememorações das encarnações anteriores, conforme esquema que se segue:

Primeira etapa de meditação

Concentração da luz

Segunda etapa de meditação

Começo do renascimento no espaço da força

Terceira etapa de meditação

Libertação do corpo-espírito para uma existência autônoma

Quarta etapa de meditação

O Centro em meio às circunstâncias

Segundo o livro O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï), a prática da

ioga chinesa permite a libertação dos grilhões do mundo exterior ilusório, aliás, objetivo de

diversas seitas que surgiram na China em diversos momentos históricos, sobretudo os de

penúria econômica. No entanto, o mais alto grau desta atitude meditativa é tender ao nirvana

budista “ou então prepara a possibilidade de continuação da vida depois da morte, não com

decomposição no decaído mundo das sombras, mas como espírito consciente; é isto que

192 Hui Ming Ging, citado na página 46 da edição consultada de O Segredo da Flor de Ouro.

Page 174: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

propõe o presente texto, conectando o princípio espiritual do homem com forças psicogênicas

correspondentes”193, escreve Wilhelm.

Segundo ele, com este processo pode-se fortalecer o processo vital obtendo

rejuvenescimento e normalização energética de modo a superar a morte. Esta passa ser um

processo harmônico e natural da conclusão da vida. “O corpo terrestre será, então,

abandonado pelo princípio espiritual (apto a prosseguir uma vida independente no corpo

espiritual (criado por seu sistema energético), tal como ocorre com a cigarra ao abandonar

sua casca seca”194, escreve Wilhelm.

Na época Tang – no decorrer do século VIII – a tradição oral fala do Elixir de Ouro da

Vida (Gin Dan Giau), fundada pelo adepto taoísta Lü Yen (Lü Dung Bin), considerado como

um dois oito imortais em “uma época que todas as religiões autóctones e estrangeiras eram

toleradas e praticadas”195, até a última perseguição movida pelo governo manchú em 1891

quando mais de 15.000 de seus adeptos foram cruelmente massacrados.

Na busca histórica, Wilhelm cita Guan Yin Hi, o Mestre Yin Hi do Desfiladeiro que,

segundo a lenda, foi para ele que Lao Tse escreveu o Tao Te King, onde é possível encontrar

uma série dos ensinamentos místicos, ocultos e esotéricos.

“Na época Han, o taoísmo degenerava cada vez mais em práticas mágicas externas;

os mágicos da corte, de procedência taoísta, procuravam obter a pílula de ouro (a pedra

filosofal) por meios alquímicos, que produzisse ouro a partir de metais vis, conferindo ao

homem a imortalidade física” 196. Além disso, as designações alquímicas começaram a tomar

força e também passaram a representar símbolos de processos psicológicos e se aproximar dos

pensamentos originais de Lao Tse.

Houve importante influência do budismo, sobretudo o praticado na escola Tiën-Tao de

Dschï Kai, de origem Mahayana (que antes desta época dominou fortemente a China) e sutras

que foram repetidos no Gin Dan Giau.

“Numa página é descrito com detalhes o cultivo da ´Flor de Ouro`, e em outra são

introduzidos pensamentos nitidamente budistas, que deslocam a meta com toda a evidência

para a obtenção do nirvana através do repúdio do mundo”197, escreve Wilhelm, admitindo

193 WILHELM, Richard, O Segredo da Flor de Ouro (Tai I Gin Hua Dsung Dschï) Editora Vozes; 2ª. Edição, Petrópolis. 1984. Página 86. 194 Idem, Página 86. 195 Idem Página 87. 196 Idem, página 88. 197 Idem página 88.

Page 175: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

que algumas seções foram suprimidas da edição utilizada para esta monografia, embora nas

primeiras fases é que se trata o trabalho do renascimento interior através do movimento

circular da luz e a geração da semente divina.

“A luz é a vida dos homens.

O olho é a Luz do corpo.

O renascimento espiritual do homem pela água e pelo fogo, ao

que se deve acrescer a terra (pensamento), enquanto regaço materno

ou campo arado. Comparemos com as palavras de João (apóstolo).

“Eu vos batizo com o água; depois de mim virá alguém que voz

batizará com o Espírito Santo e fogo” ou “quem não nascer de novo da

água e do espírito não entrará no Reino do Céu”.198, compara Wilhelm.

Wilhelm explica que o processo vital descendente – o movimento direto e habitual –

leva em conta dois fatores – o intelectual e o animal – que, em geral, relaciona-se a anima ou

vontade insensível, aprisionada pelas paixões que, praticamente, obriga o animus, ou

intelecto, a trabalhar para seus serviços (ou satisfações das emoções). O ser volta-se para fora

e as forças do animus e da anima se esvaem e a vida se consome. Gera-se novos seres e o

ponto final é a morte.

“A anima mergulha, o animus se eleva e o eu é privado de sua

força, numa situação dúbia. Quando esta ´externalização` se afirma,

ocorre em conseqüência o peso e o mergulho na surda aflição da morte

e o eu só se alimenta miseravelmente das imagens ilusórias da vida que

ainda o atraem, sem que, no entanto, possa participar ativamente delas

(inferno, almas famintas). Se apesar disso, houve um esforço par ao

alto, recebe-se uma vida relativamente beatífica, de acordo com os

méritos, pelo menos durante algum tempo, enquanto se é fortalecidos

pelas forças dos sacrifícios dos sobreviventes”.199

198 Idem página 89 199 Richard Wilhelm, O Segredo da Flor de Ouro, página 95

Page 176: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

No entanto, ressalta Willhelm, quando se consegue durante a vida iniciar um

movimento ´reversivo` e ascendente das forças vitais, quando a anima é dominada pelo

animus, ocorre uma espécie de libertação das coisas exteriores que passam a ser reconhecidas,

mas não cobiçadas, com o conseqüente rompimento da ilusão.

“Ocorre um movimento circular ascendente das energias. O eu

retira-se dos emaranhados do mundo e permanece vivo depois da

morte, uma vez que a ´interiorização` impediu as forças vitais de se

derramarem para fora; pelo contrário, estas últimas criaram um centro

vital na rotação interior da mônada, que não depende da existência

corporal. Um tal eu é um Deus, um Schen. O sinal para Schen

significa: expandir-se, atuar, em suma, é o contrário de gui. Em sua

grafia antiga, Schen ´pe representado por um meandro duplamente

sinuoso, que também pode significar trovão, raio, excitação

elétrica”.200

Em um outro trecho, Wilhelm escreve: “Eterna é apenas a Flor de Ouro, que brota da

libertação interior de todos os envolvimentos com as coisas. O homem que alcança este

estágio ultrapassa seu eu. Não se limita mais à mônada, mas penetra no circula da dualidade

polar de todos os fenômenos e retorna ao Uno, isento de dualidade: o Tao”.201 Além disso,

Wilhelm assinala a diferença entre o budismo e o taoísmo. No primeiro há retorno ao nirvana,

quando ocorre uma extinção total do eu, que é apenas ´ilusório`, assim como o mundo é

ilusório.

Já no taoísmo, ocorre o contrário, a meta é conservar na transfiguração a idéia da

pessoa e os ´vestígios` das vivências. “É a luz que com a vida retorna a si mesma,

simbolizada no nosso texto pela Flor de Ouro”202.

200 Richard Wilhelm, O Segredo da Flor de Ouro, página 95 201 id. ibid., página 96 202 id. ibid., página 96

Page 177: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXI

As Etapas da Alquimia Interior na Leitura Chinesa

Zhao Bichen, que pertencia à escola Wu Liu, estabelece três etapas para o trabalho

psicofisiológico da Alquimia Interior efetuadas em cada um dos três campos de cinábrio203.

Parte do campo inferior, onde se sublima a essência para transformá-la em sopro, no campo

médio, onde o sopro, ou alento se transforma em energia espiritual, e o campo de cinábrio

superior, onde se volta a vacuidade (lian jing hua qi, lian qi hua shen, lian shen huan xu).

São três fenômenos que podem ser observados durante a realização destas três etapas,

segundo aponta Zhao Bichen.

No primeiro, quando a essência é sublimada não se experimentam desejos sexuais.

Quando o sopro é sublimado não se sente fome ou desejos, e quando a energia espiritual está

sublimada não se sente sono ou necessidade de descanso. Esta divisão em três etapas ocorre

ao redor de três conceitos diferentes: essência, sopro e energia espiritual.

Essência, sopro e energia espiritual

Como os caracteres chineses são signos e emblemáticos, para compreender estas

noções fundamentais da alquimia interior o conteúdo semântico pode variar segundo a língua

ocidental utilizada na tradução e a época em que o contexto é analisado.

“Os três tesouros do corpo são a essência, o sopro e a energia espiritual. A intuição

clara e perspicaz é a energia espiritual; aquela que penetra todas as partes e se move em

círculos é o alimento; os humores e os líquidos que embebem o corpo é a essência. Se queres

distingui-los segundo sua função, a energia espiritual controla e governa, o sopro preside a

aplicação das ordens, a essência preside a transformação e a geração. Cada um tem uma

função específica e segue as ordens do chefe. Se queres distingui-los desde o ponto de vista

de sua utilização, a essência pode transformar o sopro, o sopro pode transformar a energia

203 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 35.

Page 178: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

espiritual. Ali onde chega a energia espiritual, chega o sopro. Ali onde chega o sopro, chega

a essência”.204

A Essência

No Neijing, obra médica dos Han, o jing tem as vezes o sentido de essência seminal, e

as vezes o sentido de quintessência dos órgãos, ou as vezes o sentido de gérmen da vida. Diz

o Lingshu. “No começo, durante a concepção, o primeiro que se forma é a essência; uma vez

formada a essência aparecem o cérebro e a medula”, conta no Wisheng Shenglixue mingzhi -

Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen.

Em um outro trecho, da mesma obra, encontramos: “Quando o sopro do céu anterior

se põe em movimento, se transforma em essência do céu anterior invisível, a qual se

transforma em essência material do céu posterior. O trabalho consiste em evitar que a

essência se converta em essência do céu posterior e em fazer uma maneira que a essência do

céu anterior volte a converter-se em sopro primordial. Este trabalho se efetua graças a

respiração”205.

O Sopro

No Shuowen, o sopro ou alento refere-se aos vapores que ascendem. Há quatro grafias

diferentes, cada uma com seu próprio significado. Na primeira, encontra-se o vapor com o

fogo embaixo. Na segunda, antiga da época da dinastia Son, é o sopro do céu anterior em

oposição ao sopro do céu posterior. Na terceira, escreve-se apenas o ideograma relacionado a

vapor e, por último, a mais corrente é o vapor embaixo do elemento arroz, ou seja,

transformação do sopro por intermédio da nutrição física e do alimento.

Aproveitamos outro trecho de Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y

Medicina Taoísta – Zhao Bichen, onde se compara sopro celeste com a respiração humana.

“O sopro está no céu, e o que o coloca em movimento é o vento, e o seu movimento são as

204 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 36. 205 id. ibid., página 37.

Page 179: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

transformações, a respiração, o rápido e o que ascende (sobe), e o que volta, o que se

dispersa, o que abre e o que brilha é a luz. O fogo pode oculta a sombra e conter a forma”.206

A Energia Espiritual

“O Sheng é a divindade celeste de onde surgem as dez mil coisas”, diz o Shuowen. Já

no I Ching, o livro das Mutações, se define assim: “Quando o Yin e Yang são insondáveis, se

fala de Sheng”. No Nijing está escrito o seguinte: “Oh Sheng, inaudível e invisível, quando o

coração se abre a ti, não mais pensamento, a intuição cognitiva nos faz compreender de

pronto que tu és inexpressável”.207 E dá continuidade a essa explicação lembrando que, em

alquimia interior, o Sheng é o embrião imortal que se fabrica no corpo, deve ser sempre

Yang, já que se subsiste um pouco de Yin, se converteria como presa dos demônios (gui)208”,

em uma clara alusão de que Sheng – espírito, encontra-se no céu e se contrapõe aos demônios,

espíritos da terra.

206 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 38. 207 id. ibid., página 38. 208 id. ibid., página 38.

Page 180: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXII

Sublimação da Essência

A primeira etapa, a ´sublimação da essência` também é conhecida como a fase de

´colocar os cimentos nos cem dias` conforme consta de uma passagem do Sutra Budista `Loto

da Boa Lei`209 e que visa que a essência volte para o cérebro depois de estabelecer, nos canais

das funções, o controle da circulação circular ou pequena revolução celeste.

Segundo o Tratado de Alquimia e Medicina Taoísta, de Zhao Bichen, para que esta

essência retorne ao cérebro cita-se práticas antigas e que foram muito utilizadas durante a

dinastia Han. É fato que alguns autores de textos sobre a alquimia interior recomendavam

utilizar a energia sexual – quando aparece durante a meditação – ou ´nas práticas de

dormitório`, como dizem os textos clássicos. Nas práticas sexuais, mesmo nas horas de

máxima excitação, recomendava-se ao homem não chegar ao clímax e ejacular. É fato

também que alguns autores afirmaram que ´cabalgar` (cavalgar, montar) as mulheres seria

uma técnica herética e recomendavam não pensar nas práticas sexuais. Outros não

estabelecem um paralelo entre jing (a essência) e o esperma. ... “deve-se atuar no momento

em que ocorre a ereção e se põe em movimento a energia sexual, momento em que os textos

taoístas chamam de ´período Del Zi vivo`(huozishi)210.

Isto se diz porque, segundo alguns taoístas, a ereção não está apenas ligada à atividade

sexual e sim às boas condições da função vital e demonstra que esta energia circula bem e em

quantidade suficiente, lembrando que ela pode ocorrer com bebês dormindo, por exemplo,

que nada têm a ver com a busca do sexo. Recomenda-se aproveitar este momento de fluxo de

energia pra se trabalhar mediante a pequena revolução celeste e cultivar o Tao.

Segundo Zhilun211, “apenas o sopro que está profundamente enterrado pode inverter

a essência e transformá-la em sopro do céu anterior, quando a essência não pode sair e deve-

se fazê-la subir e estabelecer a circulação circular nos canais de função e de controle

mediante um trabalho mental e respiração rítmica. Isto é a pequena revolução celeste”.

209 Wu Liu xianzong quanji, página 53. 210 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 39. 211 Zhilun, capítulo 8, em Wu Liu xianxong quanxi, página 206, citado em Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 39.

Page 181: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Pequena revolução celeste

Para se estabelecer a pequena revolução celeste, dizem os textos clássicos chineses,

deve-se colocar em movimento a Roda da Lei, de fato, uma expressão budista que representa

o momento da iluminação, em que Buda percebeu bem ser ele um Santo e se pôs a praticar e

divulgar sua doutrina.

“Para estabelecer a comunicação circular deve-se unir os canais abaixo e acima; por

baixo pressionando o canal da uretra e por cima colocando a ponta da língua no palato. O

circulo dos canais de controle e de função estão divididos em doze pontos segundo a jornada

de vinte e quatro horas – 12 horas chinesas – que correspondem aos intervalos de tempo e

respiração....

O microcosmo que é o corpo humano tem um tempo e um ritmo calcado no

macrocosmo. Psicologicamente, situa-se no centro do corpo e move-se no tempo no lugar

desta revolução circular onde se situa muito além do tempo”212.

212 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen - página 43.

Page 182: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

As doze seções são designadas conforme o período cíclico e são denominados: Zi,

Chou, Yin, Mão, Chen, Si, Wy, Wei, Shen, Yu, Xu e Hai que designam também os intervalos

de tempo das respirações. Diz o Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia e

Medicina Taoísta que o sopro verdadeiro do círculo formado pelos canais de função e de

controle devem ser estimulados e acompanhados pela respiração externa – chamada de fogo

militar – oposta ao fogo civil – que é o pensamento criador.

A respiração deve seguir um ritmo preciso de acordo com as seções dos canais

atravessados pelo fluxo da essência invertida. “No começo da inspiração a essência invertida

(quer dizer, o sopro verdadeiro), recorre ao ponto Zi do canal de controle, depois sobre ao

ponto Chou, ao mesmo tempo em que se conta nove inspirando. Sem parar de inspirar, se

conta de novo nove, enquanto que a essência invertida passa por Yin, depois passa por Mão

ao mesmo tempo que se retém a inspiração. Se inspira de novo enquanto se conta duas vezes

nove quando a essência passa por Chen, depois por Si e deve ter chegado ao limite da

inspiração quando a essência chega a Wu”213. Para baixo deve-se seguir de maneira análoga.

Se expira contando duas vezes seis quando a essência recorre os pontos Wei e Shen, se marca

uma pausa durante Yu, depois se continua a expiração e se conta durante Xu e Hai.

“Depois de cem dias desta prática, efetuada em cada ereção, a essência se transforma

continuamente em sopro, e já não se observa perda nenhuma da essência seminal. Então se

213 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 43.

Page 183: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

recupera o estado de indistinção do embrião, estado marcado pela indiferença dos órgãos

dos sentidos e, portanto, da percepção.

Segundo Nan Huaijin, a continuidade desta prática se constitui uma estimulação das

funções hormonais, se observa uma retração do sexo, assim como uma ascensão a partir do

campo do cinábrio inferior de uma força que se une a uma outra força proveniente do

estômago, e um intercâmbio de ambas forças como base da segunda etapa”214.

214 id. ibid., página 43.

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Capítulo XXIII

Sublimação do Sopro

Mesmo em menores detalhes, o Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia e

Medicina Taoísta demonstra que a prática é muito mais mental com o desenvolvimento,

durante dez meses, do cambo de cinábrio mediano, do embrião imortal surgido após o

casamento da energia espiritual com o sopro verdadeiro que deve ocorrer na primeira etapa do

trabalho. Há referência nos textos de alquimia oriental que há uma cópula entre o ´fogo do

coração`, representado pelo trigrama Li – Fogo (onde dois traços Yang encerram um Yin) e a

´água dos rins`, representado pelo trigrama Kan – Água (onde traços Yin encerram um Yang),

de forma que o fogo (céu) desce e a água (terra) sobe.

“O movimento para o alto da linha Yang de Kan representa a purificação e a

dissolução da essência; o movimento para baixo da linha Yin de Li representa a cristalização

da luz, o que corresponde as estadas solve e coagula da alquimia ocidental. Se poderia dizer

também que ocorre uma fusão progressiva entre a parte fisiológica (a essência original do

sopro) e a psique (energia espiritual do indivíduo)”.215

“O verdadeiro licor do coração e dos pulmões é atraído pelo verdadeiro sopro

descendente. Deve-se visualizar progressivamente a união até que a luz do chumbo brilhe em

forma de lua e que o sopro de mercúrio se eleve como um sol. O sol e a lua copular e se

fundem em forma de um círculo vermelho que ilumina o alto e o baixo (do corpo). Então se

perde a consciência de si, das coisas e do universo, e se vive como um sono, com se estivesse

embriagado. Este estado é fugidio como um relâmpago e deve ocorrer rapidamente”216.

Noção de embrião

A noção do embrião da imortalidade está prevista no desenvolvimento de um embrião

humano que, segundo os chineses, demora 10 meses. Ele é formado a partir do sopro

verdadeiro, também chamado como ´parcela da luz verdadeira´. Em alguns textos seu

215 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 44. 216 id. ibid., página 44.

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desenvolvimento é descrito como pérola-embrião que deve ser aquecida e alimentada. “No

começo, o caos, no seio do Vazio e do Não-Ser se encontra o sopro luminoso que, uma vez

chegado ao seu apogeu, engendra a umidade, a qual, quando chega a seu apogeu, se

transforma em bruma e em rocio (não sei a tradução)”217.

Diz o Nei King, capítulo 20. “Aqueles que buscam a imortalidade devem respirar o

sopro original... Convém controlar a essência e alimentar a matriz para regenerar o corpo

físico. Se conservar o embrião e se detiver a essência, se pode viver muito tempo”.218

Embrião do Sopro e

Respiração Embrionária

A formação do embrião do sopro no campo de cinábrio está ligada a concepção da

respiração embrionária. Alguns termos podem ser associados ao Tai Chi como ´respiração

embrionária`, `respiração do embrião`, ou `respiração da matriz´.

“O sopro do Uno é a respiração embrionária. A matriz do palácio que encerra a

energia espiritual, a respiração é o ponto de partida da transformação em embrião. A

respiração engendra a respiração e a energia espiritual é o embrião; o embrião não pode

realizar-se em a respiração; a energia espiritual a respiração não tem governador. Assim, a

energia espiritual é a que governa a respiração, a respiração é a raiz do embrião, e a matriz

é a morada da respiração”.219

Adiante, este mesmo texto aponta um comentário publicado no Yunji qi qian

localizando este embrião a três polegadas debaixo do umbigo, referindo-se a este ponto como

o local onde acontece a união entre a energia espiritual e o sopro, engendrando assim o

embrião misterioso.

217 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 48. 218 id. ibid., página 48. 219 id. ibid., página 49.

Page 186: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Capítulo XXIV

Sublimação da Energia Espiritual

Depois de iniciar no campo de cinábrio inferior e encerrada a segunda etapa, no campo

de cinábrio mediano, ocorre o nascimento e, para tal, deve-se elevar a mente até o campo de

cinábrio superior. “É como se o praticante se banhasse em um calor suave acompanhado de

um esquecimento do corpo e do espírito que parece fundir-se em um halo de luz. “Esta

sensação é mais intensa no nível da cabeça”220.

Em uma tradução livre, relato abaixo as fases desta etapa.

5. As flores se reúnem quando o espírito alcança a extrema quietude e depois de reunir

Xing e Ming, os três remédios – essência, sopro e energia espiritual – florecem, sendo

que a energia espiritual aparece na flor de ouro. “Corpo, espírito e pensamento são as

Três Famílias. Quando os três se encontram o embrião está consumado (formado).

Essência, sopro e energia espiritual são as três origens. Quando os três retornam ao

Uno, o cinábrio está consumado. Para retornar os três ao Uno deve-se estar em

quietude e o espírito estar vazio”221.

6. Os cinco sopros rendem homenagem à origem. Os cinco sopros das cinco vísceras ou

dos cinco elementos cujas interpretações podem variar de autor para autor nos textos

clássicos chineses. O sopro original da unidade se divide e engendra os princípios

primários: Yin e Yang. Estes se dividem nas cinco direções e se o corpo está imóvel, a

essência é reforçada e a água retorna a sua origem, sendo que o sopro é reforçado com

o fogo retornando à sua origem. Acalmado o mundo, todas as coisas voltam ao seu

princípio.

Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 52. 221 Chuan dao ji, citado em Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 52.

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7. Amamentar a criatura durante três anos. Uma frase que nos leva à análise ao plano

mais alto dos sentidos e do conhecimento apenas discursivo. Há inclusive uma

advertência neste sentido. ´Muitos perigos acercam o adepto neste estado`, dizem os

textos clássicos chineses. O embrião tende a sair pela porta do céu, acima da cabeça.

Além disso, o recém nascido não é forte o suficiente para voltar e a ´energia espiritual

Yin` deve ser alimentada durante três anos no campo de cinábrio superior. “Neste

período deve-se conseguir transformar a energia espiritual Yin em energia espiritual

Yang. Não há que se pensar que o recém nascido se encontra no campo de cinábrio

superior. É apenas necessário que esta entidade ilumine o campo de cinábrio e se

funda com a Grande Vacuidade: este é o começo da criança”.222 Neste momento, os

referidos textos ressaltam o cuidado que o adepto deve ter já que há uma total

transformação da energia Yin em Yangshen, ou o espírito Yang, o espírito da luz. “A

aparição de um grande número de demônios para atacar o Yang é um dos múltiplos

perigos desta etapa sobre o que insiste Wu Chongxu. Se recordarmos que os demônios

pertencem ao mundo Yin da terra, seu ataque pode interpretar-se como uma última

defesa do Yin antes de seu desaparecimento completo”.223 Uma destas armadilhas é a

das ilusões, com o surgimento de fenômenos luminosos ou de visões de belas

mulheres tocando instrumentos delicados e com todo tipo de coisas agradáveis de

modo a fazer com que o adepto desista de sua busca e intento de iluminar-se.

8. Meditar defronte ao muro por nove anos. Nesta etapa, a energia espiritual – o Shen –

sublima-se e cristaliza-se. Se trata aqui da contemplação surgida de uma grande

concentração que conduz à fusão na vacuidade.... A expressão ´meditar nove anos

defronte a um muro` refere-se a lenda na qual Bodhidharma, primeiro patriarca na

China do Budismo Zen, meditou por nove anos frente a um muro evitando um só

momento de sonolência.

222 Wisheng Shenglixue mingzhi - Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 54. 223 id. ibid., página 55.

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Capítulo XXV

Conclusão: Zhao Bichen & Taoístas

Todo o conteúdo tanto as descrições fisiológicas de Zhao Bichen quando texto de

taoístas, sobretudo da escola Wu Liu, provocaram muita ironia e espanto nos ocidentais que o

acusaram de inexatidão, de ´erros grotescos` etc. No entanto, a fisiologia taoísta está baseada,

fundamentalmente, na observação de repetições dos mecanismos psicofisiológicos

importantes que provocam sensações e percepções que, claro, é de caráter absolutamente

subjetivo.

Com muita propriedade, Zhao Bichen coloca em questão da importância das secreções

humorais do corpo como saliva, lágrimas, mucosidades, sêmen etc. com o fato de elas estarem

ligadas à fascinação que exercem sobre os taoístas.

Defende-se, em seus postulados, que a essência pode ser invertida graças à

concentração mental capaz de aumentar a luz interior. “Graças à concentração pode-se

aumentar a luz interior. Aqui aparece o laço estreito que para os taoístas existe entre o

fisiológico e o psicológico, entre matéria e espírito: toda troca espiritual origina uma troca

fisiológica (e sobre isto se trata a alquímica ocidental, convencida de que pode trocar a

matéria com o espírito)”224, destacando-se que, para os taoístas, não há separação entre corpo

e espírito.

Segundo esta concepção taoísta, a primeira troca energética ocorre quanto os gametas

do pai se unem aos da mãe para juntos formarem um novo alento, um novo sopro que dará

origem ao embrião propriamente dito. A segunda troca ocorrer quando o embrião de dez

meses (nove meses de gestação) respira o sopro da vida e quanto o espírito assume sua

própria natureza e se está preparado para vir ao mundo (nascer). A terceira troca, depois de

sua evolução e que vai até 16 anos, quando sua essência e sopro alcançam seu apogeu. “A

primeira passagem é a sublimação da essência e sua transformação em sopro. A segunda

passagem é a sublimação do sopro e sua transformação em energia espiritual, e a terceira

passagem é a sublimação da energia espiritual e seu retorno a Vacuidade”225.

224 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 57. 225 Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen – página 57.

Page 189: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

A imortalidade, ou melhor, a longevidade é uma das metas destas práticas, mas não é a

única: os problemas essenciais da vida recebem uma solução original. No curso das três

etapas do trabalho alquímico, o taoísta aprende a suprimir seu desejo sexual que turva a paz

interior de um indivíduo e melhora sua saúde e talvez chega a adquirir a longevidade.

A partir da segunda etapa reduz o consumo de alimentos. Podemos lembrar que o

taoísmo antigo comportava um grande número de práticas que permitiam abster-se de cereais

(alimentos) alimentando-se do sopro e alcançar assim a imortalidade. Aqui a perda do apetite

aparece durante a sublimação do sopro.

E, por último na terceira etapa, a necessidade de dormir diminui. Estes fenômenos vão

acompanhado por um aumento da temperatura interna; as roupas perdem assim sua

importância. O ideal taoísta é poder ter uma vida frugal, com abrigo das necessidades

fisiológicas mais elementares como sono, alimento e sexualidade.

Também não se podem esquecer os textos e os alquimistas ocidentais, inclusive

citados no Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta que bem

estabeleceram comparações e analogias entre o microcosmo e o macrocosmo, conforme se

segue: “O paralelo entre macrocosmos e microcosmo é constantemente estabelecido nos

textos de alquimia ocidental e Fulcanelli insiste bem sobre isto quando diz “O alquimista

deve seguir o mais fielmente possível sua realização microcósmica, todas as circunstâncias

que acompanham a Grande Obra do Criador”226

226 Fulcanelli, Lãs moradas filsofofales, vol II – página 32 - Wisheng Shenglixue mingzhi – Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta – página 59.

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Capítulo XXVI

Conclusão final:

É certo que nem todos pacientes estão prontos, ou desejam chegar a uma solução

original de voltar à infância, voltar à mãe, chegar à origem e, portanto, a imortalidade, ao Tao,

a vacuidade original. No entanto, a questão que se propõe nesta monografia é exatamente esta.

E se houver um paciente que busca no acupunturista/terapeuta suas iniciações nos mistérios

possíveis? Pode-se auxiliá-lo ? Quais conceitos que deveremos levar em conta na hora de se

aplicar uma agulha?

Estudando-se a figura publicada na página 41 do Wisheng Shenglixue mingzhi –

Tratado de Alquimia y Medicina Taoísta - Zhao Bichen podemos fazer analogias livres de

modo a picar pontos que possam auxiliar a fechar o circuito na pequena circulação que,

associadas aos métodos apresentados acima, sobretudo os da respiração e da fixação da

consciência em determinados pontos corporais, podemos destacar, em uma livre associação de

acupontos:

Wu – VG 20 (Pae-Roe)

Zi – VC 1 (Roe-Inn)

Yu – VG 7 (Tchong-Su)

Mao – VC 12 (Tchong-Koann)

Chen – VC 17 (Trann-Tchong)

Com as seguintes características de localização e tratamento de sintomas:

Wu – VG 20 (Pae-Roe) – Ponto de reunião de todos os meridianos Yang.

Sintomas: Sem força espiritual, preocupação com o passado, descuido com o futuro.

Demasiadas idéias e preocupações, Amnésia, perda de objeto, face vermelha e sensação de

congestão depois de ingerir vinho.

Page 191: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Indicado para estados de excitação, depressão, epilepsia, insônia, medo, falta de concentração,

histeria, neurastenia, cefaléia, anemia cerebral, hemiplegia e afasia. Obstrução nasal,

sangramento pelo nariz, hipoacusia, gazes e rinites. Hemorróidas, prolapso retal e palpitações.

Zi – VC 1 (Roe-Inn) – Ponto de reunião com o Vaso Governador e Vaso Tchrong-Mo.

Atua sobre o fígado, cabeça e todas as afecções dor órgãos genitais.

Sintomas: debilidade geral, afecções Yin. Hemorróidas, prurido anal, retenção de urina

e distúrbios menstruais.

Yu – VG 7 (Tchong-Su)

Sintomas: dores na parte baixa do tórax e na região lombar, gastralgia e visão

reduzida.

Mao – VC 12 (Tchong-Koann) – Ponto de alarme do meridiano do estômago. Ponto de

reunião com os meridianos do pulmão, fígado, circulação e sexualidade, triplo reaquecedor,

intestino delgado e está relacionado com os Vasos Maravilhosos : Inn-Oe (CS 6 – BP 4) e

Tchrong-Mo (BP 4 – CS 6).

Sintomas: Todas as enfermidades e disfunções gástricas, náuseas, inapetência,

vômitos, gastralgia, diarréia, úlcera gástrica, meteorismo, aerofagia.

Chen – VC 17 (Trann-Tchong) – Ponto de alarme respiratório e do meridiano do triplo

reaquecedor. Vasos secundários se relacionam com os meridianos do coração, do intestino

delgado, rim, circulação e sexualidade, triplo reaquecedor, fígado, pulmão, intestino grosso,

baço-pâncreas, bem como dos vasos maravilhosos Yang-Tsiao Mo (B 62 – ID 3) Tchrong-Mo

(BP 4 – CS 6) e Inn- Oe (CS 6 – BP 4)

Sintomas: Transtornos energéticos por excesso ou por carência. Tosse, asma, dispnéia,

dores no peito, angina, vômitos, espasmos no esôfago, lactação insuficiente, infecção nas

mamas.

*

Page 192: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

Acreditamos, firmemente, que a Acupuntura como método terapêutico praticado com

constância, leva os indivíduos e os pacientes a retornarem, objetivamente, aos seus próprios

princípios, fato que permite a possibilidade do desenvolvimento das etapas da alquimia

interior como preconizavam os chineses antigos.

Atingir tudo por intermédio do vazio pleno, da vacuidade.

A proposta para reflexão, constante na inicial desta monografia, diz respeito

justamente à esta necessidade em estudarmos os pontos acima citados na busca de maior

consciência espiritual das pessoas que se submetem à Medicina Tradicional Chinesa – MTC,

sobretudo à acupuntura, desde que assim o desejarem.

Neste sentido, acreditamos que os acupontos VG 20 (Pae-Roe), VC 1 (Roe-Inn), VG 7

(Tchong-Su), VC 12 (Tchong-Koann) e VC 17 (Trann-Tchong) podem facilitar a

transformação energética, sem contar que alguns deles situam-se exatamente nos campos de

cinábrio, citados anteriormente, que poderão facilitar tal trabalho.

Quanto ao empirismo de tais afirmativas, apenas a experiência prática e clínica –

levando-se em consideração esta assertivas – exigirá ainda um certo tempo de modo que se

comprove ou se rechace tais possibilidades.

Certos de que fizemos nossa parte, com tal estudo e proposta,

aguardemos então o que o tempo – e a prática clinica – dirá.

Page 193: Monografia O Segredo Da Flor de Ouro

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