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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇAO – CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM VANILDA FERREIRA DA SILVA MODELAGEM MATEMÁTICA: DA PRODUÇÃO AO COMÉRCIO DA FARINHA DE MANDIOCA SENHOR DO BONFIM 2008

Monografia Vanilda Matemática 2008

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Matemática 2008

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Page 1: Monografia Vanilda Matemática 2008

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇAO – CAMPUS VII

SENHOR DO BONFIM

VANILDA FERREIRA DA SILVA

MODELAGEM MATEMÁTICA: DA PRODUÇÃO AO COMÉRCIO

DA FARINHA DE MANDIOCA

SENHOR DO BONFIM

2008

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VANILDA FERREIRA DA SILVA

MODELAGEM MATEMÁTICA: DA PRODUÇÃO AO COMÉRCIO

DA FARINHA DE MANDIOCA

Monografia apresentada à Universidade

do Estado da Bahia – UNEB – CAMPUS

VII, como pré-requisito parcial ao curso

de Licenciatura Plena em Matemática.

Orientador: Profª Alayde Ferreira dos

Santos

SENHOR DO BONFIM

2008

Page 3: Monografia Vanilda Matemática 2008

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VANILDA FERREIRA DA SILVA

MODELAGEM MATEMÁTICA: DA PRODUÇÃO AO COMÉRCIO

DA FARINHA DE MANDIOCA

Aprovado em

Orientador: Alayde Ferreira dos Santos

Avaliador

Avaliador

Page 4: Monografia Vanilda Matemática 2008

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Dedico este trabalho:

À minha família e amigos

por todo o apoio nos momentos difíceis,

pela dedicação, paciência,

compreensão, incentivo e confiança depositadas.

Page 5: Monografia Vanilda Matemática 2008

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AGRADECIMENTOS

A Deus por estar sempre me iluminando e por me dar saúde física, mental e

espiritual para desenvolver este trabalho.

A profª Alayde Ferreira dos Santos pela orientação, amizade, paciência,

entusiasmo, sugestões e comentários que muito contribuíram para realização

deste trabalho.

Aos familiares, obrigado pela compreensão nos muitos momentos turbulentos,

pelo incentivo e carinho.

A todos, que direta ou indiretamente contribuíram para realização desta

pesquisa.

Page 6: Monografia Vanilda Matemática 2008

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo investigar quais as estratégias que os alunos

desenvolvem para compreender o processo de fabricação e comercio da

farinha de mandioca. A pesquisa foi desenvolvida com alunos do Ensino

Fundamental II (7ª série) da Rede Pública da Fazenda Caveira. A metodologia

utilizada foi a qualitativa através da pesquisa-ação segundo Thiollent (1992) e

Lüdke (1986) por admitir maior interação entre pesquisador e pesquisados,

tendo como instrumentos da pesquisa questionários e registros das discussões

geradas durante o processo. É essencial que os alunos passem a ver a

matemática como útil e percebam a importância de tal conhecimento na

sociedade atual, mais que isso, é fundamental que desenvolvam uma visão

crítica a cerca deste saber que lhes é transmitido na escola como algo pronto,

infalível. Pensando hipoteticamente, partiu-se da abordagem à conhecimentos

matemáticos de outros grupos culturais a fim de construir um elo entre a

mesma e a matemática, utilizando a estratégia de ensino-aprendizagem

Modelagem Matemática numa perspectiva Etnomatemática. Os principais

teóricos que embasaram esta pesquisa foram D’Ambrósio (1986) (1995)(2005),

Barbosa (2002) (2003), Bicudo e Borba (2005). A análise dos dados permitiu

concluir que os alunos têm habilidades que podem levá-los a criar estratégias,

bem como, investigar e produzir conhecimentos, embora estejam acostumados

à prática pedagógica tradicionalista e por isso apresentam resistência a

mudanças na dinâmica da sala de aula.

Palavras-chave: Modelagem Matemática, Etnomatemática, Produção Artesanal

e o Comercio da farinha de mandioca.

Page 7: Monografia Vanilda Matemática 2008

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Abstract

This paper aims to investigate what the strategies that students have to

understand the process of manufacture and trade of cassava flour. The

research was conducted with students from elementary school II (7-series) of

the Network's Public Finance Skull. The methodology used was the qualitative

through the second Thiollent search-action (1992) and Lüdke (1986) by

accepting greater interaction between researcher and searched, and as

instruments of research questionnaires and records of discussions generated

during the process. It is essential that students will see how useful the math and

realize the importance of such knowledge in society today, more than that, it is

essential to develop a critical view about this know that they are transmitted at

school as something ready, infallible. Thinking hypothetically, departed from the

approach of mathematical knowledge to other cultural groups in order to build a

link between it and mathematics, using the strategy of teaching-learning

Mathematics Modeling in a Ethnomathematics. The main theoretical

embasaram that this research were D'Ambrose (1986) (1995) (2005), Barbosa

(2002) (2003), Bicudo and Borba (2005). Data analysis has concluded that

students have skills that can lead them to create strategies, and investigate and

produce knowledge, although they are accustomed to traditional pedagogical

practice and therefore have resistance to changes in the dynamics of the

classroom.

Keywords: Mathematical Modelling, Ethnomathematics, Craft Production and

Trade of cassava flour.

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Sumário

INTODUÇÃO.......................................................................................................9

CAPÍTULO I.......................................................................................................12

1. Problemática..................................................................................................12

1.1 Contextualizando o Estudo..........................................................................12

CAPÍTULO II......................................................................................................18

2. Aportes Teóricos............................................................................................18

2.1 Modelagem................................................................................................. 18

2.2 Etnomatemática.......................................................................................... 22

2.3 Produção Artesanal e o Comércio da Farinha de Mandioca ......................26

CAPÍTULO III.................................................................................................... 33

3. Procedimentos Metodológicos...................................................................... 33

3.1 A pesquisa qualitativa................................................................................. 33

3.2 Desenvolvimento da pesquisa................................................................... 34

CAPÍTULO IV.................................................................................................... 40

4. Análise e Interpretação dos Dados.............................................................. 40

4.1 Delineando o Perfil dos Alunos................................................................... 40

4.2 Farinha de Mandioca: o labor dos produtores rurais sob a perspectiva da

Modelagem Matemática................................................................................... 43

4.3 Modelando a Produção e o Comércio da Farinha..................................... 49

CONCIDERAÇÕES FINAIS............................................................................ 62

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................. 64

ANEXOS........................................................................................................... 69

Page 9: Monografia Vanilda Matemática 2008

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INTRODUÇÃO

A pretensão com esta pesquisa foi mostrar a relação entre a Matemática e as

situações prática da realidade dos alunos, visto que, é comum surgirem em

sala de aula questionamentos acerca da importância e da aplicabilidade da

matemática em suas vidas. É necessário elucidar que essa pretensão surgiu do

trabalho pedagógico anteriormente desenvolvido com os estudantes da 7ª série

do Ensino Fundamental lI, da comunidade de Caveira, Município de Filadélfia-

Ba.

Utilizar conhecimentos das ações cotidianas para trabalhar conteúdos

matemáticos é uma questão de urgência e, para professores que lecionam na

zona rural é um desafio ainda maior já que os livros didáticos apresentam os

assuntos e a metodologia vinculados a uma realidade totalmente contraria a

realidade cultual desses alunos. Sendo mais útil para eles aprender conteúdos

ligados às suas necessidades cotidianas.

Contudo, ensinar para a vida é uma das propostas da Reforma do Ensino em

geral. Para isso, a escola deve criar condições de aprendizagem para que os

alunos desenvolvam competências básicas para seus estudos e trabalho. É

essencial que o ensino seja contextualizado, promovendo articulação entre

saberes e permitindo aos alunos aplicar os conhecimentos. “A realidade torna-

se conhecida quando se interage com ela modificando-a física e/ou

mentalmente. A atividade de interação permite interpretar a realidade e

construir significado, permitindo também construir novas possibilidades de ação

e de conhecimentos” (PCN, 1998, p. 71).

O tema central deste trabalho levou os estudantes a perceberem a

aplicabilidade de conteúdos a exemplo de: proporção, porcentagem, regra de

três simples e unidades de medida na produção de farinha de mandioca tendo

como público alvo da pesquisa alunos da Escola Municipal Adedina Lima Maia,

na zona rural de Filadélfia-Ba. A pretensão era colocar em prática uma nova

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visão de educação, mostrar que a utilização dos saberes e de determinado

grupo social pode levar os alunos a consolidarem seu aprendizado, já que suas

vivencias são frutos da herança cultural desse mesmo povo. E, se essa idéia

for fortalecida poderá abrir caminhos para novas gerações. A presente

pesquisa está assim distribuída:

O Primeiro Capítulo, composto pela elucidação da questão da pesquisa;

resultados de pesquisas anteriores relacionadas à Etnomatemática e

motivações para desenvolver investigações referentes a estratégias utilizadas

na produção e comercio da farinha de mandioca num ambiente de Madelagem

Matemática.

No Segundo Capítulo apresento os aportes teóricos que darão subsídios aos

conceitos-chaves: Madelagem Matemática, Etnamatematica e Produção

artesanal e comércio da farinha de mandioca. Sobre a modelagem é

evidenciado o ponto de vista de Bicudo e Borba (2005), com ênfase na

abordagem de Barbosa (2002) (2004) e complemento de Burke (2003); A

Etnomatemática segundo D’Ambrosio e a produção e o comércio da farinha de

acordo com dados do Embrapa (2008).

O Terceiro Capitulo aborda os procedimentos e as técnicas utilizadas para a

elaboração deste trabalho enfocando a metodologia qualitativa por permitir uma

maior interação entre pesquisadora e pesquisados visando enfatizar mais o

processo que o produto.

No Quarto Capítulo consta a análise de dados cujos resultados foram

confrontados com fundamentação teórica, mostrando as diferenças e

semelhanças entre os procedimentos popular e escolar.

Por fim, nas Considerações Finais ressalto a importância de ensinar a

matemática de forma contextualizada possibilitando uma aprendizagem

significativa que reforce a autonomia e a capacidade crítica de escolher para os

alunos, desafiando-os a ser criativos e ativos. Os resultados indicam que com a

Modelagem Matemática a aplicabilidade dos conteúdos se torna viável, ou seja,

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as idéias e problemas matemáticos são enriquecidos quando se utiliza o

contexto cultural regional dos alunos.

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CAPÍTULO I

1. PROBLEMÁTICA

Este capítulo é composto pela elucidação da questão da pesquisa; resultados

de pesquisa anteriores relacionadas à Etnomatemática e motivações para

desenvolver investigações referentes a estratégias utilizadas na produção e

comércio da farinha de mandioca num ambiente de Modelagem Matemática.

1.1. Contextualizando o Estudo

Nas ultimas décadas os educadores matemáticos como D’Ambrósio, Bicudo e

Barbosa tem se reunido para discutir sobre a necessidade de uma reforma

pedagógica para através dela melhorar o ensino e a aprendizagem de

matemática. As práticas bem sucedidas na área propõem que a mesma deve

ser vista no contexto histórico e sociocultural que é desenvolvida, fazendo com

que o saber cultural e informal se incorpore no ensino, levando os conteúdos a

ter relevância social. Os PCN destacam que para a renovação da pratica

pedagógica “é preciso conhecer melhor os alunos, elaborar novos projetos,

redefinir objetivos, buscar conteúdos significativos e novas formas de avaliar

que resultem em propostas metodológicas inovadoras, com intuito de viabilizar

a aprendizagem dos alunos” (PCN, 1998, p.37).

Sabe-se que os alunos trazem para a escola conhecimentos, idéias e

instruções oriundas de sua experiência cotidiana, lhes servindo de auxilio, por

exemplo, para calcular, medir e quantificar. Entretanto, apesar das constantes

mudanças, a prática dos professores de matemática continua sendo tradicional,

onde o processo de conhecimento e ideologias faz com que a matemática seja

vista como algo acabado, sem nenhuma ligação com a realidade.

Conseqüentemente, percebemos os baixos índices de rendimento escolar,

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pois, os assuntos não são significativos, não fazem parte do contexto e das

necessidades cotidianas dos mesmos.

Tais índices estão incondicionalmente ligados à relevância dos componentes

curriculares, na visão dos alunos. Vale ressaltar que, a que desperta maior

rejeição é a matemática, por seu caráter abstrato e distanciamento da realidade

dos discentes, sendo necessário relembrar que a matemática está presente em

nosso cotidiano e que nos utilizamos dela freqüentemente, muitas vezes sem

notar.

Pensando nisso, decidiu-se verificar quais as estratégias (conteúdos

procedimentais) que os alunos desenvolvem a partir da produção e do

comercio da farinha de mandioca, analisando os saberes matemáticos

utilizados no processo e procurando evidenciar a aplicabilidade em conteúdos

conceituais, possibilitando assim, atividades escolares voltadas para a reflexão,

analise e compreensão de suas próprias ações cotidianas sejam elas individual

ou grupal.

Nesse sentido é importante mencionar a existência de trabalhos de pesquisa

realizados no Brasil baseados na matemática praticada por diferentes culturas

a exemplo de Knijnik (2005, p.89) que expõe a firmeza do aspecto cultural da

matemática na sua pesquisa sobre Cubagem de Terra, no Sul do Brasil.

Carraher (1982) que relata a experiência de crianças e adolescentes

vendedoras, em Recife, considerando a influencia das circunstâncias culturais

no desenvolvimento das estruturas lógico-matemáticas numa abordagem

psicológica e sociológica.

Sobre isso D’Ambrósio (2005) relata que é necessário “procurar entender o

saber/fazer matemático ao longo da história, contextualizado em diferentes

grupos de interesses, comunidades, povos e nações” (p.17).

Todos esses estudos etnomatemáticos contemplam a análise de tradições

matemáticas e atividades matemáticas da vida diária das populações,

procurando possibilidades de incorporá-las no currículo. Assim, o foco das

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aulas de matemática deixará de ser unicamente o ensino passando a

preocupar-se também com a aprendizagem já que os conteúdos deverão se

tornar significativos para os educandos, pois, eles serão colocados como

centro do processo educativo, ao invés dos conteúdos. D’Ambrósio defende a

inclusão da Etnomatemática nos programas de ensino considerando os

aspectos históricos, culturais e antropológicos da matemática. “O grande

desafio é desenvolver um programa dinâmico, apresentando a ciência de hoje

relacionada a problemas de hoje e ao interesse dos alunos.” (D’Ambrósio,

1996, p.32 e 33)

A matemática apresentada pelo sistema educacional é universal tendo um

caráter formal e rigoroso, entretanto, existem outras matemáticas praticadas

além das fronteiras da escola, sendo desenvolvidas por grupos culturais

étnicos e culturais distintos. Nesse sentido, vale ressaltar que o processo de

colonização ocorrido no Oriente, nos séculos XV e XVI é responsável pela atual

estrutura matemática, sendo, portanto uma Etnomatemática. Ao reconhecer

que determinado grupo de uma nação ou comunidade detêm características

próprias e são subordinadas a um sistema de valores ajustados pelo grupo,

diz-se que pertencem a uma cultura, que fazem uso de instrumentos materiais

e intelectuais, que praticam uma etnomatemática apreendida num ambiente

familiar, recebido de amigos, colegas, dentre outros. (D’Ambrósio, 2005)

O conhecimento em qualquer que seja a época é gerado para a obtenção de

respostas a cerca das necessidades de sobrevivência. Em resumo, possibilitar

aos alunos aprender através de outras formas de fazer matemática como a

produção e o comércio da farinha de mandioca praticada na Fazenda Caveira,

e confrontá-la com a forma tradicional, explicitando as possibilidades de

manejamento do saber matemático e proporcionar a análise das construções

intelectuais coletivas, pois, “busca-se um ensino de qualidade capaz de formar

cidadãos que interfiram criticamente na realidade para transformá-la e não

apenas para que se integrem ao mercado de trabalho”. (PCN, 1998, p.45)

Acredita-se que é primordial valorizar a matemática dos diferentes grupos

sociais e assim considerar os conceitos matemáticos informais desenvolvidos

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pelos alunos em sua experiência fora da escola, pois, todo aluno é capaz de

crescer intelectualmente nas atividades matemáticas, se as mesmas tiverem

direcionadas para seu interesse. “Tudo que se passa na sala de aula vai

depender dos alunos e do professor, de seus conhecimentos matemáticos e,

principalmente, do interesse do grupo”. (D’Ambrósio, 1999, p.98)

Contudo não basta utilizar estratégias de ensino diferentes se os alunos

permanecerem sem instrumentos para adotarem uma postura crítica em

relação às formas de conhecimento matemático, por isso, é necessário

propiciar uma contínua reflexão e um ambiente de aprendizagem que

proporcione o desenvolvimento de estratégias para a compreensão do

conteúdo estudado. D’Ambrósio (1999, p.119) menciona que “O acesso a um

maior numero de instrumentos e de técnicas intelectuais dá, quando

devidamente contextualizado, muito maior capacidade de enfrentar situações e

de resolver problemas novos”.

Os objetivos gerais trazidos pelos PCN (1998) para o ensino da Matemática,

propõem que o aluno desenvolva sua capacidade de construir conceitos e

procedimentos, levando-o a buscar soluções para problemas, e a perceber que

a matemática é útil para compreensão do dia-a-dia e do mundo, além de

estimular a curiosidade, o pensamento lógico, a criatividade e a capacidade de

análise critica.

No entanto, ainda é com olhar receoso que os professores têm visto as novas

metodologias propostas, pois, é muito mais fácil permanecer com seus

métodos obsoletos, fazendo dos alunos meras máquinas de reprodução;

reprodução essa que provém da linha de raciocínio do próprio professor. Isso

apesar da diversidade de propostas para um ensino mais significativo como,

por exemplo: Resolução de problemas, o uso de tecnologias, jogos

matemáticos, Etnomatemática e Modelagem Matemática, que é a proposta que

será apresentada neste trabalho, a fim de inovar as aulas e adequar a forma de

ensino para uma melhor aprendizagem levando os alunos a perceberem a

importância que tem a matemática em seu meio.

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Por isso, a postura do professor deve estar voltada para a desmistificação da

idéia de que a matemática é um “monstro”, que tem por finalidade atormentar a

vida escolar das crianças e adolescentes, e que seu aprendizado é privilégio de

poucos. Então, repensar o currículo e as estratégias de ensino é fundamental,

com o intuito de substituir o ensino tradicional por atividades que possibilitem

aos discentes desencadear suas habilidades intelectuais. È importante relatar o

caráter abstrato e a linguagem técnica, pois sua proveniência não é

propriamente da matemática, mas de sua propagação feita por meio do ensino.

Apesar da matemática se ligar mais a idéias do que a objetos reais seus

conceitos foram elaborados a partir de motivos racionais e de motivos

práticos.(Lungarzo, 1990)

Assim, vivenciando o processo de ensino-aprendizagem numa escola da zona

rural localizada no município de Filadélfia algo que me despertou a atenção foi

a dificuldade que os discentes tem com relação à aprendizagem de

matemática. Durante as aulas de matemática era comum ouvir indagações

referentes à aplicabilidade dos conteúdos que são estudados. Os alunos

procuravam saber quando e para quê eles serviriam.

Qual professor, em seu labor, não se deparou diante de questionamentos como

este: - “Vou usar isso aonde?” - Os alunos não conseguem estabelecer relação

entre os conteúdos de matemática e seu dia-a-dia, conseqüentemente,

apresentam pré-disposição para a aprendizagem, pois, são postos diante deles

conhecimentos que não tem implicações práticas. Com isso, surgiu à idéia de

buscar meios para tentar solucionar tais situações-problema utilizando

estratégias que levasse os alunos construíssem seu próprio conhecimento a

partir de informações pré-obtidas do seu cotidiano.

Foi desse momento em diante que passei a observar a influência da vida diária

da comunidade no comportamento escolar dos estudantes, percebendo assim

que em determinados períodos do ano a freqüência escolar apresentava

variações notáveis devido à farinhada (produção de farinha) na região. Todos

os alunos, possuindo algum grau de parentesco com produtores de farinha,

juntam-se a eles para o trabalho, deixando de lado as aulas.

Page 17: Monografia Vanilda Matemática 2008

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Partindo do pressuposto de que o melhor método é aquele que propõe uma

maior aproximação com o objeto, visou-se fazer com que os alunos, utilizando

informações oriundas da realidade, encontrassem estratégias para que

pudessem solucionar problemas referentes à mesma melhorando-a. É evidente

que tais estratégias só foram desenvolvidas porque o próprio individuo (aluno)

sentiu a necessidade de explicar, conhecer, entender e lidar com a realidade.

Neste sentido, vale citar D’Ambrósio (1986) quando caracteriza a modelagem

matemática pela dinâmica descrita no ciclo realidade-reflexão-ação-realidade.

Todo esse contexto motivou o desenvolvimento de um projeto de pesquisa-

ação, no qual a proposta de ensino-apredizagem envolvesse o processo de

fabricação e comercio da farinha de mandioca utilizando a Modelagem

Matemática como estratégia, a partir do conhecimento da comunidade -

Etnomatemática. É notório que dentro da sociedade a educação envolve

situações formais e informais, nessa perspectiva, é necessário partir de

modelos pedagógicos preconcebidos, respeitando e estimulando o processo

natural pelo qual as pessoas aprendem.

Considerando as idéias apresentadas anteriormente decidiu-se pelo tema

Modelagem Matemática e a Produção e Comércio da farinha de mandioca,

acreditando através dela ser viável investigar quais as estratégias

matemáticas que os alunos desenvolvem para compreender o processo

de fabricação e comercio da farinha de mandioca e o conteúdo escolar

num ambiente de modelagem. Para tanto tracei o seguinte objetivo

Investigar as estratégias que os alunos desenvolvem para compreender o

processo de produção e o comércio da farinha de mandioca a partir de uma

atividade de modelação.

Page 18: Monografia Vanilda Matemática 2008

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CAPÍTULO II

2. APORTES TEÓRICOS

Neste capitulo são apresentados os aportes teóricos que dão subsidio a esta

pesquisa. Sobre a modelagem é evidenciado o ponto de vista de Bicudo e

Borba (2005), com ênfase na abordagem de Barbosa (2002), (2004) e

complemento de Burke (2003). Os aspectos teóricos da Etnomatemática foram

fundamentados segundo D’Ambrósio

2.1.MODELAGEM

Vivemos em pleno século XXI, em meio ao intenso avanço tecnológico e

percebemos que o perfil das crianças e adolescentes de hoje e seus estilos de

vida e propósitos são cada vez mais diferenciados dos que tínhamos com a

mesma faixa etária. Diante dos problemas sociais por eles enfrentados, os

mesmos são chamados a ser ativos diante da sociedade, tendo que fazer

desabrochar seu espírito crítico e criativo, pois, tanto nas atividades

tecnológicas como nas cotidianas são eles os responsáveis pela produção de

seu próprio conhecimento.

Contudo, a formação de conhecimentos fica a cargo da escola sendo ela,

portanto, a responsável pela educação através do ensino e pela

instrumentalização dos alunos, preparando-os para o exercício da cidadania,

ou seja, é dever do corpo docente criar situações educacionais proporcionando

a aprendizagem significativa dos alunos. Burke reforça isso quando diz:

O que se requer da escola é que o aluno, mais do que aprender

coisas, aprenda a aprender a pensar, a resolver problemas, a ser

critico, criativo, flexível, a ser autônomo. A escola deve, também,

prepará-lo para interagir com outras pessoas, para trabalhar em

grupo, para se comunicar eficazmente, para se inserir de forma

Page 19: Monografia Vanilda Matemática 2008

19

consciente responsável e construtiva na comunidade e na

sociedade (Burke, 2003, p.21).

Os recentes avanços oriundos do movimento de Educação Matemática

revelam tendências educacionais que enfatizam a criatividade, e a emergência

de novas idéias capazes de motivar os alunos a refletirem sobre todo o

processo sócio-político-econômico da comunidade. Nesse contexto cabe aos

educadores fazer a diferença, desenvolver um trabalho competente e produtivo

a fim de melhorar seu labor pedagógico. Para isso, o professor precisa ter

ausência de preconceitos e disposição e implementar novas idéias, ter atitudes

de responsabilidade baseada em princípios éticos e ter entusiasmo e coragem

para adotar atitudes novas (Bicudo e Borba,2005, p.252).

D’Ambrósio (2002) defende que o ciclo de aquisição do conhecimento surgiu a

partir de fatos da realidade. Sendo assim, a construção do conhecimnto

matemático pode ser mais eficaz se for oriundo de fenômenos da realidade dos

próprios alunos. Deste modo, a utilização de situações da vida real onde a

matemática se aplica, pode dar um estilo dinâmico as aulas, tornando-as

interessantes e proporcionando aos alunos um processo de ensino-

aprendizagem eficiente (Barbosa, 1999). Com isso, tornou-se interessante

vincular a Modelagem Matemática à produção e comércio da farinha de

mandioca, por acreditar que esse tipo de atividade pode contribuir para desafiar

a ideologia dos alunos, pondo neles lentes criticas sobre a aplicação da

matemática, além de motivar, facilitar a aprendizagem e revelar o papel sócio-

cultural de cada um na sociedade. Nidelcoff afirma que:

“deve ser assim, não apenas porque com as crianças é preciso

partir do imediato, do que constitui sua experiência cotidiana, mas

também porque significa iniciá-las na prática de um

comportamento extremamente valioso: o de estar atentos à

realidade que nos rodeia e o de ponderar e dar opiniões partindo

da análise de tal realidade”.(Nidelcoff, 1979, p.9)

Assim, partir de um problema real (produção e o comércio da farinha de

mandioca) dando significado ao saber matemático, levando-os a entender

Page 20: Monografia Vanilda Matemática 2008

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como vivem, que problemas enfrentam e o que almejam, possibilitando aos

mesmos ter condições para assumir seu compromisso com sua cultura, é uma

maneira de combater o fracasso escolar, acreditando que “a falta de interesse

para estudar Matemática pode ser resultante do método de ensino empregado

pelo professor, que linguagem e simbolismo muito particular, além de alto grau

de abstração” (Bicudo e Borba, 2005, p.251).

É importante acentuar que com a utilização da Modelagem Matemática como

estratégia de ensino os conceitos matemáticos surgem das necessidades e

práticas cotidianas, sendo essa a principal característica da dinâmica desse

trabalho. D’Ambrósio (1986) a define como um processo que envolve situações

e culmina com a resolução de determinado problema real, não sendo esta, por

sua vez, uma resolução formal de um problema artificial. Biembengut (1999)

complementa considerando-a um processo artístico onde o modelador precisa

ser intuitivo e criativo para interpretar o contexto e discernir qual conteúdo

matemático melhor se adapta, além de, deter habilidades para manipular as

variáveis envolvidas. Bassanesi (2002) lembra ainda que, o modelador deve

instruir aos alunos a interpretar suas soluções na linguagem do mundo real.

Todas as formas de denominação da Modelagem Matemática lhe caracterizam

como o envolvimento de um problema da situação real podendo ser

solucionado por meio de tal, fazendo assim a ligação entre matemática escolar

e a matemática da vida. Simplificando, diz-se que “é uma alternativa de ensino-

aprendizagem na qual a matemática trabalhada com os alunos parte de seus

próprios interesses, e o cotidiano desenvolvido tem origem no tema a ser

problematizado, nas dificuldades do dia-a-dia, nas situações de vida” (Sheffer e

Campagnollo, p.36).

Segundo Barbosa (2004, p.74) “este argumento está diretamente conectado

com o interesse de formar sujeitos para atuar ativamente na sociedade e, em

particular, capaz de analisar a forma como a matemática é usada nos debates

sociais”. Contudo, outro aspecto relevante na escolha da modelagem foi à

necessidade de romper com as metodologias tradicionalistas afim de respeitar

Page 21: Monografia Vanilda Matemática 2008

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e estimular o processo natural de aprendizagem dos alunos, colocando-os em

situação favorável para seu crescimento. Entretanto, os PCN mencionam que:

Por mais que o professor, os companheiros de classe e os

materiais didáticos possam e devam, contribuir para que a

aprendizagem se realize, nada pode substituir a atuação do próprio

aluno na tarefa de construir significados sobre os conteúdos da

aprendizagem. È ele quem vai modificar, enriquecer e, portanto,

construir novos e mais potentes instrumentos de ação e

interpretação.(PCN,1998, p.72)

Os alunos podem escolher o tema a ser trabalhado, bem como, o professor,

entretanto, “os alunos, por certo, terão que formular questões, buscar dados,

organiza-los, abordá-los matematicamente, avaliar os resultados, traçar novas

estratégias, etc” (Barbosa, 2004, p.75).

Biembengut (2003) relata que a vantagem da escolha do tema partir dos

próprios alunos seria os mesmos se sentirem participantes do processo, e

como desvantagem que o tema pode não contemplar o pleno desenvolvimento

da atividade, ou mesmo, o surgimento de um tema que exija do professor um

tempo de disponibilidade para aprender e ensinar que não se disponha. Nesse

trabalho, não foram propriamente os alunos que escolheram o tema, embora a

produção e o comércio da farinha de mandioca faça parte de seu labor diário,

mas o professor, devido aos questionamentos acerca da validade da

matemática no dia-a-dia dos estudantes.

Barbosa (2003) menciona três tipos de ambientes ou casos de modelagem: No

primeiro, o tema e os dados são propostos pelo professor e, neste caso, o

aluno não interage com o ambiente extra-escolar; No segundo caso, O tema é

proposto pelo professor, que não fornecem dados, por isso, os alunos são

responsáveis pela coleta; No terceiro, a escolha do tema fica a cargo dos

alunos, seja o assunto pertencente a qualquer área, entretanto, será utilizado,

obrigatoriamente, um modelo matemático.

Page 22: Monografia Vanilda Matemática 2008

22

No entanto, não basta ao professor ter idéias revolucionarias se estiver

despreparado, sem instrumentos e técnicas para a ação, por isso, cabe a

escola dispor de tais para o auxilio do trabalho docente, propondo assim, um

ambiente propicio para a aprendizagem significativa dos estudantes.

D’Ambrósio afirma que:

O acesso a um maior número de instrumentos e técnicas

intelectuais dá, quando devidamente contextualizado, maior

capacidade de enfrentar situações e de resolver problemas novos,

de modelar adequadamente uma situação real, para com esses

instrumentos chegar a uma possível solução ou curso de ação. Isto

é aprendizagem, por excelência, isto é, a capacidade de explicar

de aprender e compreender, de enfrentar criticamente situações

novas. (D’Ambrósio, 2005, p.81)

Considerando tudo o que já foi citado anteriormente, é necessário repensar a

prática docente, pois os alunos precisam sair das escolas preparados para

viver enfrentando com sabedoria as situações que irão encontrar pelo resto de

suas vidas, lembrando que a aprendizagem se tornará maior e melhor quanto

mais ativo for o aluno, por isso a necessidade de olhar a matemática do ponto

de vista da etnomatemática, considerando a cultura dos mesmos e utilizando-a

na prática docente.

2.2. Etnomatemática

As práticas educacionais são edificadas na cultura, envolvendo modos de

aprendizagem e tradições, cujos registros desses fundamentos são incluídos

na história. Com relação à matemática, é comprovado que suas raízes são

entrelaçadas à história da humanidade e suas necessidades cotidianas. “A

matemática tem uma função quase tão essencial em nossa vida quanto à

linguagem. Praticamente todas as pessoas, com qualquer grau de instrução, se

utilizam uma ou outra forma de matemática” (Lungarzo,1990, p.14).

O significado da palavra Etnomatemática segundo D’Ambrosio (1996, p.111-

112) se deu da seguinte forma: techné (tica=técnica e artes), etno (culturas e

Page 23: Monografia Vanilda Matemática 2008

23

sua diversidade) e mátema (ensinar= conhecer, entender, explicar); vale

lembrar que a expressão Etno refere-se à Etnias, isto é, agrupamento humano

e suas características econômicas, sociais, familiares, lingüísticas e culturais,

entretanto, a Etnomatemática é muito mais que o estudo da Matemática de

diversas étnias. D'Ambrósio complementa afirmando que:

“Etnomatemática é a Matemática praticada por grupos culturais,

tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de

trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa

etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se

identificam por objetivos e tradições comuns aos

grupos”(D'Ambrósio, 2005, p.9).

Nessa perspectiva, é esclarecedor mencionar que o objetivo do estudo da

etnomatemática não se resume ao estudo de “matemáticas de diversas etnias”,

pois, ela é tão abrangente que chega a confundir-se com o estudo dos

processos construídos e passados de geração em geração. Sobre isso Barton

(1995) diz:

“Não apenas a definição de etnomatemática é construída nos

termos de uma cultura específica, como também a pratica

etnomatemática também precisa ser culturalmente especifica.

Estuda a maneira pela qual outra cultura reconhece práticas e

conceitos particulares é um exercício interpretativo de uma cultura

sobre outra. Este tipo de atividade, necessariamente, precisa usar

a forma de discurso do intérprete. Particularmente, o

etnomatemático estará usando os conceitos da matemática” (apud:

Fantinato, p.215, 2004).

Atualmente, percebe-se uma grande valorização da cultura popular em meio

aos contrastes da desigualdade social. Busca-se que todos tenham acesso a

educação, a uma educação de qualidade que possa formar cidadãos críticos e

atuantes, pois, a falta de condições para considerar a diversidade dos alunos

pode acarretar no fracasso escolar, podendo resultar em exclusão social,

marcando suas vidas.

Page 24: Monografia Vanilda Matemática 2008

24

Deve-se pensar na diversidade cultural em sala de aula como fator colaborador

para a ação educativa, e não como um empecilho, pois a cultura de cada

individuo é a base de seus conhecimentos, dos seus saberes e práticas, que

por sua vez são compartilhados por todo um grupo, comunidade, ou mesmo,

povo. Para que possamos favorecer a inter-relação das culturas e a

aprendizagem dos alunos é necessária à realização de projetos dinâmicos,

podendo por meio deles apresentar a Matemática abordada na escola

relacionada a problemas de hoje, e ao interesse dos alunos. Nesse sentido é

importante citar o papel do professor, pois, “os professores podem ser fortes

influencias, sem serem superiores, que controlam totalmente o ambiente de

aprendizagem” (Frankenstein, s/d, p.116).

“O novo papel do professor será o de gerenciar, de facilitar o

processo de aprendizagem e, naturalmente, de interagir com o

aluno na produção e crítica de novos conhecimentos e isso é

essencialmente o que justifica a pesquisa” (D'Ambrósio, 1996,

p.80).

D'Ambrósio menciona que as raízes culturais e parte da identidade dos alunos

são eliminadas. Ao chegar à escola, normalmente existe um processo de

aprimoramento, transformação e substituição dessas raízes. (D'Ambrosio,

2005, p.41). Isso acontece devido a rejeição da cultura popular e também

relaciona-se a uma educação voltada para a transmissão de conhecimentos

que torna os estudantes meras maquinas de reprodução. Em relação a essa

questão Knijinik (1996, p.86) menciona que “os grupos socialmente

subordinados (...) expressam sua necessidade de dominar a matemática

acadêmica (...) e os processos que constituem e são constituídos pelos

saberes oficiais dos grupos dominantes”. Contudo, é essencial que o ensino

transcorra propiciando a criação de um ambiente matemático motivador e

estimulante, e nada melhor que a vivência cotidiana impregnada de saberes e

fazeres para tornar o aluno atuante durante o processo de aquisição do

conhecimento na escola.

Ao considerar a realidade, o cotidiano será analisado em sala de aula e alunos

serão conduzidos do conhecimento desenvolvido em seu meio, até a

Page 25: Monografia Vanilda Matemática 2008

25

compreensão das existentes condições de vida. É nesse sentido que se dará a

valorização da matemática enquanto componente curricular, tornando-a

prazerosa e útil, proporcionando um aprendizado eficiente e de qualidade, bem

como, defende o Programa Etnomatemática. Sobre isso D'Ambrósio afirma

que:

A proposta pedagógica da etnomatemática é fazer da Matemática

algo vivo, lidando com situações reais no tempo [agora] e no

espaço [aqui]. E, através da critica, questionar o aqui e agora. Ao

fazer isso, mergulhamos nas raízes culturais e praticamos

dinâmica cultural. Estamos, efetivamente, reconhecendo na

educação a importância das várias culturas e tradições na

formação de uma nova civilização, transcultural e transdisciplinar

(D'Ambrósio, 2005, p.46).

Ter um ponto de vista etnomatemático significa acreditar numa concepção

multicultural e holística de educação, valorizando a contextualização, a inter-

relação entre diferentes formas de conhecimento, naturalmente, dentro de um

contexto. Contudo, se quisermos pertencer a uma sociedade com eqüidade e

justiça social é essencial à adoção de novas práticas educacionais que a

propiciem, a fim de aceitar o diferente, conhecendo e respeitando,

pois,“sabemos que não é a educação que modela a sociedade, mas, ao

contrario, a sociedade que modela a educação segundo os interesses de quem

detém o poder”(Freire e Shor, 2000, p.49). Vale ressaltar citando D'Ambrósio

quando menciona:

A adoção de uma nova postura educacional, na verdade a busca

de um novo paradigma de educação que substitua o já

desgastado ensino-aprendizagem, baseada numa relação

obsoleta de causa-efeito, é essencial para o desenvolvimento de

criatividade desinibida e conducente a novas formas de relação

interculturais, proporcionando o espaço adequado para preservar

a diversidade e eliminar a desigualdade numa nova organização

da sociedade. (D'Ambrósio, 2005, p.82)

É necessário existir um combate à idéia distorcida de que a Matemática é

puramente abstrata, bem como, as condições que não propiciem a existência

Page 26: Monografia Vanilda Matemática 2008

26

de uma aprendizagem significativa, estando atento também para os interesses

dos alunos, podendo assim planejar o próximo passo a ser dado em busca de

resultados mais relevantes para a vida escolar e a cotidiana. Foi dessa maneira

que se procedeu durante as investigações matemáticas acerca da produção e

comercio da farinha de mandioca.

2.3. Produção artesanal e o comércio da farinha de mandioca

Historicamente é sabido que o cultivo e consumo das raízes de mandioca

deram-se por várias nações indígenas da América Latina, tendo sido exportada

para outros lugares, a exemplo da África onde constitui a base da dieta

alimentar. No Brasil, o habito do cultivo e consumo perdura, sendo que na

Região Nordeste é vista como centro de produção/consumo. Quanto à

variedade, divide-se em mandiocas mansas (mandioca doce ou macaxeira) e

mandioca-braba. As diferenças entre elas são relacionadas à concentração de

acido cianídrico (podendo ser venenoso) e a produtividade.

A mandioca tem a época certa para ser colhida. Citando dados do Embrapa

(2008) podemos mencionar que:

As raízes de mandioca para fabricação de farinha e polvilho são

colhidas com a idade de 16 à 20 meses, entre abril e agosto,

quando apresenta o máximo de rendimento. O processo deve

acontecer logo após a colheita ou no prazo máximo de 36 horas,

para evitar perdas, escurecimento, resultando em produto de

qualidade inferior, pois logo após a colheita, inicia-se o processo

de fermentação das raízes.

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27

FOTO 1: arranca da mandioca (Fonte: Embrapa)

O sistema produtivo da cadeia da mandioca é classificado em: unidade

doméstica, unidade familiar e unidade empresarial. Na região do município de

Filadélfia a unidade domestica é a mais freqüente, caracterizando-se por usar

mão-de-obra familiar, sem tecnologias avançadas e com pouca participação no

mercado, além de dispor de baixo capital de exploração. Neste caso, o

processamento da farinha é chamado comunitário.

FOTO 2: fabricação de farinha (Fonte: Embrapa)

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28

A farinha é um dos principais produtos oriundos do processamento da

mandioca, fazendo parte da refeição diária de muitos brasileiros. È um alimento

rico em carboidratos e fibras e, quando integral contém proteínas, fósforo,

cálcio, potássio e sódio. Contudo, para garantir um produto de qualidade são

necessários cuidados com a seleção da matéria-prima, a higiene, todo o

processo de fabricação, dentre outros. O rendimento médio é de 25 à 30%,

dependendo da variedade da mandioca e da eficácia dos equipamentos

utilizados, que são: lavador, ralador, prensa, tanque para esfarelagem da

massa, fornalha com queimadores independentes, estrado para classificação e

empacotamento, cubas plásticas e balanças mecânicas.

O fluxo de processamento é iniciado com a colheita das raízes, posteriormente

tendo que ser lavadas para eliminar a terra aderente a casca e, descascada

manualmente, trabalho feminino feito com auxilio de facas afiadas ou raspador

mecânico(em forma de parafuso). Logo, após as raízes são novamente lavadas

para retirar as impurezas. Essa fase é imprescindível para a obtenção de uma

melhor qualidade da farinha. “Um adulto descasca, em media, 250 kg de raízes

de mandioca em 8 horas de trabalho” (Emater, 2008).

FOTO 3: raspagem da mandioca (Fonte: Embrapa)

Seqüênciando, as raízes serão raladas, normalmente em um cilindro provido

de eixo central com serrinhas (não devem ter dentes tortos, faltantes ou

Page 29: Monografia Vanilda Matemática 2008

29

enferrujados), devendo haver periodicamente manutenção. Existem também

formas artesanais utilizando tronco jovem de Anjico, um ralador de metal, um

ralador de tambor e até com desintegrador. Entre a ralação e a prensagem a

massa pode ser lavada para extrair o polvilho (amido puro), entretanto, esse

processo não é obrigatório, mas é comumente realizado.

Em seguida a massa passa para a prensagem, a fim de impedir a fermentação

e o escurecimento da farinha, sendo realizada em prensas manuais, prensas

hidráulicas ou tipiti indígena. Consequentemente, a massa ralada possuirá o

mínimo de umidade, evitando fermentação além de, economizar tempo e

combustível na torração, possibilitando uma torração sem formação excessiva

de resultante da prensagem é chamada de “manipueira” e é muito tóxica e

poluente, “é utilizada diluída para matar formigas e outros insetos por sua alta

concentração de ácido cianídrico” (Embrapa, 2008). De uma tonelada de

mandioca é extraído cerca de 300 litros de “manipueira” devendo receber

tratamento adequado para não poluir rios e terrenos vizinhos à unidade de

processamento.

FOTO 4: ralação e prensagem da mandioca (Fonte: Embrapa)

Ao sair da prensa a massa é passada, na peneira, na qual ficarão retidas

frações grosseiras chamadas de crueira (pode ser usada na alimentação de

Page 30: Monografia Vanilda Matemática 2008

30

animais), em seguida colocada no forno, por um período aproximado de 20

minutos, como forneiro mexendo-a auxiliado de um rodo de Madeira (de cabo

longo e liso), até a secagem final da farinha ( em torno de 13% de umidade).

Contudo, a massa pode ser mexida mecanicamente levando em consideração

à intensidade do fogo, a rapidez ao mexer, a quantidade de massa por lote, o

ponto certo da farinha, pois, esta fase tem grande influência no produto final,

definindo sua cor, sabor e até durabilidade. E assim, está pronta a farinha.

FOTO 5: torração da farinha (Fonte: Embrapa)

Por conseguinte, o empacotamento é feito em sacos de 50 kg quando

destinados a venda por atacado e 1,0 e 2,0 para venda no varejo, devendo ser

armazenada em local seco e arejado, exclusive para essa finalidade, sendo

que os sacos devem ser dispostos sobre estrados ou grade e, empilhados com

espaço entre as embalagens, lembrando que a área de armazenagem deve ter

pesos e paredes laváveis, teto de laje ou PVC e cobertura com telha, além de

supervisionado constantemente evitando insetos e roedores. Deve-se usar

primeiro o produto mais antigo.

O processamento e distribuição da farinha de mandioca às vezes são

realizados por um mesmo ator. Além disso, a farinha e as raízes frescas (no

caso dos “aipins’) podem ser comercializadas diretamente nas ferias livre se

não repassadas para os supermercados.

Page 31: Monografia Vanilda Matemática 2008

31

FOTO 6: comercialização da farinha (Fonte: Embrapa)

O segmento de consume da mandioca é caracterizado por consumidores que

absorvem sua própria produção, ou seja, os agricultores processam a fim de

saciar-se considerando suas preferências e hábitos regionais. Sobre a

formação de preço podem-se citar dados do Embrapa (2008):

Na Região Nordeste, além das localidades em que o período de

maior oferta de raízes coincide com o do Centro-Sul, geralmente

onde as chuvas são concentradas no verão, há localidades em que

o nível mínimo de preço ocorre nos meses de julho à março, com

uma ligeira reação do preço nos meses de outubro e novembro,

sem contudo superar a media anual.

Neste sentido, vale ressaltar a função da matemática em todo o processo, pois

a mesma é utilizada de forma que muitas vezes passa despercebida. Seja pela

influência do tempo no período do plantio e colheita, pelos gastos no

processamento da mandioca, bem como, palas situações-problema que

surgem durante todo esse trabalho que antecede a comercialização.

Conseqüentemente, a matemática neste contexto é um instrumento

fundamental para o bom andamento dessa atividade de produção.

A descrição do processamento e o comércio da farinha vêm salientar a

aplicabilidade da matemática, do plantio à comercialização, tornando viável

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32

este trabalho que propunha analisar tal prática obtendo informações que

subsidiassem o desenvolvimento de uma atividade voltada para a formalização

do saber matemático em sala de aula, de acordo com os procedimentos

metodológicos adotados.

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33

CAPÍTULO III

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente capítulo aborda os procedimentos e as técnicas utilizadas para

elaboração desse trabalho, com o objetivo de analisar e identificar os

conhecimentos matemáticos que os alunos produtores de farinha de mandioca

vêm construindo e socializando em seu cotidiano. Para se alcançar tal objetivo

abordou-se a metodologia qualitativa no estudo.

3.1. A PESQUISA QUALITATIVA

Vivemos em uma época caracterizada pela diversidade de valores, e pelo

intenso avanço tecnológico. Neste contexto, entende-se que a opção

metodológica revela a visão de mundo e a aceitação dos direitos individuais e

grupais, sejam eles maioritarios ou não, alem de evidenciar a perplexidade

diante dos métodos obsoletos e ineficientes.

O paralelo de Sanches e Minayo (1993) referente ao quantitativo-qualitativo

facilita a diferenciação entre as duas abordagens esclarecendo que a

investigação quantitativa atua em níveis de realidade, relacionada com

procedimentos matemáticos, afim de, revelar fenômenos, indicadores e

tendências observáveis. A qualitativa, por sua vez, opera na análise de valores,

hábitos, atitudes, opiniões, crenças e representações, aprofundando-se na

complexidade dos fatos e comportamentos associados a um indivíduo ou

grupo.

Historicamente, é evidente que a utilização da pesquisa qualitativa teve seus

antecedentes nas ciências naturais e na filosofia (Glazier, 1992). Pode-se

mencionar o famoso matemático Newton que a utilizou para provar o efeito

prisma do espectro luminoso, e Darwin que firmou a teoria da evolução das

espécies, a partir de observações das diferentes espécies da vida selvagem e

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34

análise de dados puramente qualitativos, lembrando que, em sua maioria, os

estudos são de campo e etnográficos da antropologia (Patton, 1980).

Algumas características da pesquisa qualitativa são citadas por Chizotti (1991),

bem como por André e Lüdke (1986), dentre elas: a concentração do

pesquisador voltada para as circunstancias e o contexto da pesquisa,

entranhando-se nos sentidos e emoções; o reconhecimento dos “sujeitos”

como produtores de seus conhecimentos e pra

Áticas; os resultados do processo como fruto de um trabalho coletivo entre

pesquisador e pesquisado; o reconhecimento da importância de todos os

fenômenos, considerando a ocasião, a freqüência e a interrupção, a fala e o

silencio, as revelações e os ocultamentos, a continuidade e a ruptura, o

significado evidente e o oculto.

Resumidamente, André e Lüdke (1986, p.13) mencionam que a “Pesquisa

qualitativa envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto

do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o

produto e se preocupa em relatar a perspectiva dos participantes”. Logo, o

pesquisador deve imergir no contexto tendo uma perspectiva interpretativa da

condução da pesquisa e da realidade, podendo assim descrever

detalhadamente os fenômenos e comportamentos observados.

Concluí então que, a utilização da metodologia qualitativa, pode revelar dados

essenciais do ambiente natural da pesquisa, mostrando como se constitui as

mais diversas atividades e procedimentos cotidianos, bem como, as atitudes

dos sujeitos envolvidos diante de tais situações. Considerando estes

argumentos optei pela mesma por acreditar que ela daria um melhor suporte

para essa pesquisa, cujo loco é o próprio ambiente escolar, transformando a

dinâmica, até então permanente, das salas de aula.

3.2 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

A realização dessa pesquisa deu-se com base numa perspectiva qualitativa de

pesquisa-ação onde buscou penetrar nas intenções e motivos causadores das

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35

ações e relações analisadas, a fim de encontrar nelas algum sentido. Nesse

sentido Chartier reforça a importância da proximidade do pesquisador com o

pesquisado:

“(...) o historiador do tempo presente é contemporânea de seu

objetivo e, portanto partilha com aqueles cuja história ele narra as

mesmas categorias essenciais, as mesmas referencias

fundamentais. Ele é pois o único que pode superar a

descontinuidade fundamental que costuma existir entre o aparato

intelectual, afetivo e psíquico do historiador e o dos homens e

mulheres cuja história ele escreve.(...) Para o historiador do tempo

presente, parece infinitamente menor a distância entre a

compreensão que ele tem de sai mesmo e a dos atores históricos,

modestos ou ilustres, cujas maneiras de sentir e de pensar ele

reconstrói” (Chartier, 1996, p.216)

André e Lüdke (1986) complementam que “O papel do pesquisador é

justamente o de servir como veículo inteligente e ativo entre o conhecimento

acumulado na área e as evidencias que serão estabelecidas a partir da

pesquisa” (p.15). Assim, com a pesquisa-ação, pretendi produzir

conhecimentos oriundos da realidade dos alunos, possibilitando uma discussão

reflexiva acerca da construção de um saber relacionado à participação e

cooperação. Segundo Thiollent,

Pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica

que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação

ou com uma resolução de um problema coletivo e no qual os

pesquisadores e participantes representativos da situação ou do

problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo

(1992, p.14).

Foram utilizados como instrumentos, a observação, a discussão em sala de

aula e a aplicação de questionários. A postura de observador participante foi

adotada com o intuito de obter uma maior variedade de informações que

pudesse esclarecer para o grupo o objetivo desse trabalho, lembrando que a

observação é tão importante quanto os outros instrumentos usados.

Page 36: Monografia Vanilda Matemática 2008

36

A observação possibilita um contato pessoal e estreito do

pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que apresenta uma

série de vantagens. Em primeiro lugar, a experiência direta é sem

dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um

determinado fenômeno ( André e Lüdke, 1986, p.26)

Sobre isso Magda Alves (2003, p.51) menciona que “o observação que cada

pessoa faz no cotidiano de sua vida, seus valores e, de certa forma, influi na

maneira de ler a realidade, privilegiando certos aspectos e negligenciando

outros”. Por isso, o intuito aqui se voltou para a coleta e análise de informações

consideras relevantes ao mesmo tempo em que se descarta as entendidas

desnecessárias para esta pesquisa, utilizando-se também de questionários que

são recursos “ constituídos de um rol de perguntas que devem ser respondidas

sem a presença do pesquisador” (Alves, apud: Fantinato, 2004, p.65).

Num outro momento, foi realizada uma reflexão sobre um dos questionários, o

qual foi lido e discutido, e em seguida respondido pelos alunos. Este foi

composto por questões fechadas e abertas; as questões fechadas foram

referentes ao perfil dos alunos e a conhecimentos relacionados às suas

vivencias cotidianas, mais precisamente, a produção e o comércio da farinha

de mandioca produzida na região, enquanto, as questões abertas abordaram a

aplicabilidade da matemática nessa mesma atividade. É importante mencionar

que também foram aplicados questionários a produtores de farinha,

basicamente estruturados como os aplicados aos alunos.

Os questionários são diversificados em função do grau de

fechamento ou de abertura das perguntas. A pergunta fechada é

formulada de tal maneira que as únicas respostas possíveis sejam

“sim” ou “não”. Outras perguntas propõem diversas alternativas

entre as quais o respondente pode escolher, segundo

procedimentos conhecidos como “escolha múltipla” [...] Em regra

geral, as respostas a perguntas livres são processadas por

técnicas de análise de conteúdo. A combinação dos diversos tipos

de perguntas dentro do questionário depende dos objetivos da

pesquisa e deve ser concebida em função das técnicas de

Page 37: Monografia Vanilda Matemática 2008

37

codificação e de processamentos disponíveis (Thiollent, 1992,

p.34-35).

A pesquisa teve como campo observado Filadélfia, primitivamente habitada

pelos índios kariris e detentora de um rico folclore. Após pertencer a Campo

Formoso, por um tempo considerável, tornou-se conhecida como Várzea do

Curral devido a existência de um grande número de várzeas e de currais do

fazendeiro Alvino Pereira Maia, pioneiro da região, só sendo denominada

Filadélfia (irmãos que se amam) tempos depois de transformar-se em povoado

por conseqüência da construção da rodovia que liga Capim grosso à Juazeiro

(BR-407) e de atrair pequenos comerciantes para a região. Desmembrou-se de

Pindobaçu com sua emancipação no dia 09 de maio de 1985, possuindo hoje

uma população de aproximadamente 17.133 habitantes em uma área estimada

de 563 km², situando-se no Centro Norte Baiano à 344 km da capital, Salvador.

O desenvolvimento da pesquisa aconteceu com a participação ativa de alunos

da 7ª série do ensino fundamental II da Escola Municipal Adedina Lima Maia,

localizada na Fazenda Caveira à 13 km da sede. Inaugurada em 23/05/2004 a

escola atende a 267 alunos nos três turnos, sendo 111 desses pertencentes ao

fundamental II, 121 do fundamental I e 25 da Educação Infantil e Base. A

escola funciona com 23 funcionários, dentre esses, 14 professores e 1

coordenador e, apresenta no seu currículo as disciplinas: matemática,

português, historia, geografia, ciências educação física, educação artística e

inglês.

De acordo com o capítulo I, a escolha do tema, bem como, da escola deu-se

pela existência da relação professor-aluno entre pesquisadora e pesquisados,

em situações anteriores, considerando que trabalhei com a turma (2004-2005),

como professora, o que permitiu um maior envolvimento entre os participantes

da pesquisa. Lüdke e André (1986) defendem que “na medida em que o

observador acompanha em loco as experiências diárias dos sujeitos, pode

tentar aprender sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem a

realidade que os cercam e as suas próprias ações” (p. 26).

Page 38: Monografia Vanilda Matemática 2008

38

Os dados foram coletados seguindo a orientação da pesquisa qualitativa que

apresenta a obtenção dos dados a partir da relação de proximidade do

pesquisador com a situação analisada. Como já mencionada, constituiu

basicamente de questionários e registros de discussões em sala de aula

gerados durante o processo. Este trabalho foi desenvolvido com o intuito de

solucionar a questão norteadora, tendo sido realizada principalmente no

ambiente natural da sala de aula e constituído nas seguintes etapas:

I) Inicialmente os alunos foram convidados a participar da pesquisa e

receberam esclarecimentos sobre a mesma, sendo distribuído e respondido um

questionário para identificação do perfil dos estudantes e seus conhecimentos

sobre o tema pesquisado;

II) Na segunda etapa elaborou-se um mecanismo para a identificação das

pessoas da comunidade que produzem farinha, afim der selecionar algumas

delas para participar do processo. A essas pessoas foi aplicado um

questionário composto de questões fechadas e outras abertas. Os alunos

tiveram o prazo de 4 dias para cumprir esta atividade;

III) Numa terceira etapa os alunos apresentaram em sala de aula o que haviam

pesquisado na comunidade. As informações apresentadas oriundas da

aplicação do questionário a produtores de farinha da comunidade exigiram do

pesquisador extrema atenção tanto para as falas do grupo como para as

perguntas que surgiram durante a apresentação, sendo necessária a

intervenção do pesquisador para que as dúvidas fossem sanadas;

IV) Na quarta etapa os alunos fizeram consultas a livros didáticos,

proporcionando um momento de conexão entre a matemática escolar e a

matemática do dia-a-dia, procedendo cálculos acerca da transformação de

unidades de medidas, porcentagem, regra de três, dentre outros. Lembrando

que alguns destes são conteúdos estudados em séries anteriores;

V) Na etapa seguinte foi aplicado aos alunos a 2ª parte do questionário I,

contendo 5 questões abertas semelhantes às aplicadas aos produtores de

Page 39: Monografia Vanilda Matemática 2008

39

farinha de mandioca. Depois foi realizada uma plenária para a apresentação e

discussão dos resultados obtidos, sento neste momento analisado se a

utilização da Modelagem Matemática torna ou não o ensino mais eficaz.

Procedemos dessa forma, pois os estudantes “permanecem passivos e

freqüentemente até mesmo bloqueados em situações escolares que consistem

e resolver problemas abstratos. Acima de tudo eles se convencem de sua

inadequação a respeito de tudo e desistem” (Toledo, 1997, p.26)

Page 40: Monografia Vanilda Matemática 2008

40

CAPÍTULO IV

4. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Conforme apresentado no Capitulo II, para utilizar a modelagem matemática,

como estratégia de ensino é necessário partir de um problema da vida real, e

que tal problema seja importante para os alunos, tornando a atividade

significante, permitindo que eles criem e formulem problemas e, sobretudo, que

observem, levantem hipóteses, verificando se o modelo adotado é valido ou

não. O tema pode ser escolhido pelo aluno ou pelo professor, devendo sempre

partir da realidade do aluno, pois, assim a motivação despertada nos

estudantes será maior. Então, considerando que o principal interesse aqui

colocado é conhecer as estratégias que os alunos desenvolvem para

compreender o processo de fabricação e comércio da farinha de mandioca e o

conteúdo escolar num ambiente de modelagem, optou-se em trabalhar com

este tema, pois, ele está diretamente ligado à realidade dos educandos, sendo

tal atividade comumente realizada pela comunidade, logo, dá significado à

aprendizagem.

Assim, antes do tema ser apresentado aos alunos, aplicou-se um questionário

(I)1, com o objetivo de investigar o conhecimento prévio que os mesmos têm

em relação ao tema e a ligação que eles fazem entre o tema e a matemática

escolar. A aplicação do questionário I durou em média 2 horas, lembrando que

os alunos em questão cursam a 7ª série em uma escola Publica localizada na

zona rural do município de Filadélfia. Após a aplicação do questionário, foram

apurados que serviram de base para se traçar o perfil destes alunos.

4.1 Delineando o perfil dos Alunos

Com as questões de 01 à 03 verificamos informações referentes ao sexo, a

1 Questionário aplicado aos alunos contendo 10 questões (Vide ANEXO 1)

Page 41: Monografia Vanilda Matemática 2008

41

idade e o domicilio dos pesquisados constatando que os alunos participantes

da pesquisa formam um grupo bastante diversificado, principalmente, com

relação à idade onde verificou-se que alguns já passaram da idade-série, pois

a idade apresentada variando de 12 à 25 anos, sendo comentado por alguns

professores que os mais velhos apresentam maior dificuldade e resistência no

processo de ensino-aprendizagem. Os PCN (1998, p.31) ressaltam que “a

defasagem idade-série também acaba trazendo desafios adicionais ao trabalho

escolar (...)”. A maioria desses alunos reside nas adjacências da comunidade

onde se situa a escola, sendo que apenas 3 residem na localidade em questão,

possuindo algum grau de parentesco com produtores de farinha.

Observemos outras respostas dos alunos:

Questão 4: Os conteúdos de matemática que são trabalhados em sala de aula

contribuem para o seu dia-a-dia?

Tal questionamento foi elaborado com o intuito de analisar a visão dos alunos

acerca da aplicabilidade dos conceitos estudados em sala de aula em suas

vidas. As respostas dadas revelaram que 96% dos pesquisados acreditam que

os conteúdos trabalhados em sala de aula ajudam a solucionar problemas do

dia-a-dia, pois, “a ampla gama de conhecimentos construídos no ambiente

escolar ganham sentido quando há interação contínua e permanente entre o

saber escolar e os demais saberes” (PCN, 1998, p.43).

Questão 5: Você conhece alguém que saiba fazer farinha de mandioca?

Questão 6: Seus familiares já produziram/produzem farinha de mandioca?

As questões acima, foram formuladas para verificar se os pesquisados têm

conhecimentos acerca da produção de farinha. Notei que todos os alunos que

participaram da pesquisa conhecem alguém que saiba fazer farinha de

mandioca, sendo que na maioria dos casos, seus próprios familiares são

produtores. Isso acontece, por que esta é uma das atividades desenvolvidas

pela comunidade mais freqüentemente. A constatação de que os alunos são

Page 42: Monografia Vanilda Matemática 2008

42

conhecedores desse processo ficou evidente com a questão 6 já que 93% são

oriundos de famílias que produzem tal produto, seja para alimentação ou

comercialização. E mesmo quem não tem familiares produtores de farinha

conhecem como se dá o processo.

Questão 7: Você já participou do processo de fabricação da farinha de

mandioca?

Questão 8: Você conhece como se dá a produção de farinha de mandioca?

A partir das perguntas 7 e 8, procurando evidenciar o grau de entendimento e

participação dos alunos no processamento da mandioca foi percebido que a

maioria já participou do mesmo, pois, conforme descrito no Capitulo II, o

sistema produtivo adotado no município de Filadélfia é a unidade doméstica,

caracterizada pela utilização da mão-de-obra familiar, sem tecnologia

avançada, sendo conhecida também por produção comunitária.

Além disso, a questão 8 revelou que 78% dos alunos pesquisados sabem

como se produz a farinha de mandioca, pois, esse conhecimento é aprendido

independentemente de sua participação no processo, podendo ser adquirido

por meio de observações do labor dos produtores durante o processamento, ou

mesmo ao ouvir conversas referentes ao assunto. É evidente que o

conhecimento oriundo da participação ativa é muito maior e possui riqueza de

detalhes, se comparado com o adquirido por um leigo na atividade. Neste

sentido é importante “entender a aventura da espécie humana na busca de

conhecimentos e na adoção de comportamentos” (D'Ambrósio, 2005, p.17),

devido a sua vivência.

Questão 9: Você sabe quanto custa a “saca” de farinha?

Questão 10: A você compete vender sacos de farinha ao mais alto preço do

mercado. Você sabe especular/pesquisar?

Observe que as questões acima são voltadas para mostrar em que nível de

responsabilidade das tarefas estão os estudantes. O número de pesquisados

que não sabem quanto custa a saca de farinha se sobressai à quantidade dos

Page 43: Monografia Vanilda Matemática 2008

43

que sabem, que corresponde a 41% dos pesquisados. Isso é fato verídico,

pois, devido a pouca idade da maioria desses estudantes não lhes é dada a

responsabilidade de comercializar farinha, bem como, qualquer outro produto

por eles produzido. Logo, não é interessante para eles ficarem informados dos

preços atribuídos a essas mercadorias.

Complementando tal análise com a questão 10, pôde se constatar que os

alunos não sabem especular/pesquisar o preço da farinha e certamente, não

possuem base alguma para a especulação de preços para comercialização, já

que essa ação requer do especulador observação e uma pesquisa minuciosa

visando-se lucros no final do negócio em questão. Apenas 10 dos 27

estudantes pesquisados se consideram aptos para especular preços, pois,

“cada individuo carrega consigo raízes culturais, que vêm de sua casa, desde

que nasce” (D'Ambrósio, 2005, p.41) e, só lhes são dadas responsabilidades

com está após anos de vivência observando a realização da tarefa em questão.

Naturalmente, após a aplicação do questionário I, prossegui procurando definir

etnomatemática utilizando autores como Knijinik (1996) e D'ambrósio (2005)

afim de aguçar o interesse dos alunos. Então, com a apresentação do tema

chamou muita atenção a postura adotada pelos alunos, uma vez que eles

demonstraram vontade para aprender, o que não é tão freqüente quando o

conteúdo é desvinculado da realidade. Com isso, pesquisadora e pesquisados

subdividiram os 5 grupos constituídos pelos próprios estudantes e discutimos

como os grupos deveriam proceder na busca de respostas junto a pessoas da

comunidade, produtores de farinha, para que tais informações fossem

posteriormente apresentadas em sala de aula.

4.2 Farinha de Mandioca: o labor dos produtores rurais sob a perspectiva

da Modelagem Matemática

Nesta segunda etapa da pesquisa, que durou 4 dias, os alunos foram buscar

respostas junto a comunidade com o intuito de que as mesmas nos auxiliasse

durante a atividade de modelagem. Foi a partir desta fase que ficou claro a

Page 44: Monografia Vanilda Matemática 2008

44

posterior abordagem a conteúdos com proporção, porcentagem, regra de três e

unidades de medidas.

...a modelagem guarda semelhanças metodológicas

com o Programa Etnomatemático cuja principal

finalidade é resgatar a matemática nas diferentes

formas de expressão cultural do cotidiano do aluno.

Desse modo, embora a Etno-Modelagem Matemática

não parta da matemática acadêmica na sua discussão,

criando modelos matemáticos que tentam encontrar

soluções para os questionamentos levantados pela

Etnologia (Spina, 2002, p. 46).

O questionário II2 aplicado aos produtores de farinha continha 14 onde, de 01 à

11 eram perguntas referentes ao perfil dos entrevistados e a características da

produção e comercialização da farinha, das quais obtive os seguintes dados:

Dentre as pessoas entrevistadas encontravam-se 04 trabalhadores rurais e 01

aposentado, todos do sexo masculino com idade entre 38 e 69 anos, sendo

que 04 desses estudaram o Ensino fundamental I (02 completaram e 02 não

concluíram) e 01 é analfabeto. Eles residem nas adjacências da Fazenda

Caveira, onde fica situada a escola lócus da pesquisa, e relataram ter

aprendido a fazer farinha observando e ajudando seus pais no processamento

da mandioca, durante toda a sua juventude.

Pertencentes a famílias humildes, essas pessoas dependem, quase

exclusivamente, de programas sociais do governo e a produção de farinha

auxilia na renda. Seus discursos acerca das compensações da atividade são

influenciados pelo fato de que parte do produto é destinado ao consumo

próprio o que acaba diminuindo os gastos familiares já que é grande a

apreciação deste alimento. Além disso, como a mão-de-obra é de parentes e

amigos, e são raros os casos de paga-los em dinheiro, os mesmos são

2 Questionário II composto de 14 questões (Vide ANEXO 2).

Page 45: Monografia Vanilda Matemática 2008

45

remunerados com parte da produção. Outros alimentos também são feitos a

partir do processamento da mandioca e posteriormente comercializados, a

exemplo, do beiju e da tapioca.

A comercialização da farinha e de produtos derivados da mandioca acontece

em supermercados e são comumente encontrados na feira livre, sendo que a

farinha é vendida em sacos (50 quilos) ou em quilos individuais.

FOTO 7: Comercialização da farinha (Fonte: Embrapa)

Ainda no questionário II os produtores responderam à 4 questões abertas, nas

quais puderam expressar as estratégias por eles utilizadas para solucionar

problemas do seu cotidiano de trabalho ao produzir e comercializar a farinha, é

importante mencionar que “não existem homens cultos ou incultos, nem

homens com “muita” ou “pouca” cultura, como normalmente se diz. Existem,

simplesmente, homens com culturas diferentes” (Nidelcoff, 2004, p.33).

Observe os cálculos por eles apresentados:

Questão 12: Durante a comercialização da farinha, na feira livre da cidade, é

observado que o quilo da farinha custa R$ 2,50, enquanto, a saca custa R$

110,00. Financeiramente, qual a melhor forma para ser feita à venda?

A questão proposta se liga a situações-problema verídicos onde se requer do

produtor da farinha ou da pessoa responsável pela venda do produto, uma

Page 46: Monografia Vanilda Matemática 2008

46

análise reflexiva visando lucro, por isso, tal pessoa deve apresentar habilidades

mentais para calcular de forma à tomar a decisão apropriada num espaço curto

de tempo já que a lei de oferta (em determinados meses) é muito grande. Veja

o método utilizado para solucionar tal pergunta:

Modelo Popular (raciocínio lógico)

Vendendo o saco → 1 saca = 50 kg e custa R$ 110,00

Vendendo o kg → 1 kg = R$ 2,50

Se 1 saca (50 kg), então, 50 x 2,50 = R$ 125,00

Logo, concluíram que se ao invés de vender a saca da farinha for vendida por

quilo o vendedor sai ganhando 15 reais (idéia verbal). Sobre esta questão

(identificando os produtores como G1, G2, G3, G4 e G5), obtivemos as

seguintes respostas:

G1 G2 G3 G4 G5

kg kg saca kg kg

É notório que G3 discordou dos outros produtores rurais, isso se deve

(segundo o próprio) porque são comuns as negociações acerca da

compra/venda de farinha acontecer verbalmente e as diferenças valorativas

são fruto de acertos entre os envolvidos, não sendo necessário calcular para

saber quem perde ou ganha financeiramente, além disso, geralmente cada

vendedor já tem um comprador certo para sua farinha.

Vale salientar que “numa mesma cultura, os indivíduos dão as mesmas

explicações intelectuais no seu dia-a-dia” (D'Ambrósio, 2005, p.35), logo para

solucionar tal questionamento, as pessoas da comunidade utilizaram apenas o

raciocínio lógico.

Page 47: Monografia Vanilda Matemática 2008

47

Questão 13: Para transformação de 9 carroças de mandioca em farinha, em

três dias, são necessárias 12 pessoas. Para a fabricação de 15 carroças, no

mesmo espaço de tempo, quantas pessoas são necessárias?

A pergunta acima teve por finalidade identificar a que nível de abstração os

produtores de farinha podem chegar já que costumeiramente não definem a

quantidade de pessoas para determinado trabalho dessa forma, e sim

intuitivamente.

Os produtores solucionaram a questão utilizando estratégias diversificadas e a

discrepância dos resultados se deve ao fato de serem “pontos de vista”

diferentes acerca do período e da mão-de-obra utilizada, lembrando que essa

ultima tem grande influência sobre a primeira já que não foi especificado na

questão o perfil das pessoas que desenvolveriam o trabalho (sexo, idade,

habilidade, etc.). Veja as respostas dessas pessoas:

G1 G2 G3 G4 G5

20 20 28 18 19

Sobre as estratégias de resolução dos trabalhadores por raciocínio que mais

chamou na atenção foi o empregado por G4. Veja:

9c + 3d = 12 p (I)

15c + 3d = 18 p, sendo c o número correspondente as carroças, d o número de

dias e p o de pessoas.

Observe que a razão encontrada em (I) foi mera coincidência, entretanto,

Bicudo (1999) menciona que “o aprendiz aplica os seus conhecimentos e

modos de pensar ao objeto de estudo; age, observa, seleciona os aspectos

que mais chamam a sua atenção, estabelece relações (...) e atribui significados

a ele, chegando a uma interpretação própria” (p.158). Assim, a interpretação

dessa pessoa da comunidade deve ser acolhida com naturalidade.

Page 48: Monografia Vanilda Matemática 2008

48

Questão 14: Quantas sacas são necessárias para ensacar 325 kg de farinha de

mandioca:

Com esta questão busquei conhecer/entender a resolução desenvolvida pelos

produtores, além de, verificar a influência do nível escolar dessas pessoas em

tais cálculos.

G1 G2 G3 G4 G5

32,5 ÷5

= 06 e

sobram

25 kg

7

sacos

– 6

sacas

+ ½

saco

2 é 100

kg; 4 é

200 kg,

6 é 300

kg,

então,

dá 6

sacas e

meia

50kg+50kg+50kg+50kg+50kg+50kg+2

5kg

=100 kg + 100 kg + 100 kg + 25 kg

=300 kg + 25 kg, ou seja,

6 sacas e meia

32,5 ÷5

=7

sacos

Foi observado que G1, G3 e G4 voltaram sua atenção principalmente para a

quantidade de farinha deixando de lado o foco da pergunta que se resumia a

quantidade de “sacos” e não de “sacas”, entretanto, de forma indireta eles

também tem a noção de que para ensacar a farinha serão necessários 7 sacos,

a idéia transmitida implicitamente é correta .Neste sentido, vejo a “matemática

como uma estratégia desenvolvida pela espécie humana ao longo de sua

história para explicar, para entender, para manejar e conviver com a realidade”

(D'Ambrósio, 2005, p.82), logo os cálculos aqui apresentados são, sobretudo

resultado da vivencia e necessidades dessa comunidade.

Neste momento, me cabe concordar com D’Ambrósio (2001) quando menciona

que a etapa da pesquisa em etnomatemática tem a função de resgatar as

raízes culturais de um outro, reconhecendo e reispeitando-as num processo

Page 49: Monografia Vanilda Matemática 2008

49

que reforça suas próprias raízes. Assim, passemos a observar a atividade de

modelagem feita com os alunos.

4.3 Modelando a produção e o comércio da farinha

É importante salientar que a modelagem foi adotada neste trabalho como uma

estratégia de ensino, por ser uma maneira de evidenciar a aplicabilidade da

matemática em situações da vida real dos alunos, determinando para tal um

modelo escolar. Esta ligação entre a matemática cotidiana e a escolar é

essencial, pois, dá sentido aos conteúdos estudados tornando-a mais

significativa a partir da modelação.

As etapas da atividade seguiram a descrição do processamento e comércio da

farinha de mandioca evidenciados no capitulo II. Os próprios alunos

conduziram as abordagens aos conteúdos aplicáveis, bem como, todas as

discussões sobre a produção de farinha já que os mesmos conhecem, com

riqueza de detalhes este labor. Contudo, em alguns momentos foi necessário

intervir com a exposição do conteúdo além de intermediar alguns

questionamentos. Lembrando que “a aula expositiva não leva, por si só, ao

aprendizado automático, não é ela que impede a aprendizagem significativa”

(Baraldi, 1999, p.40), logo não há razão para considerá-la inútil durante as

abordagens conteudistas.

Contudo, ficou evidente que o ensino tradicional deixou marcas profundas nos

alunos, os mesmos estão condicionados a formulas prontas que os leve a

resultados rápidos e precisos e não demonstravam nenhum interesse nos

processos, porém, durante a pesquisa, mostraram respeito pela cultura até

mesmo porque o trabalho desses produtores faz parte de suas vidas, e se

envolveram ativamente na atividade, já que, os cálculos realizados pela

comunidade já eram conhecidos por eles.

Page 50: Monografia Vanilda Matemática 2008

50

Como já mencionei a atividade intercalou-se com a discussão acerca da

produção e comércio da farinha. Iniciando com um breve relato histórico do

cultivo e consumo do produto em questão, observando e refletindo as

colocações feitas pelos alunos. Os mesmos descreveram como se dá o plantio

da mandioca e o período de colheita e processamento sendo, que neste

momento, a pretensão era levá-los a refletir sobre as diferenças e semelhanças

existentes entre as estratégias utilizadas pelos produtores e os cálculos

contidos nos livros didáticos, assim como as vantagens e desvantagens da

adoção desses métodos. A partir dessas primeiras discussões foram realizadas

analises sobre o Sistema de medidas envolvendo situações onde é necessário

medir o tempo, como apresento a seguir:

Medindo o Tempo

Após ser mencionado que a medida de tempo foi uma das primeiras

preocupações do homem e que este contava fatos acontecidos utilizando certo

número de luas e de lembrar que por influência dos babilônicos a hora foi

dividida em 60 minutos, o ano é considerado com 360 dias e qualquer mês com

30 dias, os estudantes listaram as unidades mais usadas para medir o tempo.

Segundo (s)

Minuto (min), sendo 1 min =60 s

Hora (h), sendo 1 h = 60 min = 3600 s

Dia (d), sendo 1 d = 24 h = 1440 min =

86400 s

Com isso, passaram a analisar as seguintes situações-problema:

� As raízes de mandioca são colhidas com idade de 16 à 20 meses;

16 meses x 30 d = 480 d x 24 h = 11520 h x 60 min = 691200 min x 60 s

= 41472000 s

� O processamento da mandioca deve acontecer no prazo máximo de 36

horas após a colheita:

Page 51: Monografia Vanilda Matemática 2008

51

36 h x 60 min = 2160 min x 60 s = 129600 s

36 horas = 24 horas + 12 horas = 1 dia + 12 horas

� Certo trabalhador gastou 25 min para transportar a mandioca da roça

para a casa-de-farinha e 1 h e 49 min para raspá-la. Quanto tempo foi

gasto?

1 h 49 min + 25 min = 1 h 74 min

Obs.: 74 min = 60 min + 14 min

74 min = 1 h + 14 min

Logo, 1 h 74 min = 1 h + 1 h + 14 min

= 2 h + 14 min

Estas situações tiveram como finalidade mostrar que os alunos,

conhecedores das medidas de tempo, são capazes de interagir em

problemas cotidianos transformando unidades. Estes por sua vez não

apresentaram maiores dificuldades, pois, desde criança convivem e lidam

com questões relacionadas com o tempo e o conteúdo já havia sido

estudado por eles em séries anteriores.

Dessa forma, após falar da arranca da mandioca, continuaram relatando

que a farinha é um dos produtos oriundos do processamento da aimpim

(mandioca) e que este por sua vez é seqüenciado com o descascamento

manual das raízes sendo que em algumas ocasiões é necessário parti-las

para facilitar o trabalho. Dessa forma chegamos ao seguinte material:

Foto 8: mandioca cortada e cilindro

Page 52: Monografia Vanilda Matemática 2008

52

Esta figura foi utilizada para embasar a discussão levando os alunos ao

estudo do Circulo e Circunferência a partir do Cilindro (Sólido geométrico).

Dessa forma iniciaram analisando os elementos visivelmente percebidos na

figura; determinaram as bases (1) e (2) e o corpo redondo (3). Além disso,

recorrendo aos livros, classificaram os cilindros em: Circular oblíquo e

Circular reto.

Contudo, o que mais se trabalhou neste conteúdo foi o calculo da área da

base de um cilindro (área do circulo) isso depois de elucidar as duvidas

existentes acerca da diferença de círculo e circunferência, eles não

discerniam as figuras e não viam nelas características próprias. Para uma

melhor compreensão utilizamos as figuras abaixo:

Exemplos de círculo e circunferência

Por conseguinte, determinamos o centro, o raio, o diâmetro e cordas nos

círculos (bases do cilindro) com o auxilio de régua, compasso e lápis como

pode ser observado na Foto 10. Utilizando o exemplo dado, obtivemos o

seguinte modelo matemático:

Modelo Matemático:

O = origem

A = r² r = raio

O é a origem; CA é o diâmetro, OB o raio e DE é uma

corda.

Exemplo de como encontrar o diâmetro de uma circunferência de r=3.

Page 53: Monografia Vanilda Matemática 2008

53

A = r²

A = 3² →A = 9 cm²

Com o modelo acima relembramos também o conceito de potência, conteúdo

estudado na 5ª série e utilizado freqüentemente nos assuntos posteriores. Os

alunos prosseguiram com a descrição do processamento da mandioca

analisando informações referentes a todo o labor que antecede a venda da

farinha, sempre mencionando a importância de cada etapa desse processo

para a

obtenção de um produto de qualidade. A partir daí, foi conversado a respeito

do empacotamento do produto, em sacos, dispondo dos seguintes dados:

� Segundo os alunos e os produtores, uma saca equivale a 50 quilos de

farinha, então temos:

A partir desta tabela foram discutidas a definição de Razão, retomando os

conceitos de Fração Irredutível e Divisibilidade, sempre com a realização de

cálculos como os que seguem:

100

2=

50

1;

150

3 =

50

1;

200

4 =

50

1;

250

5 =

50

1

↓ ↓ ↓ ↓

÷2 ÷3 ÷4 ÷5

Foi evidenciado que 1/50 é a fração irredutível de todas as frações dadas, logo,

é o valor correspondente à razão. Contudo, os cálculos realizados pelos alunos

foram estimulados de forma que eles os fizessem sendo críticos e ativos, isso

porque “a transmissão de informações não é algo simples, não basta expor

Quantidade de sacas 2 3 4 5

Quantidade de farinha 100 150 200 250

Page 54: Monografia Vanilda Matemática 2008

54

para que o aluno receba a informação “correta”, pois este faz várias

interpretações de cada mensagem” (Rabelo, 2004, p.63).

Observando a situação-problema que segue é evidenciado que esta é

freqüentemente vivida por todos os alunos, portanto, são suficientemente

capacitados para proceder cálculos, bem como, atuar em situações desta

natureza. Veja:

� Um quilo de farinha custa R$ 2,50. Quanto custa 5 quilos?

Qnt. De farinha (kg) 1 2 3 4 5

Preço (R$) 2,50 5,00 7,50 10,00 12,50

5,2

1=

5

2 =

5,7

3=

10

4=

5,12

5

Razão

Utilizando para estudar as igualdades acima chamado-as de proporções, o

que nos levou a analisar as questões (12) e (13) do questionário II aplicado

aos produtores de farinha, buscando, observar e compreender a resolução

pelos dois procedimentos (escolar e popular) cujos modelos seguem:

Questão 12: Durante a comercialização da farinha, na feira livre da cidade, é

observado que o quilo da farinha custa R$ 2,50, enquanto, a saca custa R$

110,00. Financeiramente, qual a melhor forma para ser feita à venda?

Notamos que estão relacionados dois valores da grandeza kg de farinha com

dois da grandeza preço. Logo, organizamos esses dados e obtivemos a

seguinte tabela:

Kg de farinha 1 X

Page 55: Monografia Vanilda Matemática 2008

55

Preço (R$) 2,50 110,00

A atenção dos alunos se voltou, inicialmente, só para conhecer o valor até

então misterioso, isso sem ao menos analisar a situação-problema dada.

Com essa atitude dos mesmos foi necessário assumir a postura de

mediador propondo estratégias e fazendo questionamentos que os levasse

a analisar/refletir a situação proposta podendo solucioná-la. “A função do

professor é a de um associado aos alunos na consecução da tarefa, e

conseqüentemente na busca de novos conhecimentos. Alunos e

professores devem crescer, social e intelectualmente, no processo”

(D’Ambrósio, 1996, p.90).

Após compreender que as grandezas dadas são diretamente proporcionais,

os estudantes passaram a escrever as informações da seguinte forma:

5,2

1=

100

x

E, posteriormente, aplicaram a propriedade fundamental das proporções:

2,5.x = 110.1

x = 5,2

110

x = 44

Concluindo que, R$ 110,00 corresponde a 44 kg de farinha o que me levou a

acreditar que ocorreu nos alunos a aquisição de conhecimentos. Entretanto, a

informação obtida não elucidou nos alunos a solução da situação-problema

analisada lembrando que “situações problemáticas são o resultado da ação de

conhecer” (Bicudo e Borba, 2005, p.16), então, os mesmos passaram a utilizar

também o raciocínio lógico dispondo dos dados já sabidos, , chegando à

análise da estratégia utilizada pelos produtores, que a solucionaram

mentalmente. Sobre isso vale mencionar as idéias defendidas por Piaget

Page 56: Monografia Vanilda Matemática 2008

56

quando relata que “para sobreviver precisamos recolher informações, mas, de

todas, só uma pequena parte podemos assumir, visto que todo conhecimento

novo precisa ser relacionado com um conhecimento já existente em nossa

estrutura” (Rabelo, 2004, p.43). O que explica o fato de os alunos recorrerem

aos cálculos procedidos pelos produtores de farinha. A partir daí chegamos ao

seguinte Modelo Matemático:

O discurso dos estudantes foi que “o importante é que de qualquer jeito a

resposta é a mesma” (idéia expressada verbalmente), “e o método dos

produtores é mais fácil”. Entendo que, por ser habituados a solucionar os

problemas cotidianos com cálculos mentais os alunos apresentaram resistência

pelos modelos matemáticos. Contudo analisamos a questão 13 do questionário

II, já que esta era parecida com a anteriormente discutida procurando fazer

com que os pesquisados procedessem utilizando modelos escolares.

Questão 13: Para transformação de 9 carroças de mandioca em farinha, em

três dias, são necessárias 12 pessoas. Para a fabricação de 15 carroças, no

mesmo espaço de tempo, quantas pessoas são necessárias?

Os alunos montaram uma tabela com os dados, entretanto, muitas perguntas

se originaram das grandezas encontradas. Apesar de selecionarem as

informações que para eles apresentaram dificuldade em compreender que um

dos valores é constante, não varia (tempo), logo, este valor não seria utilizado

para solucionar o problema. Veja:

Modelo matemático

9.x=15.12

9.x=180

x=9

180

kg 1 50 (saca)

Preço (R$) 2,50 x

Qnt. de carroças 9 15

Qnt. de pessoas 12 x

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57

x=20

Concluíram que para transformar 12 carroças de mandioca em farinha, no

período de três dias são necessárias 20 pessoas.

Prosseguimos as discussões ainda sobre as unidades de medida utilizadas

para ensacar e vender a farinha estudando os múltiplos e submúltiplos do

grama (g), unidade padrão. Basicamente, a atividade se concentrou na

abordagem e na transformação de algumas unidades, a parti da seguinte

tabela:

kg hg dag g dg cg mg

Transforme:

3,86 dag em g = 38,6 g 3700 g em kg = 3,700 kg ou 3,7kg

46 mg em dg = 0,46 dg 9,4 em g = 940 g

Entretanto, discussão em torno das medidas de massa não foi prolongada,

pois, já é sabido que o trabalho dos processadores de mandioca, aqui descrito,

não requer conhecimentos sobre tal conteúdo. Logo, posseguiu-se discutindo o

custo de produção e a venda da farinha estudando os Números racionais.

Inicialmente, foi realizada uma análise da variação de preço, de acordo com a

qualidade do produto por isso os alunos fizeram à chamada especulação em

supermercados, na feira livre e em depósitos. Para tal atividade os mesmos

precisaram se deslocar da localidade onde residem para o centro da cidade –

Filadélfia.

Já em sala de aula após classificaram a farinha (fina, mista e grosseira)

mostraram os resultados obtidos, dispostos na seguinte tabela:

Tipo de farinha (kg) Fina Mista Grosseira

Page 58: Monografia Vanilda Matemática 2008

58

Preço (R$) 1,80 1,65 1,30

A classificação da farinha, realizada pelos estudantes, se deu a partir da

observação da textura da farinha.

Com isso, conceituaram-se Números racionais e foram estabelecidas

comparações/relações. Veja:

Representação decimal Número misto Representação

fracionária

1,80 1 80/100 18/10

1,65 1 65/100 165/100

1,30 1 3/10 13/10

Comparando dois números decimais:

1,8 > 1,3

1,3 < 1,65

1,65 < 1,8

1,65 > 1,3

Os estudantes não apresentaram maiores dificuldades no estudo desses

conteúdos, pois, no início do ano letivo os assuntos foi trabalhado em sala de

aula (fala da professora). Assim, finalizando esta etapa, além disso, “todo aluno

normal é capaz de bom raciocínio matemático se a atenção for dirigida a

atividades de seu interesse” (Toledo, 1997, p.26) e, querendo compreender

melhor as estratégias utilizadas pelos alunos, bem como, sua preferência

quanto aos possíveis cálculos (escolar/popular) após todas as discussões até

aqui apresentadas foi aplicada a 2ª parte do questionário I3 contendo 4

questões abertas. Nela foi percebido grande equilíbrio entre o numero de erros

e acertos, e dentre os estudantes pesquisados apenas 22% desenvolveram

3 A segunda parte do questionário I, continha 4 questões abertas (Vide ANEXO 1)

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59

cálculos (em algumas questões) pelo método escolar. Note a seguir as

estratégias utilizadas em tal atividade:

1ª) A unidade de medida utilizada é a saca, com 50 kg. Quantas gramas têm

uma saca?

Cálculos:

Método popular Método escolar

1000 1 kg → 1000 g

X 50 50 kg → x

x = 1000 . 50

0000 x = 50000, logo 50 kg = 50000 g

5000

50000

2ª) Um torrador (pessoa) recebe R$ 24,00 pela diária. Quanto será necessário

para pagar 6 torradores por 3 dias de trabalho?

Cálculos:

Método popular Método escolar

24 1 pessoa → 24 R$

x 6 6 pessoas → x

144 x = 24 . 6

x 3 x = 144

432 - Durante 3 dias: 144 . 3 = R$

432,00

Page 60: Monografia Vanilda Matemática 2008

60

3ª) O responsável pela casa-de-farinha recebe 10% do que nela é produzido.

Produzindo-se o equivalente a R$ 207,00, quanto ele receberá?

Cálculos:

Método popular Método escolar

100

10. 207 =

100

7,20 ⇒ R$ 20,70 207 → 100%

x → 10%

100.x = 2070

x = 20,7, ou seja, R$ 20,70

4ª) Certa família produz 419 sacas de farinha por ano e vende a saca por R$

30,00. Quanto ele terá em dinheiro depois de 3 anos?

Cálculos:

Método popular Método escolar

419 1 saca → R$30,00

419 sacas→ x

x30 x = 419 . 30

12570 x = 12570 . 3

x 3 x = 37710

37710

Veja que as 4 questões acima são solucionadas a partir da mesma estratégia,

seja pelo método popular ou pelo escolar, isso utilizando os conteúdos

estudados durante a atividade. Entretanto, a preferência por métodos

populares ou escolares ficou a cargo dos alunos, o importante é fazê-los

enxergar a matemática na vida real. Neste sentido foi essencial utilizar a

Page 61: Monografia Vanilda Matemática 2008

61

“etnomatemática e Modelagem matemática: recurso pedagógico, que têm por

objetivo – ao menos em parte – ligar a Matemática que se estuda nas salas de

aula com a ‘matemática do cotidiano’, ‘da vida’ ” (Bicudo e Borba, 2005, p.93).

Discutiu-se bastante a questão das diferenças nos resultados e as estratégias,

utilizadas pelas pessoas da comunidade, pois foi percebido que os métodos de

resolução apresentados pelos alunos mostraram a influência de sua vida

cotidiana e das situações que nelas enfrentam, daí a importância de vincular a

matemática popular e matemática acadêmica. Talvez a principal característica

da dinâmica deste trabalho é que os conteúdos aparecem a partir das

necessidades por eles enfrentadas, e não são impostos sem nenhum

sentimento.

Reconheço que o individuo e suas praticas não são desvinculadas do contexto

histórico, social e cultural no qual estão inseridos. Com isso, acredito ter

contribuído para a formação intelectual matemática cooperando para que a

educação forme cidadãos conscientes de seu papel na sociedade, capazes de

atuar nela de forma crítica e autônoma, já que “as teorias vêm do

conhecimento acumulado ao longo do passado e os efeitos da pratica vão se

manifestar no futuro” (D’Ambrósio, 1999, p.80).

Page 62: Monografia Vanilda Matemática 2008

62

CONSIDERAÇOES FINAIS

O desenvolvimento desta pesquisa que tinha como objetivo identificar as

estratégias que os alunos desenvolvem para compreender o processo de

produção e comércio da farinha de mandioca construiu nos estudantes uma

visão diferente da matemática, apresentando-a como algo agradável e

extremamente necessário no dia-a-dia, isso, num ambiente de modelagem,

onde buscamos o envolvimento dos alunos oferencendo-lhes uma

aprendizagem significativa e particular de uma situação da realidade.

Apesar das dificuldades foi verificado que o aluno é capaz de desenvolver

estratégias para compreensão e atuação critica, matematicamente falando, na

produção e comércio da farinha de mandioca. Tais estratégias foram discutidas

e redirecionadas ao longo da pesquisa onde os alunos se sentiram motivados

pelo tema, participando ativamente de todo o processo.

Pude perceber que, mesmo os inativos em tal atividade de produção da farinha

compreenderam a importância desse trabalho para a sobrevivência de muitas

famílias e, respeitam a atividade desenvolvida pela comunidade. Além disso, a

utilização da Modelagem Matemática evidenciou a possibilidade de obter

melhores resultados no processo de ensino-aprendizagem da matemática

trazendo para a sala de aula exemplos concretos oriundos da realidade do

aluno, buscando modelos matemáticos que proporcionassem a compreensão e

resolução de problemas.

Nesse sentido, analisando/avaliando o presente estudo posso afirmar que os

objetivos foram alcançados considerando que, durante o trabalho, os alunos

pesquisaram na comunidade e buscaram respostas junto aos trabalhadores

rurais a fim de conhecer suas estratégias de resolução de situações-problema

referente ao processamento e comercialização da farinha, porém em suas

manifestações verbais demonstraram sua preferência pelos métodos

populares, apesar de terem compreendido os cálculos realizados através das

Page 63: Monografia Vanilda Matemática 2008

63

fórmulas apresentadas nos livros didáticos, que vem reforçar a importância e a

necessidade de trabalhar os conteúdos matemáticos ligados ao cotidiano,

utilizando a matemática na interpretação e intervenção da realidade, pois, “ o

relacionamento contínuo e flexível com a comunidade favorecesse a

compreensão dos fatores políticos, sociais, culturais e psicológicos que se

expressam no ambiente escolar” (PCN, 1998, p. 43).

Neste trabalho oportunizou-se a liberdade para a escolha das estratégias

adotadas pelos alunos para solucionar os problemas propostos, fazendo surgir

neles o interesse pelo fazer/aprender. Com o ambiente de modelagem, houve o

acompanhamento do pesquisador procurando explorar os conteúdos

pertinentes ao tema e a série, orientando as atividades desenvolvidas de forma

a deixar os pesquisados à vontade para buscar modelos e alternativas para

seus cálculos matemáticos, pois, “estar atento à diversidade é considerar não

só as capacidades intelectuais e os conhecimentos de que o aluno dispõe, mas

também seus interesses e motivações” (PCN, 1998, p. 92).

Entendo que embora a escola seja vista como ineficiente no que se refere à

aprendizagem significativa dos conteúdos básicos, atividades como esta aqui

apresentada desvincula a matemática da simples aplicação de fórmulas, onde

o aluno é visto como uma máquina de reprodução. Inclusive, sugiro que todos

os alunos não importando seu nível escolar, devam ter acesso à aprendizagem

contextualizada permitindo aprender com compreensão e criatividade.

Para finalizar, digo que a atividade desenvolvida promoveu a interação entre a

escola e a comunidade, utilizando inovações no ensino como a Modelagem

Matemática e a Etnomatemática, conhecendo e reconhecendo as estratégias

oriundas da produção e comercialização da farinha de mandioca.

Page 64: Monografia Vanilda Matemática 2008

64

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Page 68: Monografia Vanilda Matemática 2008

68

ANEXOS

ANEXO 1 - Questionário I

ANEXO 2 – Questionário II (1ª e 2ª parte)

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ANEXO 1

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM - BA QUESTIONÁRIO I Este questionário servirá de material de pesquisa para monografia por isso solicita-se sua colaboração. INSTRUÇÕES:

1. Não é necessário se identificar; 2. Nas questões objetivas, assinale apenas uma alternativa.

Responda:

1. Sexo ( ) masculino ( ) feminino 2. Qual a sua idade? .................................. 3. Você reside na: ( ) Fazenda Caveira ( )Localidades vizinhas 4. Os conteúdos de matemática que são trabalhados em sala de aula contribuem

para o seu dia-a-dia? ( ) sim ( ) não 5. Você conhece alguém que saiba fazer farinha de mandioca? ( ) sim ( )não 6. Seus familiares já produziram/produzem farinha de mandioca? ( ) sim ( ) não 7. Você já participou do processo de fabricação da farinha de mandioca? ( ) sim ( ) não 8. Você conhece como se dá a produção de farinha de mandioca?

( ) sim ( ) não

9. Você sabe quanto custa a “saca” de farinha? ( ) sim ( ) não

10. A você compete vender sacos de farinha ao mais alto preço do mercado. Você

sabe especular/pesquisar? ( ) sim ( ) não

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QUESTIONÁRIO I ( 2ª PARTE)

1. A unidade de medida utilizada é a saca com 50 kg. Quantas gramas têm uma saca?

2. Um torrador (pessoa) recebe R$ 24,00 pela diária. Quanto será necessário para

pagar a 6 torradores por 3 dias de trabalho?

3. O responsável pela fabricação de farinha recebe 10% do que nela é produzido.

Produzindo-se o equivalente a R$ 207,00, quanto ele receberá? 4. Certa família produz 419 sacas de farinha por ano e vende a saca por R$ 30,00.

Quanto ele terá em dinheiro depois de 3(três) anos?

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ANEXO 2 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA-UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO - CAMPUS VII SENHOR DO BONFIM - BA QUESTIONÁRIO II Este questionário servirá de material de pesquisa para monografia por isso solicita-se sua colaboração. INSTRUÇÕES:

1. Não é necessário se identificar; 2. Nas questões objetivas, assinale apenas uma alternativa.

Responda:

1. Sexo ( ) masculino ( ) feminino 2. Qual a sua idade? .................................. 3. Você reside na: ( ) Fazenda Caveira ( )Localidades vizinhas 4. Profissão/atividade ( ) trabalhador rural ( ) comerciante ( ) servidor publico ( ) outros 5. Grau de instrução a) 1ª à 4ª serie c) 1° à 3° do Ensino Médio

( ) completo ( ) completo ( ) incompleto ( ) incompleto

b) 5ª à 8ª serie d) ( ) Analfabeto ( ) completo ( ) incompleto 6. Como aprendeu a fazer farinha de mandioca? ..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 7. Qual a unidade de medida mais usada na região? ( ) prato (15 quilos)

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( ) saca (50 quilos) ( ) quilo 8. Com que finalidade as pessoas da comunidade produzem farinha? ( ) renda familiar ( ) auxilio para a renda familiar ( ) outros 9. Como e onde é vendida a farinha de mandioca produzida na região? .............................................................................................................................................................................................................................................................................. 10. Como é feito o pagamento dos ajudantes? ..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... 11. Os gastos com o plantio, fabricação e a venda da farinha de mandioca são

compensados com lucros financeiros? Justifique. ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ 12. Durante a comercialização da farinha, na feira livre da cidade é observado que o

kg da farinha custa R$ 2,50, enquanto, a saca custa R$ 110,00. Financeiramente qual a melhor forma para ser feita a venda?

13. Para a transformação de 9 carroças de mandioca em farinha, em três dias, são

necessárias 12 pessoas. Para a fabricação de 15 carroças no mesmo espaço de tempo, quantas pessoas são necessárias?

14. Quantos sacos são necessários para ensacar 325 kg de farinha de mandioca?

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