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1 MORTALIDADE POR GASTROENTERITE EM MENORES DE CINCO ANOS, NO BRASIL, 1997 – 2001 um estudo por bacia hidrográfica Maria Leonor BAPTISTA ESTEVES Mestre em San., M. Ambiente e Rec. Hídricos, ANA, Setor Policial Sul, Área 5, Bl. L, Brasília, Brasil, (61) 2109 5322, [email protected] Luciana TRICAI CAVALINI Médica, Departamento de Epidemiologia e Bioestatística, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil. Carmem Lucia WANNER ESTIMA Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. Luís César PERUCCI DO AMARAL Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil Marcelo SANTOS SAMPAIO Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil Paulo Renato da SILVA ABBAD Eng°. Civil, Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil. Resumo A diarréia em menores é considerada um problema relevante de saúde pública no Brasil. Apresenta incidência e letalidade altas, apesar da prevenção ser custo-efetiva. É também um indicador de saúde capaz de expressar desigualdade, pois é mais freqüente e grave entre populações infantis expostas a piores condições sociais, econômicas, de saneamento e de assistência à saúde. O saneamento ambiental é um fator de proteção para a diarréia em crianças, mas a sua associação com as características intrínsecas das fontes naturais de água ainda necessita de investigação. Este estudo teve o objetivo de estimar a mortalidade por gastroenterite na população brasileira menor que cinco anos, por bacias hidrográficas, no período entre 1997 e 2001. Realizou-se um estudo em que as taxas de mortalidade, originalmente calculadas para os municípios, foram agregadas por bacias hidrográficas, com a utilização de um Sistema de Informação Geográfica (SIG), o mesmo sendo realizado para as variáveis explicativas (sócio-econômicas: renda, escolaridade, cobertura de serviços de esgoto, água e lixo). Os dados foram analisados por meio de regressão linear múltipla, adotando-se, como variável de resposta, a taxa de mortalidade média para os anos entre 1997 e 2001. Para os anos estudados, houve uma redução no valor do indicador estudado, que se apresentou fortemente associado às variáveis sócio-econômicas, especialmente nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Nas Regiões Norte e Nordeste, entretanto, houve variação de segunda ordem remanescente, para este indicador. Conclui-se que outras variáveis, como a cobertura de serviços de saúde, e também a qualidade da água das bacias hidrográficas das regiões mais pobres do país, podem ser determinantes, em parte, do padrão espacial observado. Palavras-chave Gastroenterite, mortalidade , bacias hidrográficas, sócio-econômicas, georeferenciamento.

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MORTALIDADE POR GASTROENTERITE EM MENORES DE CINCO ANOS, NO BRASIL, 1997 – 2001

um estudo por bacia hidrográfica

Maria Leonor BAPTISTA ESTEVES Mestre em San., M. Ambiente e Rec. Hídricos, ANA, Setor Policial Sul, Área 5, Bl. L, Brasília, Brasil, (61) 2109 5322, [email protected]

Luciana TRICAI CAVALINI Médica, Departamento de Epidemiologia e Bioestatística, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.

Carmem Lucia WANNER ESTIMA Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

Luís César PERUCCI DO AMARAL Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil

Marcelo SANTOS SAMPAIO Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil

Paulo Renato da SILVA ABBAD Eng°. Civil, Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, Brasil.

Resumo

A diarréia em menores é considerada um problema relevante de saúde pública no Brasil. Apresenta incidência e letalidade altas, apesar da prevenção ser custo-efetiva. É também um indicador de saúde capaz de expressar desigualdade, pois é mais freqüente e grave entre populações infantis expostas a piores condições sociais, econômicas, de saneamento e de assistência à saúde. O saneamento ambiental é um fator de proteção para a diarréia em crianças, mas a sua associação com as características intrínsecas das fontes naturais de água ainda necessita de investigação. Este estudo teve o objetivo de estimar a mortalidade por gastroenterite na população brasileira menor que cinco anos, por bacias hidrográficas, no período entre 1997 e 2001. Realizou-se um estudo em que as taxas de mortalidade, originalmente calculadas para os municípios, foram agregadas por bacias hidrográficas, com a utilização de um Sistema de Informação Geográfica (SIG), o mesmo sendo realizado para as variáveis explicativas (sócio-econômicas: renda, escolaridade, cobertura de serviços de esgoto, água e lixo). Os dados foram analisados por meio de regressão linear múltipla, adotando-se, como variável de resposta, a taxa de mortalidade média para os anos entre 1997 e 2001. Para os anos estudados, houve uma redução no valor do indicador estudado, que se apresentou fortemente associado às variáveis sócio-econômicas, especialmente nas Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. Nas Regiões Norte e Nordeste, entretanto, houve variação de segunda ordem remanescente, para este indicador. Conclui-se que outras variáveis, como a cobertura de serviços de saúde, e também a qualidade da água das bacias hidrográficas das regiões mais pobres do país, podem ser determinantes, em parte, do padrão espacial observado. Palavras-chave Gastroenterite, mortalidade , bacias hidrográficas, sócio-econômicas, georeferenciamento.

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1 – INTRODUÇÃO A diarréia em crianças (especialmente em menores de cinco anos) é considerada, ao longo do

tempo e ainda na atualidade, um problema relevante de saúde pública no Brasil. É uma doença de grande incidência, nesta faixa etária, e se associa a considerável letalidade, não obstante a existência de métodos simples de prevenção da sua ocorrência. Mais ainda, é um indicador de saúde capaz de expressar desigualdade, visto que é mais freqüente e apresenta maior gravidade entre populações infantis expostas a piores condições sociais, econômicas, de saneamento e de assistência à saúde (Campos et al., 1995; Benicio & Monteiro, 2000).

A gastroenterite é um termo geral que se refere a um grupo de distúrbios cujas causas são as infecções e cujos sintomas incluem a perda de apetite, a náusea, o vômito, a diarréia leve a intensa, a dor tipo cólica e o desconforto abdominal. Juntamente com a perda de água, ocorre a de eletrólitos (sobretudo de sódio e potássio) do organismo. Para o adulto saudável, o desequilíbrio eletrolítico é apenas inconveniente, mas ele pode causar uma desidratação potencialmente letal em indivíduos muito doentes, muito jovens ou idosos (MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE, 2004b).

As epidemias de diarréia em lactentes, crianças e adultos geralmente são causadas por microrganismos presentes na água ou em alimentos contaminados por fezes infectadas. As infecções também podem ser transmitidas de pessoa para pessoa, sobretudo quando um indivíduo com diarréia não realiza uma lavagem de mãos adequada após evacuar. É, portanto, classificada entre as doenças de natureza sanitária.

O saneamento ambiental é, reconhecidamente, um fator de proteção para a diarréia em crianças. Estudos nacionais recentes demonstram que as maiores taxas de incidência e mortalidade da doença ocorrem em áreas com piores condições de suprimento de água, esgotamento sanitário e coleta de lixo (Waldman et al., 1997; Guimarães et al., 2001; Heller, Colosimo & Antunes, 2003). Entretanto, o papel do acesso a fontes naturais de água e as características das mesmas, como determinantes do perfil epidemiológico da diarréia em crianças ainda necessita de investigação.

Este estudo levanta a hipótese de que é possível relacionar a heterogeneidade espacial da taxa de mortalidade por gastroenterite, em menores de 5 anos, identificando-a no nível de bacias hidrográficas. Considera-se, portanto, que a distribuição desta doença é determinada em função de diferenças no suprimento de água de cada área considerada, das condições de esgotamento sanitário e de limpeza urbana, condições ambientais, e, em parte, pelas situações sócio-econômicas das populações locais. 2 - OBJETIVO

Estimar a mortalidade por gastroenterite na população brasileira menor que cinco anos, a partir de recorte territorial “bacia hidrográfica”, nível 2, analisando-se os efeitos da estrutura sócio-econômica e de saneamento das áreas estudadas, no período entre 1997 e 2001. 3 - METODOLOGIA 3.1 A abordagem espacial da endemia

Este é um estudo descritivo da mortalidade por gastroenterites em menores de 5 anos. Adotou-se, como unidade de observação, as bacias hidrográficas brasileiras, Nível 2, de acordo com a sistemática para codificação de bacias hidrográficas do Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH. Este nível de agregação foi escolhido para permitir a visualização em mapas do território brasileiro em conjunto (PFAFSTETTER, 1989; CNRH, 2002).

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Em 1998, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente coordenou um trabalho de classificação e codificação das bacias hidrográficas brasileiras segundo a referida metodologia, em nível de detalhe compatível com a escala da base utilizada, 1:1.000.000. Foi possível então caracterizar com maior consistência as bacias hidrográficas do continente sul-americano.

A metodologia foi aplicada da seguinte forma: aplicação de código às quatro maiores bacias hidrográficas identificadas, que drenam diretamente para o mar, sendo-lhes atribuídos os algarismos pares 2, 4, 6 e 8, seguindo o sentido horário em torno do continente.

As demais áreas do continente foram agrupadas em regiões hidrográficas. sendo-lhes atribuídos os algarismos ímpares 1, 3, 5, 7 e 9, de tal forma que a região hidrográfica 3 encontra-se entre as bacias 2 e 4, a região hidrográfica 5 encontra-se entre as bacias 4 e 6, e assim sucessivamente. Como forma de equacionar a aplicação de código na região hidrográfica que drena para o Lago Titicaca, foi atribuído o algarismo zero para a mesma. Isto determina a subdivisão de nível 1 do continente.

De posse da codificação continental, apresentando 10 regiões hidrográficas (nível 1), uma nova subdivisão foi realizada a fim de obter-se o nível 2 de bacias para o continente. Para tanto, assume-se como foz o ponto de descarga (exutório) da bacia a ser dividida. A análise é realizada sempre da foz para montante identificando todas as confluências e distinguindo o rio principal de seus tributários. O rio principal é aquele curso d’água que drena a maior área e os tributários, os demais que drenam áreas menores.

A bacia hidrográfica é uma Região e, portanto, apresenta características de contigüidade, continuidade e autonomia, isto é, o que acontece em uma área, não se reflete na outra, no contexto da análise espacial. Este conceito refere-se ao fato de, nas Regiões Geográficas, criar-se o “possibilismo” geográfico, segundo o qual a população se adapta ao meio e também o contrário (e o meio à população).

3.2 Georreferenciamento dos Indicadores

O indicador de saúde, deste estudo – mortalidade por gastroenterite em menores de 5 anos, foi obtido mediante a utilização de duas fontes de dados. Para a contagem dos óbitos em menores de 5 anos, referentes aos códigos A00 a A09 da Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados a Saúde (Centro Brasileiro de Classificação de Doenças, 1993), utilizou-se Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) (Ministério da Saúde, 2004a). Para a contagem da população menor de 5 anos, por município, e para os indicadores sócio-econômicos e de saneamento, a fonte de dados foi a base de dados do Censo Demográfico Brasileiro de 2000 e as projeções intercensitárias para os anos 1997, 1998, 1999 e 2001 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2004).

O SIM constitui-se na fonte oficial de dados sobre óbitos para a área de saúde no País. Os dados do SIM são os mais fidedignos na avaliação dos eventos de mortes e nascimentos em razão do acompanhamento sistemático da ocorrência do evento. Mesmo com o imenso avanço deste sistema de informações, nos últimos anos, ainda existem estados onde a cobertura e a qualidade das informações são precárias, o que leva à necessidade da adoção de estimativas indiretas para o cálculo das taxas de mortalidade (Ministério da Saúde, 2004c).

Como as variáveis independentes somente seriam disponíveis para o ano de 2000 (ano de realização do censo demográfico), foi obtida uma taxa de mortalidade média do período, ponderada pelo tamanho da população menor de 5 anos em cada ano do estudo. Dessa forma, como as populações dos anos mais recentes tendem a ser maiores, esta taxa teria um valor mais aproximado do ano em que os indicadores sócio-econômicos e de saneamento eram disponíveis.

A base de dados adotada englobou, portanto, o resultado da pesquisa de mortalidade por gastroenterite em menores de 5 anos, para os 5.507 municípios brasileiros, bem como as variáveis

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correspondentes aos sistemas de abastecimento de água, de esgotamento sanitário e de coleta de lixo, relativos aos 5 anos contemplados pelo estudo.

Como variáveis independentes, foram utilizadas: a média de anos de estudo; os índices de Gini e de Theil; a razão de renda entre os 10% e 20% mais ricos e os 10% e 20% mais pobres; a razão de dependência para as faixas etárias de menores de 15 anos e maiores de 64 anos; proporção de crianças de até 10 anos na escola; taxa de analfabetismo; proporção de população que recebe mais de 50% de sua renda de transferências governamentais; renda per capita; taxa de indigência; taxa de pobreza; taxa de urbanização; proporção de domicílios com água canalizada, ao menos no terreno (rede geral, poço ou outras); proporção de domicílios com qualquer tipo de instalação sanitária e proporção de domicílios com lixo coletado por serviço de limpeza ou caçamba.

O desafio colocado foi o cálculo das taxas de mortalidade por gastroenterite em menores de cinco anos, no Brasil, entre os anos de 1997 – 2001, adotando-se a bacia hidrográfica, como unidade de observação, de modo a correlacioná-las com as condições sanitárias vigentes localmente, no mesmo período. Para poder-se alcançar este objetivo, optou pelo georeferenciamento das informações, concentrando os dados referentes a 5507 municípios em 82 bacias de nível 2 (ver anexo).

De posse da base cartográfica (bacias hidrográficas, nível 2)1, a qual incluiu a malha dos municípios e de suas sedes, obtidas as variáveis a serem estudadas e selecionadas as fontes de dados, iniciou-se o trabalho de georeferenciamento destas últimas, de modo a permitir a sua análise segundo a unidade de observação adotada. Para trabalhar este tema, adotou-se o programa Arcview® versão 3.1.

O primeiro passo foi, necessariamente, definir uma metodologia de correlação entre o dado e a unidade de observação correspondente.

Para georeferenciar os dados, acoplou-se a base cartográfica ao mapa das sedes municipais (mapa ANA – com codificação IBGE), conectando-os.

Obteve-se, utilizando-se geoprocessing- alocate data, a informação da bacia, em que cada sede se localiza, bem como a população das bacias hidrográficas, nível 2, georeferenciando-as pelo códigos municipais.

O próximo passo foi a verificação da correlação dos limites de municípios com os de bacias. Tanto os dados de saúde quanto os dados de saneamento são relativos à unidade política correspondente à área de um município. A bacia hidrográfica é uma limitação baseada em divisores físicos, não apresentando, portanto, correlação territorial com os municípios ou com suas sedes. A figura 1 apresenta o conjunto dos municípios e a delimitação das respectivas bacias de nível 2, mostrando que não há uma superposição perfeita entre os limites de municípios e as divisas das bacias hidrográficas. Contudo, na maioria dos casos, obteve-se uma boa superposição dos limites de bacia nível 2, com os limites dos municípios (figura 2).

1 Fonte: Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL/Agência Nacional de Águas – ANA.

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Outra questão com necessidade de ser solucionada referia-se ao fato de os dados utilizados

serem relativos a toda área do município, não havendo como georeferenciá-los, adequadamente. Para resolver esta questão, adotou-se uma simplificação: concentrou-se toda a informação na sede municipal, como se tudo fosse relativo à sede e, não, ao município. Este artifício foi adotado devido ao fato de poder-se correlacionar a localização da sede com uma coordenada geográfica. Também tornou possível associar a base dados do Ministério da Saúde com a base das bacias hidrográficas.

Figura 1: limites municipais versus bacias hidrográficas nível 2.

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de mortalidade por gastroenterite em menores de 5 anos efetivamente associada às variáveis independentes) e os resíduos (a fração da taxa de mortalidade por gastroenterite em menores de 5 anos não explicada pelas variáveis independentes).

Figura 2: vista, em detalhe, para verificar a superposição dos limites de bacia nível 2, com os limites dos municípios.

Assim, com a planilha eletrônica, contendo os municípios e as coordenadas das sedes municipais, e as planilhas de dados de saúde, por meio do ArcView, fez-se um “join” (table-join), associando-os.

De posse das coordenadas relativas às sedes, verificou-se as sedes compreendidas em cada bacia. Pôde-se, então, correlacionar e agregar as informações relativas às sedes municipais, às bacias hidrográficas que as continham. Para isto, somou-se, por meio do sumarize, os casos, a população e outras variáveis sócio-econômicas por bacia.

A partir deste ponto, foi possível fazer-se o cálculo das taxas. Para a verificação da correlação entre as condições sanitárias dos municípios e a ocorrência de gastroenterite, utilizou-se regressão linear múltipla. Para este procedimento estatístico, foi utilizado o aplicativo Statistical Package for Social Sciences (SPSS®) - versão 10.

Foram estimados, para o modelo de regressão, os valores preditos (ou seja, a fração da taxa

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O resultado obtido foi a visualização dos dados das bacias, de modo a possibilitar a sua análise (ver conjunto de mapas denominado das figuras 3, 4 e 5). 4 - ANÁLISE DOS RESULTADOS Construção de Indicadores: (1)

Uma análise geral da figura 3 permite avaliar a evolução das taxas de mortalidade por gastroenterite, em menores de 5 anos, no período estudado. Cabe salientar, contudo, que a leitura destes resultados requer que se tenha em mente as condições regionais de assistência à saúde e, conseqüentemente, a importância dada à notificação, ao registro de casos e às dificuldades de comunicação existentes em algumas regiões do País.

Estes fatores podem induzir a equívocos de interpretação: para determinados municípios, o baixo índice de mortalidade pode refletir não uma melhoria da qualidade de vida, mas a falta de registro e a baixa notificação das ocorrências.

Contudo, de uma forma geral, os mapas ilustram bem a realidade retratada nas estatísticas de saúde.

As figuras 4 e 5 retratam a correlação entre a taxa de mortalidade e as condições sócio-econômicas. Quanto melhor a correlação, mais a escura a cor adotada para sua indicação.

De uma forma geral, estes cinco anos foram significativos na redução das taxas de mortalidade infantil. É notório o saldo de qualidade de vida dado pela Região Nordeste, entre os anos de 1998 e 2000.

Taxa de mortalidade = nº de óbitos_______ população sob risco

Indicadores sócio-econômicos = Referenciados para a população do município e agregados por bacia.

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8 Figura 3: taxa de mortalidade por gastroenterite, em menores de 5 anos.

Rio S. FranciscoRio Purus

Rio Grande

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As bacias da Região Sul e de parte do Sudeste (Regiões Hidrográficas dos rios Paraná e

Uruguai e Costeiras Sul e Sudeste) foram as que melhor resultado apresentaram em termos de redução da mortalidade infantil, chegando ao ano 2000 com taxas, em geral, inferiores a 10 mortes para menores de 5 anos.

As bacias do Centro-Oeste, não apresentaram muitas mudanças, chegando-se a verificar uma piora nas taxas da bacia do rio Araguaia, ao final deste período.

Com relação à região Norte, deve-se ter maior cuidado ao se considerar os resultados. A Amazônia possui baixa cobertura por serviços de saneamento e, no entanto, algumas bacias apresentam resultados surpreendentes quanto à diminuição da taxa em estudo. Este é o caso da bacia do rio Purus, para o ano de 2001. Cabe ressaltar que este resultado, nesta bacia, pode indicar baixa notificação de mortalidade por dificuldade de comunicação, ausência de registros, devido à carência de postos de saúde na região etc. Esta conclusão é reforçada pelo fato de os mapas nos 4 e 5 indicarem uma boa correlação entre as taxas de mortalidade e os dados sócio-econômicos, na maior parte das bacias, e de não se verificar o mesmo para a bacia do Purus.

Observa-se, por exemplo, que a taxa de mortalidade, na bacia do rio Negro, região Norte, praticamente não sofreu alteração até 2001. Esta bacia encontra-se em plena selva amazônica e a probabilidade da inexistência de estatística é grande. Por outro lado, os menores índices podem ser observados na bacia do rio Grande, região Sudeste, que chega, ao ano de 2001, com taxas inferiores a 5 mortes por 1000 nascidos vivos. Nesta bacia, dadas as boas condições sócio-econômicas e de atendimento à saúde, esta correlação pode ser mais imediata.

Neste contexto, chama a atenção a bacia do rio São Francisco. Este rio nasce no Sudeste, em uma das áreas do País com maior cobertura de serviços de saneamento. No entanto, a maior parte de seu território encontra-se no semi-árido nordestino, onde se verifica situação inversa quanto ao atendimento da população por serviços de abastecimento público, esgotamento sanitário e sistemas de coleta e disposição de resíduos sólidos urbanos. O fato de a bacia do rio São Francisco cobrir uma área tão extensa, com características tão diversas, faz com que a base cartográfica adotada leve a distorções na compreensão do resultado, para um observador mais desatendo. Para se contornar situações como esta, provavelmente, o melhor seria a adoção de bacias nível 3, possibilitando que o detalhamento maior da informação.

Bacias como a do rio Parnaíba, do Vaza-Barris, do Buranhém e do Araguaia devem despertar interesse na verificação da causa real do comportamento verificado para a taxa de mortalidade, que chega a apresentar uma diminuição da taxa, seguida de um novo aumento ao final do ano 2001.

Preocupam, contudo, bacias como a do rio Apodi que, neste período, não apresentaram qualquer redução na taxa de mortalidade. Contudo, indicam boa correlação com as variáveis sócio-econômicas.

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Figura 4: resultados da regressão linear.

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5 - CONCLUSÃO

Está em fase de elaboração, o Plano Nacional dos Recursos Hídricos - PNRH. É essencialmente um instrumento de planejamento estratégico que deve ser elaborado a partir das definições, princípios e diretrizes consagradas na Constituição Federal, na Lei Nº 9.433, de 1997 e nas diretrizes aprovadas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH.

Rio Araguaia

RioGrande

Rio Negro

Rio Vaza-Barris

Rio Parnaíba

Rio Apodi

Rio Buranhém

Rio São Francisco

Figura 5: resíduos da regressão linear.

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O Plano deverá ser elaborado a partir de dados, informações, levantamentos e estudos já disponíveis. Isto implica em um trabalho de compilação, análise e síntese de informações dispersas, existentes em diversas entidades públicas e privadas podendo, eventualmente, ser complementado com estudos específicos decorrentes de possíveis lacunas nas bases de dados existentes.

Neste aspecto, o estudo apresentado configura-se como um instrumento bem estruturado para subsidiar as análises do PNRH.

No trabalho em destaque, foram observados os seguintes padrões espaciais: 1. a redução das taxas, ao longo dos anos; 2. a ocorrência maiores taxas brutas nas bacias de regiões mais pobres; 3. percentuais altos de explicação pelo modelo de regressão, distribuídos

homogeneamente pelo País; 4. menor poder de explicação do modelo para áreas mais pobres.

No seu desenvolvimento, a metodologia adotada apresentou alguns problemas, distribuídos em três itens:

1. problemas com os indicadores: a. subregistro de óbitos; b. média de taxas de mortalidade; c. variáveis independentes medidas no modelo trasnversal; d. ausência de parâmetros em algumas bacias (missing data not at

random); 2. problemas com a base cartográfica adotada: em algumas situações, não

houve uma boa superposição dos limites de bacia nível 2, com os limites dos municípios (figura 2). Nestes casos, a sede do município ficou em determinada bacia e a maior parte da área do município ficou em outra (figura 3).

Tal fato resultou que a bacia do rio Javari não aparece no mapa de resultados, uma vez que toda a sua área está contida em um único município e a sua sede ficou no limite com a bacia adjacente, Jutaí (figura 7). O mesmo ocorreu com a bacia Uaçá (figura 6).

Com relação à ilha de Fernão de Noronha, ela não se encontra representada dentro de uma bacia, na base adotada. Portanto, embora tenha-se os indicadores de saúde e as variáveis sócio-econômicas, eles não foram representados graficamente.

É necessário realizar alguns ajustes com relação à localização de sedes próximas a limites de municípios. Para solucionar isto, pode-se georeferenciar as sedes, dos municípios cujas sedes ultrapassam os limites de bacia, pelos seus centróides. Outra solução, mais complexa, seria trabalhar-se com população urbana e rural, fazendo-se a distribuição da população conforme a área em que se localiza em cada bacia;

Com relação à ilha de Fernão de Noronha, é necessário incluí-la, codificando-a, na bacia cartográfica de bacias de nível 2.

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3. problemas encontrados com a compatibilização de bancos de dados: a. ausência de código de bacias - agregação feita com variável string.

Estudos locais podem ser realizados para se avaliar a causalidade da “menor explicação do

modelo de regressão” para bacias específicas (outras variáveis não identificadas determinam parte importante da mortalidade nessas áreas).

O PNRH visa, basicamente, a definição das ações a serem desenvolvidas por entidades competentes, em horizontes temporais adequados, não cabendo ao mesmo definir procedimentos

Figura 6: bacia hidrográfica Uaçá, toda contida em área rural.

Figura 7: bacias Hidrográficas nível 2: rios Jutaí e Javari.

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executivos. Face ao princípio da gestão descentralizada, caracterizada na Política Nacional de Recursos Hídricos, o Plano deve respeitar o espaço de decisão que a Lei reserva aos estados, ao Distrito Federal e às próprias comunidades, enquanto usuários da água. Neste sentido, é inevitável que a abordagem do amplo, complexo e diversificado quadro nacional leve em consideração, como critério para avaliação dos recursos hídricos, a regionalização segundo as grandes bacias hidrográficas do país e áreas especiais. Por outro lado, para que o Plano apresente consistência, em suas diretrizes gerais, é imperativo que os estudos por bacias hidrográficas observem um mesmo roteiro básico e algumas normas comuns.

Neste contexto, a metodologia adotada apresenta-se bastante adequada. Dependendo da precisão que desejada, na análise do contexto nacional, pode-se refinar os resultados por meio das sugestões feitas acima.

BIBLIOGRAFIA BENICIO MHD & MONTEIRO CA (2000). Tendência secular da doença diarréica na infância na cidade de São Paulo (1984 – 1996). Revista de Saúde Pública 34 (6 Supl.): 83 – 90. CAMPOS GJV, et al.(1995). Morbimortalidade infantil por diarréia aguda em área metropolitana da região Nordeste do Brasil, 1986-1989. Revista de Saúde Pública 29 (2): 132 – 139. CENTRO BRASILEIRO DE CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS (1993). Décima Revisão da Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados a Saúde. São Paulo: Edusp. CONSELHO NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS – CNRH. Resolução nº 30, de 11 de Dezembro de 2002 (publicada DOU em 19/03/2003). GUIMARÃES ZA et al. (2001). Declínio e desigualdades sociais na mortalidade infantil por diarréia. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 34 (5): 473 – 478. HELLER L. et al. (2003). Environmental sanitation conditions and health impact: a case-control study. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 36 (1): 41 – 50. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (2004). Censo Demográfico Brasileiro 2000. Acessível em http://www.ibge.gov.br. Acessado em 15/07/2004. Lei n° 9.433, de 8 de janeiro de 1997. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA EXECUTIVA. DEPARTAMENTO DE INFORMAÇÃO E INFORMÁTICA DO SUS (2004a). Sistema de Informações sobre Mortalidade. Acessível em http://www.datasus.gov.br. Acessado em 15/07/2004. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE (2004b). Doenças diarréicas agudas. In: Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 4. ed. Brasília: Ministério da Saúde, pp. 111 - 113. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE. DEPARTAMENTO DE ANÁLISE DE SITUAÇÃO DE SAÚDE (2004c). Saúde Brasil 2004 – uma análise da situação de saúde: 90. PFAFSTETTER (1989). Classificação de Bacias Hidrográficas – Metodologia de Codificação. Rio de Janeiro, RJ: DNOS. p. 19.

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(http://www.msd-brazil.com/msd43/m_manual/mm_sec9_106.htm) WALDMAN EA et al. (1997). Gastroenterites e infecções respiratórias agudas em crianças menores de 5 anos, em área da região Sudeste do Brasil, 1986 – 1987. II – Diarréias. Revista de Saúde Pública 31 (1): 62 – 70. ANEXO Bacias brasileiras, nível 2: PARAÍBA, MUCURI, JEQUITINHONHA, CURIMATÃ, TRAIRÍ, PURUS, OIAPOQUE, MUNIM, JUTAÍ, MEARIM, ITAPECURU, PIRANHAS, DOCE, PARNAÍBA, FOZ AMAZONAS, POTENGI, DE CONTAS, CURU, TURIAÇU, PARAGUAÃU, SÃO MATEUS, APODI, LITORAL RS, SÃO FRANCISCO, CEARÁ MIRIM, PARAÍBA DO SUL, ITAÚNAS, ITAPICURU, BENEVENTE, PERICUMÃ, LITORAL PA, PARANAÍBA, ITAPEMIRIM, GUAÍBA, IGUAÇU, URUGUAI, ARAGUARI, JURUÁ, LITORAL AP, JARI, GRANDE, REIS MAGOS, PARANAPANEMA, PARDO, LITORAL CE, TOCANTINS, LITORAL PR, ITABAPOANA, PARU DO L., PARANÁ, LITORAL SC, GUAMÁ, JATAPU, LITORAL RJ, PARÁ, SANTA MARIA, GURUPI, TROMBETAS, MADEIRA, XINGU, JUCÁ, IÃ, ACARÚ, RIBEIRA, LITORAL RN, LITORAL SP, TIETÊ, LITORAL PB, JAPURÁ, EXTREMO SUL, UMA, PARAGUAI, LITORAL MA, NEGRO, CAPIBARIBE, TAPAJÓS, ARAGUAIA, JAGUARIBE, MUNDAÍ, LITORAL PI, ACARAÚ.