Morus

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Morus, Moreau, Morel: A ilha como espao da UtopiaO autor se apresenta como infortnio ou vicio de seus contemporneos justamente o afastamento da liberdade natural do homem em favor de uma servido voluntria ao rei. A gravidade de sua existncia est, principalmente, no fato de o autor a postular como um atentado natureza. , portanto, a partir de uma concepo de um estado natural fundado na liberdade absoluta do homem que o autor formula explicitamente duas questes: Por que motivo ocorreu a desnaturao do homem, o mau encontro? E, finalmente, o que mantm nos homens o desejo de servido?A proposio levantada por La Botie acerca de um homem novo guiado unicamente pela luz da razo e alheio s condies sociais de seu prprio tempo nos faz retornar a duas questes levantadas anteriormente. A primeira diz respeito brutal transformao da noo de espao trazida pelos Descobrimentos, que tem como conseqncia imediata a descoberta da alteridade; como o exemplo de La Botie nos faz perceber, o outro o reverso que molda a utopia, como parmetro exterior sociedade europia. Na mesma poca, os pensadores como Maquiavel e Thomas Hobbes, o pensamento utpico do Renascimento tem como base o preceito da bondade natural do homem o que ser desenvolvido mais tarde por toda uma vertente mais idealistas de reflexo, na qual se inscreve o prprio socialismo. Para utopistas, o homem no mau em essncia, e se vem a s-o por fora das circunstncias de sua existncia, sobretudo por causa da propriedade privada.Fato que j podemos perceber desde Plato, a todas as utopias aflige um latente, mas poderoso, autoritarismo: a liberdade no aqui, posta em questo, j que tido como um pressuposto que os anseios particulares devem ceder lugar ao projeto coletivo. nesse ponto que reside uma das grandes contradies que perpassam o texto de Morus: ao mesmo tempo em que este se filia tradio estico-epicurista na busca do prazer e do viver conforme a natureza, defende-revelando a ortodoxia crist do autor a represso de determinados prazeres, vistos como expresso do mal, e a valorizao dos instintos benignos e moderados. Morus semantiza dois pontos que sero fundamentais na construo do pensamento utpico moderno. Em primeiro lugar, representa a realizao efetiva desse movimento de evaso da temporalidade histrica para a constituio de um modelo rgido, imutvel. Morus, bem como os outros utopistas do Renascimento, tem conscincia que a Utopia apenas um parmetro para a ao, irrealizvel em termos prticos.O segundo ponto posto em evidncia pela narrativa fundadora da ilha de Utopia o que essa mudana de patamar do devir histrico perfeio eterna se realiza por meio de um ato de vontade. Neste ponto, rompem-se as aproximaes, j tecidas anteriormente, entre a sociedade imaginada por Morus e os mitos de origem oriundos da cultura Greco-latina e da tradio judaico-crist, projetados nas vises de novo mundo.A Utopia de Morus tambm uma sociedade urbana, tendo como modelo histrico a polis clssica (ainda que conjugada com a formao de um reino unificado, como a prpria Inglaterra do autor); no entanto, ainda a se perceber a ntida interferncia do idealismo platnico, capaz de inserir na descrio da organizao social utpica elementos alheiros formao histrica da organizao da cidades-Estado gregas. Se supusermos, ainda, que o olhar de Morus se voltar se voltar para autores seus contemporneos cuja noo de virtudes obliterada com excessiva presteza pela defesa da noo (bastante duvidosa, do ponto de vista moral) de razo de Estado, como Maquavel e Botero, sua critica ao humanismo torna-se ainda mais contundente, inscrevendo-se num cenrio que opunham, de forma exemplar, O prncipe de Maquiavel e O prncipe cristo de Erasmo.Portanto, a Utopia no e um discurso unidimensional, e que por detrs da aparente rigidez se encontra uma obra com traos cmicos e profundamente irnica e critica. Sob esse aspecto, Morus e sua Utopia aproximam-se ainda mais dos que talvez sejam os melhores autores e produes literrias do seu tempo, como o prprio Erasmo do Elogio da loucura, o Ludovico Ariosto de Orlando Furioso, o Montaigne de muitos dos Ensaios, alm de Rebelais, Cervantes e at (se projetarmos essa aproximao at o final do sculo de Morus) Shakespeare. Pois interpretar o texto de Morus implica, ento , a aceitao dos diferentes nveis que o discurso irnico oferece, inclusive do desencanto e do ceticismo que emanam do intervalo da leitura, da impossibilidade de reconhecer o mundo a no ser em fragilidade e em seu estado sempre provisrio. Tamanha e to articulada obliqidade discursiva seria tambm a chave para a compreenso critica (e no apenas anedtica) das dvidas que atormentaram os contemporneos de Morus a respeito da prpria veracidade num sentido escrito, documental- de sua obra. famosa a passagem que, em carta, Morus revela as ambies do prelado que props ser o primeiro bispo de Utopia; mas, para alm dela, so inmeras as referencias eternizadas, sobretudo nas correspondncias entre os leitores conhecidos e admiradores de Morus.