Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
MOVIMENTOS SOCIAIS, REPERTÓRIOS E MOBILIZAÇÃO POLÍTICA NA
RESERVA EXTRATIVISTA DE TAUÁ-MIRIM
Hemerson Herbet de Sousa Pereira1
Resumo [comunicação oral]
Este artigo aborda as formas de mobilização política acionadas pelas comunidades da Zona Rural II de São Luís (MA) referentes ao período de 2014 a 2015. O trabalho parte do uso de referencial teórico sobre desenvolvimento e movimentos sociais; entrevistas; relatos de reuniões e relatórios produzidos no âmbito do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) da Universidade Federal do Maranhão. O foco do artigo também aponta alguns aspectos sobre os repertórios de luta das comunidades rurais contra os projetos de desenvolvimento no Maranhão, que demandam a institucionalização da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim como estratégia central. Palavras-chave: Mobilização Política; Desenvolvimento; Reserva Extrativista de Tauá-Mirim.
Abstract This article discusses the forms of political mobilization triggered by the communities of Rural Zone II of São Luís (MA) for the period from 2014 to 2015. The work starts from the use of a theoretical framework on development and social movements; Interviews; Reports of meetings and reports produced by the Study Group: Development, Modernity and Environment (GEDMMA) of the Federal University of Maranhão. The focus of the article also points to some aspects of the rural communities' struggle repertoires against development projects in Maranhão, which demand the institutionalization of the Tauá-Mirim Extractive Reserve as a central strategy.
Keywords: Political Mobilization, Development, Tauá-Mirim Extractive Reserve.
1 Graduando em Ciências Sociais na Universidade Federal do Maranhão, Bolsista do Programa Institucional de
Iniciação Cientifica PIBIC-CNPq (2016-2017) e membro do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade
e Meio Ambiente (GEDMMA) vinculado ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais
I. INTRODUÇÃO
O artigo busca analisar as formas de mobilizações políticas e a construção do processo de
resistência das comunidades tradicionais da Zona Rural II de São Luís (MA) contra grandes
projetos de desenvolvimento econômico no Maranhão referentes ao período de 2014 a 2015.
A expansão de empreendimentos industriais e portuários estatais e privados próximos ao
Complexo Portuário de São Luís provocam intensos impactos socioambientais que ameaçam
a reprodução social das comunidades tradicionais que demandam a institucionalização da
Reserva Extrativista de Tauá-Mirim1 como estratégia de permanência no território. A partir de
minha experiência como pesquisador e bolsista e das discussões teóricas de pesquisadores
críticos do desenvolvimento, como Alves (2014), Sant’Ana Júnior (2016) e Moreira (2015),
membros do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)
da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que analisam os repertórios de luta das
comunidades, percebe-se a relevância deste tema para compreender as mudanças sociais,
sobretudo, pela compreensão de diferentes concepções e lógicas de apropriação material e
simbólica da natureza, considerando os conflitos ambientais em que estes processos são
produzidos. Este artigo está estruturado em três itens. O primeiro, refere-se a configuração
atual dos conflitos ambientais nas comunidades tradicionais no período de 2014 a 2015 e os
mecanismos de resistência acionados para permanência no território, sendo a demanda da
institucionalização da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim a estratégia central. No segundo
item, abordaremos os grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia, associando o
repertório de luta das comunidades tradicionais, mapeando os agentes sociais envolvidos na
defesa do território contra a acumulação do capital. Por fim, nas considerações finais,
enfatizamos os impactos socioambientais do modelo de desenvolvimento econômico
hegemônico mundial que ignora a existência de povos e comunidades tradicionais
consideradas entraves ao desenvolvimento desenfreado do capital, observando os indícios de
possibilidades de resistências para reprodução de modos de vidas locais.
1 Reserva Extrativista é um território utilizado por populações tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, também, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos centrais proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade (BRASIL, 2000).
II. DEMANDA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA RESERVA EXTRATIVISTA DE TAUÁ-MIRIM
NA CONTRACORRENTE DO DESENVOLVIMENTO
Desde a instalação do Complexo Portuário de São Luís, as comunidades tradicionais1
vêm construindo formas de resistências para permanência no território. Nesse processo,
destaca-se a demanda pela constituição da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, que hoje
abrange cerca de doze povoados: Taim, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, Parte do
Cajueiro (praia do Parnauaçu), Parte da Vila Maranhão, Portinho, Jacamim, Ilha Pequena,
Embaubal, Amapá e Tauá-Mirim.
Na busca da criação da Resex de Tauá-Mirim, lideranças locais articularam-se com
movimentos sociais 2 e instituições de caráter nacional em defesa dos territórios. Nesse
contexto, os entraves para a reforma agrária no Brasil, após a Constituição de 1988,
provocaram a buscar por outros instrumentos legais da própria Constituição e em legislações
internacionais para permanência no território, principalmente os grupos sociais que, já tendo a
posse, não tinham documentação regularizada ou tinham documentação fragilizada.
No início de 2014, surgem as primeiras ameaças de instalação de um porto industrial
privado da empresa WPR - São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda no território do
Cajueiro3, comprometendo a possível institucionalização da Resex. A WPR – São Luís Gestão
de Portos e Terminais Ltda., empresa responsável pela suposta construção do Terminal
Portuário de São Luís, afirma no seu EIA (Estudo de Impacto Ambiental) que foi realizada a
“compensação social”, sendo a "Urbaniza Engenharia Consultiva, empresa responsável pela
gestão fundiária de desapropriação e indenização da poligonal de implantação do
empreendimento", o que atesta que a empreendedora fez as vezes do Estado ao contratar
uma empresa responsável por realizar a "gestão fundiária de desapropriação e indenização",
o que tudo indica com a conivência dos órgãos estatais (GEDMMA 2014). A expansão da
acumulação do capital para novos espaços no que se refere à logística de escoamento da
1 Segundo a definição oficial: “População tradicional: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais; que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela geração” (BRASIL, 2007, pp. 101-102). 2 “Em vez de ver os movimentos sociais como expressões de extremismo, privação e violência, eles são bem mais definidos como desafios coletivos baseados em objetivos comuns e solidariedade social numa interação sustentada com as elites, opositores e autoridade” (TARROW, 2009, p. 21). 3 “A comunidade do Cajueiro, também conhecida como Vila Cajueiro ou Sítio Bom Jesus do Cajual, constitui-se de cinco pequenos núcleos assim denominados: Parnuaçu, Andirobal, Guarimanduba, Morro do Egito e Cajueiro. Portanto, quando aqui nos referimos ao Cajueiro, o fazemos considerando o conjunto desses pequenos núcleos, que os próprios moradores reconhecem como sendo o que constitui essa comunidade em termos de configuração físico-geográfica e de representação comunitária, através da União de Moradores Proteção de Jesus do Cajueiro.” (GEDMMA, 2014, p.11).
produção de commodities, reforça a atração de projetos de desenvolvimento respaldados pelo
Estado para a área da Zona Rural II.
Olivier de Sardan (1995) apresenta o conceito de arena como campo de disputa entre
grupos com interesses diferentes, permeados com relações de poder desiguais. Nessa
perspectiva, de um lado, temos o povoado Cajueiro com territorialidade específica na luta pela
criação da Resex de Tauá-Mirim, por outro, as empresas WPR e Suzano Papel e Celulose
aliados a órgãos estatais que almejam construir o porto privado no Cajueiro. Destaca-se o
papel do Ministério Público do Estado do Maranhão que produziu a notificação Nº 01/2014 38º
PJESP com referência ao Procedimento Preparatório Nº 04/2014 que proibiu qualquer ato de
construção no Cajueiro. Nessas circunstancias, é realizado no Clube de Mães daquele
povoado no dia 30 de julho de 2014 com vários agentes sociais, uma discussão sobre a
situação de conflito na comunidade (MOREIRA, 2015). Segundo Moreira (2015), os estudos
sobre ação coletiva perpassam por diversas circunstâncias em que os agentes sociais então
envolvidos, surgindo de condições específicas nas quais os agentes estão contextualizados.
Nessa perspectiva, Tilly (1978) aponta a ação coletiva como convergências de interesses
comuns e nestes interesses estão presentes uma amálgama que define as causas que
conduzem diferentes agentes a se filiarem a determinadas ações coletivas.
No período de 2014, pesquisadores e estudantes do GEDMMA realizaram vários
trabalhos de campo no intuito de compreender a configuração do conflito territorial no Cajueiro.
Constatou-se negociações de compras de casas e demolições de construções pela empresa
WPR, disseminando também a insegurança jurídica e medo nos moradores do Cajueiro,
instalando serviço de seguranças privados da empresa Leões Dourados que foram
constatados, segundo a Polícia Federal, em condição de trabalho irregular, configurando uma
milícia privada. Além disso, a WPR realizou reuniões com moradores argumentando que a
desapropriação do território seria inevitável, sendo realizada pelo Governo do Estado do
Maranhão (GEDMMA, 2014).
A atuação violenta da WPR no território, observa-se o que Harvey (2004) chama de
processo de acumulação por espoliação na disputa territorial do Cajueiro. A acumulação
primitiva identificada por Marx (1985) n’O Capital, e suas características predatórias foram
transformadas na construção da geografia do capitalismo: a expropriação da base fundiária
dos camponeses e a formação de um proletariado sem-terra, recursos naturais de uso coletivo
privatizados, outras formas de produção suprimidas pelo capital, privatização de indústrias
nacionais, a monocultura como modelo de agricultura e a escravidão não desapareceu. Para
entender essa configuração violenta do capital Harvey (2004) construiu o conceito de
acumulação por espoliação.
Frente as ações espoliativas da WPR, o povoado do Cajueiro, junto às comunidades
que demandam a Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, aglutinou um conjunto de grupos
aliados, dos quais alguns já haviam participado de outros conflitos territoriais na Zona Rural II
de São Luís. Entre os agentes mapeados estão: GEDMMA1, Comissão Pastoral da Terra
(CPT)2 , Rede Justiça nos Trilhos (JnT) 3 , Movimento de Defesa da Ilha 4 , Grupo Nódoa,
Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Políticos locais, artistas e Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de São Luís. Sendo assim, segundo Moreira (2015), as
ações coletivas são criadas a partir de alianças estabelecidas ao longo do processo histórico
de lutas políticas e também nas relações de assessoria jurídica e instituições de pesquisa
científica, que são acionados em contextos específicos.
A mobilização do Cajueiro foi construída como resultado das ações dos agentes que
tiveram seus modos de vida impactados por projetos de desenvolvimento e acionaram um
conjunto de alianças, sendo essas alianças oriundas do acúmulo de experiências dos
repertórios da ação coletiva (TILLY, 1978), pois, entre os agentes sociais estão a igreja católica
representada pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da década de 1980, União de
Moradores Proteção de Jesus do Cajueiro, União de Moradores do Taim, e os novos sujeitos
coletivos na configuração do conflito territorial na Zona Rural II.
No processo de demanda da institucionalização da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim,
lideranças locais e aliados vem construindo mecanismos de organização interna e pressão ao
Governo Federal. Audiências Populares, assembleias, reuniões, curso de educação ambiental
e grupos de trabalho foram criados. Assim, as comunidades tradicionais de São Luís
1 O Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA) é vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) e aos Programas de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Políticas Públicas (PGPP) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 2 “A Comissão Pastoral da Terra (CPT) nasceu em junho de 1975, durante o Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizado em Goiânia (GO). Foi fundada em plena ditadura militar, como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos das terras que ocupavam” (COMISSÃO PASTORAL DA TERRA, 2017). 3 “No final de 2007 uma coordenação de movimentos, associações e cidadãos começou a interrogar-se sobre a maneira mais eficaz e justa para cobrar da Vale do Rio Doce uma justa compensação pelos danos causados ao meio-ambiente e à população que vive nas áreas atravessadas pela sua ferrovia. Através de muito diálogo, estudo e confrontação de idéias, nasceu a campanha internacional “Justiça nos Trilhos”, sendo sua missão fortalecer as comunidades ao longo do corredor Carajás e denunciar as violações aos direitos humanos e da natureza responsabilizando Vale e Estado, prevenindo novas violações e reafirmando os modos de vida e a autonomia das comunidades nos seus territórios” (JUSTIÇA NOS TRILHOS, 2017). 4 Profissionais liberais, sindicatos, associações de moradores e movimentos sociais que apontam irregularidades no processo das audiências públicas, e publicidade nas alterações do Plano Diretor e Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do município, propostas da Prefeitura de São Luís formaram o Movimento de Defesa da Ilha em homenagem ao Comitê de Defesa da Ilha (MOVIMENTODEFESADAILHA, 2016).
convocaram mais uma audiência popular no dia 17 de maio de 2015. Esse evento precedido
de um curso de formação política promovido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT),
envolvendo povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais do interior do Maranhão,
teve como pauta central a autonomia dos povos nas tomadas de decisões. Dessa forma, a
audiência popular contou com a participação de vários grupos sociais, comunidades,
movimentos sociais, sindicatos e pesquisadores (SANT’ANA JÚNIOR, 2016).
Em decisão coletiva da audiência popular, os representantes dos povos e comunidades
tradicionais ali reunidos decidiram criar, mesmo sem a decisão oficial do Estado, a Reserva
Extrativista de Tauá-Mirim, criando também o Conselho Gestor da Resex responsável pela
organização e mobilização da Resex em torno da luta por sua legalização. Um dos desafios
de enfrentamento do Conselho Gestor no ano de 2015 foi a tentativa da Prefeitura de São Luís
de provocar alterações no Plano Diretor e uma revisão completa na Lei de Zoneamento,
Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do município. Mas uma vez a Prefeitura queria
converter parte da Zona Rural em Zona Industrial ou Portuária, o que comprometeria a
demanda de institucionalização da Resex, pois parte do seu território deixaria de ser Zona
Rural. Nesse cenário, as comunidades tradicionais acionaram repertórios de luta e mobilização
política, construindo novos arranjos de alianças para interferir na legislação urbanística. Contra
as ações da Prefeitura, foi criado o Movimento de Defesa da Ilha, oriundo do Comitê de Defesa
da Ilha e do Reage São Luís (SANT’ANA JÚNIOR, 2016).
Até o momento atual, as ações das comunidades rurais aliadas aos movimentos sociais
e pesquisadores acadêmicos (GEDMMA, CPT, JnT, Movimento de Defesa da Ilha e Sindicato
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de São Luís) conseguiram impedir o pleno
funcionamento das audiências públicas convocadas pela Prefeitura, principalmente pela
alegação de falta de publicidade adequada e condução simultânea da revisão do Plano Diretor
com a Lei de Zoneamento, o que configura irregularidade, pois a segunda Lei somente poderá
ser discutida após a vigência da primeira. Atendendo exigências de alguns membros do
Conselho da Cidade e do Movimento de Defesa da Ilha, o Ministério Público do Maranhão
recomendou a suspensão do processo encabeçado pela Prefeitura, respeitando o princípio de
publicidade e que se faça primeiro a discussão do Plano Diretor e depois a Lei de Zoneamento.
Esse processo está em andamento, sendo que as lideranças locais e seus aliados consideram
uma conquista provocar alterações no calendário da Prefeitura e dos grupos privados
interessados na aprovação rápida e sem participação ampla da sociedade em geral das
referidas leis (SANT’ANA JÚNIOR, 2016).
III. PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA ORIENTAL E REPERTÓRIO DE
LUTA DAS COMUNIDADES RURAIS DE SÃO LUÍS
O discurso de posse presidencial nos Estados Unidos de Herry Trumam, em 1949,
disseminava em evento mundial os conceitos dos chamados países subdesenvolvidos e
países desenvolvidos (GERHARDT, MAGALHÃES, ALMEIDA, 2012). Seguindo essa
concepção de desenvolvimento econômico, Mantega e Rego (2011) argumentam esse
fenômeno como sendo de acumulação ilimitada de bens materiais do produto per capita dos
países. O modelo de desenvolvimento planetário encabeçado pelas grandes potências
econômicas a partir de meados do final da década de 1940, reformulou a divisão internacional
do trabalho, colocando os países centrais como desenvolvidos industrializados e a periferia
como subdesenvolvido exportadores de matéria-prima. A formação da economia brasileira na
década de 1950 demonstra, segundo Mantega (1984), a intervenção do Estado na economia
como agente responsável por impulsionar a industrialização.
De acordo com Ianni (2007), o objetivo do Estado brasileiro, a partir da década de 1930,
de alcançar o desenvolvimento econômico e social foi impulsionado pelo regime militar a partir
da década de 1964, sendo a intervenção do Estado na economia nacional o motor da
industrialização via construção de rodovias, ferrovias, portos, hidrelétricas, mineração,
siderurgia e todos os mecanismos de infraestrutura necessários aos projetos de
desenvolvimento. Os chamados Grandes Projetos de Desenvolvimento na Amazônia brasileira
oriundos da década de 1970 formam um pilar central na discussão sobre conflitos ambientais,
principalmente o Programa Grande Carajás (PGC) que foi institucionalizado pelo presidente
da república, João Figueiredo, no ano de 1980. Nesse contexto, Estado e capital internacional
se articulam para impulsionar a acumulação do capital na Amazônia. O Projeto Ferro Carajás
construiu o complexo produtivo de exploração mineral, com extração de minério de ferro em
Carajás (PA), Ferrovia Ferro Carajás e o Porto Ponta da Madeira da estatal Companhia Vale
do Rio Doce, atualmente privatizada e chamada Vale S.A., localizado no Complexo Portuário
de São Luís. A mineradora Vale assumiu a exploração da matéria-prima e o Estado forneceu
a construção da estrutura mina-ferrovia-porto, além dos incentivos fiscais para as empresas
(MOREIRA, 2015).
As reações dos povos e comunidades tradicionais, em boa parte dos casos, configura-
se como um conflito social direcionado à disputa pela posse do território (ALMEIDA, 1996). Na
medida em que os conflitos sociais incorporam a questão dos recursos materiais associada ao
controle social do manejo dos ecossistemas e às formas próprias de uso social em
contraposição à lógica capitalista, eles podem ser designados como conflitos socioambientais.
Segundo Lopes (2004), esses conflitos são caracterizados como conflitos socioambientais, na
medida em que o acesso e uso dos recursos naturais vinculado à posse do território estão em
disputa entre povos e comunidades tradicionais e grandes projetos de desenvolvimento.
Desde meados da década de 1970, com a expansão dos grandes projetos de
desenvolvimento no Maranhão e a construção do Complexo Portuário de São Luís na área
Itaqui Bacanga, vários povoados convivem constantemente com ameaças a seu modo de vida.
A instalação desses empreendimentos provocou deslocamento compulsório de vários
povoados e muitos que não foram deslocados sofrem os impactos socioambientais do
funcionamento das indústrias (SANT’ANA JÚNIOR et al., 2009). São Luís, escolhida como
zona portuária do Programa Grande Carajás, passou a conviver com os impactos
socioambientais diretos. Nesse contexto, surgem formas de resistências das comunidades
para permanência em seus territórios. Na década de 1980, surge o Comitê de Defesa da Ilha
composto por pesquisadores, artistas, igreja católica e comunidades que lutaram contra a
instalação da Alumar, e apesar de não conseguirem barrar o empreendimento, propiciou o
acúmulo de experiências de luta (SANT’ANA JÚNIOR, 2016).
Outro agente importante no processo de formação da resistência das comunidades
tradicionais em meados da década de 1980 são as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)
da Igreja Católica. Entre os principais agentes que fomentaram as mobilizações populares no
Brasil estão os setores progressistas da Igreja Católica. A configuração desses movimentos
heterogêneos surgiram a partir das diretrizes do Concílio Vaticano II (1962-1965). Nesse
momento, as ações da igreja estão direcionadas às contradições sociais e políticas do Brasil,
principalmente no combate às desigualdades sociais (ALVES, 2014).
Em 1980, iniciou o processo de terraplanagem para instalação da ALCOA/ALUMAR em
São luís. Com o deslocamento compulsório de vários povoados, duas organizações foram
importantes na mobilização política: A Associação Agrícola do Cristo Redentor (ASSACRE),
fundada em 1976, que trabalhava com técnicas de manejo agrícola e hortas comunitárias, e o
Comitê de Defesa da Ilha. Os movimentos sociais significaram os conflitos ambientais com a
ALUMAR criando uma imagem chamada “besta fera” que simbolizava a destruição de alguns
povoados pela empresa. Apesar do rolo compressor do desenvolvimento que destruiu modos
de vida específicos, as experiências de mobilizações acumularam forças políticas para as
comunidades e seus aliados (ALVES, 2014).
Outro caso emblemático no Estado do Maranhão foi a tentativa de instalação de um
polo siderúrgico em São Luís. No projeto do polo, composto por três usinas siderúrgicas de
produção de placas de aço e duas de ferro gusa, seriam desapropriados 2.471,71 hectares de
terras próximas ao Porto do Itaqui. Para isso, o Governo do Estado do Maranhão emitiu uma
declaração de desapropriação para fins públicos (Decreto nº 20.727-DO, de 30/08/2004, e nº
20.781-DO, de 29/09/2004), o que implicaria no deslocamento compulsório de
aproximadamente 14.400 moradores de doze povoados (Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio
dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São Benedito, Vila Conceição, Anandiba, Parnuaçu,
Camboa dos Frades e Vila Madureira) (SANT’ANA JÚNIOR, 2016). A partir do histórico de
lutas das comunidades rurais, principalmente advindas das CEBs e do Comitê de Defesa da
Ilha na década de 1980, lideranças locais acionaram repertórios de mobilização, articulando
moradores e alianças com movimentos sociais, ONGs, sindicatos, artistas, pesquisadores,
estudantes e profissionais liberais que juntos formaram o chamado Movimento Reage São Luís
(ALVES, 2014).
O conflito socioambiental em torno do projeto do polo siderúrgico configurou-se com
reação política de agentes locais, em disputa com a Vale S.A, em parceria com a siderúrgica
chinesa Baosteel Shanghai Group Corporation, a siderúrgica francesa Arcelor, a sul-coreana
Pohang Steel Company-Posco, a alemã Thyssen Krupp, e o Governo Federal. Para viabilizar
a implantação do polo, a Prefeitura de São Luís enviou um projeto de Lei à Câmera Municipal
para alterar a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, transformando
2.471,71 hectares da Zona Rural para Zona Industrial. Após várias audiências públicas
oriundas da intervenção do Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual
provocados pelo Reage São Luís, a Lei de Zoneamento foi colocada em votação na Câmera
Municipal. Com intensos debates e mobilizações com ênfase na ameaça de deslocamento
compulsório e impactos ambientais provocados pelo polo siderúrgico, somado à queda do
preço internacional do aço, a Câmera Municipal converteu apenas 1.068 hectares em Zona
Industrial, o que seria insuficiente para implantação do polo em São Luís, impedindo a
implantação do megaempreendimento (ALVES, 2014).
IIII. CONCLUSÃO
Seguindo reflexões críticas de Alves (2014), Sant’Ana Júnior (2016) e Moreira (2015),
as formas de resistências das comunidades tradicionais da ilha de São Luís no período de
2014 a 2015 podem ser compreendidas a partir do acúmulo de experiências de lutas e
mobilizações políticas das comunidades e seus grupos aliados. Tendo em vista, a ameaça de
deslocamento compulsório do povoado do Cajueiro para instalação de um porto privado da
empresa WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda, as comunidades e seus grupos
aliados acionam repertórios de lutas como mecanismos de resistência contra esse projeto de
desenvolvimento que coloca em risco a institucionalização da Reserva Extrativista de Tauá-
Mirim.
Por fim, a atual configuração dos conflitos socioambientais na Zona Rural II de São
Luís, apontam agentes hegemônicos com projetos industriais e portuários nos quais a ilha de
São Luís é vista como território com vocação natural portuária. As ações empresariais privadas
são respaldas pelo Governo do Estado do Maranhão e Prefeitura de São Luís, que fornecem
incentivos fiscais e instrumentos legais direcionados a implantação dos projetos industriais em
prol do crescimento econômico ilimitado, ignorando modos de vidas tradicionais. O repertório
de luta oriundo das décadas de 1970 e 1980, e a atuação de movimentos sociais aliados das
comunidades tradicionais indicam formas de pressão aos agentes hegemônicos (Estado e
empresas), como forma de reivindicação de direitos territoriais. A ameaça de deslocamento
compulsório do povoado do Cajueiro com a instalação do Terminal Portuário Industrial,
intensificou a unificação de moradores das comunidades tradicionais e movimentos sociais
que demandam a institucionalização da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim como estratégia
de permanência no território e reprodução dos modos de vida locais.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Refugiados do desenvolvimento: os deslocamentos compulsórios de índios e camponeses e a ideologia da modernização. In: Travessia. maio/agosto, 1996. pp. 30-35. ALVES, Elio de Jesus Pantoja. Repertórios e argumentos da mobilização política: um estudo sobre o Movimento Reage São Luís em São Luís-MA. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2014. Tese de Doutorado. BRASIL. Diário Oficial da União. nº 182, Seção I, Brasília: 2007. pp. 101e 102. BRASIL. Lei 9.985, de 18 de Julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão de unidades de conservação, 2000. CÂNDIDO, Antônio. Os parceiros do Rio Bonito: estudos sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. São Paulo: Duas Cidades, 1987. COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT). HISTÓRICO. Disponível em: https://www.cptnacional.org.br/index.php/sobre-nos/historico. Acessado em: 11/01/2017. GEDMMA (Org.) RESEX de Tauá-Mirim: Cajueiro e outras comunidades tradicionais na luta por justiça e direitos territoriais, Zona Rural II, São Luís/MA - Brasil. Relatório Antropológico, São Luís (MA), UFMA, 2014. Mimeo. GEDMMA, Histórico. Disponível em: http://www.gedmma.ufma.br/?page_id=125. Acessado em: 30/01/2017. GERHARDT, Cleyton; MAGALHÃES, Sônia Barbosa; ALMEIDA, Jalcione. Contextos Rurais e Agenda Ambiental no Brasil: conflitos, interfaces, contradições. Autores (Orgs): Contextos Rurais e Agenda Ambiental no Brasil: práticas, políticas, conflitos, interpretações - Dossiê 3. Belém, Rede de Estudos Rurais, 2012. HARVEY, David. O novo imperialismo. 6ª ed. Trad. Adail Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Edições Loyola. 2004. IANNI, Octavio. Teorias da Globalização. 14ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. JUSTIÇA NOS TRILHOS, QUEM SOMOS. Disponível em: http://justicanostrilhos.org/quem-somos/. Acessado em: 11/01/2017. LOPES, José Sérgio Leite (Coord.). A “ambientalização” dos conflitos sociais: participação e controle público da poluição industrial. Riode Janeiro: Relume Dumará: Núcleo de Antropologia Política/UFRJ, 2004. MANTEGA, Guido. A economia política brasileira, 2ª ed. São Paulo: Polis/Rio de Janeiro: Vozes, 1984. MANTEGA, Guido; REGO, José Marcio. Desenvolvimento, subdesenvolvimento: breves registros sobre a teoria da dependência e considerações sobre “precursores”. Disponível em: www.race.nuca.ie.ufrj.br/nuca-wp/papers/sep/mesa05/guido.doc, acessado em: 31/08/2011.
Marx, Karl. O capital: crítica da economia política. v.I. 2ª ed. Trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultura,1985. (Os economistas). MOREIRA, Jadeylson Ferreira. ARENAS, REPERTÓRIOS E AÇÕES: o processo de tentativa de implantação do Terminal Portuário de São Luís, no povoado Cajueiro. UFMA, São Luís, 2015. Dissertação de Mestrado. MOVIMENTO DE DEFESA DA ILHA. Sem ouvir população e sem cumprir legislação, Prefeitura da capital do Maranhão tenta alterar legislação municipal para agradar construtoras e indústrias. Disponível em: http://www.defesadailha.com/422430919. Acessado em: 27/07/2016. OLIVIER DE SARDAN, Jean-Pierre. Anthropologie etdéveloppment: essai en sócio-anthropologie du changement social. Paris: Apad-Kartala, 1995. SANT’ANA JÚNIOR, Horácio Antunes de; PEREIRA, Madian de Jesus F.; ALVES, Elio de Jesus P.; PEREIRA, Carla Regina A. Ecos dos conflitos socioambientais: a Resex de Tauá-Mirim. São Luís: Edufma, 2009. SANT’ANA JÚNIOR. Horácio Antunes de. Complexo Portuário, Reserva Extrativista e Desenvolvimento no Maranhão. DOSSIÊ, 2016. TARROW, Sidney. O poder em movimento: Movimentos sociais e confronto político. Trad. Ana Maria Sallum. Petropólis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009. TILLY, Charles. From Mobilization to Revolution, Cidade: Harvard University Press, 1978. WAGNER, Peter. A sociology of modernity; liberty and discipline. Londres: Routledge, 1994.