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1 MULHER: UM PRODUTO TRANSFIGURADO E RENOVADO NA MPB. Renata Emily Fonseca Rodrigues 1 RESUMO: Este artigo apresenta como objeto principal uma reflexão do lugar ambivalente ocupado pela mulher, presente nas letras de variados compositores da MPB 2 desde a década de 30 até a contemporaneidade. Pretende-se demonstrar argumentos que levam os indivíduos a classificar o sexo feminino de maneira distinta, isto é, como produto mutável (identificado de acordo com a sua vontade) e renovado (reconhecido por meio de novos pontos de vista), a partir de uma sociedade de educação ainda sexista apesar das transformações sociais, políticas e culturais, onde o sexo feminino é visto de acordo com estereótipos machistas de submissão, fragilidade, insensatez, leviandade, ignorância, e erotismo. Estereótipos esses que ocupam um lugar-comum, nem sempre notados por aquele (a), que canta. Em anexo ao artigo será abordada a visão de reconhecimento ou desconhecimento de parte da juventude sobre a mulher, de acordo com algumas letras de música, a partir de uma pesquisa de campo realizada com cinco classes de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental no Ciep 999. D. Pedro I. do Brasil, escola da rede estadual, localizada em Paraty, interior do Estado do Rio de Janeiro, e possíveis soluções para uma educação mais coerente, em que não haja espaço para a limitação imposta através do sexismo. 3 1 Graduanda do 4º período do curso de Pedagogia – Universidade Federal Fluminense – Angra dos Reis. 2 Música Popular Brasileira. 3 Sexismo é termo que se refere ao conjunto de ações e ideias que privilegiam entes de determinado gênero em detrimento dos entes de outro gênero.

MULHER: UM PRODUTO TRANSFIGURADO E RENOVADO NA … · do professor Marco Ribeiro, orientador e palestrante na área de educação sexual. Por ordem última colocar-se-á em exposição

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MULHER: UM PRODUTO TRANSFIGURADO E RENOVADO NA MPB.

Renata Emily Fonseca Rodrigues1

RESUMO:

Este artigo apresenta como objeto principal uma reflexão do lugar ambivalente

ocupado pela mulher, presente nas letras de variados compositores da MPB2 desde a

década de 30 até a contemporaneidade. Pretende-se demonstrar argumentos que levam

os indivíduos a classificar o sexo feminino de maneira distinta, isto é, como produto

mutável (identificado de acordo com a sua vontade) e renovado (reconhecido por meio

de novos pontos de vista), a partir de uma sociedade de educação ainda sexista apesar

das transformações sociais, políticas e culturais, onde o sexo feminino é visto de

acordo com estereótipos machistas de submissão, fragilidade, insensatez, leviandade,

ignorância, e erotismo. Estereótipos esses que ocupam um lugar-comum, nem sempre

notados por aquele (a), que canta.

Em anexo ao artigo será abordada a visão de reconhecimento ou

desconhecimento de parte da juventude sobre a mulher, de acordo com algumas letras

de música, a partir de uma pesquisa de campo realizada com cinco classes de 8º e 9º

anos do Ensino Fundamental no Ciep 999. D. Pedro I. do Brasil, escola da rede

estadual, localizada em Paraty, interior do Estado do Rio de Janeiro, e possíveis

soluções para uma educação mais coerente, em que não haja espaço para a limitação

imposta através do sexismo.3

1 Graduanda do 4º período do curso de Pedagogia – Universidade Federal Fluminense – Angra dos Reis.

2 Música Popular Brasileira.

3 Sexismo é termo que se refere ao conjunto de ações e ideias que privilegiam entes de determinado

gênero em detrimento dos entes de outro gênero.

2

Palavras-chave: Mulher, MPB, Educação Sexista.

Introdução

Valendo-me da escuta, e leitura das músicas do cancioneiro brasileiro

construído por compositores e interpretado por cantore(a)s pretendemos demonstrar

como foi constituído o objeto: a representação da identidade feminina na Música

Popular Brasileira através das décadas de acordo com as transformações de cunho

cultural, político e social. O interesse nesse tema deu-se devido à observação de uma

educação inadequada existente através da música e não percebida por grande parcela

da sociedade.

A fim de alcançar o objetivo dissertaremos usando exemplos, argumentos e

comparações pesquisados em Mulher é bicho ruim – É o que nos ensina a canção

popular. Dissertação de mestrado de Carmélio Reynaldo Ferreira, UFPB, 2005, A

Mulher no Brasil – June E. Hahner e Conversando com seu filho sobre sexo - livro

do professor Marco Ribeiro, orientador e palestrante na área de educação sexual.

Por ordem última colocar-se-á em exposição o resultado da pesquisa A Mulher

na MPB, e a análise das tabelas sobre a consciência discente acerca do sexo feminino

nas músicas cantadas por eles e associá-las ao reconhecimento de mulheres do seu

quotidiano (família, amigas, colegas de escolas, entre outras), com a intenção de fazer

saber as condições identitárias, que rotulam a mulher hoje, como também nos tempos

remotos, os avanços e a situação que possibilitou pensarmos em elementos para uma

educação igualitária e libertária, onde o machismo/feminismo não podem encontrar

vez, e sim cumplicidade para caminhar e evoluir lado a lado, respeitando- se os

direitos de mulheres e homens.

3

1. Educação e Música: as reprodutoras de uma sociedade.

“Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo,

qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”

Chico Xavier.

Reproduzir conforme o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

(http://www.priberam.pt/dlpo) significa produzir novamente, repetir, multiplicar,

essa ação é observada e realizada com segurança no meio social, e na música – fruto

melódico e escrito significativo da cultura de determinada sociedade.

Dessa forma “reproduzimos” de maneira negativa, pois a sociedade brasileira

dispõe de uma educação sexista4 baseada numa divisão entre os sexos feminino (dito

inferior) e masculino (superior), desde a mais tenra idade, porque ao nascer aquela

criança gerará expectativas acerca do seu papel no âmbito da sociedade, como por

exemplo: se menino – será chamado de “o garotão, o filhão”, o enxoval será azul/

verde, na decoração de seu quarto haverá carrinhos, camisas de times, seus brinquedos

serão a bola, um skate, carrinhos, um estetoscópio, e pipas – instrumentos que

vinculam ao menino a idéia de superioridade, coragem e ao ambiente exterior – a rua

(o seu quintal seguro para brincar, crescer e fazer-se homem).Ele não poderá ser

emotivo, deverá ser valente e namorador. No caso da criança ser uma menina – “a

princesinha, a bonequinha”, logo será exibido o enxoval rosa ou branco, ela brincará

de casinha ,com bonecas, panelinhas, rodos, vassourinhas e pás, esses brinquedos

reafirmarão o que se espera geralmente dela: o ambiente doméstico, o cuidar da casa,

do marido e dos filhos, reflexo de uma educação tradicionalmente patriarcal

4 É a educação que promove a desigualdade entre homens e mulheres. A mulher cabe o papel de

coadjuvante, aos homens atores principais, pois são eles que criam e dirigem as regras do jogo moral da

convivência social e cultural.

4

difundida por homens e mulheres no ambiente familiar. Sobre essa educação nos diz

Marco Ribeiro (2009, p. 82):

A mulher não nasce com o desejo de lavar pratos, assim como o homem não nasce com vontade de sustentar a

mulher (...). Somente através da educação de nossas crianças pequenas é que conseguiremos mudar essa sociedade desigual.

Pouco adianta pensarmos em uma sociedade mais justa e igualitária se as crianças dentro do lar continuarem a

observar e ter como modelo pais que são percebidos como tendo relações direitos e possibilidades desiguais. As

crianças criadas nessas condições não desenvolverão a noção de que seja uma relação entre iguais: serão pessoas

que aceitarão a submissão social, a relação explorador/ explorado.

Essa educação por estar arraigada a cultura social irá corroborar-se e

reproduzir-se através das inúmeras canções que nós (homens e mulheres) cantamos

com satisfação, admiração e alegria de espírito. Tome como exemplo: Este meio não

serve composição de Noel Rosa e Donga, 1936:

É feio! É feio!

Menina de família

Andar metida em certo meio

(É muito feio!)

(...)Quando a menina travessa

Dá palpites numa roda

Papai tem dor de cabeça

(...)

Outra música que nos remete a uma educação reproduzida pela sociedade é Juventude

Transviada do compositor: Luiz Melodia, onde o eu-lírico masculino sonha com uma

mulher reafirmada pelos papéis sociais e educacionais: lava-se roupas diariamente–

sendo uma moça sem mancada, que não deve vacilar:

Observe que a 1ª estrofe restringe através de juízo de valor

no 1º verso: É feio! É feio!, e na repetição do 4º é muito

feio ! : a presença feminina num dado meio, provavelmente

um meio constituído por músicos boêmios numa roda. É

curioso o adjetivo travessa dado a menina, por dar palpites

numa roda, ou seja, o resultado é a dor de cabeça do pai –

por sua filha ser buliçosa, inquieta,turbulenta,traquinas,pois

ela assumira a sua voz e dera um palpite - diferindo do

comportamento esperado para uma menina da época (os

anos 30, anos esses em que os direitos femininos eram

bastante restritos.),

5

Lava roupa todo dia, que agonia/ Na quebrada da soleira, que chovia

Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada

Uma mulher não deve vacilar

Dessa maneira comprova-se que tanto a educação formal5 (escola), quanto a

informal 6(música) devem informar, formar e transformar

7a mentalidade das novas

gerações para que haja igualdade de direitos – sem vantagens para um ou outro sexo,

pois somos todos iguais perante a lei(...) conforme nos diz a Carta Magna de 1988, em

seu artigo 5º, e como também nos atesta Marcos Ribeiro (2009,p.84):

A educação é uma das ferramentas mais poderosas para se obter mudanças nas nossas próprias atitudes, nas da família, nas das escolas e de toda a sociedade para eliminar estereótipos e preconceitos

Diante do exposto tanto a educação quanto a música que está associada a

anterior tem papéis relevantes como instrumentos na formação cognitiva do indivíduo

auxiliando-o na busca por uma integração e convivência democrática com o outro

independente do sexo, respeitando a premissa de que homens e mulheres tem algumas

diferenças, mas essas diferenças não devem se traduzir por desigualdade.

Por fim citamos a música Masculino e Feminino (letra: Baby Consuelo,

Pepeu Gomes e Didi Gomes), que demonstra uma sábia equidade:

Ser um homem feminino/Não fere o meu lado masculino/Se Deus é menina e menino/

Sou Masculino e Feminino.../Olhei tudo que aprendi/E um belo dia eu vi.../Que ser um homem

5 Educação formal: Compreende o sistema educativo institucionalizado cronologicamente graduado

e hierarquicamente estruturado. Depende de um currículo.

6 Educação informal: Recebida no quotidiano através de leituras, músicas, contatos com grupos

sociais, no teatro, no cinema, na praia, na rua.

7 Grifo nosso.

6

feminino/Não fere o meu lado masculino (...)/E vem de lá!/O meu sentimento de ser

E vem de lá!/O meu sentimento de ser/Meu coração!/Mensageiro vem me dizer (...)

1.2 A música como símbolo de uma Educação sexista: Porque homens e mulheres

ocupam lugares distintos?

“O oprimido é sujeito de sua própria emancipação”

Paulo Freire

É fato, que a educação promovida a meninas e meninos é distinta desde os

primórdios da nação brasileira, pois aos jovens e ricos rapazes era permitida uma

educação nas universidades portuguesas, e mais tarde nas brasileiras nos cursos de

Direito e Medicina. O que restava às meninas bem-nascidas? Segundo Hahner

(1980,p. 14): as moças de família ricas recebiam apenas uns poucos anos de fina

educação, e casavam-se cedo (...), dessa maneira infere-se que às mulheres era

relegado um destino de ignorância, e pouco saber acadêmico, e se conseguiam um

pouco era as custas de seus maridos, quando lhes davam alguma oportunidade de

conhecimento.

Nos dias de hoje vemos uma tendência à uniformização da prática educacional,

sobretudo na escola, e devido a “essa luz no fundo da caverna” a mulher tem aberto

espaços e assumido as rédeas da própria vida. Como resultado comprobatório vemos a

mulher destacando-se por meio de conquistas nos variados estratos da sociedade,

aliados a revisão e criação de leis (o direito a voto conquistado em 1932, o novo

Código Civil, Lei Maria da Penha), e mudança no pensamento de homens e mulheres

a fim de afastar qualquer ação equivocada que venha prejudicar os direitos femininos,

7

contudo o legado da educação discriminatória ainda persiste em existir.Veja o

exemplo de inferioridade na 1ª estrofe da música Lôira Burra de Gabriel o Pensador,

e nas estrofes a seguir:

Existem mulheres que são uma beleza / Mas quando abrem a boca

Humm que tristeza! /Não não é o seu hálito que apodrece o ar

O problema é o que elas falam que não dá pra agüentar

Nada na cabeça /Personalidade fraca

(...) Lôira búrra! , Lôira búrra!

Não eu não sou machista / Exigente talvez /Mas eu quero mulheres inteligentes /Não vocês

(...) Você é medíocre e ainda sim orgulhosa / (...)/E o seu jeito forçado de falar é deprimente

1.3. Você percebe o que canta? A música como reflexo de ideologias machistas

recorrentes do cotidiano.

“A Música, no cotidiano, é bem mais do que uma trilha sonora das nossas vidas. Ela é como uma

dimensão paralela que se confunde com a real e proporciona sensações bem peculiares”

Carmélio R. Ferreira.

Qual é a percepção que temos sobre a letra quando cantamos uma música que

se repete várias vezes, sendo campeã nas paradas de sucesso em muitas rádios? Total,

parcial ou nula? Acertou quem pensou na parcialidade ou nulidade da análise das

letras, pois como somos receptores de música a tendência é ouvi-las por prazer, com

leveza, sem a obrigação de guardar na memória ou pensar sobre o conteúdo como

num exame vestibular, ou como numa notícia captada ao ler um jornal.

Todavia o conteúdo que repetimos através do canto de um dado repertório de

sucesso soa como desinteressado, ou seja, sem intenção, contudo pode influenciar um

número considerável de pessoas (massa) devido ao seu caráter pedagógico cultural

(ideológico-patriarcal) e representativo (do senso comum) , principalmente as classes

8

mais humildes da população, onde o acesso a meios culturais de qualidade é

longínquo. Com a finalidade de comprovar essa tese lançamos mão das idéias de

Carmélio R. Ferreira (2005, p. 17 ) :

(...) “ o processo de repetição de uma mesma canção em que ocorre determinada representação, e ainda a

recorrência dessa representação em outras canções, levam a supor que elas têm alto poder de influência na percepção

que se forma sobre os fenômenos representados, reforçando visões de mundo, confirmando sentimentos, através do processo de reconhecimento e legitimação de significados”

Abaixo algumas músicas no amplo repertório que designam preconceitos,

influenciam a violência, e denigrem a imagem feminina. Será que ao cantar você

compreendeu/ notou essa ótica ideológica?

Faixa amarela- Zeca Pagodinho, Dá nela - Ary Barroso, Mulher Indigesta- Noel Rosa, Eu

dei -Ary Barroso, Frígida - Blitz, Renata, ingrata – Latino, Estás no meu caderno - Mário

Reis, entre outras.

2. Mulher: um produto de sucesso na embalagem na MPB.

É notório que o sexo feminino fez-se um produto atemporal de grande sucesso

seja como personagem de letras de música, ou como ilustração de capas de long

plays,(LP’s)- sendo esteticamente agradável ao grande público masculino. Produto

como nos atestam Kotler e Armstrong é:

(...)qualquer coisa que possa ser oferecida a um mercado para atenção, aquisição, uso ou consumo, e que

possa satisfazer a um desejo ou necessidade.

Ao perceber essa fórmula mágica que fornecia milhões àqueles que aceitavam

e compravam a ideia, a indústria fonográfica foi bastante responsável, senão a

primeira mídia a disseminar a mulher como um produto de sucesso na MPB e em sua

embalagem.

9

2.1 Pai afasta de mim esse “Cale-se” – compositores machistas: a negação da

mulher

A Música Popular Brasileira, sobretudo o samba é campeão no quesito machismo,

onde impera a negação da mulher como sujeito principal de situações vexatórias. O título

deste capítulo parodia o nome da música Cálice de Chico Buarque de Holanda, compositor ,

cantor e crítico de causas sociais de grupos minoritários, entre eles - a mulher. O cale-se

usado nesse sentido, diz respeito à ótica masculina dos compositores / cantores sobre a

mulher que é representada como: subserviente, frágil, sem voz, insensata, erotizada , vítima

de violência, adúltera, sofredora, mentirosa, depreciada, louca, ingrata, má, leviana,

complexa, reprimida sexualmente(frígida),caricaturada, vítima da ótica masculina, e a

inferiorizada em décadas passadas e que em determinadas músicas da atualidade

permanecem em voga. Para exemplificar esse preconceito velado presente nas canções,

citamos o nome de algumas delas:

Aí, que saudades da Amélia - Mário Lago (mulher subserviente, frágil, sem voz), Aurora – Mário Lago/ Roberto Roberti (mentirosa, fingida), 2,3,4,5,6,7,8 – Gabriel o Pensador (mulher objeto),Pierrô Apaixonado – Noel Rosa (mulher má, abusada),Mulher de fases – Raimundos (complexa),Dona Esponja – Zeca Pagodinho (caricaturada – beberrona),Mulher indigesta – Noel Rosa (desagradável, depreciada “ merece um tijolo na testa),Marina – Dorival Caymmi (chantageada pelo ciúme, deve obediência), A vizinha do lado – Dorival Caymmi (erotizada, a boa, gostosona quando passa com seu vestido grená),Índia - Zé Fortuna( mulher idealizada), Olhar 43 - RPM (corpo da mulher descrito atentamente pelo homem, “chave de todo pecado, é a pura sedução”), Você vai se quiser – Noel Rosa (Vítima da ótica masculina, para ele a mulher não deve trabalhar, nesta época o salário da mulher era baixíssimo),Tropicana – Alceu Valença (erotizada),Mulheres – Martinho da Vila (caricaturada),Dá nela – Ary Barroso (discriminada , a ser vítima de violência), Lá vem ela chorando ( dinheiro não há)- Benedito Lacerda/ Alvarenga( mulher depreciada ), Meu dono, meu rei - Dias da Cruz/ Cyro Monteiro ( vítima de violência física, subserviente , “ boazinha”),Só falta pancada – Nássara / Roberto Cunha(depreciada, incita a violência física) ,Gago apaixonado – Noel Rosa ( mulher ruim),Quantos beijos, Mentiras de mulher – Noel Rosa ( mulher fingida), Mãe solteira -Wilson Batista ( a mulher é castigada com a morte por infligir a boa moral e os costumes, ao ser mãe solteira), Uma Arlinda mulher – Mamonas Assassinas ( mulher ridicularizada ), Emília – Wilson Batista/ Haroldo Lobo ( a boa esposa- idealizada), O que é que eu dou – Dorival Caymmi/Antônio Almeida ( a sofrer violência física).

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2.2 E queimaram-se os sutiãs: outros tempos, novos compositores: o

reconhecimento e análise da identidade feminina.

Ela tem força/Ela tem sensibilidade/Ela é guerreira/Ela é uma deusa/Ela é mulher de verdade8

Chorão (Charlie Brown Junior )

Na década de 60 ocorreram várias mudanças no âmbito político, cultural e

social, que atingiram as mulheres e lhes proporcionou uma abertura rumo a um

destino melhor que outrora, alguns exemplos são : proibida a discriminação contra a

mulher no emprego, a pílula anticoncepcional, advento do biquíni, minissaia,

modificação do Código Civil : o marido não possui mais o controle direto sobre as

decisões da família, entre outras. A partir da década de 70 surgem composições em

que as mulheres não são mais vistas como vilãs, frágeis, ignorantes, traidoras como no

período de 30 a 60. Então, suas qualidades e direitos são reconhecidos, e a mulher

deixa de ser vista a partir de uma interpretação sexista para enfim representar a

realidade. A seguir constam nomes de música em que a mulher independente de ser “

de família” ou prostituída é reconhecida, exaltada, possuidora de desejos,- é

transgressora, assim como também é descrita a vida real feminina composta de

batalhas e esforços sendo vista e analisada no seu quotidiano:

Todas elas juntas num só ser – Lenine, A mulher de cada porto, Cotidiano, Aí, se eles me pegam

agora, Mulheres de Atenas, Angélica, Folhetim, Ana de Amsterdã, Ela e sua janela – Chico

Buarque, Dona, Linda – Roupa Nova, Menina, Jéssica – Bebeto, Cheia de charme – Guilherme

Arantes, Mulher pequena, Mulher de 40- Roberto Carlos, Maria, Maria – Milton Nascimento,

Mama África – Chico César, Mina – Mamonas Assassinas, Menina Veneno – Ritchie, Garota de

8 Ela vai voltar ( Todos os defeitos de uma mulher solteira)- Charlie Brown Jr

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Ipanema – Tom Jobim/ Vinícius de Moraes, Tigresa – Chico Buarque, Ela vai voltar ( Todos os

defeitos de uma mulher perfeita) – Charlie Brown Jr, A mulher carioca , Canção de nós dois,

Canção de alguém, Certa Maria, Ela é carioca– Vinícius de Moraes, Você é linda – Caetano

Veloso, Anna Júlia – Los Hermanos, Garotos- Leoni, , Mulher nova , bonita e carinhosa, faz o

homem gemer sem sentir dor – Zé Ramalho e Otacílio Batista., Burguesinha – Seu Jorge.

3.“Não posso mais, eu quero cantar e ser personagem da orgia” - a mulher enterra

o seu papel de folhetim e cria novas possibilidades.

3.1 . Elas (en) cantam e negam a tradição ortodoxa patriarcal.

“Não se nasce mulher. Torna-se mulher”.

Simone de Beauvoir

A mulher do século XXI mostra-se diferente de suas antepassadas (bisavó,

avó) e mãe, porque é capaz de discernir o que lhe faz bem ou não, e assim coloca-se

no lugar que almeja. É mãe solteira ou casada, dirigente de família, lida bem com sua

sexualidade, com a questão da maternidade, conhece o seu corpo, e também o do (a)

outro (a), reconhece e explora as fontes de prazer, ocupa posições no mercado de

trabalho nunca dantes imaginadas (vai além das áreas de atuação que eram confiadas

ao seu gênero: educação, artes, saúde, assistência social) ,mostra a sua capacidade em

questões políticas, na área automotiva, de construção civil, ou seja, descaracteriza

horizontes , portanto diariamente vê-se que a mulher transpõe barreiras impostas por

um sistema criado pelo sexo oposto. E não podia ser diferente em matéria de música.

De acordo com uma pesquisa feita por (Ferreira, 2005, P.55) o número de mulheres

compositoras aumentou gradativamente a partir da década de 80, se considerarmos

que em 1928 tínhamos uma compositora, e nos anos 80 tínhamos dez.

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A mulher do século XXI para crescer e aparecer, enfim sobreviver, quebrou o

ciclo da violência simbólica9, de acordo com Pierre Bourdieu

10 em seu livro A

dominação masculina(1998), que consiste em uma violência legítima e dissimulada (

considerada natural) que é exercida em parte com o consentimento do sujeito que a

sofre, pois o sujeito que domina economicamente (homem) impõe sua cultura aos

dominados(mulheres). Com essa quebra a mulher renegou os seus rótulo

estabelecidos: a meiguice, a infantilização, a ignorância, a irresponsabilidade, a

alienação, a devoção, a obediência e a virgindade.

Com o advento dessa nova mulher as letras da MPB puderam perpassar essa

evolução, pois os arquétipos de musa que tínhamos nos sambas foram substituídos por

um eu-lírico feminino sem precisar ser ventrículo do homem, então, a mulher foi

permitido dar voz a seus sentimentos, vontades e pensamentos, e dialogar com

arquétipos masculinos do passado, por exemplo, o malandro. A fim de ilustrar essa

nova mulher listamos algumas músicas que demonstram essa transformação feminina:

Mais perfumado – Adriana Calcanhoto (perda da inocência feminina, o homem não mais a

engana), Vem ver, o rapaz apaixonado – Adriana Calcanhoto (o homem suplica o amor da mulher, seu

comportamento muda, pois passa a cuidar do bebê),Beijo sem – Adriana Calcanhoto ( a mulher segura

de si é elemento da vida noturna, não há separação entre a esposa e a mulher da orgia), Não chore

homem- Vanessa da Mata ( a mulher é exigente afetivamente, e sexualmente), Todas as mulheres do

mundo- Rita Lee ( representação de variadas mulheres), grávida – Marina Lima ( o múltiplo da

gestação feminina),Voz de mulher – Sueli Costa/ Abel Silva ( a beleza das vozes feminina, que faz

brotar sentimentos diversos).

9 Pierre Bourdieu descreve a violência simbólica como um ato sutil, que oculta relações de poder que alcançam não apenas as relações entre os gêneros, mas, toda a estrutura social.

10 Eminente sociólogo francês.

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3.2. Música: uma melodia-escrita, libertária e igualitária.

Liberdade pra dentro da cabeça/ (...)É compreender

Que o que há de melhor/ Tá na vida/ Na transformação

Da natureza/ Que me traz a noção...

Natirutis

É do saber de todos, que a música exerce um papel de relevância na vida do

indivíduo, pois ela nasce do povo e se direciona ao povo, por isso ela deve contribuir

para a formação de indivíduos críticos, em outras palavras, pessoas que saibam não só

serem tocadas pela melodia oriunda das canções, assim como também saibam

decodificar as mensagens e refletir acerca de qualquer manobra ideológica de massa

que possa ser implantada por inocentes repetições, que visam a apreensão inconsciente

de determinados conceitos discriminatórios. Para que possamos alicerçar esse

pensamento fazemos uso das ideias do Mestre Carmélio Ferreira:

(...)o potencial educativo da canção popular deve ser reavaliado – ela tem de ser tratada

como uma mídia influente na formação de subjetividades – para que o processo vicioso

de realimentação das representações aviltantes cesse.

Logo a música deve servir não só aos interesses da indústria fonográfica, e

demais atores sócias, como também deve estar a serviço da liberdade e igualdade dos

indivíduos pondo abaixo toda a espécie de inferiorização humana.

Conclusão e reflexões.

Diante do exposto, chegamos a conclusão de que o cancioneiro brasileiro

anualmente difunde músicas onde o preconceito ao sexo feminino é claro. Dessa

forma ressalta-se um desiquilibrado autoritarismo de gênero, que resultou no

machismo e no seu contrário: o feminismo, que se inserem no mesmo sexismo.

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Para que o futuro possa ser mais promissor quando pensarmos no preconceito

que impera nas letras da nossa MPB, é necessário que se identifique nas músicas essas

características apresentando-as aos jovens, além de explicar os motivos culturais, que

fizeram-nas existir. Assim chamaremos a atenção para a percepção musical, que nem

sempre é possibilitada devido a massificação ideológica que é apreendida

inconscientemente ao ouvirmos as músicas diversas vezes nas rádios, shows ou pela

TV.

A mulher e qualquer indivíduo independente do seu sexo, ou orientação devem

ser retratados com equilíbrio e correção nas canções evitando a violência de gênero,

que fomenta a desigualdade e a liberdade das mulheres, portanto as músicas não

devem perder o seu tom natural, e se valer de letras que assumam um caráter

pedagógico a enaltecer a mulher e maldizer as violências física, sexual, psíquica

contra o sexo feminino. Poderíamos até pensar em letras que esclarecessem sobre as

ações de políticas públicas para a qualidade de vida feminina, tais como : a delegacia

da mulher e a implementação e atuação da Lei 11.340, de 07/08/2006 ( Lei Maria da

Penha).

Vale também musicar a mudança ocorridas na vida das mulheres onde

tínhamos dependência, medo, indiferença, condenação, e isolamento , que

transformaram-se em autonomia, liberdade, reconhecimento, compreensão e

sociabilização .

De acordo com a pesquisa A Mulher na MPB realizada no CIEP 999,

localizado em Paraty, é necessário realizar um trabalho de conscientização de jovens

pois a maioria não consegue refletir sobre a representação feminina, que canta nas

canções no quotidiano, se associada a mulheres que conhece em sua família, assim

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como não percebem a ótica ideológica dos letristas, que as escreveu, e muito menos

percepção auditiva sobre o conteúdo que auxilia a cristalizar ao entoar as canções.

Logo, é fundamental, que se identifique o sexismo, discuta-se sobre ele

baseando-se em músicas de repertório variado, e trabalhe-se para que no futuro

tenhamos uma sociedade mais justa.

Bibliografia

HAHNER, June E. A mulher no Brasil. 2ª edição. RJ: Editora Civilização Brasileira,

1978.

RIBEIRO, Marcos. Conversando com seu filho sobre sexo. 1ª edição. SP: Academia,

2009.

FERREIRA, Reynaldo Carmélio. Mulher é bicho ruim. É o que nos ensina a canção

popular. João Pessoa- PB, 2005.

INTERNET: Letras.Mus.br: http://letras.terra.com.br

ANEXO:

Nesta pesquisa foram entrevistadas as seguintes quantidade de alunos:

8º ano: 801: 30 entrevistados, 802: 28 entrevistados.

9º ano: 901: 28 entrevistados,902: 29entrevistados, 903: 26 entrevistados.

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Questionário – Pesquisa A Mulher na MPB:

1. Ao ouvir as músicas : Ai, que saudades da Amélia (Mário Lago), Faixa amarela

(Zeca Pagodinho), Lôira burra (Gabriel o Pensador), Mama África (Chico

César), Você vai se quiser (Noel Rosa), Mulheres de Atenas, Cotidiano (Chico

Buarque), Dá nela (Ary Barroso), você estudante consegue ver representada

alguma mulher de sua convivência (família, amizade, trabalho) ou mesmo você

menina ?

a) sim.

b) não.

c) nunca refleti sobre isso.(sem resposta)

REPRESENTAÇÃO FEMININA

8º ANO SIM NÃO SEM RESPOSTA

801 10 7 13

802 6 5 17

9º ANO SIM NÃO SEM RESPOSTA

901 8 4 18

902 9 9 11

903 11 2 13

2. Segundo sua opinião e experiência de vida, por que as letras das músicas

foram escritas sob essa ótica?

a) para homenagear e mencionar a mulher presente na vida quotidiana.

b) para impor uma imagem ideológica oriunda do histórico patriarcalismo.

c) não há um objetivo claro, cantam o que veem na sociedade.

d) para disputar quem convence o outro sobre o que se acha sobre a mulher.

17

ÓTICA DA REPRESENTAÇÃO FEMININA

8º ANO

RESPOSTA A

RESPOSTA B

RESPOSTA C

RESPOSTA D

801 15 4 10 1

802 11 3 12 2

9º ANO

RESPOSTA A

RESPOSTA B

RESPOSTA C

RESPOSTA D

901 9 5 8 6

902 12 6 12 6

903 11 7 5 4

3.Você tem percepção sobre as letras de música que você canta/ ouve nas

rádios?

a) Sim, presto atenção nas letras e no som.

b) Não, o que importa é cantar a música que é um sucesso, não é matéria de

escola.

4. Qual é as metodologia a ser usada como solução para que haja uma

consciência perceptiva do que se canta?

Dos 141 entrevistados nos 8º e 9º anos 69 indicaram como adequada Identificação

da educação sexista nas letras de música , reflexão, revisão e ações para extirpá-la

do meio social aos poucos – começando pela escola. Os demais não responderam.

PERCEPÇÃO MUSICAL

8º ANO SIM NÃO

801 5 25

802 7 21

9º ANO SIM NÃO

901 10 18

902 9 20

903 4 22