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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE ARQUITETURA FACULDADE DE BELAS-ARTES MULHERES NO DESIGN GRÁFICO: O Passado e o Presente – Uma análise comparada entre Brasil e Portugal Alice Dornelles Hetzel Dissertação Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Jorge dos Reis 2016

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE ARQUITETURA FACULDADE DE BELAS-ARTES

MULHERES NO DESIGN GRÁFICO: O Passado e o Presente – Uma análise comparada entre

Brasil e Portugal

Alice Dornelles Hetzel

Dissertação

Mestrado em Práticas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas

Dissertação orientada pelo Prof. Doutor Jorge dos Reis

2016

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II

DECLARAÇÃO DE AUTORIA

Eu, Alice Dornelles Hetzel, declaro que a presente dissertação de mestrado

intitulada “Mulheres no Design Gráfico: Passado e Presente”, é o resultado

da minha investigação pessoal e independente. O conteúdo é original e

todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas na bibliografia

ou outras listagens de fontes documentais, tal como todas as citações dire-

tas ou indiretas têm devida indicação ao longo do trabalho segundo as nor-

mas académicas.

O Candidato

Lisboa, 16 de Dezembro de 2016

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III

Resumo

A presente dissertação, desenvolvida no âmbito do Mestrado em Práti-

cas Tipográficas e Editoriais Contemporâneas, tem como objeto de estudo as

mulheres no mercado do design gráfico, com foco no contexto de Portugal e

Brasil. Consiste no estudo da cronologia de inserção das mulheres neste âmbi-

to desde o início do Século XX, passando pela institucionalização do design a

nível mundial, na Bauhaus, e aspectos específicos da institucionalização da

profissão no Brasil e em Portugal, assim como uma análise crítica da situação

atual da profissão de designer gráfico: o que já foi conquistado, características

do contexto atual e os desafios para o futuro. Seu objetivo é compreender o

papel da mulher no desenvolvimento da profissão e sua situação atual no de-

sign gráfico no Brasil e em Portugal para que, ao final, seja possível propor

estratégias que permitam a evolução da profissão de forma mais igualitária.

Para que estes objetivos fossem alcançados com sucesso, a investigação foi

dividida em duas partes principais: a revisão da literatura – a fim de compreen-

der historicamente o papel da mulher nesta área e levantar dados sobre a

situação atual do mercado – e os inquéritos e entrevistas, que tiveram grande

importância na validação da investigação, na busca por informações mais es-

pecíficas de cada ambiente e em uma compreensão mais profunda das infor-

mações já coletadas nas primeira etapa. Na etapa de inquéritos foi consultado

um grupo de Brasileiras e Portuguesas, de distintas faixas etárias e formas de

trabalho – sócias de empresas próprias, funcionárias de grandes empresas,

profissionais autônomas, etc. – que responderam questões sobre o seu percur-

so acadêmico e profissional e suas percepções acerca das questões de gênero

neste meio. Espera-se que esta investigação contribua para um maior reco-

nhecimento e visibilidade das mulheres neste meio e uma compreensão mais

profunda do cenário no qual estão inseridas, para que, cada dia mais, o design

gráfico seja um ambiente de igualdade de gênero.

Palavras Chave: design gráfico; gênero; trabalho feminino; Brasil; Portugal.

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IV

Abstract

The present dissertation, developed within the scope of the Master in

Contemporary Typographical and Editorial Practices, has as object of study the

women in the graphic design market, focusing on the context of Portugal and

Brazil. It consists of the study of the chronology of insertion of women in this

profession, since the beginning of the 20th Century, through the institutionaliza-

tion of the design world-wide, in the Bauhaus, and specific aspects of the insti-

tutionalization of the profession in Brazil and Portugal, as well as a critical

analysis of the current situation of the field: what has already been achieved,

the characteristics of the current market and the challenges for the future. Its

objective is to understand the role of women in the development of the profes-

sion and its current situation in graphic design in Brazil and Portugal so that, in

the end, it is possible to propose strategies that allow the evolution of the pro-

fession in a more egalitarian way. In order for these objectives to be successful-

ly achieved, the research was divided into two main parts: the literature review

– in pursuance of historically understand the role of women in this area and to

gather data on the current market situation – and the surveys and interviews,

which had great importance in the validation of the investigation, in the search

for more specific information of each environment and in a deeper understand-

ing of the information already collected in the first phase. In the survey stage, a

group of Brazilian and Portuguese designers were consulted, with different age

groups and work forms – partners of their own companies, employees of large

companies, autonomous professionals, etc. – who answered questions about

their academic and professional background and their perceptions about gen-

der issues in this environment. It is hoped that this research will contribute to a

greater recognition and visibility of women in this environment and a deeper

understanding of the setting in which they are inserted, so that, every day,

graphic design is a gender equality environment.

Key Words: graphic design; gender; female work; Brazil; Portugal.

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V

Índice de Figuras

Figura 1. Oficina de composição da Copeland-Chatterson Company,

1905 ........................................................................................................... 21

Figura 2. Tapeçaria de Gunta Stölzl em cadeira. Co-criação com Marcel

Breuer, 1921. ............................................................................................. 26

Figura 3. Conjunto de café e chá projetado por Marianne Brandt,1924. .......... 28

Figura 4. Design de exposição de Lina Bo Bardi, 1957-68, MAM, São

Paulo .......................................................................................................... 30

Figura 5. Catálogos da 1ª e da 2ª Exposição de Design Português ................. 34

Figura 6. Imagem de divulgação dos convidados do DiaTipo São Paulo

2015 ........................................................................................................... 49

Figura 7. Imagem de divulgação dos oradores do 7º Encontro de

Tipografia (2016) ....................................................................................... 50

Figura 8. Verbete “List of graphic designers” na Wikipedia, 2016 .................... 53

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VI

Índice de Gráficos

Gráfico 1. Representação de gênero em recentes conferências de

tipografia. ................................................................................................... 47

Gráfico 2. Respostas a “As figuras de destaque apresentadas em aula

foram...”. .................................................................................................... 76

Gráfico 3. Respostas a “Seus chefes foram...”. ................................................ 78

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VII

Índice de Tabelas

Tabela 1: Questões Básicas da Entrevista ....................................................... 70

Tabela 2: Questões Específicas da Entrevista ................................................. 71

Tabela 3: Participantes dos Inquéritos .............................................................. 73

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VIII

Índice Geral

Introdução ......................................................................................................... 1Âmbito e Propósito ......................................................................................... 1

Metodologia .................................................................................................... 3

Estado da Arte ................................................................................................ 4

Quadro Conceptual ......................................................................................... 5

Estrutura da dissertação ................................................................................. 6

Capítulo 1 - Gênero ...................................................................................... 8As Diversas Interpretações do Conceito de Gênero ...................................... 9

Doing Gender ............................................................................................... 13

Capítulo 2 - A Mulher e o Design Gráfico: Revisão Histórica ................ 18O Papel da Mulher no Desenvolvimento do Design como

Profissão no Início do Século XX ................................................................. 18

A Consolidação da Profissão no Século XX: As Mulheres na

Bauhaus ........................................................................................................ 23

A Institucionalização do Design no Brasil e em Portugal ............................. 29

Capítulo 3 - Análise do Cenário Atual ...................................................... 37As Conquistas ............................................................................................... 37

Reflexões para o Presente e para o Futuro .................................................. 45

Considerações para a Fase Seguinte .......................................................... 65

Capítulo 4 - Inquéritos e Entrevistas ........................................................ 67Seleção de Participantes .............................................................................. 67

Inquérito Inicial – Triagem ............................................................................ 68

Inquérito Principal ......................................................................................... 68

Entrevistas .................................................................................................... 70

Capítulo 5 - Resultados e Discussões ..................................................... 72

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IX

A Amostra ..................................................................................................... 72

Padrões Verificados nos Inquéritos .............................................................. 74

Análise do Processo, dos Resultados e Inferências ..................................... 79

Estratégias Propostas ................................................................................... 80

Conclusão ........................................................................................................ 84

Referências Bibliográficas ............................................................................. 86

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1

Introdução

For the study of women and men in graphic design, remaining cognizant of the

double truth that women and men in graphic design are the same and that

women and men in graphic design are different will result in a more inclusive

understanding of past and contemporary graphic design production.

—Martha Scotford, Messy History vs. Neat History:

Toward a expanded view of women in graphic design, 2012

Âmbito e Propósito

O mercado de trabalho nem sempre foi um espaço aberto às mulheres.

A sua ocupação foi – e ainda é – um processo longo de reconhecimento e

apropriação dos seus direitos. Hoje, porém, pode-se afirmar que a situação da

mulher no mercado de trabalho já atingiu um patamar inimaginável há 50 anos.

O mercado criativo pode ser considerado um dos mais abertos às mu-

lheres na atualidade. Breuer e Meer (2012), analisam de forma otimista o con-

texto atual de inserção das mulheres neste âmbito, no qual, em sua opinião, as

mulheres já conquistaram um espaço relevante. Esta análise pode ser compro-

vada estatisticamente. Na Alemanha, segundo as autoras, a percentagem de

mulheres autônomas no mercado criativo em 2008 era entre 40 e 44%, muito

acima da média do país para o mercado de trabalho em geral, de 7%. No con-

texto Brasileiro os números também são favoráveis. Segundo a ADG Brasil

(Associação dos Designers Gráficos), em 2012 40% dos seus associados eram

mulheres, enquanto 60% eram homens. Entre os mais jovens, a proporção era

ainda mais equilibrada – 46% de mulheres e 54% de homens. Nos Estados

Unidos, em 2015, a AIGA (American Institute of Graphic Design) registrou que

55% dos seu membros eram mulheres. (Hagmann, 2005).

Os desafios, porém, ainda existem. Breuer e Meer ressaltam a ambiva-

lência entre a participação em um mercado que exige dedicação integral e o

equilíbrio entre a vida pessoal e familiar e a questão da visibilidade neste meio,

no qual “[...] as estrelas da cena do design são predominantemente homens”

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2

(2012, p. 42)1. As autoras aponta, também, o fato de que, atualmente, as de-

signers dão a impressão de que ser associada ao feminismo seria um tabu, por

desviar a atenção da qualidade dos seus trabalhos. Stavro, porém, argumenta:

Even if women have been garnering attention in spheres of activities hitherto

the exclusive preserve of men, gender inequalities still exist in graphic design

as much as in other professional fields. It seems that our collective willingness

to ‘move on’ (ie. demystify the gender issue once an for all) is as strong as our

pressing need to advancing solutions to the problem on a daily basis. (2012,

p. 361)

Conscientes da evolução recente do mercado de trabalho e atentando,

neste momento, a questões mais específicas que a sua abertura a profissionais

mulheres, propõe-se a abordagem de temas mais atuais como a visibilidade

feminina no mercado e na história do design e a persistência de papéis de

gênero tradicionais contraposta à evolução na inserção feminina nos ambientes

de trabalho.

Conhecer aquelas que obtiveram êxito em suas áreas de atuação, des-

cobrir as dificuldades pelas quais passaram e o que fizeram para superá-las,

sua visão do mercado e opiniões sobre o que é preciso ser feito no futuro será

o ponto de partida para a proposição de estratégias para a redução das desi-

gualdades que ainda existem.

1 Tradução nossa. No original: “[…] the stars of the design scene are predominantly male.” 2 “[...] o sistema sexo/gênero é um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, e na qual estas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas.” (Tradução nossa.) 3 A corrente filosófica pós-estruturalista tem como principais características a desconstrução, a negação

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3

Objetivos

Geral

• Elaborar um panorama completo sobre a participação feminina do

mercado do design gráfico no Brasil e em Portugal, identificando

dificuldades e desenvolvendo estratégias para sua solução.

Específicos

• Compreender os aspectos históricos da inserção das mulheres no

mercado do design gráfico tanto em contexto mundial quanto no

âmbito específico de Brasil e Portugal;

• Conhecer a situação atual as mulheres no mercado do design

gráfico, em contexto geral e específico (Brasil e Portugal);

• Identificar as principais dificuldades encontradas pelas designers

durante sua trajetória acadêmica e profissional;

• Formular estratégias para dirimir estas dificuldades.

Metodologia

Foi utilizada metodologia não-intervencionista de pesquisa, com base

qualitativa. Os métodos de pesquisa utilizados foram a revisão da literatura e a

pesquisa por inquéritos e entrevistas.

A partir da revisão da literatura foi desenvolvida uma análise crítica do

estado da arte, contrapondo informações das diversas áreas do conhecimento,

a fim de desenvolver as hipóteses a serem validadas nas etapa seguinte – de

inquéritos e entrevistas. Os inquéritos e entrevistas foram analisados de forma

qualitativa e seus resultados comparados às inferências feitas ao final da fase

anterior, de maneira a responder as perguntas de investigação e validar as

hipóteses.

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Estado da Arte

O estudo das Mulheres no design gráfico vem sendo abordado, sob di-

versos pontos de vistas, por diversas autoras – tanto designers quanto pesqui-

sadoras das ciências humanas e sociais. Na Alemanha, Gerda Breuer e Julia

Meer desenvolveram um extenso trabalho de investigação sobre o tema, o que

resultou no livro Women in Graphic Design 1890-2012, uma das principais

referências bibliográficas deste trabalho. A publicação contém textos e entre-

vistas de designers gráficas de todo o mundo, como Ellen Lupton, Astrid Stavro

e Martha Scotford, que abordam desde aspectos históricos da inserção das

mulheres na profissão até discussões sobre a situação atual. O livro também

conta com uma série de biografias curtas de designers que trabalharam duran-

te todo o período compreendido pela investigação.

O estudo histórico das mulheres no design gráfico é extenso. Autoras

como Martha Scotford e Cheryl Buckley têm sua produção científica voltada a

este tema. Scotford contribui com dois artigos em Women in Graphic Design

1890-2012, enfatizando os processos historiográficos que causaram a sub-

representação das mulheres na história do design gráfico. As Espanholas Ro-

salía Torrent e Marisa Vadillo, entre outras, são autoras de diversas publica-

ções sobre as mulheres na Bauhaus, etapa importante da história do design, e

analisam as relações de gênero que ocorreram na referida escola e seu impac-

to no desenvolvimento da profissão.

No campo sociológico, estudos qualitativos e quantitativos vem sendo

conduzidos sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho e as relações

de gênero neste âmbito. Este tema também é abordado sob os pontos de vista

de direitos trabalhistas, de economia e de administração de empresas. Grande

parte dos estudos tem como objeto de estudo a conciliação da vida familiar e

profissional na conjuntura atual de inserção feminina no mercado de trabalho,

aspecto importante analisado neste trabalho.

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Percebe-se que há abundante produção científica nos distintos tópicos

que sustentam esta investigação, o que propicia um cenário favorável para o

desenvolvimento mais aprofundado destes conteúdos, com foco no contexto

específico de Brasil e Portugal.

Modelo Teórico

Para o estudo dos conceitos de gênero foram consultadas as principais

autoras sobre o tema. A antropóloga Gayle Rubin, autora de um dos principais

textos sobre gênero, The Traffic in Women: Notes on the 'Political Economy' of

Sex (1975), a primeira a utilizar o conceito de sistema sexo/gênero; A historia-

dora Joan Scott, que aborda o gênero como ferramenta analítica em seu artigo

“Gender: A Useful Category of Historical Analysis”, publicado em 1986; Judith

Butler, uma das principais teóricas de gênero da atualidade, cujo trabalho re-

sulta na criação da teoria queer, essencial para uma análise interseccional de

gênero, e Candace West e Don Zimmerman, criadores do conceito de doing

gender, muito utilizado na análise de relações de gênero em ambientes de

trabalho.

No âmbito da inserção feminina na profissão de design gráfico, a pes-

quisadora feminista Cynthia Cockburn é referência na análise do período inicial

deste processo – o trabalho feminino nas imprensas no início do Século XX. Os

estudos das pesquisadoras Espanholas Rosalía Torrent e Marisa Vadillo con-

tribuíram para o entendimento da situação das mulheres na Bauhaus. Marcos

Braga e Rafael Cardoso são os principais autores consultados no contexto da

consolidação da profissão no Brasil, assim como Victor Almeida para o mesmo

período em Portugal.

O livro Women in Graphic Design 1890-2012, organizado por Gerda

Breuer e Julia Meer, é a principal publicação consultada para o desenvolvimen-

to desta investigação, por conter textos de diversas autoras sobre os mais

variados contextos da situação da mulher na produção. As principais autoras

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colaboradoras desta dissertação são Martha Scotford, Astrid Stavro e Ellen

Lupton.

Quadro Conceptual

Estrutura da dissertação

Esta investigação está dividida em seis Capítulos. A revisão da literatu-

ra divide-se nos Capítulos 1, 2 e 3. Mais especificamente, no Capítulo 1 trata-

remos do conceito de gênero sob a ótica das principais pesquisadoras do tema

nos Séculos XX e XXI e a teoria doing gender, de West & Zimmerman (1987),

de extrema importância para a análise das relações de gênero. No Capítulo 2

abordaremos a participação feminina na história do design gráfico, desde o

surgimento da profissão no início do Século XX, passando pela Escola da Bau-

GÊNERO

História do Design - Como se desenvolveu

- Como é contada

Ensino do Design (Desenvolvimento das profissionais)

Relações de Trabalho - Oportunidades profissionais

- Visibilidade - Evolução da carreira

Inserção da Mulher no Mercado de

Trabalho (Contexto histórico)

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haus – símbolo da consolidação do design a nível mundial, até a institucionali-

zação da profissão no Brasil e em Portugal, na segunda metade do século XX.

O Capítulo 3 compreende diversos pontos de vista sobre a situação atual das

mulheres no mercado do design gráfico, tanto no contexto global quanto espe-

cificamente no Brasil e em Portugal.

Na fase de pesquisa, o Capítulo 4 engloba os Inquéritos e Entrevistas,

descrevendo o processo de seleção das participantes e o desenvolvimento dos

inquéritos e dos roteiros de entrevistas. O Capítulo 5 é composto pela análise

dos dados obtidos e seu cruzamento com as informações obtidas por meio da

revisão da literatura, descrição dos padrões verificados, dos questionamentos

originados desta análise e das estratégias propostas.

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Capítulo 1 - Gênero

São dois os conceitos principais a serem estudados nesta investigação:

o gênero – a fim de explicitar do quê se fala quando se diz “mulher” – e o mer-

cado do design. O primeiro conceito será abordado neste capítulo a partir das

principais teorias antropológicas, psicológicas e sociais de gênero. O segundo,

no Capítulo 2 - , através da análise histórica do surgimento do design como

profissão e da inserção da mulher neste contexto.

O termo gênero passou a ser emprestado da gramática (do inglês gen-

der) no início da segunda metade do Século XX por autores e autoras de lín-

gua inglesa. Porém foram psicólogos norte-americanos dos anos sessenta que

sistematizaram a utilização funcionalista do termo a fim de, no processo de

tratamento de seus pacientes, distinguir sua identidade da sua sexualidade – a

hoje chamada identidade de gênero – criando, desta forma, uma denominação

ao fenômeno de construção cultural e social do ser homem ou ser mulher (Car-

valho, 2011).

Hoje, o gênero tem imensurável importância nos estudos das relações

sociais humanas e nas discussões feministas. Como consequência, são diver-

sos os autores e autoras que o estudam, conceituam e, em algumas ocasiões,

tentam defini-lo – cada um utilizando seus referenciais e pontos de vista. Uma

definição única de gênero, portanto, seria impossível de ser criada.

Por este motivo, e visando a construir uma visão completa sobre o te-

ma que irá basear esta investigação, neste capítulo estudaremos as aborda-

gens aos conceitos de gênero das seguintes pesquisadoras dos séculos XX e

XXI: Gayle Rubin, Joan Scott e Judith Butler. Finalizaremos esta seção com a

análise de Linda Nicholson e suas sugestões em relação a melhor abordagem

do termo mulher do ponto de vista das discussões feministas. Ainda neste

capítulo, introduziremos a teoria de doing gender, de Candace West e Don

Zimmerman e sua aplicabilidade em ambientes de trabalho.

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As Diversas Interpretações do Conceito de Gênero

Uma das pioneiras no uso do termo gênero em discussões feministas

foi a antropóloga Gayle Rubin. Com o objetivo principal de desnaturalizar as

desigualdades de gênero, Rubin procurou entender sua origem, ou seja, a

relações que transformam fêmea (sexo) em uma mulher oprimida e domestica-

da (gênero), para, então tentar revertê-las. Para isto, focou-se nos principais

teóricos da antropologia e da psicanálise, como Claude Lévi-Strauss, Sigmund

Freud e Jacques Lacan.

É em sua primeira publicação, The Traffic in Women – Notes of the

‘Political Economy’ of Sex (1975), que se discute o sistema sexo/gênero, no

qual, em explicação breve, considera-se o gênero um produto da matéria-prima

sexo, ou seja:

a “sex/gender system” is the set of arrangements by which a society trans-

forms biological sexuality into products of human activity, and in which these

transformed sexual needs are satisfied. (Rubin, 1975, p.159)2

A abordagem proposta por Rubin – cuja ideia principal foi mantida pe-

las principais teóricas de gênero até os anos 80 – é o que Linda Nicholson

(2000), autora de Interpretando o Gênero, denomina fundacionalismo biológico. Diferente (porém não oposto) ao determinismo biológico, “o fundacionalismo

biológico permite que os dados da biologia coexistam com os aspectos de

personalidade e comportamento” (Nicholson, 2000, p.12).

Esta concepção permitiu a compreensão de gênero como um organis-

mo mutável, dependente da cultura e da história humana e, portanto, pauta

2 “[...] o sistema sexo/gênero é um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana, e na qual estas necessidades sexuais transformadas são satisfeitas.” (Tradução nossa.)

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importante das lutas feministas. O aspecto biológico, porém, seguiu tendo

grande importância nas discussões, visto que este conceito – o do sistema

sexo/gênero – pressupõe uma base natural (o sexo) sobre a qual os significa-

dos culturais são constituídos (Nicholson, 2000).

Ainda nos anos 80, outra contribuição importante para os estudos de

gênero foi feita pela historiadora Joan Scott. Em artigo intitulado “Gender: A

Useful Category of Historical Analysis”, publicado em 1986 na revista The Ame-

rican Historical Review e posteriormente, em 1988, incluído no livro de sua

autoria Gender and the Politics of History, a historiadora aborda, sob uma

perspectiva pós-estruturalista3, o gênero como ferramenta analítica. Partindo

de uma crítica à utilização descritiva do gênero – apenas como forma de dife-

renciação e sem pretensão de explicar ou interpretar os fenômenos e realida-

des das relações de gênero – Scott introduz uma nova perspectiva à dualidade

sexo versus gênero, a qual explica mais objetivamente no prefácio da publica-

ção de 1988:

[...] gênero é a organização social da diferença sexual. O que não significa

que gênero reflita ou implemente diferenças físicas fixas e naturais entre ho-

mens e mulheres mas sim que gênero é o saber que estabelece significados

para as diferenças corporais. (1994, p.13)

Scott acrescenta, ainda, que o gênero é um modo primeiro de significar

as relações de poder (1986, pp.1072-1073). Com esta abordagem, a autora

nega o status invariável do corpo, atrelando-o a uma interpretação cultural – e,

consequentemente, de poder – visto que, em sua visão, não é possível com-

3 A corrente filosófica pós-estruturalista tem como principais características a desconstrução, a negação de conceitos fixos e verdades absolutas e a análise histórica em detrimento à descritiva. Seus principais representantes são Michel Foucault, Jacques Derrida, Gilles Deleuze e Jean-François Lyotard.

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preender o corpo fora da cultura. Assim, homem e mulher deixam de ser cate-

gorias fixas e transformam-se em perguntas.

Um rompimento significativo com as teorias de Rubin e Scott origina-se

da abordagem de Judith Butler. A filósofa pós-estruturalista Estadunidense é

atualmente considerada uma das principais teóricas do feminismo e da teoria

queer. Sua principal obra, Gender Trouble: Feminism and the Subversion of

Identity (1990), busca compreender a possibilidade de se questionar, além do

gênero, também o sexo – até o momento considerado uma estrutura fixa e

isenta de questionamentos – em função da sua materialidade, demonstrando

alguma similaridade com a teoria de Joan Scott, porém rompendo com o con-

ceito binário de sexo/gênero.

A teoria de gênero de Judith Butler é centrada na ideia de performativi-

dade. O termo, muito presente em suas publicações, se refere ao ato imposto

de repetir normas de gênero, reiterando-as com o tempo, a fim de cumprir a

coerência de sexo/gênero/desejo, obrigatoriamente heterossexual. Nas pala-

vras da autora,

gender is the repeated stylization of the body, a set of repeated acts within a

highly rigid regulatory frame that congeal over time to produce the appearance

of substance, of a natural sort of being. (Butler, 1990, p.33)4.

Butler procura dissolver a teoria sexo x gênero e desmontar a obrigatoriedade

entre sexo, gênero e desejo, denunciando a existência de uma ordem compul-

sória que desumaniza aqueles que não se encaixam nas oposições binárias

impostas (homem/mulher, macho/fêmea, etc.), marginalizando-os na socieda-

4 Na versão em Português (BUTLER, 2008, p.59): “Gênero é a estilização repetida do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de uma estrutura reguladora altamente rígida, a qual se cristaliza no tempo para produzir a aparência de uma substância, de uma classe natural de ser.”

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de. Ao romper com as teorias anteriores baseadas no sistema sexo/gênero,

Butler afirma:

As a result, gender is not to culture as sex is to nature; gender is also the dis-

cursive/cultural means by which “sexed nature” or “a natural sex” is produced

and established as “prediscursive”, prior to culture, a politically neutral surface

on which culture acts. (1990, p.7)5

A teoria queer, por romper com os conceitos binários e heteronormati-

vos de gênero previamente estabelecidos, torna-se importante na inclusão de

transgêneros e pessoas não-binárias nas discussões de gênero, indivíduos

estes que não eram considerados pelas teorias baseadas no sistema se-

xo/gênero.

Nicholson faz uma análise crítica destas diferentes interpretações do

gênero, finalizando com uma proposta. A principal crítica feita pela autora às

teorias de gênero fundamentadas no que ela chama de fundacionalismo bioló-

gico é a sua impossibilidade em explicar a historicidade dos seus próprios

insights, nem considerar as possíveis falhas do sistema que os produziu. Em-

bora a autora afirme que há verdades nas afirmações da teoria, considerando o

fato de que a maioria das culturas tem interpretações binárias similares do

sexo, considera que

um problema que se manifesta nas teorias anteriores, citadas por tantos co-

mentaristas, é que “um feminismo da diferença” tende a ser “um feminismo da

uniformidade”. Dizer que “as mulheres são diferentes dos homens desse ou

daquele jeito” é dizer que as mulheres são “desse ou daquele jeito”. (2000,

p.28)

5 “(...) gênero não está para cultura assim como sexo está para natureza; gênero também são os meios discursivos/culturais pelos quais a “natureza sexuada” ou o “sexo natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”, anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra na qual a cultura age.” (Tradução nossa.)

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O desafio criado por esta concepção – e pelo rompimento completo

com o determinismo biológico – está na necessidade imposta de uma definição

clara da palavra mulher. Para justificar sua ideia de que esta definição não é

necessária, Nicholson (2000) cita Wittgenstein (1953) e seu exemplo da pala-

vra “jogo”:

Se você examiná-los [os procedimentos que chamamos de “jogos”] você não

vai ver alguma coisa comum a todos, mas semelhanças, relações e toda uma

série de correspondências. (...) Veja, por exemplo, os jogos de tabuleiros,

com suas inúmeras e diversas relações possíveis. Agora passe para os jogos

de cartas: aqui você encontra muitas correspondências com o primeiro grupo,

mas muitos aspectos comuns se perdem, e outros aparecem. Quando vamos

aos jogos com bola, muito do que é comum permanece, mas muito também

se perde. (...) E o resultado desses exames é: vemos uma complicada rede

de similaridades se sobrepondo e se cruzando; às vezes similaridades glo-

bais, às vezes no detalhe. (pp.34-35)

A partir deste exemplo, a autora sugere que a mesma interpretação seja feita

para o sentido de “mulheres”: através da elaboração de uma rede de caracte-

rísticas, e não pela busca de uma ou mais características comuns a todas. O

corpo, neste caso, não desaparece, mas se torna uma variável dependente do

contexto histórico no qual é analisado.

Doing Gender

Doing gender, ou o fazer do gênero6 é uma teoria utilizada principal-

mente em estudos sociológicos de gênero. Criada por Candace West e Don

6 A expressão fazer do gênero, será utilizada nos parágrafos seguintes como substituta de doing gender, de forma a simplificar a leitura e o entendimento do conteúdo.

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Zimmerman no final dos anos 70, mas publicada somente em 1987, parte da

definição de três importantes conceitos: sexo, categorias de sexo (ou categori-

as sexuais) e gênero:

Sex is a determination made through the application of socially agreed upon

biological criteria for classifying persons as females or males.' The criteria for

classification can be genitalia at birth or chromosomal typing before birth, and

they do not necessarily agree with one another. Placement in a sex category

is achieved through application of the sex criteria, but in everyday life, catego-

rization is established and sustained by the socially required identificatory dis-

plays that proclaim one's membership in one or the other category. In this

sense, one's sex category presumes one's sex and stands as proxy for it in

many situations, but sex and sex category can vary independently; that is, it is

possible to claim membership in a sex category even when the sex criteria are

lacking. Gender, in contrast, is the activity of managing situated conduct in

light of normative conceptions of attitudes and activities appropriate for one's

sex category. Gender activities emerge from and bolster claims to member-

ship in a sex category.7 (West & Zimmerman, 1987, p.127)

A teoria baseia-se na afirmação de que o gênero é constituído através

da interação. Para isto, West e Zimmerman (1987) buscam a definição de gen-

der display (ou exibição de gênero), formulada por Goffman no final da década

7 “O sexo é uma determinação feita através da aplicação de critérios biológicos socialmente acordados para classificar as pessoas como fêmeas ou machos. Os critérios de classificação podem ser genitais no nascimento ou tipagem cromossômica antes do nascimento, e eles não necessariamente concordam um com o outro. A colocação em uma categoria de sexo é conseguida através da aplicação dos critérios de sexo, mas na vida cotidiana, a categorização é estabelecida e sustentada pelas exposições identificatórias socialmente necessárias que proclamam a adesão a uma ou outra categoria. Nesse sentido, a categoria de sexo de alguém presume o sexo de alguém e se posiciona como proxy para ele em muitas situações, mas categoria de sexo e sexo podem variar independentemente; Ou seja, é possível reivindicar a adesão a uma categoria de sexo, mesmo quando faltam critérios de sexo. O gênero, em contraste, é a atividade de gestão de condições situadas à luz de concepções normativas de atitudes e atividades apropriadas para a categoria de sexo. As atividades de gênero surgem e reforçam as reivindicações de pertencimento a uma categoria de sexo.” (Tradução nossa.)

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de 1970, que a descreve como a representação convencionalizada dos gêne-

ros. Para Goffman (1976), citado por West e Zimmerman (1987), esta expres-

são é opcional, ou seja, apesar de existir uma convenção social de como deve

ser a expressão de cada gênero, os indivíduos podem escolher como querem

expressar-se durante suas interações. Estas escolhas, porém, têm consequên-

cias, principalmente se vão de encontro às convenções sociais.

Os autores, enfim, definem o conceito de doing gender como:

Doing gender means creating differences between girls and boys and women

and men, differences that are not natural, essential, or biological. Once the dif-

ferences have been constructed, they are used to reinforce the "essential-

ness" of gender. (West & Zimmerman, 1987, p.137)

Um dos exemplos dados é o caso da segregação por gênero das casas

de banho nos Estados Unidos (e aparentemente em todo o mundo ocidental).

Separadas entre ladies e gentlemens, possuem diferenças de mobiliário como

a existência de mictórios para os homens e instalações de higiene mais confor-

táveis para mulheres, embora se saiba que, na prática, ambos alcançam os

mesmos fins – o alívio das necessidades fisiológicas – pelos mesmos meios

(vide a não existência desta segregação em ambientes de habitação familiar).

Segundo as autoras, Goffman afirma que esta segregação não é consequência

natural da diferença entre os sexos, e sim uma maneira de validar esta diferen-

ça. (West & Zimmerman, 1987)

A divisão do trabalho por gênero é uma das principais maneiras pelas

quais o fazer do gênero pode ser percebido. A maneira como as tarefas do-

mésticas, por exemplo, são executadas predominantemente por mulheres na

grande maioria dos lares, expõe o papel convencionalizado de homem e mu-

lher, ou de marido e esposa.

It is not simply that household labor is designated as "women's work," but that

for a woman to engage in it and a man not to engage in it is to draw on and

exhibit the "essential nature" of each. What is produced and reproduced is not

merely the activity and artifact of domestic life, but the material embodiment of

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wifely and husbandly roles, and derivatively, of womanly and manly conduct.

(West & Zimmerman, 1987, p.144)8

Além do ambiente social e familiar, outro ambiente em que o fazer do

gênero tem especial influência é no ambiente de trabalho. A existência das

divisões de trabalho baseadas no gênero podem ser facilmente percebidas

quando precisamos utilizar um indicador de gênero ao se referir a uma profis-

são, como por exemplo enfermeiro homem ou médica mulher. Os indicadores

estão presentes para indicar que aqueles indivíduos são exceções à suposta

regra. (West & Zimmerman, 1987)

No decorrer desta investigação, teremos em consideração as seguintes

questões, levantadas pelos pesquisadores previamente citados:

• As categorias de sexo, apesar de terem ligação com as

manifestações biológicas de sexo, não são necessariamente

determinadas por estas;

• O fazer do gênero é produto de práticas diárias sociais e de

comportamentos que codificam e manifestam feminilidade ou

masculinidade e, por estarem diretamente relacionados à interação

humana, não é possível evitar fazê-lo;

• O gênero – assim como seus papéis – como construções sociais,

são passíveis de mudanças advindas de alterações culturais e

comportamentais;

• Não há características comuns a todas as mulheres e, por isto, sua

caracterização deve ser concebida através de redes de

8 “Não é simplesmente que o trabalho doméstico é designado como ‘trabalho das mulheres’, mas que para uma mulher se engajar nele e um homem não se envolver nela é atrair e exibir a ‘natureza essencial’ de cada um. O que é produzido e reproduzido não é meramente a atividade e o artefato da vida doméstica, mas a encarnação material dos papéis de esposa e de marido e, consequentemente, da conduta feminina e masculina” (Tradução nossa.)

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características, e não pela busca de um ou mais trato comum a

todas.

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Capítulo 2 - A Mulher e o Design Gráfico: Revisão Histórica

Neste capítulo faremos um recorrido histórico pelo desenvolvimento da

profissão de designer, com foco no papel da mulher neste percurso. Neste

momento, será tratado do design como um todo – tanto gráfico quanto industri-

al – visto que é de extrema importância, para analisar o cenário atual do design

gráfico, compreender a sua gênese e a sua relação com as outras áreas de

criação. Não há pretensão de discorrer sobre a história do design em um con-

texto amplo, e sim atentar aos pormenores que incluem a participação feminina

neste processo.

Falaremos sobre o papel da mulher no início do Século XX, período do

desenvolvimento inicial da profissão. Passaremos pela consolidação da profis-

são, com foco na escola da Bauhaus. Finalizaremos com uma análise mais

específica da institucionalização do design em Portugal e no Brasil, na segunda

metade do Século XX.

O Papel da Mulher no Desenvolvimento do Design como Profissão no Início do Século XX

A comunicação visual, em seu sentido mais amplo, tem uma longa história.

Quando o homem primitivo, ao sair à caça, distinguia na lama a pegada de

um animal, o que ele via ali era um sinal gráfico. (Hollis, 2001, p.1)

O ser humano, desde a época primitiva, utiliza-se de mecanismos de

comunicação visual. Dos sinais gráficos encontrados em cavernas às primeiras

edições impressas, as ferramentas de comunicação desenvolvidas pelo ser

humano permitiram que, hoje, a história da civilização seja contada, produtos

sejam vendidos e a comunicação seja eficaz.

A sistematização desta comunicação, seu uso comercial e, finalmente,

o surgimento da profissão de designer gráfico, porém, são muito mais recentes.

No final do Século XIX, o desenvolvimento da impressão litográfica e o envol-

vimento cada vez maior dos chamados artistas comerciais na produção de

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cartazes, catálogos, livros e periódicos foi o ponto de partida para o desenvol-

vimento do design gráfico.

Quando os artistas, em vez de utilizar caracteres tipográficos, desenhavam

eles mesmos as letras dos textos, e quando se responsabilizavam por cada

elemento no design que deveria ser reproduzido pela máquina, estavam pra-

ticando aquilo que mais tarde ficou conhecido como design gráfico. (Hollis,

2001, p.11)

Ainda que estas mudanças nos métodos de produção e na abordagem

da comunicação gráfica marquem o início de uma nova era, é unanimidade

entre os principais historiadores do design que é o início do Século XX que

marca o surgimento da profissão de designer como conhecemos hoje, como

afirma Hollis:

O design gráfico, como profissão, só passou a existir a partir de meados dos

século XX; até então, os anunciantes e seus agentes utilizavam os serviços

oferecidos pelos “artistas comerciais”. (2001, p. 2)

Em comum entre as principais publicações sobre história do design

gráfico, além do consenso entre a época do surgimento da profissão, é a falta

de informação sobre o papel das mulheres neste período. Dos nomes citados

como figuras principais, senão todos, a grande maioria são homens. Quando

citadas, mulheres acompanham os nomes de seus maridos ou mestres, com

papel coadjuvante. Para obter informações mais precisas sobre o que estariam

fazendo as mulheres naquela época, é necessário recorrer a publicações mais

específicas, que se ocuparam de contar a história do design com foco na parti-

cipação feminina.

As Mulheres na Impressão. Ellen Thomson (1994) busca explicar a

ausência das mulheres nos livros que contam a história do design pela ênfase

dada pelos historiadores à história da impressão. Segundo a autora, além de

remover o design de seu contexto cultural, excluiu as mulheres da história,

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visto que as imprensas, consideradas pelos historiadores do design como o

“embrião” do design gráfico, não eram um espaço aberto às mulheres. Cockburn analisa a divisão sexista do trabalho na impressão sob um

ponto de vista relacional entre o capital e o poder político-social masculino.

Segundo a autora, o argumento para a exclusão das mulheres daquele meio

de que “meninas não eram fortes o suficiente, o chumbo [material utilizado nos

tipos móveis] era prejudicial à gravidez, o ambiente social poderia ser desmora-

lizador” (1981, p. 46)9 era uma forma de garantir o espaço aos trabalhadores

que dependiam daqueles empregos e que buscavam, de todas as formas,

controlar o número de trabalhadores no mercado, a fim de manter seu poder de

barganha de salários. O argumento da força física, principal motivo pelo qual

se defendia a exclusão das mulheres daquele mercado, prova-se falacioso

considerando que:

• Muitos homens naquela profissão, principalmente os mais velhos,

tinham dificuldades com o esforço físico de carregar matrizes, tanto

que mão de obra menos qualificada era frequentemente contratada

para fazer este tipo de serviço;

• Após 1859 foram abertas diversas imprensas por entidades

filantrópicas feministas, nas quais mulheres puderam provar sua

capacidade – ainda que contando com a mesma ajuda menos

qualificada para o levantamento e carregamento de pesos.

(Cockburn 1981)

Ainda de acordo com a autora, a associação entre a capacidade física, o aces-

so aos ambientes de prática e aprendizado, e o poder político masculino permi-

tiu que o mercado da impressão fosse, por muito tempo, ambiente ao qual

mulheres tinham acesso restrito. Entre 1909 e 1910, por exemplo, uma campa-

9 Tradução nossa.

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nha organizada pela união entre compositores artesanais e os trabalhadores

não-qualificados da imprensa conseguiu um acordo para banir mulheres do

acesso aos postos de aprendiz e naturalmente reduzir o número de mulheres

compositoras e operadoras. (Cockburn, 1981)

Figura 1. Oficina de composição da Copeland-Chatterson Company, 1905

Fonte: Copeland-Chatterson Company, loose-leaf systems factory composing room, Brampton,

Ontario ca. 1905. (2016). Flickr. Acesso em 1 de Novembro de 2016, disponível em:

https://www.flickr.com/photos/43021516@N06/4210654981

Durante o desenvolvimento da impressão, avalia Cockburn (1981), os

avanços tecnológicos, que poderiam reduzir as desigualdades ao eliminar

barreiras físicas, mantiveram o status-quo, reforçando o poder masculino, não

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somente político quanto econômico e tecnológico, visto que os responsáveis

pelo design do maquinário eram predominantemente homens.

Thus the appropriation of bodily effectivity on the one hand and the design of

machinery and processes on the other have often converged in such a way as

to constitute men as capable and women as inadequate. Like other physical

differences, gender differences in average bodily strength is not illusory, it is

real. It does not necessarily matter, but it can be made to matter. Its manipula-

tion is socio-political power play. (Cockburn, 1981, p.51)

De acordo com Hagmann (2005), enquanto as oficinas de impressão

abrigavam praticamente somente homens, outros ambientes eram destinados

às mulheres. Não coincidentemente, eram aqueles mais ligados às artes deco-

rativas e manuais, como a cerâmica, a caligrafia e oficinas têxteis.

Hoje, pode-se observar que houve não somente uma divisão de gênero

baseada no estereótipo do feminino e do masculino, mas também uma abertu-

ra controlada, com o objetivo de não tomar o espaço de poder masculino, como

conclui Thomson:

Women graphic designers were allowed to work at jobs that took advantage of

their culturally defined sex-specific skills. [...] They were encouraged to partici-

pate in those careers in which they did not threaten male economic ad-

vantage. Whey they ventured beyond those limits they were belittled, vilified,

or “disappeared” from history. (1994, p.47)10

A visão geral de que as mulheres não eram capazes de produzir traba-

lhos criativos e a desvalorização das áreas nas quais se envolviam fica clara

10 “Mulheres designers gráficas eram autorizadas a trabalhar em empregos que tirassem vantagem nas suas capacidades específicas de sexo culturalmente definidas. […] Elas eram encorajadas a participar naquelas carreiras nas quais não ameaçavam a vantagem económica masculina. Quando se arriscavam fora destes limites, eram diminuídas, difamadas ou ‘desapareciam’ da história.” (Tradução nossa.)

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em diversos comentários registrados na história da arte e do design. Meer

(2012) cita Scheffler (1908), em uma das críticas mais assertivas – e chocantes

– do crítico de arte alemão, que em livro intitulado Die Frau und die Kunst (As

Mulheres e a Arte), afirma:

Women are completely incapable of possessing the power of imagination, nei-

ther in the creation nor in the appreciation of art, because they lack the driving

force behind it: a fanatical will for advancement. (p.389)11

Nas décadas seguintes estas ideias se mantiveram, ainda que mais ve-

ladas. A seguir, falaremos sobre as distinções de gênero que ocorreram na

Bauhaus, já no Século XX.

A Consolidação da Profissão no Século XX: As Mulheres na Bauhaus

A Bauhaus, fundada em 1919, resultado da fusão da Escola de Artes e

Ofícios de Weimar com a Academia de Artes da mesma cidade, é hoje consi-

derada um ícone do design. Por sua importância na história do ensino e da

criação em design, cabe nesta investigação um estudo mais aprofundado na

participação feminina na instituição, o que contribuirá para uma maior compre-

ensão dos fatores que influenciaram na situação atual desta área.

Concebida como uma escola de arquitetura com o objetivo de formar o

artesão ideal, a Bauhaus buscou aglutinar as principais disciplinas artísticas em

seu currículo (Vadillo, 2009). O manifesto publicado em jornais alemães, do

primeiro diretora de escola, Walter Gropius (1919), citado por Megg’s & Purvis

(2012) deixa clara a filosofia da Bauhaus:

11 “Mulheres são completamente incapazes de possuir o poder de imaginação, nem na criação nem na apreciação da arte, porque lhes falta a força motriz por tras disso: um desejo fanático pelo avanço.” (Tradução nossa.)

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The complete building is the ultimate aim of all the visual arts. Once the no-

blest function of the fine arts was to embellish buildings; they were indispen-

sable components of great architecture. Today the arts exist in isolation. ...

Architects, painters, and sculptors must learn anew the composite character of

the building as an entity. ... The artist is an exalted craftsman. In rare moments

of inspiration, transcending his conscious will, the grace of heaven may cause

his work to blossom into art. But proficiency in his craft is essential to every

artist. Therein lies the prime source of creative imagination. (p.326)12

A Escola, que surgiu com o discurso idealista e revolucionário de união

da arte e da tecnologia em prol de um fim social e conclama os jovens a se

envolverem neste projeto, logo surpreendeu-se com a grande adesão feminina.

A reação imediata foi a limitação no acesso pelas mulheres e a manipulação do

seu percurso acadêmico – caso conseguissem entrar. Graças ao seu sistema

pedagógico, que se baseava em um currículo preliminar de um semestre, após

o qual o aluno poderia ser admitido ou não ao restante do curso, e ao fato de

que, após este semestre, os mestres “sugeriam” aos aprovados a que área

deveriam dedicar-se, a Bauhaus segregou as alunas às oficinas13 que conside-

rava adequadas ao seu gênero. (Vadillo, 2009)

Com a interferência dos mestres, que orientavam as mulheres princi-

palmente à oficina têxtil da Bauhaus, tornando-a o refúgio feminino da escola,

foi criada uma cultura de que esta área era a mais adequada às capacidades

12 “O edifício completo é o objetivo final de todas as artes visuais. Uma vez que a função mais nobre das belas-artes era embelezar edifícios; Eram componentes indispensáveis da grande arquitetura. Hoje as artes existem isoladamente. (...) Arquitetos, pintores e escultores devem aprender de novo o caráter composto do edifício como uma entidade. (...) O artista é um exaltado artesão. Em raros momentos de inspiração, transcendendo sua vontade consciente, a graça do céu pode fazer com que seu trabalho floresça em arte. Mas a proficiência em seu ofício é essencial para cada artista. Aí reside a principal fonte de imaginação criativa.” (Tradução nossa.) 13 A palavra “oficina” será utilizada como tradução a workshop (inglês) e taller (espanhol), em designação aos espaços de criação e trabalho prático da Bauhaus.

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(ditas como femininas) das alunas e mantido o status segregatório existente

desde o início da profissão.

De hecho, algunas de las mujeres de la Escuela llegaron a interiorizar que

ese era el mejor lugar para desarrollar su trabajo, como pone de manifiesto

los testimonios de Helene Nonné-Schmidt, quien afirma (sin duda condiciona-

da por las opiniones de sus maestros) que las mujeres tienen mayores posibi-

lidades en la elaboración de objetos bidimensionales (por tanto en textil) que

en los tridimensionales, auto-negando sus propias posibilidades y las de otras

mujeres. (Torrent, 2008, p.228)14

Apesar das dificuldades enfrentadas na instituição, deve-se assinalar o

excelente desempenho da oficina têxtil, o que a tornou uma das mais exitosas

e duradouras da Escola (Vadillo, 2009). Sob a supervisão da ex-aluna Gunta

Stözl, que retornou em 1925 à nova sede do centro, em Dassau, a investigação

da oficina têxtil passou a ter caráter mais técnico, com estudos de novos mate-

riais e o foco na fabricação de materiais competitivos para a indústria, dando à

oficina especial importância dentro da Escola e “desmontando velhas teorias

existencialistas” (Torrent, 1995, p.64).

14 “Efetivamente, algumas das mulheres da Escola vieram a interiorizar que este era o melhor lugar para fazer o seu trabalho, como evidenciado pelo testemunho de Helene Nonne-Schmidt, que diz (sem dúvida, influenciada pela opinião de seus professores) que as mulheres são mais propensas a desenvolver objetos bidimensionais (portanto, têxteis) do que tridimensionais, auto-negando suas próprias possibilidades de e as de outras mulheres.” (Tradução nossa.)

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Figura 2. Tapeçaria de Gunta Stölzl em cadeira. Co-criação com Marcel Breuer,

1921.

Fonte: Chair with Colourful Woven Seat. (2016). Guntastolzl.org. Acesso em 22 de Novembro

de 2016, disponível em: http://www.guntastolzl.org/Works/Bauhaus-Weimar-1919-1925/Chairs-

with-Marcel-Breuer/i-d5BVrvz

A presença de mulheres em outros espaços considerados masculinos,

porém, não foi totalmente evitada. Isto deve-se a dois motivos em particular: o

status de alunas da Bauhaus permitiu assistir àquelas da oficina têxtil assistir

às aulas como alunas ouvintes e, desta maneira, participar como intrusas per-

mitidas em outros ambientes da Escola. Houve também aquelas que, mesmo

enfrentando muitas dificuldades, desafiaram as escolhas dos seus mestres a

frequentaram oficinas tradicionalmente masculinas (Vadillo, 2009).

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Fue sin duda en la tejeduría donde las mujeres jugaron un papel más impor-

tante dentro de la Escuela, pero también se destacaron, de forma individual,

en otros. Poco a poco, enfrentándose al orden establecido, haciendo valer

sus derechos, las mujeres lograron expandir su radio de acción más allá del

taller de tejidos. En concreto, en el de metalistería nos encontramos con la fi-

gura definitiva de Marianne Brandt, mientras que en el de mobiliario Alma

Busher y Benita Otte diseñaron interesantes objetos. (Torrent, 1995, p.65)15

O nome de Marianne Brandt é, possivelmente, um dos mais importan-

tes entre as mulheres da Bauhaus. Sua audácia não só a colocou como aluna

na oficina de metais como também chegou a dirigi-la por um curto período de

tempo. É hoje um talento reconhecido internacionalmente no desenho industri-

al, com objetos (Figura 3) que até hoje se comercializam (Vadillo, 2009). O

início, porém não foi fácil. Segundo Torrent (2008), além da dificuldade em ser

aceita na oficina de metais, Marianne teve que criar seu espaço em um ambi-

ente majoritariamente masculino, sendo muitas vezes encarregada de tarefas

desinteressantes, que a entediavam. A autora define, metaforicamente, a rela-

ção da Bauhaus com as mulheres:

[...] podemos decir que entreabrieron las puertas al trabajo profesional de las

mujeres dentro de un sector que, por su vinculación industrial, está tipificado,

salvo en algunos sectores, como «masculino». Puertas entreabiertas tan sólo,

a la espera, como en tantos otros campos, de poder ser abiertas de par en

par. (Torrent, 2008, p.69)16

15 “Foi sem dúvida na tecelagem onde as mulheres tiveram um papel mais importante na Escola, mas também de destacaram, de forma individual, em outros. Pouco a pouco, enfrentando a orden estabelecida, fazendo valer seus direitos, as mulheres conseguiram expandir seu raio de ação para além da oficina têxtil. Em concreto, no de metal encontramos com a figura definitiva de Marianne Brandt, enquanto no de mobiliário Alma Busher e Benita Otte projetaram interessantes objetos.” (Tradução nossa.) 16 “[…] podemos dizer que entreabriram as portas ao trabalho profissional das mulheres dentro de um setor que, por sua vinculação industrial, está tipificado, salvo em alguns setores, como “masculino”.

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Figura 3. Conjunto de café e chá projetado por Marianne Brandt,1924.

Fonte: Coffee and Tea Set : Bauhaus100. (2016). Bauhaus100.de. Acesso em 22 de Novembro

de 2016, disponível em: https://www.bauhaus100.de/en/past/works/design-classics/kaffee-und-

teeservice/

Portas entreabertas tão somente, a espera, como em tantos outros campos, de poder ser abertas uma a uma.” (Tradução nossa.)

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A Institucionalização do Design no Brasil e em Portugal

Neste tópico abordaremos o período de institucionalização do design

no Brasil e em Portugal. Note-se que não se trata do seu surgimento, e sim da

sua institucionalização, ou seja, da “consciência do design como um conceito,

profissão e ideologia” (Cardoso, 2005, p.7). Segundo o autor:

Perdura na consciência nacional o mito de que o design brasileiro teve sua

gênese por volta de 1960. Como todo mito, trata-se de uma falsidade histórica

patente. Como todo bom mito de origem, trata-se também de uma verdade

profunda, para além dos limites de nossas vãs metodologias. O que ocorreu,

sem dúvida alguma, foi uma ruptura. Para uns, um novo ponto de partida; pa-

ra outros, um desvio de rumo. (Cardoso, 2005, p.7)

Brasil. O design teve seu processo de institucionalização iniciado na

década de 50. Já neste período, a forte influência modernista, o crescimento da

indústria nacional iniciado durante a Segunda Guerra e a política desenvolvi-

mentista de governo de Juscelino Kubitschek fomentaram iniciativas na produ-

ção industrial e o consumo.

O estilo moderno deixa de ser privilégio de uma restrita burguesia e já se po-

de distinguir faixas de diferentes níveis no mercado consumidor. É bom lem-

brar que o mercado interno que se forma na década de 1950 é constituído

principalmente por uma parcela do que podemos denominar classe média. A

grande maioria da população brasileira não estava incluída economicamente

nesse mercado consumidor incipiente. Entretanto, ele foi suficiente para esti-

mular a abertura de empresas comerciais ou produtoras de bens materiais,

que, por sua vez, auxiliaram a consolidação do campo publicitário e instiga-

ram variados profissionais a tentar trabalhar com o design moderno e indus-

trial nos anos 1950. (Braga, 2016, p.32)

Durante este período inicial foi a indústria gráfica que teve mais cres-

cimento. A forte concorrência exigiu que as marcas investissem em comunica-

ção, publicidade, embalagem e produtos editoriais. Incentivos do governo

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permitiram que equipamentos mais modernos fossem adquiridos pelas gráfi-

cas, incentivando a evolução desta indústria. É neste contexto, em 1951, que

são criados no MASP (Museu de Arte de São Paulo) o curso de design indus-

trial do IAC (Instituto de Arte Contemporânea) e a Escola de Propaganda.

(Braga, 2016) Entre os primeiros docentes do IAC, na sua maioria arquitetos,

estava Lina Bo Bardi, arquiteta italiana que vivia em Salvador (Bahia), figura

importante no desenvolvimento da profissão no Brasil (Figura 4), e esposa do

fundador da Escola, Pietro Maria Bardi. O curso, porém, não teve o sucesso

esperado e é fechado em 1953, dando indícios de que “o mercado para o de-

sign de produto não estava maduro para absorver esses profissionais” a Escola

de Propaganda, por sua vez, nunca deixou de funcionar e foi transformada, em

1971, na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) autônoma

(Braga, 2016, p.35).

Figura 4. Design de exposição de Lina Bo Bardi, 1957-68, MAM, São Paulo

Fonte: Afterall • Journal • ‘This Exhibition Is an Accusation’: The Grammar of Display According

to Lina Bo Bardi. (2016). Afterall.org. Acesso em 22 de Novembro de 2016, disponível em:

http://www.afterall.org/journal/issue.26/this-exhibition-is-an-accusation-the-grammar-of-display-

according-to-lina-bo-bardi1

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Em 1963, já em um contexto de industrialização mais concretizado, é

fundada a Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI)17, primeiro curso su-

perior em design, e considerado o marco do design moderno no Brasil. Seus

primeiros docentes eram predominantemente ex-alunos da Escola de Ulm, na

Alemanha: Karl Heinz Bergmiller, Alexandre Wollner e o suíço Paul Edgard

Decurtins, substituído em 1966 por Daisy Igel. Também lecionaram na institui-

ção Aloisio Magalhães, Orlando Luis de Souza Fragoso Costa, Flávio de Aqui-

no, Euryalo Cannabrava, Edgar Duvivier, Flávio de Aquino, José Almeida de

Oliveira, entre outros. Em 1967, a ex-diretora-executiva adjunta do MAM/RJ,

Carmen Portinho, assume a diretoria. (Braga, 2016)

Carmen Portinho, engenheira, urbanista e militante feminista, foi a pri-

meira mulher formada em Urbanismo no Brasil. Estagiou em Londres junto às

comissões de reconstrução e remodelação das cidades inglesas destruídas

pela guerra. Foi diretora adjunta do MAM-RJ (Museu de Arte Moderna do Rio

de Janeiro) e segunda diretora da ESDI, durante um dos períodos mais duros

da instituição, em plena ditadura militar, sob o AI-518. Promoveu a primeira

renovação no corpo docente da entidade e permaneceu na diretoria por 20

anos, até a incorporação da Escola à UFRJ (Universidade Federal do Rio de

17 Não haviam mulheres na primeira diretoria da ESDI. De acordo com a Ata da primeira reunião do Conselho Consultivo, estavam presentes: “Maurício Roberto, presidente do Conselho e Diretor da Escola; Flávio de Aquino, coordenador do Setor I - Integração Cultural; Aloísio Sérgio de Magalhães, coordenador do Setor II - Meios de Representação; Alexandre Wollner, coordenador do Setor III - Metodologia Visual; Euryalo Cannabrava, coordenador do Setor IV - Introdução à Lógica; Carl Heinz Bergmiller, coordenador do Setor V - Oficinas; Raul Guenther Vogt, representante do corpo discente e Ceres Albuquerque, representando o Chefe da Seção de Administração, cargo vago até a presente data no quadro de funcionários desta Escola. Estiveram presentes, ainda, o Professor Zuenir Carlos Ventura e o aluno Claudius Sylvius Petrus Ceccon.” Fonte: [http://www.esdi.uerj.br/arquivos/p_ata2.shtml] Acesso em 14 de Setembro de 2016. 18 O Ato Institucional Número Cinco (AI-5), emitido em 13 de Outubro de 1978 pelo então presidente Artur da Costa e Silva, durante a ditadura militar, se sobrepunha à Constituição Federal e às Estaduais, dando poderes extraordinários ao Presidente e suspendendo direitos constitucionais da população. Durante a vigência do AI-5, a censura à imprensa, à música, ao teatro e ao cinema foi endurecida e as manifestações políticas perseguidas.

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Janeiro). Foi casada com o arquiteto francês Affonso Eduardo Reidy, respon-

sável pelo projeto do MAM-RJ, falecido em 1964.

Também de grande importância para a institucionalização do design no

Brasil, a Associação Brasileira de Desenho Industrial (ABDI) foi fundada no

mesmo ano da ESDI, 1963. Participaram da sua fundação: Décio Pignatari,

Ruben Martins, Karl Heinz Bergmiller, Leib (Léo) Seincman, Luiz Roberto Car-

valho, João Rodolfo Stroeter, Lucio Grinover, Abraão Sanovicz, Willys de Cas-

tro, João Carlos Cauduro, Candido Malta Campos Filho, Julio Roberto Katinsky,

Alexandre Wollner, Fabrizio Fabriziani e Modesto de Barro (Braga, 2016). Ne-

nhuma mulher assinou a ata de fundação.

Percebe-se que, nas poucas mulheres citadas neste período, existem

alguns aspectos em comum: relações próximas – casamento, parentesco ou

amizade – com profissionais da área, nascimento e/ou experiência no exterior:

Lina Bo Bardi, italiana, foi casada com o arquiteto Pietro Maria Bardi; Daisy

Igel, filha de austríacos, estudou na New Bauhaus do Illinois Institute of

Technology, em Chicago, onde foi aluna de Mies Van der Rohe. Carmen Porti-

nho foi casada com o arquiteto Affonso Eduardo Reidy. Estas relações contri-

buíram para que, em um período em que as mulheres tinham muito menos

acesso ao mercado de trabalho, elas não somente pudessem exercer a sua

profissão, mas também obter merecido reconhecimento por isto.19

Portugal. Considera-se o ano de 1959 como marco de início do pro-

cesso de institucionalização design em Portugal. Neste ano, foram lançadas as

revistas Almanaque e o livro fasciculado Lisboa, Cidade Triste e Alegre de

Victor Palla e Costa Martins. Também em 1959 foi criado o INII (Instituto Naci-

19 É importante ter em consideração que somente em 1962 o Estatuto da Mulher Casada permitiu, no Brasil, que as mulheres casadas pudessem trabalhar sem pedir autorização aos seus maridos. (Canezin, 2004)

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onal de Investigação Industrial), cujo objetivo era fomentar a produção industri-

al do país, através de novas tecnologias. Almeida aponta quatro fatores impor-

tantes à institucionalização:

(1) das acções do Estado inseridas, seja nas suas políticas de modernização,

seja na vontade de se “mostrar” moderno no exterior; (2) do trabalho obstina-

do de um conjunto de designers que tentaram impor uma actividade nova

num mercado dominado por artistas plásticos e por arquitectos; (3) do traba-

lho de um conjunto de empresários que tornou possível a implementação, em

Portugal, dos pressupostos de organização empresarial e de modernização

da produção que observavam nos seus contactos com o exterior; e (4) da

oportunidade que alguns jovens tiveram não só de frequentar cursos de de-

sign em escolas no estrangeiro como também de estarem atentos aos casos

tornados paradigmáticos da modernidade europeia e americana, através de

contextos críticos especiais. (2009, p.137)

Nos anos 60, ainda sob o regime Salazarista, a maior parte das mulhe-

res tinha seu espaço limitado ao lar, e poucas eram aquelas que tinham a opor-

tunidade de trabalhar fora deste âmbito. Entretanto, o aumento da imigração,

as Guerras da África e a falta de mão de obra exigiram a introdução de mão de

obra feminina na indústria. O processo de inserção da mulher no mercado de

trabalho, porém, ainda estava no seu início. Apesar disto, nomes femininos

importantes são lembrados na história:

• A escultora Maria Helena Matos, que dirigiu o Núcleo de Arte e

Arquitetura Industrial (NAAE) e organizou a 1ª Exposição de

Design Português em 1971;

• Alda Rosa, licenciada em pintura pela Escola Superior de Belas

Artes de Lisboa. Estudou em Londres como bolsista da

Fundação Gulbenkian entre 1960/61 e, ao retornar, juntou-se a

Maria Helena Matos no NAAE e dedicou-se às artes gráficas;

• Cristina Reis, também licenciada em pintura pela Escola

Superior de Belas Artes de Lisboa. Estudou em Londres entre

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1966 e 1970. Trabalhou no INII até 1974. Dedicou a maior parte

de sua carreira à cenografia e figurinos de teatro.

Alda Rosa e Cristina Reis foram as responsáveis pelo catálogo da 1ª Exposi-

ção de Design Português, em 1971. A publicação apresentava cinquenta e

nove nomes de designers, dos quais dez eram mulheres. Na exposição seguin-

te, o número total de designers subiu, assim como a participação feminina.

Figura 5. Catálogos da 1ª e da 2ª Exposição de Design Português

Fonte: 1ª Exposição de Design Português. (2015). Constantino, guardião de sonhos.... Acesso

em 22 de Novembro de 2016, disponível em

https://joaoconstantinoblog.wordpress.com/2015/12/30/1a-exposicao-de-design-portugues/

Não diretamente ligada ao design gráfico em si, a publicação, por Maria

Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, de As Novas Car-

tas Portuguesas, foi uma das ações que demonstraram a força e a influência

cultural feminina no início dos anos 70.

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O panorama geral sofreu mudanças drásticas – e visivelmente positi-

vas – após a Revolução de Abril de 1974, não somente no contexto político-

social mas também cultural. Segundo Almeida,

O desenvolvimento de uma “cultura jovem”, após a Revolução de Abril, cons-

truída por uma geração de jovens quase isentos do serviço militar e que adia

a entrada no mercado de trabalho; que permanece nas escolas secundárias e

nas faculdades; que participa activamente na política partidária por via do di-

reito ao voto aos 18 anos (desde 1976), e que, como nenhuma outra, sabore-

ará a liberdade. (2015, p. 42)

É neste cenário de liberdade, de crescimento econômico e de aumento

no consumo causado pelos reflexos da Revolução de Abril que se inicia a se-

gunda fase da institucionalização do design em Portugal. Em 1976 foi fundada

a APD (Associação Portuguesa de Designers). Entre os 50 fundadores, 12

eram mulheres: Salette Tavares, Madalena Figueiredo, Assunção Cordovil,

Teresa Amado, Beatriz Alçada, Guilhermina A. Campos, Alda Rosa, Filipa Neto

Tainha, Amaryllis Figueira, Maria Helena Matos, Ana Avelar Santos e Elsa S.

Pinheiro.20

Embora tenham tido papel importantíssimo na institucionalização do

design em Portugal, a trajetória destas pioneiras não foi fácil. Alda Rosa, em

entrevista a Almeida, relembra um dos obstáculos que enfrentou por ser mulher

em pleno período do Estado Novo:

Mas antes disso já tinha ido para o Barreiro ensinar. E foi aí que tive aquele

embate engraçado e sempre animador que foi embora ter concorrido em

igualdade de circunstâncias geográficas com os meus colegas, os colegas

homens ficaram todos em Lisboa e eu fui para o Barreiro. Fui ao Ministério

20 Fundadores da APD | Associação Portuguesa de Designers. (2016). APD. Acesso em 10 de Novembro de 2016, disponível em http://www.apdesigners.org.pt/associacao/fundadores-da-apd/

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para saber se havia algum engano porque a minha nota era superior à deles

e apareceu-me o director de serviços a dizer “não se importa de ir ali à minha

sala” e explicou-me: “Vai custar-lhe imenso ouvir isto mas as mulheres só po-

dem ser colocadas depois dos homens terem sido todos colocados primeiro” (Almeida, 2009, p.94)

O ensino público formal, porém, não acompanhou a institucionalização

do design. Segundo Almeida, havia “desinteresse do Estado em relação à

integração do design no ensino superior como área fundamental de estudos”

(2009, p.32). Por isto, até 1974, o ensino de design deu-se pelas ações de

formação do núcleo especializado do INII e em esferas privadas, como no

IADE (Instituto de Arte e Decoração), a partir de 1969, e no Ar.Co, a partir de

1973. Somente em 1974 foi integrado “provisoriamente” o curso de design na

Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, posteriormente reconhecido em

1983 e incluído oficialmente na Universidade das Escolas de Belas-Artes de

Lisboa e do Porto em 1992 e 1994, respectivamente.

Entre Brasil e Portugal pode-se verificar algumas diferenças-chave no

processo de institucionalização do design:

• A raiz: enquanto no Brasil o design tem uma raiz industrial e mais

ligada à engenharia e à arquitetura, em Portugal os movimentos

artísticos – pintura, escultura, etc. – tiveram muito mais influência no

desenvolvimento da profissão;

• As influências: a influência do modelo alemão da Bauhaus e de Ulm

no design Brasileiro contrasta à influência Britânica sofrida pelos

precursores do design Português;

• Os interesses governamentais: o incentivo ao ensino do design no

Brasil foi um fator importante para a institucionalização da profissão,

enquanto em Portugal o ensino foi, até os anos 70, mais

independente – em cursos livres, workshops e escolas

independentes.

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Capítulo 3 - Análise do Cenário Atual

Neste capítulo, abordaremos a situação atual das mulheres no merca-

do do Design Gráfico. Iniciaremos falando dos desafios que já foram alcança-

dos e avançaremos a reflexões sobre as questões mais atuais, como a

visibilidade da mulher no mercado e as influências dos papeis de gênero tradi-

cionais na sua vida profissional. A seguir, no capítulo “Resultados e Discus-

sões” (p. 72), os dados bibliográficos aqui apresentados serão contrapostos

com os resultados dos inquéritos e entrevistas (p. 67).

As Conquistas

Como visto no capítulo anterior, a situação das mulheres no mercado

de trabalho vem evoluindo com o passar do tempo. Com esta evolução, algu-

mas conquistas podem ser percebidas. Seu reconhecimento é de grande im-

portância para uma análise do contexto atual e, principalmente, para que se

inicie uma nova fase de reflexão sobre o tema, visto que com novas conquistas

surgem novos desafios. A seguir, abordaremos as duas principais conquistas

que pudemos perceber: a evolução da legislação do trabalho em relação ao

trabalho feminino e o aumento progressivo na inserção da mulher no mercado

e no ambiente acadêmico criativo.

Legislação do Trabalho. A legislação trabalhista é uma importante fer-

ramenta protetiva do trabalhador. No caso específico das mulheres, uma legis-

lação que garanta sua igualdade de direitos em relação ao homens respeitando

as especificidades de sexo e gênero é determinante para a justa e correta

inserção das mulheres no mercado de trabalho. A seguir, serão descritos os

principais progressos da legislação trabalhista no Brasil e em Portugal.

No Brasil, segundo Melo (2011), o primeiro projeto de Código do Traba-

lho, de 1912, apresentava propostas sobre questões específicas à mulher,

como a sua liberdade para trabalhar sem autorização do marido, jornada de

trabalho de no máximo 8 horas e licença antes e depois do parto. Este docu-

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mento, porém, após discutido durante mais de trinta anos, não foi aprovado,

por acreditar-se que desonraria os maridos e poderia tornar a gravidez algo

rentável, em função dos adicionais que seriam pagos neste caso. Em 1932, um

decreto proibiu o trabalho noturno para mulheres e regulamentou pausas para

amamentação nos primeiros seis meses de vida dos filhos.

Em 1932, foi promulgada a primeira Constituição Brasileira a tratar so-

bre os direitos do trabalho da mulher. Entre outras questões, legislava sobre a

proibição da discriminação das mulheres quanto ao salário, a proibição do

trabalho de mulheres em ambientes insalubres, o direito de repouso antes e

depois do parto sem prejuízo ao salário e outras medidas voltadas à saúde e

proteção da gestante. Na Constituição seguinte, de 1934, outras medidas pro-

tetivas foram adicionadas, como o salário maternidade e a licença maternida-

de. Até o final do Século XX, três outras constituições foram promulgadas,

sendo duas delas resultados de golpes de estado: a constituição de 1937, fruto

do golpe de Getúlio Vargas, e a de 1967, do golpe militar de 1964 (Melo, 2011).

A supressão da necessidade de autorização do marido para trabalhar aconte-

ceu em 1962, com a publicação do Estatuto da Mulher Casada.

Hoje, graças à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), promulgada

em 1943, e à Constituição de 1988, diversos direitos trabalhistas das mulheres

são protegidos, entre eles:

• Direito à licença gestante de 120 dias, sem prejuízo do emprego ou

salário;

• Realização de ações que visassem a proteção do trabalho da

mulher;

• Proibição de diferenças de salários;

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• Estabelecimento de critérios de admissão e exercício de função em

função do gênero;

• Igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres;

• Regulamentação da duração, das condições do trabalho e da

discriminação contra a mulher, do trabalho noturno21, dos períodos

de descanso, dos métodos e locais de trabalho, da proteção à

maternidade, das penalidades. (Melo, 2011)

Em Portugal, de acordo com Guimarães (1986), o primeiro Código Civil

Português, de 1887, declarava a igualdade civil entre homens e mulheres,

porém enumerava diversos casos de negação de direitos em razão do sexo,

mantidos desde o período anterior ao documento. De acordo com este Código,

a mulher casada era completamente dependente do marido e proibida de prati-

car qualquer ato sem a sua autorização.

Em 14 de Abril de 1891, após a Conferência de Berlim, na qual foi o

trabalho feminino em espaços industriais e em minas foi regulamentado, foi

publicado um decreto regulamentando o trabalho de menores e mulheres nes-

tes ambientes. O decreto abordava a idade mínima de admissão, a proibição

de trabalhos penosos ou perigosos, duração máxima do trabalho, etc. (Graça,

1999). Em 1893, um novo Decreto aborda algumas questões relacionadas à

maternidade:

• “Cada uma das fábricas em que trabalhem mais de 50 mulheres por

dia, terá uma creche com as acomodações e condições higiénicas

que os regulamentos determinem. A distância da creche à fábrica

não será superior a 300 metros” (art. 21º).

21 Em 1944 a CLT foi alterada, permitindo o trabalho noturno para mulheres maiores de 18 anos em algumas atividades.

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• “A mulher não será admitida a trabalhar nos estabelecimentos

industriais nas quatro semanas após o parto” (artigo 22º).

• “A mãe poderá ir à creche amamentar o filho à hora e pela forma

determinada nos regulamentos” (artigo 23º).22

Baptista (2013) salienta, porém, a contradição desta lei, que proibia o

trabalho feminino no período pós-parto porém não previa remuneração alguma,

o que impactava negativamente na economia familiar das trabalhadoras, tra-

zendo mais prejuízos que benefícios.

Ainda segundo a autora, com a proclamação da República em 5 de

Outubro de 1910, alterações na legislação foram sendo feitas gradualmente.

No ponto de vista civil, não foi imediata a eliminação das restrições de ação

das mulheres23. No contexto trabalhista, em 1911, as mulheres obtiveram per-

missão para trabalhar em funções públicas. No mesmo ano, um decreto proibiu

o trabalho noturno de mulheres na indústrias onde houvessem mais de 10

empregados e empregadas. Esta restrição, apesar de ser considerada “proteti-

va”, aumentou ainda mais a exploração das mulheres, que, por não terem mais

acesso aos trabalhos melhor remunerados (os noturnos), eram obrigadas a se

submeter a situações exploratórias de trabalho. Baptista (2013) cita Guimarães

(1937), que afirma:

Até aqui julgava-se que esta regulamentação representava o sistema ideal

para a mulher - tanto que as associações feministas a incluíram nos seus

programas…. Sustentam elas (trabalhadoras) que sobre a sua aparente be-

nevolência, as restrições impostas ao trabalho feminino prejudicam as mulhe-

22 Diário do Governo nº 88, 22 de Abril de 1891, 4ª feira, p. 882 23 Somente em 1930 o Código Civil foi atualizado e o texto referente a estas questões foi retirado integralmente, podendo ser este considerado um marco do final do dever de obediência da mulher ao marido. (GUIMARÃES, 1986)

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res dificultando-lhes o exercício da sua actividade e as lançam numa miséria

cujas consequências são mais funestas ainda do que as do trabalho livre (p.5)

Apesar de Portugal ter sido membro fundador da Organização Interna-

cional do Trabalho em 1919, até o início da ditadura, em 1927, poucas medidas

em relação ao trabalho da mulher foram postas em prática.

Durante o período Salazarista tampouco foram adotadas medidas pro-

tetivas ao trabalho da mulher, pelo contrário: ainda mais restrições foram im-

postas à participação feminina no mercado de trabalho, visto que as mulheres

eram consideradas pilares do lar. A Constituição de 1933 consagra a igualdade

dos cidadãos perante a lei, com exceção feita às mulheres tendo em vista "as

diferenças inerentes à natureza e também os interesses da família".

Verificou-se nos anos 30, não apenas em Portugal, mas também por quase

toda a Europa, a adesão aos princípios do totalitarismo, que, ao contrário do

liberalismo anterior, punha a colectividade acima do indivíduo e, neste caso

específico, a família, como um todo, acima dos direitos dos seus membros.

Era o retorno ao sistema patriarcal. (Guimarães, 1986, p.567)

Ainda segundo a autora, o Código Civil de 1966 restaurou o poder marital (do

marido – chefe da família – sobre a esposa), mas simultânea e contraditoria-

mente aumentou os direitos das esposas. A partir deste momento, passou a

ser permitido que as esposas exercessem profissões liberais ou fossem funcio-

nárias públicas sem a necessidade de consentimento do marido, assim como

publicar obras literárias e expor trabalhos artísticos – direito que as mulheres

solteiras já tinham desde 1927, mas era negado às mulheres casadas. Tam-

bém foi estabelecida a capacidade da esposa de receber ela mesma pelo seu

trabalho.

Somente após o fim da ditadura, em 1974, com o novo Código Civil de

1978, as novas leis que estabeleciam a igualdade entre homem e mulher no

mercado de trabalho e a criação da Comissão para a Igualdade no Trabalho e

no Emprego, mudanças importantes passaram a vigorar:

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• O reconhecimento do valor econômico do trabalho da mulher no

lar;

• Aprovação da licença maternidade de 90 dias;

• Permissão de acesso às mulheres à magistratura, ao serviço

diplomático e a certas posições na administração local, antes

proibidas;

Em 1984, a Lei da Maternidade estabelece licença maternidade de 98

dias, o direito à dispensa de trabalho para consultas pré-natais e amamenta-

ção. São também exigidas nos locais de trabalho condições especiais de segu-

rança para trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes. Somente em 1992 a

jornada de trabalho noturno deixa de ser proibida às mulheres, exceto durante

a gravidez.

Inserção no mercado e no ambiente acadêmico criativo. O final do

Século XX foi de grandes mudanças não somente no contexto geral do design

gráfico mas na inserção da mulher nos mercados de trabalho como um todo. A

industrialização, o aumento no consumo e a explosão dos movimentos feminis-

tas a partir dos anos 70 foram aspectos que contribuíram para uma maior pre-

sença feminina nos ambientes criativos e corporativos. Especialmente em

países como Brasil e Portugal, que vivenciaram períodos duros de ditaduras no

Século XX (entre 1964 e 1985 e entre 1933 e 1974, respectivamente), o perío-

do compreendido entre o início dos anos 80 e a primeira década dos anos

2000 representou um curto espaço de tempo no qual importantes mudanças

socioeconômicas sucederam. Segundo Lupton:

During the last quarter of the twentieth century, women played a central role in

building the discourse of graphic design. During this period the profession

came of age both as a recognized business and as a field of study in universi-

ty art and design programs, including at the graduate level. Women were no

minority among the educators, critics, editors, and curators who defined the

theoretical issues of the time. Schools and museums provided accessible plat-

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forms from which women could influence the direction of graphic design.

(2012, p.81)24

Atualmente, em decorrência de mudanças políticas, sociais e culturais

e, principalmente, da luta feminista e das mulheres como um todo, pode-se

verificar equidade numérica entre homens e mulheres, tanto nos ambientes de

ensino quanto no mercado de trabalho. Breuer e Meer, na introdução em inglês

de seu livro Women in Graphic Design 1890-2012, afirmam:

Students and young academics are used to having female teachers and pro-

fessors; they have been raised by feminist mothers. Women have asserted

their place not only in the realm of education, but also in the worlds of politics

and finance, as well as the legislative and judicial arenas. (2012, p.39)25

As autoras analisam de forma ainda mais otimista o contexto atual de

inserção das mulheres no mercado criativo, no qual, em sua opinião, as mulhe-

res já conquistaram um espaço relevante. Na Alemanha, exemplificam, a per-

centagem de mulheres autônomas no mercado criativo é de entre 40 e 44%, de

acordo com estatísticas de 2008. Em comparação, a média geral de mulheres

autônomas na Alemanha é de somente 7%, muito inferior ao cenário específico

do mercado criativo (Breuer & Meer, 2012).

Nos Estados Unidos, de acordo com Hagmann (2005), estima-se que

as mulheres sejam a maioria dos profissionais de design gráfico. Um dos indi-

cadores que corroboram com este fato é que, em 2015, 55% dos membros do

24 “Durante o último quarto do século vinte, as mulheres tiveram um papel central na construção do discurso do design gráfico. Durante este período a profissão atingiu maturidade tanto como negócio reconhecido e como campo de estudo em programas universitários de arte e design, inclusive em nível de graduação. Mulheres não foram minoria entre os educadores, críticos, editores e curadores que definiram as questões teóricas daquele tempo. Escolas e museus disponibilizaram plataformas acessíveis pelas quais mulheres puderam influenciar as direções do design gráfico.” (Tradução nossa.) 25 “Estudantes e jovens acadêmicos estão habituados a ter professoras e mestres mulheres; eles foram criador por mães feministas. Mulheres afirmaram seu lugar não só no âmbito da educação, mas também nos mundos da política e das finanças, assim como nas arenas legislativas e judiciais.” (Tradução nossa.)

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AIGA (American Institute of Graphic Design) – entidade cuja presidente atual é

a designer Su Mathews Hale – eram mulheres.

No Brasil, a ADG Brasil (Associação dos Designers Gráficos) estimou,

em 2012, que 40% dos seus associados são mulheres, enquanto 60% são

homens. A distribuição muda para 46% de mulheres e 54% de homens entre

pessoas de 21 a 25 anos, demonstrando que há maior igualdade de gênero

entre as parcelas mais jovens dos profissionais (ADG Brasil, 2012).

Nos ambientes acadêmicos, também pode-se observar esta igualdade

numérica. Na University of the Arts London, uma das principais escolas de

design do mundo, em 2012, 72.5% dos alunos do sexo feminino26, enquanto no

Reino Unido, a média é de 61,7% de alunos do sexo feminino nas áreas de

Artes Criativas e Design.27 No Brasil, de acordo com dados do Censo de Edu-

cação do Inep/Deed, 57,5% dos estudantes que concluíram cursos nas áreas

de Humanidades e Artes – grande área na qual estão incluídos os cursos de

design e programação visual – eram do sexo feminino.28

Apesar do quadro otimista que os números fazem transparecer, a

igualdade numérica percebida no meio acadêmico e no mercado de trabalho

não significa a inexistência de desigualdades de gênero. Nos tópicos a seguir

serão abordadas questões atuais sobre as discrepâncias que ainda existem no

mercado de trabalho, mesmo após décadas de lutas e conquistas das mulhe-

res na área, assim como questionamentos que surgiram no decorrer desta

investigação.

26 Infelizmente, as estatísticas ainda utilizam sexo, e não gênero, como parâmetro. Por isto, não é possível afirmar com certeza a proporção de mulheres – sejam elas cis ou trans. 27 Fonte: HESA 2014-15 (Higher Education Statistics Agency). 28 Fonte: Censo da Educação Superior Inep/Deed.

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Reflexões para o Presente e para o Futuro

Representatividade, visibilidade e reconhecimento profissional. Aspectos como a representatividade – tanto em publicações quanto em confe-

rências e outros meios de comunicação – e o acesso a projetos de maior mag-

nitude ainda não podem ser considerados igualitários. Neste contexto, Lupton –

que tende a ser deveras otimista em relação à participação feminina no merca-

do de trabalho do design – afirma:

Yet despite the fantastic successes documented here, women remain minority

players. It is striking how many successful women designers in the twentieth

century worker in partnership with powerful male practitioners (Elaine Bass,

Zuzana Licko, Laurie Haycock Makela). Such connections to established

power are not inconsequential. It is easy to young designers today to discount

the importance of the pioneering women who entered a less open field; it also

is easy to assume that the balance of male and female students in schools of

art and design insures an equal balance in the workplace. Although women

represent a large part of the design profession, they still do not predominate at

the very top, in terms of income or access to large-scale commissions. (2012,

p.85)29

A seguir, analisaremos dois casos: o da visibilidade em eventos, pre-

miações em convenções, com foco no Século XXI e em Brasil e Portugal, e a

representatividade na história contada do design de um modo geral. Inicialmen-

29 “No entanto, apesar dos fantásticos sucessos documentados aqui, mulheres seguem sendo personagens minoritários. É impressionante como muitas profissionais designers mulheres bem sucedidas do século XX, trabalharam em parceria com poderosos praticantes do sexo masculino (Elaine Bass, Zuzana Ličko, Laurie Haycock Makela). Tais conexões de poder estabelecidas não são inconsequentes. É fácil de jovens designers hoje descontar a importância das mulheres pioneiras que entraram um campo menos aberto; também é fácil supor que o equilíbrio de alunos e alunas nas escolas de arte e design garante um equilíbrio igual no local de trabalho. Embora as mulheres representam uma grande parte da profissão do design, eles ainda não predominam no topo, em termos de renda ou de acesso a altas comissões.” (Tradução nossa.)

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te, traremos informações numéricas sobre os últimos eventos, buscando expli-

cações para as discrepâncias encontradas. A seguir, analisaremos sob o ponto

de vista feminista os diversos fatores que influenciam na baixa representativi-

dade das mulheres na história do design.

Visibilidade em eventos e premiações. Apesar de concordarmos que

a participação frequente em eventos e a alta visibilidade em publicações não é

pressuposto para o sucesso, é essencial considerar a sua importância, visto

que a visibilidade está intimamente relacionada com o reconhecimento

profissional, como afirma Brighenti:

Recognition is a form of social visibility, with crucial consequences on the rela-

tion between minority groups and the mainstream. [...] For racial and sexual

minorities, being invisible means being deprived of recognition (2007, p.329).30

A representatividade feminina em conferências, convenções, premia-

ções e demais eventos no âmbito do design gráfico tem sido um parâmetro

importante para mensurar a desigualdade de gênero que ainda existe na pro-

fissão. Embora os números nos mostrem que, tanto no ambiente acadêmico

quanto no ambiente de trabalho, exista uma equidade numérica, as conclusões

que podem ser tiradas pelos números relativos à participação das mulheres em

eventos são muito diferentes. Lizá Ramalho, designer em Portugal, afirma a

Stavro, que “a igualdade de gênero já foi debatida por um longo tempo, existe a

consciência do problema. Houve uma melhora, mas ainda estamos insuficien-

temente representadas, exceto quando as mulheres são o tema central” (2012,

30 “Reconhecimento é uma forma de visibilidade social, com consequências cruciais na relação entre grupos minoritarios e a corrente principal. Para minorías raciais e sexuais, ser invisível é ser privado de reconhecimento.” (Tradução nossa.)

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p.370) 31 A seguir, analisaremos algumas estatísticas que demonstram a situa-

ção atual da visibilidade feminina nestes eventos.

No cenário mundial, analisaremos a participação feminina nos

principais eventos de tipografia. Hagmann (2005, p. 187) aborda estas

discrepâncias e ilustra, no Gráfico 1, a inequidade na participação nas

principais conferências internacionais sobre o tema nos anos de 2003 e 2004:

Gráfico 1. Representação de gênero em recentes conferências de tipografia.

Segundo Dechant (2012), na TypoBerlin de 2009, apenas 5% dos ora-

dores eram mulheres. Na ATypl deste mesmo ano, a proporção era de 15%,

não demonstrando evolução em relação aos dados de 2003 e 2004 analisados

por Hagmann.

No contexto Brasileiro verifica-se a mesma discrepância. Entre os 12

oradores convidados do DiaTipo São Paulo 2015 (Figura 6), um dos principais

eventos de tipografia do país, apenas cinco eram mulheres – duas delas parti-

cipantes de um coletivo, juntamente com dois colegas. No mesmo ano, no

31 Tradução nossa. Em inglês, no original: “Gender equality has been debated for a long time now; there’s been an awarness of the problema. There’s been an improvement, but we are still poorly represented, except when women are the central issue.” (Stavro, 2012)

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DiaTipo Campinas, todos os cinco convidados eram homens, e no DiaTipo

Porto Alegre, apenas uma mulher foi convidada, em um total de nove. Nas

principais premiações do país a situação não é diferente: Entre os jurados do

5º Prêmio Bornancini de Design, em 2014, organizado pela Associação dos

Profissionais em Design do Rio Grande do Sul, somente 15 dos 53 jurados

eram mulheres. Na 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico, em 2015, os dois

curadores eram homens e somente 13 dos 40 jurados eram mulheres.

Em Portugal o cenário parecer ser mais equilibrado. Em 2014, no 5º

Encontro de Tipografia, apenas uma mulher participou como convidada, em um

total de sete profissionais. Entre os painéis a proporção foi de sete apresenta-

doras mulheres em um total de 19 – aproximadamente 37%32. Em 2015, no 6º

Encontro de Tipografia, a proporção entre os convidados foi mais equilibrada,

de 2 mulheres para 3 homens – uma delas, apresentando seu trabalho em

parceria com seu sócio33, assim como em 2016, no 7º Encontro de Tipografia,

em que a proporção foi mantida (Figura 7). Entre os jurados do Prêmio Sebas-

tião Rodrigues 2015, que premia alunos finalistas de Design de Comunicação,

três dos cinco jurados são mulheres, reforçando a constatação de que, no país,

há maior participação feminina neste âmbito.

32 Fonte: 5º Encontro de Tipografia [http://web.ipca.pt/5et] Acesso em 19 de Agosto de 2016. 33 Fonte: 6º Encontro de Tipografia [http://6et.web.ua.pt] Acesso em 19 de Agosto de 2016.

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Figura 6. Imagem de divulgação dos convidados do DiaTipo São Paulo 2015

Fonte: DiaTipo São Paulo - Timeline | Facebook. (2016). Facebook.com. Acesso em; 1 de

Novembro de 2016, disponível em:

https://www.facebook.com/DiaTipo/photos/a.482862988421000.108373.470935936280372/109

9929183381041/?type=3&theater

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Figura 7. Imagem de divulgação dos oradores do 7º Encontro de Tipografia

(2016)

Fonte: 7º Encontro de Tipografia - Oradores. Acesso em 01 de Novembro de 2016, disponível

em: http://7et.fa.ulisboa.pt/index.php/pt/conferencia2/oradores

É difícil definir uma causa para a falta de visibilidade feminina nestes

eventos. Atribuir a um ou outro fator específica presumiria uma unidade que

não existe naturalmente entre as mulheres e excluiria aspectos pessoais de

cada uma, da região em que vive e da sua história. É possível, porém, aferir os

aspectos socioculturais que podem influenciar no contexto geral das diferenças

verificadas.

Um deles, como sugere Paula Scher entrevista a Stavro, é a dificulda-

de de conciliar a vida familiar, em especial a maternidade, com este tipo de

compromisso profissional:

Designers get famous by speaking at conferences. Many women have chil-

dren and don’t have the time for this. [...] Most men who are speakers have

their wives stay home with the kids. (2012, p. 369)34

34 “Designers ficam famosos falando em conferências. Muitas mulheres tem filhos e não têm tempo para isto. […] A maioria dos homens que são conferencistas tem suas esposas em casa com os filhos” (Tradução nossa.)

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Obviamente, esta é uma conclusão simplista – e, considerando princi-

palmente ser vinda de uma designer sem filhos, pode ser ponto de partida para

uma longa discussão. Apesar de ser realidade o fato de que mulheres lidam

com maiores responsabilidades em relação à maternidade que os homens com

a paternidade, este é apenas uma parte de um problema de mais complexo.

A dificuldade encontrada por mulheres em atingir cargos de chefia, a

predominância de homens nas organizações de eventos e, possivelmente,

aspectos culturais que influenciam negativamente na ambição e na autoconfi-

ança das mulheres, como sugere Lizá Ramalho, em entrevista a Stavro, tam-

bém devem ser considerados fatores de influência na falta de visibilidade:

It would make sense that women were more insecure about their capabilities.

History and society itself forgets, ignores and undervalues women; in contrast,

the heroes are always men. (2012, p.364)35

De fato, uma possível causa desta insegurança seria, como sugere Li-

zá Ramalho, a influência social – com papéis de gênero muito definidos e es-

trutura patriarcal – que espera a introversão feminina em contraste com a

extroversão masculina, impactando na autoconfiança principalmente das pro-

fissionais mais jovens. Este tópico é abordado com mais profundidade a partir

da página 63.

Visibilidade na história contada do design. Outra questão de suma

importância é a representatividade feminina na história contada do design, um

dos fatores influenciadores da suposta insegurança abordada anteriormente.

Não é necessária uma observação muito profunda dos livros de história do

35 “Faria sentido que as mulheres fossem mais inseguras sobre as suas capacidades. A história e a própria sociedade esquece, ignora e subestima as mulheres; em contraste, os heróis são sempre homens.” (Tradução nossa.)

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design para perceber que há sub-representação das designers mulheres, tanto

no campo do design gráfico quanto no design industrial. Scotford (2012) anali-

sa, na teoria e na prática, esta questão, e exemplifica: a primeira edição de um

dos principais livros de história do design, “A History of Graphic Design”, de

Philip Meggs, menciona apenas quinze mulheres e reproduz o trabalho de

nove. A segunda edição, por sua vez, menciona trinta e uma e reproduz o

trabalho de vinte e três – em comparação com centenas de designers homens.

O autor tampouco aborda a questão das mulheres designers, assim como de

designers negros.

A autora Cheryl Buckley aborda esta questão de um ponto de vista fe-

minista, afirmando que a crítica feminista à história do design deve confrontar o

problema do patriarcalismo e dirigir-se à exclusão das mulheres nos métodos

historiográficos utilizados pelos historiadores do design. Para a autora, os mé-

todos utilizados são tendenciosos em relação às mulheres, privilegiando o

grupo dominante – ou seja, o patriarcado:

These methods, which involve the selection, classification, and prioritization of

types of design, categories of designers, distinct styles and movements, and

different modes of production, are inherently biased against women and, in ef-

fect, serve to exclude them from history. (1986, p.3)36

Um exemplo que expõe o reflexo desta exclusão é o verbete List of

Graphic Designers da Wikipedia (Figura 8), que exibe, entre os 137 profissio-

nais listados, apenas 27 mulheres. A plataforma colaborativa não pode ser

considerada uma fonte acadêmica, porém seu aspecto de construção coletiva

36 “Esses métodos, que envolvem a seleção, classificação e priorização de tipos de design, categorías de designers, diferentes estilos e movimentos e diferentes modos de produção, são intrínsecamente tendenciosos contra as mulheres e, na realidade, servem para excluí-las da história.” (Tradução nossa.)

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e a possibilidade de que qualquer pessoa insira informações demonstra que há

pouco conhecimento – ou interesse – no trabalho de figuras femininas.

Figura 8. Verbete “List of graphic designers” na Wikipedia, 2016

Fonte: Reproduzido de wikipedia.org. Acesso em 3 de Novembro 2016, disponível em:

https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_graphic_designers

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A seguir, nos aprofundaremos em algumas das abordagens equivoca-

das que contribuem para esta inequidade nos registros da história do design.

A mulher instintiva e o homem habilidoso. Buckley (1986) defende

que um dos principais reflexos do patriarcalismo é a criação de um estereótipo

feminino, que define os comportamentos considerados adequados para as

mulheres, papéis sociais e ideais físicos e intelectuais aos quais podem aspirar.

No contexto da história do design, o patriarcalismo se revela na desvalorização

de atividades “femininas” – como o design têxtil – e supervalorização de ativi-

dades “masculinas”, como o design industrial. Meer (2012) atenta também às

tentativas – por vezes bem intencionadas – de criar uma imagem da designers

como “mais envolvidas em causas sociais, com maior identificação com os

clientes e seus projetos e com maior capacidade de entender e empatizar com

seus clientes”, reforçando os estereótipos de gênero ao criar um modelo unidi-

mensional de profissional. O estereótipo de mulher e a existência da ideia de que existem caracte-

rísticas e habilidades naturalmente femininas impacta na forma como a história

do design é contada a partir do momento em que criações feitas por mulheres

são frequentemente consideradas fruto de um instinto natural, enquanto aque-

las feitas por homens são valorizadas formal e cientificamente como habilida-

des intelectuais. Um exemplo citado por Buckley (2012) é de Sonia Delaunay,

pintora e designer, e seu marido Robert Delaunay. Embora trabalhassem em

parceria, Sonia é notada por historiadores por seu sentido “instintivo” das co-

res, enquanto seu marido é citado como o criador de uma teoria das cores.

Ortner lista os possíveis motivos desta associação:

(1) woman’s body and its functions, more involved more of the time with “spe-

cies life,” seem to place her closer to nature, in contrast to man’s physiology,

which frees him more completely to take up the projects of culture; (2) wom-

an’s body and its functions place her in social roles that in turn are considered

to be at a lower order of the cultural process than man’s; and (3) woman’s tra-

ditional social roles, imposed because of her body and its functions, in turn

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give her a different psychic structure, which, like her physiological nature and

her social roles, is seen as being closer to nature. (1974, pp. 73-74)37

Sob o ponto de vista do mercado design gráfico, Meer (2012) argumen-

ta que as descrições restritivas das mulheres como feminina as limitam em

duas maneiras: 1) designers mulheres são reduzidas a um traço de personali-

dade específico, não sendo assim tratadas como iguais, e 2) uma avaliação

mais positiva do estilisticamente feminino pode influenciar aquelas que aspiram

pelo sucesso a tentarem corresponder a estas expectativas.

Ainda sobre a questão da subvalorização da produção criativa femini-

na, Scotford também atenta à questão da abordagem dada à mulheres relacio-

nadas a homens criativos, frequentemente eclipsadas pelos seus parceiros,

aos quais muitos dos seus méritos são creditados:

As feminist art and design historian have pointed out, for centuries talented

and creative women, connected by blood or marriage to creative men, have

been denied a historical place based on their own accomplishments for a vari-

ety of reasons to do with male power to define what is of value and to control

access and information. (2012, p.172)38

O discurso que naturaliza as aptidões femininas e valoriza a cientifici-

dade das criações masculinas pode ser considerado um dos principais respon-

sáveis pela falta de representatividade das mulheres na história do design.

37 “(1) o corpo da mulher e suas funções, mais envolvidas na maior parte do tempo com a "vida da espécie", parecem colocá-la mais próxima da natureza, em contraste com a fisiologia do homem, que o libera mais completamente para assumir os projetos da cultura; (2) o corpo da mulher e suas funções a colocam em papéis sociais que, por sua vez, são considerados em uma ordem inferior do processo cultural do que os do homem; E (3) os papéis sociais tradicionais da mulher, impostas por seu corpo e suas funções, por sua vez, lhe dão uma estrutura psicológica diferente, que, como sua natureza fisiológica e seus papéis sociais, é vista como mais próxima da natureza.” (Tradução nossa) 38 “Como historiadoras de arte e design feministas tem apontado, durante séculos, mulheres talentosas e criativas, ligadas por sangue ou casamento a homens criativos, têm sido negadas um lugar histórico baseado em suas próprias realizações por uma variedade de razões que têm a ver com o poder masculino de definir o que é de valor e de controlar o acesso e a informação.” (Tradução nossa.)

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Reconhecer as aptidões como resultado de um esforço contínuo e não somen-

te de um “dom natural” é essencial para uma abordagem justa da contribuição

das mulheres ao longo da história do design, como defende Ortner:

Woman is not “in reality” any closer to (or further from) nature than man – both

have consciousness, both are mortal. [...] The result is a (sadly) efficient feed-

back system: various aspects of woman’s situation (physical, social, psycho-

logical) contribute to her being seen as closer to nature, while the view of her

as closer to nature is in turn embodied in institutional forms that reproduce her

situation. The implications for social change are similarly circular: a different

cultural view can only grow out of a different social actuality; a different social

actuality can only grow out of a different cultural view. (1974, p.87)39

Este tema está intimamente ligado com a próxima questão que aborda-

remos: a definição, pelos historiadores de o que é design e, ainda mais impor-

tante, o que é bom design, e a influência das questões de gênero na

construção destas definições ao longo da história.

O que é design e o que é bom design. O processo de historicização

do design parte da delimitação do objeto de estudo, ou seja, de o que é design.

Embora existam diversas definições publicadas e amplamente divulgadas, este

ainda é um tema que merece atenção, como relatam Breuer e Meer, autoras

de Women in Graphic Design 1890-2012:

39 “A mulher não está "na realidade" mais próxima (ou mais longe) da natureza do que o homem - ambos têm consciência, ambos são mortais. [...] O resultado é um sistema de feedback (tristemente) eficiente: vários aspectos da situação da mulher (física, social, psicológica) contribuem para que ela seja vista como mais próxima da natureza, enquanto a visão dela como mais próxima da natureza é por sua vez encarnado em formas institucionais que reproduzem sua situação. As implicações para a mudança social são igualmente circulares: uma visão cultural diferente só pode surgir de uma realidade social diferente; Uma realidade social diferente só pode crescer a partir de uma visão cultural diferente.” (Tradução nossa.)

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The problem of describing the occupation of the female graphic designer is,

therefore, characterised in part by the indeterminate identity of this field of

study, both in terms of its narrative and disciplinary affiliations. (2012, p.43)40

Uma das principais prerrogativas que estes conceitos impõem a um ob-

jeto de design - tanto gráfico quanto industrial, é sua relação com a indústria e

a produção em massa, como coloca Tomás Maldonado (1961), em uma das

principais definições de design, feita em uma conferência titulada Education for

design:

Design é uma atividade projetual que consiste em determinar as propriedades

formais dos objetos a serem produzidos industrialmente. Por propriedades

formais entende-se não só as características exteriores, mas, sobretudo, as

relações estruturais e funcionais que dão coerência a um objeto tanto do pon-

to de vista do produtor quanto do usuário.41

Segundo Buckley (1986), estas definições baseadas na industrialização

vêm sido contestadas por historiadoras feministas, pois apenas consideram

que a natureza do design está ligada a somente um meio de produção, e ex-

cluem a produção artesanal, consequentemente deixando de fora da história as

criações de muitas mulheres que, por muito tempo, não tiveram acesso a mei-

os industriais nem a escolas de design – e mesmo assim produziram design de

diversas outras maneiras. A autora defende, ainda, que não somente é impor-

tante ampliar o espectro de o que é design, mas também observar a imposição

de uma definição de “bom design”, baseada exclusivamente na estética – des-

considerando, assim, questões ligadas ao consumo e à produção do design.

40 “O problema de descrever a ocupação do designer gráfico feminino é, portanto, caracterizado, em parte, pela identidade indeterminada desse campo de estudo, tanto em termos de sua afiliação narrativa quanto disciplinar.” (Tradução nossa.) 41 Esta definição foi aceita pelo International Council of Societies of Industrial Design (ICSID) em 1969 e utilizada pela Organização até 1971, quando deixou de utilizar qualquer definição de design de forma oficial.

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Esta definição, criada, difundida e imposta por grupos dominantes, serve aos

interesses destes e é difundida como sob a máscara da “universalidade”.

A estética dominante, no caso do design, é fruto do modernismo, que

enfatizou a inovação e a experimentação como fatores de diferenciação no

design, e que esteve (e está) diretamente ligado ao capitalismo, à produção e

ao consumo em massa, como afirma Buckley:

Although designers now operate in a postmodernist context, many design his-

torians unconsciously adopt modernist criteria when deciding what should en-

ter the history books. The concept of differentness is still privileged by histori-

historians, thus revealing the structural relationship between historians and the

designs they promote within capitalism. (1986, p.13)42

A revisão nestes conceitos permitiria a inclusão nos escritos do design

e, consequentemente, no ensino do design, daquelas que, apesar de estarem

restritas aos ambientes privados, utilizaram sua criatividade e habilidades artís-

ticas na criação de objetos de design.

O foco na autoria e a simplificação do processo projetual. Segundo

Scotford (2012), historiadores atualmente centralizam no autor e em caracterís-

ticas formais o significado de um objeto, ignorando componentes importantes

de significado, como as interações entre usuário e objeto, o contexto social, a

co-criação, etc. A autora argumenta que esta perspectiva exclui as mulheres e

suas contribuições, visto que sua escrita, feita pelo ponto de vista predominan-

temente masculina, ignora as diversas interações que ocorrem durante o pro-

cesso de criação e que tem grande importância na formação da vida

42 “Embora designers agora operam em um contexto pós-modernista, muitos historiadores do design inconscientemente adotam critérios modernistas ao decidir o que deve entrar nos livros de história. O conceito de ‘ser diferente’ ainda é privilegiado pelos historiadores, revelando assim a relação estrutural entre os historiadores e os projetos que promovem dentro do capitalismo.” (Tradução nossa.)

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profissional das mulheres, como entre o núcleo profissional e o pessoal, e o

privado e o público. São, também, indiferentes aos diversos caminhos trilhados

pelas mulheres, à natureza das colaborações entre colegas e os papéis políti-

cos e sociais incorporados por estas profissionais. Buckley (1986) afirma que o design é um processo coletivo e, por isto

seu significado pode ser determinado pela análise da interação entre indiví-

duos, grupos e organizações dentro de estruturas sociais específicas.

Uma abordagem menos focada na autoria e mais comprometida com a

análise do contexto geral dos projetos daria mais visibilidade histórica, por

exemplo, a:

• Designers que trabalham em parcerias e co-criam entre si;

• Designers que trabalham em ambientes não-corporativos;

• Designers que produzem em grandes escritórios, sob a assinatura

dos mesmos;

• Outras infinitas possibilidades de se criar design, que não pelos

meios tradicionais.

A influência dos papeis de gênero tradicionais. Apesar da evolução

nos direitos das mulheres e a de sua progressiva inserção no mercado de

trabalho, as profissionais ainda esbarram em uma questão com grande influên-

cia no seu dia-a-dia e em sua evolução profissional: a influência dos papeis de

gênero tradicionais, as expectativas da sociedade em relação a si e as barrei-

ras impostas pela divisão sexual do trabalho.

A seguir, abordaremos duas questões relativas à influência dos papeis

de gênero no trabalho feminino: o conflito entre a carreira e a vida pessoal e a

influência dos papéis de gênero na percepção de sucesso, fama e ambição

entre as mulheres.

Carreira versus vida pessoal. À primeira vista a discussão pode pa-

recer ultrapassada, porém a distribuição desigual dos trabalhos domésticos e,

principalmente, de criação dos filhos, assim como a pressão social pela mater-

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nidade, ainda têm grande influência no desenvolvimento profissional das mu-

lheres. Pereira de Melo, Considera e Di Sabbato afirmam que:

Embora essa trajetória do “progresso feminino” seja mensurada pelas Ciên-

cias Sociais através de indicadores econômicos e sociais relacionados à esfe-

ra pública e aponte para as transformações em curso, estas nada dizem a

respeito das funções tradicionais que as mulheres exercem secularmente e

que permanecem como encargo específico feminino. (2007, p. 436)

Sorj, Fontes e Machado (2007) analisam dados estatísticos e formulam

um panorama da situação do trabalho feminino no Brasil, de acordo com a

estrutura familiar. Entre suas conclusões, podemos destacar:

• Há um declínio nas taxas de fecundidade e no número de filhos por

família, igualando as estatísticas aos países desenvolvidos (p.578);

• O acesso a creches e pré-escolas ainda é limitado. “[...] apenas em

39% dos domicílios com crianças até seis anos elas freqüentavam

creches e pré-escolas” (p.576);

• Houve queda no número de famílias com filhos e parentes, o que

pode indicar que “as soluções privadas para a conciliação entre

trabalho e cuidados familiares, que se assenta no apoio dos

parentes, sobretudo das avós, pode estar hoje menos disponível do

que no passado” (p.580);

• Enquanto as famílias compostas somente por mulher e filhos

apresentam o maior percentual de pobres 43 no país (35,4%),

aquelas que contam também com parentes tem uma queda

considerável na proporção de pobres (27,5%), o que aponta para a

43 “A pobreza foi definida como pessoas vivendo em famílias com renda per capita inferior à linha da pobreza. A linha da pobreza é o dobro da linha de indigência, que é definida pelos custos de uma cesta básica alimentar que contemple as necessidades de consumo calórico mínimo de um indivíduo. A linha da pobreza foi estimada, em setembro de 2005, em 163 reais.” (Sorj et al., 2007, p.581)

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possibilidade de que outros membros da família estejam, de alguma

forma, compensando a ausência do marido;

• Em comparação às cônjuges44 sem filhos, aquelas com filhos têm

menor participação no mercado de trabalho;

• A renda é maior entre mulheres que vivem sozinhas e sem filhos

dependentes.

No contexto de Portugal, Matias, Andrade, & Fontaine (2012) afirmam

que o modelo dominante de papéis de gênero segue sendo tradicional, no qual

o homem é considerado o provedor principal da família e a mulher é responsá-

vel pelas tarefas domésticas e o bem-estar emocional. Os autores acrescentam

que, do ponto de vista do doing gender, estes papéis tendem a ser ativados

após o casamento ou a paternidade/maternidade, situações nos quais as iden-

tidades de gênero são mais salientes.

As dificuldades encontradas pelas mulheres em função da incoerência

entre a evolução do trabalho feminino e a persistência dos modelos familiares

tradicionais, que seguem colocando-as como principais responsáveis pelo

cuidado da casa e da família e pressionando-as a em direção à maternidade

podem ter diversas consequências, como a redução da carga horária de traba-

lho, a preferência pelo trabalho autônomo e o home office e até o abandono

total da carreira após a maternidade.

Rivas e Rodríguez afirmam:

[La doble participación] obliga a las mujeres a una práctica constante de paso

de un trabajo a otro, de unas características específicas de la actividad fami-

liar a unos horarios y valores del trabajo asalariado, de una cultura del cuida-

do a una cultura del beneficio, que les exige interiorizar tensiones, tomar

44 Os autores utilizam a palabra (a) cônjuge para identificar as mulheres que vivem com seus maridos/companheiros.

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decisiones y hacer elecciones a las que los varones no están obligados.

(2008, p. 57)45

As autoras defendem, ainda, que é falso o dilema entre decisões voluntárias e

não voluntárias em relação a forma de trabalhos preferidas. Nas relações de

gênero patriarcais, as mulheres – determinadas por sua situação no lar e pelas

demandas das empresas – não têm o poder de escolher livremente a duração

e extensão da sua jornada (Rivas & Rodríguez, 2008).

Stavro (2012) busca, em “Beyond the glass ceiling – an open discussi-

on”, reunir depoimentos de diversas designers acerca das questões de gênero

no âmbito do design gráfico. Entre as contribuições, podemos destacar os

seguintes aspectos citados como importantes para a conciliação entre materni-

dade e carreira:

• A divisão da responsabilidade com o parceiro:

“My husband – also a graphic designer – works (and struggles) as much as I

do. Besides running our separate practices, we are both active in the lecture

circuit and sit in jury panel; we systematically take turns to do this.” 46 (p.365)

• Iniciativas de suporte no ambiente de trabalho:

“While it’s true that maternity leave gives a bit of security, when working for a

large company, the financial support is quite minimal. The fact that I have my

job waiting when I’m ready to come back is great.” 47 (p.366)

45 “[A dupla participação] obriga as mulheres a uma prática constante de transição de um trabalho ao outro, de características específicas da atividade familiar aos horários e valores do trabalho assalariado, de uma cultura de cuidado para uma cultura de lucro, que exige que interiorizem tensões, tomem decisões e façam escolhas as quais os homens não estão obrigados.” (Tradução nossa.) 46 Depoimento de Astrid Stavro: “Meu marido – também um designer gráfico – trabalha (e se esforça), tanto quanto eu. Além de administrar nossos negócios separados, soms ambos ativos no circuito de conferências e fazemos parte em paineis de júri; nós sistematicamente nos revezamos para fazer isso." (Tradução nossa.)

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• Políticas governamentais que promovam a igualdade de gênero:

“The English government could help by giving fathers more paternity rights – it

would make a more lot sense if you could share this responsability” 48 (p.366)

“Some countries offer more government support – where they don’t expect

people to work late hours, which isn’t the case in Portugal […] Some women

quit their practice mainly because of lack of support and resources for moth-

ers” 49 (p.366)

É necessário, porém, fazer o recorte social adequado e considerar que

grande parte das profissionais do design gráfico estão em uma classe privilegi-

ada, que tem acesso a estruturas de apoio – creches e escolas privadas, em-

pregadas domésticas e cuidadoras – o que possibilita que a conciliação entre o

trabalho e o cuidado doméstico seja facilitada. Além disto, a alta escolaridade é

o fator de influência em uma divisão dos trabalhos domésticos mais igualitária

(Torres, 2008). Esta não é, portanto, uma realidade uniforme: enquanto profis-

sionais com maior experiência e poder aquisitivo têm maiores condições de

conciliar a vida pessoal com a profissional, jovens profissionais são as que

enfrentam maiores dificuldades.

Sucesso, fama, ambição e ego. Entre os traços de personalidade

mais estudados nas investigações de gênero está a ambição. Segundo Homer

(1972), citado por Miller e Garrison (1982), mulheres prevêem uma rejeição

47 Depoimento de Sonya Dyakova: “Embora seja verdade que a licença de maternidade dá um pouco de segurança, quando se trabalha para uma grande empresa, o apoio financeiro é mínimo. O fato de eu ter meu trabalho esperando quando estiver pronta para voltar é ótimo.” (Tradução nossa.) 48 Depoimento de Kirsty Cartner e Emma Thomas, co-fundadoras do estúdio “A Practice for Everyday Life”: “O governo inglês poderia ajudar dando aos pais mais direitos de paternidade – faria muito mais sentido se pudéssemos dividir essa responsabilidade." (Tradução nossa.) 49 Depoimento de Lizá Ramalho: “Alguns países oferecem mais apoio governamental – onde não admitem trabalho até horas tardias, o que não acontece em Portugal [...] Algumas mulheres abandonam a sua prática principalmente devido à falta de apoio e de recursos para as mães." (Tradução nossa.)

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social ao terem sucesso em carreiras atípicas para seu gênero, o que é inter-

pretado como motivo para evitar o sucesso. Embora pesquisas subsequentes

não tenham confirmado diferenças de gênero no medo do sucesso, este é um

fator a ser considerado ao observar diferenças nas aspirações profissionais

sob o ponto de vista de gênero.

Stavro aborda esta questão a partir da discussão com profissionais,

como Mia Frostner, que associa a maior visibilidade de designers homens à

sua socialização, que os encoraja mais a se expor:

There seem to be more famous male graphic designers without a doubt. From

an early age boys are more encouraged to be seen and heard more than girls.

Also, stereotypical male qualities are often seen as more desirable. I think ce-

lebrity in itself is not desirable and shouldn’t be mixed up with success. (2012,

p.363)

Lizá Ramalho faz a mesma associação, ao afirmar que “sentia que meu

nível de ambição era algo sobre o qual eu deveria ser discreta, quase como se

fosse rude para uma mulher ser abertamente ambiciosa” e que “a história e a

própria sociedade esquecem, ignoram e subvalorizam as mulheres; em con-

traste, os heróis são sempre homens” 50 (p.364).

Bruce e Lewis colocam como uma das barreiras enfrentadas pelas mu-

lheres em busca de sucesso profissional51 o fato de serem orientadas à tarefa

(task-oriented) ao invés de orientadas à carreira (carreer-oriented), e afirmam:

If the organizational culture is male dominated, women get the subtle mes-

sage that they are not really expected to do those things, or at least to do

50 Traduções nossas. No original: “I felt that my level of ambition was something that I had to keep quiet about, almost if it was rude for a woman to be openly ambitious” / “History and society itself forgets, ignores and undervalues women; in contrast, the heroes are always men.” 51 No contexto do texto, os autores associam “sucesso” a visibilidade e acesso a altos escalões.

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them well. They may react by withdrawing from competition and working even

harder at their design tasks. (1990, p.119)52

Considerando a diferenças de socialização entre homens e mulheres e

sua consequências, Vienne (2012) concebe o design gráfico como uma possi-

bilidade de manifestar-se livremente sem a necessidade de falar em público. A

autora cita Cindy Jennings, designer de comunicação corporativa, que afirma

que “atrás do véu do mundo impresso, mulheres podem encontrar sua voz [...]

a expressão gráfica exige menos que estar em um pódio ocupando o tempo de

todos”53. Vienne acrescenta que a maior crítica feita por mulheres à bienal de

design AIGA em Miami, além de ser dominada por homens, é que foi terrivel-

mente chata, e conclui:

Access to printed world gives graphic designers an aura of authority. While

men in the communication field are quite comfortable with this state of affairs,

women tend to be critical of speakers who do not take advantage of this fortui-

tous situation to address important environmental, social or community issues.

(2012, p.337)54

Considerações para a Fase Seguinte

Os capítulos apresentados até este momento foram baseados na revi-

são da literatura e de sua análise crítica através do contraponto entre informa-

ções provenientes de diversas áreas do conhecimento. Com base nesta

52 “Se a cultura organizacional é dominada pelo sexo masculino, as mulheres recebem a sutil mensagem de que elas não são realmente esperadas para fazer essas coisas, ou pelo menos fazê-las bem. Eles podem reagir retirando-se da competição e trabalhando ainda mais em suas tarefas de design.” (Tradução nossa) 53 Tradução nossa. 54 “O acesso ao mundo impresso dá aos designers gráficos uma aura de autoridade. Enquanto os homens no campo da comunicação estão bastante confortáveis com este estado de coisas, as mulheres tendem a ser críticas a oradores que não aproveitam esta situação fortuita para lidar com importantes questões ambientais, sociais ou comunitárias.” (Tradução nossa.)

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análise, foi possível ter maior conhecimento sobre a história da inserção da

mulher na profissão de designer gráfica e da produção científica já desenvolvi-

da sobre o tema. Esta fase permitiu, também, conhecer aspectos importantes

da situação atual da mulher neste contexto a partir de estudos científicos sobre

o tema.

A seguir, a partir do Capítulo 4, será apresentada a etapa de Inquéritos

e Entrevistas, parte importante desta investigação, que buscará validar as

informações apresentadas até então, conduzindo à conclusão deste trabalho.

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Capítulo 4 - Inquéritos e Entrevistas

Em seguimento à investigação teórica foi desenvolvido um inquérito,

aplicado a designers gráficas Brasileiras e Portuguesas de diferentes faixas

etárias, áreas de atuação e posições hierárquicas. Após a aplicação do inquéri-

tos, buscou-se entrevistar as participantes que demonstraram maior interesse

com o tema, assim como aquelas que forneceram respostas inesperadas ou

que exigiam um maior aprofundamento.

A seguir, descreveremos o processo de seleção das participantes e de

construção do inquérito e das entrevistas, assim como os objetivos das ques-

tões apresentadas.

Seleção de Participantes

É importante ter em consideração que a heterogeneidade do grupo traz

variáveis que tem tanto impacto positivo nos resultados – opiniões de pessoas

de diversas vivências enriquece a investigação – quanto impacto negativo – é

maior a dificuldade em identificar padrões em um grupo heterogêneo. Tendo

isto em conta, foi decidido utilizar um grupo com indivíduos de características

variadas, a fim de focar em experiências individuais, e separá-lo em subgrupos

com uma característica em comum, a fim de buscar padrões de experiências.

As características consideradas na seleção das participantes foram:

• Faixa etária e tempo no mercado de trabalho: procurou-se ter

contribuições de mulheres de diferentes faixas etárias, a fim de criar

um grupo heterogêneo que permitisse a observação das variáveis

temporais dos assuntos abordados;

• Localização: foram selecionadas participantes de diversos estados

do Brasil, assim como participantes de diferentes regiões de

Portugal;

Com o objetivo de levantar os dados necessários para a criação do

grupo de estudo e dos subgrupos, um inquérito inicial foi aplicado em 54 desig-

ners gráficas, nos dois países estudados.

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Inquérito Inicial – Triagem

O inquérito inicial55 teve como objetivo a coleta de dados básicos das

participantes, a fim de criar os subgrupos de análise – de acordo com a nacio-

nalidade e o tempo no mercado e ocupação atual. Nesta etapa, foi utilizado

somente um modelo de inquérito para todas as participantes. Os dados solici-

tados foram:

• Nome Completo56;

• Idade;

• Escolaridade;

• Área(s) de Atuação;

• Titulação;

• Tempo de atuação no mercado do Design;

• Local de trabalho atual;

• Cargo/ocupação atual;

• Posição hierárquica na empresa em que trabalha;

• Porte da empresa em que trabalha/é sócia;

• Cidade de atuação.

Inquérito Principal

Para uma análise mais focada, o inquérito principal foi dividido em dois

modelos: um deles aplicado à designers com menos de dez anos de atividade

no mercado de trabalho (G1) e outro aplicado àquelas que já estão há mais de

dez anos no mercado (G2). No segundo, em função do maior tempo de atua-

55 A íntegra do inquérito pode ser consultada no Anexo I. 56 Os nomes das paticipantes serão citados somente nos casos em que a identificação foi autorizada. Nos casos contrários, serão utilizadas as iniciais de nome e sobrenome.

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ção no mercado, a experiência profissional das participantes foi avaliada em

duas etapas: os primeiros cinco anos de trabalho e os anos seguintes. Partici-

para desta etapa as profissionais que manifestaram interesse no Inquérito

Inicial e que dispunham de tempo para colaborar, selecionadas de forma a

manter um número similar de participante em cada grupo e subgrupo.

O principal objetivo desta etapa foi avaliar a percepção57 das partici-

pantes em relação à influência do seu gênero e de outras questões ligadas ao

gênero na sua trajetória acadêmica e profissional, além de levantar dados

sobre a experiência pessoal de cada uma delas. A obtenção destes dados e o

cruzamento das respostas das participantes de cada grupo, assim como a

análise das diferenças verificadas entre os dois grupos de análise, permitiu a

identificação de padrões que contribuem para uma melhor compreensão do

cenário da investigação.

Três aspectos principais foram analisados neste inquérito:

• Reconhecimento do gênero como aspecto de influência no

desenvolvimento acadêmico e profissional – padrões entre grupos

etários e/ou geográficos;

• Influência da representatividade e da visibilidade (ou da percepção

destas) no desenvolvimento acadêmico e profissional;

• Influência das expectativas e pressões do núcleo familiar e da

sociedade como um todo em relação à mulher no desenvolvimento

acadêmico e profissional;

Nos Anexos II e III podem ser consultadas as questões que compu-

nham cada um dos inquéritos, assim como seus objetivos.

57 Considerando que as respostas das participantes são influenciadas não somente pelas suas experiências mas também por outros fatores pessoais, os resultados podem apenas refletir as percepções das mesmas em relação aos fatos, e não os fatos em si.

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Entrevistas

As entrevistas, programadas para serem realizadas após os inquéritos,

tiveram como objetivos principais levantar dados mais específicos sobre as

profissionais em questão, tirando dúvidas surgidas nos inquéritos e validar as

principais conclusões da investigação.

Roteiro básico de entrevistas. Os roteiros das entrevistas foram divi-

didos em quatro subgrupos: Brasileiras com menos de 5 anos de mercado (G1-

BR), Portuguesas com menos de 5 anos de mercado (G1-PT), Brasileiras com

mais de 10 anos de mercado (G2-BR), e Portuguesas com mais de 10 anos de

mercado (G2-PT). As questões básicas desenvolvidas para cada grupo estão

descritas abaixo, na Tabela 1.

Tabela 1

Questões Básicas da Entrevista

G1-BR G1-PT G2-BR G2-PT

Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as profissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situação?

Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as profissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situação?

Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as profissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situação?

Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as profissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situação?

Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico no Brasil?

Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico em Portugal?

Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico no Brasil?

Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico em Portugal?

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G1-BR G1-PT G2-BR G2-PT

A designers com menor tempo de mercado – grupo no qual está incluída, tendem a expressar de forma mais crítica sua percepção nas desigualdades de gênero. O que pensas que mudou?

*Não foi feita a questão equivalente às profissionais Brasileiras pois a tendência à expressar-se de forma mais crítica não foi verificada neste grupo.

Durante sua trajetória profissional, houve decisões que tiveste de tomar que crês que seus companheiros homens não enfrentaram?

Durante sua trajetória profissional, houve decisões que tiveste de tomar que crês que seus companheiros homens não enfrentaram?

Para cada entrevistada, foram feitas também questões relativas às su-

as respostas ao Inquérito Principal, a fim de levantar informações mais especí-

ficas sobre a experiência pessoal da entrevistada e/ou tirar dúvidas relativas a

comentários feitos no inquérito. As variações consideraram aspectos como:

forma de atuação profissional da entrevistada (empresa própria, freelancer,

acadêmica, etc.) e também respostas ao inquérito principal correspondentes a

“pontos fora da linha” ou inesperadas, além da receptividade da entrevistada

ao tema. Na Tabela 2 podem ser consultadas as questões específicas.

Tabela 2

Questões Específicas da Entrevista

Grupo Pergunta

Professoras em Cursos de Design Gráfico

Como professora, vocês percebe entre suas alunas um maior interesse em questões de gênero?

Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no ensino do Design – em bibliografias, referências, estudos de caso, etc.?

Sócias em estúdios de Design Gráfico

Qual a proporção atual entre homens e mulheres na sua empresa, em posições hierárquicas mais baixas (Estagiárias, Designers Jr., etc.)? Esta é uma questão consciente ou aleatória?

Como empreendedora e, agora, chefe de outras mulheres, de alguma maneira te vês responsável, juntamente com as tuas sócias, na motivação e inspiração das tuas funcionárias?

Designers em Estúdios Individuais / Freelancers

Parece haver preferência entre as mulheres ao trabalho freelancer ou empresas próprias de pequeno porte. Este foi o caminho que escolheste. Tens ideia do que a levou a esta escolha?

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Capítulo 5 - Resultados e Discussões

A seguir, destacaremos os resultados obtidos após o desenvolvimento

da fase de inquéritos e entrevistas, por meio da análise das respostas recebi-

das, tanto as questões objetivas quanto os comentários58 opcionais.

A Amostra

Na fase de aplicação dos inquéritos obteve-se três respostas no G2-PT

e três respostas no G1-PT, um número abaixo do esperado. Destas, duas de

cada grupo aceitaram ser contatadas novamente e nenhuma fez qualquer

comentário, tornando difícil a análise destes grupos. Entre as Brasileiras, foram

recebidas oito respostas no G2-BR e treze respostas no G1-BR. Entretanto, foi

possível perceber uma maior dificuldade entre as designers mais experientes.59

Tendo em consideração a amostra, reitera-se que os padrões que puderam ser

verificados não são suficientes para chegar a conclusões finais, pois represen-

tam a visão de apenas parte de um grupo – majoritariamente designers Brasi-

leiras. Porém foi possível fazer inferências por meio de comparação entre os

grupos consultados e em casos de respostas unânimes ou de maioria massiva.

Espera-se que os pontos aqui apresentados contribuam ponto de partida para

investigações mais aprofundadas. Na

Tabela 3 estão descritas todas as participantes dos inquéritos, o país

onde vive, tempo no mercado de trabalho, área de atuação profissional e cida-

de onde atua.

58 Alguns comentários transcritos neste capítulo foram editados por questões de ortografia, clareza, ou para proteger a identidade das participantes. 59 Esta questão é analisada mais detalhadamente a partir da página 74.

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Tabela 3 Participantes dos Inquéritos

País Tempo no mercado Nº

Identificação da Participante Área de Atuação Cidade

Brasil

Menos de dez anos (G1-BR)

1 K.F. Empregada em empresa de até 9 funcionários

Rio de Janeiro

2 R.R. Empregada em empresa de 10 a 49 funcionários Porto Alegre

3 G.P. Empregada em empresa de mais de 100 funcionários

São Paulo

4 G.G. Empregada em empresa de até 9 funcionários Porto Alegre

5 M.G. Freelancer Porto Alegre

6 C.C. Sócia de empresa de até 9 funcionários Porto Alegre

7 B.R. Empregada em empresa de 10 a 49 funcionários Florianópolis

8 M.W. Bolsista de Mestrado em Universidade Florianópolis

9 H.A. Freelancer Porto Alegre

10 G.L. Empregada em empresa de 10 a 49 funcionários Porto Alegre

11 R.B. Empregada em empresa de mais de 100 funcionários

Rio de Janeiro

12 N.L. Empregada em empresa de 50 a 99 funcionários São Paulo

13 C.L. Empregada em empresa de mais de 100 funcionários

Curitiba

Mais de dez anos (G2-BR)

1 T.K. Sócia em empresa de 10 a 49 funcionários Porto Alegre

2 F.S. Sócia em empresa de até 9 funcionários

Rio de Janeiro

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74

Padrões Verificados nos Inquéritos

A diferença na percepção das questões de gênero entre grupos etários

foi um dos principais pontos percebidos. Tanto nas respostas objetivas quanto

nos comentários, participantes com menor tempo de mercado (G1) expressa-

ram de maneira mais crítica sua percepção das desigualdades de gênero.

Embora nenhuma das participantes, em nenhum dos grupos, tenha considera-

do que seu gênero teve influência positiva na sua trajetória profissional, a maior

parte das participantes do G2 – designers com mais de dez anos de mercado –

considerou que seu gênero não influenciou na trajetória profissional e poucas

responderam que houve influência negativa. Entre as participantes do G1 tam-

3 M.L. Freelancer Rio de Janeiro

4 C.P. Freelancer Curitiba

5 V.Q. Sócia em empresa de 10 a 49 funcionários São Paulo

6 J.H. Sócia de empresa de até 9 funcionários

Rio de Janeiro

7 A.C. Sócia de empresa de 10 a 49 funcionários

Rio de Janeiro

8 F.M. Freelancer / Universidade

Belém / Rio de Janeiro

Portugal

Menos de dez anos (G1-PT)

1 M.F. Empregada em empresa de 10 a 50 funcionários Lisboa

2 T.M. Atuando fora do mercado do Design Lisboa

3 S.G. Empregada em empresa de até 9 funcionários Lisboa

Mais de dez anos (G2-PT)

1 M.B. Universidade Tomar

2 J.C. Universidade Lisboa

3 R.A. Sócia em empresa de até 9 funcionários Lisboa

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75

bém houve uma maior percepção de que o gênero não influenciou, mas o nú-

mero de participantes que respondeu que houve influência negativa foi consi-

deravelmente superior em comparação ao G2.

Ao analisar os comentários das participantes, foi possível reconhecer

ainda melhor as diferenças na percepção das desigualdades. Por serem opcio-

nais, não somente o conteúdo dos comentários pôde ser analisado, mas tam-

bém o interesse das participantes em aprofundar a questão. Enquanto as

participantes do G2 abstiveram-se de fazer comentários ou destacaram a moti-

vação causada pela diferença e a repercussão positiva na sua carreira, as

profissionais do G1, que estão no início da sua trajetória profissional, reconhe-

cem as diferenças como negativas, em um posicionamento mais crítico, com-

partilhando mais experiências pessoais de desigualdade de gênero. A seguir,

dois exemplos que ilustram a diferença percebida:

Eu nunca me senti menos capaz que homem nenhum na minha área, e sem-

pre estive muito confortável com esse sentimento. (F.S., participante do G2,

Rio de Janeiro, Brasil)

Como mulher, sinto que me cobro muito mais para ter tanto sucesso na car-

reira, nos relacionamentos, manter contato com amigos e família, fazer

networking etc. em comparação com os homens com quem mais interajo.

(G.P., participante do G1, São Paulo, Brasil)

O contato com figuras inspiradoras durante a trajetória acadêmica e

profissional foi considerado como uma influência positiva por ambos os grupos.

Por sua vez, a ausência deste contato foi interpretado de distintas maneiras

pelas profissionais: como fator de influência negativa, como fator sem influên-

cia e, surpreendentemente, uma minoria considerou como fator de influência

positiva sob o argumento de que a percepção desta falta as estimulou a mudar

o cenário. Novamente, percebeu-se a abordagem mais crítica vinda das profis-

sionais com menor tempo de mercado. A seguir, transcrevemos dois comentá-

rios que exemplificam esta diferença:

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A influência da ausência de figuras femininas foi positiva por me incentivar a

criar e fomentar tais referências. No entanto, não acho positiva a ausência de

figuras femininas. (A.C., participante do G2, Rio de Janeiro, Brasil)

Enquanto passamos nossa graduação lendo Ellen Lupton sem nem nos dar-

mos conta que ela é mulher, temos predominantemente referenciais masculi-

nos, dando a impressão de que somente há bons designers homens. (R.B.,

participante do G1, Rio de Janeiro, Brasil)

Seguindo com a comparação por faixas etárias, pôde-se verificar que

as profissionais do G1 – de formação mais recente – foram mais expostas a

referências de figuras inspiradoras no âmbito acadêmico. Entretanto, a grande

maioria relata que as referências apresentadas ainda são majoritariamente

masculinas. Esta evolução pode ser considerada um fator positivo e uma opor-

tunidade a ser considerada na criação de estratégias para a redução nas desi-

gualdades de gênero.

Gráfico 2. Respostas a “As figuras de destaque apresentadas em aula

foram...”.

G1 - Menos de 10 anos G2 - Mais de 10 anos Majoritariamente homens 73% 94% Em proporção semelhante entre homens e mulheres 18% 6%

Majoritariamente mulheres 9% 0%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

100%

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A seguir, alguns depoimentos sobre esta questão:

Em um momento da minha formação surgiu o questionamento com outras

meninas da graduação sobre 'quem são as mulheres que atuam no mercado

de design?' porque em toda nossa formação grande parte dos profissionais e

acadêmicos citados em aula são homens e tornam-se (de forma obrigatória)

nossas referências durante o trajeto. (K.F., participante do G1, Rio de Janeiro,

Brasil)

No meu curso de design havia uma quantidade similar entre homens e mulhe-

res, mas quando se tratava da literatura e história, certamente havia muito

mais homens sobre quem aprendemos nos livros. Na época não reparava

pois achava que havia um balanço na turma que compensava ("estávamos

mudando a história"), mas hoje vejo como isso faz toda a diferença. Prova-

velmente pelo fato de os homens culturalmente se imporem mais profissio-

nalmente, eles acabaram ficando mais registrados. (G.P., participante do G1,

Porto Alegre, Brasil)

No contexto do ambiente de trabalho, em ambos os grupos verificou-se

que a maior parte das participantes tem ou teve recentemente chefes homens.

Há diferença, porém, na percepção da influência deste aspecto entre os gru-

pos. As participantes do G1, em sua maioria, consideram que as diferenças de

gênero no ambiente de trabalho tiveram influência negativa ou não tiveram

influência na sua trajetória. Em contraposição, as participantes do G2 não con-

sideram que este aspecto tenha influência negativa, afirmando que não ouve

influência ou houve influência positiva. Também é perceptível que uma parcela

considerável das participantes do G2 deixou de ter chefes – por terem aberto a

própria empresa, passado a trabalhar como autônomas ou em universidades –

no decorrer de suas carreiras.

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Gráfico 3. Respostas a “Seus chefes foram...”.

Entre os depoimentos, diversos relatos de situações de machismo fo-

ram registrados. No G2, os relatos se referem principalmente a situações pas-

sadas que mudaram o rumo das carreiras das participantes – por exemplo,

fazendo-as escolher trabalhar como autônomas ou abrirem escritórios próprios.

No G1, os relatos referem-se a situações atuais com as quais convivem diaria-

mente nos seus ambientes de trabalho.

Me demiti de emprego quando descobri que o designer que entrou depois de

mim ganhava mais do que eu. Não foi a primeira vez. Depois disso abri minha

empresa. Poderia dizer que foi positivo! (F.M., participante do G2, Belém,

Brasil)

[...] sempre passei por situações nos locais de trabalho em que os chefes,

que sempre foram homens, se prevaleciam pelo fato de serem homens. Ex-

plico: o tratamento com funcionárias mulheres era sempre mais agressivo, ou

menos cordial, do que com os homens. E, em umas das empresas em que fui

estagiária, presenciei diversos momentos em que os sócios da empresa fazi-

am comentários sobre aparência física das mulheres entrevistadas ou de cli-

entes. (G.G., participante do G1, Porto Alegre, Brasil)

G1 G2 (Primeiros 5 anos de carreira)

G2 (Últimos 5 anos de carreira)

Majoritariamente homens 56% 82% 45% Em proporção semelhante entre homens e mulheres 31% 9% 18%

Majoritariamente mulheres 13% 9% 0% Não se aplica / Não tive

chefes 0% 0% 36%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

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Onde eu trabalho existem determinadas posições hierárquicas que são ocu-

padas por homens e mulheres de forma igualitária – porém somente no senti-

do numérico. Existem editores de arte homens e mulheres em igual número,

entretanto o peso e a visibilidade de cada um é completamente diferente. As

mulheres apenas editam as peças e fazem ajustes menores, enquanto as de-

cisões criativas ficam a cargo dos editores homens. (R.B., participante do G1,

Rio de Janeiro, Brasil)

Em geral, a percepção de diferenças na representatividade de gênero –

no ambiente acadêmico, na história do design, no ambiente profissional – foi

verificada em todos os grupos. Algumas diferenças foram percebidas entre

grupos etários, porém a predominância de homens tanto entre as figuras de

destaque, quanto entre professores e chefes, foi relatada pela maioria das

participantes. Não é unânime, entretanto, a percepção de que estas diferenças

tenham impacto negativo na trajetória profissional, apesar da quantidade con-

siderável de relatos de situações de desigualdade de gênero.

Análise do Processo, dos Resultados e Inferências

O processo de aplicação dos inquéritos e entrevistas e as particulari-

dades que surgiram neste contexto têm tanta importância para os resultados

desta investigação tanto quanto os dados apresentados no tópico anterior. A

dificuldade encontrada em obter respostas de determinados grupos e a falta de

aprofundamento às questões pode estar relacionada com o “tabu” citado por

Gerda Breuer e Julia Meer (2012), que relataram as mesmas dificuldades du-

rante o desenvolvimento do livro “Women in Graphic Design 1890-2012”. O fato

de que foi percebida menor abertura ao tema entre as designers Portuguesas

pode, também – e principalmente se considerados os dados obtidos nos capí-

tulos 2, 3 e 4 – corroborar com a ideia de que existe, neste âmbito específico,

uma situação mais favorável a mulheres neste país, em comparação ao Brasil,

o que reduz o interesse deste grupo geográfico pelo tema.

Outro fator importante a ser analisado é a diferença de percepção das

desigualdades de gênero entre os grupos etários, assim como a análise mais

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crítica vinda das designers com menor experiência no mercado, ambos aspec-

tos constantes nas respostas analisadas. Tendo em vista que grande parte das

respostas analisadas são de designers Brasileiras, e que o contexto político-

social atual do Brasil vem fortalecendo as discussões de gênero, encabeçadas

por grupos jovens, podemos inferir que o contato das profissionais menos ex-

perientes com estas discussões colabora para que estas tenham posições

mais críticas em relação ao tema. As profissionais com maior experiência, por

sua vez, além de terem menor contato com as discussões atuais de gênero,

tendem a considerar positivos todos os fatores que contribuíram para seu su-

cesso, inclusive as dificuldades encontradas no percurso, além de transparece-

rem ter autoconfiança mais elevada das em comparação às mais

inexperientes.

Estratégias Propostas

O processo de conquista da igualdade de gênero depende de mudan-

ças culturais profundas nas diversas esferas sociedade. Mudanças estas que

exigem tempo, trabalho constante e diálogo. Estratégias pontuais, porém, po-

dem contribuir de forma tangível em questões específicas de desigualdade de

gênero, fortalecendo as discussões e motivando para que a evolução seja

constante.

Ações no ambiente acadêmico. Por ser, em geral, o primeiro espaço

no qual as futuras designers têm contato com a profissão, o meio acadêmico

tem grande importância na formação de profissionais que reconheçam seu

valor no mercado e seu potencial, no combate à discriminação de gênero e à

divisão sexual do trabalho e no incentivo ao livre debate acerca do tema. Por

este motivo, deve-se começar a “plantar” igualdade neste ambiente.

Um fator de grande importância no desenvolvimento do perfil

profissional de jovens designers é a exposição a figuras inspiradoras durante

sua formação. Reconhecer-se nos profissionais de sucesso apresentados em

aula reforça a autoconfiança do estudante ao demonstrar que é possível atingir

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seus objetivos independentemente de seu gênero, raça, orientação sexual ou

qualquer outra característica individual. Por isto, é essencial que a figuras

apresentadas como referência no meio acadêmico representem a pluralidade

presente nas salas de aula, permitindo a auto-identificação de todos os

estudantes. Considerando o contexto específico desta investigação, propõe-se

um esforço maior por parte das professoras e professores na difusão do

trabalho de profissionais mulheres, que muitas vezes são preteridas em

benefício de designers homens por decorrência dos diversos fatores históricos

e culturais já discutidos nesta investigação.

O incentivo às discussões de gênero, além de cumprir com a função

social do design, é essencial tanto para colaborar na mudança cultural em

curso no que tange os comportamentos machistas no ambiente acadêmico e a

desvalorização do trabalho feminino, quanto para a criação de uma consciência

coletiva entre as próprias estudantes, da qual podem surgir ainda mais

discussões e ações pela igualdade de gênero no âmbito acadêmico.

Ações no ambiente profissional. Entre os comentários das profissio-

nais consultadas nesta investigação, diversos foram os relatos de chefes (em

geral, mulheres) como figuras de inspiração, contribuindo para seu crescimen-

to, assim como adversidades encontradas com chefes homens – entre eles a

desvalorização do trabalho da profissional, silenciamento e assédio –, que

causaram desgaste e desmotivação. Os ambiente de trabalhos devem ser alvo

de ações constantes que reforcem a igualdade de gênero, tanto em nível teóri-

co-crítico quanto prático.

Bruce e Lewis sugerem ações – com foco na educação e na mudança

nas culturas organizacionais – que podem contribuir para a redução da divisão

sexual do trabalho no design:

All designers should be encouraged to take management training, which

should include gender issues and stereotyping. The design institutions and

their journals should show more awareness of the problem and ensure that

employers realize how much potential talent may be lost through the discour-

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agement of creative women. Such suggestions are of a cultural nature, chal-

lenging perceptions about women's roles with the hope that these would lead

to more profound structural changes, in terms of opportunities for women ac-

tually changing. (Bruce & Lewis, 1990, p. 119-120)

Embora concordemos que a maternidade não é tema comum entre to-

das as mulheres – há aquelas que não querem ou não podem ter filhos, de

forma natural ou não – é importante reconhecer que, neste grupo heterogêneo,

há uma parcela considerável que segue o caminho da maternidade, por esco-

lha ou não. Tendo isto em consideração, há de se criar ações que permitam

que se possa conciliar carreira e maternidade sem que haja prejuízo na esfera

familiar nem na esfera profissional. Ações governamentais no âmbito dos direi-

tos relativos a maternidade, como a ampliação da licença parental masculina,

são de suma importância principalmente no Brasil, onde ainda há muito desi-

gualdade60. No contexto corporativo, a criação de ambientes favoráveis à

igualdade de gênero depende de ações em diversos contextos, entre eles a

cultura organizacional e o ambiente físico do trabalho. A flexibilização dos horá-

rios de trabalho, por exemplo, pode ter impacto positivo na carreira das profis-

sionais que têm filhos, assim como a implementação de creches e outros

sistemas de suporte em grandes empresas.

Muitas são as ações que podem ser postas em prática, desde peque-

nas atitudes em grupos de alunos a mudanças significativas na estrutura orga-

nizacional de grandes empresas. O reconhecimento do problema, a tomada de

consciência do poder da coletividade e o desenvolvimento de estratégias que

60 No Brasil, a licença parental remunerada é de 120 dias para a mãe e de apenas 5 dias para o pai – que aumentam para 20 se a empresa participar do programa governamental Empresa Cidadã – tanto para filhos biológicos quanto adotivos. Em Portugal, a licença parental pode ser compartilhada entre pai e mãe, chegando a um máximo de 180 dias.

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considerem as especificidade de cada ambiente são o ponto de partida para a

construção de ambientes cada vez mais igualitários.

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84

Conclusão

É indiscutível que, com o passar do tempo, as diferenças de gênero

são cada vez menores. No contexto do design gráfico, podemos afirmar que o

acesso ao mercado de trabalho pelas mulheres já é uma realidade há pelo

menos duas décadas, o ambiente acadêmico de design apresenta perceptível

equivalência de gênero e cada vez mais mulheres têm visibilidade na área. As

desigualdades, atualmente, são sutis e exigem uma análise mais aprofundada

tanto do contexto atual quanto do desenvolvimento histórico da profissão. A

escolha por este tema teve em consideração este contexto de evolução contí-

nua das relações de gênero e, por isto, buscou uma percepção global do tema,

com o reconhecimento dos desafios enfrentados pelas mulheres desde o sur-

gimento da profissão, das conquistas já alcançadas e dos aspectos que ainda

carecem de resoluções.

No decorrer deste trabalho, buscou-se levantar dados não somente so-

bre as desigualdades existentes, mas também sobre suas causas. A revisão da

literatura, o estudo dos conceitos de gênero, das relações de gênero, da histó-

ria da inserção feminina na profissão e dos aspectos atuais deste mercado,

permitiram compreender a participação feminina no processo de desenvolvi-

mento da profissão de designer gráfico, contribuindo para o entendimento da

gênese das diferenças de gênero que ainda existem no Século XXI. Ademais,

o cruzamento dos dados coletados na revisão de literatura e na etapa de in-

quéritos e entrevistas possibilitou perceber os contrastes entre Brasil e Portugal

no que se refere ao processo de institucionalização do design e seus persona-

gens principais, fato que tem grande influência na participação feminina no

mercado, nas referencias históricas e na cultura do design de cada um deste

países. A pesquisa por inquéritos e entrevistas, seus resultados e, principal-

mente, seu processo e as dificuldades encontradas, contribuíram para o co-

nhecimento da situação atual das designers Brasileiras e Portuguesas, sua

percepção das desigualdades de gênero e seu interesse no tema.

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Ao concluir esta investigação, fica a convicção da necessidade de uma

discussão mais crítica e menos individualista das diferenças de gênero, envol-

vendo diferentes gerações, considerando os desafios do grupo como um todo e

colocando em prática estratégias que contribuam para uma maior liberdade e

visibilidade da mulher neste meio. Da mesma forma, é importante a manuten-

ção e o fortalecimento da luta feminina por políticas organizacionais e gover-

namentais que tornem os ambientes de trabalho cada vez mais justos para

mulheres, erradicando discriminações, respeitando as suas escolhas pessoais

em relação a família e maternidade e renovando os modelos de trabalho que,

criados sob a ótica masculina, não se adaptam às necessidades e aspirações

das mulheres. A busca pela visibilidade como fator de reconhecimento não

deve seguir sendo um caminho tortuoso no qual as mulheres são obrigadas a

abrir mão de outras partes importantes da sua vida para se adaptarem a ambi-

entes desenhados por e para homens.

Finalizamos este trabalho com a proposta de que trabalhemos coleti-

vamente para criar ambientes de trabalho e modelos de sucesso que simulta-

neamente respeitem as aspirações profissionais das mulheres e deem ao seu

trabalho a visibilidade merecida e necessária para inspirar futuras profissionais.

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Anexos

Anexo I: Inquérito Modelo 1

Inquérito Modelo 1 – Menos de cinco anos de mercado

Questão Objetivo

Avalie a influência dos seguintes aspectos na sua trajetória como designer:

• Seu Gênero* • Sua Personalidade* • A presença de figuras femininas ins-

piradoras (na história do Design, no ambiente acadêmico ou profissio-nal)**

• Apoio familiar à construção de uma carreira***

• Expectativas da sociedade em rela-ção a você*

• O ambiente em que cresceu/ se de-senvolveu*

* Opções de resposta: Influenciou negativa-mente | Não influenciou Influenciou positiva-mente | Não sei responder ** Opções de resposta: Houve contato e influenciou negativamente | Houve contato e influenciou positivamente | Houve contato e não influenciou | Não houve contato e in-fluenciou negativamente | Não houve contato e influenciou positivamente | Não houve contato e não influenciou | Não sei responder *** Opções de resposta: Não houve apoio e isto influenciou negativamente | Não houve apoio porém isto não influenciou | Houve apoio e isto influenciou positivamente | Houve apoio porém isto não influenciou | Não sei responder

Levantar dados sobre as experiências individuais de cada participante; Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise.

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Inquérito Modelo 1 – Menos de cinco anos de mercado

Em relação a sua formação: • Seus professores foram* • Seus colegas de classe/aula foram* • As figuras de destaque apresentadas

em aula (em disciplinas de História, Cultura Visual, etc.)*

• Como as questões acima influencia-ram na sua trajetória acadêmica?**

* Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres ** Opções de resposta: Influenciaram negati-vamente | Influenciaram positivamente | Não influenciaram | Não sei responder

Levantar dados sobre as experiências individuais de cada participante; Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise.

Em relação à sua vivência no mercado de trabalho:

• Seus chefes foram* • Seus colegas de trabalho (em mes-

mo nível hierárquico) são/foram** • As figuras com maior visibilidade na

sua área de atuação são/foram*** • Como as questões acima influencia-

ram na sua trajetória profissional?****

* Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não tive chefes ** Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não tive colegas de trabalho *** Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não sei responder **** Opções de resposta: Influenciaram negativamente | Influenciaram positivamente | Não influenciaram | Não sei responder

Levantar dados sobre as experiências individuais de cada participante; Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise.

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Inquérito Modelo 1 – Menos de cinco anos de mercado

Indique o seu grau de concordância com as afirmações a seguir:

• "Parece haver mais designers gráfi-cos homens famosos, sem dúvidas. Desde muito cedo meninos são mais encorajados a serem vistos e ouvidos que meninas."

• "Designers ficam famosos falando em conferências. Muitas mulheres tem filhos e não têm tempo para isto. A maior parte dos palestrantes ho-mens têm suas esposas para ficar em casa com as crianças. É assim que eles ficam famosos."

• "Um designer não tem que ser uma celebridade para ser talentoso e in-fluente. Fama e sucesso são coisas diferentes"

• "A ambição parece ser um papel de gênero culturalmente associada a homens."

Opções de resposta: Concordo plenamente | Concordo parcialmente | Não concordo nem discordo | Discordo parcialmente | Discordo plenamente

Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise. Validar hipóteses levantadas na revisão da literatura.

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Anexo II: Inquérito Modelo 2

Inquérito Modelo 2 – Mais de cinco anos de mercado

Questão Objetivo

Avalie a influência dos seguintes aspectos na sua trajetória como designer:

• Seu Gênero* • Sua Personalidade* • A presença de figuras femininas ins-

piradoras (na história do Design, no ambiente acadêmico ou profissio-nal)**

• Apoio familiar à construção de uma carreira***

• Expectativas da sociedade em rela-ção a você*

• O ambiente em que cresceu/ se de-senvolveu*

* Opções de resposta: Influenciou negativa-mente | Não influenciou Influenciou positiva-mente | Não sei responder ** Opções de resposta: Houve contato e influenciou negativamente | Houve contato e influenciou positivamente | Houve contato e não influenciou | Não houve contato e in-fluenciou negativamente | Não houve contato e influenciou positivamente | Não houve contato e não influenciou | Não sei responder *** Opções de resposta: Não houve apoio e isto influenciou negativamente | Não houve apoio porém isto não influenciou | Houve apoio e isto influenciou positivamente | Houve apoio porém isto não influenciou | Não sei responder

Levantar dados sobre as experiências individuais de cada participante; Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise.

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Inquérito Modelo 2 – Mais de cinco anos de mercado

Em relação a sua formação: • Seus professores foram* • Seus colegas de classe/aula foram* • As figuras de destaque apresentadas

em aula (em disciplinas de História, Cultura Visual, etc.)*

• Como as questões acima influencia-ram na sua trajetória acadêmica?**

* Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres ** Opções de resposta: Influenciaram negati-vamente | Influenciaram positivamente | Não influenciaram | Não sei responder

Levantar dados sobre as experiências individuais de cada participante; Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise.

Em relação à sua vivência no mercado de trabalho nos primeiros 5 anos de carreira:

• Seus chefes foram* • Seus colegas de trabalho (em mes-

mo nível hierárquico) são/foram** • As figuras com maior visibilidade na

sua área de atuação são/foram*** • Como as questões acima influencia-

ram na sua trajetória profissional?****

* Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não tive chefes ** Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não tive colegas de trabalho *** Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não sei responder **** Opções de resposta: Influenciaram negativamente | Influenciaram positivamente | Não influenciaram | Não sei responder

Levantar dados sobre as experiências individuais de cada participante; Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise.

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Inquérito Modelo 2 – Mais de cinco anos de mercado

Em relação à sua vivência no mercado de trabalho nos últimos 5 anos:

• Seus chefes foram* • Seus colegas de trabalho (em mes-

mo nível hierárquico) são/foram** • As figuras com maior visibilidade na

sua área de atuação são/foram*** • Como as questões acima influencia-

ram na sua trajetória profissional?****

* Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não tive chefes ** Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não tive colegas de trabalho *** Opções de resposta: Majoritariamente homens | Majoritariamente mulheres | Em proporção semelhante entre homens e mulheres | Não se aplica/Não sei responder **** Opções de resposta: Influenciaram negativamente | Influenciaram positivamente | Não influenciaram | Não sei responder

Levantar dados sobre as experiências individuais de cada participante; Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise.

Indique o seu grau de concordância com as afirmações a seguir:

• "Parece haver mais designers gráfi-cos homens famosos, sem dúvidas. Desde muito cedo meninos são mais encorajados a serem vistos e ouvidos que meninas."

• "Designers ficam famosos falando em conferências. Muitas mulheres tem filhos e não têm tempo para isto. A maior parte dos palestrantes ho-mens têm suas esposas para ficar em casa com as crianças. É assim que eles ficam famosos."

• "Um designer não tem que ser uma celebridade para ser talentoso e in-fluente. Fama e sucesso são coisas diferentes"

• "A ambição parece ser um papel de gênero culturalmente associada a homens."

Opções de resposta: Concordo plenamente |

Compreender a percepção da participante sobre o tema; Verificar padrões entre os grupos e sub-grupos para posterior análise. Validar hipóteses levantadas na revisão da literatura.

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Inquérito Modelo 2 – Mais de cinco anos de mercado

Concordo parcialmente | Não concordo nem discordo | Discordo parcialmente | Discordo plenamente

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Anexo III: Entrevista Titha Kraemer (Porto Alegre, Brasil)

P: Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as pro-fissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situ-ação? R: Nunca senti tabu algum por ser mulher e ser designer, sempre senti orgulho

e fui respeitada.

P: Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico no Brasil? R: Conheço várias designers que admiro e tem grande visibilidade: Margø

Takeda, Ana Couto, Heloisa Crocco...

P: Durante sua trajetória profissional, houve decisões que tiveste de to-mar que crês que seus companheiros homens não enfrentaram? R: Acredito que não especificamente por ser designer, mas talvez por ser mu-

lher, quase pedi demissão por desrespeito.

P: Dás bastante importância às mulheres inspiradoras que fizeram parte da sua trajetória. Poderias dar algum exemplo de situações nas quais este tipo de contato teve impacto positivo ou citar alguma das mulheres que fez diferença na sua carreira? R: Não foram especificamente designers, mas Lucia Bastos, minha ex-diretora,

Naile Rocha Santos, atual diretora do Iguatemi, foi uma grande colega inspira-

dora, Mara Bussolin, Tita Laurent foram grandes inspiração de mulheres bata-

lhadoras, determinadas e guerreiras.

P: Qual a proporção atual entre homens e mulheres na Bendito, em posi-ções hierárquicas mais baixas (Estagiári@s, Designers Jr., etc.)? Esta é uma questão consciente ou aleatória?

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R: Somos em 28 pessoas: 17 mulheres e 11 homens e todos atuam nas dife-

rentes áreas, inclusive o nosso “recepcionisto” é homem. As posições são

totalmente aleatórias, são de acordo com seus talentos.

P: Como empreendedora e, agora, chefe de outras mulheres, de alguma maneira te vês responsável, juntamente com as tuas sócias, na motivação e inspiração das tuas funcionárias? R: Claro! Adoro motivar a todos, não somente as mulheres!

P: Deixas bastante clara a tua discordância com as citações colocadas em discussão, considerando-as "ultrapassadas". Como mãe, tens algum comentário específico sobre esta de Paula Scher - que não tem filhos?

"Designers ficam famosos falando em conferências. Muitas mu-

lheres tem filhos e não têm tempo para isto. A maior parte dos

palestrantes homens têm suas esposas para ficar em casa com

as crianças. É assim que eles ficam famosos."

R: Sou casada e tenho um casal de filhos maravilhosos, o Fred com 11 anos e

a Estela com 7. Me considero uma mulher que faz uma grande "ginástica" para

poder conciliar tudo, cuidar da família, da vida profissional, dos amigos e de

mim! Não sou palestrante profissional, mas viajo bastante a trabalho além de

dar algumas aulas e palestras pelo Brasil e nunca minha família me impediu...

No nosso dia-a-dia faço questão de levar meus filhos na escola, de almoçar-

mos juntos, de fazermos as tarefas da escola e etc. e de nos divertirmos inven-

tando o que fazer nos finais de semana.

As vezes cansa conciliarmos tudo ao mesmo tempo mas o amor que esta en-

volvido nisso tudo faz valer muito a pena!

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Anexo IV: Entrevista Gabriela Landeira (Porto Alegre, Brasil)

P: Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as pro-fissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situ-ação? R: Acredito que não há na nossa categoria esse posicionamento, talvez por

medo de que possam pensar que uma mulher só vai desenvolver trabalhos

"bonitinhos", "fofinhos", por isso as mulheres acabam não se afirmando como

mulheres designers. Vejo isso no escritório que trabalho (que é composto ape-

nas por mulheres) quando desenvolvemos trabalhos que não são "queridos" os

clientes acabam se espantando por sermos só mulheres e ~~conseguirmos~~

fazer trabalhos "sérios".

P: Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico no Brasil? R: Acredito que está começando a aumentar, visto que tenho conhecido mais

mulheres designers que anteriormente, inclusive em função de prêmios recebi-

dos!

P: A designers com menor tempo de mercado – grupo no qual está incluí-da, tendem a expressar de forma mais crítica sua percepção nas desi-gualdades de gênero. O que pensas que mudou? R: Acredito que temos mais a cultura de que: não é por que sou mulher que

devo ser tratada diferente, pois sou tão ou mais competente que os homens.

No meu caso, sempre trabalhei com mulheres que eram muito mais competen-

tes que os homens (em ambientes mistos), então nunca tive que me rebaixar

por ser mulher, nem me sujeitaria a isso por ser mulher, pois se estudei o

mesmo que os homens posso executar o mesmo trabalho.

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Anexo V: Entrevista Helena Agra (Porto Alegre, Brasil)

P: Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as pro-fissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situ-ação? R: Não sei dizer porque isso acontece, mas me parece fazer bastante sentido.

Estou num processo de me reconhecer/afirmar como mulher em uma série de

atividades, mas principalmente no esporte que pratico (roller derby, é um es-

porte de contato sobre patins e é majoritariamente feminino e muito inclusivo

na questão de gênero) e nas outras atividades físicas que faço, e também na

rua, tentando ocupar e aproveitar esse espaço para mostrar que ele também é

das minas. Porém, em relação ao design como profissão, não costumo ter essa

posição, talvez por não saber como fazer, pois senti diversas vezes um pouco

de preconceito por ser uma mulher pequena, que aparenta menos idade do

que tem, e não segue o "padrão feminino" (uso roupas largas, sempre de tênis,

cabelo curto, nada de maquiagem, muitos piercings e algumas tatuagens).

P: Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico no Brasil? R: Pergunta difícil, a primeira resposta seria "não sei", o que diz muito, né? A

visibilidade é quase nula, considerando que tanto na academia quanto no mer-

cado de trabalho estuda-se e busca-se muito pouco referência de designers

brasileiros, de designers mulheres brasileiras muito menos então.

P: A designers com menor tempo de mercado – grupo no qual está incluí-da, tendem a expressar de forma mais crítica sua percepção nas desi-gualdades de gênero. O que pensas que mudou? R: Acredito que tem forte relação com a questão de empoderamento feminino,

vejo as mulheres cada vez mais ocupando seu espaço na sociedade e bus-

cando mostrar o quanto o gênero não influi na qualidade do trabalho, por

exemplo.

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Anexo VI: Entrevista Marianne Gaspary (Porto Alegre, Brasil)

P: Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as pro-fissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situ-ação? R: Pelo menos no meu caso, a falta de posicionamento como "mulher designer"

é por não sentir necessidade em vincular o gênero à designação profissional.

Eu pelo menos nunca me deparei com profissionais do sexo masculino que

apresentam o posicionamento "homem designer" e até acharia meio estranho e

machista se visse algum se posicionando desta forma.

P: Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico no Brasil?

R: Acho que ainda temos pouca visibilidade aqui no Brasil, mas aos

poucos o pessoal está se movimentando e fazendo reflexões/estudos sobre o

assunto (como a tua dissertação). Então, acho que esse movimento de enga-

jamento e de divulgação das mulheres do design gráfico brasileiro está aumen-

tando e dentro de 5 ou 10 anos acho que vai ter bem mais força e mais

reconhecimento.

P: A designers com menor tempo de mercado – grupo no qual está incluí-da, tendem a expressar de forma mais crítica sua percepção nas desi-gualdades de gênero. O que pensas que mudou? R: Acho que a geração de novas designers está procurando fazer mais refle-

xões sobre as desigualdades e diferenças, com isso aparece esta questão de

desigualdade de gênero. Pela minha percepção também acredito que esta

geração é um pouco menos acomodada com as situações que são considera-

das um pouco como "tabu", então o pessoal tem procurado formas de articular

uma mudança, para esta e para as gerações futuras.

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Anexo VII : Entrevista Maíra Woloszyn (Porto Alegre, Brasil)

P: Percebi, durante a investigação, que há um certo "tabu" entre as pro-fissionais em posicionar-se como "mulher designer". Como vês esta situ-ação? R: Acredito que, pela profissão adotar o nome americano "designer", e não

haver uma correspondência de gênero para a palavra (como acontece na mai-

oria das profissões: professor, professora, médico, médica, arquiteto, arquite-

ta), não é comum posicionar-se como "mulher designer". Penso que se o termo

proporcionasse a distinção, facilitaria o posicionamento das mulheres.

P: Qual a sua opinião sobre a visibilidade feminina no Design Gráfico no Brasil? R: Já temos grandes profissionais mulheres atuando na área de Design no

Brasil, entretanto, na minha opinião, ainda é possível perceber um destaque

maior para os profissionais do sexo masculino.

P: A designers com menor tempo de mercado – grupo no qual está incluí-da, tendem a expressar de forma mais crítica sua percepção nas desi-gualdades de gênero. O que pensas que mudou? R: Acredito que profissionais com menor tempo de mercado tem mais fôlego

para estas questões, bem como são de gerações mais novas, que dão mais

valor à luta pela igualdade de gênero.