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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
MULHERES, TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS: RELATOS E REFLEXÕES A
PARTIR DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Stela Cristina de Godoi 1
Aline Telles Coelho 2
Resumo: Esse escrito parte de observações e dados coletados ao longo da execução de projeto de
extensão junto a mulheres assentadas em uma ocupação urbana no município de Campinas-SP. Esse
projeto de extensão vem propondo ações socioeducativas sobre o tema dos direitos sociais das
mulheres e seu protagonismo no acesso às políticas públicas para a redução da pobreza e
desigualdade no Brasil contemporâneo.
Partindo do reconhecimento individual e coletivo da problemática do gênero como categoria
hierarquizante da sociedade, o projeto busca contribuir para que as mulheres do público-alvo se
reconheçam como sujeito de direito, se apropriem das políticas públicas e, neste processo, também
se fortaleçam enquanto grupo de mulheres organizadas para a geração de renda através do trabalho
associativo.
Os dados apresentados visam contribuir para a reflexão acerca dos desafios enfrentados por
mulheres populares em condições de moradia irregulares, para a universalização da cidadania e
acesso às políticas públicas de combate à pobreza e desigualdade de gênero.
Palavras-chave: mulheres; divisão sexual do trabalho; políticas públicas.
Introdução
A ocupação Joana D’Arc teve início em outubro de 2012, sob a liderança do Movimento dos
Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos (MTD), formado por pessoas de baixa renda e sem
acesso ao direito básico da moradia. Atualmente, a comunidade reúne cerca de 350 famílias vivendo
em casas improvisadas, em condições extremamente precárias, sob o trecho da antiga linha férrea
do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), que atravessa o bairro Cidade Jardim, em Campinas/S.P.
A partir de agosto de 2015, um grupo de mulheres denominado Espaço das Joanas, em
processo de articulação desde o início do Projeto de Extensão intitulado “Minha fé e minha luta: por
uma politização das representações religiosas do gênero feminino e da experiência da intolerância
religiosa” 3, busca se organizar para a construção de espaços sociais de convivência e aprendizado,
1 Professora e extensionista da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, Campinas-SP Brasil. 2 Estudante de graduação e bolsista de iniciação à extensão da Faculdade de Ciências Sociais da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas-SP, Brasil 3 O projeto de extensão, “Minha fé e minha luta: por uma politização das representações religiosas do gênero feminino e da experiência da intolerância religiosa”, foi concebido e coordenado pela professora Drª Stela Cristina de
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
onde podem compartilhar suas dificuldades e criar formas de enfrentá-las. No início de 2016, um
novo Projeto de Extensão, intitulado "A cidadania feminina em ocupações urbanas: mulheres em
ação politizando a cidade" 4, buscou dar sequência ao processo de articulação iniciado no ano
anterior, elaborando respostas às novas demandas derivadas das intervenções realizadas junto ao
público-alvo.
Assim, levando em consideração as experiências obtidas ao longo do desenvolvimento
desses dois projetos de extensão universitária, nesse escrito buscaremos refletir sobre a importância
da construção de espaços dialógicos, de escuta e ação, tanto para a universidade quanto para a
sociedade em seus processos de organização coletiva.
Relatos de uma intervenção: “Círculos de Trabalho” e educação popular feminista
Iniciamos o trabalho com as mulheres da ocupação Joana d’ Arc no início de 2015 com a
proposta de construir com o público-alvo uma reflexão sobre as representações religiosas do gênero
feminino e promover através dessa reflexão uma articulação de experiências que fosse uma prática
de liberdade de mulheres, em comunhão de afetos e interesses. Assim, desde esse primeiro
momento do trabalho, partimos da ideia de Paulo Freire de que “ninguém liberta ninguém ,
ninguém se liberta sozinho, porque homens e mulheres só se libertam em comunhão”.
Inspirada por essa premissa e observando a fragilidade dos vínculos dentro dessa
comunidade feminina, desenvolvemos um trabalho de mobilização e escuta dos interesses e sonhos
das mulheres da ocupação através de rodas de conversa sobre conflitos de gênero e religiosos e
através de rodas de trabalho artesanal utilizando retalhos de tecidos. Com as mãos fuxicando e
costurando, as participantes foram ao mesmo tempo revisitando suas memórias, encontrando outros
sentidos para suas experiências, se apropriando da potência e da beleza de seu trabalho pessoal e
criativo e descobrindo a possibilidade de construir coletivamente com outras mulheres uma rede de
apoio e fraternidade.
Em agosto de 2016 tivemos nosso primeiro resultado prático que foi o nascimento da ideia
de que existia no Joana d´ Arc agora um grupo de mulheres organizadas, coletivo que elas
Godoi, a partir de vínculo institucional com a Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC) e com a Pós-Graduação em Ciência da Religião da mesma universidade. 4 O projeto de extensão, "A cidadania feminina em ocupações urbanas: mulheres em ação politizando a cidade, foi concebido e coordenado pela professora Drª Stela Cristina de Godoi, a partir de vínculo institucional com a Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC) e com a Pós-Graduação em Educação.
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batizaram como Espaço das Joanas. Além disso, um barracão foi construído por uma das lideranças
em parceria com outros grupos de universitários que atuam na ocupação.
Tínhamos agora um espaço físico e um tempo e espaço social para as mulheres se
organizarem e produzirem. Fechamos o ano com a tecelagem de uma linda bandeira costurada
coletivamente com retalhos de tecidos e fuxicos, além de um material informativo sobre
intolerância religiosa na perspectiva feminista e uma mostra das fotografias do projeto na
Universidade com a participação das mulheres artesãs do Espaço das Joanas.
Em 2016 um novo projeto de extensão foi apresentado e aprovado pela Pró-Reitoria de
Extensão da PUCC que deu continuidade ao nosso diálogo com as mulheres da ocupação Joana d
‘Arc. No início do ano percebemos que o recesso nas atividades do projeto acarretou em alguma
desarticulação do grupo que batizou o Espaço das Joanas, no entanto, notávamos que por toda parte
havia ainda uma fagulha acesa, um rastro das relações afetivas, uma memória das experiências que
elas haviam criado. Fomos nos inserindo novamente na vida da comunidade, apresentando a
proposta de que partíssemos agora para uma reflexão sobre direitos e políticas públicas para as
mulheres.
No primeiro semestre de 2016 tivemos bastante dificuldade para aproximar várias
companheiras do período anterior. Apesar disso, buscando transpor essas barreiras, realizamos
algumas dinâmicas sobre os direitos das mulheres tentando tatear qual a visão delas próprias sobre a
condição feminina. Mas o momento mais importante para a reflexão sobre as ações emancipatórias
junto às mulheres populares ainda estava por vir. Em uma reunião com a comunidade uma
companheira de 2015, afastada há algum tempo, disse: “professora, daqui um mês eu ganho meu
bebê, eu e meu marido estamos desempregados. Não tenho cabeça para participar de nada que tenha
um propósito de geração de renda.”
Essa jovem moça, na potência da geração da vida de seu menino Davi, estava grávida
também de uma ideia, de uma vontade, de uma potência crítica contra o machismo, a qual poderia
ser definida como uma força de perseverar em seu próprio ser. A universidade foi levada aos
preceitos freirianos de que “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens e
mulheres se educam entre si mediatizados pelo mundo.” Será sempre o mundo, com suas condições
materiais de existência, que dialeticamente produzirá novas ideias e um novo mundo.
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Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
O que emerge desse processo de virada epistemológica na pesquisa-intervenção junto às
mulheres assentadas na ocupação Joana d’ Arc é que o que importa quando falamos em direitos das
mulheres é o direito vivido, é o processo de apropriação de suas capacidades e forças, é a percepção
de que juntas são mais fortes.
Ou seja, a relação delas com suas paisagens internas e com o mundo exterior que habitam
está dizendo para nós da universidade, em nosso local de escuta, que nossos saberes só cumprem
sua função social se forem capazes de ouvir e dar respostas às “incertezas vivenciais” do corpo e do
espírito, ou seja, que nosso conhecimento só tem poder germinativo se traduzir-se em algum tipo de
trabalho emancipatório que não crie tão somente renda, mas que alimente esperanças, que seja não
só um fazer, mas um fazer pensando e que reconecte o sujeito ao seu tempo histórico e para além
dele.
É pautado por esse princípio que temos desenvolvido, inspirada nos Círculos de Cultura
freirianos, um método de reflexão-ação que intitulamos de “Círculos de Trabalho”, por meio do
qual apoiamos as mulheres na construção de formas de trabalho associativo utilizando retalhos de
tecidos.
Chamamos de “Círculos de Trabalho” as intervenções em que o trabalho coletivo é posto como
o centro motor das engrenagens da emancipação. Através de rodas de trabalho manual, os saberes
das mulheres são ouvidos e problematizados, ao mesmo tempo em que se empreende a tecelagem
de aspirações e projetos de vida. As temáticas teórico-práticas apresentadas pela universidade não
se colocam nessas dinâmicas como um campo fora da realidade, mas como outra leitura de mundo
possível e articulada àquelas leituras gestadas pelo próprio público-alvo.
Síntese de uma pesquisa: divisão sexual do trabalho e acesso às políticas públicas
No segundo semestre de 2016 foi realizada uma pesquisa qualitativa com cerca de 25
mulheres de idade adulta moradoras da ocupação. O questionário desenvolvido visava identificar
questões de diversos âmbitos – idade, quantidade de filhos, ocupação profissional dos membros da
família, início da vida conjugal, acesso às políticas públicas de assistência social, saúde e educação
– como meio de subsidiar as intervenções.
Neste sentido, a pesquisa desenvolvida ao lado das intervenções da extensão universitária
apresentou alguns indicadores sobre como as mulheres populares, dentro de um contexto
habitacional precário, sentem e se apropriam dos projetos e políticas públicas do município.
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Buscaremos demonstrar brevemente os desafios para o enfrentamento da violação de direitos da
mulher e da cidadã em um contexto de desamparo e provisoriedade.
Na tabela abaixo estão sistematizados alguns resultados da pesquisa feita em domicílio:
Nome,
idade/Naturalidade/
local de moradia antes
da ocupação
Escolaridade/profissã
o
Filho
s
Idade da
união
matrimonia
l
Benefícios sociais/
agente difusor do
serviço/ território do
uso
1- Vanda, 34 anos/
Ceará/ Campos
Elíseos-Cps
Nunca
estudou/faxineira e
vendedora autônoma
3
filhos
e 2
netos
Desde os 15
anos
Bolsa Família/ agente
de saúde do Campos
Elíseos/Vila Perseu
2- Cristina, 25
anos/Ribeirão
Preto-SP
4º ano
desempregada
3
filhos
Desde os 12
anos
Bolsa
Família/familiares em
Ribeirão Preto/Vila
Rica
3- Ednalva, 26 anos/
Maranhão/ Padre
Anchieta
5º ano/doméstica-babá
desempregada
2
filhos
Desde os 17
anos
Bolsa
Famíllia/amiga/Vila
Rica
4- Sara/20
anos/Sorocaba-
SP/Vida Nova-
Cps
8º ano/auxiliar de
limpeza
desempregada
1
filho
Desde os 17
anos
Não tem benefício/
usa posto de saúde no
Vida Nova
5- Léia/ 41 anos/
Sorocaba-Sp
5º ano/faxineira 1
filho e
1 neta
Desde os 15
anos
Não tem
benefício/usa posto
de saúde no Vila Rica
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6- Clarice, 17
anos/Bahia
6º ano/sem experiência
profissional
Desde os 16
anos
Nunca utilizou
serviços públicos em
Campinas
7- Ana, 39 anos/Rio
Grande do
Norte/Sorocaba-
SP
3º ano/sem experiência
profissional
3
filhos
Desde os 30
anos
Bolsa Família/nunca
utilizou serviços
públicos em
Campinas
8- Rosa, 30
anos/Bahia/Mont
e Cristo-Cps
4º ano/sem experiência
profissional
2
filhos
Desde os 19
anos
Bolsa
Família/familiares/us
a posto de saúde no
Vila Rica e escola no
Jardim do Lago
(Brandão)
9- Donília, 23
anos/Bahia/Mont
e Cristo-Cps
5º ano/sem experiência
profissional
1 filha Desde os 19
anos
Acabou de se
cadastrar no Bolsa
Família/familiares/us
a posto de saúde no
Vila Rica
10- Jéssica, 23
anos/Valinhos-
SP/ Campos
Elíseos-Cps)
5º ano/sem experiência
profissional
2
filhos
Desde os 12
anos
Não recebe
benefício/usa posto
de saúde do Campos
Elíseos
11- Cristina, 46
anos/Alagoas/Vid
a Nova-Cps
4º ano/sem experiência
profissional
Não
tem
Aos 42 anos Não recebe
benefício/usa posto
de saúde do Vida
Nova
12- Andrieli, 23
anos/Vila
Lafaiete-Cps
8ª série/doméstica,
auxiliar administrativa,
1
filho
Desde os 18
anos
Não recebe/posto boa
esperança
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repositora
13- Maria,45
anos/Paraíba-São
Paulo-Vila
Vitória-
Montemor
6º ano/ auxiliar de
limpeza
desempregada
3
filhos
Sempre
morou
sozinha
Não recebe
benefício/agente
público/usa posto do
Vila Rica e escola do
Cidade Jardim
(Brejão)
14- Elisabete, 30
anos/Bahia
Ensino médio/auxiliar
de cozinha, limpeza e
monitora infantil
desempregada
2
filhos
Desde os 19
anos
Teve o Bolsa Família
desde fevereiro
porque estava com a
renda acima do
permitido/soube pela
TV na Bahia/ Usa
posto do Vila Rica e
escola no Jardim do
Lago (Brandão)
15- Franciele/ Ceará-
Campinas
7º ano/ doméstica 3
filhos
Desde os 18
anos
Em Bolsa
Família/assistente
social/posto Vila Rica
16- Sandra/Jardim
Santo Antônio-
Cps
8º ano/cozinheira e
monitora infantil
4
filhos
Desde os 16
anos
Bolsa Família/ utiliza
o posto do Jardim
Santo Antônio e
escola do Cidade
Jardim (Brejão)
Média de 31 anos
Origem: Bahia,
Maranhão, Paraíba,
Maior parte parou os
estudos no ensino
fundamental com
bastante dificuldade de
Média
de 2
filhos
Metade da
amostra (8)
casou-se
antes da
maioridade e
Menos da metade da
amostra recebe bolsa
família (6).
A totalidade da
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Ceará, Alagoas, Rio
Grande do Norte,
Valinhos, Sorocaba,
Ribeirão Preto,
Campinas
escrita e leitura (5) assim
que
atingiram a
maioridade,
ou seja
apenas a
minoria
casou depois
de adulta
amostra não recebe
nenhum outro
benefício.
Apenas cinco das
entrevistadas
conhecem os serviços
da Vigilância
Socioassistencial,
sendo que dessas
apenas 1 teve
atendimento no
território de
referência do Cidade
Jardim. Todas as 5
afirmaram que os
serviços públicos de
assistência social
estavam mais
presentes nos outros
bairros em que
moraram.
Notou-se, a partir dos dados coletados, que a maioria das entrevistadas não exercia trabalho
remunerado, sendo incumbidas do trabalho da esfera reprodutiva: afazeres domésticos e cuidado
dos filhos. Segundo Biroli (2014), a divisão sexual do trabalho e a entrada das mulheres no mercado
de trabalho também precisa ser discutida do ponto de vista do acesso aos recursos temporais, os
quais são muito reduzidos quando as meninas desde cedo são socializadas para a dedicação
exclusiva aos afazeres domésticos.
Dialogando com as pesquisas sobre a desigualdade de gênero no mundo do trabalho –
produtivo e reprodutivo – consideramos que este fato não ocorre por opção da mulher em
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permanecer em casa, mas que se desenrola dentro das tensões implicadas por uma cultura machista
que reproduz representações de gênero sempre desfavoráveis às mulheres, ao responsabilizá-la
ainda pelos trabalhos reprodutivos e não pagos realizados no espaço doméstico.
Uma segunda parcela das mulheres entrevistadas está inserida no mercado de trabalho
informal, frequentemente de forma precarizada e em sua maioria exercendo atividades de diarista,
manicure, vendedora ambulante, babá, ajudante de cozinha, além das ocupações exercidas em casa,
visto que a mulher é, ainda, a principal responsável pelo trabalho doméstico, tendo, desta maneira,
jornadas de trabalho extensas e invisíveis. Como observamos em Nogueira (2004):
A questão que se mantém é de como compatibilizar o acesso ao trabalho
pelas mulheres, que por certo faz parte do processo de emancipação
feminina, com a eliminação das desigualdades existentes na divisão sexual
do trabalho, já que essa situação de desigualdade entre trabalhadores e
trabalhadoras atende aos interesses do capital. Isso se verifica, por
exemplo, ao constatarmos que a tendência do trabalho em tempo parcial
está reservada mais para a mulher trabalhadora. E isso ocorre porque o
capital, além de reduzir ao limite o salário feminino, ele também necessita
do tempo de trabalho das mulheres na esfera reprodutiva, o que é
imprescindível para o seu processo de valorização, uma vez que seria
impossível para o capital realizar seu ciclo produtivo, sem o trabalho
feminino realizado na esfera reprodutiva.
A precarização global do trabalho feminino, através das jornadas parciais e acúmulo de
funções, podem ser observados ainda em Hirata (1999: 08):
(...) é possível porque há uma legitimação social para o emprego das
mulheres por durações mais curtas de trabalho: é em nome da conciliação
entre a vida familiar e a vida profissional que tais empregos são oferecidos,
e se pressupõe que essa conciliação é de responsabilidade exclusiva do
sexo feminino.
Ao longo do processo, contabilizamos ausências e afastamentos de algumas mulheres e, ao
indagá-las sobre o motivo de tais faltas, percebemos que, na verdade, elas haviam sido proibidas por
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seus maridos, por razão de “ciúmes” ou pelo atraso dos afazeres domésticos devido à dedicação às
oficinas do projeto.
No que diz respeito à permanência de padrões rígidos e desfavoráveis às mulheres na
divisão sexual no trabalho, dentro e fora do espaço doméstico, a pesquisa qualitativa apenas
reforçou as observações etnográficas que já estavam sendo colhidas no próprio processo de
intervenção. Todavia, os resultados reunidos na tabela acima também trouxeram elementos
importantes para a reflexão e promoção de ações sobre o acesso das mulheres de ocupações urbanas
aos direitos e políticas públicas.
Analisando alguns dados obtidos na pesquisa em domicílio e nas intervenções da extensão,
podemos observar que paira sobre a comunidade um sentimento e vivência de desamparo. Tendo
deixado para trás alguns de seus vínculos familiares, vicinais e sociais durante as sucessivas
migrações até chegar na ocupação, elas chegam bastante dependentes da relação com seu cônjuge o
que as torna mais suscetíveis à violência doméstica. Chegam também absolutamente deslocadas no
território geográfico e institucional que dificulta descoberta dos caminhos para acessar direitos e
serviços públicos. Na ocupação mergulham num tempo de espera sem margens, pela casa própria,
pelo trabalho, pela escola, pela creche. Mas chegam também movidas pela esperança de condições
melhores de vida aqui na nossa região.
Das 16 mulheres que se aproximaram das nossas oficinas, apenas cinco delas conhecem os
serviços da assistência social do município, sendo que dessas 5 apenas 1 teve atendimento nos
aparelhos públicos (DAS Sul e Cras Vila Rica) do Cidade Jardim. Todas as cinco afirmaram que os
serviços públicos de assistência social estavam mais presentes nos outros bairros em que moraram
em casas de aluguel. O único benefício social presente dentro da ocupação é o Bolsa Família, ainda
que não chegue a todas.
Esses dados parecem mostrar que a violação dos direitos sociais tem algum tipo de força
centrífuga que empurra o sujeito que está marginalizado de algum direito para um buraco mais
profundo de exclusão à cidadania. Ou seja, não ter casa, implica não ter comprovante de endereço,
não ter comprovante dificulta abrir crediário, matricular-se no EJA, contratar serviços, receber
correspondências. Esse é só um exemplo, mas o mesmo raciocínio poderia ser feito a partir da
exclusão digital, que também gera e alimenta outras cadeias de marginalização.
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Assim, ao que tudo indica, a precariedade de seus vínculos sociais e familiares e a
provisoriedade de suas condições de vida e habitação no município aprofunda sua marginalidade,
tornando-as algum tipo de sujeito social invisível. Neste sentido, parece que o desafio para o
enfrentamento da violação de direitos seja pensar em políticas públicas não como serviços, mas sim
como redes de apoio que tenham ações coordenadas e ativas de aproximação com aqueles que de
algum modo não detém o capital cultural, econômico e social mínimo para encontrar e caminhar
pelas vias institucionais.
Neste sentido, além dos “Círculos de Trabalho”, as intervenções do projeto estão
construindo rotas de acesso das mulheres aos aparelhos públicos ligados à Rede da Mulher de
Campinas, tais como o CEAMO e o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, por meio de
realização de dias de vivências e o estabelecimento de parcerias.
A rede de apoio, da qual a universidade pode participar, não é de oferta de serviços, mas um
processo de construção dialógica do direito vivido, porque deve ser apropriado pelo sujeito. Assim,
essa pesquisa-intervenção vem pensando nos desafios da ciência e da política feminista como um
trabalho de tecelagem de uma rede de fios partidos.
Considerações finais
Durante este último trimestre do projeto foi possível observar que um dos maiores
obstáculos a ser enfrentado é o fortalecimento de vínculos entre as mulheres, uma espécie de
aproximação intersubjetiva que se mostrou urgente para que quaisquer outros objetivos pudessem
ser alcançados.
Neste sentido, buscou-se despertar nas participantes, através das oficinas de reflexão e
trabalhos manuais o interesse, a curiosidade e a percepção sobre suas próprias capacidades. Aos
poucos sua auto-organização vem começando a florescer como uma oportunidade real de
desenvolvimento de um ofício. Pensando nisso o projeto tem buscado apoiar o grupo do Espaço das
Joanas na criação de espaços para exposição e venda de seus produtos, além de, planejar, para o
próximo ano, oficinas, místicas e rituais que possam estreitar laços de solidariedade e sororidade
entre elas.
Assim, a despeito do caráter sempre inconcluso e incerto de um projeto de extensão que visa
contribuir para o empoderamento e autonomia do público-alvo, o projeto, através do sentimento de
que são capazes de transformar algo com suas próprias mãos, vem despertando uma percepção nas
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mulheres de que elas são cidadãs portadoras de direitos e trabalhadoras capazes de reinventar a
própria história.
Referências
BIROLI, Flávia. “Autonomia, dominação e opressão”. In: MIGUEL, Luis F. Feminismo e política:
uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
HIRATA, H. Flexibilidade, Trabalho e Gênero. GEDISST/CNRS, Santiago, 1999, (Mímeo).
MARTINS, José de S. Uma sociologia da vida cotidiana: ensaios na perspectiva de Florestan
Fernandes, de Wright Mills e de Henri Lefebvre. São Paulo: Comtexto, 2014.
NOGUEIRA, Cláudia Mazzei. “A feminização do trabalho no Brasil e suas principais tendências”.
In: NOGUEIRA, Cláudia Mazzei. A feminização no mundo do trabalho. Campinas, SP: Autores
Associados, 2004, Cap. 4, p. 65-84.
Women, labor and public policies: stories and reflections from university extension
Astract: This paper is based on observations and data collected during the execution of an
extension project with women settled in an urban occupation in the city of Campinas-SP. This
extension project has been proposing socio-educational actions on the theme of women's social
rights and their role in the access to public policies for the reduction of poverty and inequality in
contemporary Brazil.
Based on the individual and collective recognition of gender issues as a hierarchical
category of society, the project seeks to contribute to the recognition of women as the subject of the
law, to appropriate public policies and, in this process, to strengthen themselves as a group Of
women organized to generate income through associative work.
The data presented aim to contribute to the reflection about the challenges faced by popular
women in irregular housing conditions, for the universalization of citizenship and access to public
policies to combat poverty and gender inequality.
Keywords: Women; Sexual division of labor; public politics.