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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP) JACY CORRÊA CURADO MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES HETEROGÊNEAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORANÊAS DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL SÃO PAULO-SP 2012

MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)

JACY CORRÊA CURADO

MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES HETEROGÊNEAS

DAS POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORANÊAS

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

SÃO PAULO-SP

2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP)

JACY CORRÊA CURADO

MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES HETEROGÊNEAS

DAS POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORANÊAS

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em Psicologia Social sob a orientação da Profa. Dra. Mary Jane Paris Spink.

SÃO PAULO-SP

2012

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A tese apresentada por JACY CORRÊA CURADO, intitulada “MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES HETEROGÊNEAS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORANÊAS”, como exigência parcial para obtenção do título de Doutora em PSICOLOGIA SOCIAL à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi .........................................

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Profa. Dra. Mary Jane Paris Spink (orientadora/PUC-SP)

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

São Paulo, SP, / /2012.

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Dedico esta tese a minha amiga, colega e professora Maria Solange Félix Pereira (in memoriam), que me incentivou a retomar minha formação acadêmica e a buscar novos desafios.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à Mary Jane Spink, que orientou com total atenção

minha tese de doutorado, sempre com a gentileza e sabedoria de uma mestra

exemplar;

À Vera M. Menegon, agradeço a confiança e o apoio recebido em todos os

momentos difíceis que passei nesta caminhada;

A Peter Spink, por ser fonte de muitas reflexões sobre esse “campo-tema”, e

por ter me alertado sobre os perigos, usos e abusos das pesquisas nessa área;

À Marta Campos, Vera Menegon e Peter Spink, pelas preciosas e pertinentes

sugestões que fizeram no exame de qualificação;

À Vanda Nascimento, à Mariana e George, agradeço as ajudas extras, os

textos, as dicas e socorros, em nome de todos colegas do Núcleo de Práticas

Discursivas e Produção de Sentidos da PUC SP;

À Maria Elisa, profissional dedicada e paciente, que ajudou a editar minha

tese;

A Yan, Jeferson, Leysa, Letícia, Gerson, Arthur, Marcia, Joyse, por manterem

a chama do conhecimento acessa em nossos encontros do Grupo de Estudos

Contemporâneos;

À Naralince e Lucimar, minhas ex estagiárias e psicólogas dos Centros de

Referência em Assistência Social (CRAS) que tão bem me receberam como

pesquisadora em seus locais de trabalho;

À Universidade Católica Dom Bosco, por ter me proporcionado tantas idas e

vindas a São Paulo;

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À CAPES, pelo apoio financeiro que me possibilitou cursar o doutorado;

A meus sobrinhos Henrique e Alexandre Curado, pela estadia sempre

carinhosa da “tia” em São Paulo;

A meus pais Lincoln e Muriel, pelo apoio em todos os momentos e a todas

opções de minha vida;

A meus amigos espirituais com quem aprendi buscar força, amor e coragem

para enfrentar com fé e esperança o inusitado da vida;

A Galvão Pretto, por tomar conta de todas as “coisas” e de mim, o que fez

toda diferença!

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Os poderosos e os estáveis não estão colocados num Olimpo de onde possam contemplar impavidamente a miséria do mundo. Integrados, vulneráveis e desfiliados pertencem a um mesmo conjunto, mas cuja unidade é problemática. As condições de constituição dessa problemática é que devem ser interrogadas. (CASTEL, 1998, p. 34).

Lo mejor que puede ofrecerle la TAR es decir algo como “cuando sus informantes mezclen organización, hardware, psicología y política em una frase, no la divida em distintos recipientes; trate de seguir el vínculo que establecen entre esos elementos, que hubiesen parecido por completo inconmensurables sin hubiera seguido los procedimientos normales. (LATOUR, 2008, p. 206).

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RESUMO

Esta tese apresenta a pobreza como múltipla e complexa, performada por uma rede de materiais heterogêneos nas políticas públicas contemporâneas. Para chegarmos a esses pressupostos construímos diálogos teóricos e epistemológicos com a abordagem da Psicologia Social Discursiva, tais como a construção histórica da pobreza, a importância da linguagem nessa construção, a polissemia de sentidos e seus repertórios linguísticos. Procurou-se entendê-la como manifestação de governamentalização do Estado Moderno, que permitiram o exercício de uma de forma específica e complexa de governo, que tem por alvo a população pobre. O enfrentamento à pobreza também passou por ressignificações trazidas pelos processos de metamorfose e reconversão da questão social, produzindo mudanças no marco das políticas sociais contemporâneas, assumindo o formato da transferência de renda. Para compreender como a Política Pública de Enfrentamento à Pobreza é performada por uma rede heterogênea de atores humanos e não humanos via o Programa Bolsa Família, articulou-se ainda um diálogo com algumas pontuações da Teoria Ator-rede e referenciais epistemológicos que questionam os fundamentos ontológicos de verdade e realidade por meio das noções de multiplicidade e performatividade. A partir das observações, entrevistas, conversas e leitura de documentos públicos das ações do Programa Bolsa Família, descrevemos três versões de “pobrezas”: a pobreza calculada, a cadastrada e a controlada. Essas versões coexistem entre si, e não devem ser entendidas de forma isoladas de tal modo que somadas produziriam um todo ou comporiam um retrato da “pobreza” homogênea, estável e permanente, apreendida por uma diversidade de olhares e perspectivas. Ao contrário, propomos aqui se trate de uma multiplicidade de “pobrezas”. Pontuamos também as conexões e bifurcações entre as versões de pobrezas produzidas pelas materialidades e socialidades da rede heterogênea das políticas públicas de enfrentamento à pobreza, como forma de desestabilizar, desterritorializar e flexibilizar as noções tradicionais de pobre e pobreza.

Palavras-chave: Pobrezas. Multiplicidade. Redes heterogêneas. Psicologia Social.

Políticas Públicas.

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ABSTRACT

This dissertation addresses poverty as a multiple and complex phenomenon performed by a network of heterogeneous materials from contemporary public policies. To delimit these assumptions, theoretical and epistemological dialogues based on Discursive Social Psychology were articulated, addressing aspects such as the historical construction of poverty, importance of language in this construction, polysemy of meanings, and corresponding linguistic repertoires. Poverty was interpreted as a manifestation of the governmentalization of the Modern State that allowed the pursuit of a specific and complex form of government targeting the poor. Strategies for combating poverty also underwent resignifications accompanying the processes of metamorphosis and reconversion of social issues, bringing about changes in the framework of contemporary social policies, ultimately taking on the form of income transfer. To understand how the Public Policy for Combating Poverty is performed by a heterogeneous network of human and nonhuman actors through the Bolsa Família Income Allowance Program, a dialogue was articulated with selected inputs from the Actor-Network Theory and epistemological references questioning the ontological bases of truth and reality through the notions of multiplicity and performativity. Drawing on observations, interviews, conversations, and readings of public documents addressing actions of the Bolsa Família Program, three versions of "poverty" emerged: calculated, officially recorded, and controlled. These versions coexist and should not be interpreted in isolation, since taken together they would yield a joint entity or comprise a portrait of poverty that is homogeneous, stable, and permanent, understood from diverse viewpoints and perspectives. By contrast, a focus on a multiplicity of “poverties” is proposed in the present study. Connections between and bifurcations from versions of poverty produced by the materialities and socialities of the heterogeneous network of public policies for combating poverty are also highlighted, in a bid to destabilize, deterritorialize, and impart flexibility to the traditional notions of “poor” and “poverty.”

Keywords: Poverties. Multiplicity. Heterogeneous networks. Social Psychology.

Public Policies.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Ciclo da porta de entrada do Programa Bolsa Família ..................... 119

FIGURA 2 - Bloco 5 – Documentos: documentos solicitados para

cadastramento, recadastramento e desbloqueio do benefício no

Cadastro Único – diagrama .............................................................. 126

FIGURA 3 - Lista de documentos da Secretaria Municipal de Assistência

Social, de Campo Grande, MS ......................................................... 127

FIGURA 4 - Cadastro Único, formulário de identificação da pessoa, item

5.04 – Dados de Carteira de Trabalho e Previdêncla Social ............ 128

FIGURA 5 - Cadastro Único, formulário de identificação da pessoa, item

8.09 – Quanto (nome) recebe, normalmente, por mês ..................... 128

FIGURA 6 - Ciclo da porta de saída do Programa Bolsa Família ........................ 135

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Objetivos específicos e fontes .......................................................... 30

QUADRO 2 - Procedimentos realizados: observação, conversas, entrevistas

e análise de documentos públicos ................................................... 32

QUADRO 3 - Síntese dos medidores de pobreza ................................................ 103

QUADRO 4 - Da composição de valores do benefício para famílias com

renda mensal de até R$ 70,00 ....................................................... 109

QUADRO 5 - Quadro de entrevistas .................................................................... 169

QUADRO 6 - Quadro de observação ................................................................... 174

QUADRO 7 - Socialidades e materialidades, território e nomeações de

pobreza – cronologia da pobreza ................................................... 178

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 14

1.1 A POBREZA DA PSICOLOGIA: A INDIVIDUALIZAÇÃO,

SUPERPATOLOGIZAÇÃO E HOMOGENIZAÇÃO ....................................... 15

1.2 ALTERNATIVAS E CONTRIBUIÇÕES PSICOSSOCIAIS AOS

ESTUDOS E PESQUISAS DA POBREZA .................................................... 18

1.3 O OLHAR CONSTRUCIONISTA SOBRE A POBREZA ................................ 21

1.4 TRILHANDO CAMINHOS: OS PRESSUPOSTOS SOB OS QUAIS

DESENVOLVEMOS NOSSA TESE .............................................................. 25

1.5 OBJETIVOS .................................................................................................. 28

1.5.1 Objetivo geral ...................................................................................... 28

1.5.2 Objetivos específicos ........................................................................... 29

1.6 DOS PROCEDIMENTOS: OBSERVAÇÃO, CONVERSAS,

ENTREVISTAS E ANÁLISE DE DOCUMENTOS PÚBLICOS ...................... 29

1.7 ORGANIZAÇÃO DO TEXTO DA TESE......................................................... 36

PARTE I

O GOVERNO DA POBREZA NOS DIFERENTES TEMPOS HISTÓRICOS ............ 40

2 A POLISSEMIA DE SENTIDOS DA POBREZA ................................................... 42

2.1 REPERTÓRIOS LINGUÍSTICOS DA POBREZA EM DIFERENTES

TEMPOS HISTÓRICOS ................................................................................ 43

2.2 OS RETRATOS HETEROGÊNEOS DAS “POBREZAS”............................... 46

2.2.1 Os pobres de Cristo............................................................................. 47

2.2.2 A pobreza laboriosa............................................................................. 49

2.2.3 A nova pobreza ................................................................................... 51

3 A POBREZA COMO QUESTÃO DE GOVERNO ................................................. 55

3.1 A POPULAÇÃO POBRE COMO OBJETO DE GOVERNO ........................... 55

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3.2 A LEI DOS POBRES E A PANACÉIA DO TRABALHO NA

PROTEÇÃO SOCIAL .................................................................................... 57

3.3 A MUNDIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS: DO IDEÁRIO DO

BEM-ESTAR SOCIAL AO COMBATE À POBREZA ..................................... 61

4 A POBREZA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS .................... 65

4.1 O PROCESSO RECONVERSÃO DA POBREZA E METAMORFOSE

DA QUESTÃO SOCIAL ................................................................................. 67

4.2 A TRANSFERÊNCIA DE RENDA: DA RENDA BÁSICA UNIVERSAL

À RENDA MÍNIMA AOS POBRES ................................................................ 69

4.3 PROBLEMATIZANDO A POLÍTICA DE TRANSFERÊNCIA DIRETA

DE RENDA .................................................................................................... 72

4.4 ENFRENTAMENTO À POBREZA NO BRASIL VIA POLÍTICAS

PÚBLICAS ..................................................................................................... 73

4.4.1 Notas sobre o Programa Bolsa Família e suas nomeações ................ 78

PARTE II

MULTIPLAS VERSÕES DE “POBREZAS” NAS REDES HETEROGÊNEAS

DAS POLÍTICAS PÚBLICAS – O PROGRAMA BOLSA FAMILIA EM AÇÃO! ...... 84

5 PARA SEGUIR REDES HETEROGÊNEAS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS ......... 87

5.1 REDES E MATERIALIDADES HETEROGÊNEAS ........................................ 87

5.2 A REALIDADE É MULTIPLA E PERFORMADA! .......................................... 91

6 A POBREZA CALCULADA: A POBREZA VIRA ESTATÍSTICA! ....................... 96

6.1 AS HISTÓRICAS LINHAS DE POBREZA ..................................................... 98

6.2 INDICADORES E ÍNDICES DE POBREZA ................................................. 100

6.3 A GLOBALIZAÇÃO DOS MEDIDORES DE POBREZA .............................. 104

6.3.1 A dança dos números e cálculos de pobreza! ................................... 105

6.3.2 Circulando cálculos de pobreza no Programa Bolsa Família! ........... 107

7 POBREZA CADASTRADA: NÃO SEM DOCUMENTOS!.................................. 114

7.1 O CADASTRO EM AÇÃO! .......................................................................... 117

7.2 NÃO SEM DOCUMENTOS! ........................................................................ 124

8 POBREZA CONTROLADA: A INFORMATIZAÇÃO DO CONTROLE! ............. 131

8.1 O CONTROLE DO BENEFÍCIO DE RENDA ............................................... 133

8.2 O CONTROLE DAS CONDICIONALIDADES ............................................. 138

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9 REDES HETEROGÊNEAS DE MULTIPLAS VERSÕES DE POBREZAS

PERFOMAM POLÍTICAS PÚBLICAS: AMPLIANDO O OLHAR

PSICOSSOCIAL ................................................................................................. 142

9.1 ÊNFASE NAS MATERIALIDADES E NÃO-HUMANOS! ............................. 144

9.2 VIRADA PARA À PRÁTICA ! ....................................................................... 146

9.3 MÚLTIPLAS VERSÕES DE POBREZAS PERFORMAM POLÍTICAS

PÚBLICAS! .................................................................................................. 148

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 154

APÊNDICES ........................................................................................................... 166

ANEXOS ................................................................................................................. 182

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1 INTRODUÇÃO

A pobreza tornou-se um grande desafio a ser enfrentado neste milênio,

disputando espaço no atual cenário socioeconômico e político. No Brasil, sua

erradicação e combate tem sido uma das prioridades governamentais. Essa

preocupação encontra-se também na agenda política das instituições do terceiro

setor, agências de desenvolvimento, fundações sociais e na produção de estudos e

pesquisas que tratam de seus aspectos históricos, políticos, econômicos, religiosos,

culturais envolvendo várias dimensões, disciplinas e perspectivas.

Nesta pesquisa de doutorado, é principalmente da experiência de docência e

supervisão de estágio em psicologia social e comunitária e também da assessoria às

políticas públicas, que o interesse pela 'pobreza' foi se tornando um problema a ser

pesquisado. E nessa trajetória profissional nos sentimos instigadas a refletir sobre os

modos como a Psicologia participa nesse debate e, mesmo reconhecendo os

recentes avanços, ainda não são poucas às criticas direcionadas as nossas

concepções teóricas metodológicas e formas de intervenção.

Há mais de 40 anos, em seu artigo The Poverty of Psychology (1970), Arthur

Pearl questionava porque a Psicologia resistia em aceitar o desafio que a pobreza

representava para a sociedade. E ainda hoje, como psicólogos sociais podemos nos

perguntar: Será que já aceitamos enfrentar esse desafio?

Entendemos que a Psicologia Social, assim como toda a Psicologia, não é

una e singular, são Psicologias Sociais que produzem importantes implicações em

nossas práticas profissionais e acadêmicas (CORDEIRO, M., 2012, 2010; CURADO,

2008). Por isso, não existe uma única maneira da Psicologia Social entender a

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pobreza, e sim, diferentes modos que se diferenciam a partir das escolhas feitas

dentro desse campo de diversidade e complexidade (SPINK; CORDEIRO, 2009).

Algumas abordagens psicossociais da pobreza têm sido alvo de críticas, outras se

apresentam como alternativas a esses questionamentos, umas ampliam o diálogo e

rompem as fronteiras disciplinares, e ainda temos muitas que demonstram

preocupação com a intervenção psicossocial.

Não pretendemos fazer aqui um mapeamento ou esboçar um panorama das

inúmeras e distintas abordagens psicossociais que demonstram ter preocupação

direta ou indireta com a pobreza, mas apresentar alguns estudos e pesquisas que

nos aproximam desse debate. Para isso fizemos uso de pesquisas do banco de

dados da Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações, coordenado pelo Instituto

Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, e da biblioteca virtual Portal de

Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior), datadas a partir do ano 2000 e que tenham a palavra “pobreza” em seu

título e se inserem no campo da Psicologia Social, além de outras referências

especializadas da literatura psicossocial internacional.

Comentar sobre alguns estudos e pesquisas sobre a pobreza de abordagens

psicossociais distintas e até antagônicas, não significa que nosso olhar seja neutro,

pois ele estará direcionado às versões que se aproximam mais de alguns

posicionamentos teóricos metodológicos do que outros.

1.1 A POBREZA DA PSICOLOGIA: A INDIVIDUALIZAÇÃO,

SUPERPATOLOGIZAÇÃO E HOMOGENIZAÇÃO

Em estudo recente, Dantas (2007) constatou que de uma produção de 47

artigos científicos de periódicos selecionados que consideram a pobreza como

elemento fundamental para pensar questões relativas à Psicologia como ciência e

profissão, grande parte é dedicada a estudar a consequência da pobreza no

desenvolvimento do indivíduo, particularmente das crianças, sem considerar ou

propor formas de alterações nas condições de vida dessas populações.

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Ao pesquisar o lugar da pobreza no conhecimento psicológico brasileiro, a

autora confirma que não se pode afirmar que exista uma literatura psicológica acerca

do tema e que ela não aparece como uma preocupação explicita da Psicologia, pois

o que encontrou foram

[...] estudos dispersos, de naturezas diferentes, pontuais na produção geral dos autores e que possuem interseção com outros campos de conhecimento, já que muito do que foi estudado é publicado em revistas científicas de outras áreas de conhecimento (DANTAS, 2007, p. 94).

Segundo Dantas (2007), a pobreza é estudada pela Psicologia com a

preocupação de minimizar seus efeitos por meio das políticas sociais em que a

intervenção possui caráter pontual e paliativo focalizando suas ações nas

consequências. Dantas, Oliveira e Yamamoto (2010, p. 108) apontaram para a

ausência de contextualização deste fenômeno, em que a pobreza geralmente

significa “[...] apenas um estrato da população utilizada para aplicação de técnicas

de pesquisa necessárias para a discussão de temáticas específicas [...]”. Para

Dantas (2007), mesmo admitindo uma escassez estudos que abordam diretamente a

temática da pobreza, dentre a classificação da produção das grandes áreas da

Psicologia destaca-se a predominância da Psicologia Social com 44,0%, a

Psicologia Escolar com 14,4% e a Psicologia do Desenvolvimento com 13,8%.

Na América Latina, Estefanía e Tarazona (2003), comentam que os estudos

da pobreza na área psicossocial estão restritos principalmente às estratégias de

adaptação e enfrentamento familiar, centrado nos problemas de desenvolvimento e

aprendizagem das crianças pobres.

A individualização e superpatologização presentes na literatura psicológica

sobre a pobreza são amplamente criticadas por Carr (2003). Para o autor, focalizar

os estudos da pobreza naqueles que têm pouco poder de mudar o status quo e as

desigualdades existentes na sociedade reduz a explicação a conceitos

individualizantes, tornando-se mais uma parte do problema do que contribuindo para

a sua superação.

Harper (2003) questiona os resultados das famosas pesquisas de atribuição

causal que fazem uso dos instrumentos intitulados Causes of Third World Poverty

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Questionnaire e da Just World Scale. Essa abordagem teórico-metodológica tem

sido criticada pela individualização dos processos sociais; a estabilidade das

variáveis atribucionais; a naturalização das categorias de análise e a negação das

relações de poder.

No Brasil, um exemplo de pesquisa de atribuição causal apresentada por

Tamayo (1994), possui o objetivo de “[...] adaptar e validar uma Escala de Atribuição

de Causalidade do Favelado para avaliação das atribuições de causalidade à

pobreza em geral.” Ao analisar o resultado da escala fatorial é notória a presença do

“indivíduo” como fator causal da pobreza. Por exemplo, nas elaborações de

inúmeras respostas a pergunta “Por que existem pessoas pobres?” encontra-se:

“porque não tem ambição”, “porque não se esforçam no que fazem”, “porque tem

preguiça de trabalhar”, “porque fazem tudo errado” entre outras. No entanto, para o

autor, o que justifica a construção de uma escala de atribuição de causalidade sobre

a temática é a escassez da produção científica na área e a gigantesca dimensão da

pobreza na América Latina e Brasil. Assim, para o autor, a principal contribuição da

pesquisa seria de “[...] oferecer um novo instrumento para pesquisadores da área,

que irão com a nova escala auferir um maior conhecimento da pobreza [...]” (p. 22).

Para Ibañez (1994) a concepção unificadora, monolítica, uniforme dos

processos psicossociais são algumas das consequências das pesquisas cognitivas

comportamentais. Para o autor, um fenômeno psicossocial não pode ser reduzido a

um processo único, pois repousa em processos diferentes, polimorfos, complexos,

sustentados por mecanismos qualitativamente distintos. Detecta ainda nas

pesquisas cognitivas, uma tendência de se subestimar a importância das relações

de poder quando “[...] trata o conflito social como se fosse um conflito cognitivo […]

considera somente a versão cognitiva e individual de um fenômeno profundamente

ancorado no social.” (p. 274).

Das inadequações metodológicas nos estudos da pobreza, Harper (2003)

destaca o individualismo, a rigidez, a mono causalidade e ingenuidade presentes

nas pesquisas psicossociais, e comenta que nessa abordagem as explicações da

pobreza recaem sobre os indivíduos mais do que em fatores sistêmicos, focando

sempre naqueles com menor poder de trazer mudanças de fato, o que conduz a

explicações que culpabilizam as vítimas. Essa ótica centrada no indivíduo, que

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remete a pobreza à condição de ser pobre, visto como fraco, culpado ou

incompetente é criticada por Spink, P. (2005) que também questiona as abordagens

que atribuem o problema ao terreno exclusivamente da política macroeconômica.

Para enfrentar essa suposta pobreza da Psicologia, Yamamoto (2007, p. 36)

sugere que devemos ampliar os limites da dimensão política de nossa ação

profissional, tanto pelo alinhamento com os setores progressistas da sociedade civil,

quanto pelo desenvolvimento, no campo acadêmico, de outras “[...] possibilidades

teórico-técnicas, inspiradas em outras vertentes teóricas-metodológicas que as

hegemônicas da Psicologia.”

1.2 ALTERNATIVAS E CONTRIBUIÇÕES PSICOSSOCIAIS AOS

ESTUDOS E PESQUISAS DA POBREZA

Observamos que as metodologias qualitativas se tornaram a principal

alternativa de enfrentamento ao cognitivismo e positivismo nas pesquisas

psicossociais da pobreza, e que muitas contribuições são oriundas das inúmeras

inversões epistemológicas trazidas pela “Virada Metodológica e Linguística” (SPINK;

MENEGON, 2004) e também da influência da abordagem sócio-histórica,

fundamentada no materialismo histórico e dialético que contesta a dicotomia sujeito

e objeto expressa nas matrizes do empirismo e racionalismo que levam a

naturalização dos fenômenos sociais (BOCK, 2003).

Essas implicações teórica-metodológicas repercutem na formatação dos

estudos e pesquisas, que se utiliza de um arsenal qualitativo que vai desde as

tradicionais entrevistas individuais e grupais, histórias orais, análises de documentos

de domínio público, principalmente os de governo e da mídia, às interações

dialógicas cotidianas por meio das conversas informais, oficinas, grupos focais, face-

a-face, entre outros.

Harper (2003) sugere que os estudos pesquisas sobre a pobreza na

Psicologia necessitam um leque maior de articulações teóricas de modo a poder

inserir as redes de instituições, agências e sistemas que atuam nas mudanças das

desigualdades sociais. O autor exemplifica com uma pesquisa sobre como a

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pobreza dos países do sul é retratada pela cobertura da mídia imprensa e televisiva

dos países do norte. Ao analisar os poderosos discursos da caridade, dos governos,

de políticos e organizações multilaterais, concluí que as explicações ainda estão

centradas nos indivíduos pobres (quanto pior melhor), no clima, na corrupção e

ineficiência dos governos dos países do sul. Segundo o autor, essa forma de retratar

a “pobreza” atende a inúmeros interesses políticos e influências ideológicas levando

a uma “naturalização” da pobreza no hemisfério Sul. Defende que a inserção de

textos e imagens na análise sobre a pobreza proporciona um entendimento das

explicações políticas mais adequadas, ampliando a pesquisa para além das

considerações individuais. Espera-se assim, que no futuro a Psicologia possa estar

mais bem posicionada para contribuir com a “conscientização” na luta contra a

pobreza.

Para Spink, P. (2003b) por meio dos estudos do lugar e pobreza, os

psicólogos e a Psicologia teriam muito há dizer, e a Pesquisa-ação teria muito a

contribuir. Entretanto, para o autor, embora reconheça que muitos psicólogos são

politicamente sensíveis e em geral progressistas, a “Psicologia” possui alguns

problemas epistemológicos que influenciam nos estudos da pobreza como “[...] a

suposta neutralidade dos métodos científicos, a proposição de um mundo real

existente independente da pessoa e a distinção entre pesquisa pura e aplicada [...]”

(p. 103, tradução nossa).

Spink, P. (2003b) também sugere que devemos reconhecer criticamente o

lugar como focus da ação da Psicologia e chama atenção para o fato do cotidiano

ser um processo social feito por muitos eventos com consequências consideráveis

nas pessoas. O lugar ofereceria, assim, uma importante perspectiva alternativa para

intervenção social, onde noção de coletividade é possível, trazendo uma dimensão

adicional para o território e múltiplas conexões entre pessoas, instituições e

processos, e ainda explica que

A concepção de lugar que emerge não se remete para o micro e muito menos para o macro. A noção é de um nível meso, uma perspectiva a médio alcance, (P. Spink, 1992) que contém os demais, incorporando o primeiro e projetando o segundo. Por isso, evitando reificação dos níveis, não há nada além do lugar; nem em cima, embaixo ou do lado, um lugar leva a outro. Todo e tudo se encontram no lugar (SPINK, P., 2003b, p. 17).

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A insistência do estudo do lugar nas discussões mais que um jogo de

palavras, seria uma tentativa dos envolvidos de construir um horizonte prático para a

ação que acontece em uma variedade de espaços para além do individuo e do

grupo primário.

Com o apoio da Teoria das Representações Sociais, Accorssi (2011)

procurou analisar os modos pelos quais certos sentidos sobre a pobreza são

produzidos e transformados na vida social, bem como o impacto que tais

conhecimentos podem exercer nas representações que os sujeitos, neste caso,

mulheres, reconhecidas socialmente como pobres, têm sobre si mesmos e sobre

seu entorno. Segundo a autora, a representação social da pobreza se forma em

torno de dois núcleos; o socioeconômico e o da moral e cultura. Partiu das

especificidades de uma das mulheres participantes do estudo para refletir sobre os

impactos do sistema capitalista neoliberal na sua produção subjetiva. A análise

mostra, entre outros aspectos, uma intensa dor existencial decorrente da experiência

de se ocupar lugares de pobreza na sociedade contemporânea.

Em uma análise realizada com base no referencial da epistemologia

qualitativa proposto por Fernando González Rey, em La Investigación Cualitativa en

Psicologia: Rumbos y Desafíos (1999), Euzébios Filho e Guzzo (2009) buscaram

compreender como um jovem de 22 anos retrata sua condição de vida, as razões

que explicam a desigualdade social e quais perspectivas para melhorias futuras. As

discussões da analise da pesquisa mostram que a desigualdade social foi refletida a

partir das suas próprias experiências, principalmente, pelas diferenças econômicas

observadas em seu cotidiano.

A preocupação com a intervenção psicossocial motivou a pesquisa Espaços

para Combater a Pobreza a Partir das Práticas de Saúde do SUS (2007), de Silva.

Em sua tese, Silva (2007) procura contribuir para a retomada mais ativa do interesse

e preocupação com a pobreza nas práticas de saúde e também articular melhores

respostas aos problemas das pessoas atendidas nos serviços de saúde. A pesquisa

apresenta uma abrangente rede de saberes que envolve diálogos com as áreas da

saúde, economia, políticas públicas, estudos da pobreza e indicadores sociais

expressos em documentos públicos, como os da Organização Mundial da Saúde,

Ministério da Saúde do Brasil, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Instituto

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de Pesquisa Econômica Aplicada, Instituto Brasileiro de Opinião Pública e

Estatística, Fundação Getulio Vargas entre outros.

Silva (2007) sugere uma maior sensibilização dos profissionais para a

centralidade da pobreza na questão da saúde da população e uma revisão nas

abordagens existentes nos estudos da pobreza. A autora finaliza sinalizando para

experiências que conseguiram articular melhores respostas à pobreza na área da

saúde e destaca a exigência de um “desprendimento” para dialogar com outras

disciplinas que não são as “psi” que acredita ser uma característica da Psicologia

Social.

Não encontramos muitas outras pesquisas psicossociais que apresentam a

“pobreza” como foco central nos bancos de dados pesquisados. Essas são as que

mais se aproximaram de nossa abordagem, que sempre se pautou pelas posturas

criticas comprometida com a transformação social. Pois partilhamos do pensamento

de Íñiguez (2003), que com nosso conhecimento construímos, nem que seja

parcialmente, os objetos que pesquisamos, e que neles estão incorporados o “para

que” queremos pesquisar.

Algumas indagações a partir desse levantamento nos levaram aos seguintes

questionamentos: Como vamos tratar a pobreza no campo disciplinar da Psicologia

Social? Com quem vamos dialogar? Será que o conhecimento que vamos produzir

irá contribuir com os estudos e pesquisas sobre a pobreza e repercutir nas práticas

profissionais?

Nossa proposta com esta pesquisa é, portanto, ampliar o diálogo com as

vertentes da Psicologia Social Discursa que irão embasar os pressupostos desta

tese.

1.3 O OLHAR CONSTRUCIONISTA SOBRE A POBREZA

Em um corredor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),

em março de 2009, saindo de uma sala de aula do doutorado de Psicologia Social,

uma colega de turma me perguntou sobre qual seria minha pesquisa de tese, e

respondi à época:

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Jacy Práticas discursivas sobre a pobreza em uma abordagem

Construcionista.

E ela me alertou:

Colega de turma Cuidado para não ficar somente no discurso! E sem

aguardar minha resposta entrou no elevador.

Esse “não-diálogo” serve para ilustrar a dificuldade ainda existente entre

psicólogos sociais de compreender o papel da linguagem nas ciências humanas,

particularmente na Psicologia Social. No caso dos estudos sobre pobreza, um

problema tão antigo, sólido e duro, são ainda maiores as resistências ao uso das

abordagens linguísticas sob a alegação de que poderia fugir à urgência e apelo por

sua transformação, enfrentamento e combate.

Tomando como ponto de partida as abordagens construcionistas, ressaltamos

primeiramente que entendemos a pobreza como uma construção social. Certamente

a pobreza cristã da Idade Média, não é a mesma do pauperismo dos trabalhadores

do período pós Revolução Industrial, nem tampouco a pobreza do Brasil Colonial é a

mesma combatida pelo Programa Bolsa Família.

Reconhecer que os acontecimentos são histórica e culturalmente construídos

implica primeiramente em retomar a linha histórica dos repertórios que utilizamos em

nossos estudos e pesquisa sobre pobreza. Adotando uma perspectiva temporal,

procuramos trabalhar nesta tese o tempo de longa duração, que marca os

conteúdos do imaginário social; o tempo vivido das linguagens sociais aprendidas

pelos processos de socialização e o tempo curto, do aqui-agora, marcado pelas

práticas discursivas (SPINK, M., 1996). O que queremos, como psicólogos sociais,

não é fazer ou contar histórias, mas

[...] salientar a complexidade da tarefa com que nos defrontamos quando buscamos depreender os mecanismos que sustentam a comunicação concebida como diálogo entre uma multiplicidade de vozes [...] (SPINK, M., 1996, p. 41-42).

As abordagens construcionistas, vão além de situarmos historicamente o

nosso “objeto/sujeito” de pesquisa como uma construção social, que não deixa de

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ser importante para combatermos a “naturalização” da pobreza, que muitos dizem,

sempre existiu desde que o mundo é mundo!

A postura construcionista é também uma forma de compreender o mundo e a

si mesmo, em que se questionam e problematizam as ideias, os conceitos e as

verdades estabelecidas, e que considera o discurso não como um reflexo ou mapa

do mundo, mas como um artefato de intercâmbio social (GERGEN, 1985).

Nessa postura epistemológica conhecer alguma coisa é conhecer em termos

de um ou mais discursos, que podem até competir entre si ou criar versões da

realidade que são distintas e incompatíveis. O discurso seria o uso institucionalizado

da linguagem, que quando ativado pelas pessoas produzem realidades psicológicas

e sociais (DAVIES; HARRÉ, 1990). Essa concepção de linguagem está aliada ao

chamado “giro linguístico”, que demonstrava a princípio uma preocupação da

filosofia da linguagem com a representação do mundo e com o poder da linguagem

na construção desses mundos possíveis (IBÁÑEZ, 2004).

Essa postura construcionista leva a inúmeras implicações ontológicas,

epistemológicas e metodológicas que se caracterizam por um posicionamento critico

em relação a vários pressupostos cartesianos do conhecimento.

Questionamos o realismo filosófico e sua crença que as coisas possuem

propriedades intrínsecas. Acreditamos que os objetos são como são porque nós

somos como somos e não há objetos independentes de nós e nem existimos

independentemente dos objetos que criamos. Em suma, o conhecimento não

“representa” a realidade e não é possível distinguir entre nossa inteligência sobre o

mundo e o mundo como tal.

Decorre desse posicionamento a critica às formas absolutistas de produção

de verdades e a sua propensão filosófica de criar dicotomias como interior-exterior,

aparência-realidade, sujeito-objeto, mente-mundo, essência-existência, no lugar de

construir pontes entre elas. Para Spink, M. (2004, p. 22) no que diz respeito aos

pressupostos metodológicos a postura construcionista em pesquisa é “[...]

desreificante, desnaturalizante; desessencializadora que radicaliza ao máximo a

natureza social de nosso mundo vivido e a historicidade de nossas práticas sociais

[...]”.

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O desafio segundo Ibáñez (2001) seria pensar o conhecimento filosófico não

encapsulado em si mesmo para não se perder de vista os grandes assuntos que

preocupam os seres humanos em sua historicidade e assim contribuir com a

ampliação das opções das formas de viver. O conhecimento seria nessa abordagem

um processo de construção coletiva, em que as ações cotidianas, todos os

intercâmbios do dia-dia, constroem a concepção de mundo (ÍÑIGUEZ, 2002).

Tal postura requer outros deslocamentos e inversões que vão do foco na

cognição para a comunicação; do pensamento ou ideias para a linguagem

exteriorizada, e da língua como estrutura para o foco na produção de sentidos

(SPINK; MENEGON, 2004).

E a linguagem em uso, compreendida como uma prática discursiva é a forma

como a Psicologia Social Critica e de cunho discursivo tem pautado as suas análises

sobre a construção dos processos sociais. Seriam as maneiras pelas quais as

pessoas, por meio da linguagem produzem sentidos e posicionam-se nas relações

sociais cotidianas. Adotar essa opção, segundo Spink, M. (2004) implica considerar

a interface entre os aspectos performáticos da linguagem e das condições de

produção, dando ênfase aos contextos dos campos relacionais, interessando-se

pelas tramas e repercussões no âmbito das ciências humanas diferenciando-se,

assim, de outras formas de abordagens linguísticas.

Um dos elementos constitutivos das práticas discursivas são os repertórios

linguísticos, ou seja, o conjunto de termos, descrições, lugares comuns e figuras de

linguagem, usadas em construções gramaticais e estilísticas específicas, dando

ênfase ao uso cotidiano da linguagem (SPINK; MEDRADO, 2004). São os

dispositivos linguísticos utilizados para construir versões das ações, eventos e outros

fenômenos que estão a nossa volta. Assim, assinalam-se as práticas discursivas

como foco central de análise na abordagem construcionista, que implicam ações,

seleções, escolhas, linguagens, contextos, enfim uma variedade de produções

sociais das quais são expressão, constituindo um caminho privilegiado para

entender a produção de sentidos no cotidiano (SPINK, M., 2004).

Retornando as perguntas esboçadas anteriormente com base nas

considerações sobre linguagem e conhecimento, poderíamos responder que

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pesquisar a pobreza seria primeiramente fazer um exercício de desfamiliarização, ou

seja, não tomar a pobreza como algo dado, já estabelecido, fechado, inevitável, sem

novas possibilidades de compreensão e alteração. Usamos aqui algumas reflexões

baseados na leitura de Fleck (2010), que nos levou a pensar que não devemos

tomar um conceito como definitivo e encerrado, pois sempre está entrelaçado a

novos domínios de saber, a novos problemas que influenciam na sua evolução.

Um bom começo seria então, fazer a ingênua pergunta: O que é pobreza? Se

ela sempre existiu, será que sempre foi entendida assim como as conhecemos hoje?

Será que ainda existem disputas, interesses, controvérsias na construção das

versões contemporâneas de pobreza?

Buscar entender a pobreza em termos discursivos, não seria afirmar que ela

não existe, ou que é do domínio exclusivamente linguístico, é reconhecer que esses

discursos constroem práticas, que são situadas historicamente por meio de

repertórios linguísticos, nos possibilitando assim presentificar o passado e analisar o

processo de produção de sentidos e as práticas discursivas.

1.4 TRILHANDO CAMINHOS: OS PRESSUPOSTOS SOB OS QUAIS

DESENVOLVEMOS NOSSA TESE

Do ponto de onde partimos para chegarmos aos pressupostos dessa tese

foram construídos por diálogos teóricos e epistemológicos entre abordagens

distintas que se conectam em aspectos cruciais, tais como a construção histórica de

realidades, a importância da linguagem nessa construção e principalmente por levar

em conta as redes constitutivas das múltiplas realidades que compõem o nosso

tema de estudo.

Decidimos que a pesquisa seria centrada no combate, superação,

enfrentamento da pobreza e não na análise das causas estruturais da mesma, como

faz tão bem a Sociologia e a Economia Política. O enfrentamento à pobreza poderia

estar localizado em diferentes práticas discursivas, como as da caridade religiosa,

dos projetos de Organizações Não Governamentais e Fundações do Terceiro Setor,

dos Organismos de Cooperação Internacional entre outros. Porém, nossa opção foi

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a de pesquisar o enfrentamento à pobreza nas políticas públicas, particularmente as

de transferência de renda do Governo de Estado Brasileiro. E foi assim que

escolhemos o Programa Bolsa Família, um programa nacional de transferência de

renda, com o objetivo explícito de combater a pobreza, como estudo de caso para

esta pesquisa.

Optamos fazer uso preferencial da noção de “pobreza” ao invés de “pobre”,

por esse termo possuir um tratamento mais apropriado para compreensão do campo

das políticas públicas. O caráter individualizante que carrega o termo “pobre” o

diferencia de uma noção coletiva da “pobreza”, como nos alertou Mollat (1989, p. 2),

em relação ao seu uso substantivo “Uma pessoa pobre; fica sendo ‘um pobre’. Fala-

se de um homem pobre, de uma mulher pobre, de um camponês pobre”.

O diálogo com autores que se pautam pela Psicologia Discursiva foi conhecer

os repertórios linguísticos e suas distintas significações nos diferentes tempos

históricos (GERGEN, 1985; ÍÑIGUEZ, 2002; SPINK, M., 2004), o que nos

possibilitou construir uma noção de pobreza como polissêmica, ambígua, relativa e

coletiva, entendida por meio dos processos de interação social, particularmente os

de base linguística e resultado da ação e negociação social. Assim questionamos

sua inevitabilidade, naturalização, processos de individuação comuns às pesquisas

psicossociais nessa área.

A compreensão da pobreza como localizada histórica, cultural e

materialmente nos leva ao pressuposto dessa tese de que a pobreza é governada.

Procuramos entender o surgimento da pobreza como estratégia de

governamentalidade a partir de algumas referências marcantes na historiografia,

fazendo uso da noção de Governamentalidade de Foucault (2008, 2005, 1995).

Pensar a pobreza na ótima da população no sentido foucaultiano, é superar as

dicotomias entre individual e coletivo, pois trataremos a população “pobre” como um

campo de intervenção e objeto da técnica de governo que irá dispor e conduzir as

coisas, que podem produzir efeitos econômicos específicos e ter regularidade

própria.

São muitas as aproximações das posturas construcionistas com a abordagem

Foucaultiana, seja nos aspectos epistemológicos, arqueológicos ou genealógicos,

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em que se problematizam os modos de fazer ciência e as relações de poder que as

constituem. Ambas colocam em dúvida a naturalidade das noções centrais para

ciência expressos nas dicotomias (razão e emoção, natureza e cultura, humano e

não humano), e também recusam a postura contemplativa ou essencialista das

verdades cientificas, dando espaço para pensa-las como versões de mundo e os

modos de vida que elas engendram (GUARESCHI; HÜNING, 2010).

Esses posicionamentos ontológicos nos levaram a pensar a pobreza como

múltipla e não plural, as diferenciando do perspectivismo em que se concebe um real

único diante de diferentes perspectivas. A noção de multiplicidade sugere que a

realidade é manipulada por meio de vários instrumentos no curso de uma série de

diferentes práticas performadas. Em vez de aspectos de uma realidade única, são

diferentes versões dos objetos que ajudam a performar as múltiplas realidades. As

versões visam dar conta dessa coexistência múltipla de saberes, de definições

contraditórias e controversas, no sentido de suas possibilidades de ampliar o

sistema de referência que permitem falar da realidade. As implicações das

Ontologias Políticas parecem estar relacionadas com as possibilidades de escolhas

e com o que está “em jogo” entre diferentes versões. Nas palavras de Mol (2008),

não são vários aspectos da realidade concebida como única e essencial, mas são

diferentes “versões” do objeto, versões essas que os objetos ajudam a performar.

A noção de redes heterogêneas se insere nas teorizações da Teoria Ator-

Rede, que entende um fato científico como algo construído por meio das ações de

uma rede de atores humanos e não-humanos que se cristalizam em coisas e

artefatos. Redes, que produzem efeitos não permanentes, e que, a qualquer

modificação e deslocamento de seus atores, interferem e alteram o que é produzido.

Afirmar uma multiplicidade ontológica como pressuposto é pensar a pobreza como

múltipla, complexa e performada por uma rede heterogênea de humanos e não

humanos, localizada histórica, cultural e materialmente (MOL, 2008).

Nessa abordagem, o social, não poderia ser explicado apenas por suas

influências, contradições, interesses e tensões internas dos atores humanos, mas

emerge como um efeito heterogêneo de agenciamentos entre humanos e não-

humanos, cuja compreensão requer conceitos que estejam em ressonância com

uma constituição híbrida (LATOUR, 1994, 2008). Observamos que a constituição

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conjunta do material e do simbólico repousa em estratégias semióticas: material

compreendido como linguagem e linguagem como um material de objetivação das

materialidades e socialidades.

Os autores da Teoria Ator-Rede problematizam a concepção de realidade das

correntes tradicionais da Sociologia, sendo que o “real” para essa abordagem se

refere a uma multiplicidade de materiais heterogêneos conectados em forma de uma

rede que tem múltiplas entradas e está sempre em movimento e aberta a novos

elementos que podem se associar de forma inédita e inesperada (MELO, 2007).

Partindo desses pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos,

formulamos o objetivo geral desta tese de doutorado que será compreender os

modos de funcionamento da rede heterogênea das políticas públicas de

enfrentamento à pobreza. Para isso, descrevemos as diferentes versões de

“pobrezas” da rede heterogênea de atores humanos e não humanos que atuam no

Programa Bolsa Família.

A explicitação dos objetivos e a descrição dos procedimentos utilizados na

realização de uma pesquisa qualitativa faz parte do seu rigor metodológico. Diante

os muitos caminhos a seguir dentre um amplo leque de opções, iremos explicitar

nossas escolhas, em que a trajetória da pesquisadora e as opções teórico-

epistemológicas não podem ser entendidas separadamente das estratégias

assumidas.

1.5 OBJETIVOS

1.5.1 Objetivo geral

Compreender como a Política Pública de Enfrentamento à Pobreza é

performada por uma rede heterogênea de atores humanos e não humanos via o

Programa Bolsa Família.

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1.5.2 Objetivos específicos

Entender, em uma perspectiva histórica as estratégias de governo de

“pobrezas”.

Conhecer os repertórios linguísticos sobre pobreza e políticas públicas

presentes em diferentes tempos históricos.

Descrever as principais versões de pobreza do Programa Bolsa Família.

Compreender os modos de funcionamento das redes heterogêneas ao

performar as políticas públicas de enfrentamento à pobreza contemporânea.

1.6 DOS PROCEDIMENTOS: OBSERVAÇÃO, CONVERSAS,

ENTREVISTAS E ANÁLISE DE DOCUMENTOS PÚBLICOS

Uma das opções metodológicas desta pesquisa está baseada na noção de

“campo-tema” proposta por Spink, P. (2003a), em que o campo não é um lugar ou

objeto especifico que se vai pesquisar, mas se refere à processualidade de temas

situados, à justaposição de materialidades e socialidades e a uma complexa rede de

sentidos que se interconectam nesse processo. Portanto, seguindo essa

abordagem, ao escolher o tema de pesquisa já estamos no “campo”, e somente

precisamos saber escolher as maneiras de estar nele para, como orienta Spink, P.

(2003a, p. 37) “[...] conversar com as socialidades e materialidades em que

buscamos entrecruzá-las, juntando fragmentos para ampliar vozes, argumentos e

possibilidades [...]”.

Os procedimentos utilizados na construção desta tese são oriundos das

metodologias qualitativas em pesquisa, pautados pela abordagem das práticas

discursivas e produção de sentidos (SPINK, M., 2004b), particularmente pelo uso

dos documentos públicos de Spink, P. (2004a), das conversas do cotidiano de

Menegon (2004), das entrevistas de Pinheiro (2004) e da observação participante de

Minayo (2010).

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No Quadro 1 estão detalhadas as fontes usadas para alcançar os objetivos

específicos da pesquisa.

QUADRO 1 - Objetivos específicos e fontes

Objetivos específicos Fontes

Entender, em uma perspectiva histórica as estratégias de governamentalidade de “pobrezas”.

Fundamentos teóricos epistemológicos do Construcionismo Social, Ontologia Política; Governamentalidade.

Conhecer os repertórios linguísticos presentes em documentos públicos sobre políticas de enfrentamento à pobreza.

Documentos públicos sobre política social de enfrentamento à pobreza, transferência de renda – Programa Bolsa Família.

Descrever como as materialidades e socialidades que compõem as redes heterogêneas produzem múltiplas versões de “pobrezas”.

Observação dos atendimentos de cadastramento e recadastramento do Programa Bolsa Família;

Comentários das atendentes;

Conversas com gestores do Programa Bolsa Família.

Compreender quais versões de pobrezas circulam na população beneficiária do Programa Bolsa Família.

Entrevistas com beneficiários do Programa Bolsa Família.

Fonte: Jacy Corrêa Curado, 2012.

Foram realizados vários encontros com profissionais que atuam em Campo

Grande, MS, na rede de assistência social, como ex-alunas, colegas de turma da

faculdade, do Conselho Regional de Psicologia, da Universidade, gestores que

participaram de oficinas e treinamentos, facilitados por minha trajetória profissional

na área social. Por exemplo, no Bairro Nova Lima, em Campo Grande, MS, onde se

localiza o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) – Vida Nova, nós

realizamos durante muitos anos projetos comunitários em parceria com o cineclube,

movimento de mulheres, na Unidade Básica de Saúde, Centros Comunitários e na

Associação Indígena da Aldeia Urbana Água Bonita etc. No Bairro Vila Nasser,

havíamos supervisionado semanalmente atividades do Estágio Comunidades no

próprio CRAS, com grupos de gestantes, jovens, idosos, resultando na orientação e

produção de várias monografias de conclusão do curso de Psicologia. Atualmente,

as psicólogas e coordenadoras de muitas unidades do CRAS, inclusive as

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pesquisadas foram ex-alunas desse estágio supervisionado. Esses vínculos

facilitaram o acesso às unidades do Programa Bolsa Família e a obtenção de

autorizações e consentimentos necessários para a realização da pesquisa.

As observações dos atendimentos foram realizadas na sala de cadastramento

do Programa Bolsa Família na sede da Secretaria Municipal de Assistência Social e

nos CRAS-Vida Nova e CRAS-Vila Nasser, situados em dois distantes bairros

periféricos do Município de Campo Grande.

Descrevemos no Quadro 2 as fontes, local e período da realização dos

procedimentos.

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QUADRO 2 - Procedimentos realizados: observação, conversas, entrevistas e análise de documentos públicos

Procedimento Fontes Local Período

(mês/ano)

Observação 120 atendimentos de cadastramento/ recadastramento do Cadastro Único

Secretaria Municipal de Assistência Social

CRAS-Vida Nova

9/2010

Conversas com gestores

5 gestoras

3 psicólogas

Secretaria Municipal de Assistência Social

CRAS-Vida Nova

CRAS-Vila Nasser

9/2010

4/2011

Entrevistas com beneficiárias

10 entrevistas gravadas com beneficiárias do Programa Bolsa Família

CRAS-Vila Nasser 4/2011

Documentos públicos

Diversos documentos entre relatórios, boletins, atlas, informativos, manuais de treinamento, formulários.

Site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – Programa Bolsa Família

Boletim do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Informativo do Sistema Único da Assistência Social

Boletim do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Brasil

Comunicado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

Relatórios Desenvolvimento Humano – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Atlas Desenvolvimento Humano – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Manual de Treinamento do Programa Bolsa Família – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Formulários do Cadastro Único para programas sociais

9/2010

4/2011

Fonte: Jacy Corrêa Curado, 2012.

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A observação dos atendimentos foi realizada na sala de cadastramento do

Programa Bolsa Família na sede da Secretaria Municipal de Assistência Social e nos

CRAS-Vida Nova e CRAS-Vila Nasser, situados em dois distantes bairros periféricos

do Município de Campo Grande.

Na Secretaria Municipal de Assistência Social, a sala de cadastramento

contava com seis baias, três de cada lado, com computadores e cadeiras na frente,

para os beneficiários se sentarem. No CRAS-Vida Nova, a atendente estava

localizada dentro da sala de outros profissionais separada por um armário, na frente

da porta de entrada. Na Secretaria Municipal de Assistência Social, a pesquisadora

sentou em uma pequena cadeira giratória atrás das atendentes, e no CRAS sentou

em uma cadeira ao lado da mesa de atendimento. Importante ressaltar que as

atendentes na época não eram necessariamente profissionais com perfil da área

social, pois foram contratadas por prestação de serviço pelo período de um ano, em

que o grau de escolaridade exigido era do Ensino Médio completo. Nessa fase, não

foi realizado contato direto com os beneficiários do programa. Um termo de

autorização para a realização da pesquisa foi assinado pela Secretária Municipal de

Assistência Social.

No período de observação, acompanhamos 120 atendimentos entre

preenchimento de cadastro, recadastramento, verificação de cancelamento e

bloqueio do benefício. A observação foi realizada durante quinze dias, sendo dez

dias consecutivos na Secretaria Municipal de Assistência Social nos períodos

matutino ou vespertino, e outros cinco dias no CRAS-Vida Nova, no período

matutino. Dos registros, a maioria foram os da Secretaria Municipal de Assistência

Social, por possuir maior fluxo de atendimentos aos beneficiários do programa de

todo o município. Dessas observações foram elaborados relatórios de campo com os

120 atendimentos, que apresentamos no Quadro 6, Apêndice B, em que estão

sistematizadas em casos, conversas e cenas que serão usadas nas seções da Parte

II da tese.

Algumas conversas entre as atendentes, sem interferência da pesquisadora,

foram registradas durante a observação. Outras conversas devido à proximidade

com as profissionais da área social foram realizadas nos corredores, na hora do

lanche e em outros momentos informais, sendo que foi solicitada a assinatura do

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Termo de Consentimento Livre e Esclarecido somente para as conversas mais

estruturadas que se assemelharam a uma entrevista. Conversamos com quase

todas as gestoras da equipe central do Programa, como a coordenadora do

Programa Bolsa Família, Coordenadora da Política de Atenção Social Básica,

coordenadora de planejamento, assessora da secretária, psicólogas, assistentes

sociais e atendentes que trabalham na sede da Secretaria Municipal de Assistência

Social. As conversas ocorreram em diversos momentos da pesquisa, na primeira

fase, em setembro de 2010, no processo de solicitação de autorizações para a

realização da observação dos atendimentos na Secretaria.

Na segunda fase, em abril de 2011 foram realizadas conversas com

coordenadores, psicólogas, assistentes sociais e atendentes dos CRAS-Vila Nasser

e CRAS-Vida Nova. Assim como Menegon (2004, p. 216) acreditamos que as

conversas podem adquirir o status de um recurso metodológico por expressar de

maneira peculiar à interação dialógica no cotidiano dos atores de uma pesquisa,

podendo ser compreendida como linguagem em ação, pois “[...] conversar é uma

das maneiras por meio das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam

nas relações que estabelecem no cotidiano [...]”.

As entrevistas assumem nessa pesquisa um valor simétrico a de um

documento, notícia de um boletim, conversa ou comentário escutado durante a

observação. As falas das beneficiárias trazidas pelas entrevistas fazem parte das

redes heterogêneas caracterizando-se como mais um ator que produz “pobrezas” e

é produzido por ela. As noções de pobreza, do pobre e das portas de entrada e

saída do programa que circulam entre os beneficiários compõem e formatam essa

maneira de fazer políticas públicas de enfrentamento à pobreza contemporânea. Se

ouvíssemos outras falas, essa política ou programa não seria o mesmo. Em suma, a

entrevista aqui é usada como uma prática discursiva que se constitui em mais um

elemento que compõe as redes heterogêneas de “pobrezas” (PINHEIRO, 2004).

As entrevistas com as beneficiárias do Programa Bolsa Família foram

realizadas no corredor e na sala de espera de atendimento no CRAS-Vila Nasser, e

estes, após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,

responderam oralmente às perguntas elaboradas previamente para a pesquisa. As

entrevistas foram gravadas com autorização dos participantes e transcritas pela

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pesquisadora. Foram elaboradas quatro perguntas que buscavam conhecer as

noções de pobre e pobreza e as informações que circulam sobre o Programa Bolsa

Família entre os beneficiários: 1ª) O que é pobreza?; 2ª) Quem é pobre para o

Programa Bolsa Família?; 3ª) Conhece quais são os critérios, cálculos e valores

usados para ser incluída no Programa Bolsa Família? (porta de entrada); 4ª) Quando

é cancelado um benefício do Programa Bolsa Família? (porta de saída).

As beneficiárias não demonstraram constrangimento ao responder as

perguntas, contudo apresentaram preocupações sobre uma possível alteração ou

cancelamento do recebimento do benefício em função da participação na pesquisa.

Com o esclarecimento de que a pesquisa possuía interesses acadêmicos e não de

avaliação do programa pelo governo, esses medos foram diluídos. O Quadro 5,

Apêndice B, apresenta todas as respostas às perguntas realizadas nas entrevistas,

e que foram usadas em diversos momentos da parte II desta tese. Estavam

previstas mais entrevistas no CRAS-Vida Nova, mas no inicio do mês de maio de

2011, semana agendada para a pesquisa, as atividades de cadastramento do

Programa Bolsa Família foram suspensas nacionalmente para ajustes e implantação

de uma nova versão do Cadastro Único e o lançamento no inicio de junho de 2011

do Programa “Brasil sem Miséria” que entrelaça ações com o Programa.

O uso das fontes de documentos públicos em uma tese de Psicologia Social,

como alerta Spink, P. (2004a, p. 125) “[...] tem servido no máximo para ambientar ou

contextualizar o trabalho, mas raramente é seu foco [...]”. Nessa pesquisa, os

documentos públicos não são o foco e nem o único procedimento, mas as notícias e

informações sobre “pobrezas” trazidas por esses documentos atuam na produção e

compõem as redes heterogêneas de “pobrezas” contemporâneas.

As fontes de governo foram priorizadas particularmente no Capítulo 6,

Pobreza Calculada, por serem as fontes oficiais que ainda dominam a definição dos

valores e critérios dos medidores de pobreza em uso nas políticas públicas atuais,

como os Relatórios de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações

Unidas. Ainda participamos como leitores de várias mídias virtuais que nos

alimentavam com notícias semanais durante todo o período da pesquisa, como os

comunicados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o boletim do Ministério

do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o informativo do Sistema Único da

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Assistência Social, o boletim do Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento/Brasil, e outras redes como Basic Income Network, a rede Make

Poverty, e ainda a impressa virtual e impressa.

É importante ressaltar que, na realização da pesquisa, foram resguardados

todos os procedimentos formais exigidos pelo Conselho Nacional de Saúde, por

meio da Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996, e pelo Conselho Federal de

Psicologia, por meio da Resolução n. 016, de 20 de dezembro de 2000 (BRASIL,

1996, 2000). O projeto de pesquisa foi submetido à apreciação e autorização do

Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da

Secretaria Municipal de Assistência Social de Campo Grande, MS, e todos

entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido elaborado

para esta pesquisa (ANEXO A, APÊNDICE A).

1.7 ORGANIZAÇÃO DO TEXTO DA TESE

O texto apresentado nessa tese está organizado em seis capítulos

distribuídos em duas partes: Parte I: O Governo de Pobrezas nos Diferentes Tempos

Históricos; e a Parte II: As Políticas Públicas Performam “Pobrezas” Via Redes

Heterogêneas: O Programa Bolsa Família em Ação!

A Parte I:

No Capitulo 2, A Polissemia de Sentidos da Pobreza, apresentamos os

repertórios linguísticos em diferentes tempos históricos, fazemos uma breve

demonstração da polissemia de sentidos da pobreza, dos primeiros usos da palavra

no mundo bíblico no Século X a.C., ao fenômeno da nova pobreza na

contemporaneidade.

A pobreza enquanto questão de governo é abordada nos capítulos 3 e 4, que

tem por foco a construção das políticas públicas de enfrentamento à pobreza. No

Capitulo 3, A Pobreza como Questão de Governo, procuramos entende-la como

manifestação de governamentalização do Estado Moderno e a população pobre

como um conjunto de indivíduos que são pensados coletivamente como uma

unidade descritível, mensurável, conhecível e governável a partir de algumas

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referências marcantes na sua historiografia em que identificamos distintas posições

sobre a relação entre trabalho e proteção social ao pobre, assim como a

mundialização do combate à pobreza.

No Capítulo 4, A Pobreza nas Políticas Públicas Contemporâneas, trazemos o

debate contemporâneo sobre as políticas públicas no marco do neoliberalismo e da

desregulamentação da proteção social. O enfrentamento à pobreza nas políticas

públicas contemporâneas permite discutir a profunda mudança que leva do

paradigma da universalidade das políticas sociais da era dos direitos para o de

programas mitigadores, setorializados e focalizados. Isso ocorre principalmente por

meio de uma desconstrução simbólica e ideológica dos sistemas de seguridade

social, o que caracteriza a metamorfose da questão social (CASTEL, 2003), e o

processo de reconversão da pobreza (IVO, 2008). Ainda neste capitulo discutimos a

noção de transferência de renda direta e as concepções de renda básica e renda

mínima que assumem o formato de imposto de renda negativo. Uma breve

contextualização histórica das políticas públicas de enfrentamento à pobreza no

Brasil é esboçada para apresentar o Programa Bolsa Família, como uma modalidade

dessa política, que por meio de seu marco legal e institucional e as terminologias

adotadas marcam importantes posicionamentos políticos de governo da pobreza.

Na Parte II:

Iremos olhar as políticas públicas de enfrentamento à pobreza de uma forma

mais líquida, fluída e contingencial do que de costume. Nessa pesquisa, as versões

de “pobrezas” apresentadas, não existiam a priori, contudo foram construídas no

desenrolar do processo das observações, conversas, entrevistas, leituras dos

documentos sobre o Programa Bolsa Família. São as que apresentaram maior

estabilidade durante o período da realização da pesquisa, todavia, estão suscetíveis

às mudanças, novas configurações a qualquer alteração de um dos componentes

das redes heterogêneas.

O Capitulo 5, Para Seguir Redes Heterogêneas nas Políticas Públicas, traz

algumas pontuações conceituais da Teoria Ator-Rede e os pressupostos ontológicos

da noção de multiplicidade e o uso da noção de performatividade como uma forma

de preparar o leitor para seguir a rede heterogênea das políticas públicas via

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apresentação de versões de pobrezas produzidas por meio de vínculos e

articulações dos elementos humanos e não-humanos nas ações do Programa Bolsa

Família.

O Capitulo 6, A Pobreza Calculada: a Pobreza Vira Estatística!, traz os

medidores de pobreza que compõe os indicadores e índices e linhas de pobreza que

circulam nos relatórios, documentos e metas governamentais em uma intrincada

dança de números que disputam os espaços nos rankings de desenvolvimento do

mundo globalizado, assim como no próprio Programa Bolsa Família.

Cadastros e documentos são atores centrais nas políticas sociais

contemporâneas, e tem sido as materialidades preferenciais usadas para se definir

quem é o “pobre” que será ou não incluído como beneficiário ou usuário de uma

política social. No Capitulo 7, Pobreza Cadastrada: Não Sem Documentos!,

focalizamos o uso do Cadastro Único, que é o instrumento utilizado para coleta de

dados e informações que objetiva identificar todas as famílias de baixa renda

existentes no país para fins de inclusão em programas de assistência social e

redistribuição de renda, e a documentação apresentada pelos beneficiários no

momento de seu preenchimento.

No Capitulo 8, A Pobreza Controlada: a Informatização do Controle!,

descrevemos as formas de controle relativas principalmente ao controle do benefício

da renda (critérios de acesso, bloqueio, cancelamento e fiscalização dos dados

cadastrais) e das condicionalidades, como a frequência escolar, a vacinação das

crianças e pré-natal, observadas durante o atendimento do cadastramento, das

entrevistas com beneficiários, conversas com gestores, além das informações no

site e dos documentos públicos do Programa Bolsa Família.

Nas considerações finais, Redes Heterogêneas de Múltiplas Versões de

Pobrezas Perfomam Políticas Públicas: Ampliando o Olhar Psicossocial,

apresentamos o que consideramos ser as possíveis contribuições de uma Psicologia

Social Crítica em dialogo com as abordagens discursivas aos estudos e pesquisas

sobre pobreza, destacando o espaço conferido as materialidades e a virada para à

prática na análise das políticas públicas. Pontuamos também as conexões,

bifurcações e pontos de convergências e divergências entre as versões de pobrezas

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produzidas pelas materialidades e socialidades da rede heterogênea das políticas

públicas de enfrentamento à pobreza, como forma de desestabilizar, desterritorializar

e flexibilizar as noções tradicionais de pobre e pobreza.

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PARTE I

O GOVERNO DA POBREZA NOS DIFERENTES

TEMPOS HISTÓRICOS

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“A riqueza e pobreza são convenções.” Victor Hugo (1802-1885).

Os sentidos polissêmicos da pobreza parecem inesgotáveis, o que nos leva a

pensar ser uma noção que, apesar de antiga, ainda se encontra em construção, com

alguns consensos e estabilidades, mas passível de disputas e discussões sobre

seus sentidos, conceitos e definições.

Dentre os usos contemporâneos apontamos para a emergência de uma nova

pobreza, que se caracterizaria por indivíduos que se sentem perdidos e

desmembrados dos conjuntos coletivos, se tornando isolados e com déficit de

integração. Nessa nova ordem social, o retrato da pobreza não pode mais se limitar

aos mendicantes, desamparados, miseráveis, vagabundos como os do tempo longo

da história, mas todos juntos caracterizam a polissemia de sentidos da pobreza com

seus repertórios linguísticos de diferentes tempos históricos.

Trataremos a população “pobre”, não como um conjunto de indivíduos

infortunados, excluídos, vulneráveis e sim como um campo de intervenção e objeto

da técnica de governo, como manifestação de governamentalização do Estado

Moderno, em sua relação com o trabalho e a proteção social ao pobre, assim como

com a mundialização do combate à pobreza.

Situamos o debate contemporâneo sobre as políticas públicas de

enfrentamento à pobreza no marco do neoliberalismo, da desregulamentação da

proteção social, da precarização do trabalho e seus efeitos na formatação da política

social atual, apontando para a profunda mudança que leva do paradigma da

universalidade das políticas sociais da era dos direitos ao de programas mitigadores,

setorializados e focalizados, principalmente por meio de uma desconstrução

simbólica e ideológica dos sistemas de seguridade social.

A noção de transferência de renda direta, sob as concepções de renda básica

e renda mínima com o formato de imposto de renda negativo são noções adotadas

pelas políticas públicas contemporâneas no Brasil, via o Programa Bolsa Família,

que é uma modalidade dessa política, que por meio de seu marco legal e

institucional e as nomeações adotadas marcam importantes posicionamentos

políticos no governo da pobreza.

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2 A POLISSEMIA DE SENTIDOS DA POBREZA

Na abordagem das práticas discursivas e produção de sentidos, os fatos se

desenrolam por meio de histórias desde o seu nascimento. Tais histórias deixam

evidentes que qualquer fato nunca está dado a priori, e outras possibilidades deixam

de se fazer presentes no decorrer do tempo, o que apontaria para os “vencidos da

história”, os desacreditados, indicando que houve diversas e plurais possibilidades

no passado que poderiam ter sido, mas que desapareceram.

No Quadro 7, Apêndice B, localizamos a pobreza nos diferentes tempos

históricos. Todas essas noções de pobrezas podem até coexistir, mas muitas que

foram dominantes em determinado período histórico já deixaram de ser na

atualidade. Certamente, a noção religiosa da pobreza não é a mesma vinculada aos

cálculos de renda, acessibilidade e vulnerabilidade dos programas sociais atuais,

mas se encontra nas práticas de caridade.

No posicionamento crítico-político da psicologia social discursiva, a questão

não seria perguntar ingenuamente se a pobreza deve ou não existir, se é ou não

uma construção social ou linguística, mas como as práticas discursivas constituem

caminho privilegiado para entender a produção de sentidos no cotidiano, o que

implicaria abordar linguagens sobre “pobrezas” expressas em diversos contextos

das produções sociais.

Adotando essa postura, a primeira iniciativa ao realizar esta pesquisa foi de

conhecer em termos de discursos os sentidos atribuídos à pobreza. Reiterando que

entendemos a linguagem como prática social, tanto como contexto social e

interacional, quanto no sentido de construções históricas, e que os discursos sobre

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um fenômeno social podem mudar radicalmente em diferentes contextos históricos,

ou em uma mesma situação podem competir entre si e criar versões distintas e

incompatíveis acerca de um fenômeno (SPINK; MEDRADO, 2004).

Neste capitulo, apresentamos os repertórios linguísticos de diferentes tempos

históricos que compõem a polissemia da pobreza para seguirmos nossos estudos

sobre o governo da pobreza no contexto das políticas púbicas.

2.1 REPERTÓRIOS LINGUÍSTICOS DA POBREZA EM DIFERENTES

TEMPOS HISTÓRICOS

Um dos principais desafios dos estudos e pesquisas sobre pobreza é compor

um retrato de sua polissemia, pois, mesmo sendo uma noção antiga e bastante

conhecida, ela ainda se encontra aberta a novos sentidos que variam de acordo com

contextos e situações que vão desde a “pobreza em cristo” e a “pobreza laboriosa” à

nova pobreza dos cálculos, cadastros das políticas públicas atuais, o que torna uma

tarefa difícil de empreender se tivéssemos a pretensão de historiar ou dissecar a

pobreza em sua ilimitada abrangência.

Contudo, vamos apresentar nesta seção os repertórios linguísticos como

unidade de construção das práticas discursivas que possuem raízes no tempo longo

da história que estão presentificados nos tempos curto e vivido por meio dos

documentos de domínio público, dicionários, artigos acadêmicos, livros e dos bancos

de dados, além das observações em campo, entrevistas e conversas usados como

referenciais bibliográficos para esta pesquisa.

Os tempos longo, curto e vivido da história estão dispostos em vários

momentos da redação desta tese, na contextualização das políticas públicas, na

análise de documentos públicos e nas vozes das beneficiárias e gestoras do

programa Bolsa Família.

O que nos interessa aqui não são as regularidades e a linguagem

institucionalizada que reproduzem os discursos sobre pobreza, mas a polissemia

das práticas discursivas, particularmente a linguagem em uso no cotidiano das

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políticas públicas. A polissemia aqui é entendida como a propriedade que uma

palavra possui de representar ideias diferentes, o que nos permite transitar por

inúmeros contextos e vivenciar variadas situações.

Ao focalizarmos o estudo nas práticas discursivas vamos trabalhar baseados

em uma abordagem de Bakhtin (1994), com seus elementos dinâmicos, como nos

enunciados orientados por vozes, nas formas (os speech genres) e nos conteúdos

(os repertórios linguísticos). A opção pelos repertórios linguísticos é por serem

considerados entidades teóricas muito mais fluídas, muito mais flexíveis que as

representações sociais. As representações são trabalhadas como teorias, como

formas compartilhadas de associar repertórios. Consequentemente, quem trabalha

com representação social, por definição, trabalha num nível mais estrutural do que

quem trabalha com práticas discursivas. Ao trabalhar práticas discursivas partimos

do pressuposto de que esses conteúdos associam-se de uma forma em

determinados contextos e de outras formas em outros contextos. Os repertórios são

colocados em movimento nos processos de interanimação dialógica que, nas

teorizações de Bakhtin (1994) integram as unidades básicas da linguagem e da

comunicação. Esse conceito seria útil para entendermos a variabilidade usualmente

encontrada nas comunicações cotidianas que, segundo Spink, M. (2004, p. 46) são

“[...] os termos, os conceitos, os lugares-comuns e as figuras de linguagem que

demarcam o rol de possibilidades de construções de sentidos [...]” e circulam na

sociedade de formas variadas, apresentando uma diversidade de conteúdos e uso.

Reconhecemos que os repertórios linguísticos são culturalmente construídos,

o que implica retomar a linha histórica para entender os sentidos a eles atribuíveis, o

que nos leva a trabalhar a questão do tempo. Nosso interesse é retomar a inscrição

histórica dos repertórios para compreender os sentidos em um diálogo contínuo

entre os novos e antigos, onde os sentidos do passado podem sempre ser

recapitulados e revigorados assumindo outras formas e contextos.

Spink, M. (2004), propõe uma divisão temporal para se trabalhar com

contextos discursivos que nos possibilitam abordar as práticas discursivas em

diferentes níveis, “[...] buscando apreender a cristalização em discursos

institucionalizados, as posições socialmente disponíveis e as estratégias linguísticas

utilizadas para nos posicionar na interação [...]” (SPINK; MEDRADO, 2004, p. 51).

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Assim os contextos discursivos podem ser trabalhados em três tempos históricos: o

tempo longo, que marca os conteúdos culturais, definidos ao longo da história da

civilização; o tempo vivido, das linguagens sociais; e o tempo curto, marcado pelos

processos dialógicos.

O tempo longo seria o domínio da construção social dos conteúdos culturais

que formam os discursos de uma dada época. Segundo Spink e Medrado (2004, p.

51),

[...] é nesse tempo histórico que podemos apreender os repertórios disponíveis que serão moldados pelas contingências sociais de época, constituindo as vozes de outrora que povoam nossos enunciados [...].

O tempo longo é o espaço dos conhecimentos produzidos e reinterpretados

por diferentes domínios de saber como a religião, ciência, conhecimentos e tradições

do senso comum que antecedem a vivência da pessoa, mas que estão presentes

por meio de instituições, modelos, normas, convenções que permeiam nosso

cotidiano e nossas práticas discursivas. Contudo, segundo os autores, não o temos

como teorias ou acontecimentos, como no passado, pois muitos já perderam razão

de ser, mas o temos como fragmentos, repertórios entendidos como um passado

presentificado, como “[...] construções que alimentam, definem e ampliam os

repertórios de que dispomos para produzir sentidos [...]” (SPINK; MEDRADO, 2004,

p. 52).

Já o tempo vivido é definido por Spink, M. (2004) como o processo de

ressignificação desses conteúdos históricos a partir dos processos e socialização.

Corresponde às experiências da pessoa no curso da sua história pessoal. Esses

diferentes contextos de socialização, seja a família, a escola, o trabalho etc. definem

as oportunidades de contado com os repertórios. É o tempo da memória na qual

enraizamos nossas narrativas pessoais e identidades. A interanimação dialógica e a

dinâmica da produção de sentidos, segundo a autora, constroem o tempo curto, no

qual se presentificam as diferentes vozes ativadas pela memória cultural do tempo

longo ou pela memória vivida do tempo vivido, que é, “[...] o momento da produção

de sentidos, portanto, é o momento do aqui e agora [...]” (p. 47).

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2.2 OS RETRATOS HETEROGÊNEOS DAS “POBREZAS”

Um dos primeiros usos da palavra pobreza, segundo a Encyclopedia of World

Poverty (2006), foi no mundo bíblico no Século X a.C. ao se referir a camponeses

que eram forçados a vender suas terras para os proprietários (referring to

landowners who forced peasants to sell land) (ODEKON, 2006). O pesquisador

francês M. Mollat, em seu livro A Pobreza na Idade Média (1989), descreve que essa

expressão é originalmente latina e comum ao Ocidente, diversificando-se nas

línguas vulgares a partir do Século XIII e seria uma evolução semântica das palavras

latinas “paupertas” e “pauper”.

Na Idade Média, encontramos repertórios linguísticos marcados pela caridade

religiosa que predominou hegemonicamente até o Século XVI (MOLLAT, 1989),

passando pela trajetória da ajuda ao próximo da sociabilidade primária à

participação do Estado na formação de políticas sociais após o Século XVII

(CASTEL, 2003). A Idade Média é considerada pelos estudiosos, o período em que

se verificaram as grandes transformações que marcaram a noção moderna de

pobreza. Para Mollat (1989, p. 2) “[...] o pobre aparece primeiro como adjetivo;

depois como substantivo e por último, na forma plural [...]”, e comenta ser a pobreza

uma noção que se compõe de realidades sociais intrincadas e dinâmicas, sendo

difícil a apreensão das relações entre o conceito e as relações vividas.

Segundo Geremek (1987, p. 7), estudar a pobreza não é tarefa simples, pois,

“[...] em épocas diferentes, muda a função principal da imagem do pobre, altera-se a

ordem dos valores em que ele está inscrito, modifica-se a avaliação ética e estética

dessa personagem [...]”. O autor analisa que conceitos como a pobreza são

construções teóricas que servem de instrumento para pensar e ordenar os fatos,

elaborando imagens sintéticas e penetrando nas divisões estruturais da sociedade.

Desde os primórdios, a pobreza não tem se mostrado um conceito unívoco,

uno, no qual suas ambiguidades aparecem segundo registros dos Séculos IV e V

por meio da diferença de tratamento dado aos pobres. O “bom” e o “mau” pobre

aparecem na distinção feita pelo rei Edward III no Século XIV entre os “worthy poor”,

que eram as viúvas, crianças dependentes, deficientes, doentes etc. e os “unworthy

poor”, os adultos vagabundos, andarilhos, devedores de impostos etc. Havia

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também os “pobres merecedores”, que seriam os incapazes de trabalhar e os nobres

empobrecidos, e os “não-merecedores”; todos que possuíam, ainda que mínima,

capacidade para desenvolver alguma atividade laborativa e não o faziam. Existia

uma rigorosa distinção entre os incapazes de trabalhar, que devem ser assistidos,

dignos de piedade, e os vagabundos, que mereceriam ser reprimidos (CASTEL,

2003; ODEKON, 2006). O mendigo era tolerado e o vagabundo odiado, definido pela

ausência de domicilio, que mora em toda parte, lugar e sem moralidade. A

linguagem distingue ainda os “pobres” verdadeiros de mendigos indignos, os pobres

pacíficos de pobres temíveis, os refratários ao trabalho dos falsos mendigos, que se

confundiam sob o apelativo genérico de miseráveis (CASTEL, 2003).

2.2.1 Os pobres de Cristo

A imagem do pobre da pastoral cristã era de um magro, cego, chagado,

frequentemente coxo, pedindo esmola de porta em porta, à entrada das igrejas, na

via pública (MOLLAT, 1989).

Até o inicio do Século XVI, o pobre na icnografia cristã era quase sempre “[...]

representado à porta do rico ou às portas da cidade numa atitude humilde e

suplicante [...]” (MOLLAT, 1989, p. 133). Os lugares comumente frequentados pelos

mendigos para pedir esmola eram os abrigos, pátios, pontes e depósitos de feno

que lhes serviam de morada. Os eleitos e santificados pela exaltação religiosa do

sofrimento também eram os mutilados, cegos, paralíticos, mancos, manetas,

mulheres deformadas, velhos e famintos, além de crianças estropiadas. O pobre era

considerado intercessor nato, uma espécie de porteiro do Paraíso, e era

apresentado como instrumento da salvação do rico benfeitor. “Deus poderia ter feito

ricos todos os homens, mas quis que houvesse pobres para que os ricos pudessem,

assim, redimir-se de seus pecados [...]” (MOLLAT, 1989, p. 45). O papel do pobre

era o de receber, e o donativo era um dever dos ricos! Essa máxima deveria ser

praticada por meio das obras de misericórdia que iriam conferir uma dimensão social

aos pobres que os colocavam com valor potencial no plano espiritual, sendo

considerado útil ao pobre e ao rico como meio de santificação. A caridade era

modelo sob o qual a virtude cristã se configurava e por meio da qual a pobreza era

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valorizada em referência à Cristo, se constituindo no modo de vida apostólica dos

santos, eremitas, religiosos que se despojam de seus fardos terrestres a fim de se

aproximar de Deus e era reconhecidamente a melhor forma de uma ascese a Deus

com motivação espiritual. A pobreza era um componente essencial da vocação

religiosa e concentrava-se tradicionalmente em torno da vida religiosa e clerical

(CASTEL, 2003; MOLLAT, 1989).

Castel (2003, p. 64) aponta para uma economia política da caridade, cuja

esmola era o valor de troca que livraria o cristão do pecado.

A caridade representa a via por excelência da redenção e o melhor investimento para o além. O número considerável de testamento que redistribuem entre os pobres uma parte ou a totalidade dos bens dos desaparecidos prova, ao mesmo tempo, a força dessa atitude e importância de suas consequências econômicas (CASTEL, 2003, p. 64).

Contudo essa economia da salvação apresentava uma percepção

discriminatória entre os pobres que mereciam ser assistidos e os excluídos que se

revoltavam contra a ordem cristã do mundo, caracterizando-se como o pobre “ruim”,

por contestar a economia da salvação e se opor aos desígnios da previdência.

Desse modo, a caridade cristã não socorria todas as formas de pobreza da

mesma maneira:

A pobreza por opção, sublimada no plano espiritual, é valorizada como um componente de santidade. Mas a condição social do pobre, suscita uma gama de atitudes que vão da comiseração ao desprezo. A privação em todos seus estados, a pobreza prosaica das pessoas de condição “vil” é, com freqüência [sic], conotada pejorativamente [...] (CASTEL, 2003, p. 64).

Essa ambivalência e contradição nos modos de atribuir sentido à pobreza,

presente desde os primórdios do pensamento cristão, passou por um processo de

enfraquecimento de seus valores anteriormente hegemônicos, devido à emergência

de novas exigências sociais e políticas.

A passagem da representação de um “pobre de Jesus Cristo”, de caráter

sagrado mais ou menos acentuado, àquele de um pobre rechaçado, escória e perigo

social, foi sendo realizada, segundo Castel (2003), não por rupturas, mas por

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continuidades e tensões entre as orientações cristãs inspirada na caridade e na

economia laica da assistência comandada por exigências administrativas. Observou-

se, desde aquele momento, um endurecimento da atitude em relação aos pobres,

que a partir de então precisariam ser classificados, administrados e controlados por

regulamentações rigorosas. No final do Século XIV não se estava longe de substituir

os termos do pobre – eleito de Deus e imagem de Cristo – pelos das classes

perigosas.

2.2.2 A pobreza laboriosa

“Vivo do trabalho de minhas mãos para alimentar meus 4 filhos,todos

pequenos. Sou um pobre popolano obrigado a ganhar a vida com as mãos!.

Pequeno artesão florentino do séc. XIV [...]” (MOLLAT, 1989, p.158).

No Século XIV, observa-se o início de uma classificação e separação da

miséria absoluta dos mendigos da indigência permanente daqueles que viviam com

meios muito limitados. Segundo Mollat (1989) percebeu-se aquilo que se pode

denominar como “Pobreza Laboriosa” composta, segundo a própria etimologia do

termo, de trabalho e de esforço insuficientes para garantir a subsistência, a

independência e a felicidade. O pobre laborioso era o camponês expropriado, que,

livre de laços servis, almejava viver de seu trabalho, embora muitas vezes não o

conseguisse.

O que caracterizava o pobre laborioso era a prática de um ofício marcada

pela dependência em relação a um empregador, colocando-o à mercê das

circunstâncias e levando-o a transpor o limiar da indigência como foi retratado em

Florença, na Itália dos Séculos XIV e XV.

A pobreza laboriosa dos assalariados constituía uma parte do popolo

minuto (povo miúdo), não formando um grupo em si. Esses pobres trabalhadores eram, em sua maioria sottoposti, ou seja, pertenciam ao nível inferior dos artesãos, no interior das Artes ou ofícios da cidade (MOLLAT, 1989, p. 158).

A pobreza laboriosa era

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[...] discreta e de uma certa forma secreta, feita de má nutrição crônica, de dificuldades de alojamento e de vestuário, sem esperança, nem consolo, privada até mesmo, na maioria dos casos, da assistência prevista para o atendimento das formas espetaculares da indigência dos mendigos, vagabundos e outros marginais (MOLLAT, 1989, p. 239).

Para Geremek (1987) as raízes profundas da pobreza encontram-se no

campo, mas seus dramas mais espetaculares desenrolam-se nas cidades. Esses

trabalhadores urbanos possuíam ocupações que não passaram por aprendizagem,

como no caso dos carregadores de fardos, de água, transportadores de

mercadorias, biscateiros, carreteiros, tintureiros, cardadores de lã, pedreiros,

serventes. Por outro lado havia os assalariados: serradores de vigas, sapateiros,

ferreiros, corretores, adeleiros, jardineiros, operários da construção, sendo uma boa

parte dessa mão de obra subqualificada feminina, como as lavadeiras, costureiras

outros. Segundo Castel (2003) eram pessoas “de qualquer tipo de serviço”, que se

alugavam em geral por dia, para tarefas sem qualificação. Essas eram chamadas de

“escória”, “populacho”, “canalha”. Aqueles que não exerciam ofícios nem produziam

mercadorias e que ganhavam sua vida com o trabalho de seus braços, que

trabalhavam por dia, que eram os mais desprezíveis da plebe.

Esses sentidos atribuídos à pobreza cristã e laboriosa não são os únicos do

tempo longo da história, oriundos da Idade Média, mas eles são produtores de

grande parte dos repertórios linguísticos que repercutem no presente, como descrito

nessa síntese realizada por Mollat (1989, p. 287) na conclusão de sua pesquisa:

Na primeira fila está o pobre tradicional, a quem o monge emprestou o título de “pobre de Cristo”, membro sofredor da Comunhão dos Santos: é alguém que sofre da saúde, da idade ou da sorte, incapaz, física ou mentalmente, de assumir a própria existência. Junto a ele, com a mesma conotação religiosa associada à palavra pobre, alinham-se as vitimas de todas as violências. Ninguém jamais contestou, a todos esses, a qualidade de pobres. Desse modo apresentaram-se inicialmente os fracos, que viviam à sombra da força e do poder, os humildes que esperavam de seus irmãos de fé o auxílio que lhes permitiria sobreviver às calamidades, e finalmente os indigentes que não conseguem extrair sua subsistência de um trabalho.

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2.2.3 A nova pobreza

Os novos pobres seriam os supranumerários, os desfiliados os “pobres dos

países ricos”, os que teriam um déficit de integração, exemplificados como os

[...] habitantes dos bairros deserdados, os alunos que fracassaram na escola, os jovens mal empregados ou não empregáveis [...] as crianças em dificuldades, pessoas idosas economicamente fracas, famílias de baixa renda desintegradas [...] (CASTEL, 2003, p. 540).

Dentre os usos contemporâneos da noção de pobreza, Castel (2003) e

Paugam (2003) apontam para a emergência de uma nova pobreza que se

caracterizaria por indivíduos que se sentem perdidos e desmembrados dos

conjuntos coletivos, se tornando isolados e com déficit de integração. Dentro dessa

nova ordem social, o retrato da pobreza não pode mais se limitar aos mendicantes,

desamparados, miseráveis, vagabundos como os do tempo longo da história. Os

novos pobres seriam os supranumerários, os desfiliados, os “pobres dos países

ricos” exemplificados por Castel (2003, p. 540), como “[...] as crianças em

dificuldades, pessoas idosas economicamente fracas, famílias de baixa renda ou

desintegradas [...]”.

Paugam (2003) considera um fato novo que foi registrado nas décadas de

1980 e 1990, a partir de quando milhões de pessoas, que viviam próximo ou acima

da linha de pobreza abaixaram de nível socioeconômico. Trata-se de um fenômeno

que assume padrões, características e sentidos variados, impactando,

diferentemente do passado, grupos e pessoas que nunca tinham vivenciado o

estado de pobreza, cujo traço comum é o declínio nos níveis de renda, com

considerável deterioração nos padrões de vida. O autor comenta que essa pobreza

encontrada nas sociedades modernas é incompatível com aquela da Idade Média,

pois na mentalidade coletiva moderna ela é percebida apenas de modo negativo

carregando status social inferior e desvalorizado, o que deixa marcas profundas na

identidade dos que vivem essa experiência.

Nas sociedades que transformam o sucesso em valor supremo e em que predomina o discurso justificador da riqueza, a pobreza é o símbolo do fracasso social e freqüentemente [sic] se traduz na existência humana por uma degradação moral [...] (PAUGAM, 2003, p. 46).

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Nas sociedades modernas, os novos pobres, além de serem privados de

recursos econômicos, exercem pouca influência sobre o poder político, possuem

baixa respeitabilidade e posição social, sendo representados como “o avesso, a

sombra, o bloqueio da riqueza” e considerados um “artefato, um acidente – uma

sobrevivência”, uma “anomalia”, “qualquer coisa de exótico” (PAUGAM, 2003).

Muitos países desenvolvidos têm enfrentado esse fenômeno desde o final do

século passado por meio das políticas sociais, o que levou Paugam (2003) a

construir uma tipificação dos novos pobres como fragilizados, assistidos e

marginalizados, caracterizados pelas relações entre os beneficiários e o tipo de

intervenção assistencial do qual possam se beneficiar. Os fragilizados se situam no

polo superior do dispositivo da assistência e se beneficiam de uma intervenção

pontual na esfera do orçamento para suprir as dificuldades econômicas. Geralmente

os fragilizados são os desempregados, mas também os que se encontram nas

situações intermediárias entre o emprego e o desemprego, o trabalho temporário,

contratos por tempo determinado, os “bicos” etc., caracterizados pela incerteza e

irregularidade da renda. Os assistidos são os beneficiados por uma intervenção mais

intensa, com acompanhamento de tipo contratual com a assistência. São pessoas

que dispõem de uma renda proveniente da proteção social ou redes de

solidariedade, seja em função de uma deficiência física ou mental ou por ter

dificuldade de prover educação e sustento dos filhos. Os marginalizados são os que

não dispõem de renda, emprego ou subsídios assistenciais regulares. São

desprovidos de status e poder por viver sem trabalho e sem domicílio fixo.

Castel (2003, p. 541) nos alerta que esse novo pobre para ser público-alvo ou

beneficiário das políticas públicas precisa comprovar sua situação de incapacidade

“[...] para acompanhar a dinâmica da sociedade salarial, seja porque é afetado por

alguma desvantagem, seja porque dispõe de muito poucos recursos para se adaptar

ao ritmo do progresso [...]”, estabelecendo assim um rigoroso sistema de controle da

população pobre.

O uso contemporâneo da noção de pobreza segundo Geremek (1987, p. 6) é

ressuscitado a partir dos anos 1950 e 1960, quando “[...] os termos pobreza e

miséria regressam à linguagem econômica, sociológica, e nos estudos empíricos [...]

em dezenas de publicações consagradas ao tema [...]”.

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Para Ugá (2004, p. 61), é a partir dos anos 1990 que o combate à pobreza

passa a ser “[...] peça-chave de uma ordem social implícita nos relatórios do Banco

Mundial [e se torna hegemônico] na formulação de políticas [...]” dos países em

desenvolvimento. Esses desdobramentos são visíveis nas plataformas políticas e

discursos dos governantes atuais, como no Brasil, que tem no combate à pobreza

sua principal meta governamental.

“O Brasil não pode aceitar mais que milhares de pessoas continuem vivendo na miséria, que não tenham alimentação suficiente, que não tenham um teto para viver” diz a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, reiterando o compromisso de governo de combater a pobreza extrema. (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2011).

Spicker, Leguizamón e Gordon (2009), identificaram ao menos 12 sentidos

específicos da pobreza, classificados nos seguintes grupos de significados: pobreza

como um conceito material (necessidade, limitação de recursos, padrão de

privação); pobreza como situação econômica (nível de vida, desigualdade, posição

econômica); pobreza como condição social (classe social, dependência, carências

de seguridade básica, ausência de titularidade, exclusão) e pobreza como juízo

moral. Segundo os autores, a pobreza pode ser vista como conceito composto que

alcança uma variedade de sentidos relacionados através de uma serie de

semelhanças e diferenças, em que a tarefa seria “[...] entender como estas visões e

percepções diferentes se transplantam, como se inter-relacionam e quais são as

implicações dos diferentes enfoques e definições [...]” (p. 301).

A pobreza ainda é um conceito relativo dizem os estudiosos. Quem é pobre?

Pobre em relação a quem? Segundo Mollat (1989, p. 5) a pobreza comporta

gradações, “[...] varia no plano social, conforme as épocas e os níveis de cultura e

desenvolvimento econômico [...]”.

Os indivíduos são sempre mais ou menos pobres que outros. Alguém pode

ser pobre frente a um banqueiro milionário e rico diante de um favelado. Uma família

com três filhos que ganha um salário mínimo no Brasil é identificada como pobre

para fins de transferência de renda, mas a mesma família em Moçambique não seria

pobre, muito menos alvo de benefício social. Existem ainda variações nos critérios

monetários de identificação e mensuração, como a pobreza relativa, absoluta,

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extrema, leve etc. Questões essas que foram alvo de criticas do Nobel de Economia

Amartya Sen, que chamou atenção para o seu caráter multidimensional, inserindo a

dimensão subjetiva nos sentidos da pobreza, ampliando as suas fronteiras

[…] Não é meramente uma deficiência de renda que pode ser compensada por transferências do Estado [...]. É também uma fonte de efeitos debilitadores muito abrangentes sobre a liberdade, a iniciativa e as habilidades dos indivíduos. (SEN, 2000, p. 35).

No Brasil, Spink, P. (2004b, p. 46) sugere que a pobreza deve ser concebida

como uma heterogeneidade:

Infelizmente, algumas interpretações, ainda presentes no imaginário social, continuam a entender a pobreza exclusivamente sob a ótica monetária e centrada no indivíduo: pobreza, para estes, remete à condição de ser “pobre”. Outras abordagens colocam o problema exclusivamente no terreno da política macroeconômica, esquecendo os múltiplos mecanismos e ações administrativas que contribuem para a geração da desigualdade e exclusão.

A noção homogênea e simplificada da pobreza tem sido alvo de críticas por

suas concepções restritas às necessidades. Contudo, em um mundo urbanizado a

tendência tem sido buscar abordagens mais interativas, que considerem a pobreza

como “[...] produto de políticas e ações diretamente ligadas à questão fundamental

da cidadania, da democratização da sociedade, da construção de laços sociais e da

falta de proteção aos direitos sociais e coletivos [...]” e que garanta o acesso aos

serviços e bens necessários para uma vida mais digna, menos desigual e com o

exercício pleno da cidadania (SPINK, P., 2004b, p. 46).

Dos repertórios linguísticos esboçados na pobreza cristã, da humilhação,

salvação, indulgência, caridade, salvação, bondade, beneficência, aos da pobreza

laboriosa, dos desqualificados, perigosos, escórias, vagabundos, miseráveis, e aos

da nova pobreza, como os excluídos, perdidos, isolados, desmembrados,

supranumerários, desfiliados, assistidos, fragilizados, marginalizados, podemos dizer

que todos eles estão presentificados e disputam espaço na composição das versões

de pobreza nas políticas públicas contemporâneas.

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3 A POBREZA COMO QUESTÃO DE GOVERNO

Nesse capitulo, iremos fazer uso da noção de governamentalidade de

Foucault (1995, 2008) para entendermos a construção histórica e os efeitos dos

modos de governar a pobreza na contemporaneidade.

O ponto de cruzamento entre os estudos governo de Foucault (1995, 2008) e

as políticas públicas sociais se dá principalmente pela importância que assume a

população em sua noção de governo a partir do Século XVIII. Pensar a pobreza

enquanto população no sentido Foucaultiano, é superar as dicotomias entre

individual e coletivo, pois trataremos a população “pobre”, não como um conjunto de

indivíduos infortunados, excluídos, vulneráveis e sim como um campo de

intervenção e objeto da técnica de governo que irá dispor e conduzir as coisas, que

podem produzir efeitos econômicos específicos e ter regularidade própria, com suas

taxas e índices de renda, empregabilidade, escolaridade entre outras.

3.1 A POPULAÇÃO POBRE COMO OBJETO DE GOVERNO

Segundo os estudos de Foucault (1995, 2008) é justamente pelas questões

da população que se inicia uma diferenciação entre a noção de governo do

soberano para uma razão de estado, em que o problema pode ser pensado, ser

sistematizado e ser calculado fora do quadro jurídico da soberania. Essa noção de

governo de estado na sua forma política se expande a partir do sec. XVIII, pelo

desbloqueio da arte de governo e se torna o seu objetivo final, que seria melhorar a

sorte da população, aumentar sua riqueza, sua duração de vida, sua saúde entre

outros.

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O deslocamento da centralidade da família para a população como sujeito de

necessidades, de aspirações e objeto nas mãos do governo é que vai caracterizar

uma nova forma de governar e de economia.

A família irá reaparecer como elemento no interior da população, um

instrumento fundamental, um segmento privilegiado para o governo como demonstra

Foucault (1995, p. 170):

[…] O interesse individual – como consciência de cada individuo constituinte da população – e o interesse geral – como interesse da população – quaisquer que sejam os interesses e as aspirações individuais daqueles que a compõem – constituem o alvo e o instrumento fundamental do governo da população.

Exemplos dessa instrumentalização da população foram as campanhas

realizadas no início do Século XVIII contra mortalidade, epidemias, casamento e

vacinação, considerados absolutamente novos em suas táticas e técnicas.

A população seria o objeto que o governo deveria levar em consideração em

suas observações, em seu saber, para conseguir governar efetivamente de um

modo racional e planejado, constituindo-se na economia política, considerada como

uma ciência composta por técnicas de governo e por rede de relações contínuas e

múltiplas entre, população, território e riqueza.

Contudo, a emergência dessa nova arte de governo não deve ser pensada

em termos de substituição de uma sociedade de soberania por uma sociedade

disciplinar e desta por uma sociedade de segurança. Para Foucault (1995, p. 171),

“[…] trata-se de um triângulo: soberania – disciplina – gestão governamental – que

tem na população seu alvo principal e nos dispositivos de segurança seus

mecanismos essenciais [...]”.

Podemos assim pensar um governo de “pobrezas” como um

[...] conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises, reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante especifica e complexa de poder, que tem por alvo, a população [...] (FOUCAULT, 2008, p. 143).

Esse movimento entre – governo, população e economia política – é que o irá

sustentar a noção de governamentalidade, sendo que em uma determinada fase de

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sua reflexão seria este o conceito que permitiria recortar um domínio especifico de

relações de poder, em relação ao problema de Estado e em um sentido amplo, um

conjunto de técnicas e procedimentos destinados a dirigir a conduta dos homens, ou

seja, uma racionalidade política que determina a forma de gestão das condutas dos

indivíduos em uma dada sociedade. Sob esse ponto de vista a arte de governo não

deve se restringir ao governo do Estado, e sim a uma pluralidade de formas de

governos, pois também governa-se uma casa, um estabelecimento, uma ordem

religiosa outras.

Na modernidade, o Estado deixa de ser primeira e essencialmente definido

pela sua territorialidade, pela sua superfície ocupada, e passa a ser visto em relação

à massa da população, com seu volume e sua densidade onde o território que ela

ocupa é apenas mais um componente. O Estado seria assim mais uma modalidade,

que deveria ser entendido pelo seu modelo de governamentalidade e não de

estatização. E é esse modelo que segundo Foucault (2008) irá caracterizar uma era

– do Século XVIII até os dias atuais.

Desse modo, trazemos para o debate a pobreza como manifestação de

governamentalização do Estado Moderno e a população como um conjunto de

indivíduos que são pensados coletivamente com uma unidade descritível,

mensurável, conhecível e governável, como um corpo-vivo, um corpo espécie, sobre

o qual o Estado assume a responsabilidade de governar para promover a vida

(FOUCAULT, 2008).

É neste contexto que procuramos entender o surgimento da pobreza como

estratégia de governamentalidade a partir de algumas referências marcantes na

historiografia da pobreza.

3.2 A LEI DOS POBRES E A PANACÉIA DO TRABALHO NA

PROTEÇÃO SOCIAL

O primeiro grande marco de ação pública de Estado de enfrentamento à

pobreza ocorre nos Séculos XVI e XVII, quando Rainha Elisabeth I institui a Poor

Law Act (Ato da Lei dos Pobres) em 1601, que provê alivio financeiro para crianças e

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deficientes físicos. Com o crescimento das cidades, a pobreza urbana se torna

visível, incômoda, e passa a ser conhecida como um risco social. Assim a lei dos

pobres, foi criada com a finalidade de proteger a sociedade da ameaça representada

por essa pobreza, criando fundos públicos ou impostos para municipalidades retirar

os pobres das ruas, por meio da distribuição de alimentos, acolhimento em asilos ou

recrutando para as oficinas de trabalho forçado, as famosas “workhouses” (CASTEL,

2003).

Esta lei passa por modificações, e em 1875 institui-se a Lei de

Speenhamland, em que o alivio é estendido aos fisicamente capazes, estabelecendo

o pagamento de um abono financeiro em complementação do salário, garantindo

assistência social aos trabalhadores empregados e aos desempregados que

recebiam abaixo de determinado rendimento, uma renda mínima independente de

receber proventos. O cálculo para o merecimento dessa renda era baseado no preço

do pão e número de dependentes que o trabalhador sustentava. Dependia desse

cálculo a concessão da renda complementar. Alguns historiadores consideram que

essa seria uma primeira Linha da Pobreza traçada para fins de governo (ODEKON,

2006).

A revogação da Speenhamland em 1843 pela Poor Law Amendment Act,

conhecida como a New Poor Law (Nova Lei dos Pobres) marca uma mudança

significativa da participação do Estado nas ações de combate à pobreza. A

assistência aos pobres foi relegada ao domínio da filantropia. E o trabalho se torna

assim primazia da proteção social. Aos pobres inválidos, restam-lhes os asilos,

albergues e a obrigatoriedade do trabalho forçado. Acusa-se que nesse período

houve uma regressão em relação às formas de proteção assistencial à população

pobre existente em função do primado liberal do trabalho como fonte única de renda

e base da proteção social (POLANYI, 2000).

O legado do trabalho como principio integrador da sociedade industrial irá

impactar nas configurações do enfrentamento à pobreza a partir do Século XIX. O

trabalho é resignificado mediante profundas mudanças ocorridas nos primórdios da

sociedade industrial se tornando uma panaceia na construção do “homem

economicus racional” do capitalismo liberal que pressupõe que o livre mercado é que

deve regular as relações econômicas e sociais e produzir o bem comum, não

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poupando críticas à ações assistenciais de combate à pobreza de um Estado

intervencionista (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Nesse debate identificamos distintas posições sobre a relação entre trabalho

e proteção social ao pobre. Pelo lado dos liberais, o Estado não devia intervir na

regulação das relações de trabalho nem atender as necessidades sociais, tendo a

defesa do estado mínimo e a “mão invisível do mercado” de Adam Smith (1723-

1790) como reguladora da coesão social. A recusa mais veemente das leis de

proteção sociais foi encontrada na Teoria Populacional (1798), de Tomas Robert

Malthus (1766-1834), defendendo que o Estado não devia despender recursos com

dependentes ou passivos, mas vigiar e punir os pobres. O economista David Ricardo

(1772-1823), um dos fundadores da Economia Política Clássica, corrobora com essa

posição, ao acreditar que mercado como o supremo regulador das relações sociais

só poderia se realizar a partir da ausência dessa intervenção estatal (CASTEL,

2003).

Como posição antagônica ao liberalismo, mas que também atribui ao trabalho

um papel crucial, a concepção marxista, em sua vertente revolucionária faz criticas à

questão social por considerá-la indissociável do capitalismo. Portando, a superação

da situação de pobreza só seria possível pela ultrapassagem deste modo de

formação social (PAULO NETTO, 1992). Para o marxismo, o pobre, mendigo,

vagabundo, indigente, fazia parte de uma categoria nomeada de “lumpenproletário”1

que Marx e Engels (1999, p. 24) descrevem no Manifesto Comunista (original de

1848) como:

[...] produto passivo da putrefacção das camadas mais baixas da velha sociedade, pode por vezes ser arrastado para o movimento por uma revolução proletária; no entanto, as suas condições de vida dispô-lo-ão antes a vender-se à reação.

1 Lumpemproletariado, ou simplesmente lúmpen, é uma palavra alemã que significa, ao pé da letra, trapo ou homem trapo. Foi primeiramente definido por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), em A Ideologia Alemã, escrita entre novembro de 1845 e agosto de 1846. E também é designada ao "ser lúmpen" (pessoa desprovida de qualquer tipo de princípio ético).

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A classe trabalhadora, o proletário moderno, o operariado, era o portador do

processo que iria revolucionar a ordem burguesa do capitalismo emergente. Ainda

assim, é atribuível à luta dos trabalhadores à emergência da proteção social mesmo

na euforia do capitalismo liberal.

Outras práticas relativas à condição do trabalho dão contorno à intervenção

do Estado ou setores privados na proteção social. Um importante exemplo é a

implantação do primeiro Seguro Saúde Nacional obrigatório na Alemanha em 1883,

no governo de Otto Bismark (1815-1898). O seguro-saúde era destinado a algumas

categorias específicas de trabalhadores, garantindo prestações de substituição de

renda em momentos de perda da capacidade laboral, decorrente de doença, idade

ou incapacidade para o trabalho. Contudo práticas de assistência social aos pobres

foram identificadas nas legislações das prefeituras alemãs, confirmando sua tradição

assistencial. O modelo Bismarckiano2 de seguro difundiu-se no final do Século XIX e

inicio do Século XX, e em 1938 já era uma prática adotada por 30 países da Europa,

Ásia e Américas. Na França, a emergência do Etat Providence (Estado Providência)

ocorre também no final do Século XIX, e em 1896 é aprovada a primeira lei cobrindo

os acidentes do trabalho, que estabelece proteção social obrigatória aos

trabalhadores, sob a responsabilidade estatal (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

Castel (2003) aponta que mudanças nos discursos sobre a pobreza ocorrem

desde o Século XVIII, para evidenciar as transformações sociais. O caráter de

massa da pobreza e indigência abala a concepção do trabalho enquanto fator

integrador de uma sociedade industrial equilibrada e estável. Os riscos de

dissociação social afetaram a condição laboriosa do povo do campo e da cidade,

fazendo emergir essa situação de pobreza que atingiu grande parte da população e

não apenas uma minoria estigmatizada e marginalizada como os mendigos e

miseráveis.

2 O seguro no modelo bismarckiano cobria principalmente os trabalhadores contribuintes e suas famílias, o seu financiamento era contributivo baseados na folha de salário e organizados em caixas estruturadas por tipos de risco social: caixas de aposentadorias, caixas de seguro-saúde etc.geridas pelos contribuintes (empregados e empregadores) (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

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O Século XIX é marcado pelo discurso de que a miséria parece acompanhar

o desenvolvimento de riquezas e o progresso da população, e segundo Castel

(2003, p. 282) “[...] ‘questão social’ surge como uma nova despesa porque os novos

pobres agora estão plantados no coração da sociedade, formam a ponta de lança de

seu aparelho produtivo [...]”. Para o autor o processo de industrialização engendrou

o “monstro” do pauperismo reconfigurando a intervenção governamental.

3.3 A MUNDIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS: DO IDEÁRIO DO

BEM-ESTAR SOCIAL AO COMBATE À POBREZA

A polarização entre pobreza e classe trabalhadora norteia a origem do debate

sobre o Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). A preocupação e a distinção

entre classe e cidadania social, entre capitalismo e bem-estar social não são

recentes, e foram formuladas pelos economistas políticos de convicções liberais,

marxistas ou conservadores do Século XIX, antes mesmo da existência de um

Welfare State.

O sociólogo britânico Thomas Humprey Marshall (1893-1981) analisou o

desenvolvimento da cidadania a partir do Século XVIII, em que o Estado deveria

garantir os direitos civis, sociais e políticos e a cidadania se constituir como ideia

fundamental do Welfare State. Nesse mesmo período cria-se a League of Nations

International Labour Organization para consolidar e garantir melhores condições de

trabalho e qualidade de vida aos trabalhadores (ODEKON, 2006).

Castel (2003) chama atenção para as turbulências e os conflitos ocasionados

pelo livre acesso ao trabalho criando núcleos de instabilidades, como uma sombra

do desenvolvimento econômico que engendra o pauperismo que se torna um apelo

para a intervenção Estatal.

A instauração do regime comunista na União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas em 1917, o fortalecimento do movimento operário internacional, a

concentração e monopolização do capital, as duas Guerras Mundiais, a grande

Depressão Americana com a queda da bolsa de valores nos Estados Unidos da

América em 1929, produziram efeitos de multiplicação das políticas sociais, pois se

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perde a crença na capacidade de autorregulação do mercado para solucionar as

questões sociais. O Estado deveria corrigir as distorções do mercado e as políticas

sociais “[...] buscar o alívio ou a superação das consequências indesejáveis do

funcionamento e /ou da estrutura do sistema econômico [...]” (PAULA, 1992, p. 116).

As experiências do Estado de Bem-Estar Social se desenvolvem no pós-

guerra e se consolidam e ampliam nas décadas de 1950 e 1960, como resposta à

expansão do capitalismo, à democracia de massas, à crescente demanda por

igualdade socioeconômica e à institucionalização dos direitos sociais. Por outro lado,

pode ser considerada também como uma demanda por segurança socioeconômica

em que o gasto social seria um meio de controle social, de diminuição e atenuação

das tensões sociais.

Há um reconhecimento de que o mercado seria incapaz de eliminar a injustiça

e a pobreza sem a intervenção estatal. Para os críticos do Welfare State, a política

social a cargo do governo funcionaria como uma espécie de “colchão amortecedor”

dos conflitos sociais, procurando manter os níveis de existência dos trabalhadores

em patamares minimamente toleráveis (PAULA, 1992).

Esping-Andersen (1991, p. 98) apresenta uma definição comum encontrada

nos manuais sobre o Welfare State que “[...] envolve responsabilidade estatal no

sentido de garantir o bem-estar básico dos cidadãos [...]”. Contudo, o Welfare State

não poderia ser pensando somente em termos de garantias de direitos, mas,

sobretudo como deveria entrelaçar as atividades do Estado, o papel do mercado e a

família em termos de provisão social.

Um dos efeitos controvertidos do Welfare State apontado por Esping-

Andersen (1991) foi o afrouxamento da mercadorização dada pela dependência

exclusiva da venda da força de trabalho na sociedade industrial, havendo uma

desmercadorização3 das pessoas promovida pela prestação de serviço como uma

questão de direito ou da não dependência exclusiva do mercado. Porém, quando a

3 Uma definição mínima de “desmercadorização” deve envolver: liberdade dos cidadãos, sem perda potencial de trabalho, rendimentos ou benefícios sociais para parar de trabalhar quando achar necessário. Essas condições são desfrutadas por professores universitários, funcionários públicos e white-collars de alto escalão em caso de tratamento de doenças, formação e qualificação profissional, mudança de carreira etc. (ESPING ANDERSEN, 1991, p. 103).

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assistência social é precária e associada ao estigma social, o sistema de ajuda força

a todos a recorrerem ao mercado. Os diferentes modelos de Welfare State irão

ampliar ou reduzir os direitos desmercadorizados de acordo como a forma de

concessão ou garantias de benefícios e direitos sociais, sendo que quanto mais

universais e básicos e de qualidade mais desmercadorizantes, e quanto mais

reduzidos e focalizados mais favorecem a mercadorização.

A crise do Welfare State, a falência do modelo fordista de acumulação

capitalista, o endividamento dos governos, a diminuição do crescimento econômico,

a queda de investimento do setor produtivo caracteriza o fim da Era de Ouro (final da

II Guerra Mundial à década de 1970), e é quando o neoliberalismo se expande como

contraponto político, econômico e ideológico à predominância da intervenção estatal

construindo as bases do capitalismo liberal (UGÁ, 2004).

As propostas neoliberais consistem em redução do papel do Estado,

enfraquecimento dos sindicatos e flexibilização do trabalho nos países

desenvolvidos, e pelo desemprego maciço, repressão sindical e privatização dos

bens públicos nos países em desenvolvimento.

Um importante marco na nova ordem mundializada é apontado por Ugá

(2004) como uma transferência de “capacidade de decisão” dos governos locais

para as organizações multilaterais que atuam como formuladores de recomendações

políticas para os países periféricos.

Documentos públicos são produzidos e particularmente nos relatórios do

Banco Mundial encontram-se expressas as recomendações que devem nortear à

relação Estado e trabalho, em que indiretamente insere-se a questão social. Nessa

ordem, o Estado deve ser mínimo, porém eficiente, e tornar-se um facilitador e

parceiro dos mercados, podendo ser complementar naqueles setores da produção

de bens e serviços em que o setor privado não tem interesse. Ainda em seus

documentos, o Banco Mundial divide em duas categorias o mundo do trabalho: de

um lado os indivíduos que estão inseridos no mercado de trabalho – os competitivos

–, e de outro, os pobres – aqueles que seriam incapazes de integrar-se aos

mercados. Para os trabalhadores, o Estado deve garantir emprego e o bom

funcionamento do mercado, que possibilitaria a retração do papel de provedor de

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políticas sociais. Assim, a prioridade do Estado deve se restringir exclusivamente ao

“combate à pobreza” a partir de políticas sociais residuais e focalizadas.

Segundo Ugá (2004) a pobreza como foco central da política de Estado na

área social por recomendação das organizações multilaterais ocorre a partir da

década 1990, e são abordadas nos Relatórios sobre o desenvolvimento mundial a

partir da década de 1990. A análise desses relatórios realizada pelo autor sugere

que o combate à pobreza deve ser focado na superação da “incapacidade” do pobre

de atingir um padrão de vida mínimo, em que o papel do Estado deveria ser o de

criar oportunidades econômicas e proporcionar acesso à serviços sociais (saúde e

educação).

Após uma década de experiências desse modelo, o Banco Mundial amplia

seu entendimento da pobreza como “privação de capacidades”, o que altera as

estratégias de enfrentamento para uma expansão das capacidades humanas das

pessoas pobres, que pressupõe a necessidade de um Estado caridoso, que tem

deveres a cumprir com os pobres, em que sua função seria:

[…] aumentar as capacidades dos pobres, para, em um segundo momento, quando esses indivíduos já estivessem capacitados, o Estado já se tornaria desnecessário, passando a deixar que eles, individualmente, procurassem seu desenvolvimento pessoal no mercado. (UGÁ, 2004, p. 60).

As controvérsias apontam para um esvaziamento da noção de cidadania

social, em que para alguns críticos, o papel do Estado deveria garantir a proteção

social por meio dos direitos sociais a todos os cidadãos, independente de sua renda,

capacidade e outras, e não se tornar uma política restrita a serviços e benefícios

somente para aqueles que se enquadrem na categoria de “pobre”. Parece-nos que

as articulações entre pobreza, trabalho e proteção social nas políticas públicas

continuam presentes.

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4 A POBREZA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS

As políticas públicas nos estudos sobre a ação de governos se diferenciam

das analises convencionais baseadas nas teorias de Estado. Segundo revisão sobre

o tema realizado por Souza (2006), Política Pública é um conjunto de ações de

governo que irão produzir efeitos conforme a capacidade de fazer escolhas entre o

que fazer ou não fazer, de estabelecer prioridades, solucionar problemas, buscar

resultados etc. Para a autora, podemos pensar as políticas públicas como

[...] campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ação e /ou analisar essa ação (variável independente) e quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real [...] (p. 26).

A política pública ainda é concebida um território de várias disciplinas, teorias

e modelos analíticos, comportando vários olhares, onde os desenhos e formulações

desdobram-se em planos, programas e projetos que são implantados, monitorados e

avaliados constituindo-se em bases de dados ou sistemas de informação e

pesquisas. As políticas públicas possuem um ciclo que é constituído dos seguintes

estágios: definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções,

seleção das opções, implementação e avaliação (SOUZA, 2006). Dentre as várias

definições e modelos de políticas públicas, a autora sintetiza os seguintes

elementos:

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A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz;

A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes;

A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras;

A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançado;

A política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo;

A política pública envolve processos subseqüentes [sic] após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação. (p. 36).

Nessa abordagem o importante é estudar as situações concretas para

investigar a integração entre estruturas presentes e ações, estratégias,

constrangimentos, identidades e valores das políticas públicas.

A noção de política pública é problematizada por Spink, P. (2009) ao

questionar o uso generalizado do termo que lhe confere certa seriedade e

racionalidade política, tomada como um bem comum, dentro de um Estado

Democrático e Moderno. Para o autor, precisamos refletir sobre o modo

indiscriminado de pensar as políticas públicas como algo inevitável, independente e

pré-existente, sendo mais uma maneira de nos posicionarmos dentro das

convenções sociais e linguísticas como um exercício democrático em que se

expressam ações e intenções e buscam-se repostas e elaboram-se perguntas. A

política pública aqui é entendida com um produto social especificamente situado,

que nos ajuda a falar acerca do governo e suas formas de governar ações,

programas e projetos.

Nesse capitulo trazemos os discursos políticos que influenciaram o formato

das Políticas Públicas de Enfrentamento à Pobreza no Brasil, como uma Política de

Transferência de Renda Direta, desenhada por meio do Programa Bolsa Família.

Apresentamos o debate contemporâneo sobre as políticas públicas de

enfrentamento à pobreza por meio de três eixos de discussão, sendo o primeiro

situado no marco do neoliberalismo, da desregulamentação da proteção social, da

precarização do trabalho e seus efeitos na formatação da política social atual. Nessa

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parte, iremos fazer uso da noção de Reconversão da Pobreza trazida por Ivo (2008,

2006, 2004) e a de Metamorfose da Questão Social de Castel (2003).

A defesa da política de transferência de renda, na forma de renda básica e

renda mínima de cidadania, usada como base de sustentação na implantação das

políticas de enfrentamento à pobreza, será apresentada em um segundo eixo. Essa

discussão será posicionada pela Rede Europeia de Renda Básica por meio de seus

interlocutores como Phillipe van Parijs, e no Brasil o Senador Eduardo M. Suplicy e

Dra. Maria Ozarina da Silva e Silva entre outros (SILVA; YAZBEK; DI GIOVANNI,

2008; SUPLICY, 2008; VANDERBORGHT; VAN PARIJS, 2006).

Para finalizar, no terceiro eixo, trazemos uma problematização preconizada

por Michel Foucault em Nascimento da Biopolítica (2008), de uma possível mudança

na forma de governamentalidade da proteção social implícita em uma proposta de

imposto negativo, rejeitada pelo governo francês no inicio da década de 1970.

4.1 O PROCESSO RECONVERSÃO DA POBREZA E

METAMORFOSE DA QUESTÃO SOCIAL

A mundialização do mercado, a perda da centralidade no trabalho, as

problemáticas do emprego como a precarização e a flexibilização, o desemprego em

massa, compõem um quadro de sociabilidades flutuantes e desestabilizadas que,

segundo Castel (2003), fez com que a pobreza passasse a assumir caráter prioritário

no âmbito das políticas públicas, configurando a metamorfose da questão social.

Esses processos se inserem no projeto neoliberal, que entende as políticas

sociais como sendo de caráter compensatório, implantadas a margem da

institucionalidade da proteção social, confrontando o tratamento focalizado das

políticas sociais de inclusão social universalista. Do ponto de vista de Ivo (2008)

ocorre nesse contexto uma profunda mudança do paradigma da universalidade das

políticas sociais da era dos direitos para o de programas mitigadores, setorializados

e focalizados da pobreza que demandou de um amplo processo de reversão da

perspectiva constitucional do Estado Social Inclusivo, em que se envolveu não

somente novas práticas e formatações da política social, mas principalmente uma

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desconstrução simbólica e ideológica dos sistemas de seguridade social. Essa

reorientação da política social centrada no combate à pobreza com o objetivo de

reduzir os efeitos adversos dos ajustes estruturais à margem do campo da proteção

social é o que caracteriza para Ivo (2008) o processo de Reconversão da Questão

Social e da Pobreza.

O “social” constituiu-se na modernidade, centrado e estruturado em torno do

trabalho, mas com o processo de reconversão passou-se de um regime baseado no

direito civil para um regime fundado no direito social, reconvertendo uma noção de

responsabilidade, antes restrita ao âmbito individual, para uma noção de risco

coletivo, criando as condições de intervenção crescente do Estado na esfera das

relações privadas, na empresa, na família, na prevenção de perigos que ameaçam a

sociedade, consolidando o princípio da responsabilidade pública institucionalizada.

Conforme Ivo (2006) a inserção social não seria mais via trabalho e direitos sociais e

sim pela via do mercado por meio da transferência monetária, e deveria possibilitar

algum acesso ao consumo e condição de reprodução e inserção social. Assim,

reconverte-se “o assistido” em cidadão consumidor tutelado da assistência social por

meio da transferência de renda. Para Ivo (2004), do ponto de vista político, eleva-se

o ato da compra a ato cívico.

Dos inúmeros componentes que constituem essa nova ordem Ivo (2006)

destaca a “individualização” da política social, centralizando no pobre as

possibilidades de saída da pobreza, com forte componente da ajuda obtida pelo

processo de refilantropia da pobreza, apelando para os sentimentos de

solidariedade e responsabilidade de toda sociedade e que também conta com o

pobre como o sujeito capaz de se mobilizar contra essa situação, por meio do

desenvolvimento de capacidades preexistentes dos próprios pobres. Esse discurso

da inserção do pobre pela superação da pobreza é paralelo à construção da noção

de insuficiência e fragilidade do Estado, que leva a uma descredibilidade da política

que aparece como espaço do privilégio, da desordem, da corrupção etc. abrindo as

portas para a desregulamentação dos direitos sociais (IVO, 2008, 2006).

Mas é a focalização da gestão pública, um dos principais pilares da

reconversão social apontado por Ivo (2006), ao situá-la como instância instrumental

e operativa relacionada à seletividade dos gastos sociais. Focalizar é, estabelecer

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mecanismos e critérios para delimitar quem tem direitos aos serviços básicos. Para

operacionalização dessa proposta precisa-se de uma tecnificação da política social,

que deve ser baseada na “Lógica da Escolha Pública Eficiente” dos recursos

governamentais destinados à política social e de uma minuciosa e eficiente

avaliação da racionalidade instrumental da “Gestão da Pobreza” que irá eleger os

critérios de contingenciamento dos recursos públicos e as demandas sociais que

serão assistidas (IVO, 2006).

Em sua crônica da sociedade salarial, Castel (2003) diferencia as políticas de

integração4 das políticas de inserção social5 atuais, que obedecem à lógica da

discriminação positiva que devem definir sua clientela com precisão para que sejam

desenvolvidas estratégias de intervenção específicas para elas. O autor reconhece

que o modelo da ajuda social das políticas de inserção social venceu o da

seguridade social baseado no trabalho, e aponta o recuo das políticas integradoras

globais e a multiplicação dos tratamentos especiais para populações com problemas

que demandam novas tecnologias de intervenção. Essas novas tecnologias para

Castel (2003, p. 543) vão se situar “[...] aquém das ambições políticas integradoras

universalistas, mas também são distintas das ações particularistas com objetivo

reparador, corretivo e assistencialista da ajuda social clássica [...]”.

4.2 A TRANSFERÊNCIA DE RENDA: DA RENDA BÁSICA

UNIVERSAL À RENDA MÍNIMA AOS POBRES

Os efeitos da crise do trabalho, da seguridade social, do Estado de Bem-Estar

Social e a revolução tecnológica, demandam por um novo desenho nas políticas

sociais, e é nesse contexto que se insere a proposta de transferência de renda,

como uma possibilidade de enfrentamento ao desemprego estrutural e a pobreza. A

noção da transferência de renda é de que todos devem ter direito a uma renda

4 As políticas de integração promoveriam acesso a todos aos serviços públicos, à instrução, desenvolvimento das proteções e consolidação da condição salarial. Ex.: escolaridade normal, emprego estável, quadro de vida decente, direitos trabalhistas como férias, seguro desemprego outros. o que caracteriza a seguridade social na sociedade salarial (CASTEL, 2003).

5 Política de inserção está relacionada à ajuda social que seria dar subsídios a todos aqueles cuja existência não pode ser assegurada a partir do trabalho ou da propriedade (CASTEL, 2003).

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mínima de acordo com suas necessidades, independente do trabalho ou condição

social, para garantir o direito mais elementar do ser humano mediante uma justa

participação da riqueza socialmente produzida.

Propostas de Imposto de Renda Negativo6, Crédito Fiscal por Remuneração

Recebida7, entre outras foram implantadas em diversos países da América e Europa

e atualmente são defendidas pela União Europeia junto a seus países membros. No

inicio, o debate assumiu um caráter universal, caracterizado pela redistribuição de

renda básica a toda população, noção essa defendida principalmente pela Rede

Europeia de Renda Básica, que vem mantendo uma ampla discussão internacional

sobre a Renda Básica enquanto modalidade de Programas de Transferências de

Renda. O economista belga Philippe Van Parijs, um de seus principais interlocutores

define a renda básica como uma renda paga por uma comunidade política a todos

os seus membros individualmente, em que não importa a sua origem, raça, sexo,

idade, condição civil ou socioeconômica, ou seja, esse dinheiro não deve estar

condicionado à situação financeira ou a qualquer exigência de trabalho

(VANDERBORGHT; VAN PARIJS, 2006). Entre os beneficiários, além de todos os

cidadãos de direito estão incluídos os imigrantes, residentes temporários, inclusive

sem uma verificação prévia de sua situação financeira8. Essa renda básica deveria

ser paga em dinheiro, cheque ou cartão de crédito, não na forma de bens ou

serviços, nem de cupons ou selos e não envolveria qualquer tipo de restrição ao que

a pessoa vá fazer com os recursos, quanto à natureza ou ao ritmo do consumo e

investimento que ela ajuda financiar. A renda básica deve ser paga pelo governo de

forma regular, não em forma de doações (VANDERBORGHT; VAN PARIJS, 2006).

Uma das principais defesas a favor da proposta da renda básica universal,

segundo Suplicy (2008), seria a não necessidade da criação de um sistema

6 Proposta concebida por Milton Friedman (Prêmio Nobel de Economia de 1976), dentro do marco liberal, pois atuaria de maneira não prejudicar o funcionamento do mercado, ao mesmo tempo em que garantiria uma renda a todas as pessoas (SUPLICY, 2008).

7 O Crédito confere a todo trabalhador que tenha uma família e uma renda positiva inferior a determinado patamar (U$ 30 mil anuais, no caso de duas ou mais crianças) o direito de receber uma quantia em dinheiro que lhe permite alcançar uma renda maior e assim superar a sua condição de pobreza (SUPLICY, 2008).

8 O método de verificação proposto é o ex ante, diferente dos sistemas mais usuais que operam ex post, ou seja, por meio da verificação da renda do beneficiário anterior ao recebimento do benefício (SUPLICY, 2008).

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burocrático de controle da população, para saber se uma pessoa é ou não destituída

de renda, pois sendo um direito de todos os cidadãos, eliminaria os possíveis

estigmas, sentimentos de humilhação em receber um benefício destinado a um

determinado grupo vulnerável socialmente ou rotulado como pobre. Sendo um

direito universal, acredita-se que a informação desse benefício poderia ter uma

maior abrangência, já que todos saberiam da existência desse direito.

Outro posicionamento favorável a renda básica universal, trata-se das

relações de trabalho, e foi explicitado em 2007 por Maria Ozanira da Silva e Silva,

assistente social brasileira e membro da Rede Europeia de Renda Básica. Ao

conferir maior poder ao trabalhador de barganhar melhor seu contrato de trabalho

em situações de precariedade, a renda básica resgataria maior dignidade ao

trabalhador e ao mundo do trabalho. Segundo Maria Ozanira da Silva e Silva, seria a

maneira de assegurar a todas as pessoas o direito inalienável de participar da

riqueza da nação e ter o suficiente para as suas necessidades (SILVA; YAZBEK; DI

GIOVANNI, 2008).

Suplicy (2008) tece algumas considerações sobre a universalidade da

distribuição de Renda Básica, pois essa desvincula o benefício da condição social

do beneficiário, sendo uma renda universal que seria acessada inclusive pelos ricos.

Porém, para o autor, essa seria uma das questões mais intrigantes nesse debate, e

apesar dos aspectos positivos que a universalidade atribuiria à conquista da

cidadania os países em desenvolvimento optaram pelo apelo da maior necessidade,

priorizando seu uso na erradicação da pobreza e a miséria.

Nessa perspectiva, a transferência de renda tem sido considerada como uma

política compensatória eficiente no enfrentamento à pobreza, um mecanismo de

redistribuição da riqueza socialmente produzida e uma política de complementação

aos direitos e serviços sociais básicos existentes, que permite a inserção social e

profissional dos cidadãos.

Nessa modalidade, a população alvo deve ser definida mediante um aparato

de controle da sua condição social momentânea que irá caracterizar os modos de

governo da pobreza contemporânea. No entanto, a noção de transferência de renda

como um direito social e econômico, que possibilitará a redistribuição de renda,

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apesar de constar nos documentos oficiais das políticas públicas do Estado

Brasileiro, possuem pouca capilaridade e repercussão entre os gestores e

população pobre envolvidos nas ações cotidianas dessas políticas.

4.3 PROBLEMATIZANDO A POLÍTICA DE TRANSFERÊNCIA DIRETA

DE RENDA

Em sua aula de 7 de março de 1979, do curso Nascimento da Biopolítica

(2008), M. Foucault comenta sobre uma proposta de política social neoliberal,

rejeitada na época pelo Governo Francês. A proposta seria de implantação de um

imposto negativo como um tipo de proteção social, um “[...] subsídio que seria em

espécie e proporcionaria recursos suplementares a quem, e somente a quem, a

título definitivo ou provisório, não alcança um patamar suficiente [...]” (FOUCAULT,

2008, p. 280).

Esse tipo de proteção social focalizada seria para atender uma categoria de

indivíduos

[...] seja a título definitivo, por serem idosos ou deficientes, seja a título provisório, por terem perdido o emprego, por serem desempregados, não podem alcançar um certo patamar de consumo que a sociedade considera decente [...] (FOUCAULT, 2008, p. 280).

Essa prática, segundo Foucault (2008, p. 281), reintroduz uma distorção entre

os pobres e os outros, os assistidos e os não assistidos e ira apenas atenuar os

efeitos da pobreza, pois “[...] não visa de forma alguma ser uma ação que teria por

objetivo modificar esta ou aquela causa da pobreza [...]”, agindo somente nos efeitos

e nunca no nível de suas determinações.

Foucault (2008, p. 282) ressalta que essa proposta traria uma grande

mudança na concepção elaborada há Séculos da política social e da

governamentalidade ocidental que sempre procurou distinguir “[...] os bons dos maus

pobres, os que trabalham voluntariamente e os que estão sem trabalho por razões

involuntárias [...]”.

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Outra observação importante de Foucault (2008), é que essa proposta evitaria

os efeitos de redistribuição geral de renda, que era o signo até então da política

socialista que tentaria modificar a diferença de renda entre ricos e pobres ou atenuar

os efeitos da pobreza relativa. Na proposta do imposto de renda negativo a única

pobreza a ser combativa é a pobreza absoluta9, que para Foucault (2008) também é

relativa, ou seja, haveria sempre um limiar relativo na pobreza absoluta.

As políticas sociais, particularmente as da França, Inglaterra e Alemanha que

Foucault (2008) analisou na Biopolítica, apesar de não apreciarem trabalhar com a

categoria do pobre ou mesmo fazer uma clivagem entre pobres e menos pobres,

introduziram essa categoria em todas suas políticas sociais. De uma política que se

situava no leque da pobreza relativa, na redistribuição da renda entre elas, no jogo

da diferença entre os mais ricos e mais pobres passou-se para uma política “[...] que

vai definir um certo limiar mais uma vez, relativo, mas um certo limiar absoluto para a

sociedade, que vai separar os pobres dos não pobres, os assistidos dos não

assistidos [...]” (p. 283). Esse sistema segundo Foucault (2008) é totalmente

diferente daqueles em que a população era assistida na política social liberal, uma

forma menos burocrática, disciplinar, centrada no pleno emprego e nos mecanismos

da seguridade social. Renuncia-se a tudo isso para se integrar numa economia de

mercado.

4.4 ENFRENTAMENTO À POBREZA NO BRASIL VIA POLÍTICAS

PÚBLICAS

No Brasil, a política pública de enfrentamento à pobreza é realizada por

projetos e programas de transferência de renda sob as concepções de renda básica

e renda mínima. A partir de 1995, articularam-se os benefícios de renda com a

9 Pobreza absoluta para Foucault (2008, p. 282) é o “[...] limiar abaixo do qual se considera que as pessoas não têm uma renda decente capaz de lhes proporcionar um consumo suficiente [...]”. Na nota 54, citando Lionel Stoleru, em L' Impératif Industriel (1969), é realizada uma interessante distinção entre pobreza absoluta e relativa. Na absoluta, fala-se em 'mínimo vital' e limiar de subsistência, de orçamento padrão e necessidades elementares. Na pobreza relativa, fala-se em um leque de renda, de hierarquia dos salários, de disparidades de acesso aos bens coletivos, coeficientes de desigualdade de distribuição de renda. Para Stoleru “[...] a diferença entre pobreza absoluta e relativa é a fronteira entre capitalismo e socialismo [...]” (FOUCAULT, 2008, p. 295).

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escolarização, como garantia de superação da pobreza por meio da

profissionalização, com o objetivo de superar o caráter meramente compensatório e

assistencialista da proteção social.

Em 2001, foi criado um Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza por

meio do Decreto n. 3.997 de 1º de novembro de 2001. E em 8 janeiro 2004, é

decretada e sancionada a Lei de Renda Básica de Cidadania (Lei n. 10.835) que

institui em seu artigo 1º a renda básica de cidadania que constituirá no direito de

todos os brasileiros residentes no Brasil e estrangeiros residentes há pelo menos há

cinco anos no país, não importando sua condição socioeconômica, receberam,

anualmente um benefício monetário (SUPLICY, 2008). Contudo, o artigo seguinte

afirma que a abrangência do benefício “[…] deverá ser alcançada em etapas, a

critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da

população.” (SUPLICY, 2008, p. 377).

Esse marco legal deu sustentação para que os programas de renda mínima

existentes fossem consolidados e ampliados no Brasil. São também os denominados

de programas de renda de cidadania. A noção de Renda Mínima assumida é aquela

em que o benefício é concedido com base na renda per capita, condicionado à

situação familiar, restrito às pessoas carentes ou pobres, em circunstâncias de

vulnerabilidade e risco social. No Brasil, a política de transferência de renda assume

o formato de imposto de renda negativo, possui a unidade familiar como beneficiária

e é transferida mensalmente por meio de um cartão bancário magnético (SIMÕES,

2008; SUPLICY, 2008).

Na experiência brasileira, Costa (2000, p. 19) comenta que a noção de

proteção social nunca adquiriu o aprofundamento necessário, pois segundo ele “[...]

se por um lado, abrange processos sociais amplamente naturalizados, por outro,

cerca de incertezas paradigmas ardorosamente defendidos há muito tempo [...]”.

Dessa forma, as práticas sociais de proteção e as relações entre senhores e

escravos, modelaram os padrões protecionistas, produzindo assim diferentes efeitos

para a maioria da população brasileira que nunca viveu sob regime de pleno

emprego e com acesso aos direitos sociais garantidos, características de uma

sociedade salarial ou de um estado de proteção social.

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No Brasil escravagista, segundo Costa (2000, p. 21), durante quatro séculos

fomentou-se “relações permanentes de desmonetização, pelo não-assalariamento”,

onde a maioria dos trabalhadores ficou excluída de todo e qualquer mercado e sem

garantias de proteção social, assumidas das mais diversas formas por relações com

a esfera privada.

No caso brasileiro, afirmam Sposati et al. (1998), até 1930, não havia

consciência da pobreza como questão social. Quando concebida como questão do

Estado, era enquadrada como “caso de polícia” e tratada pelos seus aparelhos

repressivos. Para os autores, “[...] os problemas sociais eram mascarados e

ocultados sob forma de fatos esporádicos e excepcionais [...]” (p. 41). Na percepção

do Estado Brasileiro, os pobres eram considerados como grupos especiais, “párias

da sociedade, frágeis ou doentes” e a pobreza era tratada como disfunção pessoal

dos indivíduos que eram encaminhados para internação e asilamento do modelo

assistencial existente. O papel do Estado Brasileiro era de apoio ou fiscalização da

rede de organismos de solidariedade social da sociedade civil, em especial aos da

Igreja de diferentes credos e a assistência se caracterizava pelo binômio de ajuda

médico-social (SPOSATI et al., 1998).

Estudos e pesquisas registram ser a década de 1930 o marco da Política

Social Brasileira e a assistência começa a se configurar como ação governamental e

prestação de serviços.

A crise do liberalismo de Estado10 reflete no Brasil, que até então era

dominado por uma oligarquia agrária, criando as bases para o novo Estado, em que

a questão social começa a fazer parte da agenda, particularmente na regulação da

força do trabalho.

Tardiamente, é nas décadas de 1960 e 1970 que o modelo do Estado do

Bem-Estar Social (Welfare State) se consolida no Brasil, após duas fases de regimes

autoritários (1930-1943 e 1966-1971), em que as ações das elites buscavam novas

10

A partir da década de 1930 em decorrência da crise nos Estados Unidos da América, registra-se um aumento da miséria e desemprego, perde-se a crença na autoregulamentação do mercado para solucionar as questões sociais, e a perspectiva keynesiana propõe um redirecionamento no papel da intervenção do Estado, como alívio e superação das consequências indesejáveis do mercado (PAULA, 1992).

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formas de legitimação via política social. Os institutos de aposentadoria e pensões, a

legislação trabalhista e as mudanças nas áreas de políticas de saúde e educação,

marcam o período de 1930-1943, sob a fiscalização e controle do Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio (PAULA, 1992). No entanto, há um questionamento

sobre a existência ou não de um Welfare State no Brasil que ocorre segundo Paula

(1992, p. 118)

[…] pela ineficiência do nosso padrão de Welfare State de responder

as necessidades de proteção social da população brasileira […] As próprias noções de “Estado de Bem Estar Social” ou de “Estado Protetor” são estranhas tanto à nossa realidade, quanto as tradições acadêmicas brasileiras no campo da análise das políticas sociais e públicas.

A partir de 1964, o sistema de proteção social se expande em meio a um

regime autoritário e tecnocrático. Foram criados grandes sistemas organizacionais

de caráter nacional, regulados pelo Estado, como a previdência social (Sistema

Nacional de Previdência e Assistência Social), sistema habitacional (Sistema

Financeiro da Habitação), por diversos fundos como o Fundo de Garantia por Tempo

de Serviço e as poupanças compulsórias como Programa de Integração Social e o

Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público.

O que caracteriza a questão social, nessa fase de industrialização induzida

pela ação estatal, é a presença marcante dos organismos financeiros multilaterais

como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Mundial. Há um

deslocamento do eixo da questão social da linha de regulação das relações de

trabalho, para a de atendimento das necessidades sociais básicas do consumidor

em geral: água, esgoto, habitação e educação (PAULA, 1992).

O perfil de intervenção governamental das políticas sociais segue o padrão de

desenvolvimento econômico do País onde o Estado do Bem-Estar Social brasileiro

vai assumir, a partir de 1964, de acordo com os estudos de Paula (1992), as

seguintes características: extrema centralização política, financeira e institucional

das ações do Governo na esfera federal, exclusão de participação social e política

nos processos decisórios das políticas públicas, predominância da lógica de

autossustentação financeira nas decisões de investimento na área social,

prevalência do princípio de privatização e maximização de interesses privados e

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baixa efetividade (impactos) das políticas sociais. A forte ênfase no caráter

contratualista do sistema de proteção social brasileiro, estabelecido pelo vinculo de

emprego é considerada injusta, pois marginaliza uma parcela significativa da

população mais carente como os trabalhadores do mercado informal, autônomos,

desempregados entre outros.

No início da Nova República (1985), vários planos de prioridades sociais

foram elaborados enfatizando a necessidade de resgate da divida social. O slogan

oficial era “Tudo pelo Social”, porém, pouco foi alterado do perfil excludente de

intervenção com baixo nível de recursos aplicados nos programas sociais com

caráter assistenciais.

Segundo reflexão de Iamamoto (2008), em contexto de mundialização do

capital, reconfigura-se a questão social na cena brasileira contemporânea.

Mudanças radicais nas relações do Estado e da sociedade civil são orientadas pela

“terapêutica neoliberal” traduzidas em políticas de ajuste recomendadas pelo

“Consenso de Washington”, onde a lógica que passa a comandar a política social é

a da privatização seletiva dos serviços sociais, transformando uma mudança da

noção de seguridade social para de seguro social, abrindo o campo dos serviços

sociais para os investimentos privados.

E é nesse processo conflitivo de mudanças que há uma retomada da pobreza

como prioridade da agenda política no Brasil, no final da década de 1990, no qual

Ivo (2004) aponta três movimentos e conjunturas distintas: a primeira etapa (1970-

1980) expressou-se pela luta dos direitos dos cidadãos, culminando com a

instalação da Assembleia Nacional Constituinte e a promulgação da Constituição

Federal de 1988. A segunda etapa (década de 1990) concerne aos reajustes

estruturais do Estado, trazendo como resultado a desregulação dos direitos sociais,

afetando as condições de inclusão social e participação da comunidade nacional

pela via do trabalho.

E no final da década de 1990, uma nova configuração da questão social é

desenhada

[…] aonde as ações contemplam formas de integração social como prioridade, equacionadas de forma fragmentada através de diversos

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programas compensatórios de enfrentamento à pobreza, descentralizados, e operados em parceria com a sociedade civil na qual ganha a importância o papel das organizações não governamentais do chamado terceiro setor [...] (IVO, 2004, p. 58).

Assim, o tratamento da questão social no Brasil reconverte-se segundo Ivo

(2004, p. 60),

[...] de uma dimensão política de inclusão social universalizada e de proteção, voltada para a produção de justiça social, para centrar-se sobre seus efeitos, ou seja, em programas mitigadores, setorializados e focalizados da pobreza.

Atualmente essa política está sendo executada pelo Estado Brasileiro através

do Programa Bolsa Família, que é considerado o maior programa de transferência

de renda do mundo, beneficiando milhões de famílias por meio de inúmeras ações

de diferentes tipos e abrangência, além de contar com parcerias variadas.

Considerando essas características, escolhemos esse Programa como estudo de

caso de nossa pesquisa.

4.4.1 Notas sobre o Programa Bolsa Família e suas nomeações

Por ser esta uma pesquisa que pretende descrever o Programa Bolsa Família

em ação nas redes heterogêneas de humanos e não humanos, as informações

históricas, conceituais e políticas do programa estarão contidos nos capítulos da

Parte II desta tese. Contudo, gostaríamos de fazer alguns esclarecimentos sobre o

seu marco legal e institucional e escrever algumas notas sobre as terminologias

adotadas que marcam importantes posicionamentos identitários e políticos do

Programa.

A proposta de eleger o Programa Bolsa Família como referência de política de

transferência de renda nesta pesquisa é por ser este o programa de enfrentamento à

pobreza de maior envergadura, investimento e abrangência social no Brasil

contemporâneo.

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A criação do Programa Bolsa Família foi determinada por aspectos técnicos e

políticos com o objetivo de unificar os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, o

Auxílio Gás e o Cartão Alimentação buscando uma maior racionalidade

administrativa e de custo. O Bolsa Família é considerado um programa de

transferência direta de renda com condicionalidades, instituído pelo Governo Federal

por meio da Medida Provisória n. 132, de 20 de outubro 2003, posteriormente

convertida na Lei n. 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e regulamentado pelo Decreto

n. 5.209, de 17 de setembro de 2004 (ANEXO B):

Art. 1º. Fica criado, no âmbito da Presidência da República, o Programa Bolsa Família, destinado às ações de transferência de renda com condicionalidades.

Parágrafo único. O Programa de que trata o caput tem por finalidade a unificação dos procedimentos de gestão e execução das ações de transferência de renda do Governo Federal, especialmente as do Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação - "Bolsa Escola", instituído pela Lei no 10.219, de 11 de abril de 2001, do Programa Nacional de Acesso à Alimentação - PNAA, criado pela Lei no 10.689, de 13 de junho de 2003, do Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à saúde - "Bolsa Alimentação", instituído pela Medida Provisória no 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, do Programa Auxílio-Gás, instituído pelo Decreto no 4.102, de 24 de janeiro de 2002, e do Cadastramento Único do Governo Federal, instituído pelo Decreto no 3.877, de 24 de julho de 2001.

Segundo o artigo 4º do Decreto n. 5.209/2004, os objetivos básicos do

Programa Bolsa Família, em relação aos seus beneficiários, sem prejuízo de outros

que venham a ser fixados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à

Fome, são:

I - promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social;

II - combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional;

III - estimular a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza;

IV - combater a pobreza; e

V - promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do Poder Público.

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Apesar de não integrar formalmente a Política Nacional de Assistência

Social11, o Programa Bolsa Família foi concebido como uma ação de proteção

básica de natureza assistencial, formada por programas, serviços e benefícios que

visam prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e

aquisições, bem como o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Essa

proteção destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social

decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos

serviços públicos, dentre outros) e /ou fragilização de vínculos afetivos (BRASIL,

2005).

O Programa Bolsa Família foi formulado e inicialmente operado por uma

secretaria executiva ligada à Presidência da República e, posteriormente, transferido

para o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, estando

atualmente sob a coordenação de uma secretaria específica, a Secretaria Nacional

de Renda e Cidadania.

O CRAS, que é uma unidade pública da política de assistência social, de base

municipal, integrante do Sistema Único da Assistencia Social, localizado em áreas

com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, e tem por objetivo a prestação

de serviços e programas sócio assistenciais de proteção social básica às famílias e

indivíduos. Entre os serviços realizados encontram-se os benefícios de transferência

de renda do Programa Bolsa Família; os benefícios de prestação continuada; os

benefícios eventuais de assistência em espécie ou material e outros. Os serviços

desenvolvidos no CRAS funcionam por meio de uma rede básica de ações

articuladas e serviços próximos à sua localização (CENTRO DE REFERÊNCIA

TÉCNICA EM PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS, 2007).

11

A Política Nacional de Assistência Social foi aprovada em 2004, pelo Conselho Nacional de Assistência Social. A Política representa o cumprimento das deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em 2003. Incorporando as demandas da sociedade brasileira no que tange à responsabilidade política, a Política define o novo modelo de gestão e apresenta as diretrizes para efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado (BRASIL, 2005).

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Além do marco legal do programa destacamos as terminologias usadas no

Programa Bolsa Família. No nosso entendimento as nomeações fazem parte de

estratégias de identificação da população e também de tecnologias de governo da

população (CORDEIRO, R., 2004). Se as práticas discursivas são práticas sociais e

a linguagem em ação constrói sentidos, achamos interessante problematizar o uso

da nomeação “beneficiário e benefício” como um posicionamento político identitário

do Programa. Nas políticas públicas atuais, encontramos distintas nomeações da

população que são oriundas de diferentes matrizes; como o “usuário”, o “cidadão” de

direitos, o “grupo alvo”, “público alvo”, o “segurado” e o “beneficiário”.

Segundo Manual e Orientação sobre o Bolsa Família na Saúde, o beneficiário

é “pessoa que faz jus ao benefício”, sendo considerado o público-alvo do Programa;

e benefício, é entendido como o auxílio monetário, por força de legislação social

específica no enfrentamento da pobreza e desigualdade social (BRASIL, 2010a).

Definidos os termos, não encontramos nos manuais e documentos públicos uma

explicação para essa opção, por isso iremos recorrer aos dicionários da língua

portuguesa para por meio da etimologia das palavras buscarmos entender os seus

sentidos.

A palavra benefício, segundo Mollat (1989), introduzida no vocabulário social

no Século XVII, entra em uso para concorrer com os termos “caridade”, misericórdia,

“bénéficence – beneficência – ancestral de bienfaisance – benemerência” dentro de

um contexto que buscava dar uma maior racionalidade política para as práticas

sociais, assim como a filantropia tentava contrapor a forte noção de caridade

religiosa lhe conferindo um caráter leigo e profissionalizante.

O termo “benefício” se refere segundo dicionário da língua portuguesa:

Serviço ou bem que se faz gratuitamente: favor, mercê, graça. 2. vantagem, ganho, proveito. 3. espetáculo cuja renda reverte em favor de algum artista da companhia, ou de outra pessoa, ou de uma instituição 4. melhoramento , benfeitoria, 5. direito conferido a alguém. 6. auxilio monetário, por força da legislação social 7. cargo eclesiástico na igreja católica romana ao qual se anexa o uso ou fruição de um bem. (FERREIRA, 1999, p. 288).

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Beneficiário é a nomeação atribuída ao público-alvo do Programa que

apresenta os seguintes sentidos: “1. Diz-se daquele que recebe ou usufrui benefício

ou vantagem, beneficiado, favorecido.” (FERREIRA, 1999, p. 288).

Há diferenças de posicionamento político identitário entre receber um

benefício e garantir um direito a um cidadão. O benefício, por ser concedido muitas

vezes por força judicial, pode ser retirado se não forem atendidos os critérios

estabelecidos ou extintas as situações que favorecem seu uso. Esse é o caso do

benefício previdenciário de auxílio-doença, salário-maternidade, que difere do direito

à aposentadoria prevista na legislação, que depois de adquirido não pode ser

retirado.

A esfera do direito nos remete à noção cidadania, apontando para uma forte

presença do Estado como seu provedor. Os sentidos dos direitos estão

intrinsecamente ligados ao surgimento do conceito de democracia, que segundo

Bobbio (1992, p. 1), “[...] é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam

cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais.” Situam-se os

sentidos de direitos como pertencentes à matriz da Modernidade Clássica ou

Sociedade Industrial, que é uma forma de organização social marcada pela

emergência dos Estados-Nação e pelo capitalismo contemporâneo, datado pela

Revolução Industrial, que se pauta pela distribuição de bens, tendo no Estado de

Bem-Estar Social (Welfare State) o seu principal modelo de desenvolvimento. É na

Modernidade Clássica que a noção de direitos sociais e cidadania se consolidam e

impactam nas diversas formas de organização e pensamento social.

Os direitos sociais são classificados como de segunda geração, que se

referem à proteção ao trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de

instrução contra o analfabetismo, depois a assistência para invalidez e a velhice,

assim sendo os direitos sociais são todos aqueles que devem repor a força de

trabalho, sustentando o corpo humano – alimentação, habitação, saúde, educação

(BOBBIO, 1992).

Ainda como nomeações presentes nas práticas da assistência social,

principalmente entre os beneficiários do Programa Bolsa Família, encontramos a

noção de “Ajuda”, que contrapondo os sentidos de benefício e direito traz os

sentidos de

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[...] auxílio, amparo, socorro. Ajuda de custo. Quantia suplementar paga por determinado serviços ou dada para determinadas despesas. Ajudar: Dar ajuda; auxiliar, socorrer, favorecer facilitar, propiciar. Auxiliar, fazer alguma coisa. Prestar auxílio a alguém. (FERREIRA, 1999, p. 80-81).

A ajuda se insere nas práticas socioassistenciais da sociabilidade primária

que nos remete à Idade Média, baseadas nas relações entre as famílias mais

abastadas e os mais necessitados, como o mendigo, o mendicante, o miserável,

indigente e carente, com forte presença dos discursos e práticas da caridade e da

“ajuda ao próximo” de origem religiosa (CASTEL, 2003). A influência do Estado na

constituição da “questão social” data a partir do Século XVII e se consolida no

Século XIX, com o advento da Revolução Industrial e o acirramento da exploração

capitalista (FALEIROS, 1987).

Das práticas sociais como ajuda, o interessante é a presença dos atributos

físicos e corporais como instrumento de trabalho como “dar o ombro, chorar junto,

abraçar”, indicando a importância do contato, da proximidade, que endereçava a

ajuda exclusivamente aos mais próximos e à vizinhança, conforme discute Castel

(2003). Por conseguinte, para ajudar é preciso se envolver emocionalmente,

demonstrando que as necessidades sociais não são somente de base material, mas

também da ordem do psicológico, do emocional e espiritual. E a forma como essa

prática geralmente se apresenta é de forma voluntária, sendo algo emergencial, que

pode trazer auxílio, amparo, socorro, não algo processual e permanente.

As nomeações caracterizam o formato e concepção das ações dos atores

envolvidos em uma política pública. O termo beneficiário e benefício é usado em

todos documentos, materiais educativos e falas dos gestores governamentais,

devido à instabilidade e possibilidade de cancelamento e bloqueio do benefício

concedido, e esta subordinado ao cumprimento das condicionalidades e ao valor do

rendimento da pessoa que o recebe. Por outro lado, em muitos momentos da

pesquisa, seja nas entrevistas, conversas e observações das ações do programa, a

noção de ajuda se fez presente, principalmente entre a população atendida pelo

programa, se distanciando da concepção de transferência de renda que pode ser

considerada também como um direito social e econômico do cidadão.

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PARTE II

MULTIPLAS VERSÕES DE “POBREZAS” NAS

REDES HETEROGÊNEAS DAS POLÍTICAS

PÚBLICAS – O PROGRAMA BOLSA FAMILIA

EM AÇÃO!

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As coisas têm peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição, textura, duração, densidade, cheiro, valor, consistência, profundidade, contorno, temperatura, função, aparência, preço, destino, idade, sentido. As coisas não têm paz. (As Coisas, Arnaldo

Antunes).

O diagrama da página anterior, das materialidades e socialidades das redes

heterogêneas das políticas públicas de enfrentamento à pobreza, apresenta diversos

atores humanos e não-humanos que se interconectam e estão justapostos, em que

cada um dos seus componentes podem ser acionados e desenrolar os demais,

podendo assim ter múltiplas entradas que podem desenhar diferentes configurações

de redes, dependendo dos fluxos, alianças, circulações e movimentos construídos

nas ações realizadas.

A partir das observações, entrevistas, conversas e leitura de documentos

públicos das ações do Programa Bolsa Família, iremos descrever três versões de

“pobrezas” que produzem efeitos não permanentes, e que, a qualquer modificação e

deslocamento de seus atores, podem interferir e alterar o que foi produzido e

apresentado.

As três versões de “Pobrezas” produzidas, a calculada, a cadastrada e a

controlada, coexistem entre si, e não devem ser entendidas de forma isoladas de tal

modo que somadas produziriam um todo ou comporiam um retrato da “pobreza”

homogênea, estável e permanente, apreendida por uma diversidade de olhares e

perspectivas. Ao contrário, propomos aqui se trate de multiplicidade de “pobrezas”.

A ênfase dada às materialidades, como atores que incidem sobre a ação, se

configurou no desenrolar da própria rede, em que, por exemplo, os formulários,

cadastros e relatórios e os sistemas virtuais ocupam lugar de grande destaque e

presença no cotidiano das políticas públicas sociais.

Esperamos que esta experiência de pesquisa seja entendida como uma

tentativa de apresentar a realidade de uma forma mais elástica, flexível e fluída do

que de costume, o que não é fácil em nossa tradição disciplinar, e também temos

certeza que muito ainda estará invisibilizado, desconectado, do lado de fora, e

necessitaria de um olhar mais treinado a alargar os horizontes, a conviver com

instabilidades e a diversidade como é recomendado aos que pretendem trabalhar

com a complexidade e multiplicidade de nossas múltiplas realidades.

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5 PARA SEGUIR REDES HETEROGÊNEAS NAS POLÍTICAS

PÚBLICAS

Iremos posicionar neste capitulo os pressupostos que entendem a pobreza

como múltipla e complexa, performadas por uma rede heterogênea de atores

humanos e não-humanos nas políticas públicas, configurando um cenário pós-

construcionista em pesquisa entendido por Spink, P. (2003a, p. 38) como uma

investigação que procura ir além de achar o real ou descobrir a verdade, mas como

uma tentativa de “confrontar, entrecruzar e ampliar os saberes” em uma

processualidade de temas situados.

5.1 REDES E MATERIALIDADES HETEROGÊNEAS

A Teoria Ator-Rede entende um fato científico como algo construído por meio

e ações de uma rede de atores humanos e não-humanos que se cristaliza em coisas

e artefatos (LAW, 2008) e se inscreve no que denominamos de Sociologia Simétrica

ao entender que as ciências tratam objetos que são um tanto complicados,

dobrados, múltiplos, complexos e emaranhados. Entenderiam que humanos e não-

humanos estariam em redes de relações, que não se sabe quando começam e

acabam, redes que não teriam forma estável e nunca se fechariam (TSALLIS et al.,

2006).

Para Law (2008), rede heterogênea “[...] é uma forma de sugerir que a

sociedade, as organizações, os agentes, e as máquinas, são todos efeitos gerados

em redes de certos padrões de diversos materiais, não apenas humanos [...]” aonde

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as relações são entendidas como materialmente heterogêneas porque são efeitos

de uma variedade de materiais, como palavras, corpos, textos e máquinas.

Não seria compatível com o pensamento construcionista e com a Teoria Ator-

Rede, trabalhar com dicotomias como as da natureza-sociedade, sujeito-objeto,

macro-micro, humano-não-humano, portanto não estamos nos referindo a uma

simples divisão entre sujeito e objeto, ou humanos e não-humanos, mas à

heterogeneidade material do social, à simetria dessas associações, de suas

articulações e mediações (SERRANO; DOMÈNECH I ARGEMÍ, 2005). O argumento

é que o social não é somente humano. Segundo essa noção, não teríamos uma

sociedade, de modo algum, se não fosse pela heterogeneidade das redes do social,

sendo que a tarefa seria caracterizar estas redes em sua heterogeneidade, e

explorar como é que elas são ordenadas segundo padrões para gerar efeitos tais

como organizações, desigualdades e poder (LAW, 2008).

Entretanto, as materialidades e práticas não-linguísticas nem sempre

ocuparam lugar nas análises discursivas, se tornando alvo de criticas que segundo

Íñiguez (2003) fizeram com que se atribuísse um certo idealismo linguístico a essa

vertente.

Em resposta a essas criticas, propõe-se maior articulação das materialidades

nas análise das práticas discursivas, o que para Spink et al. (2007, p. 15)

[...] não seria tratar o ser discursivamente construível e ser material como categorias excludentes ou anexar um âmbito extradiscursivo ao campo discursivo, [mas sim compreender essa complexa articulação que] implica a ressignificação daquilo que usualmente é entendido como matéria, materialidade, ou ainda, materializações.

Spink et al. (2007) sugerem que melhor seria perguntar pelos modos e pelas

normas reguladoras que materializam algo, já que a noção de materialização é

entendida como um processo que se estabiliza através do tempo para produzir o

efeito fronteira, de permanência e de superfície que chamamos matéria. Essa

matéria, quando constituída, produz, performa e se abre para novas

rematerializações nas quais convergem poder e discurso. Sendo assim, “[...]

materializar e significar são atividades indissociáveis e sempre dizem de relações de

poder que as tornam possíveis [...]” (p. 15).

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Esse maior espaço conferido às materialidades, segundo Spink, M. (2009),

visa tentar entender o lugar dos objetos na materialização de uma determinada

ordem social que produzem efeitos relacionais que devem ser compreendidos

simultaneamente às socialidades em uma abordagem da circulação de sentidos no

cotidiano. Menegon (2006, p. 72) enfatiza que esses aspectos são formas de

compreender a linguagem como prática discursiva, pelo fato de agregarem sentidos

de ação e movimento ao uso da linguagem, pois essas redes sociais seriam

compostas “[...] de falas, textos, imagens, corpos, instituições, organizações e outros

aparatos humanos e não-humanos que compõem os campos relacionais [...]”.

Sobre as materialidades das redes sociais, Spink e Cordeiro (2009) alertam

para o cuidado de não se ter uma postura determinista em relação aos objetos, pois

o fato de incidirem sobre a ação, não significa que as determinam, mas sim que as

“coisas” podem autorizar, permitir, sugerir, dar recursos, influenciar, proibir ou

bloquear a ação. Os objetos, mesmo que múltiplos, não seriam considerados

somente autênticos atores, “[...] mas também como o que explica as diferenças, os

poderes dominantes na sociedade, as imensas assimetrias, o exercício esmagador

do poder [...]” (p. 255).

Segundo Arendt (2008, p. 9):

Os objetos não seriam dominados pelos homens, eles estabeleceriam com eles relações complexas, eles os “superariam”, participando das categorizações. As relações entre humanos e não humanos estariam tão enredadas que não seria possível separá-las. Tratar-se-ia de compreender os vínculos que estabeleceriam entre eles.

Entender essas relações necessitaria assumir um posicionamento crítico ao

uso do “social pelo social”, como autoexplicativo, ou como uma etiqueta agregada às

diversas áreas do campo científico, pois o social para Latour (2008) não é definido

como um domínio especial, um reino específico ou um tipo de coisa particular, mas

sim como um movimento muito peculiar de reassociação e encaixe, um tipo de

relação entre coisas que não são sociais em si mesmas. Arendt (2008, p.9) afirma

que “[...] na Teoria ator-rede o conceito do que seria social seria pensado enquanto

produzido em rede, através de regimes de existência política que dariam margem a

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uma sociologia das ciências e das técnicas [...]”. Essa noção faz parte de um

movimento que é nomeado de “Sociologia das Associações”.

Para Latour e Woolgar (1997) as ciências sociais e humanas pedem urgência

na exploração de novos domínios que podem passar pela tecnologia, saúde,

mercados, artes, religião, lei, estabelecendo-se elos, onde antes apenas estavam

disciplinas isoladas umas das outras, se incentivaria a heterogeneidade e a

multiplicidade.

Sendo assim, como afirmam os teóricos da Teoria Ator-Rede, o social não é o

que nos mantém unidos, muito pelo contrário, é o que é sustentado, o que deve ser

mantido, por mecanismos, estratégias e operadores que permitem que se produzam

e mantenham no tempo e espaço. Não seria assim simplesmente pensar que os

elementos humanos e não humanos das redes heterogêneas produzem versões de

pobrezas, mas também que essas versões produzem os próprios materiais

heterogêneos dessas redes.

A noção de versão12 utilizada por Depret (1999 apud PEDRO, 2010)

problematiza o que ela denomina “projeto contemplativo da ciência” no qual haveria

uma única natureza e diferentes visões ou perspectivas sobre a mesma. A hipótese

dessa autora seria que a atividade cientifica criaria novas versões do mundo, em que

a ideia de versão visa dar conta dessa coexistência múltipla de saberes, de

definições contraditórias e controversas, sendo que dessa forma não podemos dizer

que

[...] uma versão seja verdadeira ou falsa, que representa a realidade mais cientificamente do que outra; diz-se que uma versão é mais ou menos articulada, no sentido de sua possibilidade de ampliar o sistema de referência que permitem falar dela [...] (PEDRO, 2010, p. 85).

12

Dois artigos serviram de referência na exposição metodológica das versões de “Pobrezas”. A Política Ontológica: Algumas Idéias e Várias Perguntas (2009) de Annimarie Mol, em que descreve três maneiras de performar a anemia como clínica, estatística e patofisiológica; e no artigo El Actor-Actuado: La Oveja de la Cumbria (2001) de Jonh Law e Annimarie Mol, em que apresentam múltiplas versões de “ovejas” atuando: veterinaria, epidemológica, econômica e a granadera.

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As versões são performadas em redes heterogêneas que são híbridos

compostos de materiais heterogêneos em uma simetria entre o mundo dos humanos

e o mundo das coisas (LATOUR, 2008; LAW, 2008).

5.2 A REALIDADE É MULTIPLA E PERFORMADA!

De modo a ampliar a analise das políticas públicas de enfrentamento à

pobreza, trazemos para essa discussão à noção multiplicidade e performatividade

que se inserem nas teorizações da Teoria Ator-Rede (LATOUR, 2008) e das

Políticas Ontológicas (MOL, 2008).

O nosso interesse era buscar referenciais teóricos metodológicos que

pudessem dar visibilidade às diferentes maneiras de análise que abalassem a forma

hegemônica, cristalizada e reducionista de entender a pobreza, encontradas nos

estudos e pesquisas desse tema tão antigo e atual.

O termo “Política Ontológica”, introduzido por Mol (2008), é um termo

composto que sugere uma ligação entre o real e o político, as condições que

vivemos o político e as implicações na vida cotidiana em diferentes locais e

situações: seja na política pública, na formação acadêmica, no laboratório, nos

movimentos sociais. Para Mol (2008, p. 6) a combinação dos termos ontologia e

política sugere “[...] que as condições de possibilidades não são dadas a priori. Que

a realidade não precede as práticas banais nas quais interagimos com elas, antes

sendo modelada por essas práticas [...]”.

A realidade é entendida como materialmente localizada, e o local é onde se

concebem novas formas de fazer a realidade e aonde ela é transformada por objetos

que transportam com eles novas realidades, novas “ontologias”. O termo “ontologias”

vem no plural para indicar que a realidade é sempre múltipla, que não é dada

anteriormente às práticas cotidianas.

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A realidade deveria ser entendida como performada13, feita, e não somente

observada, mesmo que seja por uma diversidade de “olhares”, pois ela é manipulada

por meio de vários instrumentos no curso de uma série de diferentes práticas. A

pobreza nas políticas públicas ora é performada em indicadores, gráficos,

comparações, ora em cadastros, atendentes, documentos, ou em conversas de

assistentes sociais, beneficiários e sistemas de informações.

Nas palavras de Mol (2008, p. 6)

[...] não são vários aspectos da realidade concebida como única e essencial, mas diferentes versões do objeto, versões essas que os objetos ajudam a performar, portanto são formas múltiplas da realidade e de objetos diferentes embora relacionados entre si.

Realidades múltiplas se diferenciam de plurais e não decorrem diretamente

das influências do perspectivismo e construtivismo presentes na ontologia política.

No perspectivismo, concebe-se um real único diante de diferentes perspectivas. Aqui

pessoas diversas olham para o mundo de diferentes pontos de vista, veem as coisas

de formas distintas e representam o que vem de maneiras diversas, mas o objeto

desses muitos olhares e contemplações permanece singular, intangível, intocado.

Multiplicam-se os olhos de quem vê, mas não a realidade (MOL, 2008). Por

exemplo, identificamos inúmeros olhares e perspectivas sobre a pobreza, como a de

gênero, étnico-racial, a economicista, humanista, religiosa etc., mas ainda se supõe

serem diversos enfoques de uma mesma pobreza.

13 Uma das concepções performativas de determinadas produções linguísticas é trazida pela Teoria dos Atos da Fala (1962) de John L. Austin (1911-1960), que questiona a visão representacional da linguagem e chama atenção para ação provocada pelos atos de fala. O termo performativo, cunhado por Austin (1962) descreve atos de fala que realizam o que se diz, ou que desempenham ação no fazer o autor estabeleceu a diferença entre expressões constatativas e realizativas (performativas). As constatativas são as que descrevem o mundo, e as realizativas (performativas), são expressões que, emitidas nas “circunstâncias” apropriadas fazem, executam ou realizam, ou seja, se consumam em ação. A noção de performatividade que usamos tem uma das suas ancoragens nessas expressões realizativas (performativas), em que dizer algo é fazer algo, e é considerada em termos de sua eficácia, de seu êxito ou fracasso e dos efeitos que produzem (ÍÑIGUEZ, 2003). A outra ancoragem reside na noção de performatividade de Butler (2003) que implicaria em uma espécie de volta a matéria, como processo de materialização que se estabiliza através do tempo para produzir um efeito fronteira de permanência e de superfície. Segundo Íñiguez (2003) a performatividade para Butler (2003) não é somente uma ação linguística, um ato de fala intencional do sujeito, mas uma forma de poder.

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Sendo assim, para Latour (2008), pode-se dizer o que é um objeto ao falar de

suas ações e submetê-lo a provações para, então, verificar se ele resiste e

sobrevive. Ao resistir aos testes de força que lhes são impostos, fatos e artefatos

vão sendo definidos e conhecidos pela sua performance, como um produto das

conexões entre elementos muito heterogêneos, articulados, que lhes dão

sustentação.

Ao diferenciar pluralismo de multiplicidade, Mol (2008, p. 6) sugere outro

conjunto de metáforas, que “[...] não as da perspectiva e construção, mas sim as de

intervenção e performance [...]” buscando salientar as conexões, as mediações, as

práticas, os bastidores dos fatos, das múltiplas realidades.

As implicações das ontologias políticas estão relacionadas às possibilidades

de escolhas que estão “em jogo” entre diferentes versões. Para a autora, as

performances de um objeto podem colaborar e mesmo depender uma das outras, as

realidades podem colidir uma com as outras, mas ainda assim há multiplicidade. As

diferentes performances não estão necessariamente em oposição uma as outras,

cada uma pode suceder a outra, aparecer em vez da outra e até incluir a outra

(MOL, 2008).

O entendimento da realidade como múltipla nos leva ao desafio de trabalhar

simultaneamente a complexidade como ponto de encontro de vários ordenamentos

simplificadores para pensar, como sugere Spink, M. (2009, p. 113) em uma

diversidade de ordens “maneiras de ordenar estilos, lógica, repertórios, discursos”

em que se dilui a dicotomia entre simples e complexo. Mas é importante ir além da

denúncia dos efeitos excludentes da simplificação, criando maneiras de lidar com a

complexidade, para que ela possa ser aceita, produzida e performada.

Situamos essas noções na reconfiguração que a Teoria Ator-Rede faz da

ontologia, ao considerar a realidade como algo múltiplo, não procurando achar um

único ordenamento e explicações, mas sim compreender que a realidade na qual

vivemos é performada em uma variedade de práticas.

De acordo com Spink e Cordeiro (2009, p. 222)

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Não se trata de registrar a multiplicidade de noções em diferentes esferas da vida isoladamente, como múltiplas perspectivas que somadas nos dariam um todo, a realidade […] elas interferem umas com as outras, revelam conexões parciais de modo que poderíamos conceber complexidade justamente como o ponto de encontro de vários ordenamento simplificadores [...].

Trabalhar a realidade como múltipla e performada é também dar uma virada

para a ação, para a prática, que nos levará a investigar e procurar revelar as

articulações, mediações, disputas entre as diferentes versões de “pobrezas”

agenciadas nas políticas públicas, ainda que de forma parcial e localizada, no

programa Bolsa Família (MOL, 2008). É uma forma de analisar o presente e de

pensar as políticas públicas de enfrentamento à pobreza em ação.

Ao pesquisar em abordagem ator-rede o importante seria

[…] seguir o trabalho de fabricação dos fatos, dos sujeitos, dos objetos. Fabricação que se faz em rede, através de alianças entre atores humanos e não-humanos. É importante sublinahar que o que está sendo frisado é a noção de ação, ação da fabricação (TSALLIS et al., 2006, p. 65).

A noção de ação na perspectiva da Teoria Ator-Rede é entendida como

mediação, um exercício de estar entre, de ocupar posição em meio, é permitir

conexão de outros elementos das redes e entre materiais diversos que geram efeitos

de reestruturação, estabelecendo novas ordenações (GRAU; ÍÑIGUEZ-RUEDA,

SUBIRATS, 2010). O motor principal de uma ação é um conjunto de práticas,

distribuídas e animadas, a soma das quais poderia realizar-se somente se

respeitarmos o papel de mediador de todos os actantes mobilizados.

Na visão latouriana de ação, todas as entidades que participam dos

processos que temos a intenção de compreender e analisar são mediadores que

transformam e interferem nesse processo. Sendo assim, o objetivo de um analista

de políticas públicas seria o de compreender de que são feitos e o que ocorre entre

a diversidade de elementos que participam na cadeia de mediações desses

processos. Para autores da Teoria Ator-Rede, o postulado da heterogeneidade nos

permite conceber novas formas de pensar a ação humana que pode nos ser muito

uteis para análise das políticas públicas. Uma política pública não pode ser

considerada domínio de um só ator ou atriz, e sim como resultado da interação entre

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eles, convertendo o processo de conhecimento em algo imprevisível e complexo!

Para isso, ampliamos as formas de pensar política pública como

[...] un processo de ingeniería heterogénea, el resultado del cual es uma red hibrida que se articula em uma arena em la que ya existen outras redes. Una red hibrida fruto de multiples processos de associacion em los que particpan uma gran cantidade y diversidad de elementos. Muchos de los cuale com su propria definicíon sobre el mundo que los rodea, sobre los problemas, sobre la imagen de los otros actores de la red, sobre la naturaleza de su dependencia y sobre las vantajas y desvantajas de trabajar juntos, y em competencia com el resto [...] (GRAU; ÍÑIGUEZ-RUEDA, SUBIRATS, 2010, p. 66).

Seguindo essa abordagem entendemos que as políticas públicas fazem parte

de um campo que envolve processos complexos, que nos permitirá incluir na

discussão os múltiplos fatores que constituem as práticas sociais das redes de

elementos heterogêneos (BRIGAGÃO; NASCIMENTO; SPINK, 2011).

O que nos interessa na análise da produção das redes heterogêneas das

políticas públicas seria

[...] ni la causa ni el porqué de nuestras acciones, sino el cómo, em las práticas cotidianas Tamos organizando, ordenado, configurando y dando forma a nuestro entorno, mediante associaciones, entre elementos heterogéneos, a través de los processos de traducción [...] (GRAU; ÍÑIGUEZ-RUEDA, SUBIRATS, 2010, p. 75).

A Teoria Ator-Rede nos oferece instrumental necessário que nos permitirá

seguir as múltiplas “versões” de pobrezas performadas por atores humanos e não-

humanos via redes heterogêneas das Políticas Públicas de Transferência de Renda

por meio de ações do Programa Bolsa Família.

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6 A POBREZA CALCULADA: A POBREZA VIRA ESTATÍSTICA!

Apresentamos alguns dados sobre pobreza noticiada na mídia, documentos e

relatórios públicos:

a) A pobreza por insuficiência de renda afeta cerca de 1,44 bilhões de

pessoas segundo Índice de Pobreza Humana, e 1,75 bilhões para o Índice

de Pobreza Multidimensional (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA

O DESENVOLVIMENTO, 2010).

b) No Brasil temos 28,8% da população vivendo em situação de pobreza e

4,8% em pobreza extrema (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA

APLICADA, 2010).

c) O Brasil encontra-se na 23º posição no ranking de países pobres e

apresenta o índice de 0,23% no Índice de Pobreza Multidimensional

(PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO,

2010).

d) O número de pobres no Brasil caiu 43% na última década (CANZIAN,

2010).

Diante dessas informações nos perguntamos: Quais versões de pobrezas são

usadas para construção dessas linhas, índices e rankings de pobreza? Porque há

tanta variação nas formas de apresentação das estatísticas de pobreza de um

mesmo país e região? Como essas versões de pobrezas estão articuladas com

outras materialidades e socialidades agenciadas pelas políticas públicas?

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Iremos neste capítulo apresentar o que nomeamos de “pobreza calculada”,

como uma das versões mais atuantes nas políticas públicas contemporâneas, sendo

expressa nos relatórios internacionais, nas metas de governo, no impacto de um

programa ou na posição de um país nos rankings internacionais entre outros.

O uso de cálculos e medidas para definir quem é pobre ou a extensão da

pobreza se tornou uma prática discursiva central das instituições multilaterais e na

maioria das plataformas governamentais, particularmente após a sua erradicação ter

se transformado em uma das metas do milênio proposta pela Organização das

Nações Unidas em seu documento Objetivos das Metas do Milênio de 1995.

Segundo Rocha (2003), a discussão da pobreza como a conhecemos hoje se

iniciou nos países desenvolvidos como reação a euforia da reconstrução do pós-

guerra e ao discurso triunfalista dos políticos, alertando para a problemática da

sobrevivência de grupos desprivilegiados dos países ricos. Para a autora,

[…] ao definir medir a pobreza, o objetivo principal é dispor de elementos para estabelecer políticas e monitorar resultados. Portanto, é fundamental que os conceitos adotados sejam operacionalizados, dado o sistema de informações estatísticas de que se dispõe [...] (p. 29).

Entre os diferentes modos de medir a pobreza, encontramos distintas

abordagens, como as da insuficiência de renda expressos nas linhas de pobreza,

que tem por base o poder de compra ou um valor derivado da distribuição de renda.

Por outro lado, temos a abordagem do “basic needs”, associando a pobreza

diretamente à não satisfação de necessidades específicas, sendo essa a noção que

norteia a construção de índices e indicadores mais recentes.

As abordagens de medição baseada na renda são utilizadas pelo Banco

Mundial, em suas famosas linhas de pobreza, e seguindo a concepção do “basic

needs” temos como referência o Índice de Pobreza Humana, e mais recentemente o

Índice de Pobreza Multidimensional, que considera a pobreza como multifacetada

incluindo fatores de desenvolvimento humano como saúde, educação e padrão de

vida.

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Há outros índices influentes como o Índice Sen, Índice Tasa de Incidência da

Pobreza, Índice Foster, Green Thorbecke, Brecha de Pobreza e o Índice de

Exclusão Social em que o indicador de pobreza faz parte da sua composição. Além

das linhas de pobreza, dos indicadores e índices, usam-se os rankings de pobreza,

geralmente como medida de comparação entre países e regiões, podendo ser

classificatório da posição de um país na escala de desenvolvimento.

6.1 AS HISTÓRICAS LINHAS DE POBREZA

As linhas de pobreza são um dos modos mais antigos de medição da

pobreza, usada pelos governos como referência no delineamento de políticas,

programas e ações para sua erradicação. São medidores que privilegiam a noção de

pobreza como insuficiência de renda monetária, e é considerada por Rocha (2003)

uma medida unidimensional. Assim, aqueles que possuem uma renda abaixo do

valor estabelecido em uma linha, que estabelece o conjunto de necessidades

consideradas mínimas naquela sociedade – são pobres. A renda seria esse valor

monetário associado ao custo do atendimento das necessidades de uma pessoa de

uma determinada população. Essa abordagem da pobreza como insuficiência de

renda, segundo Rocha (2003, p. 12), “[...] se generalizou, passando a ser adotada

mesmo nos países mais pobres, onde, ainda hoje, lamentavelmente, indicadores

relativos à sobrevivência física ainda são relevantes.”

As linhas de pobreza possuem uma longa genealogia que remonta a

Inglaterra vitoriana, sendo talvez a primeira e mais famosa a Poverty Line, criada na

cidade inglesa de Spennhamland em 1601 e atualizada em 1795, em que o cálculo

era baseado na razão entre o número de pães e o número de dependentes e

crianças que o provedor conseguisse sustentar. Estariam eleitos para receber

benefícios do governo aqueles que não possuíam rendimentos necessários para

suprir esse mínimo estabelecido (ODEKON, 2006).

Outro pioneirismo foi à abordagem de Rowntree em seu estudo de pobreza

na cidade de York, Inglaterra, em 1901, que definia patamares diferenciados de

renda necessária conforme o tamanho e estrutura da unidade familiar, definindo uma

linha de pobreza absoluta (ROCHA, 2003). Em 1965, o Governo Norte Americano

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adotou o Mollie Orshnsky Método, que definia pobreza como qualquer rendimento

abaixo de três vezes o custo da nutrição mínima, como a formula oficial de

determinação da linha da pobreza (ODEKON, 2006).

Desde então foram criadas inúmeras linhas de pobreza regionais e nacionais,

contudo o Banco Mundial tem demonstrado uma vontade política de homogeneizar e

definir padrões internacionais de medição, apresentando reiteradamente as linhas

de pobreza. Houve uma tentativa de considerar as diferenças regionais sugerindo

linhas distintas como a de US$ 2,00 por dia para a América Latinha e Caribe e a de

US$ 14,4 por dia para os países Europeus e Estados Unidos (PROGRAMA DAS

NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 1997). Outra alternativa de

padronização internacional estabelecida recentemente foi a criação do fator de

Paridade do Poder de Compra (PCC)14, para facilitar a comparação entre países. E

a medida padrão indicada, seria uma linha de pobreza internacional de US$ PCC

1,25 por pessoa e no fator PCC de 2005. Essa nova estimativa foi proposta pelo

Banco Mundial a partir de um conjunto de 88 linhas de pobreza que serviram de

base como estimativa global das Nações Unidas em 2009. No Brasil o novo PCC foi

estimado em R$ 1,57, o que deve variar anualmente segundo a razão da inflação

média anual no país e a inflação média anual nos Estados Unidos, medidas por

índices nacionais de preços ao consumidor (INSTITUTO DE PESQUISA

ECONÔMICA APLICADA, 2010).

Há também uma variação de intensidade entre pobrezas, como a pobreza

relativa, absoluta e extrema que são definidas em relação aos recursos materiais e

emocionais disponíveis numa determinada época aos membros de uma dada

sociedade ou de diferentes sociedades. A pobreza absoluta ou extrema, esta

estreitamente vinculada às questões de sobrevivência física, ou seja, ao não

atendimento das necessidades vinculadas ao mínimo vital. Já a pobreza relativa

define necessidades a serem satisfeitas em função do modo de vida predominante

na sociedade em questão, seriam ai incluídos os relativamente pobres em

sociedades onde o mínimo vital já é garantido a todos (ROCHA, 2003). As linhas de

14

O fator de Paridade do Poder de Compra é empregado para converter a unidade monetária dos países para dólar dos Estados Unidos. È uma taxa de poder de compra, expressa em quantas unidades monetárias locais são necessárias para comprar em um país o que seria comprado nos Estados Unidos por US$ 1 (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2010).

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pobreza se entrecruzam com essas variações, ou seja, há linha de pobreza extrema,

absoluta, relativa com valores distintos para diferentes localidades.

A renda como medida de pobreza e condições de vida de um indivíduo ou

população tem sido criticada e considerada bastante imperfeita, pois não há

consenso sobre o que é necessário para se ter uma vida digna e sua respectiva

renda. Segundo Grinspun (2004), a

[...] idéia [sic] de um ponto de corte, que separe pobres de não-pobres é conceitualmente viciada [...] Existe, de fato considerável movimento para dentro e para fora da pobreza que os estudos que se fiam numa linha fixa da pobreza não conseguem captar.

6.2 INDICADORES E ÍNDICES DE POBREZA

Como resposta às criticas à centralidade do fator monetário de renda na

medição da pobreza e propondo uma ampliação dessa noção, foram criados os

indicadores e índices de pobreza, geralmente utilizados para demonstrar que as

informações quantitativas acerca de problemas sociais não representam “fatos”

simples, senão formas de organizar dados que de outro modo resultariam complexos

e pouco confiáveis (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O

DESENVOLVIMENTO, 2010).

Um índice consiste em um conjunto de indicadores que se combinam para

elaborar uma medida composta de vários fatores. As principais características são:

validez, confiabilidade, quantificação, inclusão e exclusão de fatores pertinentes e

ponderação.

O Índice de Pobreza Humana, apresentado no Relatório de Desenvolvimento

Humano 1997: Desenvolvimento Humano para Erradicar a Pobreza, foi construído

com base nos conceitos de capacidade (capacidades e características) de Sen

(2000), que define pobreza como a negação de opções e oportunidades para uma

vida aceitável. O Índice utiliza no seu cálculo os seguintes tópicos: longevidade;

representada pela percentagem de pessoas que morrem antes dos 40 anos;

conhecimento; representado pela percentagem de adultos analfabetos e padrão de

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vida e a saúde; representado pela percentagem de pessoas com acesso a serviços

de saúde, percentagem de pessoas com acesso a água potável e percentagem de

crianças subnutridas. O Índice de Pobreza Humana é definido de forma diversa

conforme se trate de países em vias de desenvolvimento (Índice de Pobreza

Humana-1) e países industrializados (Índice de Pobreza Humana-2) (PROGRAMA

DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 1997).

E com o objetivo de fornecer um retrato mais amplo sobre as pessoas que

vivem com dificuldades, foi recentemente lançado pelo Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento em conjunto com o centro de pesquisas The Oxford

Poverty and Human Development Initiative, na 20ª edição do Relatório de

Desenvolvimento Humano: A verdadeira Riqueza das Nações: Vias para o

Desenvolvimento Humano, de 2010, o Índice de Pobreza Multidimensional.

O novo indicador substitui o Índice de Pobreza Humana, incluído anualmente

nas edições dos Relatórios de Desenvolvimento Humano desde 1997. As três

dimensões do Índice de Pobreza Multidimensional se subdividem em dez

indicadores: nutrição e mortalidade infantil (saúde); anos de escolaridade e crianças

matriculadas (educação); gás de cozinha, sanitários, água, eletricidade, pavimento e

bens domésticos (padrões de vida). Uma família é multidimensionalmente pobre se

sofre privações em, pelo menos, 30% dos indicadores (PROGRAMA DAS NAÇÕES

UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2010).

Os relatórios de desenvolvimento humano elaborados pela Organização das

Nações Unidas, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, são as

principais fontes de referencias de índices e indicadores no governo de pobreza de

países e regiões, e vêm assumindo noções de pobreza bastante ampliadas

contemplando sua complexidade e diversidade, no entanto têm sido acusados de

serem de difícil operacionalização e padronização.

No Brasil, foi elaborado o Atlas da Exclusão Social no Brasil, que analisou

fenômenos relacionados à exclusão social no Brasil em que incluí a dimensão da

pobreza (POCHMANN; AMORIM, 2004). O Atlas apresenta um índice-síntese para

revelar as regiões que se encontram excluídas do desenvolvimento no Brasil, o

Índice de Exclusão Social. Baseado no Índice de Desenvolvimento Humano, o Índice

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de Exclusão Social procura incorporar um maior número e variedade de dimensões

da vida humana. O índice de pobreza se encontra no grupo – vida digna –

juntamente com os indicadores de desemprego e desigualdade, usado para

averiguar o bem-estar material da população em determinado pais. O índice de

pobreza resulta do cálculo da porcentagem da população de cada país que vive com

menos de U$ 2.00/dia (POCHMANN; AMORIM, 2004). Atualmente, o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística é a principal fonte de dados estatísticos

utilizadas na produção das estimativas da pobreza no Brasil. Juntamente com o

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento do Brasil, estabelecem as referencias usadas pelas políticas

públicas. Não há uma padronização oficial brasileira, como um linha ou índice,

contudo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2010) tem considerado como

situação de extrema pobreza quem tem renda familiar mensal inferior a um quarto de

salário mínimo, e para definir a pobreza absoluta usa como corte a metade do

salário mínimo.

O Quadro 3 apresenta uma síntese dos distintos modos de calcular e medir a

pobreza e indicam ser essa uma das versões de pobreza mais presentes nas

políticas públicas contemporâneas apresentando a polissemia de sentidos,

historicidade e relatividade dessa noção. É interessante destacar a articulação

dessas distintas abordagens, a monetarista de renda, a das necessidades e a

multidimensional, pois em um único índice ou linha podem-se encontrar entrelaçados

todas essas abordagens se tornando difícil pensar um desses medidores como uma

forma simples, pura ou isolada de conceber a pobreza.

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QUADRO 3 - Síntese dos medidores de pobreza

Tipos Abordagem Valor Uso

Linha pobreza extrema

Renda U$ 1.00 Banco Mundial

– até 2008

Linha de pobreza absoluta

Renda U$ 2.00 Banco Mundial

– até 2008

Linha de pobreza internacional

Renda US$ PCC 1.25/dia Banco Mundial / Organização das Nações Unidas

– 2010

Linha de pobreza Brasil

Renda US$ PCC 1.57/dia Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

– 2010

Índice Exclusão de Social

Vida digna, conhecimento e desigualdade

3 fatores Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

– 2004

Estimativa pobreza extrema

Renda Renda familiar mensal inferior ¼

quarto salário mínimo

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

– 2010

Índice de Pobreza Humana

Basic Needs – Índice de

Desenvolvimento Humano

3 fatores Relatórios de Desenvolvimento

Humano/Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento

– 1997

Índice de Pobreza Multidimensional

Basic Needs – Índice de

Desenvolvimento Humano – Índice de

Pobreza Humana

10 fatores Relatórios de Desenvolvimento

Humano/Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento

– 2010

Legenda: PCC – Paridade do poder de compra.

Fonte: Jacy Corrêa Curado, 2012.

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6.3 A GLOBALIZAÇÃO DOS MEDIDORES DE POBREZA

A demonstração desses medidores e cálculos na definição de pobreza nos

remete a pensar em uma nova racionalidade de governo, como a prevista na noção

de Biopolítica de Foucault (2005, p. 293):

Essa tecnologia de poder, essa biopolítica, vai implantar mecanismos que tem certo número de funções muito diferentes das funções dos mecanismos disciplinares [...] vai se tratar, sobretudo, é claro de previsões, de estimativas estatísticas, de medições globais [...] de intervir no nível daquilo que são as determinações desses fenômenos gerais, desses fenômenos no que eles têm de globais. Vai ser preciso modificar, baixar a morbidade; vai ser preciso encompridar a vida; vai ser preciso estimular a natalidade.

Pode-se dizer que as linhas, índices, indicadores e os rankings fazem parte

de uma tecnologia de governo da pobreza, consolidados com o desenvolvimento da

estatística que somente a partir dos Séculos XVII e XVIII passou a ser vista como

instrumento de uma racionalidade governamental, como tecnologia de governo “[...]

constituindo-se num saber especifico e muito especial, uma ciência de Estado [...]”

(SENRA, 1996, p. 89).

A estatística cumpriria o papel de instrumentalizar essa racionalidade e ainda

dar forma à população, revelando suas características, como, por exemplo, o

número de mortos, de doentes, a regularidade de acidentes entre outras. . Assim,

como afirma Senra (1996, p. 95), “A população, devidamente revelada, se torna o

fim e o instrumento de governo, conformando a governamentalização do Estado [...]”

e pensada “[...] como um problema a um só tempo científico e político, como

problema biológico e como problema de poder [...]” (FOUCAULT, 2005, p. 293).

Um das formas de medir a pobreza da população muito usada nas políticas

públicas contemporâneas tem sido a diferenciação entre pobreza relativa e extrema.

Por exemplo, no Brasil o percentual de pobreza relativa é de 28,8% e a pobreza

extrema é de 4,8% (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2010). É

a pobreza extrema que está sendo anunciada como passível de ser extinta até 2016

no Brasil, e é em cima desse indicador que as políticas e programas de governo vão

estabelecer suas metas e avaliar os impactos e resultados. Já, de acordo com os

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critérios internacionais de pobreza, entre os que vivem com menos de US$ 1.25 por

dia encontram-se 5,2% do total da população brasileira e 8,5% vivem em pobreza

multidimensional, o que demonstra que as estatísticas da pobreza dependem

fundamentalmente do medidor que se utiliza (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS

PARA O DESENVOLVIMENTO, 2010).

Observa-se ainda uma mudança no foco do individuo pobre para uma

dimensão globalizada como aponta Foucault (2005, p. 294):

[...] não se trata, por conseguinte, em absoluto, de considerar o indivíduo no nível do detalhe, mas pelo contrário, mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade, em resumo, de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação.

Pode-se observar que grande parte dos instrumentos de medição de pobreza

atuais é criada por instituições multilaterais como a Organização das Nações Unidas

e o Banco Mundial, e são usados como referência direta ou indireta na classificação

dos países na disputa por melhores posicionamentos no panorama internacional.

Para Foucault (2005, p. 297), essa seria uma segunda fase de acomodação dos

mecanismos de poder, que a partir do Século XVIII recairia sobre a população de

uma forma global e implicaria em órgãos complexos de coordenação e de

centralização por meio de “[...] uma tecnologia que procura controlar (eventualmente

modificar) a probabilidade desses eventos, em todo caso compensar seus efeitos

[...]”.

6.3.1 A dança dos números e cálculos de pobreza!

Segundo Meirelles (2011), houve uma diminuição do número de países

pobres de 60 para 39 desde 1990 com a consequente ascensão desses territórios à

categoria de economias de renda média. Contudo pontua que apesar do ranking dos

países estarem melhorando isso não corresponde à diminuição do número de

pobres desses países. Isso é atribuído à classificação das nações de acordo com o

produto interno bruto per capita adotado pelo Banco Mundial desde os anos 1970.

No caso, segundo o autor, “[...] a renda de uma série de países ultrapassou a

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barreira dos US$ 995 nos últimos 20 anos, mas apenas uma pequena parcela de

sua população efetivamente vive com mais de US$ 1.25 por dia.” Aqui o produto

interno bruto é usado como medida de pobreza de uma nação, mas não expressa à

pobreza da população.

Como superação dessas possíveis distorções, o novo indicador da

Organização das Nações Unidas, o Índice de Pobreza Multidimensional, revisa para

cima o número de pessoas em estado de pobreza no conjunto de 104 países,

abrangendo quase um terço da população das nações (1,75 bilhão de indivíduos).

Isso excede a estimativa de que 1,44 bilhão de pessoas, nos mesmos territórios

sobrevivem abaixo da linha de pobreza extrema, ou seja, que vivem com US$ PCC

1.25/dia, no dólar corrigido pela PCC, que considera a variação do custo de vida

entre os países (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O

DESENVOLVIMENTO, 2010).

Outra mudança na forma de medição da pobreza internacional proposta pelo

Índice de Pobreza Multidimensional é a posição e a forma de apresentação do

ranking de pobreza. O Brasil, por exemplo, segundo o Índice de Pobreza Humana,

se encontrava na 23º posição entre os 78 países em desenvolvimento, atualmente

pelo Índice de Pobreza Multidimensional possui a medida de 0,039, que coloca o

país entre os de médio desenvolvimento (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS

PARA O DESENVOLVIMENTO, 1997, 2010).

Procuramos apresentar as formas como são usados esses diversos

medidores, que apesar de serem extremamente voláteis e se modificarem de acordo

com as diferentes noções de pobreza adotadas, sobretudo nos documentos públicos

produzidos pelas instituições multilaterais, ainda são tomados como “verdades”

inquestionáveis, e se tornam estáveis e permanentes quando divulgados em formato

de informação na mídia, operacionalizados em metas de governo ou na avaliação de

resultados de uma política. Pouco se conhecem ou se questionam sobre as

controvérsias e polêmicas que envolvem a construção dos critérios e definições

desses medidores, ainda restrita aos especialistas e gestores da alta hierarquia de

instituições multilaterais ou agências de pesquisa nacionais.

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Consideramos que os índices, linhas e rankings se apresentam como

poderosos instrumentos de governamentalização da pobreza, sendo centrais no

delineamento, formulação e recomendação das políticas públicas contemporâneas.

Não descartamos a existência de inúmeras iniciativas locais de produção de

medidores de pobreza, contudo escolhemos os que exercem maior influência sobre

as políticas públicas contemporâneas de pobreza, como é o caso do Brasil, que esta

trabalhando com a meta de erradicação de pobreza extrema até 2015. O Programa

Bolsa Família é o meio pelo qual essa política esta sendo operacionalizada, e para

isso precisamos conhecer quais são seus medidores de pobreza, em quais

abordagens estão baseados seus cálculos e medições, e, sobretudo qual é a

percepção dos gestores e beneficiários sobre esses procedimentos.

6.3.2 Circulando cálculos de pobreza no Programa Bolsa Família!

O Programa Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda

com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema

pobreza: Quais versões de pobreza circulam no Programa Bolsa Família? Que

atores compõe os cálculos de medição de pobreza?

No artigo 2º, da Lei n. 10.836/2004 que criou o Programa Bolsa Família,

concede os seguintes benefícios, in verbis:

Item I – o benefício básico, destinado a unidades familiares que se encontram em situação de extrema pobreza;

Item II – o benefício variável, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza e pobreza extrema e que tenham em sua composição, gestantes, nutrizes, crianças entre 0(zero) e 12 (doze) anos ou adolescentes de até 15 (quinze) anos.

Em situação de extrema pobreza são consideradas famílias com renda per

capita de até R$ 50,00, e em situação de pobreza famílias com renda per capita de

até R$ 100,00. De acordo com a Lei n. 10.836/2004 a unidade de medida é a renda

per capita familiar mensal.

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De 2004 até o ano de 2010, muitos cálculos e medidas foram alterados de

acordo com o aperfeiçoamento do programa que atende mais de 12 milhões de

famílias em todo território nacional. Os critérios de seleção são baseados na renda

familiar por pessoa (limitada à R$ 140,00), do número e da idade dos filhos, sendo

que o valor do benefício recebido pela família pode variar entre R$ 32,00 a R$

242,00 (valores reajustados em março de 2011) (BRASIL, 2012c).

A concessão de benefícios do Programa Bolsa Família é feita com base nas

informações do Cadastro Único e trabalha com quatro tipos de benefícios:

a) Benefício Básico: o valor repassado mensalmente é de R$ 70,00 e é pago

às famílias com renda mensal de até R$ 70,00 per capita, mesmo não

tendo crianças, adolescentes ou jovens;

b) Benefício Variável: o valor é de R$ 32,00 e é pago às famílias com renda

mensal de até R$ 140,00 per capita, desde que tenham crianças e

adolescentes de até 15 anos. Cada família pode receber até três benefícios

variáveis, ou seja, até R$ 96,00;

c) Benefício Variável Vinculado ao Adolescente: é pago o valor de R$ 38,00 a

todas as famílias que tenham adolescentes de 16 e 17 anos frequentando

a escola. Cada família pode receber até dois Benefícios;

d) Benefício Variável de Caráter Extraordinário: pago às famílias dos

Programas Auxílio-Gás, Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Cartão

Alimentação, cuja migração para o Bolsa Família cause perdas financeiras.

(BRASIL, 2010c).

Como exemplo, o Quadro 4 demonstra como é calculado o valor do benefício

do Bolsa Família para famílias com renda até R$ 70,00.

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QUADRO 4 - Da composição de valores do benefício para famílias com renda mensal de até R$ 70,00

Números Benefício

Crianças e adolescentes de

até 15 anos

Jovens de 16 e 17 anos

Tipo Valor

0 0 Básico R$ 68,00

1 0 Básico + 1 variável R$ 90,00

2 0 Básico + 2 variáveis R$ 112,00

3 0 Básico + 3 variáveis R$ 134,00

0 1 Básico + 1 BVJ R$ 101,00

1 1 Básico + 1 variável + 1 BVJ R$ 123,00

2 1 Básico + 2 variáveis + 1 BVJ R$ 145,00

3 1 Básico + 3 variáveis + 1 BVJ R$ 167,00

0 2 Básico + 2 BVJ R$ 134,00

1 2 Básico + 1 variável + 2 BVJ R$ 156,00

2 2 Básico + 2 variáveis + 2 BVJ R$ 178,00

3 2 Básico + 3 variáveis + 2 BVJ R$ 200,00

Legenda: BVJ – Benefício Variável Vinculado ao Adolescente.

Fonte: Brasil (2010c, p. 11).

Os principais atores na composição do cálculo para concessão e definição do

valor do benefício são: Faixa de renda – renda per capita mensal da família, sendo

as extremamente pobres (até R$ 70,00) e as pobres (de R$ 70,00 a R$ 140,00);

Idade dos moradores do domicilio – é importante frisar que o benefício variável e

variável jovem é concedida somente para três crianças e jovens por família.

O cálculo final do valor do benefício é assim somado: número de crianças e

adolescentes de até 15 anos; número de jovens entre 16 e 17 anos; tipo de

benefício (básico, variável, variável jovem).

Segundo a cartilha Agenda da Família, “O dinheiro que a sua família recebe

do Programa Bolsa Família, depende da renda mensal e do número de crianças e

adolescentes que a família possui.” (BRASIL, 2009, p. 15).

O medidor faixa de renda tem semelhanças com os cálculos das linhas de

pobreza do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, ou seja, o

benefício básico é concedido a quem possui renda de até R$ 70,00, que é próximo a

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definição de pobreza extrema de U$ PCC 1.00/dia, e o benefício variável para renda

de até R$ 140,00, que seriam o U$ PCC 2.00/dia, de pobreza relativa.

Os cálculos para definição da faixa de renda são realizados a partir

preenchimento do Cadastro Único, após ser abatido do rendimento, itens como

medicamentos, gás, entre outros. Ao ser incluída no Programa Bolsa Família, a

família tem direito de permanecer no Programa por no mínimo dois anos e após

esse período, na revisão cadastral é decidida à continuidade ou não do benefício. Se

após dois anos no Programa, a família alcançou renda acima do critério utilizado

para concessão de benefícios e já adquiriu condições para se sustentar, o benefício

será encerrado. Apresentamos a Cena 1, observada na sala de atendimento do

Programa Bolsa Família, Secretaria Municipal de Assistência Social, em Campo

Grande, MS, sobre as informações dos cálculos e valores usados pelo Programa

Bolsa Família na definição de pobreza:

Cena 1:

Um homem catador de lixo, casado e com um filho recém-nascido ao se cadastrar descobre que não está dentro dos critérios do Programa Bolsa Família, pois sua renda de R$ 450,00 mensais esta acima do valor estabelecido para recebimento do benefício.

Quem poderia imaginar que um catador de lixo não estaria incluído nos

critérios de concessão de benefício de um programa de enfrentamento à pobreza!

Como podemos observar, a variável renda foi o principal medidor na definição de

quem é pobre. Na Cena 1, o catador de lixo não é considerado pobre, por sua renda

estar acima do estabelecido de até R$140,00 per capita. Essas operações de

cálculos envolvendo diversas variáveis ainda não fazem parte do domínio de saber

dos beneficiários e de muitos gestores, que não estão acostumados a esse tipo de

prática na área social. Pode-se pensar que esses cálculos definem com alto grau de

precisão a focalização da população alvo, que é uma das exigências das políticas

sociais da atualidade.

Ao perguntar a algumas beneficiárias na fila de atendimento em um dos

Centros de Referência de Assistência Social, de Campo Grande, MS, como

entendem pobreza, foram apresentadas distintas noções que remetem às

localidades, identidades, falta de alimentação, moradia e educação.

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É uma palavra meio forte, né ! É miséria, para mim é bem forte mesmo. O nome já diz. É pessoal de favela, de morro, mendigo, é um pessoal bem humilde mesmo, a palavra já diz. Aqui tem pessoal que mora embaixo do pontilhão. (Beneficiária 1)

Pessoa que não tem nada realmente, dentro da casa para dar para o filho, não ter um pão, uma comida, um almoço..É isso! (Beneficiária 4)

É uma situação de calamidade, de pobreza mesmo, o nome já diz. É a pessoa que não em aquelas coisas grandes, porque tem gente rica que é pobre de espírito, e tem pobre que é rico. É o povo do lixão, como falei tem pobre que você vê como rico, o rico ganha bem, e o pobre come o que dá. (Beneficiária 5)

Não ter escola, não ter casa. É isso! (Beneficiária 3)

Quando a pessoa não tem onde morar, onde comer. (Beneficiária 7)

É complicado, é quando seu filho pede e não tem como dar.Pode faltar várias outras coisas, mas não pode faltar nada para seu filho... (p- qualquer coisa...) tipo comida, vestimenta, brinquedos básicos, educação básica, a saúde. Eu quase perdi meu filho, que estava com pneumonia e no posto não sabiam. Tive que pagar uma consulta. (Beneficiária 2)

Na definição do que seria pobreza ou quem seria o pobre para o Programa

Bolsa Família, a noção de renda, de baixo salário já se encontra em circulação.

Apresentam ainda a educação dos filhos como um das variáveis relacionadas à

definição de pobreza:

Quem recebe menos que um salário. Metade de um salário, para ajudar criar os filhos, comprar material escolar. (Beneficiária 3)

Sei lá, acho que o povo não entende muito o Bolsa Família, tem gente que recebe 2 salários e pega, eu conheço muita gente que tem até mais e pega. Esse programa deveria ser para quem tem crianças na escola e necessita mesmo, não é? (Beneficiária 10)

Quem não tem onde morar e se sustentar os filhos. (Beneficiária 7)

Aquelas pessoas que têm necessidade e não consegue ter uma renumeração alta, e não tem como se manter. Ai eles dão uma ajuda. (Beneficiária 9)

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Especificamente sobre o conhecimento dos critérios e cálculos realizados

para inserir uma pessoa no programa Bolsa Família, embora os beneficiários

apresentem noções que incluam os medidores de renda, nenhum dos entrevistados

conseguiu responder com precisão sobre quais e como são definidos os cálculos de

renda no Programa:

Não sei, eu acho que tem que ter uma renda familiar de até R$ 250,00, para ele entrar, que é independente do número de filhos, não tenho certeza. (Beneficiária 2)

Acho que é menos que R$ 250,00 reais. (Beneficiária 3)

Acho que é um salário, abaixo de um salário, pessoa autônoma. (Beneficiária 5)

Acho que até R$ 1.000,00 é pouco para sobreviver. É para quem tem mais filho, não sei, não faço mínima ideia. Vejo quem tem condições recebe e outros que não tem condições não recebem. Tem gente que tem casa mobilhada, chique e r recebe. Uma pessoa que tem que pagar aluguel, vestir os filhos, dar de comer. Acho que esse deve receber, ganhar. (Beneficiária 6)

Acho que é para quem não tem renda. Não pode ter renda. (Beneficiária 7)

Acho que é abaixo de um salário, tava no papelzinho lá. Depende do número de filhos. Não sei direito. (Beneficiária 10)

Não sei, uma vez tinham falado que era R$ 150,00 por pessoa na casa, às vezes tem controle às vezes não tem, não sei. (Beneficiária 9)

Não sei, não sei. (Beneficiária 8)

As informações do Programa Bolsa Família são divulgadas principalmente no

site do Programa e nos materiais educativos fornecidos aos usuários como as

cadernetas e agendas. Esses instrumentos não são suficientes para enfrentar a

desinformação ou falta de informação dos beneficiários sobre os critérios para

inserção no Programa e sobre os cálculos usados na definição do valor do benefício.

Nos atendimentos observados, as dúvidas apresentadas pelos beneficiários não

eram esclarecidas, postura essa justificada pela questão da falta de tempo durante o

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cadastramento. No entanto uma gestora do Programa Bolsa Família, de um dos

Centros de Referência de Assistência Social, de Campo Grande, MS, atribui a falta

de informação entre os beneficiários à falta de interesse dos mesmos:

[...] eles não buscam informação, querem ir lá e receber o dinheiro [… ] só querem receber o dinheiro e não veem os outros benefícios. Não participam de outros programas de inserção produtiva, redução de tarifas elétricas, “do Pró-Jovem”.

Durante o período de realização da pesquisa não observamos nenhuma

estratégia de comunicação voltada aos beneficiários para divulgação dos critérios de

cálculos do valor do benefício, seja nas reuniões, nos atendimentos de

cadastramento e na mídia.

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7 POBREZA CADASTRADA: NÃO SEM DOCUMENTOS!

Cadastros e documentos são atores que compõem a rede das políticas

sociais contemporâneas, e tem sido as materialidades preferenciais usadas para se

definir quem é o “pobre” que vive em situação de risco e vulnerabilidade social e se

esse será ou não incluído como beneficiário ou usuário de uma política social de um

programa, projeto ou serviço público.

O que era antes realizado por meio das visitas domiciliares, reuniões

socioeducativas, encontros comunitários, geralmente baseados em grupos

identitários como negros, índios, mulheres pobres, hoje têm sido realizado pelos

cadastros oficiais e seus cruzamentos com os dados agrupados em sistemas

públicos de informações, processados por instituições do sistema financeiro e

controlados pelos Governos Municipais, Estaduais e Federal, formando um novo

complexo de tecnificação da política social.

Entre as materialidades da gestão das políticas públicas iremos destacar de

um lado o uso do Cadastro Único, que é o instrumento utilizado para coleta de

dados e informações que objetiva identificar todas as famílias de baixa renda

existentes no país para fins de inclusão em programas de assistência social e

redistribuição de renda e por outro, a documentação apresentada pelos beneficiários

no momento de seu preenchimento.

Entendemos os cadastros e documentos como tecnologias de visibilidade que

permitem a identificação, caracterização e descrição dos indivíduos, e segundo

Cordeiro, Silva e Nascimento (2010), seriam os meios por onde o individuo seria

objetivado nos espaços públicos, em termos de traços e características não só

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individuais, mas coletivas, e podem ser considerados como dispositivos

governamentais de controle e regulamentação da população (FOUCAULT, 2008).

Essa versão de pobreza cadastrada foi construída a partir de observação nas

baias de cadastramento do Programa Bolsa Família, na Secretaria Assistência

Social de Campo Grande, MS, nos CRAS-Vida Nova e no CRAS-Vila Nasser e

conversas com gestores e leitura de documentos públicos sobre o Programa.

Cadastros são amplamente utilizados nas políticas públicas contemporâneas

e tem servido de base de informações para elaborar programas e projetos sociais,

além de subsidiar a tomada de decisões nos planejamentos, monitoramento e

avaliação das ações governamentais.

Essa prática de registrar dados para que os governos pudessem usar no

delineamento das políticas públicas, esta sendo aperfeiçoado com o advento da

informatização. Segundo Castel (2003), esse procedimento tem tornado possível a

constituição de fluxos da população e estatísticas de indivíduos, traçando um perfil

ou “perfis humanos” que deverão ter um destino homogêneo “nas políticas públicas”.

Consta nos textos históricos pesquisados por Antunes (2007) que os

primeiros registros cadastrais no Brasil começaram logo após o estabelecimento das

capitanias hereditárias, com as doações de sesmarias. A preocupação com

cadastramento originou a Lei n. 601, de 18 de setembro 1850, considerada a

primeira lei de terras brasileiras, criando o registro paroquial das propriedades

possuídas pelo Império, que obriga os proprietários rurais a realizarem os registros

de suas terras. O “Registro do Vigário” como ficou conhecido, tinha efeito

meramente declaratório, reconhecendo a posse sobre o imóvel. O cadastro de terras

no Brasil, no período da política de distribuição das capitanias hereditárias, era

administrado pela igreja e posteriormente encaminhado ao registro imobiliário.

Nesse período, não se efetuava a conferência das dimensões das propriedades

devido à vastidão das áreas de posse que muitas vezes eram localizadas em

regiões de difícil acesso. Esse fato foi agravado pela falta de pessoal habilitado para

a execução dos serviços (ANTUNES, 2007).

Na área urbana, também são as questões fundiárias que estão na base da

formulação dos cadastros. Constata-se que é a incapacidade do Estado de controlar

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e fiscalizar o uso e a ocupação do solo que cria demanda por políticas de

Regulamentação Fundiária Urbana fazendo amplo uso de cadastros e cartografias.

Para a regularização dessa situação fundiária foram necessárias estratégias de

controle, como cadastros e cartografias dos loteamentos urbanos (ANTUNES, 2007).

Os principais instrumentos utilizados nas políticas de regularização fundiária são as

Leis do Uso do Solo Urbano, elaboração de Plano Diretor, Cartografias Cadastrais e

inúmeros cadastros municipais.

Desde então os cadastros são artefatos presentes nas políticas públicas e

fazem parte da vida cotidiana dos cidadãos na contemporaneidade. No Brasil, temos

o Cadastro de Pessoa Física e Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o Cadastro

Geral de Empregados e Desempregados, o Cadastro dos Consumidores entre

outros.

O Cadastro de Pessoa Física é um dos principais documentos para cidadãos

brasileiros e identifica o contribuinte perante a Receita Federal. Cada pessoa pode

se inscrever apenas uma vez e possuir só um número de inscrição. Cada

contribuinte possui um cartão que garante este cadastro. No principio, o objetivo

desse cadastro era para fins de imposto de renda realizado pelo Cartão de

Identificação do Contribuinte, e em meados dos anos 1980 com a reformulação do

sistema tributário cria-se o Cadastro de Pessoas Físicas, o "CPF". Porém, hoje a

importância do CPF vai além dessa função fiscal e na em sua nova versão virtual o

e-CPF, serve, entre outras aplicações, para entregar declarações de renda e demais

documentos eletrônicos com aposição de assinatura digital (BRASIL, 2012b).

O Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica é um número único que identifica

uma pessoa jurídica junto à Receita Federal brasileira, órgão do Ministério da

Fazenda, ele é necessário para que a pessoa jurídica tenha capacidade de fazer

contratos.

O Cadastro Geral dos Empregados foi criado pelo Governo Federal, por meio

da Lei n. 4.923, de 23 de dezembro de 1965, que instituiu o registro permanente de

admissões e dispensa de empregados, sob o regime da Consolidação das Leis do

Trabalho. É utilizado, pelo Programa de Seguro-Desemprego, para conferir os dados

referentes aos vínculos trabalhistas, além de outros programas sociais (BRASIL,

2012a).

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O Cadastro do Consumidor é regulado pelo artigo 43, caput, §§ 1ª ao 5º, do

Código do Consumidor que regulam os bancos de dados e cadastros de todo e

qualquer fornecedor público e privado que contenham dados do consumidor,

relativos a sua pessoa ou suas ações enquanto consumidor. Como exemplos de

sistemas de concessão de crédito, temos o Sistema de Proteção ao Crédito criado

em 1955, tendo como principal função fichar os maus clientes, evitando assim,

negociações de risco, sendo que a proteção é dirigida especificamente aos

fornecedores. Posteriormente, em 1968 surge a Serasa – Centralização de Serviços

dos Bancos S/A, que tem como finalidade, dotar o sistema bancário de um

instrumento eficaz de consulta quanto aos devedores em geral.

Se por um lado os cadastros de mercado já são bastante eficientes no

controle do crédito e utilizados por todo setor de comércio nacional, os formulários,

fichários ou mesmo diagnósticos e triagens apesar de possuírem um longo histórico

na intervenção socioassistencial utilizados na área social, somente na última década

estão sendo usados de forma sistematizada e unificada pela gestão pública.

7.1 O CADASTRO EM AÇÃO!

Cena 2:

Em uma sala de cadastramento do Castro Único do Programa Bolsa Família, uma beneficiária chega e coloca vários documentos no balcão e pergunta por que bloquearam seu cartão de benefício.

Em conversa com uma Gestora da Secretaria Municipal de Assistência Social,

de Campo Grande, MS, o cadastro não é uma novidade na área social, mas sua

centralidade sim:

[…] as políticas atuais giram em torno do CAD Único, ainda existem visitas, reuniões socioeducativas, mas todas direcionadas ou a serviço do Cadastro. Em 2001, existia um cadastro de uma página com poucas informações dos Programas Vale Alimentação e Bolsa Escola. Atualmente não, a gestão do Programa gira em torno do cadastro e existem em média 22 pessoas envolvidas no seu gerenciamento.

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Em recente declaração a Ministra de Desenvolvimento Social e Combate à

Fome confirma essa postura: “O cadastro passará a ser a ferramenta do Governo

Federal para planejamento e integração de políticas públicas e para construir

indicadores de avaliação [...]” (SCORZA, 2011).

Nas Políticas Sociais, o sistema de cadastramento têm se aperfeiçoado e o

Cadastro Único de Programas Sociais, instituído pelo Governo Federal por meio do

Decreto n. 3.877, de 24 de julho de 2001, unificou as informações dos beneficiários

de vários programas, até então dispersas em vários cadastros. Aperfeiçoado após

2003, o cadastro tornou-se um instrumento fundamental para execução e gestão do

Programa Bolsa Família, razão pela qual uma parcela importante do esforço de

controle do programa por parte do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate

à Fome se refere à gestão e fortalecimento dessa base de informação.

De acordo com estudo de Filgueiras (2009), na primeira fase do Cadastro

Único, entre 2001 e 2003, ocorreram problemas relacionados à definição pouco

precisa de responsabilidades na operação e qualidade dos controles. Com a entrada

em operação do Programa Bolsa Família, apresentaram-se muitas distorções

decorrentes da incorporação à base de dados dos beneficiários de programas

previamente existentes.

Para enfrentar tal situação, desde 2004 foram desenvolvidos esforços para

organizar o Cadastro, visando solucionar problemas de duplicidade de benefícios.

Foram também realizados investimentos no aspecto técnico-operacional que

levaram à implantação do aplicativo eletrônico de entrada e manutenção de dados.

Cabe assinalar entre as ações de aperfeiçoamento: a regulamentação de

responsabilidades institucionais e dos mecanismos operacionais; o treinamento de

servidores públicos em todas as esferas de governo para operar o cadastro; e as

novas definições no contrato com a Caixa Econômica Federal com relação ao seu

papel e supervisão pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Foram também estabelecidas rotinas de controle interno e externo, com

cruzamentos e verificação de dados em testes de consistência que permitem

identificar duplicidade de nomes, entre outros problemas (FILGUEIRAS, 2009).

Sendo assim, o Cadastro Único para Programas Sociais, regulamentado pelo

Decreto n. 6.135, de 26 de junho de 2007, com sua gestão disciplinada pelo

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Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Gabinete do Ministro, por

meio da Portaria n. 376, de 16 de outubro de 2008, é caracterizado como:

[...] um instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda [...] e suas informações podem ser utilizadas pelos governos federal, estaduais e municipais para obter o diagnóstico socioeconômico das famílias cadastradas possibilitando a análise das suas principais necessidades (BRASIL, 2010d).

O Cadastro Único é composto de uma base de dados e de instrumentos,

procedimentos e sistemas eletrônicos. As versões são 5.0 / 5.05 / 6.0 / 6.05. Para o

preenchimento da versão 7.0, foram capacitados no Brasil 20 mil entrevistadores, e

sua implantação esta prevista para junho de 2011 (ANEXO C). O Cadastro Único é a

porta de entrada o Programa Bolsa Família e percorre o seguinte roteiro:

FIGURA 1 - Ciclo da porta de entrada do Programa Bolsa Família

Obs.: Diagrama elaborado a partir de informações obtidas por meio de observação, conversas, entrevistas e documentos.

Fonte: Jacy Corrêa Curado, 2012.

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A Central de Atendimento do Programa Bolsa Família na Secretaria de

Assistência Social e os CRAS dos municípios coletam e incluem os dados dos

beneficiários no Cadastro Único e enviam para o Sistema de Benefícios ao Cidadão;

o agente operador do Cadastro Único da Caixa Econômica Federal processa os

dados e atribui a cada família cadastrada um número de identificação social de

caráter único, pessoal e intransferível. O Governo Federal centraliza as informações

fornecidas e é quem determina a concessão e cancelamento do benefício, além de

treinar e capacitar os agentes de cadastramento, identificar as pessoas cadastradas

e distribuir os formulários de cadastramento. Segundo informações da Coordenadora

do Programa no Município, os cadastros são enviados para Caixa Econômica

Federal via internet, que verifica as informações e os envia para a Secretaria

Nacional de Renda e Cidadania, do Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, que autoriza a concessão do benefício. O prazo para o benefício

ser concedido é de 45 a 90 dias após cadastramento, sendo que o número de

identificação social é entregue em 15 dias.

Os dados cadastrais são autodeclarados, ou seja, não há verificação prévia

da veracidade das informações. Na Secretaria Municipal de Assistência Social,

Campo Grande, MS, há uma indicação para que 25% dos domicílios cadastrados

sejam visitados, mas segundo a Gestora:

[...] há poucos gestores e a fila de visitas é enorme, portanto muitos não recebem a visita, somente as prioridades.

No último treinamento dos entrevistadores do Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome, há uma recomendação para que a coleta de dados seja

realizada por meio de visitas domiciliares, para que o entrevistador possa verificar as

reais condições socioeconômicas da família (BRASIL, 2010d). As equipes do CRAS

estão se organizando para futuramente realizarem as entrevistas nos domicílios.

O formulário principal do Cadastro Único está estruturado em blocos: Bloco 1.

Identificação e controle; Bloco 2. Características do domicílio; Bloco 3. Família; Bloco

4. Identificação da pessoa; Bloco 5. Documentos; Bloco 6. Pessoas com deficiência;

Bloco 7. Escolaridade; Bloco 8. Trabalho e renumeração; Bloco 9. Responsável pela

unidade familiar; Bloco 10. Marcação livre para o município.

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As informações no cadastro são fornecidas pelo Responsável da Unidade

Familiar que deve ser um dos componentes da família e morador do domicílio, com

idade mínima de 16 anos. Recomenda-se que seja, preferencialmente, mulher

(BRASIL, 2010d). Essa preferência pela mulher também é indicada na lei de criação

do programa em seu parágrafo § 14. O pagamento dos benefícios previstos na Lei

10.836/2004 será feito preferencialmente à mulher, na forma do regulamento.

As informações fornecidas no cadastro devem ser precisas, pois se o nome, a

data de nascimento ou qualquer outro detalhe estiver incorreto é motivo de bloqueio.

Segundo as atendentes da Secretaria Municipal de Assistência Social, de Campo

Grande, MS, há formas de captar as contradições nas informações se comparar os

dados entre os cadastros anteriormente preenchidos, como, por exemplo, o número

de cômodos, ou mesmo o valor do gasto com alimentação e a renda familiar

declarada entre outras.

Ao preencher o Cadastro Único, se obtém um código domiciliar oferecido pelo

cadastramento que conceitua a família como unidade nuclear composta por uma ou

mais pessoas, eventualmente ampliada por outras que contribuam para o

rendimento ou tenham suas despesas atendidas pela mesma, todas moradoras em

um mesmo domicílio (BRASIL, 2010d). Entende-se que mesmo as pessoas que não

sejam parentes, mas dividem as rendas e despesas de um domicílio façam parte da

família.

Durante a observação do atendimento dos cadastros destacamos os

seguintes casos que demonstram como as noções de pobreza, de pobre, ou mesmo

da concepção do programa influenciam nos procedimentos de preenchimento e até

nos encaminhamentos dados aos beneficiários. Segue alguns comentários de

algumas atendentes do cadastramento:

Quando questionei se a renda do pedreiro não era maior que a do critério do

benefício ela respondeu:

[…] A gente tenta ajudar, dar uma ajudazinha. [Perguntei quando desconfia que uma pessoa não é pobre ou atende os critérios do Programa, e ela comenta:] [...] a gente percebe, quando é assim fazemos perguntas duas vezes e a pessoa responde desencontrado [...] mas a gente sempre ajuda.

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Em outra conversa, uma atendente me chamou para mostrar um caso típico

de pobreza de uma família que mora nos fundos de uma igreja e comenta:

[…] esses são pobres mesmo, não tem renda, só os R$ 120,00 do Programa Bolsa Família e são quatro pessoas na família!

Para outra atendente o mais difícil é quando a pessoa perde o benefício por

causa da falta de vacinação ou da frequência escolar:

[...] às vezes a criança tomou a vacina e a secretaria não notificou, ou a escola não abonou uma falta de atestado. Ai a gente procura se informar para liberar o bloqueio [...] a gente sempre ajuda.

Ao perguntar se o benefício pode ser interrompido por causa das

condicionalidades a atendente me esclareceu que pode, pois o “benefício não é

direito – não é como salário!”.

O cadastramento, mesmo sendo realizado por entrevistadores treinados e ser

composto de itens bastante objetivos, ainda encontra-se mediados por noções dos

atendentes que contradizem as das orientações oficiais do Programa como a noção

de que o benefício é uma ajuda e não um direito, de que há um pobre “legitimo” e o

que se deve desconfiar, e mesmo a naturalização das relações de gênero como

afirma uma atendente ao defender o que nomeia de sua tese de que “filho é da mãe”

de geração para geração é de mãe para mãe, pois que pai ausente é o “normal”. As

mulheres são a maioria das pessoas atendidas no cadastramento, mas segundo as

atendentes existem os “espertões”, que levam as mulheres para passarem o cartão

de benefícios para eles. Relatam também que tem casos em que a mulher busca

informação sobre a ausência de saldo na conta bancária e descobre que o marido,

filho ou neto sacaram o dinheiro do benefício, principalmente no caso de mulheres

idosas portadoras do cartão.

Observamos ainda uma grande diferença na forma de comportamento das

atendentes: umas são mais solicitas, outras fechadas, há ainda as que fornecem

informações complementares, enquanto outras conversam estritamente o necessário

com o beneficiário. Algumas ainda fazem uso das redes sociais, ou sites de notícias

durante os atendimentos, vendo notícias sobre universos bem distintos da situação

real, como por exemplo, lendo notícias sobre celebridades, moda, novelas etc.

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O balcão de atendimento do Programa Bolsa Família, na Secretaria Municipal

de Assistência Social, de Campo Grande, MS, configura um cadastramento, que se

assemelha a um desses serviços de crediário de lojas comerciais, se distanciando

da linguagem e práticas comuns aos da área social. Já no CRAS, por estarem mais

próximo do cotidiano do beneficiário, poderíamos esperar um atendimento

diferenciado, no entanto não notamos alterações na forma de preenchimento dos

dados e relação com os beneficiários. O número de pessoas na fila de espera para

ser atendido é o que pode formatar o tipo de atendimento, que geralmente é

bastante objetivo e centrado no preenchimento dos itens do formulário.

Os telefones e celulares também são materialidades fundamentais no

funcionamento do sistema de gestão. Pois segundo a coordenadora, a Caixa

Econômica Federal envia uma lista em média com o nome de 2.000 beneficiários por

mês para serem chamadas a recadastrar, pegar o benefício, prestar informações

sobre condicionalidades (vacina e presença escola, mudança de endereço etc.) ou

sobre outras irregularidades. Os gestores do setor ligam durante todo o expediente

buscando encontrar esses beneficiários. A possibilidade de encontrar um

beneficiário por meio das ligações é em média de 50%. Informaram que 90% são

ligações para celulares, mas que são realizadas por telefones fixos porque o

município não trabalha com telefonia móvel. Quando estão com tempo livre as

atendentes do cadastramento (são seis atendentes) da sala ao lado fazem ligações.

Alguns casos que não são resolvidos por telefones e indicados pelos sistemas de

informação como problemáticos devem ser visitados pelas assistentes sociais e

coordenadora do Programa. Todas essas ações são decorrentes do Cadastro Único,

ou seja, ocorrem a partir do preenchimento cadastral e sua certificação de dados,

documentos e condicionalidades.

Há uma desinformação sobre os critérios de seleção dos beneficiários e

concessão do benefício que gera um clima de desconfiança entre os gestores e

beneficiários, que sempre se perguntam, porque uns recebem o benefício outros não

e porque existem diferenças no valor da renda recebida pelas famílias, como e quem

decide se irão ou não receber o benefício, como o cálculo de renda é realizado,

sobre as condicionalidades etc. Ao responder a pergunta “Quem é pobre/beneficiário

para o Bolsa Família?”, duas beneficiárias respondem:

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[…] é relativo, porque eles nem iam fiscalizar, falam de baixa renda, e vão ver tem casa boa. Tem que ter controle também, é para pessoa que necessita mesmo, que não tem o que comer, e conta com esse dinheiro e vai lá no dia X pegar, às vezes não é nem para criança, mas pra própria casa. (Beneficiária 5)

Eu não sei o que entra, como eles escolhem o cadastro, mas tem muita gente que eles põem que não necessita e pega [...] mas quem realmente precisa ganha uma renda baixíssima […] ainda mais quando fazem visitas. (Beneficiária 2)

7.2 NÃO SEM DOCUMENTOS!

Cena 3:

Um senhor senta-se na baia de cadastramento com 6 pacotes embrulhados em um plástico e apresenta vários documentos, todos recém tirados para toda família, como Cadastro de Pessoa Física, Carteira de Trabalho e Previdência Social, Carteira de Identidade, entre outros.

A prática de “andar” documentado é comum entre a população pobre

brasileira e no Programa Bolsa Família não é diferente, pois o cidadão beneficiário

sempre deve estar em posse de um “kit” de documentos na hora do atendimento.

Sem documentos não há nenhuma possibilidade de dar encaminhamento ao

cadastramento. Apesar de o cadastro poder ser preenchido na ausência de

documentação, o benefício somente será concedido com a sua posterior

apresentação. Solicitam-se documentos nos casos de mudança de endereço da

escola, do domicilio, alteração do salário, contrato de casamento, morte de um dos

familiares, enfim, qualquer mudança no cotidiano da família deve ser documentada e

comunicado ao Programa para fins de cadastramento. Qualquer um desses eventos

se não forem comunicados podem ser motivos de bloqueio de benefícios.

A exigência da documentação do cidadão é resquício de um ordenamento

jurídico que data sua origem no Código Criminal do Império, de 1930, e

posteriormente regulamentado pela Lei das Contravenções Penais, Decreto-Lei n.

3.688, de 3 de outubro de 1941, que no capítulo VII das Contravenções Relativas à

Política de Costumes define como vadiagem

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Art. 59. Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:

Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.

Para que não houvesse risco de penalidade, particularmente o pobre sempre

deveria portar documentos, pois segundo o parágrafo único do Decreto-Lei n.

3.688/1941: “[...] A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado

meios bastantes de subsistência, extingue a pena.” Sendo assim, os documentos

como carteira estudantil e a carteira de trabalho eram a única forma de comprovação

da não “vadiagem” para fins da lei, que apesar do pouco uso ainda é vigente no

Código Penal Brasileiro e passível de ser aplicada em todo o país.

Segundo Cordeiro, Silva e Nascimento (2010, p. 1) os documentos

recentemente aparecem no discurso do Estado Brasileiro como porta de acesso à

cidadania e está relacionado a uma série de mecanismos, procedimentos e táticas

para o governo da população e tecnologia de individualização que, segundo as

autoras “[...] foi multiplicada e intensificada numa poderosa rede, que coloca em

funcionamento legislação, instituições públicas e privadas, tecnologia de segurança,

diplomacia internacional, enunciados e pessoas [...]”.

Essa prática de solicitar documentação para fins cadastrais e de

caracterização da população foi sendo estendida para outras áreas da vida

cotidiana, como exemplificaremos em seu uso nas políticas públicas sociais.

Grande parte dos atendimentos observados na sala de cadastramento do

Programa Bolsa Família não é para realização de novos cadastros, e sim para

notificação e fornecimento de informações sobre a vida domiciliar cotidiana dos

beneficiários e também para o recadastramento obrigatório solicitado a cada dois

anos.

Os documentos solicitados para cadastramento, recadastramento e

desbloqueio do benefício estão apresentados na Figura 2.

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FIGURA 2 - Bloco 5 – Documentos: documentos solicitados para cadastramento, recadastramento e desbloqueio do benefício no Cadastro Único – diagrama

Fonte: Brasil (2010a, p. 78).

A pessoa referência familiar deve obrigatoriamente apresentar Cadastro de

Pessoas Físicas ou Título de Eleitor, pois esses documentos são importantes para

que não haja multiplicidade de identificação de pessoas. Para as demais pessoas da

família, deve-se solicitar a apresentação de ao menos um documento, como

Certidão de Nascimento ou qualquer outro de identificação. O Número de

Identificação Social só será atribuído às pessoas que apresentarem ao menos um

dos documentos de identificação, e também para que a pessoa seja contada para o

cálculo da renda per capita da família (FIGURA 3).

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FIGURA 3 - Lista de documentos da Secretaria Municipal de Assistência Social, de Campo Grande, MS

Fonte: Secretaria Municipal de Assistência Social, de Campo Grande, MS, 2011.

Apesar de não constar do item documentação do Manual, observamos nos

atendimentos a solicitação de outros documentos como a Declaração de

Escolaridade para pessoas de 5 a 17 anos, comprovante de residência (conta de

luz, água ou telefone), termo da guarda para crianças que não estão sob a

responsabilidade dos pais, declaração de frequência escolar, comprovante de

vacinação entre outros, conforme a lista entregue aos beneficiários pela Secretaria

de Assistência Social do Município.

No manual do entrevistador há uma advertência sobre a diferença entre não

possuir documentos e não apresentá-los. A família só será incluída no Cadastro

Único mediante apresentação dos documentos, e o demais cadastro de quem não

possui documentos servirão para que o município possa conhecer a população que

precisam ser documentadas. Observamos que nem todas as informações

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necessitam ser documentadas, como as de renda no caso de trabalho informal, das

características do domicilio como número de cômodos, ou mesmo do gasto com

alimentação e medicamentos. Como exemplo, demonstramos que a Carteira de

Trabalho é o único documento de comprovação de renda solicitado aos beneficiários

do Programa (FIGURA 4).

A não documentação de declaração de renda do trabalho informal leva a uma

grande variação entre os rendimentos declarados, por exemplo, pelas empregadas

domésticas e pedreiros sem registros em carteira de trabalho. A priorização da

Carteira de Trabalho como comprovante de renda, pode estar subestimando o valor

recebido pelos trabalhadores do setor informal, que são a grande parcela dos

beneficiários do Programa Bolsa Família (FIGURA 5).

FIGURA 4 - Cadastro Único, formulário de identificação da pessoa, item 5.04 – Dados de

Carteira de Trabalho e Previdência Social

Fonte: Brasil (2012d, p. 4).

FIGURA 5 - Cadastro Único, formulário de identificação da pessoa, item 8.09 – Quanto

(nome) recebe, normalmente, por mês

Fonte: Brasil (2012d, p. 5).

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Para outras fontes de renda declaradas no cadastro como ajuda de não

morador, aposentadoria rural, pensão, Benefício de Prestação Continuada da

Assistência Social, Lei Orgânica da Assistência Social, seguro-desemprego, pensão

alimentícia e outras fontes de renumeração, exceto bolsa família e outros programas

sociais similares, também não são solicitados documentação que os comprove.

Cena 4:

Mulher grávida ao ter o cartão de benefício cancelado é informada que o fato ocorreu por seu marido ter arrumado empregado com carteira assinada, mas assim que ela tiver o bebê voltarão a receber o benefício.

Cada mudança de idade, de renda familiar, presença ou ausência de algum

morador do domicilio, de aumento ou diminuição de gastos mensais com

alimentação, remédios e ganhos como aposentadoria, outros benefícios como

Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social, mudança de endereço, de

escola, cidade além das condicionalidades oficiais como a frequência escolar

vacinação e acompanhamento da saúde das crianças pode alterar o valor, bloquear

e cancelar o benefício.

A mulher grávida ficou surpresa ao saber que foi o contrato de trabalho do

marido que a fez perder o benefício, informação essa fornecida pelo Ministério do

Trabalho, originária dos dados registrados na Carteira de Trabalho enviado para o

Sistema de Controle de Benefícios da Caixa Econômica Federal. Porém, ficou mais

surpreendida ao saber que poderá voltar a receber o benefício pelo cálculo da renda

per capita que irá diminuir após o nascimento do filho.

O fato de assinar a carteira de trabalho, no entendimento dos beneficiários,

tem sido um dos fatores que levam à perda ou não concessão do benefício:

A pessoa não pode ter carteira assinada. Tem que receber bem inferior ao salário mínimo, abaixo do salário. Eles não falam o valor, não vem, só vem informando que tem que ser menor que o salário mínimo. (Beneficiária 1)

Dos casos observados, o fato de assinar ou não a carteira, não consta como

critério do Programa Bolsa Família, no entanto, somente a renda registrada em

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carteira é verificada pelo Sistema de Controle do Programa, mediante informações

do Ministério do Trabalho.

Os casos a seguir demonstram distintas situações de cancelamento e

bloqueio do benefício independente do registro na Carteira de Trabalho:

a) Cancelamento do benefício. Mulher grávida perdeu o benefício porque o

marido arrumou emprego com carteira assinada, mas assim que tiver o

filho ela voltará a receber;

b) Bloqueio do benefício 1. Mudou de trabalho e aumentou a renda perdendo

o benefício (mesmo não assinando a carteira de trabalho);

c) Bloqueio do benefício 2. Mulher de pedreiro tem renda de R$ 550,00 na

informalidade. Mesmo não tendo carteira assinada não vai receber o

benefício por ter renda superior ao critério per capita familiar.

A decisão de verificação da renda via Carteira de Trabalho, faz com que os

trabalhadores informais não tenham mecanismos de comprovação de renda, o que

pode levar a distorções e desconfianças sobre as informações por parte dos

gestores e mesmo entre beneficiários.

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8 POBREZA CONTROLADA: A INFORMATIZAÇÃO DO

CONTROLE!

Cena 5:

Em uma baia de cadastramento do Programa Bolsa Família, uma mulher apresenta um extrato bancário da Caixa Econômica Federal, que adverte sobre a baixa frequência escolar de um de seus filhos, colocando em risco o recebimento do benefício.

Na cena acima, o extrato bancário da Caixa é quem informa sobre a baixa

frequência escolar referente ao mês anterior de uma das filhas da beneficiária,

colocando em risco o recebimento do benefício. A frequência escolar, assim como a

mudança de escola e abandono da sala de aula, passa por um rígido e eficiente

sistema de controle das condicionalidades, em que são prontamente notificados

para que se garanta a continuidade no recebimento da renda. Essa cena ilustra uma

das formas de controle existentes no Programa Bolsa Família. Apresentamos as

outras modalidades classificados como: controle social (da sociedade civil), controle

do benefício (da renda), controle das condicionalidades e controle da gestão (dos

gestores). Os sistemas de controle segundo o Programa são os seguintes:

a) Instância de Controle Social – é instância institucional de controle social

que permite a participação da sociedade civil no planejamento, execução,

acompanhamento da avaliação e apoio à fiscalização do Programa. Os

municípios devem instituir a Instância que deve atuar no acompanhamento

do Programa como o Cadastro Único, a gestão de benefícios, as

condicionalidades, a fiscalização e as oportunidades de desenvolvimento

das capacidades das famílias e os programas complementares;

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b) Sistema de Benefícios ao Cidadão – sistema de operacionalização das

atividades de gestão de benefícios pelos municípios, criado pela Caixa

Econômica Federal. O sistema é informatizado, com acesso via internet e

permite consultar desde a situação do benefício de uma família específica,

até informações gerenciais sintéticas, como a folha de pagamento. Por

meio do Sistema de Benefícios ao Cidadão, os gestores municipais têm

autonomia para realizar bloqueios, desbloqueios, cancelamentos,

reversões de cancelamento de benefícios;

c) Índice de Gestão Descentralizada – é um indicador que mostra a qualidade

da gestão descentralizada do Programa Bolsa Família. Quanto maior o

valor do Índice de Gestão Descentralizada, maior será o valor dos recursos

transferidos para o ente federado. Por meio da construção do Índice, o

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome espera incentivar

o aprimoramento da qualidade da gestão local do Programa;

d) Sistema de Gestão do Programa Bolsa Família – possui o objetivo de

aperfeiçoar e integrar a gestão de seus principais processos. O Sistema de

Gestão do Programa Bolsa Família será ampliado, gradualmente, com a

incorporação e disponibilização de novos módulos para apoiar os

processos de gestão de cadastro, a relação com estados e municípios, o

controle social, os benefícios, entre outros;

e) Sistema de Condicionalidades do Programa Bolsa Família – é uma

ferramenta para o gerenciamento das condicionalidades do Programa

Bolsa Família. Esse sistema permite a gestores e técnicos responsáveis

pelo acompanhamento das condicionalidades nos estados e municípios.

O controle social, dos benefícios, das condicionalidades e da gestão do

Programa Bolsa Família, em grande parte é realizado por meio de sistemas virtuais

de operacionalização, de acesso somente aos gestores públicos, o que impediu o

conhecimento do funcionamento desses sistemas para fins da pesquisa. Por parte

dos beneficiários, segundo consta na cartilha “Agenda da Família”, em caso de

terem conhecimento de alguma irregularidade são orientados a usar dos seguintes

mecanismos: procurar gestor municipal do Programa; procurar Instância de Controle

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Social da sua cidade; procurar os órgãos de controle (poder judiciário, promotores,

delegacias de polícia); telefonar gratuitamente para o número 08007072003; enviar

e-mail ([email protected]) para a Ouvidoria do Ministério de Desenvolvimento

Social e Combate a Fome (BRASIL, 2009).

Mediante as limitações de acesso aos sistemas de controle virtuais, iremos

descrever algumas formas observadas durante o atendimento do cadastramento, na

realização de entrevistas com beneficiários, conversas com gestores, além das

informações disponibilizadas no site e documentos públicos do Programa. As formas

de controle analisadas serão relativas ao controle do benefício, os critérios de

acesso, bloqueio, cancelamento e a verificação dos dados cadastrais, e o controle

do cumprimento das condicionalidades relacionadas às práticas de saúde e

educação.

8.1 O CONTROLE DO BENEFÍCIO DE RENDA

Segundo informações do site do Programa Bolsa Família, a fiscalização da

gestão do Cadastro Único e do Programa pode ser feita das seguintes formas:

- Ações in loco e à distância, realizadas pelo Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, por meio da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, conforme critérios e parâmetros estabelecidos na Portaria Senarc nº 1/2004.

- Ações desenvolvidas pelas Instâncias de Controle Social, que devem acompanhar as atividades desenvolvidas pelo gestor municipal do Programa, auxiliando na definição de formas para melhor atender às famílias que se enquadram nos critérios do Programa, inclusive no que diz respeito à disponibilização de serviços públicos de saúde e educação que permitam o cumprimento das condicionalidades.

- Auditorias e ações de fiscalização realizadas pelas instituições de controle interno e externo do poder executivo, a maior parte delas também componentes da Rede Pública de Fiscalização do Bolsa Família.

- Auditorias por meio de análise das bases de dados e sistemas, em especial aquelas realizadas na base do Cadastro Único, que permitem identificar duplicidades, divergências de informação de renda quando comparada com outras bases de dados do Governo Federal, dentre outras. (BRASIL, 2012c).

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Das formas de fiscalização da gestão do Cadastro Único descritas acima,

observamos em nossa pesquisa as que envolvem as esferas municipais (Secretaria

Municipal de Assistência Social e CRAS) e Federal (Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome, Caixa Econômica Federal) e algumas denuncias

provenientes da população. Não tivemos acesso ou conhecimento sobre fiscalização

oriundas das Instâncias de Controle Social ou outras instituições como Ministério

Público e Poder Executivo.

Mas a principal forma de controle do benefício de renda encontrada no

Programa Bolsa Família é realizada a partir dos dados fornecidos pelo beneficiário

ao Cadastro Único, e a verificação dessas informações baseada no método ex-ant,

ou seja, são autodeclaráveis e verificados somente quando solicitados pelos

gestores após o processamento dos dados cadastrais realizados pelo Sistema de

Benefícios ao Cidadão e Sistema de Gestão de Condicionalidades, e o cruzamento

com os bancos de dados públicos como Relação Anual de Informações Sociais,

Carteira de Trabalho e Previdência Social, Instituto Nacional do Seguro Social,

Registro Nacional de Veículos Automotores, Sistema Informatizado de Controle de

Óbito entre outros.

O ciclo apresentado na Figura 6 mostra a Porta de Saída do Programa Bolsa

Família, ou seja, como a partir do controle de informações, denúncias recebidas,

descobertas de irregularidades e não cumprimento de condicionalidades, o cartão de

benefícios pode ser bloqueado e cancelado.

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FIGURA 6 - Ciclo da porta de saída do Programa Bolsa Família

Obs.: Diagrama elaborado a partir de informações obtidas por meio de observação, conversas, entrevistas e documentos.

Fonte: Jacy Corrêa Curado, 2012.

A “porta de saída” ou desligamento do programa é considerado um dos seus

pontos críticos e deve ocorrer quando há o descumprimento dos compromissos

assumidos com as condicionalidades e a família beneficiária não atender mais os

critérios de renda e número de filhos estabelecidos para recebimento do benefício.

Mas nem sempre essas mudanças são notificadas pelos beneficiários que deveriam

solicitar o desligamento do programa, e sim, ocorrem após um longo processo de

verificação de informações, advertências, sansões, suspensão, bloqueio e por fim o

cancelamento do benefício, pois segundo a cartilha Agenda da Família, “[...] a família

pode ter seu benefício bloqueado, suspenso ou cancelado. Mas o governo não quer

que as famílias sejam prejudicadas [...]” (BRASIL, 2009, p. 26). O cancelamento do

benefício é função exclusiva da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania, que

mediante indicações e lista de cartões bloqueados e suspensos enviados dos

municípios, irão autorizar ou não o cancelamento. Na ocasião da pesquisa, uma

gestora da Secretaria Municipal de Assistência Social, de Campo Grande, MS, nos

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informou que haviam enviado uma lista de dois mil cartões de beneficiários

bloqueados à Secretaria Nacional e que estavam aguardando o cancelamento há

uns seis meses.

Segundo informações de uma gestora do CRAS, de Campo Grande, MS, a

principal forma de controle é realizada pelo “sistema” virtual “eles entram no sistema

para saber se a pessoa tem previdência, se está acima da renda para estiver

recebendo, se tem trabalho com carteira, tem todo um controle dentro do sistema”.

Ainda constam outros tipos de informações no “sistema” como “se o cidadão foi

candidato nas eleições, se tem carro, caminhão”. Todos estes tipos de casos são

listados para receberem visitas domiciliares, afirma a Gestora:

Quando pegam problemas lá, eles mandam fazer visitas, e também quando é detectado algo que não é condizente com a realidade a gente vai à casa, mesmo na hora do cadastro, quando a gente vê que a família omitiu alguma situação.

Ouvimos muitos comentários sobre a má distribuição na concessão do

benefício de renda, ou seja, de que muitas pessoas os recebem sem necessitar, pois

raramente os dados cadastrais são verificados, como nos casos de demonstração

de bens materiais como casa, carro, antena parabólica, telefone celular, que indicam

alguma posse de patrimônio e melhoria da condição econômica das famílias

beneficiárias.

Ao perguntar a algumas beneficiárias sobre quando se deve pedir o

desligamento do programa, as opiniões são distintas, pois enquanto uns são mais

flexíveis:

[...] depende de quanto ela tem que ganhar para sustentar todos da casa, mesmo que tenha já casa e emprego [...]. (Beneficiária 8)

[...]. é complicado, porque tem que saber se realmente a pessoa tá estabilizada, se mudou, se não precisa. (Beneficiária 4)

Outras denunciam o que consideram mal uso na concessão do benefício:

[...] tem gente que tem bicicletaria, loja, mercado e pega. Acho que deveria ser para quem realmente precisa, tem gente que ganha vale

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renda e bolsa família, acho que tá errado. É pra quem tem mais necessidade! (Beneficiária 10)

[...] quem não precisa mais tem que falar, porque tem mais de 20 pessoas que esperam para ganhar, assim falaram na reunião, mas tem gente que ganha salário e continua recebendo do programa. (Beneficiária 3)

Há muita discussão sobre quem seria “merecedor” do benefício. As

informações sobre critérios, normas, regulamentos do Programa são pouco

conhecidas e muitos que atendem os critérios estabelecidos, não os reconhecem, ou

mesmo, os que pensam estar na ilegalidade não estão, ou ainda atribuem ao salário

um critério de renda que não corresponde aos definidos pelo Programa. Segundo

vários comentários de gestores e beneficiários, o fato dos dados não serem

verificados e fiscalizadas pelo governo, cria uma sensação de que há muita “mentira”

nessas informações que propiciam a concessão do benefício, como as apontadas

por algumas beneficiárias:

Eu não sei o que entra, como eles escolhem o cadastro, mas tem muita gente que eles põe que não necessita e que pega, [...] e quem realmente precisa que eles fazem visita e dão aquela renda baixíssima. (Beneficiária 2)

É uma questão... ajuda as pessoas que realmente necessitam ?... Tem pessoas que não precisam e recebem.Tem gente que tem casa boa para morar, tem bom salário e recebe e tem quem necessita. E pagam aluguel caro, não tem casa própria e não recebe mas tem pessoas que não precisam e recebem. (Beneficiária 4)

É relativo, porque eles nem iam fiscalizar, falam que é de baixa renda, e vão ver tem casa boa. Tem que ter controle também, é para pessoa necessitada mesmo, que não tem nem o que comer e conta com esse dinheiro e vai lá do dia X pegar, às vezes não é nem para criança, mas para própria casa. (Beneficiária 5)

Sei lá, acho que o povo não entende muito o bolsa família, tem gente que recebe 2 salários e pega, eu conheço muita gente que tem até mais e pega,.esse programa deveria ser para quem tem crianças na escola e necessita mesmo, não é ? (Beneficiária 10)

Não há motivação ou incentivo à prática de denuncia entre os beneficiários e

o local para realizá-la é pouco divulgado. Em conversa com uma gestora do CRAS,

ela informa que:

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O lugar para denunciar é na Secretaria Municipal de Assistência, mas que “a maioria deles deixa como está”.

As formas de controle do benefício priorizadas pelo programa são as oriundas

do cruzamento de dados públicos dos sistemas de informação, e não as

provenientes de denuncias da população ou gestores. Os gestores possuem a

função de fazer as visitas domiciliares quando solicitadas por “eles”, que no caso são

da sede central da Secretaria Municipal de Assistência Social, do Ministério de

Desenvolvimento Social e da Caixa Econômica Federal. O argumento do Governo

Federal segundo uma gestora do CRAS é de que o controle in loco ou a realização

de visitas domiciliares a quase 13 milhões de famílias beneficiárias necessitaria de

um grande investimento para formar equipes de fiscalização, que superariam o gasto

com os que têm acesso ao benefício sem atender os critérios que segundo estudos

seriam de 5%.

Essa opção de fiscalização por meio de dados dos sistemas públicos estaria

atendendo os modos de controle biopolítico realizado de forma centralizada sobre a

população, em que a informatização da gestão social tem modificado as práticas de

intervenção do campo social e aumentado o controle sobre os modos de viver da

população pobre.

8.2 O CONTROLE DAS CONDICIONALIDADES

Mas se por um lado, o controle do benefício da renda não ser realizado de

forma contundente como apontam os beneficiários e gestores, as condicionalidades

relativas à saúde e educação passam por um rigoroso e eficiente controle do

governo, e também são a maioria dos casos de atendimentos na sala de

cadastramento do Programa, como apontam as cenas a seguir:

Cena 6:

Uma mãe desesperada pela segunda advertência recebida em função da baixa frequência escolar de sua filha, justifica para a atendente que ela vai ao colégio mas não responde presença por problemas de audição. A declaração da escola não foi aceita e foi solicitado o boletim escolar e atestado médico.

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Cena 7:

Mãe com 3 filhos está com cartão bloqueado porque uma filha não quer estudar e possui frequência abaixo da solicitada. Correndo o risco de perder o benefício, a mãe comentou que pensa mandar a filha para fora de casa.

As condicionalidades são compromissos que devem ser cumpridos pela

família, na área de educação e saúde, para que possam permanecer recebendo o

benefício. Na educação, a condição é matricular os filhos de 6 a 15 anos em

estabelecimento regular de ensino e garantir a frequência escolar de no mínimo 85%

da carga horária mensal do ano letivo e informar de imediato ao setor responsável

pelo Programa Bolsa Família no município, sempre que ocorrer mudança de escola.

A fiscalização da frequência escolar é realizada pelo Sistema de Acompanhamento

da Frequência Escolar, que é um sistema de acompanhamento bimestral escolar

realizado pelo Ministério de Educação cinco vezes por ano (Site

www.bolsafamilia.gov.br/condicionalidades).

Em um das cenas acima relatadas, a baixa frequência escolar foi notificada

pela Caixa Econômica Federal via extrato bancário, advertindo sobre a possibilidade

de bloqueio e até cancelamento do benefício. Nesse caso, os dados eram do mês

anterior, o que demonstra um grau de eficiência pouco comum na gestão pública

brasileira, pois os dados percorreram várias instituições em um prazo bastante curto.

Há outras formas de aviso ao beneficiário, como cartas, telefonemas e quando

necessária visita domiciliar. O papel da Caixa Econômica Federal é central na

informação da situação do benefício e cumprimento das condicionalidades do

programa, pois é a instituição que mantém contato frequente com o beneficiário,

aproximando assim as ações do programa a um formato que nomeamos de

monetarização da política social, em que um extrato bancário se torna um meio de

informar não somente as operações financeiras, mas também toda situação familiar

implicada na gestão do benefício.

Durante o período observado, não encontramos casos em que os próprios

estudantes apresentassem as declarações de abono de faltas ou atestados médicos

para solucionar a questão, são as mães que trazem para as atendentes do

programa, as justificativas, desculpas e declarações sobre o comportamento dos

filhos na escola.

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Na saúde, as condicionalidades são para crianças e mulheres gestantes e

nutrizes que devem se inscrever no pré-natal e comparecer às consultas na unidade

de saúde mais próxima da residência, portando o cartão da gestante. As

responsáveis por crianças de até 7 anos devem levá-las às unidades de saúde para

vacinação e realizar o acompanhamento do estado nutricional e desenvolvimento e

outras ações. O Ministério de Saúde assume o controle dessas condicionalidades

que envolvem, Unidades Básica de Saúde, Secretaria Municipal de Estadual de

Saúde e o próprio Ministério que encaminha as informações para a Secretaria

Nacional de Renda e Cidadania, Caixa Econômica Federal e alimenta o sistema de

controle das condicionalidades. Uma beneficiária demonstra como funciona esse

controle

Tem que estar com carteira de saúde em dia. O agente de saúde passa uma vez por mês em casa ver a vacinação dele. (Beneficiária 2)

Se por um lado, os cálculos que definem o valor do benefício recebido e

mesmo os critérios para inserção no Programa são desconhecidos ou não são

assimilados pelas beneficiárias, as informações sobre o controle das

condicionalidades estão bastante familiarizadas:

Quando os filhos tiverem condições de trabalhar quase se formando, com 18 ou 19 anos ai podemos perder o benefício do Bolsa Família porque é por causa das crianças. (Beneficiária 6)

É bloqueado quando a criança não está na escola, creche. Se você esta trabalhando é cortado, quem ganha salário é cortado, quando é registrado. (Beneficiária 1)

Não sei como funciona, eu sei que se tiver filho fora da escola não recebo, tem que estar frequentando, a carteira de saúde em dia...o agente de saúde passa uma vez por mês em casa para ver a vacinação dele. (Beneficiária 2)

Difícil, desde que não toma vacina, acho que teria que ter um acompanhamento marcado para saber se a pessoa tá recebendo aquilo, que às vezes eles não sabem...para perguntar para as pessoas como que tá né, agora a gente tem que vir para recadastrar uma vez por ano, e continua recebendo, todo mundo tá recebendo. (Beneficiária 9)

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Comenta-se que são raros os casos de um benefício ser cancelado ou

desligado do Programa pelo descumprimento dessas condicionalidades. Segundo

informações do site do Programa na primeira ocorrência de descumprimento, a

família recebe uma advertência por escrito, a partir da segunda ocorrência, a família

fica sujeita à sanções como bloqueio do benefício por 30 dias (2º descumprimento);

suspensão do benefício por 60 dias (3º e 4º descumprimento) e cancelamento da

concessão do benefício (5º descumprimento). Uma atendente comenta que é difícil

ocorrer a perda de benefício por causa da falta de vacinação ou da frequência

escolar:

[...] às vezes a criança tomou a vacina e a Secretaria não notificou ou a escola abonou uma falta de atestado, ai a gente procura se informar para liberar o bloqueio. A gente sempre ajuda. Pois benefício não é direito, não é como salário.

O objetivo do controle das condicionalidades não parece ser o cancelamento

do benefício, e sim exercer uma “pressão” sobre o beneficiário para garantir a

manutenção dos filhos (as) na escola, aumentarem a cobertura do pré-natal das

gestantes e vacinação das crianças.

Todas essas práticas podem ser medidas por indicadores de escolaridade e

saúde da população e alterar os índices de desenvolvimento humano de um

município, estado ou nação, apontando para um controle biopolítico em que estado

e família configuram novas formas de governamentalidade da pobreza.

Das formas de controle observadas mediante os recursos metodológicos

disponíveis, parece haver uma preferência pelos modos de controle realizados pelos

sistemas virtuais e cruzamento dos bancos de dados aos dos canais de denuncias

oriundas da população e beneficiários, que possuem frágeis sistemas de

acessibilidade. Os dados apontam um aumento progressivo dos beneficiários e não

uma diminuição substantiva, mesmo que ocorram desligamentos ainda que tímidos.

Muitos analistas têm apontado a “porta de saída” como um dos pontos mais

vulneráveis do Programa Bolsa Família, o que pode ser resultado de fragilidades dos

sistemas de controle e também por possíveis interesses políticos pela manutenção

desse contingente populacional como beneficiário de programas sociais do governo.

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9 REDES HETEROGÊNEAS DE MULTIPLAS VERSÕES DE

POBREZAS PERFOMAM POLÍTICAS PÚBLICAS: AMPLIANDO O

OLHAR PSICOSSOCIAL

Uma das principais motivações ao realizar esta pesquisa de doutorado era

trazer contribuições teórico-metodológicas para Psicologia Social e para psicólogos

(as) que se encontravam estagiando ou trabalhando na rede de serviços da Política

de Assistência Social e Saúde Pública.

Com uma formação profissional oriunda da Psicologia Social Critica,

participamos do diálogo com as abordagens discursivas e suas aproximações com a

Teoria Ator-Rede e seus desdobramentos, trajetória essa que influenciou nos modos

fazer a tese, de estudar, de pesquisar e, sobretudo, na forma de escrever o texto.

Como afirmamos na introdução, a pobreza não tem sido um tema privilegiado

pela Psicologia Social. Na revisão bibliográfica, encontramos poucos estudos e

pesquisas específicos na área, dos quais grande parte trata do impacto da pobreza

no desenvolvimento psicológico do indivíduo, dos déficits cognitivos e dos problemas

de aprendizagem das crianças pobres. Como alternativa, encontramos pesquisas

que analisam as representações sociais, os discursos midiáticos sobre a pobreza, e

ainda outras que enfocam novos atores e lugares, o que nos levou a pensar que não

existe uma única maneira da Psicologia Social entender a pobreza, e sim, diferentes

maneiras que se diferenciam a partir das escolhas feitas.

Quando nos perguntamos se existe pobreza, se ela é inevitável, se sempre

existirá, queremos com isso dizer que ela é mutável, que ela pode ser questionada,

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e que podemos assim, questionar os discursos produzidos sobre ela, tomar outros

caminhos para entendê-la e, sobretudo, refletir sobre nossas práticas psicossociais.

Podemos hoje afirmar que a abordagem construcionista ofereceu instrumental

suficiente para criticar a naturalização, superpatologização e individualização da

pobreza presentes nos estudos e pesquisas psicossociais. Entretanto, não nos

pareceu que essas questões necessitariam de mais argumentos para serem

desconstruídas. Pelo contrário, nesse caso há uma forte ênfase na “socialização” da

pobreza. Até em certa medida confunde-se “social” com “pobre”.

Dessa forma, as nossas contribuições à Psicologia Social seriam oriundas de

diálogos teóricos e epistemológicos entre abordagens distintas, tais como a

construção histórica da pobreza, a importância da linguagem nessa construção, a

polissemia de sentidos e seus repertórios linguísticos, aspectos abordados na parte I

da nossa tese, na qual também apresentamos a pobreza, como uma questão de

governo, constituída pelas instituições, procedimentos, análises, reflexões, cálculos

e táticas que permitiram o exercício de uma de forma específica e complexa de

poder, que tem por alvo, a população. Ainda na parte I apresentamos como a

pobreza vem sendo abordada nas políticas públicas contemporâneas, as noções de

transferência de renda, imposto de renda negativo e o formato que assumem no

Programa Bolsa Família.

Os pressupostos que levam em conta as redes constitutivas das múltiplas

realidades compõem a Parte II dessa tese, em que entendemos pobreza como

múltipla e complexa articulada em uma rede de elementos heterogêneos que

performam políticas públicas.

Para isso, adotamos referenciais epistemológicos que questionam os

fundamentos ontológicos de verdade, realidade e as dicotomias comuns aos

pensamentos psicossociais. Foi preciso fazer muitos deslocamentos e inversões

conceituais; como entender a diferença entre a noção de perspectivismo e

multiplicidade, os aspectos performativos da realidade, os elementos humanos e não

humanos que compõe as redes heterogêneas.

Não existiria um pobre, uma situação ou condição de pobreza que

deveríamos analisar ou interpretar a priori. Não haveria uma anterioridade do social

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e da sociedade em relação ao que buscávamos pesquisar. Havia sim, uma

pesquisadora que procurava entender o processo de produção e os efeitos deixados

pelos atores das redes heterogêneas.

Não se tratava de mais de procurar compor um retrato amplo e mais

abrangente, no entanto único da pobreza, mas de ampliar o olhar para captar o

múltiplo e complexo, nas diversas associações, alianças, fluxos, circulações e

movimentos dos elementos envolvidos.

O texto expressa nossas idas e vindas e as dificuldades de se soltar as

amarras do passado de uma formação com o peso das densas estruturas, das

metas narrativas e da obrigatoriedade da transformação social. Os medos foram

vencidos e hoje estamos convencidas que é possível sermos critica, propositiva e

pensar transformações a partir desses novos referenciais. Destacaremos os

aspectos que mais apreciamos no desenrolar da rede heterogênea das políticas

públicas de enfrentamento à pobreza, que também nos surpreenderam como

pesquisadora, pois não sabíamos apesar da larga experiência e das muitas leituras,

aonde e como iríamos chegar ao final.

9.1 ÊNFASE NAS MATERIALIDADES E NÃO-HUMANOS!

É comum pensarmos o psicológico somente como algo que se refere aos

humanos, pessoas, indivíduos, e não é de surpreender quando uma pesquisadora

diz estar trabalhando com cadastros, documentos, computadores, extrato bancário

etc. não lhe ser conferido o status de uma pesquisa do campo psicológico. Uma

psicóloga ao ler a introdução desta tese, ficou surpresa e instigada com a noção de

não-humanos, pensando primeiramente estarmos nos referindo ao mundo animal !

Isso pode não ser novo, mas a novidade aqui reside no lugar que os não-

humanos ocupam nesta tese e a forma como se articulam com outros elementos

humanos e a importância que assumem no entendimento do campo-tema

pesquisado. Não significa que tratamos as pessoas como cadastros e os cadastros

como pessoas, mas que eles só fazem sentido na interação, em que juntos

produzem efeitos ou são produtos dessa rede de materiais heterogêneos.

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Ao compreender que os cadastros são elementos importantes no

entendimento dos modos de fazer política pública contemporânea, e que no

Programa Bolsa Família, são eles que organizam e distribuem as ações da equipe

de gestores sociais, é bem diferente de estudar o cadastro como um elemento

isolado. O Cadastro, na rede das políticas públicas é a porta de entrada e saída do

Programa Bolsa Família, ele produz informações, conduz ao acesso, bloqueio ou

cancelamento do benefício e fornece dados para a produção das estatísticas que

define as metas governamentais.

Os documentos, por outro lado, atuam como alimentos aos cadastros, pois

cadastros sem documentos não tem vida, são folhas em branco. Sem documentos

não existe a mínima condição de ser considerado um usuário ou beneficiário de uma

política social. Mas, cadastros e documentos também produzem identidades como a

do trabalhador pobre com carteira assinada, que por sua renda per capita estar

dentro do estabelecido como critério de inclusão no programa, tem acesso ao

benefício. Outras documentações exigidas no cumprimento das condicionalidades

como atestados de saúde, declaração de frequência da escola, nascimento ou morte

de um familiar, etc., criam vínculos com os agentes comunitários, médicos das

unidades básicas de saúde, as professoras, diretoras das escolas, os escrivães dos

cartórios, as atendentes do programa, produzindo estratégias de controle da vida

cotidiana dos beneficiários.

Há a informatização do controle com os inúmeros sistemas que alteraram os

modos de fiscalizar as informações. Os dados fornecidos aos cadastros são

autodeclaráveis e verificados somente quando solicitados após o processamento

dos dados cadastrais realizados pelo Sistema de Benefícios ao Cidadão e Sistema

de Gestão das Condicionalidades, e o cruzamento com os bancos de dados públicos

como Relação Anual de Informações Sociais, Carteira de Trabalho e Previdência

Social, Instituto Nacional do Seguro Social, Registro Nacional de Veículos

Automotores, Sistema de Controle de Óbitos, entre outros, não se restringindo à

demonstração de bens e patrimônio, e que por isso têm sido alvo de denúncias e

comentários desconfiados entre os gestores e beneficiários do Programa.

Cadastros, documentos, sistemas informatizados são alguns dos elementos

não humanos, materialmente heterogêneos que compõe a rede. Hoje, não

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conseguiríamos imaginar como seria compreender as políticas públicas sem incluí-

los, e isso não quer dizer que não nos importamos ou anulamos os humanos, mas

que o entendemos em interação com os não-humanos, não em relações

deterministas e hierarquias de um sobre o outro, mas em uma simetria de elementos

que podem até estarem justapostos, mas que produzem coisas juntos como efeitos

e produtos, e que por isso podem ser modificadas. Acreditamos que somente foi

possível ter ampliado o olhar psicossocial sobre o enfrentamento à pobreza nas

políticas públicas a partir desses referenciais teóricos que pensam a ação, outro

aspecto que consideramos instigante dessa tese.

9.2 VIRADA PARA À PRÁTICA !

Pesquisar como as múltiplas realidades são performadas nas redes

heterogêneas pode ser considerado uma virada para à pratica e uma forma de

entender as políticas públicas de enfrentamento à pobreza em ação.

Voltar-se para prática, não significa aqui ter o objetivo de avaliar os resultados

alcançados por um Programa, tampouco analisar o seu impacto sobre a população

pobre, como as de pesquisas anteriores que realizamos para organismos

governamentais e não governamentais, inclusive o Programa Bolsa Família.

Esse desafio metodológico vem de longa data, oriundo de uma vertente

comunitária em que sempre nos preocupamos no como as coisas são feitas, as

formas de abordagens, as intervenções psicossociais, questões ainda pouco

tratadas pela Psicologia Social, haja vista sua alta carga de teorização.

Outra motivação parte da experiência na assessoria às políticas públicas. No

Brasil existem leis, políticas e programas maravilhosamente concebidos e até

premiados, que não funcionam na prática! As filas de espera para agendar uma

consulta na rede pública de saúde permanecem, apesar de o Sistema Único de

Saúde ser considerado um dos melhores do mundo. A Lei Maria da Penha,

considerada como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à

violência contra as mulheres, ainda não foi suficiente para mudar certos

constrangimentos e humilhações que as mulheres em situação de violência passam

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ao serem atendidas pelos profissionais dos equipamentos públicos especializados.

O que acontece? Aonde se perdeu a excelência e a referência tão comentadas e

aclamadas dessas políticas?

O Programa Bolsa Família é alvo do mesmo tipo de apreciação. É o maior do

mundo eliminou drasticamente a pobreza extrema, reduziu desigualdade,

empoderou as mulheres! E por outro lado, tem sido duramente criticado por ser

paternalista, eleitoreiro e tornar acomodados os seus beneficiários, por “dar o peixe,

e não ensinar a pescar”!

A postura desta pesquisadora nesse caso foi a de não assumir uma posição

favorável, nem contrária a priori, não aceitar as críticas prontas e nem tomar como

verdade os elogios dos discursos governistas. O importante seria estar aberta para

ampliar o olhar sobre uma suposta realidade que nos era tão familiar.

A partir desse intrigante diálogo com a Teoria Ator-Rede, do uso das noções

de ator rede, da performatividade e multiplicidade, buscamos compreender o que

ocorria entre os elementos que interagiam nessa rede pesquisada, entendendo que

todos eles poderiam transformar e interferir na compreensão desse processo.

Isso só se tornou possível mediante o uso desse referencial teórico e

epistemológico para pensar a prática, alinhado a realização do trabalho de

observações, entrevistas e conversas nos lugares onde ocorriam as ações do

Programa Bolsa Família, como o CRAS, a Secretaria Municipal de Assistência

Social, de Campo Grande, MS, os balcões e filas de atendimento. Não menos

importantes foram as leituras dos aspectos históricos sobre pobreza e políticas

sociais, o que nos possibilitou reconhecer de onde partiram muitas versões que hoje

estão presentificadas nas políticas públicas, como as linhas de pobreza, os cálculos

baseados na renda, ou mesmo a noção de ajuda religiosa ainda presentes nas falas

de gestores e beneficiários.

Foi seguindo os cadastros e documentos que conseguimos tecer a rede. Eles

permitiram entrar em contato com outros atores como os beneficiários, atendentes,

gestores, os sistemas de informação e controle, os cálculos de renda entre outros.

Todos esses atores provocaram desvios ou alterações durante o processo de

realização da pesquisa, como, por exemplo, na capacitação oferecida para o uso da

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versão 7.1 do cadastro, muitas práticas se modificaram e incidiram diretamente na

atuação dos atendentes, no trabalho dos psicólogos e assistentes sociais e demais

atores.

Ampliar o olhar sobre as políticas públicas significa não mais entendê-las

como domínio de um só ator ou atriz, e sim como resultado da interação entre eles,

nos permitindo conceber novas formas de pensar a ação, o que pode ser muito útil

para analise das políticas públicas.

Acreditamos que ter uma compreensão do funcionamento das redes

heterogêneas, seus produtos e efeitos, tornaria o (a) psicólogo (a) social mais

propositivo ao democratizar as possibilidades de escolhas de toda e qualquer ação

no Programa Bolsa Família, seja ao preencher um formulário, ao argumentar com as

decisões baseadas nos sistemas informatizados, ao questionar a necessidade da

burocratização que só aumenta o “kit” de documentos, ao refletir criticamente sobre

as implicações das versões de pobrezas assumidas pelas políticas públicas atuais

entre outros. Considerar todos os atores em interação amplia não só o olhar, mas as

possibilidades de ação e mudanças específicas no fazer cotidiano das políticas

públicas. Por isso encerramos essas considerações descrevendo nosso

entendimento das políticas públicas de enfrentamento à pobreza a partir da

abordagem da Teoria Ator-Rede.

9.3 MÚLTIPLAS VERSÕES DE POBREZAS PERFORMAM POLÍTICAS

PÚBLICAS!

Na tese, como afirmamos anteriormente, parte do entendimento da pobreza

como múltipla e complexa, e performada por uma rede de materiais heterogêneos e

versões de realidade das políticas públicas de enfrentamento à pobreza. Políticas

Públicas aqui compreendidas como produtos sociais, que fazem circular versões de

tempos anteriores e de lugares diferentes que estão atuando no presente em um

constante processo de negociações e disputas.

Poderíamos simplesmente apresentar versões de pobrezas em uma lista de

possibilidades com conotações aparentemente neutras. Com certeza existem muitas

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outras que poderiam ser descritas nesta tese, mas a escolha pelas versões de

pobreza calculada, cadastrada e a controlada, são as que no momento da pesquisa

mostraram possuir maior poder de articulação e vínculos, eram as que estavam

vencendo a disputa na arena das políticas públicas de enfrentamento à pobreza,

situada no Programa Bolsa Família. Provavelmente no momento escrevemos essas

considerações finais, algumas das versões performadas no período da pesquisa já

se alteraram ou não existem mais. Como de fato já ocorreu, a simples mudança no

critério do valor da renda estabelecido para concessão do benefício gerou um novo

programa, o “Brasil sem Miséria” assim como novos repertórios, novas metas e

formas de gestão.

Por isso, é tão importante entender essas versões como seres vivos, que

atuam e se modificam gerando materialidades e socialidades com seus repertórios

específicos que permitem às políticas públicas falar de pobreza, gerando conexões,

bifurcações e pontos de convergência e divergência entre as versões de pobreza da

rede heterogênea.

Em 9 de abril de 2012, em Washington, Estados Unidos da América, a

Presidenta da República do Brasil, Dilma Rousseff, reiterou que classe média

brasileira chegará a 60% da população em 2018 (GIRALDI, 2012). Podemos

considerar esse discurso como um dos principais efeitos performativos das versões

de pobreza apresentados na nossa pesquisa. Para enunciar essa frase, escolhas

tiveram que ser realizadas pelos formuladores das políticas públicas, por exemplo, a

opção por assumir noções oriundas de tempos históricos que remetem às

tradicionais linhas da pobreza do século XVII, que conflitam com abordagens mais

amplas de pobreza, como as que as consideram um fenômeno multidimensional,

heterogêneo e complexo.

Poderíamos realizar a mesma pergunta do inicio da pesquisa sobre pobreza

para esse novo ator da rede: O que é classe média? Quem a define? Como ela é

produzida nas políticas públicas? E quando no futuro esse discurso estiver

consolidado, podemos abrir a “caixa” latouriana e constatar que para nos tornarmos

um país de classe média foi preciso enfrentar, combater, exterminar a pobreza!

Talvez essa tese seja uma tentativa de explicar como isso está sendo realizado.

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Considerar a realidade como performada e múltipla nos permitiu questionar a

rigidez e a estabilidade dos índices de pobreza que produzem indicadores baseados

em dados cadastrais alimentados por documentos que são controlados e

fiscalizados por um amplo e eficaz sistema informatizado de informações.

Diariamente notícias anunciam o fim da pobreza, estabelecendo prazos e

metas claramente definidos como a que disse que a meta do Governo brasileiro

seria de acabar com a pobreza extrema. Hoje já se comemoram os milhares que

saíram da situação de extrema pobreza: “Os números indicam que ocorreu uma

considerável mobilidade social os últimos anos: entre 2004 e 2010, 32 milhões de

pessoas ascenderam à categoria de classes médias (A, B e C) e 19,3 milhões

saíram da pobreza.” (BRASIL, 2011).

A integração dos programas de transferência de renda dos governos federal, estadual e do município do Rio de Janeiro tirou 1,5 milhão de pessoas da situação de pobreza extrema no estado fluminense. Para comemorar o resultado, o governo estadual promoveu nesta quinta-feira (26), no Palácio da Guanabara, uma solenidade [...] (SANZ, 2012).

Os números apresentados nesses dados acima envolvem estratégias de

governo para serem produzidos. Quando tratam de pessoas pobres, geralmente se

referem a “população”, que é uma das formas de governamentalização da pobreza,

em que pessoas são pensados em termos de milhares, centenas e não em decimais

ou no singular. Também são apresentados por meio de um saber especifico e

especial, que são as “estatísticas”, que cumprem o papel de instrumentalizar a

racionalidade de governo e dar forma à população.

Mas, para produzir números, índices e estatísticas, precisamos produzir

dados, coletar informações, e aí entra em cena na rede os famosos e onipresentes

'cadastros', no caso da Política de Assistência Social, o Cadastro Único para

Programas Sociais, que faz parte de um aparato tecnológico que permite a

identificação, caracterização e descrição dos indivíduos, além de ser a ferramenta de

governo que deve ser utilizada para o planejamento e integração de políticas

públicas e construção de indicadores de avaliação.

Portanto, cadastros e documentos são versões de pobrezas que performam o

beneficiário da política social. Beneficiário é a nomeação escolhida como um

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posicionamento político identitário do Programa Bolsa Família, que se diferencia da

noção de cidadão de direitos, ou segurado da proteção social. O termo benefício de

renda busca conferir maior racionalidade política às práticas sociais de governo,

concorrendo com as noções de caridade, misericórdia, beneficência das práticas

religiosas. Essas nomeações demonstram posicionamentos políticos identitários. Há

diferenças entre conceder um benefício a uma pessoa, garantir um direito a um

cidadão ou oferecer ajuda caridosa a um pobre mendigo.

A opção por determinados indicadores sociais, por sua vez, interferem nos

critérios de definição desse beneficiário. Adotar uma linha de pobreza extrema ou

absoluta, elaborada pelo Banco Mundial, produz um beneficiário outro do que foi

adotado num Índice de Pobreza Multidimensional. Essa decisão prioriza o critério de

inclusão social e faz do cálculo da renda per capita familiar o fator determinante

capaz de incluir, excluir, bloquear e cancelar um benefício no Programa Bolsa

Família.

Essas bifurcações levam a caminhos e consequências distintas, confirmando

ser a decisão, opção e escolha de prioridades a principal maneira de fazer políticas

públicas. Se fossem assumidas outras versões de pobreza que tomassem em conta

a questão da cidadania, da democratização da sociedade, da garantia e acesso aos

serviços e bens necessários para uma vida mais digna e menos desigual como

critério de inclusão, a política de enfrentamento à pobreza teria outro desenho e

modos de funcionamento.

Observamos no balcão de atendimento do Programa Bolsa Família, que um

catador de lixo, por possuir uma renda per capita alguns reais acima do critério

estabelecido pelo programa, não recebeu o benefício, assim como foram cancelados

os benefícios de muitas famílias, devido ao casamento, afastamento ou falecimento

de um dos familiares. Esses são alguns exemplos de como a escolha da versão dos

cálculos de renda moldam as ações do programa.

Ainda acontece de aquelas pessoas que, mesmo atendendo todos os critérios

de inclusão no Programa Bolsa Família, não buscarem por esse benefício. Umas

porque desconhecem a existência de qualquer ação pública voltada à situação

delas; outras se autoexcluem por não se reconhecerem como pobres, tamanha é a

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‘homogeneidade’ da pobreza. A noção de pobre retratada pelas entrevistadas é de

um mendigo favelado que vive embaixo da ponte, que não tem salário, trabalho e

condições de educar os filhos. Esse retrato, naturalizado ao longo de repetições de

normas e comportamentos, influencia na identificação do beneficiário ao programa.

Ao contrário do que se imaginam, muitos beneficiários são trabalhadores, possuem

casa própria, com filhos na escola pública, entretanto se enquadram nos critérios de

renda do programa.

O principal controle sobre os modos de viver da população pobre performado

pelo Bolsa Família não é o do benefício da renda e sim o das condicionalidades

relativas à saúde e educação. Nesse caso, uma instituição bancária é central no

controle da situação familiar em relação à frequência escolar, vacinação das

crianças e realização do pré-natal da mulher. O extrato bancário é o meio de

comunicação mais eficaz para informar sobre a baixa frequência dos (as) alunos (as)

na sala de aula, o que pode levar a um cancelamento ou bloqueio do cartão. Esses

sistemas de controle informatizados orientam e determinam as práticas de

intervenção social das equipes de técnicos envolvidos na gestão do Programa, em

que é priorizado o contato por meio de serviço de telefonia móvel ou fixa. As

tradicionais visitas domiciliares somente são realizadas quando solicitadas pelos

sistemas virtuais de controle.

Essa forma de controle informatizado e centralizado produz distorções como

as que pudemos observar em relação à declaração de renda. A escolha da

comprovação da renda via Carteira de Trabalho, a partir da qual os dados são

cruzados no sistema central de informação, gera um sentimento de desconfiança e

injustiça muito comentado por beneficiários e gestores, pois, quando o trabalho não

é registrado em carteira, a informação válida é a autodeclaração da renda sem

verificação. Esse é o caso das domésticas sem registro em carteira, diaristas e de

grande parte dos trabalhadores da construção civil.

A “porta de saída” do Programa Bolsa Família, considerada a principal

fragilidade dessa política, confirmada pelo crescente aumento do número de

beneficiários no Programa, é resultado de muitas decisões, opções e escolhas, que

tornarão possível exterminar a pobreza, no caso a pobreza extrema, mantendo a

população pobre como beneficiária de um programa social. A saída do programa

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não se dá necessariamente pela inserção no mercado de trabalho, pela geração de

renda, pelo acesso a credito, a serviços e garantia de direitos previstos como ações

complementares do programa. Portanto, reduzirão índices de pobreza, alcançarão

metas governamentais, sem, no entanto, acabar com a pobreza!

Essa breve descrição dos modos de funcionamento do Programa Bolsa

Família é para mostrar que, em termos de políticas públicas de enfrentamento à

“pobreza”, não podemos tomar a realidade como dada a priori, como se fosse

definitiva e fechada, ou mesmo como um consenso por meio dos quais todos estão

de acordo com o estabelecido. Apresentamos aqui uma alternativa de pensar a

política pública por meio da Teoria Ator-Rede, que assume não existir “a” política

pública, mas uma rede híbrida, produto de múltiplos processos de associações em

que participa uma diversidade de elementos heterogêneos.

Essa forma de pensar a política pública nos leva a uma virada para a ação,

com foco na prática dos acontecimentos, pois só assim, de forma situada, foi

possível reafirmar o pressuposto de que as políticas públicas são efeitos de uma

rede heterogênea de elementos humanos e não-humanos em interação, produzidas

por uma multiplicidade de versões de pobrezas conflitantes que disputam espaço e

consolidação nas políticas públicas.

Gostaríamos que esta pesquisa pudesse servir como uma forma de

desestabilizar, desterritorializar e flexibilizar as noções tradicionais de pobre e

pobreza e abrir caminhos para que outras versões entrem na rede e disputem

espaços nas políticas públicas contemporâneas.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Autorização para os participantes

CARTA DE INFORMAÇÃO SOBRE PESQUISA

Título da pesquisa: PROGRAMA BOLSA FAMILIA - um estudo sobre os modos como as políticas públicas performam “pobrezas”.

O objetivo da pesquisa é compreender como o Programa Bolsa Família constrói noções de pobreza e define quais famílias serão inseridas no seu sistema de benefícios.

Na entrevista, vamos conversar sobre suas interações com o Programa Bolsa Família de modo a aprofundar nossa compreensão sobre a forma como a política pública entende e trata a pobreza de modo a contribuir com o seu aprimoramento. A entrevista será gravada (áudio) de modo a facilitar o registro da informação. O nosso compromisso em relação ao uso desta gravação é:

1. Que sua voz não será, em hipótese alguma, utilizada nos meios de comunicação;

2. Que as informações obtidas serão utilizadas somente para fins desta pesquisa, como dado complementar para consecução dos objetivos delineados acima;

3. Que será mantida a confidencialidade, preservando a identidade do informante;

4. Que a análise dos dados obtidos através das entrevistas estarão disponíveis para todos os participantes.

Os participantes têm o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado. Terão garantido o sigilo de modo a assegurar sua privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa.

............................................................................ JACY CORRÊA CURADO Pesquisadora responsável Telefone de contato: (67) 3670-8520 e-mail: [email protected]

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da pesquisa: PROGRAMA BOLSA FAMILIA: UM ESTUDO SOBRE OS MODOS COMO AS POLÍTICAS PÚBLICAS PERFORMAM “POBREZAS”.

Declaro que fui informado (a) sobre os objetivos da pesquisa. Entendo que o estudo visa compreender como o Programa Bolsa Família constrói noções de pobreza e define quais famílias serão inseridas no seu sistema de benefícios.

Estou ciente de que as entrevistas serão gravadas e que a pesquisadora se comprometeu a utilizar os dados obtidos de forma a preservar o anonimato, não divulgando minha voz ou revelando dados que permitam que eu seja identificado (a) e que possam me ocasionar prejuízos de qualquer natureza.

Entendo que minha participação é totalmente voluntária e que, durante a realização da entrevista, poderei interrompê-la no momento em que desejar sem ser em nada prejudicado (a).

Desse modo, concordo em participar do estudo e cooperar com o pesquisador.

Nome do pesquisado: ....................................................................................................

Nome: ................................................................ RG: ...........................................

Data: ......../......../........ Assinatura: ....................................................

Pesquisadora: ................................................................................................................

Nome: ................................................................ RG: ...........................................

Data: ......../......../........ Assinatura: ....................................................

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3.

Co

nh

ece

qu

ais

o o

s

cri

téri

os,

lcu

los e

va

lore

s p

ara

in

clu

o n

o

Pro

gra

ma

Bo

lsa

Fa

mília

?

4.

Qu

an

do

um

be

ne

fíc

io

do

Pro

gra

ma

Bo

lsa

F

am

ília

é c

an

ce

lad

o o

u

blo

qu

ea

do

?

sic

os, e

du

ca

çã

o b

ásic

a, a

sa

úd

e ..e

u q

ua

se p

erd

i m

eu

filh

o, q

ue

esta

va

co

m

pne

um

on

ia e

no p

osto

o

sa

bia

m..

. tive

que

pa

ga

r u

ma

co

nsu

lta

.

vis

ita

..e

les d

ão

aq

ue

la r

end

a

ba

ixís

sim

a.

Be

neficiá

rio

3

[3] e

du

cação

..n

ão

te

r e

sc

ola

, n

ão

te

r c

asa..

. é

isso

[3] q

ue

m r

ece

be

me

no

s

qu

e u

m s

alá

rio

..m

eta

de

de

um

sa

lário

..pa

ra a

jud

ar

cria

r o

s f

ilho

s, co

mp

rar

ma

teria

l...

[3] a

cho

que

é m

en

os q

ue

R

$ 2

50

,00

rea

is

[3]

… q

ue

m n

ão

pre

cis

a

ma

is t

em

que

fa

lar... p

orq

ue

te

m m

ais

de 2

0 p

esso

as

que

esp

era

m p

ara

gan

ha

r...

a

ssim

fa

lara

m n

a r

eun

ião..

. .q

ua

nd

o a

rru

mou

em

pre

go,

esta

gan

ha

nd

o s

alá

rio

...

ma

s t

em

ge

nte

que

gan

ha

sa

lário

re

ceb

e

Be

neficiá

rio

4

[4] p

essoa

qu

e n

ão

te

m

nad

a r

ea

lmen

te, d

en

tro

da

ca

sa

pa

ra d

ar

pa

ra o

filh

o..

. n

ão

te

r u

m p

ão

, u

ma

c

om

ida

, u

m a

lmo

ço

...

é

isso

..

[4] é

um

a q

ue

stã

o... a

jud

a...

as p

esso

as q

ue

re

alm

en

te

ne

ce

ssita

m...

tem

qu

e

pe

sso

as q

ue

não

pre

cis

am

e

re

ce

be

m..

. .te

m g

ente

que

te

m c

asa

boa

pa

ra m

ora

r,

tem

bo

m s

alá

rio

e r

ece

be

e

tem

qu

em

ne

ce

ssita

. E

pa

ga

m a

lugu

el ca

ro, nã

o

tem

casa

pró

pria

e n

ão

rece

be

.

[4] n

ão

se

i, n

ão

se

i...

po

r e

x.

Um

a m

ãe t

em

4 f

ilho

s,

é

e s

olte

ira,

so

zin

ha

não

re

ce

be

ne

m p

en

são

, e

g

an

ha

sa

lário

, tr

aba

lha

s

inte

iro

pa

ra g

anh

ar

um

sa

lário

.. e

va

i tira

r, á

gu

a,

luz,

alu

gu

el, m

erc

ad

o..

acho

qu

e

ela

me

rece..

.

[4] n

ão

se

i... é

co

mp

lica

do

, p

orq

ue t

em

que

sa

be

r se

rea

lme

nte

a p

esso

a ta

e

sta

bili

za

da

, se

mud

ou

, se

n

ão

pre

cis

a... e

la c

heg

a a

o

pon

to d

e p

assa

r pa

ra q

ue

m

ne

ce

ssita

...

Page 172: MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

171

En

tre

vis

tad

o

Pe

rgu

nta

s

1.

O q

ue

é p

ob

reza

?

2.

Qu

em

é p

ob

re p

ara

o

Pro

gra

ma

Bo

lsa

Fa

mília

?

3.

Co

nh

ece

qu

ais

o o

s

cri

téri

os,

lcu

los e

va

lore

s p

ara

in

clu

o n

o

Pro

gra

ma

Bo

lsa

Fa

mília

?

4.

Qu

an

do

um

be

ne

fíc

io

do

Pro

gra

ma

Bo

lsa

F

am

ília

é c

an

ce

lad

o o

u

blo

qu

ea

do

?

Be

neficiá

rio

5

[5] é

um

a s

itu

ão

de

c

ala

mid

ad

e,

de

pob

reza

m

esm

o, o

no

me já

diz

...

é a

p

esso

a q

ue

não

te

m

aqu

ela

s c

ois

as g

rand

es..

. p

orq

ue t

em

gen

te r

ica

que

é

pob

re d

e e

sp

írito

, e

te

m

pob

re q

ue

é r

ico

...

é o

po

vo

d

o lix

ão

...

co

mo

fa

lei te

m

pob

re q

ue

você

co

mo

rico

.. o

ric

o g

an

ha

be

m,

co

mo

be

m ..e

o p

ob

re c

om

o

o q

ue d

á

[5] é

re

lativo,

po

rqu

e e

les

ne

m ia

m f

isca

liza

r...

fa

lam

q

ue

é d

e b

aix

a r

end

a,

e v

ão

ve

r te

m c

asa

bo

a..

. te

m q

ue

te

r con

tro

le ta

mb

ém

... é

pa

ra p

esso

a n

ece

ssita

da

m

esm

o, q

ue

não

te

m n

em

o

que

co

me

r...

e c

on

ta c

om

e

sse

din

he

iro e

va

i lá

do

dia

X

pe

ga

r, a

s v

eze

s n

ão

é

ne

m p

ara

crian

ça

ma

s p

ara

p

róp

ria c

asa

[5]...

acho

que

é u

m

sa

lário

... a

ba

ixo

de u

m

sa

lário

, pe

ssoa

au

tôno

ma

...

[5]...

não

se

i d

ize

r...

acho

q

ue

é p

erí

od

o e

sco

lar...

Be

neficiá

rio

6

[6]...

o t

em

alim

en

taç

ão

b

oa

, n

ão

te

m o

qu

e c

om

er,

não

te

m c

asa

boa

, n

ão

p

recis

a s

er

ch

iqu

e, lu

xu

osa

, m

as q

ue s

er

ade

qu

ad

a p

ara

m

ora

r...

o te

r ro

upa

boa

pa

ra v

estir.

.. é

viv

er

na

su

jeir

a..

. se

m p

iso

... a

i pa

ra

mim

é p

ob

reza

[6] n

ão

te

m c

ond

içõe

s p

ara

so

bre

viv

er...

gan

ha

pou

co

...

[6

] a

cho

que

até

R$

1

.00

0,0

0 é

po

uco

pa

ra

so

bre

viv

er...

é p

ara

que

m

tem

ma

is f

ilho..

. n

ão

se

i, n

ão

fa

ço m

ínim

a ide

ia...

ve

jo q

ue

te

m c

ond

içõ

es e

re

ceb

e e

o

utr

os q

ue n

ão t

em

co

nd

içõe

s e

o r

eceb

e..

. te

m g

ente

que

te

m c

asa

mo

bilh

ada

, ch

iqu

e e

re

ce

be

...

um

a p

esso

a q

ue

te

m q

ue p

ag

ar

alu

gue

l ,

ve

stir

os f

ilho

s, d

ar

de

co

me

r...

acho

que

esse

d

eve

re

ce

be

r, g

anh

ar.

[6]

… q

uan

do

os f

ilho

s tiv

er

co

nd

içõe

s d

e t

raba

lha

r,

estu

dan

do

qua

se s

e

form

and

o..

. tipo

18

, 1

9

ano

s..

. a

té m

esm

o c

om

16

a

no

s..

. já

pod

e a

jud

ar...

acho

qu

e a

té n

o m

ínim

o a

15

ano

s te

m q

ue

re

ce

be

r.

Page 173: MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

172

En

tre

vis

tad

o

Pe

rgu

nta

s

1.

O q

ue

é p

ob

reza

?

2.

Qu

em

é p

ob

re p

ara

o

Pro

gra

ma

Bo

lsa

Fa

mília

?

3.

Co

nh

ece

qu

ais

o o

s

cri

téri

os,

lcu

los e

va

lore

s p

ara

in

clu

o n

o

Pro

gra

ma

Bo

lsa

Fa

mília

?

4.

Qu

an

do

um

be

ne

fíc

io

do

Pro

gra

ma

Bo

lsa

F

am

ília

é c

an

ce

lad

o o

u

blo

qu

ea

do

?

Be

neficiá

rio

7

[7]...

qua

nd

o a

pe

sso

a n

ão

te

m o

nd

e m

ora

r, o

nd

e

co

me

r...

[7] ..

qu

em

o te

m o

nd

e

mo

rar

e s

e s

uste

nta

r [7

] a

cho

que

é p

ara

que

m

não

te

m r

end

a..

. nã

o p

od

e

ter

ren

da

...

[7] q

ua

nd

o o

s f

ilhos já

te

m

ida

de

...

até

15

an

os..

. p

orq

ue o

bo

lsa

fa

mília

é p

or

ca

usa

da

s c

ria

nça

s...

qua

nd

o a

crian

ça p

ega

um

a

ida

de

...

Be

neficiá

rio

8

[8] ..

o t

er

on

de

mo

rar,

fa

lta

de e

str

utu

ra.. s

ei lá

...

não

te

m s

an

ea

men

to

sic

o,

mín

imo

pa

ra

so

bre

viv

er, m

ora

dia

, e

sco

la..

.

[8]...

pe

sso

as q

ue v

ive

m

co

m m

en

os d

e u

m s

alá

rio

mín

imo

...

[8] ..

. n

ão

se

i ..n

ão

se

i [8

] d

ep

en

de

de

qu

an

to e

la

tem

qu

e g

anh

ar

pa

ra

su

ste

nta

r to

do

s d

a c

asa

, m

esm

o q

ue

te

nh

a já

ca

sa e

e

mp

reg

o.

Be

neficiá

rio

9

[9]

… a

pe

ssoa

o t

er

co

mo

se

su

ste

nta

r, n

ão t

er

me

io d

e tra

ba

lha

r, p

ara

mim

is

so

é p

ob

reza

, nã

o te

r co

mo

se

su

ste

nta

r...

o t

er

co

mo

ad

qu

irir

be

ns,

e v

ive

a

mín

gu

a.

[9] ..

. a

qu

ela

s p

esso

as q

ue

tem

ne

ce

ssid

ade

e n

ão

co

nse

gu

e t

er

um

a

ren

um

era

ção

alta

, e

não

te

m

co

mo

se

man

ter...

ai e

les

dão

um

a a

juda

.

[9] ..

o s

ei, u

ma v

ez

tin

ha

m fa

lada

que

era

R$

150

,00

po

r p

esso

a n

a c

asa

, a

s v

eze

s te

m c

ontr

ole

..a

s

ve

ze

s n

ão

te

m... n

ão

se

i

[9] d

ifíc

il, …

de

sd

e q

ue

o

tom

a v

acin

a, a

ch

o q

ue

te

ria

q

ue

te

r u

m

aco

mpa

nh

am

en

to m

arc

ado

pa

ra s

abe

r se a

pe

ssoa

re

ce

be

nd

o a

qu

ilo,

qu

e a

s

ve

ze

s e

les n

ão s

ab

em

...

pa

ra p

erg

un

tar

pa

ra a

s

pe

sso

as c

om

o q

ue t

á n

é,

ago

ra a

ge

nte

te

m q

ue

vir

pa

ra r

ecad

astr

ar

um

a v

ez

po

r a

no

, e

con

tin

ua

re

ce

be

nd

o,

todo

mun

do

re

ce

be

nd

o..

. m

esm

o a

que

le

Page 174: MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

173

En

tre

vis

tad

o

Pe

rgu

nta

s

1.

O q

ue

é p

ob

reza

?

2.

Qu

em

é p

ob

re p

ara

o

Pro

gra

ma

Bo

lsa

Fa

mília

?

3.

Co

nh

ece

qu

ais

o o

s

cri

téri

os,

lcu

los e

va

lore

s p

ara

in

clu

o n

o

Pro

gra

ma

Bo

lsa

Fa

mília

?

4.

Qu

an

do

um

be

ne

fíc

io

do

Pro

gra

ma

Bo

lsa

F

am

ília

é c

an

ce

lad

o o

u

blo

qu

ea

do

?

que

o ta

pre

cis

and

o..

qua

se

não

co

nh

eço

n

ingu

ém

qu

e r

eceb

e o

bo

lsa

fa

mília

...

Be

neficiá

rio

10

[10].

.. p

ob

reza

é a

qu

ela

s

pe

sso

as q

ue

ge

ralm

ente

pa

ssa

m m

uita

s

ne

ce

ssid

ade

s, n

ão

te

m o

q

ue

co

me

r e

m c

asa..

o

tem

on

de

mo

rar, n

ão

te

m o

q

ue

dá d

e v

esti

r pa

ra

cria

nça

s,

o t

em

o q

ue

pa

ra c

om

er.

[10]

… s

ei lá

, a

ch

o q

ue o

p

ovo

o e

nte

nd

e m

uito o

b

ols

a f

am

ília

, te

m g

en

te q

ue

rece

be

2 s

alá

rio

s e

peg

a, eu

co

nh

eço

mu

ita g

ente

que

te

m a

té m

ais

e p

ega

...

.esse

pro

gra

ma

de

ve

ria

se

r pa

ra

que

m t

em

cria

nça

s n

a

esco

la e

ne

ce

ssita

me

sm

o,

não

é?

[10]

..a

cho

que

é a

ba

ixo

de

u

m s

alá

rio

..ta

va

no

pa

pe

lzin

ho

..d

ep

en

de

do

n

um

ero

de

filh

os... n

ão

se

i d

ire

ito

...

[10].

.. t

em

ge

nte

que

te

m

dua

s b

icic

leta

ria

s, lo

ja,

me

rca

do

e p

ega

..a

cho

que

d

eve

ria

se

r pa

ra q

ue

m

rea

lme

nte

pre

cis

a...

tem

g

en

te q

ue

gan

ha

va

le r

end

a

e b

ols

a fa

mília

, a

cho

qu

e ta

e

rra

do

... é

pra

que

m te

m

ma

is n

ece

ssid

ad

e...

Fonte

: Jacy C

orr

êa C

ura

do,

2012.

Page 175: MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

174 Q

UA

DR

O 6

- Q

uad

ro d

e o

bse

rva

ção

Ca

so

s d

e b

loq

ue

io e

ca

nce

lam

en

to d

o

be

ne

fíc

io

Co

nve

rsa

s n

o c

ad

astr

am

en

to

Ce

na

s o

bse

rva

da

s n

o c

ad

astr

am

en

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Blo

qu

eio

do

Ben

efí

cio

: M

ulh

er

de

Ped

reiro

tem

ren

da

de

R$

55

0,0

0 n

a info

rma

lidad

e.

Me

sm

o n

ão

te

nd

o c

art

eira

assin

ad

a n

ão v

ai

rece

be

r o b

enefí

cio

po

r te

r re

nda

sup

erio

r ao

crité

rio

pe

r cap

ita

.

Um

a a

tend

en

te q

uan

do

que

stione

i se

a

ren

da

do

ped

reiro

o e

ra m

aio

r q

ue

a d

o

crité

rio

do

ben

efí

cio

ela

re

spo

nd

eu

[…

] A

g

en

te t

en

ta a

jud

ar, d

ar

um

a a

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azin

ha

. P

erg

un

tei q

ua

nd

o a

ch

a q

ue

um

a p

essoa

é

pob

re...

ela

diz

[...]

a g

en

te p

erc

eb

e...

qua

nd

o é

assim

fa

ze

mos p

erg

un

tas d

uas

ve

ze

s e

a p

esso

a r

espo

nde

de

sen

co

ntr

ado

[.

..] m

as a

gen

te s

em

pre

aju

da

.

Ce

na 1

: U

m h

om

em

ca

tad

or

de lix

o,

ca

sa

do

e

co

m u

m f

ilho r

ecé

m n

ascid

o a

o s

e c

ada

str

ar

de

sco

bre

qu

e n

ão

esta

de

ntr

o d

os c

rité

rio

s d

o

Pro

gra

ma

Bo

lsa F

am

ília

, p

ois

su

a r

end

a d

e

R$

45

0,0

0 m

en

sa

is e

sta

acim

a d

o v

alo

r e

sta

be

lecid

o p

ara

re

ce

bim

en

to d

o b

en

efí

cio

.

Ca

nce

lam

en

to d

o B

en

efí

cio

: m

ulh

er

foi

ch

am

ad

a p

ara

escla

rece

r o c

an

ce

lam

en

to d

o

no

me d

o m

arido

co

mo

pe

ssoa

de

refe

rên

cia

d

o p

rog

ram

a. O

ma

rid

o s

epa

rou

e n

ão

re

ca

da

str

ou

– c

om

o c

an

ce

lam

ento

a m

ulh

er

que

te

m 3

filh

os e

re

nd

a d

e R

$ 3

50

,00 p

or

s p

ode

so

licita

r no

va

me

nte

o b

enefí

cio

e

m s

eu

no

me.

Pa

ra o

utr

a a

tend

en

te o

ma

is d

ifíc

il é

qua

nd

o a

pe

sso

a p

erd

e o

benefí

cio

po

r ca

usa

da

va

cin

a o

u d

a p

resen

ça

na e

sco

la

[...

] a

s v

eze

s a

cria

nça

to

mou

a v

acin

a e

a

se

cre

taria n

ão n

otificou

...

ou

a e

sco

la n

ão

abo

no

u u

ma

fa

lta d

e a

testa

do

...

ai a

gen

te

pro

cu

ra s

e info

rma

r pa

ra lib

era

r o

b

loqu

eio

[...

] a

gen

te s

em

pre

aju

da

.

Ce

na 2

: E

m u

ma

sa

la d

e c

ada

str

am

en

to d

o

CA

D Ú

nic

o d

o P

rog

ram

a B

ols

a F

am

ília

, u

ma

b

en

eficiá

ria

ch

eg

a e

co

loca

rio

s

do

cu

me

nto

s n

o b

alc

ão

e p

erg

un

ta p

or

que

b

loqu

ea

ram

se

u c

art

ão d

e b

enefí

cio

.

Blo

qu

eio

do

Ben

efí

cio

: u

ma

mãe

fo

i n

otifica

da

via

CA

IXA

so

bre

o r

isco

de

b

loqu

eio

– a

o v

erifica

r o f

ilho

tin

ha

53

%

pre

sen

ça –

a o

briga

çã

o é

85

% –

o

imp

ressio

na

nte

qu

e e

ssa

pre

sen

ça é

co

ntr

ola

da

me

nsa

lme

nte

– o

s d

ad

os s

ão

de

ju

nho

– e

a n

otifica

çã

o o

co

rre

u e

m ju

lho.

A a

tend

en

te d

iz te

r u

ma

te

se

: […

] “f

ilho

é d

a

e”

de

ge

ração

pa

ra g

era

çã

o é

de m

ãe

pa

ra m

ãe

...

pa

i au

se

nte

é o

no

rma

l

Ce

na 3

: U

m s

en

ho

r se

nta

-se

na

ba

ia d

e

ca

da

str

am

en

to c

om

6 p

aco

tes e

mb

rulh

ado

s

em

um

plá

stico

e a

pre

se

nta

rio

s

do

cu

me

nto

s,

todo

s r

ecé

m t

irad

os p

ara

to

da

fa

mília

, co

mo

Cad

astr

o d

e P

essoa

Fís

ica

, C

art

eira

de

Tra

ba

lho e

Pre

vid

ência

So

cia

l,

Ca

rte

ira

de Id

entid

ade

en

tre o

utr

os.

Page 176: MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

175 C

aso

s d

e b

loq

ue

io e

ca

nce

lam

en

to d

o

be

ne

fíc

io

Co

nve

rsa

s n

o c

ad

astr

am

en

to

Ce

na

s o

bse

rva

da

s n

o c

ad

astr

am

en

to

Blo

qu

eio

do

Ben

efí

cio

: m

ãe

co

m 3

filh

os e

sta

co

m c

art

ão b

loq

ue

ado

po

rqu

e u

ma

filh

a n

ão

que

r e

stu

da

r...

e a

fre

quê

ncia

esta

aba

ixo d

a

co

nd

icio

na

lida

de

– p

ode

rá p

erd

er

o b

enefí

cio

Ao

pe

rgun

tar

se

o b

enefí

cio

po

de

se

r in

terr

om

pid

o p

or

cau

sa d

as

co

nd

icio

na

lida

de

s a

ate

nde

nte

me

escla

rece

u [

...]

pod

e,

po

is b

en

efí

cio

não

é

dire

ito

– n

ão

é c

om

o s

alá

rio

etc

.

Ce

na 4

: M

ulh

er

grá

vid

a a

o te

r o

ca

rtã

o d

e

ben

efí

cio

ca

nce

lad

o é

info

rma

da

qu

e o

fato

o

co

rreu

po

r se

u m

arid

o te

r a

rru

mad

o

em

pre

gad

o c

om

ca

rte

ira a

ssin

ad

a, m

as a

ssim

q

ue

ela

tiv

er

o b

eb

ê v

olta

rão a

re

ceb

er

o

ben

efí

cio

.

Blo

qu

eio

do

Ben

efí

cio

: ho

uve

mud

an

ça

no

n

úm

ero

de

pe

sso

as d

a fa

mília

– d

e 9

pa

sso

u

pa

ra 4

pe

sso

as –

se

rá b

loq

ue

ad

o p

or

90

dia

s

de

vid

o a

mud

an

ça n

a r

en

da

pe

r ca

pita

.

Exis

te m

uita

dife

ren

ça

na

fo

rma d

e

ate

nd

imen

to d

as a

tend

en

tes: u

ma

é s

olic

ita

, o

utr

a fe

cha

da

e o

utr

a m

ais

espe

rta

. U

ma

fica

em

um

a r

ede

de b

ate

pato

no m

eio

do

a

ten

dim

en

to,

(ve

nd

o n

oticia

s d

e f

ofo

ca

s

so

bre

Pa

ris H

ilto

n..

. m

as c

on

se

gu

e f

aze

r b

em

o c

ada

str

o.

Ce

na 5

: E

m u

ma

ba

ia d

e c

ada

str

am

ento

do

P

BF, u

ma m

ulh

er

ap

rese

nta

um

extr

ato

b

an

rio

da

CA

IXA

, qu

e a

dve

rte

so

bre

a

ba

ixa f

req

ncia

esco

lar

de

um

de s

eu

s

filh

os, co

locan

do

em

ris

co

o r

ece

bim

en

to d

o

ben

efí

cio

.

Ca

nce

lam

en

to d

o B

en

efí

cio

: filh

o s

aiu

de

ca

sa

e n

ão

fre

qu

en

ta e

sco

la.

(se

exclu

ir o

filh

o a

ren

da

não

alc

an

ça

o c

rité

rio d

e

ren

da

).

Ela

s r

ecla

ma

m m

uito

do p

essoa

l d

o C

RA

S

e d

ize

m “

ele

s n

ão

go

sta

m d

as p

esso

as,

faze

m m

al fe

ito

s o

s c

ad

astr

os, n

ão

sa

be

m

escre

ve

r, a

letr

a é

ru

im...

tra

tam

ma

l a

s

pe

sso

as”

Ce

na 6

: U

ma

e d

ese

sp

era

da p

ela

se

gu

nd

a

ad

ve

rtên

cia

re

ceb

ida

em

fun

ção

da

ba

ixa

fr

equ

ên

cia

esco

lar

de

su

a filh

a,

justifica

pa

ra

ate

nde

nte

que

ela

va

i a

o c

olé

gio

, m

as n

ão

re

sp

on

de

pre

se

nça

po

r p

rob

lem

as d

e

aud

içã

o. A

de

cla

ração

da

esco

la n

ão fo

i a

ce

ita e

fo

i so

licita

do

o b

ole

tim

esco

lar

e

ate

sta

do

méd

ico.

Blo

qu

eio

do

Ben

efí

cio

: m

ud

ou

de

tra

ba

lho

e

au

men

tou

a r

end

a p

erd

en

do

o b

enefí

cio

. U

ma

me

ch

am

ou

pa

ra m

ostr

ar

um

ca

so

típ

ico

de

pob

reza d

e u

ma

fa

mília

que

mo

ra

no

s fun

do

s d

e u

ma

ig

reja

– e

sse

s s

ão

p

ob

res m

esm

o... n

ão

te

m r

end

a,

os R

$

120

,00

do

PB

F –

e s

ão

em

4.

Ce

na 7

: M

ãe

co

m 3

filh

os e

sta

co

m c

art

ão

blo

qu

ea

do

po

rque

um

a f

ilha

não

qu

er

estu

da

r e

po

ssu

i fre

quê

ncia

ab

aix

o d

a s

olic

ita

da

. C

orr

en

do

o r

isco d

e p

erd

er

o b

en

efí

cio

mãe

co

me

nto

u q

ue

pe

nsa

ma

nd

ar

a f

ilha

pa

ra fo

ra

de

ca

sa.

Page 177: MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

176 C

aso

s d

e b

loq

ue

io e

ca

nce

lam

en

to d

o

be

ne

fíc

io

Co

nve

rsa

s n

o c

ad

astr

am

en

to

Ce

na

s o

bse

rva

da

s n

o c

ad

astr

am

en

to

Blo

qu

eio

do

Ben

efí

cio

: a

ate

nd

en

te e

sta

va

fazen

do

ou

tro

ca

da

str

o e

de

scob

riu

qu

e a

b

en

eficia

ria

já t

inh

a c

ad

astr

o..

. m

as n

ão

a

cha

va

po

rque

o n

om

e e

da

ta d

o n

ascim

en

to

esta

va

m e

rrad

as e

não

tin

ha

o n

. do

CP

F.

Ce

na 8

: C

ata

do

r fa

z r

ecic

lage

m d

e lix

o n

o

lixã

o d

ecla

rou r

end

a d

e $

40

0,0

0 e

a

ate

nde

nte

me

mo

str

ou q

ue

stio

nan

do

po

is

co

mo

um

cata

do

r p

od

e g

anh

ar

isso

? –

ela

d

isse

que

dep

ois

ele

s v

em

recla

ma

r...

Ca

nce

lam

en

to d

o B

en

efí

cio

: m

ulh

er

grá

vid

a

– p

erd

eu

o b

en

efí

cio

po

rque

o m

arido

a

rru

mo

u e

mp

rego

co

m c

art

eira

assin

ada

, m

as a

ssim

que

tiv

er

o f

ilho

ela

vo

ltará

a

rece

be

r.

Ce

na 9

: F

req

ncia

na

esco

la –

filh

o e

sta

va

d

oe

nte

, fo

i n

ece

ssá

rio

rea

tua

liza

r to

do

ca

da

str

o,

e le

va

r a

testa

do

de

cla

ração

da

fr

equ

ên

cia

de 8

5%

de

Ca

nce

lam

en

to d

o B

en

efí

cio

: A

que

r re

tira

r o

filh

o, n

ora

e 4

ne

tas d

e s

eu

cad

astr

o, po

is

não

mo

ram

ma

is c

om

ela

, e

in

clu

siv

e s

eu

ca

rtão

esta

co

m s

eu

filh

o,

– p

ara

o p

erd

er

o c

ad

astr

o te

rá q

ue

ir

jun

to a

o filh

o p

ara

fa

ze

r a

tra

nsfe

rên

cia

.

Ce

na 1

0:

Filh

a d

e 1

6 a

no

s m

ud

ou

de

esco

la

em

ju

nh

o –

e f

oi no

tificad

a–

te

ve

qu

e

reca

da

str

ar

o n

om

e d

a n

ova

esco

la.

e

esta

va

co

m m

ed

o d

e p

erd

er

no

va

me

nte

no

ben

efí

cio

, po

is p

or

cau

sa d

a f

ilha

ha

via

fica

do

5 m

ese

s s

em

re

ce

be

r.. e

na

re

incid

ên

cia

o c

art

ão

pod

e s

er

ca

nce

lad

o.

Blo

qu

eio

do

Ben

efí

cio

: filh

a s

em

pre

a

ma

nh

ece

co

m d

or

e n

ão v

ai n

a e

sco

la.

So

licita

do

a d

ecla

ração

co

m a

fre

quê

ncia

de

8

5%

pa

ra n

ão b

loq

ue

ar

o c

art

ão

.

Ce

na 1

1:

Mu

lhe

r fe

z o

prim

eiro

ca

da

str

o e

me

p

erg

unto

u:

se

rá q

ue

vo

u p

ega

r? [

…] p

orq

ue

dep

en

de

do

ta

man

ho

da

me

ntira

qu

e v

ou

co

nta

r aq

ui...

te

m g

en

te q

ue p

recis

a e

o

co

nse

gu

e p

ega

r […

].

Blo

qu

eio

do

Ben

efí

cio

: be

neficiá

rio f

oi

no

tifica

do

co

m u

ma

ca

rta

(tire

i có

pia

) a

vis

an

do

qu

e o

ben

efí

cio

se

ria b

loqu

ea

do

. O

b

en

efí

cio

ca

iu d

e 1

22,0

0 p

ara

66

,00 (

mu

lhe

r

Ce

na 1

2: E

la v

ai a

o c

olé

gio

, m

as n

ão

fa

la

pre

sen

te p

ara

a p

rofe

sso

ra,

mãe

d

ese

spe

rad

a p

orq

ue

a f

ilha

blo

que

ou

o

ca

rtão

pe

la s

eg

un

da

ve

z –

a d

ecla

raçã

o d

a

Page 178: MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

177 C

aso

s d

e b

loq

ue

io e

ca

nce

lam

en

to d

o

be

ne

fíc

io

Co

nve

rsa

s n

o c

ad

astr

am

en

to

Ce

na

s o

bse

rva

da

s n

o c

ad

astr

am

en

to

tem

filh

o c

ade

ira

nte

) –

mãe

é m

an

icu

re –

R$

1

50

,00

, filh

o r

eceb

e L

OA

S.

esco

la n

ão s

erv

iu –

que

co

nsta

va p

resen

ça

n

orm

al a

té a

pre

se

nte

da

ta –

te

m q

ue c

on

sta

r 8

5%

de

fre

quê

ncia

. F

oi so

licita

do

o b

ole

tim

.

Ca

nce

lam

en

to d

o B

en

efí

cio

: re

nd

a p

er

cap

ita

R

$1

75

,00 –

ma

ior

do

que

o e

sta

be

lecid

o n

o

Pro

gra

ma

. S

ão

4 p

esso

as n

a fa

mília

e o

g

an

ho

é d

e R

$ 7

10

,00.

O m

arido

tra

ba

lha

no

frig

orifico

co

m s

alá

rio

mín

imo

e e

la d

iarista

(5

10,0

0 +

200

,00

= R

$7

10

,00

).

Ce

na 1

3:

e r

eceb

eu

via

extr

ato

ba

ncá

rio

a

info

rma

çã

o d

e q

ue o

s f

ilhos n

ão e

sta

va

m

estu

dan

do

na e

sco

la d

ecla

rad

a –

justifica q

ue

n

ão

co

mu

nic

ou

a m

uda

nça

de

esco

la a

o

pro

gra

ma

.

Ce

na 1

4: O

pa

i é

apo

se

nta

do

IN

SS

, filh

o

deficie

nte

não

re

ce

be

LO

AS

, o

utr

os s

ão

estu

dan

tes,

mu

lhe

r an

alfa

be

ta..e

sta

va

blo

qu

ea

do

po

r fa

lta d

e r

evis

ão

ca

da

str

al.

Fonte

: Jacy C

orr

êa C

ura

do,

2012.

Page 179: MULTIPLICIDADE DE “POBREZAS” NAS REDES … Correa... · À Vanda Nascimento, ... abordagem da Psicologia Social Discursiva, ... que permitiram o exercício de uma de

178 Q

UA

DR

O 7

- S

ocia

lidad

es e

ma

teria

lidad

es, te

rritó

rio

e n

om

ea

çõ

es d

e p

ob

reza

– c

ron

olo

gia

da

pob

reza

Pe

río

do

S

oc

ialid

ad

es m

ate

ria

lid

ad

es

Te

rrit

óri

o

No

me

õe

s

cu

lo X

a.C

. O

prim

eiro

uso d

a p

ala

vra

po

bre

za

no m

undo

b

íblic

o r

efe

re-s

e a

pro

prie

tário

s q

ue

fo

rça

ram

o

s c

am

pon

ese

s v

end

ere

m s

ua

s te

rra

s.

Bib

lico

cu

lo X

– V

a.C

. P

apa

Gre

go

ry –

Ig

reja

ca

tólic

a R

om

ana

.

1º.

Orf

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Fonte

: O

dekon (

2006).