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Fernando Magalhães Luciana Ferreira da Costa Francisca Hernández Hernández Alan Curcino COORDENADORES MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIO volume 2 Escola Superior de Educação e Ciências Sociais | Politécnico de Leiria

museologiapatrimonio - volume 2 (corrigido) · Emeide Nóbrega Duarte (Universidade Federal da Paraíba, Brasil) Fernando Paulo Oliveira Magalhães (Instituto Politécnico de Leiria,

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Fernando MagalhãesLuciana Ferreira da Costa

Francisca Hernández HernándezAlan Curcino

COORDENADORES

MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIO

volume 2

Escola Superior de Educação e Ciências Sociais | Politécnico de Leiria

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FernandoMagalhãesLucianaFerreiradaCosta

FranciscaHernándezHernándezAlanCurcino

(Coordenadores)

MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIO

Volume 2

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MUSEOLOGIA E PATRIMÓNIO

Volume 2

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PresidenteRuiFilipePintoPedrosa

ESCOLASUPERIORDEEDUCAÇÃOECIÊNCIASSOCIAIS

Diretora

SandrinaDinizFernandesMilhano

EDIÇÕEShttps://www.ipleiria.pt/esecs/investigacao/edicoes/

ConselhoEditorial

AlanCurcino(UniversidadeFederaldeAlagoas,Brasil)

EmeideNóbregaDuarte(UniversidadeFederaldaParaíba,Brasil)FernandoPauloOliveiraMagalhães

(InstitutoPolitécnicodeLeiria,Portugal)JoséAntónioDuqueVicente

(InstitutoPolitécnicodeLeiria,Portugal)LucianaFerreiradaCosta

(UniversidadeFederaldaParaíba,Brasil)MarcoJoséMarquesGomesAlvesGomes(InstitutoPolitécnicodeLeiria,Portugal)

SilvanaPirilloRamos(UniversidadeFederaldeAlagoas,Brasil)

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FICHA TÉCNICA Título: Museologia e Património - Volume 2 Coordenadores: Fernando Magalhães, Luciana Ferreira da Costa, Francisca Hernández Hernández, Alan Curcino Projeto gráfico: Alan Curcino Capa: Rui Lobo Edição: Instituto Politécnico de Leiria – IPLeiria Edifício Sede – Rua General Norton de Matos, Apartado 4133, 2411-901 Leiria – Portugal https://www.ipleiria.pt/ ISBN 978-989-8797-36-0 Novembro de 2019 ©2019, Instituto Politécnico de Leiria APOIOS

RededePesquisae(In)Formaçãoem Museologia,MemóriaePatrimônio

Facultad de Geografía e Historia: Grupo de Investigación Gestión del Patrimonio Cultural

U N I V E R S I D A D COMPLUTENSE

M A D R I D

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

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À contínua cooperação entre os amigos brasileiros, espanhois e portugueses em torno da Museologia e do Património.

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ÍNDICE

Apresentação.......................................................................................................FernandoMagalhãesLucianaFerreiradaCostaFranciscaHernándezHernándezAlanCurcino

7

AFigueiradaFozcomo“lugardememória”narotadafugada Europa ocupada durante a 2ª Grande Guerra (1943-1945).Propostadeitineráriohistórico.........................................

IreneVaquinhas

10

Osmodelosdegestãodosmuseusedopatrimónioculturalcomoprocessosdevalorizaçãopatrimonial................................

AntónioPonte

37

Memória e Identidade nos Museus: o caso do Museu doCarvão......................................................................................................

ClarissaWetzelCamilodeMelloVasconcellos

84

Corpos, Discursos e Exposições: a Coleção do MuseuAntropológico e Etnográfico Estácio de Lima (Bahia,Brasil).......................................................................................................

MarceloNascimentoBernardodaCunha

107

Museus de História em debate: controvérsias e interfacesentrememóriaeconhecimentohistórico.....................................

CecíliaHelenaLorenzinideSallesOliveira

146

Usabilidade e Curadoria Digital da visitação em 360°promovidapeloProjetoEraVirtual:oMuseuVale....................

LucianaFerreiradaCostaMariadeFátimaNunesAlanCurcino

176

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Objetos de Educação em Ciências da Natureza:considerações sobre os processos de conservação e aspossibilidadesdeusospedagógicos................................................

RaquelSantosPalmaReginaldoAlbertoMeloni

211

Formação em Museologia no Brasil: rupturas etransformaçõesnasdécadasde1960e1970...............................

IvanCoelhodeSá

246

Hermitage Barcelona: um Museu rejeitado pela “CidadeRebelde”..................................................................................................

SilvanaPirilloRamos

277

Cambioenlagestióndelosmuseospúblicos:implicacionesparaelTurismo…………………………………………………………………

SilviaAuletSerrallongaNeusCrousCostaDolorsVidalCasellas

311

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Apresentação

Os livrosMuseologiaePatrimónio–Volume1eVolume2são resultado de uma cooperação científica internacional entre oCentroInterdisciplinardeCiênciasSociais(CICS.NOVA)–PoloLeiriaeaEscolaSuperiordeEducaçãoeCiênciasSociais(ESECS)doInstitutoPolitécnico de Leiria (IPLeiria), Portugal, juntamente com a Rede dePesquisa e (In)Formação em Museologia, Memória e Património(REDMUS) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil, e oGrupo de Investigación Gestión del Patrimonio Cultural (GIGPC) daFacultaddeGeografíaeHistoria(FGH)daUniversidadComplutensedeMadrid(UCM),Espanha. O percurso desta cooperação inicia-se com a publicação dequatro Dossiês Temáticos sobre "Museu, Turismo e Sociedade”,respectivamente nos anos de 2014, 2015, 2017 e 2018, na RevistaIberoamericana de Turismo (RITUR), editada em conjunto peloObservatórioTransdisciplinaremTurismodaUniversidadeFederaldeAlagoas (UFAL), Brasil, e pela Facultat de Turisme e LaboratoriMultidisciplinardeRecercaenTurismedaUniversitatdeGirona(UdG),Espanha.TaisdossiêscontaramcomoapoiodaREDMUS/UFPBparasua publicação entre 2014 e 2017, além doInstituto de HistóriaContemporânea -Grupode InvestigaçãoCiência,EstudosdeHistória,Filosofia e Cultura Científica (IHC-CEFCi)daUniversidade de Évora(UÉvora), Portugal, assumindo a organização e assinatura comoEditores. Já no ano de 2018, acrescentou-se ao apoio à publicação oCICS.NOVA/ESECS/IPLeiria.

Os dossiês objetivaram contribuir para as diversas áreasdedicadas a reflexões sobre os espaços museais e o conhecimentomuseológico, enfocando, sobretudo, uma perspectiva a partir doTurismo, lançando mão de análises sob dimensões sociais,antropológicas, históricas, políticas e econômicas, evocando,transversalmente, os conceitos de cultura, memória, património eeducação na constelação das relações entre museus, turismo esociedadeapresentadaspelosautoresdosartigospublicados.

Comoconsequênciapositivadodossiêde2018,realizou-seemnovembro ainda no ano de 2018 o I Colóquio Internacional sobre

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Museu,PatrimônioeInformação,organizadopelaREDMUS/UFPBcomo apoio do CICS.NOVA/ESECS/IPLeiria, na cidade de João Pessoa,Brasil.

A partir do êxito do colóquio, agregando cooperativamenteautores dos dossiês da RITUR como convidados, além de outrosespecialistas reconhecidos internacionalmente, nasceu o projetodestes livros tendo, por sua vez, como autores professores epesquisadoresdoBrasil,daEspanhaedePortugal,dedicadosàsáreasdaMuseologia edoPatrimónio, comoobjetivoprimordial de reunirum conjunto de textos científicos capazes de plasmarem a grandevariedadeeriquezadoqueéproduzidosobreestasáreasnestestrêspaíses.

Contar com a colaboração de uma série de profesores epesquisadores que pretendem refletir sobre as novas perspetivas daatualMuseologiaedoPatrimónioéumaoportunidadeúnicadeentrarnosnovos espaçosde exposiçãoque todososmuseusdomundonosoferecemtãoprodigamentehoje.Aomesmotempo,permite-nosabrirperspetivas sempre surpreendentes que nos oferecem tentativas dedefiniçõesdistantesdeconceitosobsoletos,enquantonosapresentamnovasformasdedesenvolveroPatrimónioCultural.Issoéconsideradoumarealidadesustentáveldentrodeumsistemaintegralquelevaemconta não apenas as políticas dos museus, mas também os fatoreseconômicos, sociais e ambientaisque favorecemseugozo apartirdenovosconceitoscomonoâmbitoseja,porexemplo,daEducaçãooudoTurismoCultural.

Talvezestesejaumdosaspectosquemelhorrefleteasituaçãoatual da Museologia e sua relação com o Património. A teoriamuseológicaéessencialparasaberparaondeestãoindoastendênciasneste campo, como também para saber o que é hoje o conceito dePatrimónioecomoépossívelaproximaroscidadãosqueescolheramapartirdosmuseusedoPatrimónioCulturalexperimentaras imensaspossibilidadesqueomundoglobalascolocaàsuadisposição.

Os autores que participam dos dois livros oferecem umaamostra muito variada e enriquecedora de quais são os desafios daMuseologiaatualedecomoénecessárioapostaremumaMuseologiasustentável que leve em consideração a promoção, valorização econservação do Património Cultural em conexãonecessária prática epolítico-epistemólogica com diversas disciplinas, como aqui são

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encontradas: História, Sociologia, Antropologia, Ciência Política,Turismo, Ciência da Informação, Artes Visuais, Tecnologias, dentreoutras. Para o leitor, descortinam-se aqui pesquisas e ensaioscontemporâneossobreaMuseologiaeoPatrimóniointer,pluri,multietransdisciplinaresnaperspetivadoqueéproduzidonaatualidadenoBrasil,naEspanhaeemPortugal.

Visto tratar-se de publicação internacional, estes livrosapresentamemduas línguasoficiais,portuguêse castelhano,osseuscapítulosoriginais.Ademais,todoconteúdodecadacapítulo,incluindoas figuras, fotografias, imagens, gráficos e quadros analíticos, bemcomo suas resoluções e normalização, são da responsabilidade dosseusrespetivosautores.

Ao final desta apresentação, fica o desejo a todos de umaprofícua leiturana perspetiva de seu uso e de sua ampla divulgaçãocomocontribuiçãoàevoluçãoefuturodoscamposdaMuseologiaedoPatrimónio.

FernandoMagalhãesLucianaFerreiradaCosta

FranciscaHernándezHernándezAlanCurcino

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AFIGUEIRADAFOZCOMO“LUGARDEMEMÓRIA”NAROTA

DAFUGADAEUROPAOCUPADADURANTEA2ªGRANDEGUERRA(1943-1945).

PROPOSTADEITINERÁRIOHISTÓRICO

IreneVaquinhasUniversidadedeCoimbra,Portugal

https://orcid.org/0000-0003-1889-165X

1.Introdução

A ascensão da Alemanha nazi a partir de 1933 e asconsequentes regulamentações discriminatórias e raciais vão abrirumanovapáginanaHistóriaMundialqueiráafetaravidademilharesde indivíduos, obrigando-os a abandonar familiares, casas, haveres,países.

Na primavera de 1940, a ocupação nazi de países da Europasetentrional e da Europa ocidental como a Dinamarca, a Noruega, aHolanda,oLuxemburgo,aBélgicaeaFrança,provocaa fugamassivade populações aterrorizadas, fenómeno que se precipita a partir doVerãode1942,comocomeçodadeportaçãodejudeus(Mühlen,2012,p.59).Arotaibérica,atravésdosPirenéus,atravessandoEspanhaatéàcidade de Lisboa, porta atlântica de embarque para os restantescontinentes, em particular para os Estados Unidos da América,constituíaoprincipal caminhode saídadas zonasocupadas (Pereira,2017,p.48).Portugalera,acimadetudo,umpaísdetrânsito.

NoprocessodeêxododaFrançaocupada,osvistosconcedidospelocônsulportuguêsdeBordéus,AristidesdeSousaMendes(1885-1954) (Andringa, 1996, p. 8), à revelia do governo português edesobedecendoadiretrizessuperiores, foram,pararefugiados judeusou não-judeus de várias nacionalidades, a “plataforma de esperança"paraatãodesejadaliberdade(Pereira,2017,pp.41-43).

O agravamento da situação política e social europeia leva oregimesalazarista,porrazõespolíticasediplomáticasdecorrentesdas

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obrigaçõesportuguesasemrelaçãoàaliançainglesaecomoformadeasseguraraneutralidadenoconflito(Milgram,2010,p.99),apermitir,ainda que com apertadas e progressivas restrições àmedida que osfluxosmigratórios semassificam, a permanência temporária no paísdesses contingentes humanos, enquanto aguardam pelo dia deembarque.Oreceiodeperturbaçãodaordempúblicaededifusão,pelapopulação portuguesa, de ideais políticos e ideológicos subversivos,sobretudo comunistas, impôs uma política de “repressão-dissuasão”,canalizando-seosrefugiadospara“zonasderesidência fixa”, foradosprincipais centrosurbanos, onde erammais facilmente controlados evigiadospelapolíciapolítica(Pimentel,1996,pp.822-823).

ApraiadaFigueiradaFoz,localizadanaregiãocentrodopaís,será uma das localidades escolhidas para esse acolhimento. Desdefinaisdo século XIX, a cidade era umdosmais concorridos locais deveraneiodopaís, sobretudoapósainstalação,nadécadade1880,docaminho de ferro que permitiu a ligação a linhas ferroviáriasespanholas,oque tevede imediatoreflexosnoaumentodoafluxodeveraneantes, nacionais e estrangeiros, em particular espanhóis,provenientes de regiões fronteiriças. Ao tempo da Guerra CivilEspanhola (1936-1939), a cidade acolherá populações em fuga doconflito(Vaquinhas,2015,pp.4757-4778).Asuaintegraçãonasrotasdoturismoibérico,porumlado,eascaracterísticasdecidade-balnear,dotada de infraestruturas adequadas à sazonalidade do veraneio1,convertem-na,nosanos1940,numadasescolhasoficiaisparalocaldepermanênciaderefugiadosemfugadepaísesdocentrodaEuropa.

Esteestudotemprecisamentecomoobjetivoreconstituirasuapresença na cidade, identificar os locais mais frequentados ourepresentativos da sua estadia, e propor um itinerário histórico queenquadre a cidade da Figueira da Foz no mapa dos “lugares dememória”darotadafugadaEuropaemguerra.

1 É na região centro de Portugal que se situam as restantes “zonas deresidência fixa”, sendoamaioriaestânciasbalnearesou termais,dotadasdeinfraestruturas materiais capazes de acolher grandes contingentespopulacionais,maisprecisamenteasseguinteslocalidades:Curia,Luso,CaldasdaRainha(eFozdoArelho),EriceiraeLousadeCima(Pereira,2017,pp.59-63).

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Como metodologia de trabalho, recorre-se ao cruzamento defontes, de variada tipologia, tanto manuscrita como impressa,pertencendograndeparte aoArquivoHistóricodaCâmaraMunicipaldaFigueiradaFoz (AHMFF), emespecial,Autorizaçõesde residência(1930-1945), Programas Visados pela Inspeção dos Espetáculos(1939-1947),eimprensaperiódica,entreoutrosdocumentos.Durantea guerra, os periódicos locais abordarão o tema com regularidade, aexemplodacrónica“Alô,AlôBairroNovo”,dojornalOFigueirense.Aotempo, o Bairro Novo era o epicentro da vida social e recreativa dalocalidade, o qual se converterá, na década de 1940, numa pequenababel de nacionalidades. Essas fontes de informação foram cruzadascomdocumentosdaPolíciadeVigilância eDefesadoEstado (PVDE),disponíveis no núcleo de Correspondência Recebida da CâmaraMunicipal da Figueira da Foz, bem como com algumas obrasmemorialistaseromances, localizados,emtermos ficcionais,napraiadaFigueira.

Comosedefineecaracteriza,pois,oturismomemorial?Comoéque este se adequa à estância balnear da Figueira da Foz, exemplorepresentativodoturismodesolemar?Quevaloreseprioridadessãodefendidos?Quemaisvaliaspode trazeràcidade?Estassãoalgumasquestõesaqueseprocurarádarresposta.2.Acercado turismodememóriaedaelaboraçãode itinerárioshistóricos A abertura europeiadas fronteirasna sequênciadaquedadomuro de Berlim, em 1989, veio amplificar o desenvolvimento de umturismo nostálgico e memorial dirigido para locais traumáticos, desofrimento, de destruição ou de repressão, associados à 2ª GrandeGuerra,localizados,sobretudo,naEuropaCentraleOriental. Não sendo um fenómeno inteiramente novo, datando pelomenosdopós-1ªGrandeGuerra,entãocentradonosprincipaiscamposde batalha e nos monumentos comemorativos aos mortos e aossoldados desconhecidos caídos em combate (Jacquot; Chareyron etCousin,2018),oturismodememóriaconstituiumaformaparticulardeturismo que articula uma forte consciência histórica com arecuperaçãodotestemunhomemorialenoqualosaspetos“puramenterecreativos são secundarizados” (Crahay, 2014, p. 151), embenefício

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deumarelaçãobiográfica,individualoucoletiva,dosvisitantescomoslugarespercorridos(Betchtel;Jurgenson,2013,p.13).

Essas especificidades não só o problematizam enquantofenómeno turístico, questionando alguns autores essa categorização(Bierwerth, 2011, p. 20; Crahay, 2014, p. 151), como, na linha dasleituras psicanalíticas de Paul Ricoeur sobre o culto da memória(Ricoeur,2000), tendemaassociá-loaumprocessodeanamnese.Deacordo com esta interpretação, constitui uma viagem catártica eterapêutica “em busca das raízes” ou de “encontro consigo mesmo”,senão mesmo de reconciliação com o passado, proporcionando areconstrução identitária, individual ou de grupo (Bierwerth, 2011, p.18-21; Besson, 2014; Cirac, 2014, p. 320; Jansen-Verbeke; George,2015). Turismo da diáspora é uma das designações pelo qual estesegmento turístico também é conhecido (Bierwerth, 2011, p. 18),tendotambémafinidadescomo “dark tourism”ou turismo“mórbidooumacabro”,emparticularcomafileiracentradanoslocaisdeconflitoou em espaços associados à morte, à opressão ou ao sofrimento, aexemplo dos campos de concentração (Knafou, 2012; Cirac, 2014, p.320;Gonçalves,2017,pp.29-34).

Umdosseusfundamentosresidenoimperativoéticododeverda memória, como forma de exorcizar um passado que “não seesquece” (Jansen-Verbeke; George, 2015). Porém, à medida quedesaparecem os indivíduos diretamente envolvidos nosacontecimentos traumáticos ou os seus descendentes diretos e seprecipitam os efeitos geracionais dos ciclos de vida, tendem-se aalterarasprioridadesvalorativaseospadrõesdeste tipode turismo,redefinindo-se a escala individual em prol de uma leitura coletiva,nacional,étnicaoucultural(Besson,2014).

Naatualidade,ainstrumentalizaçãopelospoderespúblicosdoconceito de “dever da memória” procura conferir utilidade e valoreconómicoaopatrimónioculturaldopassadopondo-oaoserviçodascomunidadesoudaslocalidades(Jacquot;ChareyronetCousin,2018).Já não se trata apenas de utilizar o turismo como móbil dareconstruçãodelocaisdestruídos(Danchin,2014),masdereintegraradimensão cultural e multiétnica num espaço historicamenteconsideradoenasuaprópriaevolução.Visa-serestituirumamemóriacoletiva e conferir valor pedagógico e de uso ao património cultural,concebendo-o como um investimento produtivo, dimensões que se

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enquadram no atual gosto “pelo passado”, no reconhecimento dopatrimónio cultural como um fator de desenvolvimento sustentável(Greffe,2011,p.928),eempreocupaçõessociaisepolíticasdotempopresente. É o caso da noção de património como “bem comumidentitário” (Harzog,2011),bemcomoda importância ideológicadosvaloresdareconciliaçãoedatolerância,associadosàpaz,aosdireitoshumanos e à democracia, princípios subjacentes à reconfiguração doespaço europeu após o termo da segunda Grande Guerra. Pelo seucaráter complexo, o turismo de memória procura proporcionar aoturista ou ao visitante uma experiência intercultural enriquecedora,dando-lhe a conhecer o espaço físico dos acontecimentos ocorridos,assimcomotransmitir,deumaformadidática,valoreseducativosqueoconduzamarefletirnocontextohistóricoenasquestõesideológicasqueestiveramnasuaorigem.

A partir destas ideias-força tem aumentado, na vertente doturismo cultural, a oferta de vários tipos de produtos, capazes depotenciarem e de viabilizarem um leque bastante alargado deatividades, sendo as rotas turísticas temáticas sobre a libertação daEuropadodomínionazi, no final da segundaGrandeGuerra, umdoscasosmaisrepresentativos.

Sem a preocupação de exaustividade2, é demencionar a rotaLiberation Route Europe, criada pela fundação com o mesmo nome,comsedenaHolanda,aqualse inserenumprojetocofinanciadopelaUnião Europeia com o apoio de várias organizações e instituiçõesinternacionais: universidades, associações de antigos combatentes,museus, agências de turismo, entre outras. De acordo com o siteinstitucional,asuafinalidadeé“tobringtogethernationalperspectiveson the liberation of Europe, to learn and share experiences andunderstanding, in order to create a unified awareness of theimportance of freedom |…| It deals with individual nation states’selectivememoriesofthewar,andcallsforaninternationalresponse, 2 São numerosas as visitas ou as rotas turísticas tendo por base o tema daSegunda Grande Guerra oferecidas por numerosas localidades europeias,disponíveis na internet, como é o caso, entre outras, da Visite historique àVincennes: parcours autor de la seconde guerre mondiale(https://exploreparis.com/fr/1128-visite-historique-vincennes-parcours-autour-seconde-guerre-mondiale.html) ou da Randonneurs demémoire, emváriaszonasdoLuxemburgo.

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byseekingtoexaminethecomplexheritageoftheSecondWorldWarfrommultiplehistoricalperspectives.Itconnectsthishistorywithlifein modern-day Europe, as well as other parts of the world,underscoring the role of international reconciliation and thepromotion of reflection: reflection on the value of our hard-wonfreedoms”3. Os percursos/visitas propostos envolvem vários “lugaresdememória”localizadosnaBélgica,naRepúblicaCheca,emFrança,naAlemanha,noLuxemburgo,emItália,naPolónia,entreoutrospaíses.Nãoincluem,contudo,Portugal.

Em rigor, uma rota é uma “descrição de um caminho |…|especificando os lugares |…| e propondo uma série de atividades eserviços” (Maia; Baptista, 2011, p. 673), a qual obedece aprocedimentos técnicos específicos e a uma lógica estruturante(Figueira,2013,p.20).

EmPortugalsãoemescassonúmeroaspropostasdeitinerárioshistóricos urbanos relacionados com a presença de refugiados da 2ªGrandeGuerra,sebemquealgumasautarquiasououtrosorganismosestatais promovam iniciativas ou disponibilizem equipamentosculturaisevocativosdamemóriadorefúgionoséculoXX.Éocasodacâmara municipal de Cascais que criou, no ano de 1999, o espaçoMemória dos Exílios4, ou do município de Almeida que abriu aopúblico, no ano de 2017, o Museu “Vilar Formoso Fronteira da Paz.Memorial aos Refugiados e ao Cônsul Aristides de Sousa Mendes”,dedicadoàpassagemdos refugiadosporPortugaldurante a segundaGrande Guerra, o qual está alojado na estação ferroviária de Vilar

3Deigualmodo,aFondationpourlaMémoiredelaShoahpromoveavisitaa“lugares de memória” relacionados com o genocídio do povo judeu.http://www.fondationshoah.org/enseignement/voyages-pedagogiques(https://www.visitluxembourg.com/fr/tours-recommandes/tour/t/randonneurs-de-memoire).4O“EspaçoMemóriadosExílios”temcomoobjetivoprincipal,comosepodelerdoseusitenaInternet,“aevocaçãodamemóriadeumdosacontecimentosmaisrelevantesdahistóriadoconcelho:terrepresentadoumlocalderefúgio,espera e passagem de milhares de exilados e refugiados no contexto dosconflitoseuropeus-aGuerraCivildeEspanhaeaSegundaGuerraMundial”.https://www.cascais.pt/equipamento/espaco-memoria-dos-exilios. Sobreestemesmoassunto,veja-setambémLima;Neves,2005.

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Formoso, uma das principais fronteiras terrestres de entrada emPortugal5.

Jánoqueconcerneaitinerárioshistóricos,umcasoconhecidoreporta-se à vila da Ericeira, localidade que também foi “residênciafixa”(Júnior,1998),cujaJuntadeTurismodisponibilizaaosvisitantes,em suporte papel, um percurso por diversos espaços e ruas da vilaonde viveram ou passaram refugiados. Estando devidamenteidentificados,pormeiodepequenasfotografias,ofolhetorefere,entreoutros locais a visitar: “Praça da República, local da chegada dosrefugiados”, “Registo (painel) de azulejos na rua Miguel Bombarda,antigaPensãoMoraisondesealojouoprimeirogrupoderefugiados”,“Prédio adaptadoa Sinagogaonde sepraticavamos actosda religiãojudaica”, “Escritório do Unitarian Service Committee no Largo dosCondes da Ericeira que financiava os refugiados (em frente doscorreios)”, “Casa na rua Florêncio Granate onde Fritz Teppich viveuentre1943e1946”,entreoutrasinformações. Estetipodeitinerárioconstitui,pois,umaformadeexplorararelaçãodahistóriadasegundaGrande Guerra com os locais, oferecendo informação sobre osrefugiados,oseuquotidianoeatividades,oslocaisfrequentados.

3. A Figueira da Foz como porto de abrigo: os refugiados de“foragidos”a“hóspedes”

NoVerãode1940,apartirdaocupaçãodeFrançapelastropas

alemãs,precipita-seaafluênciadeestrangeirosaPortugal,emdireçãosobretudo a Lisboa, cidade com o único porto de embarque para osEstados Unidos da América, mas também onde se localizavam asembaixadas,osconsulados,asorganizaçõesinternacionaisdeajuda,asoperadorasdetransporte(Lima;Neves,2005,p.21).Peranteorumodosacontecimentos,asautoridadesdecidemcolocarosrefugiadosem

5 Vilar Formoso Fronteira da Paz. Memorial aos Refugiados e ao CônsulAristides de Sousa Mendes. http://www.centerofportugal.com/pt/vilar-formoso-a-fronteira-da-paz/. Este museu está organizado em seis núcleosexpositivossubordinadosaosseguintes títulos: “Gentecomonós”, “Iníciodopesadelo”, “A viagem”, “Vilar Formoso – Fronteira da Paz”, “Por terras dePortugal”e “A partida”. Para ummelhor conhecimento destemuseu veja-setambémRamalho(2014).

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“residências fixas”, seguindo o exemplo de outros países, como aFrança(Pimentel,2006,pp.127-134).

De imediato, a imprensa figueirense regista a chegadaprogressiva de refugiados, em grande número, tanto por via férreacomo por automóvel. No dia 24 de Junho é acolhido na cidade oprimeiro grupo, vindo de Vilar Formoso, pela linha da Beira Alta,constituído por 85 refugiados de várias nacionalidades, sendodistribuídospor“diversoshotéisepensõesealgunsalugaramcasas”6.NoiníciodeJulhochegarammuitosmais7,perfazendo,segundocontasdaimprensa,cercade600indivíduos,tendoosgrupossidorecebidoscom“flagrantesprovasdecarinhoesimpatiaparaquenãosentissemtantoasuadesgraça”.Àsuachegada,naestaçãodocaminho-de-ferrodaFigueira,esperava-osumacomitivaconstituídapelovice-cônsuldeFrança, na cidade,membrosdaComissãoMunicipaldeTurismoedacolóniafrancesa,bemcomopor“dezenasdepessoas”8.

De “foragidos”, como por vezes eram referidos, os refugiadosconvertem-se rapidamente em “hóspedes”, traduzindo a evoluçãolinguística registada pela imprensa periódica, a franca hospitalidadecomqueforamrecebidospelamaiorpartedapopulaçãourbana9.IreneFlunserPimentel na suaobra Judeus emPortugaldurantea IIGuerraMundial refere o testemunho do jornalista checo, Eugen Tillinger,refugiadonacidade,oqualparececonfirmarasnotíciasdaimprensa.Temendo ser encarcerado num campo semelhante aos franceses, omedodesvaneceu-seaochegar,esclarecendoque“temosdeagradecer,agradecer de todo o coração aos portugueses. A sua simpatiaultrapassa todos os limites (...) Quando chegámos, a autarquia daFigueiradaFozhaviaconvocado,paraaEstaçãodecomboio,todososque sabiam a língua francesa, para nos receber |...| os refugiados deguerra foram recebidosde forma fantástica |...| O cinema ofereceu, àtarde, entrada gratuita |...| Os cardápios dos restaurantes estavamescritos em duas línguas |...| a autarquia proibiu energicamente aos

6OFigueirense,26deJunhode1940.7“Compreensão”,OFigueirense,3deJulhode1940;“Osrefugiadosdeguerraencontraram na Figueira o almejado sossego”,O Figueirense, 9 de Julho de1940;OFigueirense,27deJulhode1940.8“Refugiados”,OFigueirense,29deJunhode1940.9“Compreensão”,OFigueirense,3deJulhode1940.

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hoteleiros e comerciantes de levar-nos preçosmais altos” (Pimentel,2006,p.131).

Aimprensarefere,comefeito,achegadaàcidadedoreputadojornalista, colaborador do Paris-Soir, entre outros jornais10. O seupercurso pela Europa, tal como é definido pela imprensa local - deParisparaBordéusedali,atravésdeEspanha,paraPortugal– indicaque o jornalista foi um dos muitos beneficiados com os vistosconcedidospelocônsulAristidesdeSousaMendes11.Nãofoi,porém,oúnico:outrostambémoforam.

Aanálisedeumnúcleodevistos(emnúmerode104)que,porcircunstâncias desconhecidas, integram a documentação do ArquivoHistórico Municipal da Figueira da Foz evidencia a diversidade denacionalidadespresentesnacidade,noanode1944,cabendoomaiornúmeroanaturaisdeEspanha(43),seguido,emtermosdecrescentes,pelaFrança(23),Bélgica(14)eBrasil(13)(QuadroVI).

QuadroVI–Repartiçãodasnacionalidadesapartirdostítulosderesidência(1944)

SF SM TOTALAlemanha 1 1Bélgica 7 7 14Brasil 3 10 13Checoslováquia 1 1Espanha 20 23 43França 12 11 23Itália 2 2 4Suíça 1 1China 2 2Holanda 1 1Polónia 1 1TOTAL 47 57 104

Fonte:AHMFF,Vistosdeautorizaçãoderesidênciadeestrangeiros 10 “OsrefugiadosdeguerraencontraramnaFigueiraoalmejadosossego”,OFigueirense,9deJulhode1940.11http://sousamendesfoundation.org/tillinger/(15-09-2013;10.40).

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QuantoàdatadeentradaemPortugal,maisdemetade(59,6%,

62 casos) dos estrangeiros fizeram-no no ano de 1940 ou em dataposterior, enquanto 36,5% (38 casos) entraram no nosso país entre1933e1939.Em4casos(3,8%)nãoháqualquerinformação.

3.1. Sob o impacto dos refugiados: as transformações doquotidiano

A passagem de refugiados pela localidade é mencionada em

algumasobrasdecarátermemorialista.LuísCajãoreferenoseulivroAs torrentes da memória. Histórias e inconfidências do arco-da-velha,que, na cidade, “desaguaramalgumas centenasderefugiados” (Cajão,1979,p.13),“fugindoaHitlereaoholocausto”,oquevemalterarasuapacatez e imprimir novos hábitos, tendo exercido um efeitoestimulante na sociedade local. Muitos, diz-nos Leitão Fernandes,“puderam |...| encontrar o necessário ambiente acolhedor” e “ospróprios cafés do Bairro Novo passaram a ter uma frequênciapermanente,durante“todooano”,oqueatéalisenãoverificava12.Ouseja, a “infiltração estrangeira”, como lhe chamou Augusto Veiga,animavaoBairroNovo,prolongandoa“épocadeVerão,paraa“épocadeOutono”13.

Nacidadeahospitalidadeéacolhedora,oriscoéescasso,osolea luzencantamosestrangeiros,oambienteédedescontração,avidacorre suavemente. Em tempo de Guerra, a cidade fervilha de gente:“pelas artérias da cidade, nos jardins, nas avenidas, nos cafés, nosbancos, nota-se uma constante vibração de línguas estrangeiras, depolacos,debelgas,checos,holandesesefranceses,deambosossexos,que dão uma nota de cosmopolitismo a esta cidade”14. O escritorMiguelViqueiraretrataapraiadaFigueiradesteperíodonumromanceaquedeuotítuloeloquentedePraiabela(1994).

12LeitãoFernandes,“BrevehistóriadoCasinodaFigueira”,AVozdaFigueira,7deDezembrode1972.13OFigueirense,9deOutubrode1940.14 “OsrefugiadosdeguerraencontraramnaFigueiraoalmejadosossego”,OFigueirense,9deJulhode1940.

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As transformações do quotidiano são muito referidas naimprensa:alínguafrancesasubstituindoaespanholaeaportuguesa;oaumentodaofertadecasasequartosparaarrendareosanúnciosemvárias línguas; os títulos e as legendas dos filmes em francês15; osbanheiros que falam francês.... Porém, há um dado que suscitounumerosos comentários: a indumentária e os hábitos femininos, emparticular, o uso de calças e o tabagismo. Aliás, em alguns jornaissugeriam-sepasseiosàFigueiradaFoz“parasetomarcontactocomacivilizaçãodoséculoXX”,“porqueseteráocasiãodeversenhorascomcalçasesemelas,eafumaremcomoqualquerguardafiscalvigilantesnasmargensdosriosoucostasmarítimas”16.

Um número significativo de refugiados pertencia a “camadasburguesas liberais”, incluindoescritores, pintores, escultores, artistasdo espetáculo,músicos, profissionais liberais, comerciantes, inclusivejoalheiros.Deimediato,oGrandeCasinoPeninsulardaFigueiradaFozfacultouaentradagratuitanasmatinées17.Peranteestaofertaculturalinesperada, as casas de espetáculos recrutam os seus serviços,conseguindocontornarasproibiçõesdetrabalhoquerecaíamsobreosestrangeiros,associando-osa festascomobjetivosbeneficentes,cujosdestinatáriostantopodiamserasinstituiçõeslocais,comoosprópriosrefugiados.Algunsabrilhantarãoespetáculos,outros farãoexposiçõesdepinturaouconferências,entreoutrasiniciativas.

Correspondeaestasituação,ocasaldepianistas,ColetteGaveau(1913-1987) e Witold Malcuzynski (1914-1977), os quais, maldesembarcaram,em1940,na fozdoMondego, “namaior indigência”,segundo informa Luís Cajão, são convidados a atuar no CasinoPeninsular, no dia 17 de Julho de 1940, num espetáculo a favor da“assistência figueirense18. Polaco de nascimento, discípulo docompositor Padereswsky, grande intérprete de Chopin, WitoldMalcuzynski é considerado um dos “últimos pianistas românticos”. 15EstasalteraçõespodemseracompanhadasatravésdosprogramasdascasasdeespetáculoexistentesnaFigueiradaFoz,apartirdeJulhode1940,muitosdosquaisseencontramdisponíveisnoArquivoMunicipal,nascaixasCâmaraMunicipal.Turismo.ProgramasVisados.InspecçãodosEspetáculos.1940.16OFigueirense,20deJulhode1940.17Jornal-Reclamo,nº234,13deJulhode1940.18 AHMFF. Câmara Municipal. Turismo. Programas Visados. Inspecção dosEspetáculos.1940.

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Chegou à Figueira da Foz, conjuntamente com a sua mulher ColetteGaveau, comvistosde SousaMendes, como refereo sitedaAristidesFoundation. Nesse mesmo mês, o próprio casino organiza em suahomenagemumaoutrafesta,daqualesteseriaobeneficiado.

ComoesclareceLuísCajãonoseulivrodememórias,oCasino,a30de Julhode1940,atravésdos seus responsáveis,ArménioFaria eErnestoTomé,“organizaramumconcerto|…|querendeuparaaépocarazoavelmente: seis mil escudos”. E prossegue aquele autor nadescrição do ocorrido: “Mal Witold Malcuzynski recebeu estaimportância, pegou-nos no braço, à mulher e a mim, e levou-nos àspressasparaasaladejogo.Trocadoodinheiroemfichas,repartiu,emparcelas,dedoiscontos,odinheiropelostrês.Equisquecadaumdenós ocupasse uma mesa de roleta. |…| Um quarto de hora depois,ambos haviam perdido tudo. Eu, entretanto, fora-me ao guichet econverteradenovoasfichasemdinheiro|...|quesólhesentregueinomomentodeosdeixaràportadohotel”(Cajão,1979,p.13).

Alguns anos depois do fim da II Grande Guerra, em 1948, o“genialartista”voltariaàFigueiraafimdefazerumrecitaldepiano,noSalãoNobredoGrandeCasinoPeninsular,emsinalde“agradecimentopelas atenções e carinhos que o rodearam e aos seus compatriotasnuma hora incerta das suas existências”19. Ainda presentemente, ocasinodaFigueira conserva, numaparededa atual salade jogo, umaplacaalusivaaoconcertorealizadopelocasalderefugiados.

Asreferênciasaartistasnãoseficamporaqui:éocasodoartistadecinemafrancêsMarcelDalio(1899-1983)20,daescritoratambémdeorigem francesa, Gisèle Quittner Allatini (1883-1965), que proferiuváriasconferênciasnoCasinoeassinoualgumascrónicasnaimprensalocal21 ou do pintor, de origem checa, Ivan Sors (1895-1950), 19 Programa de 28 de Junho de 1948. AHMFF. CâmaraMunicipal. Turismo.ProgramasVisados.InspecçãodosEspetáculos.1948.20Nodia7deAgostode1940,oGrandeCasinoPeninsulardaFigueiradaFozpassounoseucinemaofilme“CasadoMaltês”,comoartistaMarcelDalio,“ograndeartistadocinemafrancêsqueseencontranaFigueiradaFoz”.AHMFF.CâmaraMunicipal. Turismo. Programas Visados. Inspecção dos Espetáculos.1940.21“NoCasino”,Jornal-Reclamo,nº246,5deOutubrode1940;nº247de12deOutubrode1940enº252de16deNovembrode1940.Comocolaboradoradaimprensa, deve mencionar-se a sua crónica “Figueira da Foz” no Jornal-

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personagemcentraldaficçãoliteráriadeAfonsoCruz,Opintordebaixodolava-louça(2013)que,emAgostode1940,expôsnocasinopinturase desenhos, alguns de pescadores de Buarcos, localidade piscatóriajunto à praia da Figueira da Foz, dispondo, na atualidade, o MuseuMunicipal Santos Rocha da cidade, de alguns dos seus quadros, bemcomo de outros pintores refugiados22. Na ficção literária de AfonsoCruz,JosefSorsresidiaemcasadeumconhecidofotógrafodacidade,parente do romancista, dormindo num recanto da casa. Como seesclarece no livro: “Por baixo do lava-loiças havia um espaçorelativamentegrande,queseprolongavaporbaixodofogão.Foiaíqueseestendeuumcolchão e foiaíqueSorspassouadormir,escondidoatrásdalenha,commedoqueosagentesdaPVDEaparecessemameiodanoite”(Cruz,2013,p.136).

A cidade aumenta a sua oferta de restauração e nas ruas bemanimadas, sobretudo do Bairro Novo, disputavam-se verdadeirascompetições musicais entre as várias orquestras que tocavam noscafés, nos casinos e nos restaurantes, episodicamente acompanhadasporartistasinternacionaisqueaGuerraconduziraatéàFigueiraequevão“rodando”entreasváriascasasdeespetáculos.

O “Café Nicola” atraía um mar de gente com a alegria da“OrquestraGinásioJazz”esobretudocomossolosdoviolinistaDavidTeller, refugiado russo, acompanhado ao piano por Engleman

Reclamo, nº 262, 25 de Janeiro de 1941. Esta autora redigiu uma carta aAristidesdeSousaMendes,agradecendoaajudarecebidaemBordéus,enaqual afirma: “Faço questão de lhe escrever para lhe dizer da profundaadmiração que têm por si em todos os países onde exerceu as funções decônsul.OSenhoréparaPortugalamelhordaspropagandas,eumahonraparaasuaPátria.Todosaquelesqueoconheceramelogiamasuacoragem,oseugrande coração. O seu espírito cavalheiresco, e acrescentam: se osPortuguesessãocomooCônsulGeralMendes,sãoumpovodecavalheirosedeheróis”.AHD–ProcessoDisciplinardeAristidesdeSousaMendes.Acedidoem08deMaiode2018. http://vidaspoupadas.idiplomatico.pt/aristides-de-sousa-mendes/documentos/22“Exposiçãodepinturasedesenhos”,Jornal-Reclamo,nº240,20deAgostode1940;“IvanSors”,Jornal-Reclamo,nº240,16deNovembrode1940.Omuseuconserva tambémquadrosdeWandaOstrowska,pintorapolaca.AgradeçoàSra.Dra. AnaPaulaCardoso, da CâmaraMunicipal daFigueira daFoz, estasinformações.

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Malanzer23,outrorefugiado,ecomotrompetedeJoaquimMachado;noCaféEspanholatuavaa“OrquestraPortuguesa”,dacidadedoPorto;no“Casino Oceano”, mais requintado, jantava-se ao som da orquestra edas variedades do seu selecionado programa. Finalmente, na maisrecente novidade do Bairro Novo, a marisqueira-bar “LagostaVermelha”, “um dos mais luxuosos e frequentados da Figueira”,exibiam-se bailados clássicos espanhóis. “Até certo ponto – diz-nosLuís Cajão - era a minha cidade, uma cidade boémia |…|”,reproduzindo-se,decertaforma,aatmosferadosAnos1920.

O jogo de fortuna ou azar, em particular a roleta, refletirá, deigual modo, a importância dos refugiados. Grande número eraconstituído por “gente abastada que jogava sem preocupações”, comhábitosde“casinar”,comosediziaaotempo,tendocontribuídoparaoaumento das receitas provenientes do jogo. Os resultados daexploração do jogo, sobretudo após o ano de 1942, comprovam, defacto, o impactodos refugiados estrangeirosna vidada cidade, cujosresultadossãosobretudocolocadosaoserviçodapolíticaassistencialda autarquia até ao ano de 1947, nas vésperas de ser constituída aSociedade Figueira-Praia que passará a ser a proprietária do casino(Vaquinhas,2012,pp.224-228).

Apresençadosrefugiadoscolocou,noentanto,algunsproblemasà autarquia figueirense, sobretudo no que respeita à sua vigilância,desconhecedora do que lhes era permitido ou proibido, obrigando afrequentespedidosdeesclarecimentosàPolíciadeVigilânciaeDefesado Estado (PVDE). A proximidade geográfica relativamente à sededesteorganismo,nacidadedeCoimbra(cercade50Km),determinariaque não fossem disponibilizados agentes da polícia política para aFigueira da Foz, competindo a fiscalização dos refugiados afuncionários camarários. Trata-se de uma decisão que ajuda ainterpretar o ambiente de alguma descontração vivido pelosestrangeirosnacidade24. 23 No ano de 1946, já depois do termo da Guerra, o violinista David TelleraindasemantinhanaFigueiradaFoz,sendooseunomereferidoemcartazesde espetáculos, pelo menos, do dia 22 de Junho de 1946. AHMFF. CâmaraMunicipal.Turismo.ProgramasVisados.InspecçãodosEspetáculos.1946.24 Os custos da instalação de agentes da PVDE na cidade (dormida ealimentação, pelo menos) corriam pelas autarquias, como se explicita nadocumentação da PVDE, o que suscitou grande contestação por parte do

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Aleituradacorrespondênciarecebidapelaautarquiafigueirenseproveniente da PVDE permite captar algumas das restrições a queestavamsujeitososrefugiadose,decertaforma,apreenderumpoucodo seu quotidiano. Assim, era-lhes rigorosamente interdito “fazeremuso de máquinas fotográficas bem como de meios de pintura oudesenhos tentarem fixar pontos que possam ser considerados deinteresseestratégiconanossazonamarítimaoufronteiraterrestre”25.

Quanto ao local do seu alojamento, fosse qual fosse, oproprietário era obrigado, no prazo de 48 horas, a comunicar apresençadequalquerestrangeiro,mesmoquesetratassedeumaúnicapernoita, sob pena de pagamento de multa. “A fim de intensificar afiscalização sobremoradas de estrangeiros”, deveria ser enviada, noiníciodecadasemana,arelaçãodetodososestrangeiroshospedadosem hotéis, pensões ou casa de hóspedes26. De igual forma, visitasdeestrangeiros a refugiados residentes na Figueira deviam serimediatamentecomunicadaspeloproprietáriodaresidênciasobpenade multa. Se o estrangeiro era residente no país, podia admitir-sesaídas aos sábados sem que tivesse de se apresentar cada vez queregressa27.

Estas eram as regras, o que não quer dizer que fossemintegralmente cumpridas. Apesar de as saídas serem proibidas paradistânciassuperioresa3Km,háreferênciasadeslocaçõesàsAlhadas28(localidadedoconcelhodaFigueiradaFoz)eàCuria(cercade64Km),outro local de “residência fixa”, inclusive para a celebração decasamentos. O referido autor Luís Cajão, um jovem nos anos 1940 e

presidente da edilidade local e que é possível acompanhar através dacorrespondênciatrocadaentreasduasinstituições.25AHMFF,PastaPVDE,s.d.(Circularconfidencial).26ArquivoHistóricodeMontemor-o-Velho,CircularConfidencial,daPVDE,de11denovembrode1943,PastaDocumentosrelativosàPVDEePIDE(1937-1975).27AHMFF,PastaPVDE,5deagostode1944.28Nestalocalidade,emNovembrode1940,nopostoderegistocivil,tambémse realizouocasamentodeMauriceMauckiMaotti, engenheirocivil,naturaldeOrã(Argélia)comMarcelleGersslikKalick, jornalista,naturaldeVarsóvia(Polónia),Jornal-Reclamo,nº253,23deNovembrode1940.DeacordocomaAristidesSousaMendesFoundationentrouemPortugalcomvistodocônsulAristidesSousaMendes.

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membrodo“ComitêdeRecepçãoaosRefugiados”daFigueiradaFoz,narra alguns dos passeios realizados, inclusive a uma festa decasamento na Curia29. Refere também o seu encantamento perante abelezadapolaca IreneKisterównaque “comiapescada comcaldadeaçúcar”e lheconfidenciava“queonomemaisbonitoqueeuconheçoemportuguêséalguidar.Há-deseresteonomedomeuprimeirofilho”(Cajão,1979,p.15).Algumascriançasrefugiadassãotambéminscritasno sistema de ensino, mais precisamente na Academia Figueirense,como foi o caso de Edith Liliane Schwarz30, cuja família, segundo aAristides Sousa Mendes Foundation, terá também recebido visto docônsuldeBordéus.

A hospitalidade figueirense mereceu a gratidão de quem delabeneficiou, estando depositadas no arquivo histórico municipalalgumascartasdeagradecimentotantoendereçadasaopresidentedoConselho de Ministros31, Oliveira Salazar, como ao presidente daedilidade local, ao tempo o advogado Rui Manuel Nogueira Ramos(1901-1987), onde se deixa expresso o “acolhimento caloroso” e a“simpatiadapopulaçãolocaledosfuncionárioscamarários”32. 29ÉprovávelquetenhasidoocasamentodeGrzegorzFitelberg(compositoreviolinista polaco) com Zofia Helene Reicher, na Curia, no Verão de 1940.http://sousamendesfoundation.org/portugal/figueira-da-foz(acedidoa13demaiode2018).30 AHMFF, Academia Figueirense, Livro de Matrículas nº 12, 1940-1941,Registonº25,7outubrode1940.31OFigueirense,13e17dejulhode1940.32Acartaéredigidaemfrancês,enviadadasCaldasdaRainha,comdatade29deNovembrode1941,eos seus14subscritoresapresentam-sedaseguinteforma:“Nous, lesderniersdetouslesrefugiés,quionttrouvésàFigueiradaFoz un acceuil tellement chaleurex, selon les traditions anciennes del’hospitalitéportugaise,celebreaumonde,nousnouspermettonsd’exprimer,en quittand la ville, à vous-même, Excellence, aussi bien qu’à tous lesfonctionairesdelavilleetàsapopulationlesentimentdenosremerciementslesplusprófondes.Noustoussouhaitons,queDieuprotegelavilleetluidonneun essor et grand future. Veuillez agréer, Excellence, l’expression de notrehauteconsideration”.Deentreasassinaturasquesetornoupossíveldecifrarencontram-se os nomes de Ester Mandelm; Maria Graulard; Edith LianeSchwarz; Erna Schwarz; Gertruda Kauitzoós; Haleine Kravowiek e RachelMoed. AHMFF. Câmara Municipal da Figueira da Foz. CorrespondênciaRecebida.1941.Diversos–Maçosemnúmero.

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4. Proposta de itinerário: na rota dos refugiados da segundaGrandeGuerra

Tendoporbaseoenquadramentohistóricosobreapresençade

refugiadosestrangeirosnacidadeaotempodasegundaGrandeGuerrapropõe-seumitinerárioquepercorraalgunsdoslugaresfrequentadosou mencionados nas obras referidas e que se afiguram constituirpontosobrigatóriosa visitar, seguindo-seumpercurso contínuo comorigemnaestaçãoferroviáriadacidade33.

4.1. AEstaçãodocaminho-de-ferro

Inaugurada no ano de 1882, a estação do caminho-de-ferro

constituiu,paragrandenúmeroderefugiados,oprimeirocontactocoma cidade, em particular para aqueles que, depois de atravessaremEspanha, seguindoa rota ibérica, entravamemVilar Formoso, sendoconduzidos, depois, para aFigueiradaFozpela linha férreadaBeiraAlta.Nagaredaestaçãoeramesperadospelo“ComitêdeRecepçãoaosRefugiados”daFigueiradaFozconstituídapelovice-cônsuldeFrança,na cidade,membrosdaComissãoMunicipal deTurismoeda colóniafrancesa. O escritor Luís Cajão, ao tempo um jovem, que falava bemfrancês, também integrava o Comitê, tal como refere na sua obraAstorrentesdamemória.

4.2.EdifíciodospaçosdoConcelhonaAv.SaraivadeCarvalho

Oedifíciodospaçosdoconcelhofoiinauguradonoanode1897.

O seu projeto foi riscadopelos arquitetos italianos Cesare Ianz eGiuseppeFlorentinieadecoração interior foidaresponsabilidadedeErnestoKorrodi.Nesteedifício funcionavaamaiorpartedosserviçosadministrativosdaedilidade.Avigilânciadosrefugiadosera feitaporfuncionários camarários com o apoio da polícia política (Polícia deVigilânciaeDefesadoEstado),sediadaemCoimbra.Nestasinstalações

33 Eventualmente este percurso poder-se-á prolongar até às localidades dasAlhadas (concelho da Figueira da Foz) e da Curia (concelho de Anadia edistritodeAveiro),jáforadoperímetrourbanodaFigueiradaFoz.

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tambémeramdivulgadospequenosanúnciosderefugiadosoferecendoserviços,inclusive“darliçõesdeFrancês,InglêseAlemão”34.

4.3.OBairroNovocomooepicentroda residência temporáriaedocoraçãosocialerecreativodacidade

O lançamento da Figueirada Foz como estância balnear, no3º

quartel do século XIX, obrigou ao alargamento físico da cidade e àconstruçãode casasparabanhistas,dadoo afluxo cadavezmaiordeveraneantes.Nasceria,assim,obairronovodeSantaCatarina,ondeseirão instalar infraestruturas destinadas ao veraneio (hotéis, pensões,restaurantes,casinos)equedariaumsaltoqualitativo,em1884,comaedificaçãodoTeatro-CircoSaraivadeCarvalho,reconvertidoacasino,noanode1895,sobadesignaçãodeCasinoPeninsulardaFigueiradaFoz(Vaquinhas,2011,pp.115-141).Nosanos1940,oBairroNovoeraum centro muito dinâmico da vida social e recreativa, sendo nestebairroqueresidiammuitosdosrefugiados(emhotéis,pensões,casasequartos alugados). As referências ao seu bulício poliglota sãofrequentes na imprensa ou nas obrasmemorialistasmencionadas. Aescritora francesa Gisèle Quittner Allatini refere numa crónica doJornal-ReclamodaMaislindaPraiadePortugalapresençadeAristidesSousa Mendes nas ruas do bairro, no verão de 1940, a quem osestrangeiros “detinhama cadapassopara lhe apertaremamão, paralheagradecerem”35.

4.3.1.A“CasaHavanesa”ea“ComissãoMunicipaldeTurismo”naRuaCândidodosReis

LocalizadanocoraçãodoBairroNovo,aCasaHavanesa,livraria

e casa de fotografia, fundada em 1885 (Cascão, 2017), constitui umespaço incontornávelno apoio aos refugiados. Propriedadede José eManuel Santos Alves, era a sededos vice-consulados da Bélgica e deInglaterra, cargosdesempenhados respetivamente pelos dois irmãos.Estes apoiaram muitos refugiados, tendo sido, após a Guerra,condecoradospelosgovernosbelgae inglês,pelosserviçosprestados

34Jornal-Reclamo,nº234,13deJulhode1940.35“FigueiradaFoz”,Jornal-Reclamo,nº262,25deJaneirode1941.

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em prol da liberdade. Dispunha de um escritório de informaçõesdestinado aos refugiados. Na mesma rua funcionava também aComissãoMunicipaldeTurismo,localquefrequentementeerareferidona imprensa como a “Casa dos Refugiados na Figueira da Foz”, namedidaemqueaqui“seencontramoCorreio,oTelegrafo,Telefonee,ininterruptamente,desdemanhãatéàs0Horas,alisedãoinformações.Foiesteoedifícioqueosrefugiadosadoptaramcomoasuacasa”,fraseredigidaporumrefugiado,deseunomeBoleslawBiclski36.

AfonsoCruzsituaumepisódiodoseulivronumalojacomercialque se afigura corresponder àCasaHavanesa.Refereo autor, na suaficção:“OSr.CostatinhaumalojadefotografianaruaqueiadojardimparaoCasinoPeninsular|...|JosefSorsentrouofegantenessaloja|...|Amulher, a D. Rosa, que estava do lado de dentro do balcão, junto àmontra, viu um polícia da PVDE a correr. Fez sinal ao marido e elemandouSoraesconder-seatrásdobalcão.OagenteTeixeiraentrou|...|Ondeéqueestáojudeu?Qualjudeu?–perguntouofotógrafo?|...|Nãoéesteojudeuqueeuperseguia.Ondeéqueestáooutro?OSr.Costarevirouosbolsosparaforaedisse:-Sóatendoumjudeudecadavez.Agoraéeste.Passeporcánoutraalturaquehá-deencontraroutro|...|”(Cruz,2011,pp.127-128).

4.3.2.OGrandeCasinoPeninsulardaFigueiradaFoz

Nos anos 1940, o Grande Casino Peninsular assim designado

depoisda concessãoque lhe foiatribuídana sequênciadaaprovaçãodalegislaçãosobrejogodefortunaouazardoanode1927,fervilhadegenteeacusagrandedesenvolvimentofruto,emparte,dapresençaderefugiados, mas também de volframistas, beneficiários de um dosgrandesnegóciosnascidosnoquadrodaguerra:avendadevolfrâmio(Vaquinhas, 2012, pp. 224-228). A presença dos primeiros no casinoestá muito documentada, como já se mencionou, estando expostas,numadasparedesdaatualsalade jogo,váriasplacascomemorativasde espetáculos realizados. Convém recordar que muitos refugiadoseramconsagradosartistasinternacionais.Obrasmemoralistastambémos referem, a exemplo de Luís Cajão que, no seu livro Um secreto

36 Boleslaw Biclski, “Apreciações honrosas”, Jornal-Reclamo, nº 267, 1 deMarçode1941.

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entardecer.Tempos.Lugares.Algunsepitáfios,esclarececomoequandoWitoldMalcuzynskisedecidiuaregressaràFigueiradaFozparafazerum recital no casino, expressivo da gratidão do modo como foirecebidoemtempodeguerra(1998,pp.44-47).

5. Conclusão

O turismo memorial representa um nicho de mercado comenormes potencialidades económicas e culturais. Na Figueira da Foz,umitinerárioemtornodasegundaGrandeGuerrapodecomplementaraofertaculturalqueédisponibilizadapelosorganismosoficiaisequetêmcomoescopoasuariquezahistóricaepatrimonial37. Esteestudoteve como principal prioridade referir e mapear dados históricosrelacionados com o tema e propor um itinerário que se afigura tersustentaçãohistórica.

A proposta apresentada visa, de igual modo, dar a conhecer acidadeatravésdosolhosdequemnelapermaneceutemporariamenteenquanto aguardava pelomomento da partida para fora do país. Nomeio urbano, os refugiados puderam, inclusive, usufruir de algumespaçodeliberdade,desfrutando,emgrandeparte,dacompreensãodapopulação e das autoridades locais. Na atualidade, a Figueira da Fozpoderia continuar a beneficiar com este momento singular da suahistória,apostando,sobretudo,nareconstituiçãodospercursosedositinerários dos refugiados na cidade, bem como na recolha oral detestemunhosdequemviveuos acontecimentosoudequemosouviucontar, contribuindo para a preservação da suamemória coletiva, jáquehistória,literaturaememóriasecomplementam.

A rota proposta afigura-se conter uma forte vertenteinternacional,compossibilidadedeatrairpúblicosdeváriospaíses,depoder vir a integrar circuitos internacionais, a exemplodaLibérationRouteEurope,edecomplementaroutrosrecursosturísticosoferecidos

37 É o caso, entre outras, da Rota Arte Nova Pelas Ruas do Bairro Novo,iniciativadaEscolaSecundáriaDr.JoaquimdeCarvalho,dacidadedaFigueirada Foz.Os serviços culturais da CâmaraMunicipal têmorganizado algumasatividades sobretudo exposições dedicadas ao assunto, mas sem linha decontinuidade.Maiscomplexaseafiguraacriaçãodeumcentrointerpretativodasguerrasnacidade.

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pororganismosdacidade, tendopossibilidadedeviraserexploradapor empresasde animação turísticaououtras.Anível nacional seriatambém conveniente uma articulação concertada com outraslocalidadesque, talcomoaFigueiradaFoz, tambémforam“zonasderesidênciafixa”derefugiados.

Atemáticadorefúgio–convémnãoesquecerqueaFigueiradaFoz também foi porto de abrigo de refugiados da Guerra CivilEspanhola–constituiumamatériasensível,masqueprojetaaimagemdeumacidadecosmopolita,abertaetolerante.

Como se afirmavanumdos relatóriosdaCâmaraMunicipal, doanode1940,“AvindaparaaFigueiradegrandenúmeroderefugiadosestrangeirosveiocontribuirporumaformapraticaevaliosaparaumapropaganda em larga escala que de futuro, é de crer, produzirá osmelhores frutos”38. Creio também que chegou a altura de usufruirdestesfrutos,anunciadosjánolongínquoanode1940....

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38 AHMFF. Câmara Municipal da Figueira da Foz. Relatórios da Gerência.OrçamentosdeReceitaeDespesa.PlanosdeActividades.1940.

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OSMODELOSDEGESTÃODOSMUSEUSEDOPATRIMÓNIO

CULTURALCOMOPROCESSOSDEVALORIZAÇÃOPATRIMONIAL

AntónioPonte

DireçãoRegionaldeCulturadoNorte,Portugalhttps://orcid.org/0000-0001-7865-5275

1.Consideraçõesiniciais

A Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 9º,identificacomotarefasfundamentaisdoEstado,entreoutras:“e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português,defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais eassegurarumcorretoordenamentodoterritório;f) Assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso epromoveradifusãointernacionaldalínguaportuguesa[…]”

Numa altura em que se discutem questões de caráteradministrativo, de descentralização e de autonomia dos museus,pensar em Museus e Património Cultural nos dias de hoje é umareflexão que se exige face aos novos desafios, promovendo análisesmais alargadas do que aquelas que se traçaram no passado.Patrimonializarhojeafigura-seumprocessomaiscomplexo,comteiasrelacionaismaisamplas.

Assumindoasperspetivasquevãosendodesenvolvidasnoseioda UNESCO39, os Museus e Património Cultural têm um papel de

39 “Reconhecendo a importancia da cultura para o desenvolvimento dassociedades,aUNESCOpromove:“TheInternationalFoundforthePromotionofCulture (IFPC)promotes: cultures as sources of knowledge, meanings, valuesandidentity;theroleofcultureforsustainabledevelopment;artisticcreativityinall its forms,while respecting freedomofexpression;and internationalandregionalculturalcooperation.”http://www.unesco.org/new/en/culture/themes/creativity/international-fund-for-the-promotion-of-culture/.

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extremarelevâncianaapropriaçãoevalorizaçãocultural,devendoserequacionadoseperspetivadosnoâmbitodeprocessosmaisalargadosdo que os tradicionais, reforçando o papel da cultura como um dosgrandespilaresdossistemasdemocráticos.

“O governo vê a Cultura como um pilar essencial daDemocracia, da identidade nacional, da inovação e dodesenvolvimento sustentado. A garantia do imperativoconstitucional de acesso democrático à criação e fruiçãoculturais, a preservação, expansão e divulgação do nossopatrimónio material e imaterial e a assunção da Culturacomo fator essencial de inovação, qualificação ecompetitividade da nossa economia serão aspetosfundamentaisdaaçãodogoverno.”40

Ao longodos tempososmuseus e osbenspatrimoniais, paraalémdoseureferencial identitário,deautenticidadeedevalorizaçãoculturaldosterritórios,têmfuncionadocomoelementosessenciaisdaatratividade dos territórios em que se encontram inseridos, numaperspetiva de capacitação cultural, de reforço de identidade epreservaçãocultural,deagenteseducativosnãoformaisedecaptaçãoturística41procurandopromoverumprofícuorelacionamentoentreascomunidadeseosvisitantes.

ODocumentodeNarasobreAutenticidade,de1994,refere-nosque:

“ 5. A diversidade das culturas e do património no nossomundo é umaorigem insubstituível de riqueza espiritual eintelectual para toda a humanidade. A proteção e avalorizaçãodadiversidade cultural e patrimonialnonossomundo devem ser ativamente promovidas como aspetosessenciaisdodesenvolvimentohumano.6.Adiversidadedopatrimónioculturalexistenotempoenoespaço,eexigeorespeitopelasoutrasculturasepor todos

40ProgramadoXXIGovernoConstitucional,p.197”41OpatrimónioculturaléencaradocomoumprodutoestratégiconoâmbitodoPENT2027.

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osaspetosdosseussistemasdecrenças.Noscasosemqueosvaloresculturaisparecemestaremconflito,o respeitopeladiversidadeculturalexigeoreconhecimentodalegitimidadedosvaloresculturaisdetodasaspartes.7.Todasasculturasetodasassociedadesestãoenraizadasem formaseemmeiosparticularesdeexpressão tangíveleintangívelqueconstituemoseupatrimónio,equedevemserrespeitados.”42

Ao afirmar a importância do respeito pelos valores culturaisaponta-nos caminhos no sentido da conservação e valorização dopatrimónioculturalcomoumelodeterminantenummundocadavezmaisglobalizado.Orespeitopelaautenticidadeediversidadeculturalsão essenciais na valorização da cultura e na diferenciação dosterritóriosedospovos,revelando-seessencialencontrarmecanismosque nos permitam analisar os diferentes valores culturais e definirmecanismosdevalorizaçãoesalvaguardadosmesmos.

Nessesentido,entende-sequesedevemdesenvolveresforçospara:−segarantiraavaliaçãodaautenticidadeenvolvendoacolaboraçãoeautilização apropriada de todas as competências e de todos osconhecimentosdisponíveis;− se garantir que os valores atribuídos são verdadeiramenterepresentativosde uma cultura e da diversidade dos seus interesses[…];−sedocumentarclaramenteanaturezaparticulardaautenticidadedosmonumentosedossítios,comoorientaçãopráticaparaostratamentosemonitorizaçãofuturos;− a atualizaçãodos julgamentosde autenticidade à luzdos valores edascircunstânciasmutáveis43.

42Cf: https://www.culturanorte.pt/fotos/editor2/1994-declaracao_de_nara_sobre_autenticidade-icomos.pdf.2019.07.08.43CartadeNARA.

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2.Umanovavisãodosmuseus

Então, qual o papel dos museus na sociedade? Quais osreferenciais culturais que devem ser assegurados nos museuscontemporâneos? Que posicionamento devem ter os museus face ànecessidadedepreservaçãodosvaloresculturaisnummundocadavezmais global? Como conseguirão os museus de pequenas cidades oucomunidadescompetircommegaprojetosoumegamuseusquevemossurgir em diferentes locais do globo? O reconhecimento do valor doturismointerferenaconceçãoeprogramaçãodenovosmuseus?Comose situarãomuseusdemédia escalaa competir comprojetos comooGuggenheimdeBilbau,oQuaiBranlydeParis,oLouvreemAbuDhabi,oHighMuseum emAtlantaouoMuseumLabProject do Japão?Comoresponderãoosmuseusàsnecessidadesdeintegraçãocomunitária?deminorias?Depreservaçãodadiversidadecultural?

Conhecemos novos projetos que correspondem a uma novaescala dos museus, à globalização de certos projetos culturais,assumindoomuseuumpapelessencialnodesenvolvimentolocal.Paraalém das suas funções tradicionais, os museus são criados com oobjetivo de se atingirem novas dinâmicas urbanas, captando mais aatenção,potenciandonovosmovimentoseabordagenssocioculturaisenovosfluxosturísticos.Todavia,todasestasnovasabordagensdevemserequacionadassemquesecorraoriscodeosmuseusperderemaverdadeiraessênciadainstituiçãomuseal44.

44JeanDavallon(1992:101-102)colocaessamesmaquestão,concluindoqueé essencial perceber o que é que verdadeiramente se pretendedosmuseusnosdiasdehoje:“Parconséquent,ladoubleinterrogation(surlacommunicationparl'expositionet sur la nature économique dumusée) invite à une grande prudence devantl'évolution actuelle des musées. Il est certain que les grandes institutionsmuséales suivent, aumoins d'unemanière générale, lemodèle des entreprisesculturelles au sens où elles proposent desmarchandises culturelles (la visite),selonunmodedeproductiondeprogrammes(lesexpositions),accompagnésdeprogrammes annexes (par exemple des programmes d'édition : livres,reproductions,etc.).Pourl'instant,onpeutdoncdirequelesmuséesentrent,àlasuiteduthéâtreoudesconcerts,parexemple,dansl'économiedelaculturesanspourautantdevenirdesmédiasausenshabituelduterme.Lapartiedumuséequi semble le plus s'en rapprocher est l'exposition, comme support

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Muitas cidades apostaram nos museus como elementosessenciaisdaregeneraçãourbana,socialecomoestruturasvitaisparaarenovaçãodaeconomia.Assim,fazemassentararevitalizaçãolocal/regional em projetos demuseus com dimensão e imagens demarcainquestionáveis, potenciadores de movimentos turísticos maciços,independentementedasuaintegraçãonocontextolocal.

Hoje em dia, muitos museus ganham fama a partir das suasestruturas arquitetónicas45. Estes projetos culturais, que setransformarão em espaços públicos de excelência e de afirmação dopoder político, são entregues a arquitetos de renome internacional,comoobjetivodeseconstruíremedifíciosicónicosartarchitectureoustar architecture, no âmbito de ambiciosos processos de renovaçãourbana,podendomesmochegaraopontodeseprocurarconferirumanova identidade às cidades, transformando-se o próprio edifício domuseunumaestruturacomunicacional,obrigandoovisitantea lerossímbolos emitidos pelo edifício, os seus contextos para o conseguircompreendereenquadrar46.

technologique permettant d'instaurer un rapport à des objets ou des savoirs.Toutelaquestionrestealorscelledesavoirquelleest lanaturedecerapport.C'estlàqu'ildevientindispensabledereconsidérercequel'onmetsousletermede«média».”Porsuavez,JaneseConaty(2005:8)alertamparaosriscosdeexcessosquesecometemaoprogramarasestruturasmuseológicas:“Many museums have made a choice, knowingly or unknowingly, to pursuepopularity and increased revenues through high-profile exhibitions andarchitecturalsensationalism.Thisstrategyissoconsumptiveofstaffandmoneythatthereisoftenlittleleftofeithertopursueotheractivities.”(AMBROSEePAINE,1993:11;SKRAMSTAD,2004:118)45Oprojetodearquiteturadeumaestruturamuseológica,segundoHernandezHernandez(1998:24)podeserdeterminantenacompreensãodomuseuenaformacomoestecomunicacomosseuspúblicos:“Cadavezqueentramosenunmuseoycontemplamossuarquitecturadesdeunpunto de vista semántico, descubrimos que cada una de sus formasarquitectónicas cumplen la funcion de un lenguaje o razonamiento capaz detransmitiralvisitanteundeterminadomensajequeescomunicadoatravésdeunsignoarquitectónico.”46 Hernandez Hernandez (1998: 25) ao referir a importância da estruturaarquitetónicadomuseuapresentauma justificaçãodautilizaçãodeedifícioscomvalorhistóricoparaainstalaçãodeunidadesmuseológicas.

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Museus de diferentes tipologias vão afirmar-se em contextosnacionaiseinternacionaispercebendo-sequealgunsmuseusdecidadeassumemumpapeldeliderançanaafirmaçãodaslocalidadesondeseinserem,promovendo-as,conservandooseupatrimónio,efomentandoocontactoentreosturistaseasrespetivascomunidades47.

Combase em todas estas características, osmuseus vão criarumaiconografiadaprópriacomunidadeoulocalidade.Àmedidaqueaglobalizaçãoavança,muitasiconografiasnacionaissãosubstituídasporiconografias transcontinentais, mas, simultaneamente, começam aganhar mais importância as iconografias locais como forma deobtenção de referências de segurança e de identidade para ascomunidades.Énestepressupostoqueosmuseuslocaisganhammaisespaçoerelevâncianavalorizaçãocultural,nasustentabilidadesocialenaregeneraçãoeconómica48.

Estes museus são, num mundo globalizado, em que todas ascidades são essencialmente iguais, mais homogéneas, mais banais,ondeosprojetosparaessascidadestêmcadavezmenosrespeitopelascaracterísticas locais, marcos de identidade, verdadeiros cofres docaráterespecíficodoslocais,umlocaldeencontroeconvivênciaondequasetudoépossível,potenciandoodesenvolvimentolocal. “[…] donde las distintas instituciones escogen como lugar de ubicación unaconstruccióndentrodelconjuntourbanoqueseacapazdellegardirectamentehastaelvisitante,manisfestandoleaprimeiravistacualessupropriafunción.Asuvez,dicha función setraduceenunadimensióndidácticaepedagógicaquetrata de explicitar una serie de valores nacionales que son fruto des esfuerzohistórico que realizan los diferentes movimientos de masas […] y de valoresestéticos que reflejan en quehacer de las distintas escuelas y movimientosartísticos.”Exemplos desta realidade são oMusée Carnavalet, em Paris, oMuseum ofSydney na 1ª Casa do Governo, ou o Stuttgart City Museum, entre muitosoutrosespalhadospelomundo.(BUTLER-BOWDONeHUNT,2008:76;DAUSCHEK,2008:91)(AMBROSEePAINE,1993:204;ROGOFF,1994:239;HIGONNET,1994:250;WCCD,1996:35;GRABURN,1998:13;HERNANDEZHERNANDEZ,1998:23;LORD, 2002: 4; SKRAMSTAD, 2004: 123; JANES e CONATY, 2005: 3;GONÇALVES, 2009: 30; ALEXAKI, LEMONIDOU e POTHIATAKI, 2011: 1;CHARNIER,2011:1;EIREST,2011:1e3)47(MOORE,1994(2):144;PRÉVÉLAKIS,2008:17).48(PRÉVÉLAKIS,2008:21).

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Uma nova forma de ver e encarar osmuseus num tempo demaiores exigências, em que os públicos procuram nos museusconhecimentos e vivências inovadoras, com respostas adequadas aostemposdemudança, emque a globalização e a tecnologiaobrigamaum aprofundamento nomodo de trabalho das instituições culturais,nomeadamente na consistência do seu conhecimento e nacomunicação com os seus públicos que, por serem diferenciados,necessitamderespostasdistintas.

Osmuseusdesempenhamumpapelessencialnacompreensãoda identidade e no desenvolvimento do sentimento de pertença deuma comunidade a um local. Com a atividade dos museus, é hojepossível conhecer o passado, compreender o presente e preparar ofuturo49.3.Umanovaperspetivadegestão

Se, por um lado, a globalização reforçou a necessidade dapreservação dos valores culturais locais, regionais ou nacionais, oaumento do volume da carga turística aumentou a procura deestruturas culturais nos diferentes locais, também os movimentossociais,asmigrações,asdiversidadesculturaislançaramaopatrimóniocultural e aos seus gestores desafios que, necessariamente, terão deestruturarnovosmodelosdegestãoeapropriaçãocultural,sendoestaapropriaçãoumfatordeterminantenoreconhecimentoesalvaguardadosvalorespatrimoniais.

A perceção do valor científico, pedagógico, turístico eeconómico do património cultural transforma-o num elementoimprescindível e qualquermodelodedesenvolvimentonacional e/ouregional,masrepresenta,também,umgrandedesafiodesalvaguardaedavalorização.

Osnovosmodelosdeanálisepatrimoniaisdeterminamqueosbens móveis e imóveis não sejam isolados dos seus contextosenvolventes e a sua boa gestão deverá potenciar a valorizaçãoambiental e paisagística, incrementando a qualidade de vida econtribuindoparaumdesenvolvimentomaisharmonioso.

49(AMBROSEePAINE,1993:3).

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Estesdesafiosestimulam-nosaprocuraralcançarumaefetivagestão do Património Cultural assente na valorização, educação,investigação,informação,gestão,comunicaçãoecaptaçãodepúblicos,promovendo a perceção dos bens culturais, preferencialmente emrede, integrando e potenciando as suas múltiplas possibilidades deleitura,articulandoasdiferentescapacidadesderespostadosrecursospatrimoniais.

Nos últimos anos, os museus foram lançados num mercadocultural cada vez mais competitivo, com uma oferta muitodiversificada, em que se tornaram apenas mais uma opção para aocupaçãodostemposlivres,obrigando-seadefinirmétodosdegestãomais eficazes e adaptados à atualidade50. A concorrência verificadaentreestruturasculturaisdiferenciadasalastrouaointeriordosetoreassiste-se, hoje, a uma disputa entremuseus nummercado cada vezmais global, transformando a gestãomuseológica num dos domíniosmaisatuaisdamuseologia51.Estacompetiçãolançadesafioseobrigaosmuseus a descobrirem-se e a descobrirem novos modos de atuaçãonestenovomundo,conhecendocadavezmaisprofundamenteosseuspúblicos,osseusdesejosenecessidades,osquaissealteraramfrutodealterações demográficas, tecnológicas e aprópria globalização, assimcomoanecessidadedegerarreceitas, reforçaros laçoscomunitários,competindoefetivamentenomercadodolazeredaeducação52.

50Oqueé,então,ummuseueficienteebemgerido?SegundoWeill (1990:69)eWeill eCheit (1994:288-289)éummuseuquedemonstraamelhorcapacidadeparautilizardeformaadequadaeeficienteosrecursos disponíveis. Uma gestão eficiente e valorizadora não é o quedeterminaosucessodeummuseu,todaviaécadavezmaisumpré-requisito.ParaSpalding(1999:29)ummuseubemgeridoéaqueleemquetodosdãooseumelhorcontributoparaasuperaçãodosobjetivosdainstituição,emquetodospartilhamdoesforçodeprestaromelhorserviçoaopúblico.51(MOORE,1994:1).52KotlereKotler(2004:167)referemque:“Museums managers struggle with the issues of maintaining their museum’sintegrity as a distinctive collecting, conserving, research, exhibiting andeducational institution, and, at the same time, making their museum morepopularandcompetitive.”

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Omuseu deverá ser dinâmico e antecipar respostas, dirigidoporpessoasmaisativaseproativas,commaiorpolivalênciaecomumavisãoholísticadarealidadeemqueseinserem53.

Emalgumasinstituiçõesmuseológicaschega-se,muitasvezesa,colocar em risco o seuprojeto cultural, a sua verdadeira essêncianabusca incessante de aumento de públicos, de receitas, como se essafosseaprincipalrazãodainstituição.

Quandoabordamosestasnovasdinâmicasemodelosdegestãoreconhecemos a necessidade de novos modelos mas não podemosdeixarcomoacessóriaaverdadeiramissãodomuseu,assuasfunçõestradicionais, universalmente reconhecidas, onde a observação depatrimóniocultural,osentiroverdadeiroespíritodolugarodiferenciade outras instituições culturais cujos objetivos podem ser maisimediatos.

Muitos museus transformam-se em verdadeiras empresasculturais,desenvolvendoestratégiasdecomunicaçãoevalorizaçãodasestruturas. O museu que se estruturava em volta da exposiçãopermanentepromovecadavezmaisexposiçõestemporárias.

Nestesentidoconsideramosqueumagestãobicéfala,repartidaentre um conservador demuseus, responsável pela gestão técnica edas funçõesmuseológicas edeumgestorde recursos financeiros, deconexõesecomunicaçãopoderáserumdosmodelosmaisadequadosàsnovasnecessidadesdegestãomuseológica.

Aorganizaçãodenovos eventos eumapolítica “agressiva”depromoçãodeexposiçõestemporáriastem-sereveladoessencialparaosucessodemuitosmuseus.QuantosdenósnãofomosmotivadosairaLondres ou a Paris com o objetivo de ver uma exposição noBritishMuseumounoMuséeduLouvre?

Atualmente,ocalendáriodasgrandesexposiçõestemporáriaséequacionado de forma cuidadosa e constituiu um verdadeiromecanismo de promoção e marketing cultural das instituições

(GREENHALGH, 1989: 74; MOORE, 1994: 1; DICKENSON, 1994(2): 107;HARNEY,1994:132;MOORE,1999:1;KOTLEReKOTLER,2004:168;WEILeCHEIT,2004:348;PHILIPS,2004:367-369;BALTAZAR,2008:29).53(MOORE,1994:2).

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museológicas54. Estas exposições temporárias55 que tradicionalmentesuportavam a valorização das estruturas permanentes são cada vezmais valorizadas, sobrepondo-se, em muitos casos, em termos decaptaçãodenovospúblicosàsexposiçõespermanentes56.

A profissão de gestor de património assume neste novoconceitoumaprimordial importância. Esteprofissionaldeve terumavisão mais alargada do setor, procurando novas respostas, novosmodelosorganizacionais eacimade tudo terumagrande capacidadedeiniciativa57. 54 Crenn (2011: 2) ilustra de forma clara o papel e a importância dasexposições temporárias no âmbito da atividade dos grandes museusinternacionais:“Les expositions temporaires dont le sujet est issu des industries culturelles(cinéma,musique, BD, littératurepopulaire, etc.) font régulièrement partie del’offredesgrandsmusées:citonsparmilesexemplesrécents«TimBurton»auMoma,«ArchietBD»à laCitéde l’ArchitectureetduPatrimoine, «WewantMiles»aumuséedelaMusiqueàParisetauMuséedesBeauxartsdeMontréal).Ces expositions généralement co-produites (par desmusées ou en associationavecdesproducteursdesindustriesculturelles),souventitinérantes,stimulentlacuriosité de larges publics en s’appuyant sur leur familiarité à la culturepopulaire de masse auxquels elles empruntent références, personnages etunivers.Fortementrationalisée, lacirculationdecesexpositionss’intègredansune économie mondiale, au sein de réseaux internationaux d’institutionsmuséales.”55 A organização de grandes exposições de arte, ciência/técnica ou deantropologiainternacional,temacapacidadedeapresentargrandespeçaspordiferenteslocaisdoglobo.Nestasgrandesexposiçõessãoapresentadaspeçasdosprópriosmuseus,objetoscedidosporoutrasunidadesmuseológicas,porparticularesouinstituiçõesdiversas,atraindomuitosenovosvisitantes,comgrandescustosdeprodução,osquaisseprocuramminimizarcomoalugueraoutrosmuseus (AMBROSE e PAINE, 1993: 54-56;HEILBRUNeGRAY, 2004:206-207;TOWSE,2010:83).56(HERNANDEZHERNANDEZ,1998:91).57 “El Gestor de Patrimonio Cultural no es un artista, ni un conservador demuseos,niunarqueólogo,niunhistoriadordelarte,niunrestaurador,niunarquitecto, aunque puede provenir de cualquiera de estas profesiones o demuchasotras.ElGestor de Patrimonio Culturales, eminentemente, unadministrador derecursos, y suformación, ampliamentemultidisciplinar, requiere,primordialmente,unamplioyexhaustivoconocimientoespecíficoacercadel

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Espera-sequetenhaumavisãomaisholísticadarealidade,nãocentrada nos objetos, não centrada nos edifícios, não centrada nosrecursos isolados, mas antes procurando estabelecer a ligação entretodos estes fatores, procurando definir redes de cooperação, departilha técnica ede investigação, articulandopercursos de visitaçãocomoutrasentidadescujosobjetivospossamserconciliadoscomosdainstituição que dirige, fortalecendo o papel de todos, procurandodesenvolverumagestãodeproximidade,articulandoos interessesdasua instituição com os da comunidade onde se insere ou querepresenta, integrando outras franjas sociais, comunicando ossignificados mais amplos do património cultural à suaresponsabilidade, garantindo com istoumamais eficazsalvaguarda esustentabilidadedopatrimóniocultural.

Aoaproximar-sedacomunidadeestadeveráserofocodasuaatuaçãotantonainterpretaçãodopatrimóniocomonasaçõesquevaidesenvolver.

Apossibilidadedeinteraçãocomascomunidadesdeveserumapremissadetopo.Acomunidadedevedeixardeserummerorecetorde mensagem e de eventos, passando a fazer parte da equipa doMuseu,estaremcontactocomosvisitanteseosturistas,maximizando

elementodelPatrimonioCulturalquehayadegestionar,y,además,múltiplesy variados conocimientos que incluyen, entre otros, desde las técnicas deadministración de empresas a la dirección de recursos humanos y almarketingcultural.Enconseguirhacercompatiblelaconservacióndelbienculturalqueselehayaencomendadoconlaobtencióndeunarentabilidadsocial,culturalyeconómicadelmismo,administrandoeficientementelosrecursospuestosasudisposición,consisteloesencialdelafuncióndelgestordePatrimonioCultural.No es una tarea fácil, y para ello los gestores de Patrimonio Culturalnecesitan,ademásdelaamplísimaformaciónaquenoshemosreferido,unagrandosisdeimaginaciónymuchacreatividad.El hecho de que la explotación del Patrimonio Cultural como recursoeconómicoloexpongaa laerosiónpotencialocasionadaporenormesmasasdevisitantes incrementa la complejidaddesugestión,al tenerqueresolversatisfactoriamente la multitud de problemas que origina la tensión entreexplotaciónyconservación”.Asociación Española de Gestores de Patrimonio Cultural http://aegpc.org/.2019.08.07

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a experiência da visita e refletindo a autenticidade da mensagemproposta.4. Os museus nos dias de hoje – o resultado de um complexoprocessoevolutivo

Quandosefazumaanálisesocial,quandosepretendeconheceruma técnica de produção, quando se afere acerca da importância dedeterminadoelementofísicoouimaterial,quemmelhordoqueaquelesque os usam ou vivem para nos fazer compreender a verdadeiradimensão do bem material ou imaterial, informação que seráprocessada,passandododomínioparticularparaintegrarahistóriadacomunidademaisalargada58.

Os bens e os recursos patrimoniais não devem serconsiderados de forma autónoma, eles ganhammais sentido quando

58(BENNETT,1995:225;MESA-BAINS,2004:99;ABRAM,2005:20;CONATYeCARTER,2005:43e46;GALLANTeKYDD,2005:71).

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articulados. O património material não deve ser estudado sem seconsiderar as suas imaterialidades, o património imaterial deve seranalisado nos seus modos de saber fazer, de viver, relacionando-oscom alguma forma de materialização, sendo que ambos não podemestar isolados de um tempo e de um espaço onde e quando viveu acomunidadequeoscriououinstituiu.

Ora,quandoestemododeanáliseépromovidoo responsávelpelo museu deverá conseguir criar outros laços entre os benspatrimoniais e as comunidades onde eles se integram. Quando acomunidadeosvive,ossente,osconhecevamosperspetivarumanovaforma de patrimonialização. Uma patrimonialização afetiva quegarantiráumamaisefetivasalvaguardaevalorização.

Estemodelodepatrimonializaçãoquepartedebaixoparacimavai-se articular comomodelodepatrimonialização institucional, queseopera,geralmente,decimaparabaixo.

Seráassimpotenciadaumanovaformadesalvaguarda,apartirda qual as comunidades se sentirão mais responsabilizadas porgarantir a preservação, a valorização e a transmissão do patrimóniocultural.

Consideramos essencial desde já referir que entendemos queum recurso patrimonial não é imediatamente um recurso cultural,menosaindaumprodutocultural.

Tendoemcontaomodeloatrásapresentado,entendemosqueoprocessodetransformaçãodeumrecursopatrimonialnumrecursoculturalécomplexoeexigenteepassaporumconjuntodepassos,taiscomo: o processo de construção de conhecimento (investigaçãohistórica,identificaçãodastécnicasdeconstrução,análisedoestadodeconservação, entre outros), a necessidade de criar as condições deacolhimento essenciais para que este possa ser fruído por todos ospúblicos, através do reforço das acessibilidade físicas ecomunicacionais, da criação de instrumentos de informaçãomultidimensional, dadefiniçãodehoráriode abertura aopúblico, dacriaçãodeumapolíticadeingressos,bemcomoaorganizaçãodeumaequipa técnica capaz de dar resposta a todas as necessidades atrásidentificadas.

Simultaneamente, os benspatrimoniais emuseológicos têmanecessidadedeservalorizadosatravésdeprocessosdeinterpretação,

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promoção de programas de visitas, programação de eventos eanimação.

Do mesmo modo, consideramos que um recurso culturaltambém não é necessariamente uma oferta cultural: para que talsuceda entendemosqueo recurso cultural deverá serprocessadodopontodevistadadivulgação,atravésdaproduçãodeinstrumentosdecomunicação externa multidimensionais focados em públicosespecíficos, sistematicamente atualizados. Simultaneamente deverá ogestordopatrimónioencetarcampanhasdePromoção/Marketingdediferentes tipologias, procurando criar necessidades culturais efidelizarpúblicos.

Aolongodosanososmuseuseinstituiçõesmuseológicasforamassumindo um papel cada vez mais determinante na salvaguarda evalorizaçãodopatrimóniocultural.

“Museumsandgalleriesthroughouttheworldareatapointof renewal. New forms of museums, new ways of workingwithobjects,newattitudestoexhibitionsandaboveall,newways of relating tomuseums publics, are emerging. At theend of the twentieth century, old structures are beingreplaced to prepare for a new century. Many socialinstitutions are reviewing their roles and potentials, andmuseumsandgalleriesareamongthem.”59“It is our belief that museums are public places withenormouspotentialforhumangrowthandenjoyment.”60

Já em 1909, John CottonDana, criador doMuseu deNewark,

entendiaamissãodosmuseusdaseguinteforma:

“A good museum attracts, entertains, arouses curiosity,leads to questioning and thus promotes learning. It is aneducationalinstitutionthatissetupandkeptinmotion—that itmayhelp themembersof thecommunity tobecomehappier,wiser,andmoreeffectivehumanbeings.Muchcanbe done toward a realization of these objectives — with

59(HOPPER-GREENHILL,1996:6)60(GALLANTeKYDD,2005:71).

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simplethings—objectsofnatureanddailylife—aswellaswithobjectsofgreatbeauty.”61

Aolongodoultimoséculoosmuseusforam-setransformandoe

assumindo um papel determinante na transmissão da História doHomem, doMundo e da forma como a Humanidade sobreviveu nosdiferentes ambientes. Albergam objetos criadospelaNatureza e peloHomemecadavezmaistransmitemoespíritoculturaldoslocaisondese situam. Paralelamente, os museus podem ser encarados comolugares de idolatria associados à religião e à politica devido aosdiferentestiposdeobjetosqueconservamemostram,oquepodeterdeterminadoomodocomoosmuseusevoluíramemmuitospaíses.

Nasúltimasdécadas, osmuseus e os seuspúblicos evoluíramenormemente. O público deverá ser uma preocupação central daequipa de programação do museu. Conhecer os públicos édeterminante, saber quais as suas expectativas assume-se comoessencial, saber a razãodapreferênciade uma tipologiademuseu ébasilar62..

Os museus são encarados como organizações fundamentaispara a criação de identidade e conhecimento científico, onde aspalavras colecionar, organizar, apresentar e preservar objetos ememóriasfazemcadavezmaissentido.Omuseupassaaserencaradocomo uma caixa de memórias, memórias de objetos e dos usos,memóriasdeumpatrimónioqueguarda,preserva,expõeecomunica.A sua multiplicidade funcional, agregada às novas perspetivas degestão, dá aomuseu, às suas coleções e aos seus serviços uma novarelevâncianaconstruçãosocial,culturaleeconómica.

61(GARY,DEAN,1996:185)62 Zolberg (1994: 51) apresenta um estudo levado a cabo nos museusamericanos e constata-se a preferência de museus de ciência, história ehistórianaturalemenosafrequênciademuseusdearte.“As a rule, science, natural history, and history museums are much moreorientedtothegeneralpublicthantoprofessionalscientistsorhistorians.Theydevoteagreatdealofattentiontoeducationalprogramsand,untilrecently,lessto collecting “genuine” specimens. Artmuseums, on theother hand, appeal toartists, art historians, collectors, and a well-educated public because theydisplay“authentic”works.”(ZOLBERG,1994:51).

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“Being collected means being valued and rememberedinstitutionally;beingdisplayedmeansbeingincorporatedintotheextra-institutionalmemory63formuseumvisitors”64

Osmuseuspassarama estarmais envolvidos comequipasdeeducaçãoeplanificação,viramsurgirelementosnosseusquadroscomformação em marketing e gestão, caminhando no sentido dereconhecer o seu papel na dinâmica socioeconómica, assumindo aimportância do estabelecimento de relações de parceria com outrasinstituições culturais, permitindo uma simbiose entre os diferentestiposdeutentes,potenciandoopapeldeambasaspartesaoconseguircaptarpúblicosquenãosão,naturalmente,osseus65.

Quandoreferimosa imprescindibilidadedeomuseuconhecerosseuspúblicosreconhecemosofatordeterminantedeconheceroseunãopúblico,procurando identificarasrazõesdestesnosentidodeasanular, procurando transformá-los num novo púbico que procurarespostasdiversasdashabituais.

Atualmente, os museus têm obrigações não só com ascomunidades onde se inserem, mas também com um público maisglobalizado.Umlargonúmerodepessoasvisitamuseus,encarando-oscomolocaisinteressantes,quecontamhistóriasacercadoslocaisondese situam, dos Homens que aí vivem ou viveram, dos objetos queguardam,conservameinvestigam.

Desdevisitantesjovensatémaisidosos,individualmenteouemgruposdediferentestipologias.Visitantesindividuaisouemgruposdefamiliares, amigos, escolas ou somente casais, descobrem osmuseuscomo locais de aprendizagem, permitindo o desenvolvimento desentimentosdeidentidadeentreosacervoseospúblicos,encarando-se cada vez mais um grande desafio que se relaciona com omulticulturalismoeaglobalização,podendoomuseuserconhecidoà 63 De acordo com a autora (CRANE, 2000: 1-2) o processo de criação dememórias opera-se a nível cerebral, tornando-se as mesmas algo visívelatravésdaimaginaçãoedalembrançadasreferidasmemórias.“Memory isnotapassiveprocess: it evokesemotionsanddesires,positivelyornegativelycharged;memoryisalsodrivenbyadesiretorememberorforget.Bynature memory is mortal, linked to the brain and the body that bears it[…]Memoryisanactof“thinkingthingsintheirabsence”[…]”64(CRANE,2000:2)65(LIRA,2002:s/p;GONÇALVES,2007:11-12).

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distância de um acesso no computador doméstico, com menosdisponibilidadedetempoparaacontemplação,exigindomaismeiosdeinterpretaçãoedecomunicação66.

De acordo com o Código de Ética Profissional do ICOM67, osmuseuscomoinstituiçõesnãolucrativasaoserviçodasociedadeedoseudesenvolvimentodevem68:

66 (SCREVEN, 2004: 166; BENEDIKTSSON, 2004: 18; BALTAZAR, 2008: 28;KELLY,2009:1).67(ICOM;2005:s/p;NMDC(2),2009;s/p)68Herreman(1998:8)apresentaaquelasqueentendeseremasnovasfunçõesdosmuseus,entreasquaiscomosepoderáobservarseencontraoseupapelna organização turística. A generalidade das funções apresentadas por esteautorsãoanosmaistardereconhecidaspeloICOM:“[…] (a) interpreting and communicating other cultures for the benefit of thelocal community, by drawing up and implementing strategic plans ofexhibitions;(b)helpingthe local community tounderstandothercultures inasociallyhealthyway;(c)interpretingandcommunicatingthelocalculture,pastandpresent, for thebenefitoftouristsand so that theycanunderstand it; (d)actingaseducationalcentresforthe localcommunity inrespectof introducedcultures;(e)actingastouristorientationcentresinsmallcommunities;and(f)developing their role as centers for research into local handicrafts and otherskills.”Benediktsson(2004:27-28)apresenta,também,aquelasqueconsideraseremasprincipaisobrigaçõesdosmuseus:“[…]Likeinallculturalheritagemanagement,museumsareworkingwithbothheritage and culture – and one of their fundamental roles is related toconservation. Basically their obligation is to sustain what they collect, bothculturalobjectsandinformation–thetangibleandintangibleculturalheritage.Itisevenpossibletostatethatbynaturemuseumsareconservativeintheirfield– theycanevenbedescribedas institutionsofultimatecultural sustainability,eventhoughtheyaretobecapabledotakenoticeofsociety’sdevelopment.Atthe same time as museums are to conserve their collections for the futuregenerations,theyareobligatedtomakethemaccessibleanduseful forpresentgenerationstouse–whetheritisforstudy,education,orenjoyment.Thereforealltalkonsustainabledevelopmentseemstoaddressoneofthemainissues inalmostallmuseumoperation;therelationshipbetweenconservationanduseofthe collections – often seen in the struggle between the departments ofconservation or collections and the departments of exhibitions or publicprograms.”

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-Motivaraparticipaçãodascomunidadesondeseinseremefuncionarcomo motores do seu desenvolvimento, procurando atrair cada vezmaisvisitantes,detodososníveisdessascomunidades;- Assumir um papel determinante na preservação dos recursosculturais e naturais, de acordo com os princípios nacionais einternacionaisdapreservaçãodopatrimóniocultural;-Assegurarqueasfontesdefinanciamentoeasrelaçõescomotecidoeconómiconãocolocamemcausaobomfuncionamentodomuseueocumprimentodosseusobjetivos.

A satisfação dos visitantes e a necessidade de atrairfinanciamentos não deverá colocar em causa o papel e aresponsabilidade do museu como entidade de formação e educação,nemdiminuirasuaautenticidadeevalordosobjetos.

Poroutro lado, os responsáveispelosmuseusnão sedeverãoencerrarnosseuscasulossemvalorizarasexpetativasdeumpúblicocada vezmais ávido em conhecer, com vontade de interagir com asinstituiçõesedecrescerculturalmente,oquecertamente,causaráumaevolução na mentalidade e na estrutura social. Simultaneamente, éverdadeiramentenecessárioqueosmuseusconheçamaquelesquenãovisitamosmuseusequaisassuasmotivações69.

Este novo movimento reformador, iniciado nas décadas de80/90doséculopassado, refleteasnovaspreocupaçõesprofissionaisdosetoreespelha,localmente,asgrandesoperaçõesemcursoanívelmundial, cujas preocupações se centram, entre outras, em darrespostas às novas conceções urbanas e demobilidade das pessoas,movimentos nem sempre universalmente aceites, potenciadores defortes tensões entre os diferentes stakeholders envolvidos, tanto nasgrandes cidades como em algumas cidades demédia dimensão, quevivem e sentem necessidade de acompanhar um processo deglobalizaçãocadavezmaisacentuado70.

Os museus que se desenvolveram de forma exponencial,acompanhando o crescimento de cadeias de televisão e das cidades,conseguirão surpreender os seus visitantes se lhes proporcionaremexperiências novas e plurais, onde seja possível contactar com umarealidade interpretada e através demeios e formas de comunicação

69(ZOLBERG,1994:49).70(HOOPER-GREENHILL,1998:52;EIREST,2011:1-2;HERTZOG,2011:10).

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diversas71, em que o elemento tecnológico e interativo está cada vezmais presente, procurando apoiar a transmissão da mensagem eestimulandoainteraçãoentreainstituiçãoeovisitante72.

Esta visão tornouessencial queosmuseus redefinamas suasmissões, as suasprioridades emodo comoencaramos seuspúblicosnummundoemmudança.

“Today, museums must become agents of change anddevelopment:theymustmirroreventsinsocietyandbecomeinstruments of progress by callingattention to actions andeventsthatwillencouragedevelopmentinthesociety.Theymustbecomeinstitutionsthatcanfosterpeace,theymustbeseenaspromotingtheidealsofdemocracyandtransparencyingovernancein theircommunities,and theymustbecomepartofthebiggercommunitiesthattheyserveandreachouttoeverygroupinthesociety.”73

Em2007,na22ªAssembleiaGeral,quedecorreu emViena,O

ICOMapresentaaseguintedefiniçãodemuseu:

71Cadavezmais se solidificaummododecomunicaçãosemobjetos,oqualtendeasersubstituídopelasuaimagemdevidoaduasordensdefatores.Porum lado,pelaobsessãodeutilizaçãodeimagense símbolosemsubstituiçãodo real e, por outro lado, numa tentativa, cada vez mais comum, depreservação e conservação dos objetos em ambientes favoráveis à suaconservaçãoparaofuturo.HernandezHernandez(1998:57)concluique:“Dentro de la comunicación sin el objecto podemos señalar la existência delelementointeractivo,queoferecealhombreumanuevaformaderelacionarsecomlosobjectos”72 (WRIGHT, 1989, 119; HOOPER-GREENHILL, 1998: 38; HERNANDEZHERNANDEZ,1998:17).73 Cf. The Role of the Museum in Society Emmanuel N. Arinze President,Commonwealth Association of Museums Public lecture at the NationalMuseum, Georgetown, Guyana Monday, May 17, 1999: Cfhttp://www.maltwood.uvic.ca/cam/activities/past_conferences/1999conf/batch1/CAM%2799-EmmanuelArinze.GuyanaFinal.pdf;2019.07.08

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“A museum is a non-profit, permanent institution in theservice of society and its development, open to the public,which acquires, conserves, researches, communicates andexhibits the tangible and intangible heritage of humanityanditsenvironmentforthepurposesofeducation,studyandenjoyment.”74

Todavia, hoje, fruto de todo um novo modo de entender osmuseus,oICOMlançouumnovodebateconducenteaumanovavisãodo papel dos museus na sociedade, assente num conjunto deparâmetros aos quais deve dar resposta a nova conceptualização demuseus75.

74 Cf: https://icom.museum/en/activities/standards-guidelines/museum-definition/,2019.07.0875•themuseumdefinitionshouldbeclearonthepurposesofmuseums,andon the value base from which museums meet their sustainable, ethical,political, social and cultural challenges and responsibilities in the 21stcentury;•themuseumdefinitionshouldretain–evenifcurrentterminologymayvary- the unique, defining and essential unity in museums of the functions ofcollecting,preserving,documenting,researching,exhibitingandinotherwayscommunicatingthecollectionsorotherevidenceofculturalheritage;• the museum definition should acknowledge the urgency of the crises innatureandtheimperativetodevelopandimplementsustainablesolutions;•themuseumdefinitionshouldacknowledgeandrecognisewithrespectandconsideration the vastly different world views, conditions and traditionsunderwhichmuseumsworkacrosstheglobe;•themuseumdefinitionshouldacknowledgeandrecognisewithconcernthelegacies and continuous presence of deep societal inequalities andasymmetries of power and wealth - across the globe as well as nationally,regionallyandlocally;• the museum definition should express the unity of the expert role ofmuseumswiththecollaborationandsharedcommitment,responsibilityandauthorityinrelationtotheircommunities;• themuseumdefinitionshouldexpress thecommitmentofmuseums tobemeaningfulmeetingplacesandopenanddiverseplatforms for learningandExchange;

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Emjulhode2019,o ICOMInternacionalapresentaapropostadenovadefiniçãodeMuseu,emdebatenaAssembleiaGeralaterlugaremKyoto:

“Museums are democratising, inclusive and polyphonicspacesforcriticaldialogueaboutthepastsandthefutures.Acknowledging and addressing the conflicts andchallenges of the present, they hold artefacts andspecimensintrustforsociety,safeguarddiversememoriesfor future generations and guarantee equal rights andequalaccesstoheritageforallpeople.Museums are not for profit. They are participatory andtransparent, andwork inactivepartnershipwith and fordiverse communities to collect, preserve, research,interpret, exhibit, and enhance understandings of theworld, aiming to contribute to human dignity and socialjustice,globalequalityandplanetarywellbeing.”76

Estapropostadenovadefiniçãodemuseutransporta-nospara

dimensõesdiferentesdaatividademuseológica.Os museus deverão ser locais onde se promove a paz e a

diversidade.Paraqueaspessoaspossamvivernumambientedepazefelicidadedeveráexistirharmoniasocial.Osmuseusdevempromoveresseespíritoutilizandoosseusrecursosnosentidodeasseguraremacompreensãoeaceitaçãointerculturaldosdiferentesgruposeculturasexistentesnumdeterminadolocal.

A paz é determinante para a felicidade adiversas escalas: nafamília,nacomunidade,nasociedade,nopaísenomundo.Osconflitosexistentes,atualmente,nomundoderivamdofatodeaspessoasnãoseentenderem entre os diferentes níveis sociais e de não aceitarem as

•themuseumdefinitionshouldexpresstheaccountabilityandtransparencyunder which museums are expected to acquire and use their material,financial,socialandintellectualresources.Cf: https://icom.museum/en/activities/standards-guidelines/museum-definition/.2019.07.08.76https://icom.museum/en/activities/standards-guidelines/museum-definition/.2019.08.07.

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diferenças culturais uns dos outros. A resolução dos conflitos éessencialparaaharmoniaentreospovos.

Abrem-se, então, novos e grandes desafios para osmuseus eparaosseusprofissionais.

Os museus devem utilizar as suas coleções no reforço doentendimento coletivo, através das heranças culturais reforçandoatravés destes elementos os elos de identidade local, regional ounacional.

Através da sua programação devem conciliar diferentesinteresses sociais para o bem coletivo. Devem potenciar os valoresculturaisatravésdodiálogo,transformando-seempontosdeencontroedeidentidadeculturalesocial.

Estes novos modelos terão de dar corpo a novos modeloscomunicacionais. A mediação cultural e patrimonial assume, nestecontexto,umaimportânciadecisiva.5.Amediaçãocomoestruturacentraldaatividademuseológica

“A mediação representa o imperativo social essencial dadialética entre o singular e o coletivo, e da suarepresentação em formas simbólicas. A sociedade podeexistir apenas se cada um dos seus membros temconsciênciadeumarelaçãodialéticanecessáriaentreasuaprópria existência e a existência da comunidade: é osentidodamediaçãoque constitui as formas culturaisdepertença e de sociabilidade dando-lhes uma linguagem edando-lhes as formas e os usos pelos quais os atores dasociabilidade apropriam-se dos objetos constitutivos daculturaquefundasimbolicamenteasestruturaspolíticaseinstitucionais do contrato social. (...) É no espaçopúblicoquesãolevadasaefeitoasformasdamediação,quetratado lugar no qual é possível tal dialetização das formascoletivaseasrepresentaçõessingulares.Oespaçopúblicoé,pordefinição,olugardamediaçãocultural”77.

ParaJeanDevallon,

77(LAMIZET,1999:9)

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“Mediação culturalpode serdefinida, semdúvida,anívelfuncional: ela visa fazer aceder um público a obras (ousaberes) e a sua ação consiste emconstruirum interfaceentre esses dois universos estranhos um ao outro (o dopúblico e o, digamos, do objeto cultural) com o fimprecisamente de permitir uma apropriação do segundopeloprimeiro.”78

A modelagem contemporânea do museu, a assunção do seupapel mediador de cultura e comunicação, a sua ação educativa79,transporta cada vez mais o museu para o centro das atenções dasalvaguarda e valorização do Património assim como do turismoculturaledasestratégiasdedesenvolvimentourbano,transformando-se num local alegre, divertido, acolhedor e enriquecedor80,rentabilizando os diversos serviços internos, disponibilizando aopúblico novas propostas e respostas capazes de se adequarem aosnovosconceitosementalidades81.

78(DAVALLON,2003:s/p)79 HOOPER-GREENHILL (1994: 229) quando aborda a importância dosserviços educativos nos museus e a sua crescente influência nos novosdesafiosmuseológicosrefere:“Museums education is often understood in a narrow sense as meaningorganized provision for organized groups, with a strong emphasis towardsschoolgroups.Theeducationalroleofamuseum,however,ismuchmuchwider.Excellenceandequityroundlystatesthateducationisatthecoreofamuseum’sservicetoitspublic,andthatthispublicisadiverseone.”Reeve(1994:234)permite-noscontactarcomumexemploqueconcretizaateoriacitadaanteriormente:“AmuseumeducationdepartmentliketheBritishMuseum’scannot(andshouldnot)beprimarilyconcernedwithteachingschoolgroups.Withoversixmillionvisitors a year, there are other publics to serve as well: adult education andacademicprograms;teachertraining,tourguidetrainingtohelpwithtouristsfromallovertheworld;publishing;producingeducationalresources–includingvideo and nowmultimedia. There are other functions,many ofwhich directlybenefitschools,teachers,childrenandfamilies.”80(HOOPER-GREENHILL,1998:54),81(HOOPER-GREENHILL,2002:133).

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“Si lemusée devient un label territorial, c’est aussi un lieud’urbanité. Ces «musées évènements», véritables iconsterritoriales, deviennent des «points d’appui» de lacirculation touristique au sein d’un territoire. Circulation,mouvement,iconographieetleursinterrelationsconstituentde ce fait des notions fécondes et actuelles pourpenser cesdynamiques du monde contemporain. L’iconographies’inscritdeplusenplusdansl’attractivitéetlamobilité.”82

Jean Davalon83, ao observar a capacidade dos museus se

transformarem em instrumentos de comunicação cada vez maiseficazes,admiteque:

“On peut admettre aujourd'hui que la technologie desmuséesestconstituéeparl'exposition.Ledéveloppementdestechniques, l'émergence de standards de production, lerecours à des supports bien caractérisés (agencement desunités de présentation, panneaux, vidéos, etc.), la maîtrisedes effets recherchés dès la conception permettent auxmusées-aumoinsàcertains-dedevenirdevéritablesunitéséconomiquesdeproductiond'expositionsconçuescommedevéritablesoutilsdecommunication.”

Amediaçãoculturalassumecomoumadassuaspreocupações

maisamplamentereconhecidas,acomunicaçãoentreduaspartes,umaemissora e a outra recetora, de uma mensagem que se constitui deconceitos relacionados com a arte, com as práticas e expressõesculturais da população, tendo permanentemente em conta adiversidade e individualidade dos estilos de vida, dos valores e dasidentidades,entreoutros,dosinterlocutores.

Assim,amediaçãoculturalsituar-se-ánoâmbitoda"educaçãonão formal", localizada na interseção de cultura, educação, educaçãocontinuada e lazer. Os seus objetivos são tanto educacionais comorecreativosoucívicos.

82(EIREST,2011:3)83(1992:101),

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Este modelo permitir-nos-á equacionar a existência de umnovoprofissionaldemuseus.OMediadorCultural. Com isto teremosde reapreciar os tradicionais serviços de vigilância dos museus, osserviços educativos, de comunicação e outros. Não será maisconsistentenoâmbitodaaçãomuseológicaoprofissionaldemediação,oqualseencarregaderecebereenquadrarosdiferentespúblicos,deacordo com as suas tipologias, interesses e vontades? Com isto nãodeixaremos de tratar de serviços educativos que muitas vezes nãopassamdevisitasguiadasoudevisitasescolares?

Estes novos modelos de mediação fazem-nos equacionarproblemas relacionados com as acessibilidades nos museus. Já nãofalamossomentedevenceracessibilidadesfísicas,masdeultrapassaras barreiras comunicacionais, muitas vezes mais difíceis deultrapassar.

Parasuperarestasbarreiras teremosdeconhecerospúblicospara quem trabalhamos, teremos de identificar ainda melhor o járeferido não público e perceber a razão pela qual ele se encontraafastado da nossa instituição, precisamos de criar novas narrativas,adequadasaessesdiferentespúblicos,umanovamaneiradecontarashistóriaspreservandoaautenticidadedasmesmas,equacionarnovossuportescomunicacionais,definirdiferentesníveisdecomunicação,ecomo já anteriormente referimos, transmitir novos modelos deconhecimento,proporcionandoumnovomodelodereconhecimentoedessaformaumanovaperspetivadepatrimonialização.

Tendo em conta as novas perspetivas da museologia quedecorredasnovasvisõesparaamuseologiaconsideramosque,antesdedefinirqualquermodelodegestão,oprocessodeestabelecimentodeumaunidademuseológicadevepassarporumcriteriosoprocessodeplanificaçãomuseológica.

Ao longo dos últimos anos assistimos a um deslumbramentoinstitucional e técnico comasnovas soluções tecnológicas. Parecia,adeterminado momento, que o espírito do lugar, essencial para aapropriação patrimonial era substituído pelo maravilhamento docontactocomnovassoluções tecnológicas.Umpoucopor todoo ladoassistiu-se ao surgimento de projetos patrimoniais assentes emsoluções tecnológicas em que a observação do objeto ou o contactocom o real era substituído pela observação de imagens 3D, vídeos

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interativos, criações tecnológicas que nos transportavam pararealidadesaumentadasouvirtuais.

Osmediadores,osguiasdevisitaforamsendosubstituídosporaudioguias, tablets com soluções animadas com as quais as novasgerações contactam com muita familiaridade, afastando-se de ummundoreal,cadavezmaisdistante.

Entendemosqueatecnologiaemediaçãoculturalhumanizadadevem conviver lado a lado contribuindo para a sustentabilidade deprojetos e para a valorização dos destinos, potenciando a suacapacidade de atração e de criação de memórias que suscitem avontadedevoltar.

6.Aprogramaçãomuseológica–abaseinstitucionaldomuseu

O papel dos museus e de outras atrações culturais nodesenvolvimento económico é muito relevante, não devendo estesassumir só o seu papel de atração turística, mas convertendo-se emrecursos fundamentais do desenvolvimento urbano, criando clustersnosdomíniosdacultura,dopatrimónio,cujosserviçoseaimagemdosmesmos,juntodosvisitantese/outuristas,sejaindiscutíveldeformaasuscitar visitas futuras, por constituírem ofertas qualificadas ediferenciadas84.

Paraqueosmuseus consigamdesempenharumpapel efetivonopanoramaculturalesocial,oprojetodemuseologiadeverápreverumestudoeestabelecimentodecritérios,taiscomo:

Missão,objetivos,recursoshumanosefinanceiros,definiçãodopúblico-alvo, desenvolvimento de um modelo de gestão, programacultural, tipologia de exposições, criação de um modelo decomunicação, planificação do serviço de mediação cultural emsubstituição do tradicional modelo de serviço educativo, prever oestabelecimentodeparcerias e redes, qual oposicionamentoa curto,médioelongoprazo,paradestacarasmaissignificativas.

Este processo visa organizar o método e políticas defuncionamento do equipamento, apoiar a definição da politica deincorporações, o desenvolvimento dos espaços do projeto de

84 (STEVENS, 1998: 24; CASTRO, 2007: 1-2; GONÇALVES; 2009: 3; EIREST,2011:5;SHEIKHI,2011:10;MAVRAGANI,2011:7).

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arquiteturaeuniformizá-lo,demaneiraacriarumaordemadequadade funcionamento e o estabelecimento do seu papel numa políticaculturalmaisabrangente.

A gestão contemporânea dosmuseus émuitomais do que agestão financeira e/oua gestãode coleções. A gestãode informação,comunicação, e de redes é uma área que passa a assumir hoje umaimportânciaprimordial.

Quandoanalisamos a gestãomuseológica rapidamente somostentados a enveredar pelo caminho árido da gestão financeira e dosrecursos humanos. São as áreas que mais se discutem quando seanalisam as instituições museológicas nos dias de hoje e quando seestruturampoliticasmuseológicas.

Entendemos essa urgência face às necessidades imediatas deassegurarosserviçosbásicosdosmuseus.Consideramos,contudo,queagestãodemuseusdeveserperspetivadadeformamaislargada.Talcomo a nova proposta de definição de museu do ICOM sugere osdomíniosdeatuaçãoserãomuitomaisalargadoseavisãonãodeveserreduzida a meros serviços administrativos e aos serviços técnicostradicionais.

Não nos deteremos sobre as funções técnicas tradicionais: osmodelos de coleção e a sua gestão, os serviços de conservaçãopreventivaedocumentação,osserviçosfinanceirosemanutenção.

Neste momento interessa-nos refletir sobre os modelos deacolhimento, comunicação e as novas abordagens aos serviços deeducação.

A criaçãode redesdemuseus e a sua articulação com outrasunidades patrimoniais locais e regionais poderá ser um caminho nosentidodarentabilizaçãodestesrecursosemproldodesenvolvimento.Por ser consideradoumaspeto fundamental, abordaremos commaisdetalheestatemática.

Aáreadaconservaçãonãopoderáserremetidaparasegundoplano.Opatrimónio culturalmóvel, imóvel e imaterial deve estarnocentrodassuasatenções,sendoasuapreservaçãoparaofuturoumapremissaquenãopodenuncasersecundarizada.

Omuseupermiteavivênciadeumgrandeconjuntodeemoçõesedeconhecimentos,factosquetêmfomentadooaumentodonúmero

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devisitantes.Onúmerodevisitantesnosmuseus,entre1960e1995,passoude70paracimade500milhõesdevisitantes85.

Nodomíniodaplanificaçãomuseológicaaquestãodadefiniçãodo horário de abertura ao público não é uma questão de menorimportância. Se analisarmos as condições de acessibilidade amuitasinstituições museológicas, conseguimos aferir, imediatamente, quemuitos horários se encontram perfeitamente desajustados àsnecessidades.

Muitos museus continuam a encerrar à hora de almoço, aosdomingoseferiados.Emmuitascidades,todososmuseusencerramàsegunda-feira, o que nos parece absolutamente errado face às novasdinâmicasurbanas.Oshoráriosdeverãoseranalisadosfaceaosciclosdeprocura,ostextoseprogramaseducativosdevemestardisponíveisem diferentes línguas e linguagens, pois, hoje em dia, entram pelomuseu visitantes provenientes do todo o mundo, aos quais,independentemente da sua formatação cultural ou das suasnecessidades especiais, os museus devem estar habilitados aresponder.

Oturismoterádeserencaradocomoumafontederendimentoparaomuseu,devendoasreceitasgeradasporestaviasercanalizadaspara a proteção e conservação do património, responsabilidade quedeverá ser partilhada entre o setor público e o privado, sendodeterminante um relacionamento institucional permanente entre osresponsáveispelosetordosmuseusepelaindústriadoturismo.

A afirmação turística das unidades museológicas potencia oaumentodereceitasdebilheteira,daslojas,dascedênciasdeespaçosentreoutros.

A planificação e programação dos museus devem serequacionadas em articulação com os responsáveis de várias áreas,desde a culturalà social, da educativaà económica, no sentidode seestudarem programas complementares e de acordo com asnecessidadesdodesenvolvimentodoturismointerno86.

Ao perspetivarmos a planificaçãomuseológica, a definição dacoleção e as valências que pretendemos atingir com o nossopatrimónioculturalvamosdeterminarotipodeestruturafísicadeque

85(GRABURN,1998:13;GONÇALVES,2007:1)86(TSEDMAA,2004:15).

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necessitamos. A gestão de coleções é uma área central na politicamuseológica,conheceraspeças,assuasrelações,osseusmateriais,assuas necessidades de conservação determinará toda a açãomuseológica.

Acriaçãodeconteúdosqueestarãonabasedasexposiçõesdelongaduraçãoou temporárias,osconteúdosdosserviçosemediaçãodependemdotipodecoleçãoquedetemos,dosmodelosdeanálisequedesenvolvemos, o que permitirá níveis de comunicação muitodiferenciados.

Aopensarmosemgestão,destacamostrêsáreasdistintas.-Gestãofinanceiraerecursoshumanos;- Gestão técnica, na qual integramos os serviços de conservaçãopreventiva,deinvestigação,comunicaçãoemediação;- Gestão de conexões. Os museus não são ilhas, não podem viverisolados do seu mundo. Assim, o responsável pelo museu deveráconhecer bem os seus parceiros, outros agentes com os quais osmuseus se devem relacionar e procurar estabelecer conexões, quevisam uma mais forte articulação interinstitucional, técnica, derecursoshumanos,deconhecimentoedepromoção.

A criação de redes87 e laços é uma prática corrente entre oHomem. Ao longo da vida, em diversas situações, profissionais, deamizade ou outras vão sendo estabelecidos laços de amizade oucooperação,trocando-secontactos,telefones,emailsououtrasformasde relação que permitem um intercâmbio de comunicação e deexperiênciasindividuaisparagruposmaisalargados.

A situação económica atual dificulta a criação de condiçõespara todas asunidadesmuseológicas e culturais.A gestãopartilhada

87 O termo rede é complexo e a sua abrangência tem sofrido uma grandeevolução.“The term network originated i the field of the technical nature sciences. Itsattributiontotraffic infrastructureasnet,as intherailwaynetworkandroadnetwork is an indication of this. Modern Information and CommunicationTechnologies like the Internet, the net of nets, promotes the image of thenetworkinapowerfulmanner.Thesetechnicalnetworkscanbecontrastedwithsocialnetworks.Throughthis,wegainapictureofanintertwinedstructureorsystemofsocialtiesbetweenactors,personsororganizations.”(BIENZLEetal,2007:7-8)

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de recursos técnicos e profissionais pode ser um caminho para asuperaçãodasdificuldades.

Odesenvolvimentode redes, percursos e itinerários culturaisresponde a uma necessidade de valorização e preservação dopatrimóniocultural,doselementosidentitáriose,simultaneamente,daredução de custos operacionais, valorização do território e dosprofissionais do património, levando ao reconhecimento dopatrimónio, numa primeira fase, pelas comunidades locais o qual é,posteriormente, transposto para outros planos de divulgação ereconhecimento88, configurando uma melhoria efetiva na gestão dosbens culturais, assim como na investigação e inventariação domesmo89.

No domínio da museologia, desde muito cedo se foramestabelecendo redes, inicialmente com uma postura muito vertical,emanando-senormasdecimaparabaixo,atéque acriaçãodo ICOM,em 1946, veio promover a articulação horizontal entre muitasinstituiçõesmuseológicas90.

As redes de instituições culturais, entre as quais podemosreferir as de museus, bibliotecas ou outras tipologias de entidades,começaramaprosperar, no iníciodadécadade90do séculoXX, umpoucoportodoolado,destacando-seosexemplosdeItália,FrançaouEstadosUnidos, frutododesenvolvimentodaInternetedodespontarde novas perspetivas de gestão e abertura ao meio envolvente,procurando-se promover de forma mais efetiva os bens culturaisrelacionados91.

Asorganizaçõespassamdeummodelode gestão burocráticopara modelos de coordenação e ordenação que se suplantam àshierarquias, representando interessescomuns,observandoprincípiosde independênciaeparticipaçãovoluntária,assimcomoo espíritodepartilha, valorizando os museus, coordenando-se a investigação, a 88PietroPetraroia,naapresentaçãodolivrodeSilviaBagdali(2004:XIX-XX),LeRetidiMuseo,demonstraalgumasdasvantagensdacriaçãoepromoçãodasredesdemuseus,ondesedestacaaarticulação,oganhoemeconomiadeescalaeavisibilidadequeasestruturaspodemganharaoagruparem-seemredesmaisalargadas,podendoserterritoriaise/outemáticas.89(BAGDALI,2004:3;GONÇALVES,2009:3).90(AGREN,2002:18).91(SPACES,2004:2;BAGDALI,2004:1;CAMACHO,2007:2).

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conservação, o restauro e a divulgação do património, partilhandorecursos, facilitando o intercâmbio de dados, informações emateriais92.

Estas redes potenciam a utilização maximizada dos recursosculturaislocais,regionaisounacionais,criandonovasrespostasparaoturismo, originando novos produtos para a indústria do lazer, nummundocadavezmaisglobalizado,tornandoosmuseusmaisatrativostantopelasuasemelhançacomopelasuadiversidade.

Essencial no processo de formulação de redes e parcerias éobjetivar que tipo de modelo pretendemos desenvolver. Queinstituições vão pertencer à rede? Que exigências devemos ter paraaceitarinstituiçõesparticipantes?Pretende-seumaredequeorganizeopatrimónio e o apresentede forma sistemática,mera apresentaçãodopatrimónio?Pretende-seumaestruturacapazdecomunicarcomacomunidadelocal,queavalieereavaliearealidadeeconómica,socialeculturaldoespaçoondeseinsere?Quefunçõesdeverãoserdefinidasparaasredesdemuseus?93

De acordo comCampagnolo eCampagnolo94deveremos ter, àpartida, estabelecida a diferença entre rede e sistema, conceitos queapresentam abrangências diferenciadas. O sistema apresenta umafronteiraeumafinalidadeestabelecidasapriori.Aredeteráfronteiraspassíveisdealteração,adequandoasuaaçãoaosresultadosobtidoseàredefiniçãodosseusobjetivos.

A criação de uma rede, para que esta seja estruturada epromovaotrabalhodesejado,deveráobedecer,segundoBienzleetal95aumconjuntodeetapas96.

92 (AGREN, 2002: 21; CAMPAGNOLO eCAMPAGNOLO, 2002: 26;WYLLEReWENAAS,2002:46-47;BAGDALI,2004:2-3;BIENZLEetal,2007:7e8).93(SEMEDO,2007:2;CAMACHO,2007:3)94(2002:26).95(2007:36-37)96Osautoresenumeramospassosessenciaisparaqueumaredeseestrutureefuncionecomsucesso:“-The strategy their networkwill be following: theywill have agreed on thenetwork’s targeted audiences, will have mapped the state of art in theirthematicarea,theywillhaveidentifiedindicatorsforinnovationandtheywillhave decided on what other similar initiatives will be relevant for theirnetwork’sdevelopment.

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As redes assumem, hoje, tipologias muito diversas. Redestemáticas,redeslocais,redesregionais,nacionaisoutransnacionais.Seaquelas que integram instituições próximas, podem ter uma funçãomaisdecoordenaçãoadministrativa97,asredesregionaisassumemumpapel mais importante na promoção do turismo98, na articulação depolíticascomuns,nodesenvolvimentodeprogramasmaisalargados99,apresentando-se aos públicos como produtos de alta qualidade,integradas pelas melhores instituições no seu domínio, ganhandomaiorcapacidadedeatração,frutodeumacadavezmaioraberturaaoexterior100. - The identity of a network according to a selected typology: will it be adissemination network inwhich selection and transferability of good practicewill be taking place? Will it be a resource network, in which contentdevelopment and research will be the focus of the action? Or will it be anadvocacyandpolicydevelopmentnetworkinwhichpartnerswillbeworkingonpolicyanalysisandlobbyingtechniques?-Thecoordinator,whowillbeensuring leadership, efficientmanagementandthevisibilitytothenetwork.-Thepartnership,whichwillbeestablishing thenetworkalongwithallotherinterestedpartiesthatwillbesupportingthenetwork’saction.- Tools and methods that will be useful for the formulation of the network,notably the logical framework matrix, which is often used in European co-operationprograms.”(BIENZLEetal,2007:36-37)97 De acordo com o referido por Oliveira (2007: 3) podemos observar estacaracterísticanaRededeMuseusdeSantaMariadaFeira:“Nestas condições,a criaçãodaRedeMunicipaldeMuseusdeSantaMariadaFeira iriaproporcionarvantagensaoníveldagestão integradadosdiferentesespaçosmuseológicos,daíresultandoummelhorfuncionamentoemanutençãodosrecursosmateriaisetécnicos,originandoareduçãodecustosfinanceirosemateriais.”98 De acordo com Semedo (2007: 3) uma rede regional como a Rede deMuseusdoDourodeverá:“ […] desenvolver projectos comuns que implementem políticas acreditadas equemelhorvalorizemosrecursosdecadaparceirodarede.”99(JAOUL,1999:25;SILVA,2002:5;WYLLEReWENAAS,2002:47).100 Estas redes podem ter, segundo Bienzle et al (2007: 13) os seguintespropósitoseâmbitosdeaplicação:“-exchanginginformation,-acquiringmaterialresources,

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Nesteprocesso,oestabelecimentodelaçosdeconfiançaentreos parceiros é verdadeiramente essencial. Os vários intervenientesnuma rede de museus, ou outra, têm de sentir confiança uns nosoutros, pois é esta confiança que reduz a complexidade das redes egarante uma melhor possibilidade de se atingirem os objetivosdelineados ao início, tornando claras as vantagens do trabalho emrede, levando a uma compreensão das diferenças que têm de seratenuadasemproldasorganizaçõescriadascomobjetivoscomuns101.

Oestabelecimentodeumaredevisaatingirobjetivoscomuns,trabalhodequalidade comomenornúmerode recursospossível.Asparceriasdevempromoverasboaspráticas,trazerinovaçãoàáreadetrabalho em causa, funcionando como plataformas de benchmarking.Implica a existência de pontos culturais comuns, capazes de sesobreporemàsdiferençasadministrativasou às fronteirashistóricas,sendo essencial o desenvolvimento de trabalho partilhado,interdisciplinaridade e cooperação, reforçando os laçosprofissionais102.

Conhecem-se algumas redes regionais e locais da Europa,constatando-se os seus objetivos gerais, depreendendo-se dessaanálisequeocontactoentretécnicoseoaperfeiçoamentoprofissionalapardasquestõespromocionaisedecriaçãodeimagemdemarcadosmuseus,sãoasmaispresentesnasmissõesdessasredesestudadas.

O estabelecimento destas parcerias, ao assentar em questõesdepromoção,temcomoumdosseusobjetivosprioritáriosapromoçãodos museus, potenciando a sua presença e afirmação no setor doturismo, reconhecendo o papel que cada umdestes setores pode terpara o desenvolvimento do outro. Museus sem público são comojardins sem flores, todavia, turismo sem recursos culturais de

-politicalmobilization,-Wieldingpower,-solidarity,-benchmarking,-support,-personalassistanceinprofessionalcrisissituations.”(BUCKLEY,2007:4;CAMACHO,2007:2).101(BIENZLEetal,2007:17e20).102(JAOUL,1999:26,SPACES,2004:4;BIENZLEetal,2007:9).

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qualidade torna-se vazio de interesse e sem capacidade desustentabilidadeparaofuturo.

As vantagens do trabalho em rede são diversas. Space103sistematizaalgumasdelas:

“-semplificazionedellagestionedelpatrimonioculturale;-aumentodeiservizioffertiedellivelloqualitativo;-Maggiorecapacitàpromozionale;-capacitàdirealizzareeconomiediscala;-maggioraccesoallerisorseelorocondivisione;-maggiorprestigioeposterenegoziale;[…]- la qualificazione, la promozione e la valorizzazione deimuseidislocatisulterritorio;-l’attuazionediiniziativeestrategiecomuniperincentivarelaconoscenzadeiMusei,inmododaincrementareilnumerodeivisitatorierafforzareillegameconilterritorio;- la collaborazione e lo scambio di esperienze fra le varierealtà del Sistema, anche allo scopo di creare iniziativecomuni;-laqualitàdeiserviziedelleattivitàculturali.”

Asdiferentes redesmuseológicas, quepodemser dediversostipos104, abrangências temáticas e/ou territoriais e depender dediferentestutelas,devemcongregaresforços,atravésdeumprocessode cooperação, comvistaaodesenvolvimentodeumprojeto culturalcomum,potenciandoavalorizaçãoregionalatravésdacriaçãodeuma

103(2004:2e3)104SegundoBienzleetal(2007:10-11):“Tieshavedifferentdegreesof formalizedcharacter. Intheprocess,thepairofterms formal – informal represent the pole of the different forms of structureformation.Inworkingrelationships,people initiallyhaveformalizedties.Here,thefunctionalcorrelationisuppermost,androlesareinitiallycharacterizedbylegaldeterminantsandmandatedinanorganizationalform.Ontheotherhand,withinthevoluntaryorganization,interactionsarecharacterizedbylessformalties.Incontrasttoformalstructures,informaltiesaredependentofpeople.”

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imagem comum e coerente, dando maior visibilidade ao trabalholevadoacabopelasinstituiçõesintegrantesdasredesemcausa105.

As redes regionais podem configurar um importanteinstrumento de diálogo regional, de conservação e divulgação daidentidade regional, comunicando com as comunidades onde seinserem, numa perspetiva de partilha e inclusão, relacionandodiferentesestruturascomaHistóriaepatrimónioassociadoemproldodesenvolvimentodaregião106.

As redes configuradas à dimensão municipal devemperspetivar umamarca identificadorada cultura local, traduzidas nopatrimónio local, estabelecendo diálogo com as suas comunidades,produzindo marcas identificadoras comuns, dando origem aconhecimentos cientificamente comprováveis, valorizando opatrimónioeasuadivulgação107.

As redes podem ter uma capacidade de implantação esobrevivênciavariada,dependendodasuacapacidadedeafirmação,daintensidadenotrabalhoqueécolocadapelosseusmembros,pelograude formalidadeque lhesestá implícito.Asredesmais fracas,comumgrau de informalidade alto, terãomenos capacidade de resistência àadversidadeepoderãoestarsujeitasaímpetosmomentâneosdosseusmembros.

As redesdemuseusvãopotenciar adivulgaçãodosmuseus edassuasatividades.Aoarticularemotrabalho,asunidadesintegrantesdasredesvãopromoverprogramaçõesmaisarticuladas,respondendoadiferentespúblicos,emmomentosdiversos,conseguindopromoveras instituições de forma mais eficaz. As redes vão ter um papelessencial no desenvolvimento da criação de imagens de marca, depromoçãoemarketingedesenvolvimentolocal.

Podemos identificar um número expressivo de atividadespromovidaspelasredesapresentadas,dasquaisdestacamos:-CriaçãodesítiosnaInternet;- Criação de condições para a afirmação dos museus no setor doturismo;

105(VARINE,2007:6;FAUVRELLEeMARQUES,2007:3e4)105.106(BUCKLEY,2007:5;SEMEDO,2007:6).107(PACHECOMUÑOZ,2007:184;OLIVEIRA,2007:8).

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- Desenvolvimento de atividades educativas de diferentes âmbitos eabrangências;-Criaçãodeserviçoseacolhimentodosvisitantes;-Criaçãodecatálogosedesdobráveis;-Promoçãodecampanhaspublicitárias;- Desenvolvimento de ações de formação técnicas e de recursoshumanos;-Criaçãodeestruturastécnicaspartilhadas.

Do ponto de vista financeiro, o estabelecimento de rotas ouredes pode trazer benefícios de diversa ordem. Por um lado,permitindo a apresentação de candidaturas a projetos definanciamentoinacessíveisamuseusindividualizados;poroutrolado,aarticulaçãoentreestruturasmuseológicaspode trazerbenefíciosaonível da gestão, permitindo a superação de dificuldades orçamentaisque a falta de escala pode agravar, promovendo as instituições noexterior, potenciando a sua afirmação e o aumento do fluxo devisitantes,dosquaisasreceitasdebilheteira,aaquisiçãodeserviçoseprodutospoderãoserumaimportantefontedereceita108.

Agestãointegradadeequipamentoséumavantagemquenãopode deixarde ser referida. Reservas, laboratórios de conservação erestauro poderão ser rentabilizados, apoiando todas as estruturasintegrantesdedeterminadaredemuseológica.

Simultaneamente, as redes poderão operar ao nível daformação e qualificação dos recursos humanos, rentabilizando asequipas e os equipamentos existentes, conseguindo-se um melhorresultadoparaosbensculturaismóveis,imóveiseimateriais109.

Paraquesejapossívelavaliaroefetivopapeldaredeedosseusmembros, devem ser observados um conjunto de parâmetros,sugeridosporBienzleetal110. 108(SPACE,2004:3;BAGDALI,2004:8-9e11;NOLD,2007:1).109(AGREN,2002:19;CAMACHO,2007:4).110“Managementreasons:-toimprovethecompositionofthepartnership;- to improve de cooperation and performance of the partners: to improve deallocationoffinancialresources;-tocheckwhatobjectiveshavebeenmetandtowhatextent;-torevealstrongandweakpoints,to identifytheobstacles:tobeabletogiveadviceforthenestyear;

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AEuropa,comasuadiversidadeorganizativa,vaioriginarumconjuntodeestruturastãodiversasquantososseuspaísesdeorigem.As comunidades autonómicas espanholas, os estados federativosalemães,aforteregionalizaçãoitalianaouadescentralizaçãofrancesa,permitirãoaconstituiçãodeorganizaçõestãodiferenciadasquantososregimespolíticosemqueseinserem.

Estas redes demuseus permitirão a sobrevivência demuitosmuseus de pequena dimensão, potenciando a sua afirmação noconjunto, melhorando os níveis de qualidade do trabalho dasinstituiçõesassociadas,alavancandoasestruturas,independentementedasuatipologiaedimensão,nosfatoresdesucessodecadamuseu.

Independentementedo local, dadimensãoda rede edos seusparticipantes, da sua tipologia, a articulação em rede proporcionamelhor eficiência de gestão, uma ação mais monitorizada, odesenvolvimento de trabalhos de maior qualidade e eficácia, umamaiorvisibilidade,oquese traduzemmaisvisitantesemaisreceita,paraalémdaessencialsalvaguardaepromoçãodopatrimónioculturaldaslocalidades,regiõesoupaíses.

Ao longo desta reflexão entendemos propor algumas análisesquenospermitirãopartirparaumareflexãoprofundasobreoestadoda museologia atual no que se refere aos seus objetivos, aos seusrecursos e ao modo como os próprios profissionais de museuspercecionam as suas instituições. Os museus ganharam umaatratividade profunda nos últimos anos: cumpre-nos com essa

-toprofessionalizedecision-making;-toimprovetheteamspiritwithinthepartnership.Disseminationreasons:-tomakethenetworkactivitiesmorevisible.Accountabilityreasons:-toassessthequalityoftheproducts;-tomeasuretherelevanceoftheoutputs;-tocreateaportfolioforreportingback;-tomeasuretheimpactonthetargetgroups.Sustainabilityreasons-tocheckhowthenetworkactivitieslinkwiththepartnerinstitution’missions;-tocheckhowthenetworkoutcomeslinkwithlocalpolicy;-toprovetheEuropeanaddedvalue.”(BIENZLEetal,2007:98).

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projeçãogarantirumamaiorsalvaguarda,valorizaçãoeconhecimentodopatrimóniocultural.

Estamos conscientes das dificuldades, no caso português, dasrápidas alterações de tutela que aconteceram nos últimos anos,dificultandoaestabilidadedasorganizações.

Reconhecemos as necessidades de estabilidade institucional,mas acima de tudo, estamos convictos que amuseologia portuguesabeneficiariadeumaRedePortuguesa forte,comcapacidade técnicaerelacionalentreosdiferentesmembrosdestarede.BibliografiaABRAM, Ruth J., 2005 -History is as History does: The Evolution of aMission – Driven Museum. Calgary: University of Calgary; MuseumsAssociationSaskatchewan.p.19-42.AGREN,Per-Uno,2002-ReflexõessobreaRedePortuguesadeMuseus.In FÓRUM INTERNACIONAL REDE DE MUSEUS – Actas. Lisboa:MinistériodaCultura-InstitutoPortuguêsdeMuseus.p.17-24.ALEXAKI, Maro; LEMONIDOU, Despina-Konstantina; POTHITAKI,Ioanna-Vasiliki, 2011 - The dynamic of museums as a generator oftourism and urban development: The case of Athens. In COLÓQUIONOUVEAUX MUSÉES, NOUVELLES ÈRES URBAINES, NOUVELLESMOBILITÉS TOURISTIQUES - axe 1: L`ARTICULATION MUTATIONSURBAINES,MUSÉES ET TOURISME,Université de Paris 1 – Sorbone.Paris,UniversidadedeParis1.AMBROSE, Timothy; PAINE, Crispin, 1993 -Museum Basics. London:Routledge.BAGDALI,Silvia,2004-LeRetidiMuseo:L’organizzazioneareteperibeniculturalienItaliaeall’estero.Milão:Egea.BALTAZAR, Helena Dinamene D. G. Simões, 2008 - Os turistas nomuseu:(dis)ouindispensáveis?OcasodoMuseudeAlbertoSampaioemGuimarães, Tese de Mestrado em Museologia. Porto: Faculdade deLetrasdaUniversidadedoPorto.

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MemóriaeIdentidadenosMuseus:

ocasodoMuseudoCarvão

ClarissaWetzelUniversidadedeSãoPaulo,Brasil

https://orcid.org/0000-0002-1456-9877

CamilodeMelloVasconcellosUniversidadedeSãoPaulo,Brasil

https://orcid.org/0000-0003-1158-5406

1.Introdução

NaArroiodosRatosdoiníciodoséculoXX,acomunidadelocal

viu surgir e desaparecer uma importante indústria mineradora decarvão,tantoparaoRioGrandedoSul,quantoparaoBrasil.Comofimdaatividadeextratora,avilaoperáriaconstruídapelascompanhiasfoidesmantelada,restandoapenasruínas,memóriaseossentimentosdeperdaeorgulhopeloárduoofício.Assim,acriaçãodoMuseuEstadualdoCarvão(MuseudoCarvãoouMCAR)111nosremanescentesdaantigausina termoelétrica Companhia Estrada de Ferro de Minas de SãoJerônimo(CEFMSJ)ePoço1 foipercebidacomoumaoportunidadedereconstrução para esta comunidade, agindo igualmente comosustentaçãodeuma“identidademineira”muitopresente.Masnãofoi

111OMuseudoCarvãolocaliza-seemArroiodosRatos,municípioa54kmdePorto Alegre (capital do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil). O museu,segundoWitkowski (2013), “tempor finalidadepotencializara interaçãodacomunidade carbonífera com a produção técnica, científica e cultural daregião, promover a transformação do patrimônio em herança cultural, eaflorarosentimentodepertençadoscidadãos”,eseuacervoécompostoporprédios e galerias subterrâneas (antigas instalações da usina termelétrica),mobiliário,maquinário,ferramentaseutensíliosdaantigausinaedeextraçãomineral na região, além de fotografias, mapas, livros e documentação daépoca,referentesaoofícioeàconstruçãodasvilasoperárias.

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oportunidade apenas para ela, também para a empresa mineradoraatuanteatéatualidadeeparaopróprioEstado.

Neste contexto os espaços de memória são percebidos comoaparatosfundamentaisparaadivulgaçãodedeterminadasmensagens,entre elas representações da memória e de identidades. Perceber oMCARcomo cânonenormativo e formativo, apartir de suanarrativaexpográficaedesuaprópriaexistênciacomoespaçoderecordação,évia para compreensão do modo como a comunidade carbonífera seconstituiuna sua identidade “operáriamineira”, se reconstrói e suaspossibilidadesfuturas.

2.Defábricaamuseu:aconstruçãoeconsolidaçãodaidentidademineira

Em funcionamentona viladeArroiodosRatosdesde1908, o

poçodeextraçãodecarvãomineralFraternidade(Poço1),foicenáriodignodoGerminal,deÉmileZola.Emcondiçõesprecáriasdehigieneesegurança, o elevadormovimentava-se em três turnos de8 horasdetrabalho ininterruptos, transportando homens e meninos “vestindosomente uma tanga como roupa, de alpercatas e muitas vezesdescalço”112,munidosdeseuslampiõesdecarbureto.Tão logooutrospoçosde extração foramsendoabertos, oPoço1 tornou-seobsoleto,sendoincorporadoàestruturadaprimeirausinatermelétricadosuldoBrasil. De posse da Companhia Estrada de Ferro e Minas de SãoJerônimo, a termelétrica, cujo funcionamento deu-se entre 1924 e1956, foi sinônimo de desenvolvimento para as comunidadesconstruídasnaregião.

Como todo conglomerado operário, o sistema vila-fábricaimplantado na região tinha como finalidade estabelecer uma relaçãoharmoniosa entre o operário e os interesses do capital. A imagempaternalista construídapelos industriais visavaassociar aautoridadepatronal a do pai; apresentar a fábrica como extensão do larasseguravaaintegraçãodosmineirosaoaparatoprodutivo,negandooconflitocapital/trabalho.OpesquisadorEliasEstanque(2000)apontaque o resultadodesteprocesso foi aperdada autonomiapelo grupo

112Faladoex-mineiroedeputadocomunistaJoverTelles,em1947(Speranza,2012,p.42).

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comunal,ondeantestinha-seumredutoderesistência,passouaexistirum veículo de dominação. Todavia, a experiência arroio-ratense,apesardocontrole,tambémdeusubsídiosparaaproduçãodeformasde identificação específicas, emergindo o sentido de partilhacomunitária, geralmente inscrito nas identidades coletivas,abrangendo trabalhadores e todos aqueles que dependiam daestruturamontadapelausina.

Dentro deste modelo – o qual os trabalhadores viviam empovoados isolados, onde tudo, da escola até a assistênciamédica dafamília, do comércio ao lazer, eram controlados pela Companhia – aindústriacarboníferagaúchaalcançouseuaugena2ªGuerraMundial,quandoalimentouoBrasileoutrospaíses,porém,aofimdoconflito,aaquisição do carvão estrangeiro foi regularizada e introduzida aospoucos, um substituto mais barato para o produto nacional: o óleocombustível(Speranza,2013).Aquedanoconsumodecarvãoafetouaindústria gaúcha, que fechou muitos de seus postos de extração, nadécadade1950,buscandoopçõesmais lucrativas.Destemodo,avilade Arroio dos Ratos teve sua termoelétrica desativada, o complexoindustrial desmantelado, abandonando a comunidade estabelecidanelaestabelecida.

Com o fechamento da Usina são observadas mudanças,principalmente nas condições de vida das populações locais,evidenciando a dependência destas comunidades em relação àindústria carbonífera. Semamanutenção de serviços básicos,muitosabandonaramavilaoperária,eosquepermaneceramalimentavamaexpectativa de que o poder público assumisse o papel até entãoprotagonizadopelaCompanhia,oqueveioaacontecer,masdemodoprecário. Na década seguinte, a alternativa encontrada foi aemancipação política, entretanto, a esperança de retomada dosindicadores socioeconômicos vivenciados no tempo áureo damineração acabou frustrada e a comunidade local jamais atingiu opatamar das décadas de 1930-1950. Restava agora recorrer àmemória,comofeitoemoutraslocalidades.

[...] o desmonte das fábricas e de seus bens imobiliários,inclusive daqueles vistos como os mais simbólicos erepresentativosdeumaera,trazemàbaila,parasetoresdasociedadecivillocal,anecessidadedeobtençãodosmeios

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deobjetivarereproduzirentreasgeraçõesumamemóriaque mantenha algo de uma identidade social que foiconstruída ao longo do século XX. (Leite Lopes & Alvim,2009,p.240)

Em um dos relatos localizados, do ex-operário João Gomes

(2002),omesmocitasuaparticipaçãonogérmendecriaçãodoMuseudo Carvão, em reunião junto à administraçãomunicipal. O depoentenarrou que foi um dos que apresentou a ideia, pedindo que opatrimônionãofossedilapidado,“quenãotirassemmaisumtijolo”dasruínas do Poço 1 e usina termoelétrica, pois era o que restara damineraçãoemArroiodosRatos.Estesentimentodoex-mineirosobreos “restos industriais”, está contemplado na Carta de Nizhny Tagil(2003), documento voltado ao patrimônio industrial, o qual diz que“continuar a adaptar e utilizar edifícios industriais evita a perda deenergiaecontribuiparacomodesenvolvimentosustentável”(p.136).Éumaquestãoeconômica, todaviadememóriaeidentidadetambém,pois a “continuidade implicada na reutilização traz estabilidadepsicológicaparacomunidadesqueestejamencarandoofimrepentinodefontesdeempregohámuitoexistentes”(NizhnyTagil,2003,p.136).

Com a decadência da função primordial da usina, asrepresentaçõessobreelasetransformaram,modificandoasignificaçãodaquele espaço para a cidade e, por conseguinte, na constituição dacomunidadecarboníferaarroio-ratense.Écadavezmaiscomum,anteadesindustrialização, que espaços fabris sejam reutilizados eressignificados, estando o campo do patrimônio aberto a essasinclusões, utilizando-se de estratégias de preservação como amusealização,afimde

[...]nãoapenasgarantiraintegridadefísicadeumaseleçãode objetos, mas também promover ações de pesquisa edocumentação voltadas à produção, registro edisseminação das informações a eles relacionadas, comvistas à transmissão a gerações futuras. (Bispo& Santos,2012,p.51)

Assim, em março de 1986, foi criado por decreto o MuseuEstadual do Carvão, com a finalidade de promover atividades que

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auxiliassemnoconhecimentodahistóriadocarvãonoRioGrandedoSulapartirdosvestígiosencontradospor todaaantigavilaoperária.Infelizmente, entre 1986-1991, o museu permaneceu fechado,frustrandoasexpectativasdacomunidade.Foiapenasaofinalde1992,jánogovernodeAlceuCollares(doPartidoDemocráticoTrabalhista),queoentãodiretordesignadoFábioCoutinhoobteverecursosparaaimplementação do projeto de restauração do complexo industrial.Esses investimentos possibilitaram a construção, em 1994, daexposição“EcosdoCarvãopresentesnaCultura”,noprédiorestauradodaUsina,sendoboapartedolegadoatualdomuseu.

Neste desenrolarde fatos, percebeu-se o desenvolvimento deuma identidadeoperáriamineira, queultrapassaos limites físicosdafábrica e adentra os espaços do privado através das estruturasassistenciais da vila operária. E por tratar-se de uma investigaçãosobre patrimônio, memória e identidades, pareceu-nos pertinentepartirdestaconstruçãoidentitáriamineiraarroio-ratenseantesdesuaconsolidação no Museu. Para isso, baseamo-nos em três aspectosdefinidos por Isabel Bilhão (2005): reconhecimento, distinção ememóriacoletiva.

Acercado“reconhecimento”,Bilhão(2005,pp.52-53)ressaltaa ressignificação do estigma do trabalho braçal em algo a se sentirorgulho. Inúmeros são os relatos das condições de trabalho nasminas113,históriaspontuadaspeloriscoàmãodeobraempregadanaatividade mineradora, mas narrativas carregadas de orgulho esolidariedade da categoria. Do mesmo modo, para a coesão de umgrupo, faz-senecessáriaaexistênciadoOutro–algo/alguémexterno,umaameaçaqueassumeacondiçãodedemarcadordoslimites(muitasvezesimaginário)destegrupo–distinguindoeassegurandoalealdadee cooperação na esfera grupal (Bilhão, 2005, pp. 68-87). No caso daidentidadeoperária,teremossempreospatrõescomooOutro.Mesmoassim, não há como afirmar que uma identidade, seja ela qual for, éhomogênea,poisestáconstantementeemprocessode(re)formulação,tão pouco podemos atribuir-lhe uma essência imutável, mesmo quemuitas vezes o grupo identitário busque a construção de umauniformidadeapoiadaemmemóriaslivresdecontradições.

113 O levantamento oral realizado com ex-mineiros pelo extinto Centro deHistóriaOral(CHO/RS)está,atualmente,disponívelnoacervodoMCAR.

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Adentramosnoterceiroaspecto:memóriacoletiva.Noconceitocunhado por Maurice Halbwachs (1990) na obra de mesmo nome,afirma-se que a memória deve ser entendida também, e sobretudo,como um fenômeno coletivo e estabelecido socialmente, sujeito atransformações e mudanças constantes. No ato de lembrar-se nãosomentedescemosnasprofundezasdanossamaisíntimavidainterior,mas introduzimos uma ordem e estrutura nesta, que é socialmentecondicionada, e que nos liga ao mundo. Decorre daí que não hádistinção clara entre memória individual e coletiva, pois a memóriacrescenarelaçãocomoutraspessoaseasemoçõescumpremumpapelcrucial nesteprocesso. Cadamemória individual éumpontode vistanamemória coletiva, o qual modifica-se segundo tempo-lugar que oindivíduo ocupa. Portanto, mesmo se tratando, a priori, de umalembrançadopassado,temseu“gatilho”disparadonopresente.Assim,relacionada às nossas necessidades, entendemos também que amemória é seletiva, ou seja, escolhemos, conscientemente ou não, oquelembrareoqueesquecer.

Sobre as formas de apreensão das experiências passadas,Pollak(1992) acrescentaquehádiferentesmodosdepercebê-las: asvividaspessoalmente;eas“vividasportabela”,cujoosacontecimentossãovivenciadospelacoletividadeaqualapessoasesentepertencente,estandoounãodentrodoespaço-tempodosindivíduos,comoéocasodemuitosdescendentesdemineirosemArroiodosRatos.Issosignificatambémqueamemóriaéherdada.

Todasessasafirmativas–memóriaéumaconstruçãocoletiva,seletivaeherdada–apontamparaestaíntimaligaçãoentrememóriaeidentidade. Porém não se trata apenas de aludir à formação de umamemória comum compartilhada, também é preciso considerar oesquecimento como um dado importante (uma memória livre decontradições).Esqueceraadversidadeinternafazpartedaconstruçãodaidentidade,aqualproduzesereproduznadiferençacomoOutro,erealizaamanutençãodashierarquiassociais.

Não [havia rivalidades]. Cada um trabalhava, fazia o quepodiaparaverseganhavamais,masnãohaviaolhograndeno que ganhavamais. Às vezes um eramais trabalhadorque o outro, produzia mais carvão. Os chefes tinham

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direito de folgar, ganhavam bastante, mas não tínhamosciúmesdeles.(Sutel,2002)

Logo, entendemos que a identidade operária mineira não foi

condição definitiva, tão pouco fundou-se na homogeneidade; que amesmasebaseianoorgulhoenahonra;quesuaexistênciadependeudoantagonismodospatrões;acrescenta-seaestaspremissasque,porser um processo contínuo de (re)construção, a mesma necessita ser(re)lembrada, estando aí o papel bem definido do museu comosalvaguardo desta identidade (a partir de sua memória e história),assuntotratadomaisadiante.

Além disso, Speranza (2012) acrescenta que o confinamentogeográficodas vilas operárias repercutiuna constituiçãodeste grupoespecífico, pois a relação de dependência que se estabeleceu entrefábricaecomunidadeacentuouoespirito“particularista”dosmineiros,reforçandoacoesãoeosensodesolidariedadeentretrabalhadores,eentre suas famílias. Com o cuidado de não transpor a identidadeoperáriamineiraparaumaidentidadecomunitária,acreditamosnumaintersecção entre ambos os processos em decorrênciado isolamentoespacial, como na comunidade chapeleira/calçadista de São João daMadeira,emPortugal.

A questão do espaço continua, portanto, a ser crucial naarticulaçãoentreaclasseeacomunidade.Domesmomodoque as relações de produção e de reprodução docapitalismo não podem ser tomadas como entidades aflutuar no vazio, os processos sociais de estruturaçãoidentitária–sejamelesbaseadosnumalógicacomunitária,numa lógica de classe, ou na base da articulação entreambas – decorrem sob o ritmo da estruturação espacial.(Estanque,2000,p.71)

Assim,instaladonoantigoespaçodeproduçãoereadaptadoaonovouso, oMuseudoCarvãomostra-seumexemplo interessantedereflexão sobre as memórias do trabalho e do ofício mineiro, mastambém da construção de memórias e consolidação da identidadedesses operários e da comunidade arroio-ratense. Se a identidadeoperáriasemantémpor laçosdesolidariedadecontraoempregador,

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mesmodentrodeumgrupoheterogêneo,apósofimdasatividadesqueos unira, a recoloca diante de um outro “opressor”: o esquecimento;nãoapenasporpartedacompanhia,masporpartedoEstadotambém.Deste modo, os remanescentes da Usina Termoelétrica e toda aestruturamontada extramuros da fábrica – que se tornou a própriacidadedeArroiodosRatos–sãopercebidoscomolegadopatrimonialmaterial e parte da imaterialidade presente na formação da própriacomunidadecarbonífera.

3.Museus:arenadelutaspelamemóriaeidentidade

No campo do patrimônio, em especial dos museus, faz-se

necessáriaestadiscussão–memóriaepoder–paraanálisedasformasde apropriação dos bens culturais pelos diferentes grupos e dasdisputaserelaçõesdepoderemtornodaseleçãodopatrimônioedaconstrução das narrativas identitárias nos espaços musealizados.ChamaaatençãoofatodasociedadecarboníferaimbuirtantopoderaoMuseu do Carvão, incumbindo-o da tarefa de construir um discursonormalizador sobre amemória e ahistóriada extraçãodo carvãonaregiãocarbonífera,eacimadetudo,dando-lhesuporteevalidandosuafala. Daí a importância de rever tais conceitos e compreender asdinâmicas de trocas na criação da instituição museológica e suasnarrativas.

QuandosepensanosmuseushistóricosdoséculoXIX,deve-seter em mente que estas instituições objetivavam garantir apreservaçãodosbensculturaisdosestratosdetentoresdepodere,aomesmo tempo, que forneciam identificação do visitante com opatrimônio, articulavam os conceitos de nação com a representaçãosimbólica de uma identidade (Vasconcellos, 2007). Em meados doséculo XX, veremos uma fragmentação destes e outros museus emespecialidades (a exemplo do trabalho, do mineiro ou mesmo docarvão),assegurandoapreservaçãodeculturasmaterialeimaterial–muitasvezesassociadosaafetividadeslocais–asquaisdeoutraformateriam desaparecido. De tal modo, o aparecimento destas novastipologiaspropiciouacriaçãodeespaçosmuseológicoscomooMuseudoCarvão.

Porém, mesmo dado por temáticas, algumas característicasparecem permanecer no MCAR: apresenta-se como espaço físico e

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simbólicodotrabalho,provocandomemórias,suscitandoosentimentode pertencimento da comunidade carbonífera, erigindo umaidentidade mineira a partir da legitimação do passado. Apesar doconceito de identidade operado por Benedict Anderson (2008) – anacional – estar no cerne do fim de identidades locais/comunitáriascomoamineiraarroio-ratense,éimportanteoapontamentofeitopeloautor sobre as instituições museológicas, mecanismos pedagógicossegundo Joël Candau (2011)114, na construção e consolidação damemória,dahistóriaedasidentidades,sejamelasnacionais,regionaisoulocais,atravésdesuasnarrativas.

Para a Museologia a comunicação museológica – seja elaatravésdeprojetoseducativosouaprópriaexposição–épartedeumasériedeaçõesdentrodomuseu.Todavia,paraamaioriadosvisitantes,o discurso expositivo é aquilo que os atinge, é o fim se pensado arespeito do controle do museólogo sobre a ação pedagógica, mas oinício denovas construções e relações do indivíduo consigo e com omundo. É neste momento que o visitante tem a oportunidade derealizar uma leitura do mundo/realidade dada e se possibilita uma(re)leituradesimesmoedesuarealidadenopresente.

Éatravésdoobjetomuseal,agentedeinformaçãoeconstrutorde significado, e do espaço museológico, enquanto narradorautorizado, que se constrói o discurso próprio da instituição. Assim,observada como uma das principais instâncias de mediação dosmuseus,aexposiçãomuseológica–àprimeiravista,umacomposiçãode elementos organizados em espaços preparados – elabora ecomunica determinada mensagem, sempre com uma finalidade eposicionamento ideológico bem definidos (Devallon, 2010;

114Segundoopesquisadorsãodoisospilaresosquaissefundamidentidades:a origem e o acontecimento, referidos pelo antropólogo como “pedrasnumerárias” (2011, p. 95). Para o autor, a legitimação do passado a partirdestes marcos primeiros sancionam a filiação a certas identidades, enaturalizaacomunidadeapartirdaescolhadosseusfundamentoshistóricos;bemcomoevidenciaumaespéciede“pedagogiadasorigens”quecompõemaidentidade narrativa dos sujeitos, assegurando a estrutura identitária dogrupo (Candau, 2011, pp. 98-99), tal como proposto por muitos museushistóricos, ou seja, percebem-se a origem e os acontecimentos comobalizadores temporais segundo os quais os processos de identificação sãopossíveis.

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Vasconcellos, 2007). O historiador José Bittencourt (2001) comentaqueaabertura,nadécadade1950,àsnovasdisciplinasnocampodalinguística e da semiótica possibilitou olhar para os museus comoformaçõesdiscursivas,ouseja,“comoatosdecomunicaçãolinguísticahistoricamentecondicionados”(p.159).

As exposiçõesmuseológicas vêm sendo compreendidas comoumcanaldecomunicaçãoentreapesquisaqueomuseurealizanasuaáreaespecíficadeatuaçãoeopúblico.Ocorre,porém,quenemtodosos autores entendem esse caráter comunicacional das exposições namesmadireção.

Scharer (S/F) considera que o museu visualiza, através daexposição, eventos ausentes no espaço e tempo, usando objetos queforammusealizadosequelheservemcomosignos.Daíumaexposiçãorepresentar por definição uma realidade fictícia e contribuir paravisualizar,representaroumesmoapresentaremumnovocontexto.

Meneses(1992)criticaumavisãomuitocomumarespeitodopapeldosmuseusentendidosapenascomodifusoresdoconhecimentoproduzido.Assim,paraesteautor,afunçãodasexposiçõesnãoseriaade meramente contribuir para a tão propalada socialização doconhecimento, mas fundamentalmente se constituir como umaconvençãovisual,ouseja,umaorganizaçãodeobjetosparaproduçãodesentidospredeterminados.JáBarbuy(1999)apontaqueaexposiçãomuseológicaéaquelaqueadefinecomoespaçodevisualidadeeoseupapelnaquestãoeducacionalé fundamental,poisbuscou-serecursoscada vez mais didáticos no sentido de cumprir a sua funçãopedagógica.

Por esse motivo, consideramos que a exposição deva serentendidacomoumcanaldecomunicaçãoqueestabeleceumarelaçãoentreasuapropostaexpográficaeopúblico,caracterizando-secomouma representação visual e parcial do universo do conhecimentohumano

São inúmeros os fatores que influenciam nesta comunicação,desde a formação dos profissionais, os potenciais de salvaguarda ecomunicaçãodosacervos,astensõesnoseio institucional,abuscadesoluções para os problemas conceituais e técnicos ou mesmo deaproximaçãodopúblico.Aesserespeito,sãonotóriososembatesentreregimes de representação da memória e da história, e, muitoclaramente, o MCAR mostrou-se arena de disputas na busca por

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assegurar e imortalizar discursos distintos damemória e identidademineiras,visõesdísparesporpartedoEstadoedacomunidade.

Jáseconcebeu,apartirdopensamentodeHalbwachs,PollackeCandauquememóriaeidentidadesãoconstruçõesequemantémumaíntimaligaçãoentresi.Amemóriaalémdeseletiva,coletivaeherdadaéumarespostaàsdemandasdopresente.Aidentidadetambémnãoéestática e sedá, geralmente, emoposiçãoaoOutro, tendoporpilaresfundamentais uma memória das origens e dos acontecimentos.Contudo, nenhum destes pesquisadores parece tratar da passagemdesta memória, que é coletiva e comunicada entre gerações, para amemóriainstitucionalizada,lacunaqueospesquisadoresJanAssmann(2011b; 2006; 1995) e Aleida Assmann (2011a; 2008) pretendempreencheraolançarsuateoriaacercadamemóriacultural.

O estabelecimento da memória como um fenômenosocialmentemediado,queremontaaHalbwachs,éopontodepartidapara o casalAssmann na compreensão da base cultural damemória.Dentro da dimensão social do fenômeno estudado, é necessáriodistinguira“memóriacomunicativa”–limitadaaocírculodealgumaspoucasgeraçõescapazesdetransmitirmemóriaatravésdaoralidade,práticacorrentenacomunidademineira–ea“memóriacultural”–queconsiste em formas de cultura objetivadas e cristalizadas em textos,imagens,rituais,monumentos,entreoutros(Assmann,1995,pp.126-128), tais como as festividades em torno de Sta. Bárbara (padroeiradosmineiros), bemcomoopróprioMuseudoCarvão e todo aparatoculturalqueoenvolve.

Halbwachs, de certa forma, também assinala solidez no seuconceitodememória:mesmoamemóriacoletivasofrendoconstantesmudanças, o espaço físico é visto pelo autor como ponto deestabilidade.JáapesquisadoraAleidaAssmann(2011a)relembraquenem o texto escrito ou visual detém o poder simbólico do espaço, oqualcarregauma“aura(...)quenãoéreproduzívelemmediumalgum”(p. 350). Ao refletir sobre a ligação entre memória e espaço,compreende-se a relação da comunidade carbonífera com osremanescentesdaUsinaTermelétricaCEFMSJ,pois

[...] é justamente a imagem do espaço que, em função desuaestabilidade,nosdáailusãodenãomudarpelotempoaforaeencontrarpassadonopresente–maséexatamente

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assimquepodemosdefiniramemóriaesomenteoespaçoé estável o bastante para durar sem envelhecer e semperdernenhumadesuaspartes(Halbawchs,1990,p.160).

NessesentidoaescolhadoprédioqueabrigaoacervodoMCARtambéméfatorimportante.Mesmoestandoemlocalmaisbaixoqueocentro de Arroio dos Ratos, as ruinas do Museu são avistadas comfacilidade por qualquer visitante que chegue a cidade115. Dentre osprédios do complexo industrial que poderiam abrigar o acervo, aescolhanãoestavaligadaàsuacentralidadenoterreno,mastãopoucofoi aleatória. Podendo escolher a maior edificação ou a em melhorestado de conservação, os agentes responsáveis pela restauração doMCARoptarampelaconstruçãovitaldoantigocomplexotermoelétrico,onde todaa atividadegirava em torno: aUsina. Simbolicamente estelocal, mesmo estando decrépito quando do início das atividades derestauração (fig.1), mostra-se força motriz para as memórias (boase/ou ruins) e sentimentos de pertença dos ex-operários, ao mesmotempo que traz uma aura sagrada àquilo que abriga. Sua própriahistória–doprédio–funde-secomahistóriadamineraçãonaregiãoecomadosex-mineiros,indoalém:

Nestecontexto,háumapeloaseusvisitantesparaquesesintam orgulhosos, herdeiros e “participantes” de todaaquelatramahistóricaqueaconteceualimesmoenaqualdevem se espelhar, reconhecendo-se, identificando-se e,

115Estefatotemporcontribuiçãoaleimunicipalnº646/1989,deautoriadaCâmara Municipal de Vereadores de Arroio dos Ratos, que regulamentounormasdeusoeocupaçãodosolodascercaniasdaáreatombadanoprimeiroprocessodetombamentodosremanescentes(LeiMunicipalnº639/1989):Art.1º.ReconhecendootombamentoEstadualdosremanescentesdaAntigaUsinaTermoelétricadeArroiodosRatos–Poço1,comoPatrimônioCultural,estaleiinstituinormasecritériosdepreservaçãoeproteçãodoentornodestePatrimônio,porfazerempartedaHistóriadoMunicípioedapaisagemurbana,disciplinaousoeocupaçãodosolo,asobraseposturasnestasáreaslindeirasvisando à preservação dos remanescentes e da paisagem no qual estãoinseridos,autorizaconvênioscomoExecutivoparaviabilizara recuperaçãodosremanescentesdaAntigaUsinaTermoelétricaeproteçãodoseuentorno.

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em última instância, lutando pela sua preservação(Vasconcellos,2007,p.43).

Vasconcellos (2007) ainda acrescenta a intenção de criar umvínculo simbólico entre passado-presente, vínculo este já existenteentre os ex-operários antes mesmo da criação do museu, mas queagoraabarcaasfuturasgeraçõeseoutrosvisitantes,numaespéciedelocal cerimonial e sagrado.Anderson (2008),ao tratarda construçãoidentitária a partir dos signos (institucionalizados), apresenta oexemplo dos cenotáfios, monumento fúnebre e túmulos vazioscarregadosdeimagensnacionaisespectrais;nãoseriaaUsina,decertomodo, vista pela comunidade carbonífera como jazigo/memorial dossacrifícios dos trabalhadores, ponto axiomático do imaginário daidentidademineira?

Figura1.RemanescentesdaantigaUsinaTermoelétricadaC.E.F.M.S.Japóslimpezadoterreno(AcervodoMCAR).

Retomando o pensamento de Jan Assmann, o pesquisadoracreditaqueoconceitodememóriadeHalbwachsrelaciona-seaumavontadedememória,ouseja,osindivíduosbuscamumamemóriaparapertencer, para sua identificação social. Assim, amemória coletiva éelaboradaparaqueoindivíduovivasocialmente,sendoculturalmente

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construída. Igualmente, é instância em que se dá a transmissão devalores e normas que caracterizam uma identidade coletiva,recorrendo ao arquivo cultural de tradições, arsenal de formassimbólicas, dentro do tesouro de estórias do grupo (Assmann, 1995,pp. 130-131). E também no caso das instituições museológicas, oesquecimento é fator de atenção: se lembrar faz parte do jogo deidentidades, esquecer a adversidade interna também integra aconstruçãoidentitária.Tratando-sedemuseus,“daíatendênciadetaisimagens[...]escamotearemadiversidadee,sobretudo,ascontradições,os conflitos, as hierarquias, tudo mascarado pela homogeneização aposteriorieporumaharmoniacosmética(Meneses,1993.p.209)116.

Diante desta vontade de memória, da necessidade de umreforço para o desejo do lembrar criam-se as “memórias de ajuda”,como os “lieux de mémoire”, espaços nos quais se concentram amemória nacional, regional ou de grupo, seus monumentos, rituais,costumeseetc.(Assmann,2006).OconceitocunhadopelohistoriadorPierreNoranaobrademesmonome–Leslieuxdemémoire(1984)–dizqueesses“lugares”seriamtodaa“unidadesignificativa,deordemmaterial ou ideal, da qual a vontade dos homens ou o trabalho dotempo fezumelementosimbólicodopatrimôniodamemóriadeumacomunidadequalquer”(comocitadoemEnders,1993,p.134).

Ao efetuar um inventário simbólico da França, Nora percebenestes“lugares”unidadesemblemáticasconstruídaspelosfranceseseao mesmo tempo constitutivas dos mesmos. O pesquisador francêsaindaafirmaque“sãolugares,comefeitonostrêssentidosdapalavra,material, simbólicoe funcionalsimultaneamente”(Nora,1993,p.21).OMCARencaixa-senesseperfil:espaçocompreendidocomoumlugarde memória uma vez que se constitui materialmente (são osremanescentesdaantigaunidadeprodutivadecarvãoeeletricidade),éatribuído a ele inegável valor simbólico (tanto para a comunidadecircundante quanto para os órgãos oficiais do Estado que tombaramsua estrutura e entorno), e é funcional, garantindo a cristalização damemóriaesuatransmissãocombasenanarrativaexpositiva.

116 Cabe ressaltar queMeneses está tratandoprincipalmente de identidadesnacionais em museus de história nacional, porém, a tradição do uso dasimagens na construção identitária foi herdada pelos museus históricosregionaiselocais.

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Assim,compreende-sequeomuseuélocusderepresentaçãodediscursos constituidores tanto de patrimônio, como de memórias eidentidades;equetambémé,aoapresentaressesdiscursos,oespaçopor excelência da legitimação de “verdades”. Se verdades sãosocializadas e absorvidas, criando sujeitos, permeadas por critériosideológico-políticos epelas relaçõesdepoder, épertinente inserir asconclusõesdohistoriadorPaulRicoeur (2007) sobreos usos/abusosdamemória e, consequentemente, do esquecimentopelosdetentoresde poder na construção de identidades, sobretudo, através damanipulação das formas de instrumentalização da memória, osmuseus.

Por este motivo é necessário estar atento à intencionalidadediscursiva e à virtualidade do emissor da narrativa expositiva.Bittencourt (2011) afirma que a mensagem é uma das funções dodiscurso,equeseriaatrocacomunicativaqueocorreentreaquelequeoproduzeseureceptor,estando,nocasodosmuseus,oemissorocultoatrásdocontextoconstruídopelainstituição,muitasvezescreditandoo status de verdade absoluta à narrativa. Por isso a necessidade decompreenderqueosobjetossãoapenascoisas–atésereminvestidosdepodersimbólicoecomunicativopelosindivíduos–,queaexposiçãoésuporte(talcomoo livrooéparaaescrita),equeéopesquisador,geralmentedeacordocomoposicionamentodainstituição,quemfalaeorganizaanarrativa.

A múmia é um sinal, um dos incontáveis milhões deindícios que o passado largou, desorganizados, sobre omundo. Quando situado na exposição de ummuseu, nãomostranemopassadonemomundo,masumapropostaque,dentreoutrasindicações,situaopassadoeorganizaomundo(Bittencourt,2001,p.155.Grifonosso.)

Tambémseentendeque,consoanteaosproblemaslevantados

pelos pesquisadores a partir dos objetos, são inúmeras aspossibilidades narrativas, como demonstra o pesquisador polonêsKrzysztofPomian(1990),aofazerarelaçãodossemióforoscomumafábricadesativada:

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[...] é uma sobra, umelemento remanescentedopassado.Nelanãoseproduzemmaisquaisquerobjetosdestinadosaouso.Agenteapenasaexibeaopúblico.Opúblico,tristeou embravecido, vê nos muros e nas máquinas ummonumentodoproletariadooudoscapitãesda indústria,da lutade classesoudapreocupaçãodo empresário comseus empregados, um memorial sobre a exploração dotrabalhador pela alta burguesia e sobre a acumulação docapital, ou, ao contrário, uma imagem do espíritoempreendedor,doprogressodatécnicaedaconquistademercados. Nossa fábrica tornou-se um objeto dediscussõesedasatitudes,expressãodediversasposturasem face do passado que ela corporifica. De agora emdiante, ela funcionará em um circuito semiótico (comocitadoemAssmann,2011,p.352)

Todosessesquestionamentospoderiamseraplicadostambém

aoMCAR,masquenarrativaessepatrimônioapresenta?Seomuseu,como cânone cristalizador da memória, geraria e manteria osentimento de pertença da comunidade carbonífera, que identidadeestariapresentenoseudiscurso?

SegundoUlpianoBezerradeMeneses(1993),aidentidadesoba ótica dosmuseus está vinculada (1) à necessidade de reforço, porisso a tendência conservadora e a dificuldade de aceitar o novo oudiferente,poisrepresentadescontinuidade;e(2)comaconstruçãodeimagens para assegurar o endosso social, visto que a imagética é“campo fértil para a mobilização ideológica” (p. 209). No caso doMCAR, onde, muito embora a identidade mineira esteja apoiada emaspectoshistóricos ena reafirmaçãodasmemóriasdosmineiros, elatambémécompostasegundoviésautoritário,ancoradonomanejodesímbolos.

Essa colocação vai ao encontro da diferenciação que AleidaAssmann faz entre museu e arquivo, na compreensão dos meios detransmissão e cristalização da memória cultural. Segundo apesquisadora alemã as instituições de memória ativa mantêm opassadocomopresenteapoiadonocânone,enquantoasinstituiçõesdememóriaarmazenadapassivamente,asquaispreservamopassadonopassado, referimo-nos como arquivo. Essa distinção faz alusão ao

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historiador cultural Jakob Burckhardt, que dividiu os resquíciospretéritos em “mensagens” – textos e monumentos dirigidos àposteridade – e “vestígios” – produção humana sem pretensões nofuturo. Inevitavelmente,Burckhardtdesconfiavadasmensagens, “quenormalmentesãoescritaseefetivamenteencenadaspelosportadoresdopoderepelasinstituiçõesdoEstado”117,comoéocasodosmuseusesuasmensagensnoformatodeexposição.

NocasodoMCAR,asreflexõessociaisprópriasdasinstituiçõeshistóricas (e industriais) não foram efetivas na sua construção, aocontrário, a comunidade local aparece dissolvida, e a instituiçãotornou-se instrumento de uma política de incentivo regional dogovernodoEstadodoRioGrandedoSul(nocaso,oretornodousodocarvão mineral gaúcho pelo restante do país), este últimoestabelecendo suas metas e determinando seu discurso expográfico.Tem-seciênciaqueoprocessodeconstruçãododiscursomuseológicoé sempre um caminho longo e contínuo de pesquisa, coleta,documentação e conservação do acervo, portanto, a ideia de que opatrimônioéumblocoúnicoeaexposiçãoéneutra,quemuitasvezespermeiaoimagináriodovisitanteéilusória.Sãonumerosososfatoresque influenciamnasnarrativasmuseológicas, não assumir escolhas éesgotar as possibilidades de problematização da exposição históricacom esta ou aquela representação do passado. Em função destareflexão,acredita-sequenenhummuseuéapolítico,tãopoucoofoi/éoMCAR,nãosendoàtoaquediversosagentesbuscaramestarpresentesnasuacriaçãoenadesuanarrativaexpográfica.4.ConsideraçõesFinais

A memória cultural investiga a cristalização, ou canonização,dos precipitados culturais que rompem as barreiras da transmissão 117“Thisimportantdistinctioncanbefurtherexplainedbyareferencetothecultural historian Jakob Burckhardt. He divided the remains of formerhistoricalperiodsintotwocategories:“messages”and“traces.”By“messages”he meant texts and monuments thatwere addressed to posterity, whereas“traces”carrynosimilaraddress.Burckhardtmistrustedthemessages,whichareusuallywrittenandeffectivelystagedbythecarriersofpowerandstateinstitutions; he considered them tendentious and therefore misleading.”(Assmann,2008a,pp.98-99).

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oral e do limite temporal de poucas gerações. Ela é uma forma dememóriacoletiva,nosentidodequeécompartilhadaporumconjuntode pessoas, e de que transmite a essas pessoas uma identidadecoletiva, istoé,cultural.Nesseprocessoaexposição,comosuportedeescrita118,cumprepapelprimordial,poiselacontémapossibilidadedetranscender a memória de ligação em favor da memória deaprendizado.SegundoJanAssmann:

Coisas não “têm” umamemória própria, mas podem noslembrar, podem desencadear nossa memória, porquecarregam as memórias de que as investimos, coisas taiscomo louças, festas, ritos, imagens, histórias e outrostextos, paisagens e outros “lieux de mémoire”. No nívelsocial, com respeito a grupos e sociedades, o papel dossímbolos externos se torna cada vez mais importante,porque grupos que, é claro, não “têm” uma memóriatendema“fazê-la”pormeiodecoisasquefuncionamcomolembranças, tais como monumentos, museus, bibliotecas,arquivos e outras instituições mnemônicas.119 (Assmann,2008b,p.111.Livretradução)

Acontinuidadenamemóriacomunicativavaiatéquenãohaja

maisosportadoresdetalmemória–deacordocomEcléaBosi,oquerege a atividademnêmica é a função social exercidapelo sujeitoquelembra,éaobrigaçãosocialdadaaosmaisvelhos–enquantoque,na

118 Aceita-se a analogia proposta por Meneses (1994) entre a construçãomonográfica e expográfica. Mesmo esta última configurando-se espacial evisualmente, a mesma ainda é uma forma de linguagem argumentativabaseadaemreferenciaisteóricosemetodológicos.119“Thingsdonot“have”amemoryoftheirown,buttheymayremindus,maytrigger ourmemory, because they carrymemorieswhichwe have investedintothem,thingssuchasdishes,feasts,rites,images,storiesandothertexts,landscapes,andother“lieuxdemémoire.”Onthesociallevel,withrespecttogroups and societies, the role of external symbols becomes even moreimportant,becausegroupswhich,ofcourse,donot“have”amemorytendto“make” themselves one by means of things meant as reminders such asmonuments,museums, libraries,archives,andothermnemonicinstitutions.”(Assmann,2008b,p.111).

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memória cultural a continuidade sedánãopelamemória emsi,maspela interpretação textual (Assmann, 2011b). Este texto, umamensagem nos moldes institucionais, é entendido como cânone,instância normativa e valorativa. Porém, que fique claro que aaceitaçãodasociedadedenormasevaloresnãodependedeumcânone"sacralizado", ferramenta escrita ou em qualquer outra formasimbolicamente codificada, a validadedos valores e sua traduçãoemnormas práticas efetivas baseiam-se, em vez disso, nos processos denegociaçãoeconcordânciaquefazempartedaexperiênciacomum.

O século XX passou por várias formas de recanonização comconceitos ligados à linhas de pensamento político, bem comofundamentalismos religiosos e movimentos seculares, e contramovimentos a serviço de identidades e histórias minoritárias(Assmann, 2011b). Segundo Nora (2009), a emergência dessasminoriaspelaascensãodamemórianaescritadaHistóriafoitidacomolibertadora; essemovimento evidenciauma inversãodepapéis entrememória e história, tomando grande proporção na sociedadecontemporânea. Como resultado, cada vezmais corremos o risco deanacronismos oumoralismosna escritada história; e no âmbitodosmuseus,emespecialdoMCAR,arriscatornar-serefémdopúblico,vistoquevivenciamosummomentoemque“identidade,comomemória,éuma forma de dever” (Nora, 2009, p. 9). Cabe salientar o alerta deMeneses (2000) para a impossibilidade de as identidadespermanecerem, tal como nos anos 1980, objetivo dos museus, atéporque é impossível “resgatá-las”, visto que não há como “recuperaralgoquenãoéestático,nãotemcontornodefinitivo,prontoeacabado,disponível para sempre”, ao contrário, a identidade é um “processoincessante de construção/reconstrução” (Meneses, 1993, p. 210) edeveserencaradocomoobjetodereflexão.

OMuseudoCarvãoestátemporalmentenumpassadorecente,não podendo assim ser fonte empírica da eficácia desta instituiçãocomo um cânone cristalizador da memória, tal como bicentenáriosmuseus nacionais; além disso, ainda há portadores da memória,transmissores orais de geração em geração, do legado mineiro.Todavia, como espaço institucionalizado de memória, tempotencialidade para se tornar um formador de predeterminadaidentidademediadoportextos(aexemplodaexposiçãomuseológica),porícones(opróprioespaço,asruínasdaantigaUsina)ouporrituaise

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performances(as festas e comemorações emmemóriaaomineironoespaço do museu). Feitas essas reflexões, acredita-se que o estudoaprofundado da memória e identidade culturais possam trazercontribuições para a compreensão do fenômeno museológico. Assimcomo Meneses propôs problematizar a memória e identidade nosmuseus,JaneAleidaAssmannpropõemoestudodosmeiospelosquaisaexperiênciacoletivaécristalizada;analisaraestruturadoscânonesetrazer à luz o processo que os colocou em seu lugar, ajuda-nos aentenderaspalavrasdeHorácio,poetaefilósoforomano:“aMusanãoadmitequeohomemlouvávelmorra”120.QueidentidademineiraficaráimortalapartirdoMuseudoCarvão?

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120 “Dignum laude virummusa vetatmorri.” (Horacio, Carminum IV, 8 comocitadoemAssmann,2011a,p.42).

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CORPOS,DISCURSOSEEXPOSIÇÕES:ACOLEÇÃODOMUSEU

ANTROPOLÓGICOEETNOGRÁFICOESTÁCIODELIMA(BAHIA,BRASIL)

MarceloNascimentoBernardodaCunha

UniversidadeFederaldaBahia,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-4735-3519

1.Introdução Esteensaiorelaciona-secompesquisasrealizadasaolongodosúltimos anos seguindo o fio de reflexões há muito iniciado com apreocupação em problematizar questões sobre a representação deculturas africanas e afrodiaspóricas em museus no Brasil ou noexterior. A partir do desenvolvimento de projetos voltados para aanálise sob o prisma propriamente museológico da construção dediscursos textuais e imagéticos, produzidos por instituiçõesmuseológicas e afins incluindo processos de coleta, classificação,preservaçãoeexibiçãodeacervos.Ofocoprincipalaquiaserabordadonesse trabalho volta-se para o Museu Antropológico e EtnográficoEstácio de Lima e respectivas coleções121, no intuito de apreender ocontexto que lhe deu origem, dialogando, com outras açõespatrimoniaisanteriores,contemporâneaseposterioresàsuaexistênciaque ajudam a compreendê-lo como resultante de mentalidades epráticassocioculturaisconcatenadasapolíticasdopatrimônioemodosde elaborar discursos e imaginários sobre o “outro”, neste casoindivíduosafrodescendentes.

121Desdeoanode2010,acoleçãodeobjetosafro-religiososdestemuseu,quepertenciaaoGovernodoEstadodaBahiaejádesativado,estádepositadanoMuseu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia em regime decomodato. Desde então a curadoria desta coleção está sob a minharesponsabilidade.Asoutrascoleçõesdeobjetosquecompunhamacoleçãodomuseupermaneceramnoespaçoondefuncionavaainstituição.

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Nossarelaçãocomestemuseue,maisespecificamente,comoacervo afro religioso da sua coleção, foi iniciada no ano de 2010quando,exercendoafunçãodeCoordenadordoMuseuAfro-BrasileirodaUniversidadeFederaldaBahia(MAFRO/UFBA),fuiconsultadopelaentão Secretáriada SEPROMI– SecretariadePromoçãoda IgualdadeRacial122, Luiza Bairros, sobre a possibilidade e interesse derecebermos como doação, os objetos que compunham esta seção doMuseuEstáciodeLima,órgãodoDepartamentodePolíciaTécnicadoEstadodaBahia.Naquelemomento,aSEPROMIestavaintermediando,a pedido do Governador do Estado, o processo de saída dos objetosafro-religiososdoespaçodaquelemuseu,procurandonovo localparareceber o acervo e, na compreensão da secretária Luiza Bairros, oMAFRO,porsuatrajetóriaedesempenhonasquestõesrelacionadasàpreservação do patrimônio africano e afro-brasileiro, seria o localapropriado123. Esta transferência, em certa medida, resultava de umencadeamento de ações que durou algumas décadas, a partir deprotestos de representantes da comunidade afrodescendente, emrelaçãoapermanênciadeobjetossagradosafro-brasileirosnoMuseuEstáciodeLima. Foramdiversasasações empreendidas semque atéentãohouvesseaefetivadesvinculaçãodosobjetosaoMuseuEstáciodeLima.Nadécadade90,manifestaçõeseprotestospúblicos,alémdeuma ação judicial, fizeram com que as peças afro-religiosas fossemtransferidasparaoMuseudaCidade,daFundaçãoGregóriodeMatos,órgãomunicipal deCulturada cidadede Salvador, permanecendoaliporalgunsanos.

122Noanode2006foicriada,peloGovernodoEstadodaBahia,aSEPROMI,primeira secretaria no Brasil destinada a tratar de políticas públicas paramulheres,negrosenegras, comoobjetivodeenfrentar,denunciare reduzirdesigualdadessociaiseraciaisnoestado.123Criadoem1974,einaugurado1982,peloCentrodeEstudosAfro-Orientaisda Universidade Federal da Bahia, com o objetivo de coletar, preservar edivulgar acervos referentes às culturas africanas e afro-brasileiras, com oobjetivodeestreitarrelaçõescomaÁfricaecompreenderaimportânciadestecontinente na formação da cultura brasileira, incentivando, por outro lado,contatos com a comunidade local. Sobre o museu verhttp://www.mafro.ceao.ufba.br/

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No entanto, a transferêncianão implicou a desvinculação dosobjetosdaesferasimbólicaeadministrativadoMuseuEstáciodeLima,passandooespaçoexpositivocriadoparareceberacoleção,noMuseuda Cidade, a denominar-se Núcleo II, do referido Museu Estácio deLima. Após alguns anos, os objetos retornaram para o ambiente doDepartamento de Polícia Técnica, por conta de uma liminarapresentadapor ex-diretorado InstitutoMédicoLegal edoMuseu, amédicalegistaMariaTheresaMedeirosPacheco,discipuladopatronodoMuseu. Nomomento do retorno, o Estácio de Lima já não estavaabertoaopúblico. Aspeças teriam ficadoesquecidas e fadadas ao abandonoe àdestruição, não fosse duas reportagens/denúncia, de autoria dajornalistaCleidianaRamos,publicadasemjulhode2010,nojornaldemaior circulação do estado da Bahia, à época, repercutindo junto aogovernador do Estado, que determinou a retirada do acervo dasinstalações e da jurisdição do Museu Estácio de Lima. Foi nessemomento,comanegociaçãoacargodaSEPROMI,quetivemoscontatocomacoleção,porcontadodepósitodaspeçasnoMAFROeoiníciodaminhacuradoriaqueduraatéopresentemomento. Para o encaminhamento do processo foi instituída umacomissão composta por autoridades de religiões de matriz africana,intelectuais e representantes do governo estadual e da UniversidadeFederaldaBahia–UFBA,visandorealizaranáliseinicialdoqueaindaexistia do acervo sacro. Após algumas reuniões e análises entre aspartes envolvidas, a ideiadedoaçãoparaoMAFRO foi transformadaemdepósitoporcomodato,peloprazodedezanos,eemdezembrode2010 as peças foram depositadas neste museu universitário,estabelecendo-se que para dar sustentabilidade ao depósito eoperacionalizar ações voltadas para a preservação do acervo, seriaelaboradoumTermodeCooperaçãoTécnica,paraodesenvolvimentodas seguintes ações: 1 – Instalação de mobiliário complementar naReservaTécnicadoMuseuAfro-Brasileiro;2–Realizaçãodelimpezaeacondicionamento do acervo; 3 – Desenvolvimento de pesquisa paracomplementação dadocumentação do acervo; 4 – Elaboração de umcatálogo da coleção e 5 – Produção de Exposição Temporáriaapresentandoo acervo, seu contextode formação e sua trajetóriadeutilização.

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O termo foiefetivamenteelaborado,noentanto,acooperaçãonão se concretizou, no entanto, apesar da não implementação dosrecursos do Estado para desenvolvimento das ações previstas, oMAFRO assumiu a responsabilidade de execução das mesmas,realizando, com recursos próprios e oriundos de alguns editaisespecíficos, e através da articulação com o Curso deMuseologia daUniversidade Federal da Bahia, com participação de docentes ediscentes, nos níveis de graduação e pós graduação, a realização damaioria das ações planejadas desde higienização, armazenamento edocumentação preliminar do acervo, até o desenvolvimento depesquisas que têm proporcionado as bases de preparação para apublicaçãodeumcatálogoeumaexposição,comprevisãopara2020. É importante informarque a transferênciadosobjetosparaoMAFRO,não foi acompanhada, alémdeuma listagemde arrolamentodos objetos, de qualquer outra fonte documental, que permitissecompreender e contextualizar o acervo recebido, para além da suamaterialidadeedoqueerapossívelsabersobreeleapartirdefontesparalelas.Diantedessasituaçãoadocumentaçãopreliminarrealizadaconfigurou-se, apenas, como a análise do estado de conservação decada objeto e das suas características formais e iconográficas. Porconta disso, como estratégia de curadoria, desde o ano de 2011,passamos a articular as investigações sobre essa coleção ao nossoProgramadeOrientaçãoemIniciaçãoCientíficaePósGraduação124.

124 2011/2012 - Projeto deAçõesAfirmativasMuseológicas doMuseuAfro-Brasileiro: Estudo da coleção Estácio de Lima de artefatos religiosos afro-brasileiros; 2012/2015 - Coleção Estácio de Lima - Tratamento, Estudo eDivulgaçãodeumacoleçãotestemunhadaintolerância;2015/Atual-ColeçãoEstácio de Lima - Tratamento, Estudo e Divulgação de uma coleçãotestemunhadaintolerância(EstudodaaçãodaDelegaciadeJogoseCostumes(DJG)apartirdoseuacervodocumentalenotíciasdejornais);2015/Atual-Dacoleçãoàcomunicação:Umapropostadeinventáriodepráticasediscursosmuseológicosreferentesaculturasafricanaseafro-brasileiras,emmuseusdacidade de Salvador; 2017–Atual - Museus: Velhos acervos e novasperspectivas.Construindonovosdiscursosapartirdeantigascoleções.Entreum dos resultados dessas investigações podemos destacar a dissertaçãoorientada pormim, realizada pelamestranda DoraMaria dos Santos Galas,intitulada O Som do Silêncio: Ecos e Rastros Documentais de Vinte e SeisEsculturas Afro da Coleção Estácio de Lima, defendida em 2015, no

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No decorrer dos primeiros anos da pesquisa e diante dainexistência de documentação disponível que permitisse avançar noconhecimentodoscontextosdacoleçãocomoumtodoedecadaobjetoque a compõe, fomos elaborando questões para nortear as nossasinvestigações,apartirdaperspectiva incomodadaorigemespúriadepartedoacervoafro-religioso,como frutodaviolênciadoEstado,emrelação à comunidades religiosas afro-brasileiras. No entanto, nessareflexão, nos demos conta de que havia uma questão que seapresentava como agravante e necessária de ser compreendida, poisindependentedaorigemdosobjetosdepositadosnacoleçãoEstáciodeLima,ocontextomuseológicoeexpográfico,aoqualtaisobjetosforamsubmetidosdurantedécadas,apartirdeumaexposiçãomarcadapeloestigma, eraumproblemade fundoqueprecisava serdetidamente edetalhadamente investigado. E aqui nos referimos à totalidade doacervoquecompõeacoleçãoenãosomenteaoqueérelacionadoaouniversoafro-brasileiro. O universo simbólico, os discursos e os campos semânticosproduzidos pela antiga exposição do Museu Estácio de Lima,implicavam-se à questões relacionadas a crimes contra a economia(falsificação de dinheiro, jogos de azar e golpes econômicos), crimescontra a ordem social (cangaço, consumo e tráfico de drogas),teratologia (anomalias congênitas, entre outras), medicina legal(acidentes trágicos e crimes), associandoosobjetospertencentes aouniverso afro-brasileiro, notadamente o Candomblé, com todas estasquestões“desviantes”. A partir da necessidade de compreender oMuseu Estácio deLima em sua totalidade, a partir de 2013 começamos a buscarinformações que possibilitassem a recuperação, ainda quefragmentária, do seu contexto expositivo, informacional, desde aexpografia,suasvitrines,imagens,agrupamentosdeobjetos,etc.Nesteano fomos contatados por equipe envolvida na organização da 3ª.

PPGMUSEU/UFBA. Tais investigações vêm sendo realizadas articuladas aoGrupodePesquisacredenciadopeloCNPq–ObservatóriodaMuseologianaBahiadoqual sou líder juntamentecomaprofa.DraSuelyM.Cerávolo,nasseguintes Linhas de pesquisa - Museologia e Memória Afro-Brasileira eHistóriadaMuseologianaBahia.

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Bienal da Bahia125, que estava interessada em utilizar o acervo doMuseu Estácio de Lima, depositado no MAFRO, em ações da Bienal.Estaideianãofoiconcretizada,poiscomodecisãocuratorial,amesmasó será apresentada novamente ao público como resultado daspesquisasqueestãosendorealizadasaolongodosúltimosanos.Aindaassim,porcontadestecontato,passamosaintegrargrupodetrabalhoque teve acesso ao acervo do Museu Estácio de Lima, que ainda seencontravanoespaçoondeanteriormentefuncionara. AlémdoacervoquerestavadoantigoMuseu,tivemosacessoadocumentos administrativos, listagens de peças, listagem deorganizaçãodevitrinesemódulos, relaçãodeetiquetas,entreoutros.Esteconjuntodedocumentos,aindaquemuitofragmentado,ampliouanossa percepção sobre a concepção do Museu Estácio de Lima. Oconjuntodedocumentoseobjetoslocalizados(quase600)foiutilizadopara a realização de módulo expositivo da Bienal, do qual fiz parte,denominadoArquivoeFicção,instaladonoArquivoPúblicodoEstadodaBahia126. Neste texto, apresentamos questões sobre a história econfiguraçãodoMuseu Antropológico e Etnográfico Estácio de Lima,queforampossíveiscotejarapartirdorastreamentodasinformaçõescontidas nessa documentação encontrada, em diálogo com outrasfontes documentais. Os fragmentos documentais encontrados(documentos escritos, iconográficos e objetos diversos) ajudam aperceber,mesmoqueparcialmente,oquefoiesteMuseuesuainserçãono cenário de construção e difusão do racismo científico e suapopularizaçãonoBrasil, comoreflexodemovimentosimilarocorridonoséculoXIX,nasgrandesmetrópolesilustradasdeentão. 125 As duas primeiras bienais de arte daBahia foram realizadas em1966 e1968.Emplenoregimemilitar,asegundafoiabruptamentefechada.Em2014,a 3ª. Bienal, realizada pelo Museu de Arte Moderna da Bahia, teve porobjetivodialogarcomasduasprimeiras,refletindosobreaquelemomentoeseus reflexosedesdobramentosnaatualidade.ABienalocorreude29/05a07/09 de 2014, ocupando 54 espaços, distribuídos por 32 cidades, compúblicoaproximadode181milpessoas.126Adocumentaçãoencontradaeutilizadanomóduloexpositivo foi tratadapelaequipedearquivistasdoArquivoPúblicodoEstadodaBahiaehojeseconstituicomoumfundodocumentalreferenteaoMuseuEstáciodeLima.

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2.AntecedentesdoMuseuAntropológicoeEtnográficoEstáciodeLima–aFaculdadedeMedicinadaBahiaesuascoleções A história do Museu Estácio de Lima está articulada a duasinstituições,aFaculdadedeMedicinadaUniversidadeFederaldaBahiae o Departamento de Polícia Técnica da Secretaria de SegurançaPúblicadoEstadodaBahia. Váriasforamas formasdeaquisiçãodaspeças de sua coleção, formada por objetos relacionados à MedicinaLegal, à contravenção (tráfico e consumo de drogas, falsificação dedinheiro, golpes contra a economiapopular), Antropologia/Etnologia(Cangaço,Culturaindígena,AfricanaeAfrobrasileira)eCandomblé. Das investigações é possível depreender que este Museurelaciona-seàdiversascoleções/museusdaFaculdadedeMedicinadaBahia,desdeoséculoXIX,comoindicaminformaçõesdaGazetaMédica(publicaçãodaFaculdadedeMedicina)edasMemóriasdaFaculdadedeMedicinadaBahia(Relatórios sobre suas atividades, publicadosacada ano), destacando-se, entre estas, a Coleção do Médico NinaRodrigues,fundadordos“estudossobrearaçanegra”noBrasil,umdospioneirosdadivulgaçãoeelaboraçãodeteoriasraciaisentrenós127. Por sua vez, a relação desta coleção com o Departamento dePolíciaTécnicadaSecretariadeSegurançaPúblicadoEstadodaBahiase deu, inicialmente, quando os serviços de Medicina Legal,anteriormente associados à Faculdade de Medicina, passaram a serresponsabilidadedoEstado,tendoporconsequênciaatransferênciado

127NinaRodrigues-Nasceua4dedezembrode1862,noEstadodoMaranhão,filhodedonodeengenhoedemãedescendentedefamíliaibéricajudaica.Em1882 ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, permanecendo até oquartoano(1885),quandosetransferiuparaaFaculdadedoRiodeJaneiro.Assumiu em 1889, a Cadeira de Clínica Médica na Faculdade da Bahia.Publicou,naGazetaenoBrasilMédico,doRiodeJaneiro,oartigoOsmestiçosbrasileiros, classificado como ‘anthropologia patológica’, inaugurandonacionalmente a difusão de teorias raciais sobre a população brasileira. Em1891 foi criada a Cadeira de Medicina Legal nas Faculdades de Direito,instituindo-se o ensino prático nas delegacias. Por conta daMedicina Legal,anunciou em 1892 a intenção de criar um museu dedicado a este tema.Menciona pela primeira vez na Gazeta referências às doutrinas da escolapositiva italiana, aoanalisar o crânio de Lucas daFeira, bandido famosodaBahia.

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Museu que estava ligado ao Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.Assim,oMuseufoitransferidodoâmbitodaUniversidadeFederal,edesuas instalações no Centro Histórico de Salvador, para a tutela doEstado, ligando-se ao Departamento de Polícia Técnica, situado nasinstalações inauguradas no Vale dos Barris. Neste local passou a serapresentadocomgrandeíndicedevisitação,aindamaiordoqueoqueocorria na sua sede anterior. A relação do Museu com o universopolicialdoEstadodaBahiasedeu,também,porcontadepartedoseuacervo tersidoadquiridaatravésdaaçãopolicialocorridanacidade,em processo de repressão a manifestações culturais de origemafricana,notadamenteasrelacionadasàexpressãoreligiosa. De fax encaminhado pela Superintendência de Cultura doEstadoparaaDiretoriadeMuseusdoEstado,selêqueO Museu Antropológico e Etnográfico Estácio de Lima foi criado ...anexo ao Instituto Médico Legal. A sua denominação foi umreconhecimento aos trabalhos do Prof. Estácio Luis Valente de Lima,mentor e seguidor dos passos dos mestres Nina Rodrigues e OscarFreire128....Noanode1901,NinareúnecoleçõesdeAntropologiafísica,AntropologiaCriminal,AntropologiaCulturaleAnatomiaPatológicaeformaoMuseudoLaboratóriodeMedicinaLegal,emquepreservavaobjetos das culturas das raças formadoras do povo baiano, portantoobjetosindígenas,afroeindo-europeus.Grandepartedesteacervofoidestruídoemincêndioocorridoem1905.Em1915,oprofessorOscarFreire de Carvalho, então titular da cadeira de Medicina Legal, fezreinaugurar o Museu, aproveitando peças salvas do incêndio, eacrescentando novos materiais, principalmente coleções de peçashistóricasdaGuerradeCanudos.Quandodaocupaçãoda cátedradeMedicina Legal, em 1926, pelo prof. Estácio de Lima, o Museu énovamenterevitalizadoeem1958emreconhecimentoaotrabalhodoprof. Estácio de Lima129, por força de depósito legal, o então 128OscarFreiredeCarvalho-NasceuemSalvadora3deoutubrode1882,faleceu em São Paulo a 11 de janeiro de 1923. Formado na Faculdade deMedicina da Bahia, foi discípulo de Nina Rodrigues, de quem herdou ointeresse pela Medicina Legal. Assumiu a cátedra de Medicina Legal e foidiretor do Serviço Médico Legal da Polícia. Em 1912, com Alfredo Britto,diretordaFaculdade,criouoInstitutoMédicoLegalNinaRodrigues.129 Estácio Luiz Valente de Lima. Nasceu em 1897, em Marechal Deodoro,Alagoas. Faleceu em 1984, em Salvador, aos 87 anos de idade. Em 1916

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governador Juraci Magalhães, cria o Museu Antropológico eEtnográficoEstáciodeLima,comorepartiçãodoInstitutoMédicoLegalNinaRodrigues.(Superintendência,1999,s.p.) É importante destacar que apesar do documento acimareferenciar a relação direta de parte do atual acervo com a antigacoleção do médico Nina Rodrigues, não há nenhuma documentaçãoque permita afirmar, com segurança, que peças da antiga coleçãoteriam migrado para a atual, inclusive, a única fotografia queencontramosdoacervodoNina,publicadanasuaobraOsafricanosnoBrasil, não contém nenhum objeto que possamos identificar comopresentesnaatualColeçãoEstáciodeLima.Sobreaperdadesseantigoacervo, corroborandoanossa hipótesede ausênciade suas peças na

ingressa na Faculdade deMedicina da Bahia.No ano de 1926 foi aprovadocomo professor catedrático de Medicina Legal da Faculdade de Medicina eempossado diretor do serviço Médico Legal do Estado, o Instituto NinaRodrigues. 1929 – Cria o Laboratório de Criminalística “Afrânio Peixoto”,anexoaoInstitutoNinaRodrigues.1932–ComArthurRamos(seuassistente)realiza estudo antropológico e sociológico criminal dos cangaceiros “VoltaSeca” e “Passarinho”, presos no interior daBahia. 1936–Realiza pesquisassociológicas pelas regiões do Cangaço, na Bahia. 1938 – Faz o estudoantropológico-criminaldascabeçasdeLampeãoeoutroscangaceirosdoseugrupo,mortosedecapitadosemcombateediscordadasteoriasdoLombroso,e relaciona o cangaço a aspectos sociais. 1941 – Promove na FaculdadeCongressodeMedicinaSocial.Recebeacabeçaeobraçodireitodocangaceiro“Corisco” para estudo antropológico-criminal. Discorda mais uma vez dasteorias de Lombroso e afirma o cangaço como patologia da sociedadenordestina. 1948 – Realiza estudo comportamental de bandidosremanescentes do Cangaço que se encontravam presos. 1949 – Analisaprocessos de cangaceiros verificando a possibilidade de sua recuperaçãosocialvialiberdadecondicional.1950–ConseguedoPresidentedaRepúblicaliberdade condicional para antigos cangaceiros. 1956 – Inaugura o MuseuEstáciodeLima.1965–Publicao livroOMundoEstranhodosCangaceiros.1966 – Realiza pesquisas sobre a cultura e a civilização negra na ÁfricaOcidental. Participa do Festival Internacional de Artes em Dacar. 1972 –Reinaugura o Museu Antropológico e Etnográfico Estácio de Lima. 1978 –ParticipadeconsultasobreasnovasinstalaçõesdoMuseuEstáciodeLima,noComplexoArquitetônicodoDepartamentodePolíciaTécnicaemconstrução,noValedosBarris.1979–InauguraçãodoComplexoArquitetônicodosBarris.PublicaolivroVelhoeNovoNina.(notanossa)

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atual coleção, transcrevemos trecho de artigo necrológico emhomenagemaoNinaRodrigues,publicadonaGazetaMédicadeagosto:Seu laboratório deMedicina Legal tinha-se constituído um centro deestudos especializados, tendo sido nele elaborado diversos trabalhosdo mestre e dos seus auxiliares, bem como de alguns alunos daFaculdade;achavam-seempreparopesquisasdealtovalorsobmaisdeumpontodevistacientífico,quandooincêndionefastoquedestruiuamaior parte da Faculdade da Bahia, em 1905, tudo consumiu,reduzindoa cinzas o trabalho demais dedez anos depersistência eestudos ininterruptos. Foi esteumgolpeprofundovidradono ânimodo emérito professor, cuja face foi orvalhada pelo pranto, quando seviudiantedoquadrodesolador!(GazetaMédica,1906,pp.61-62) Outranota encontrada relatao incêndio,masnãoé suficientepara elucidar a questão referente às perdas decorrentes desseepisódio:Incêndio. Às 9 e meia da noite de 2 para 3 de março, declarou-seincêndio no edifício da Faculdade. O fogo partiu do Almoxarifado,estendeu-se por toda a parte do edifício, que constituía o antigoHospital de Caridade, destruindo completamente a Biblioteca, osLaboratórios de Medicina legal, Clínica, Bacteriologia e AnatomiaPatológica e a Capela interna do antigo convento dos Jesuítas .... Dadestruiçãototalforamsalvos...oslaboratóriosdeHistóriaNaturaledeHistologia,porçãoúnicadoantigoHospitalquenãofoipresacompletadas chamas. O arquivo da Faculdade, vizinho do Laboratório deMedicinaLegal, foi salvopelos empregadosda Secretaria .... Graças ainolvidável dedicação e à coragem com que alunos das EscolasSuperiores, professores e empregados desta Faculdade, empregadosnocomércioepopulares,procederamnaárdua fainaderemoçãodosobjetos existentes nos laboratórios, museu e outras dependênciasdesta Faculdade, foram salvos, embora em parte danificados, muitosdosaparelhos,utensílios,móveis,coleções,etc. .... isolaramdofocodoincêndio a ala em que está o salão nobre e a que estão a sala daCongregação, a dos lentes, o gabinete da Diretoria, a Secretaria, oArquivoeoMuseunopavimentosuperiorenoinferioroslaboratóriosde Fisiologia, Farmacologia, Odontologia, Terapêutica e o Anfiteatron.2. Anão ser opéssimo serviço de extinçãode incêndios, a faltadematerial para ele necessário, a carência absoluta de água durante

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horas,afaltadeordemededireçãonesteserviço,émuitoprovávelquese tivesse limitado o incêndio ao Almoxarifado, não se tendo alamentar a perdados tesouros indubitáveis contidos na Biblioteca, adestruição da artística e histórica capela dos Jesuítas, que estavaencravadanasconstruçõesdaFaculdade,adoslaboratóriosqueacimame referi, especialmente a rica coleção existente no laboratório deMedicina legal, fruto de longos anos de diligente esforço e base dospreciosos trabalhos científicos do sábio professor Nina Rodrigues.(MemóriaHistórica,1905,pp.7-8) Porestanotanãoépossíveldimensionarexatamenteoquefoiperdido. Ao mesmo tempo em que se afirma que o museu foipreservado,informa-sequeacoleçãodolaboratóriodeMedicinalegaldoNina teria se perdido. Fica, portanto, a seguinte indagação: o quecomporia a coleçãodesse laboratório?Aspeças etnográficasdoNinaestariamaíincluídas?Emoutrasnotas,encontramosa informaçãodequeoMuseudoNina teria sidodestruído totalmenteneste incêndio.Sendoassim, confirma-se ahipótesedequenenhumadassuaspeçasteriasidolegadaàcoleçãoatual. Apesardocaráterpoucoelucidativodanota,muitosanosmaistarde,oprofessorEstáciodeLimarememoraoqueteriasidoacoleçãodo professor Nina Rodrigues, em livro de sua autoria, denominadoVelho e Novo Nina. Importa lembrar, que o professor Estácio nãochegouaconheceroantigomuseu,considerandoqueasuachegadaaSalvadorfoiposterioraoincêndio,inclusiveàmortedeNina:Nina amava aquilo tudo, e mais o seu pequenino Museu deAntropologia Criminal, em formação. Algumas coisas inestimáveis aliestavam, inclusive, sabidamente, caveiras de delinquentesfamigerados,ocrâniodeLucasdaFeira130eaprópriacabeçadopobre 130 Lucas Evangelista – Nascido em 18/10/1807, na cidade de Feira deSantana(BA)-mortoem25/09/1849.Filhodeescravos,aolongodavidateveodireitodepossetransferidoparasenhoresdiversos.Em1828fugiuparaasmatasdacidadedeFeira,juntando-seaumaquadrilhadebandidos.Foipresoem1847.Teveobraçoamputadoporcontadeferimentos.Julgadoempraçapública,em1848,foicondenado,sendoenforcadoem1849.Naatualidadeanarrativa sobre a sua existência é controversa. Há historiadores queargumentamqueelefoiumjusticeiro,revoltadocontraacontraaescravidão,jáoutrosrelatamquesuavidafoimarcadapelocrime,semenvolvimentocomacausaabolicionista.Independentedavisãorelativaasuasações,considera-

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emalsinadoAntônioConselheiro131, trazidadeCanudos ...eoferecidaao núcleo do Museu de Antropologia Criminal, criado por Nina.SouberamAfrânioPeixoto,irrequietoebrilhantediscípulodeNina...eoutros estudantes, que iriam inimigos da cultura arrancar do pobreMuseu pequenino do Nina, as cabeças humanas, os crânios dosdelinquentes famosos, e nem sei que mais ... para jogarem fora.Reuniram-se cinco ou seis alunos da Faculdade ... pularam muros earrombaram portas esses rapazes digníssimos e roubaram aspreciosas peças de Antropologia Criminal, patrimônio da Cadeira deMedicina Legal e as esconderam numa pequena fazendinha emBrotas....Oscoveirosdacultura,muitocedinho,quando forambuscaraspeçashumanas, “acharam”o vazio... Atéque a campanha serenou,voltandotudoásmãosdeNinaaquem,todavia,ofuturonãodistante,

sequeelefoiumdosprincipaisarticuladoresdomovimentoconhecidocomocangaço,naprimeirametadedoséculoXIX.(Notanossa)131AntônioVicenteMendesMaciel–Nasceuem1830emQuixeramobim,noCeará e morreu em 1897, em Canudos, na Bahia. Foi um líder religiosobrasileiro.Em1861migraparaossertõesdoCariri-CE,polodeatraçãoparapenitenteseflagelados,iniciandoaíumavidadeperegrinaçõespelossertõesdonordeste. Já em1874,écitadopelaimprensacomopenitenteconhecidonos sertões. Em 1877, o Nordeste do Brasil sofre uma grande seca,aumentandoonúmerodemiseráveisaperambularpelosertão.Asituaçãoéacompanhada com o surgimento de bandos armados de criminosos eflagelados que promovem justiça social com as próprias mãos. SuanotoriedadecrescecomoConselheiroouo"BomJesus",encaradocomoumafigurasanta,umprofeta,enviadoporDeusparaosocorrodosmiseráveis.Em1893,jáencaradocomoum"foradalei",peloEstado,decidesefixaràmargemdo Rio Vaza-Barris, na Bahia, num pequeno arraial chamado Canudos,nascendouma comunidade onde todos tinhamacessoà terraeao trabalho,reduzindoafome.Em1896édadoinícioaumasériedeataquesdetropasdogoverno com o intuito de dar fim à comunidade. Entre abril e outubro de1897 ocorre a quarta e última expedição contra Canudos, com cercoimplacável.Em5deoutubrosãomortososúltimosdefensoresdeCanudos.Ocadáver de Antônio Conselheiro é encontrado enterrado no Santuário deCanudos, sua cabeça foi cortada e levada até a Faculdade de Medicina deSalvador para ser examinada pelo Dr. Nina Rodrigues. O arraial foicompletamente destruído. O ataque ao arraial configura-se como genocídio,calculando-se que mais de 25.000 pessoas foram mortas no episódio daGuerradeCanudos(Notanossa)

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haveriadeferir,nessemesmoâmbito,àscustasdeoutrafatalidade:oincêndio.(Lima,1984,p.55) O comentário do Professor Estácio, ainda que não permitaentender o fato em detalhes, evidencia a existência de algumaresistência quanto ao tipo de coleção realizada por Nina Rodrigues.Não é possível, no entanto, aferir exatamente quais teriam sido osargumentos dos supostos “coveiros da cultura”. É interessanteperceberqueEstácio,emnotaseguinte,nomesmolivro,queixa-sedemaistardetambémtersofridosubtraçãodoseuacervo,aindaquenãoinformeemquedatateriaocorridooproblema.O bem e o mal se sucedem neste mundo, repito nos solilóquios deminhavida:padeciangústiassemelhantes...LevaramnossasmelhorespeçasdeAntropologiaCriminaleasdestruíramdevez.Outrosmuitosdocumentos, não menos preciosos, também destroçaram. E quempromoveu a destruição do Museu Estácio de Lima foi quem menospoderia fazê-lo.... Um assistente, a quem, no desemprego, estendi amão,eoleveiatéali...Cousasquenãosedefinem.(Lima,1984,pp.55-56) Aqui, mais uma vez encontramos relato que não apresentadetalhes do ocorrido. Diante das palavras do autor seguimos com asseguintes questões: Qual teria sido o motivo do ataque? O que foisubtraído? De quem a autoria? Provavelmente, no futuro, oaprofundamento dasnossas pesquisas aindapoderá responder essasindagações.Mas o que chamaa atençãonestasduasnotas é omodocomo Estácio classifica os acervos colocando-os na categoria deAntropologia Criminal. Tal classificação que deu o tom do MuseuEstácio de Lima, reforça ainda mais, como absurda, a inclusão deelementosdoCandomblénoacervodestemuseu,poisissoenquadraapráticareligiosanoroldacriminalidadeposiçãoque,naverdade,eracondizente com o tratamento científicodadoa estasmanifestações àépoca,comoveremosmaisadiante. No entanto, independente de relação direta entre os doismuseusemquestão,éfatodequeahistóriadoMuseuEstáciodeLimaestáancoradaemumpercursodaFaculdadedeMedicinadaBahia,noquedizrespeitoaoensinoarticuladoàformaçãodecoleçõesmédicaseetnográficas, com a instalação de espaços indicados como museus,refletindo tendênciadaépocanosprincipaiscentrosde formaçãoemmedicinadomundo.Da leituradepublicaçõesdaEscola,percebemos

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que desde a segunda metade do século XIX existiram ali espaçosvoltadospara apreservação, exposição e educação. Sendode1891amaisremotanoticiaencontrada,atéagora,pornós.Museu–Desde3dejaneirode1891édiretordomuseudafaculdadeoSr. Dr. João Pedro de Aguiar. Do relatório por ele apresentado àdiretoria em data de 7 de Dezembro de 1891, transladamos asseguintes informações: “Existem, no museu, atualmente 177 peças,sendo137modeladasemcera,1emgessoe12ósseas,todasembomestado e mais 27 também modeladas em cera, porém estragadas.Lembrandodenovoav.sa.ex.(sic)aaquisiçãodeummodeladorparaa reprodução dos casos interessantes, que se apresentarem nasdiversas clinicas do cursomédico e cirúrgico, espero que v. ex., quetantas provas tem dado de interesse pelo engrandecimento daFaculdade,nãodeixarádeprovidenciarnosentidodetornaromuseuameucargo,dignodemereceraconcorrênciadosalunosedopúblico”.(Fonseca,1893,pp.53-54) Desse mesmo período, em que se relata a existência dessemuseu, o Código de disposições comuns às instituições de ensinosuperiordependentesdoMinistériodaJustiçaeNegóciosInterioresde1892 definia, entre outras questões, no capítulo III, intitulado Doslentes e auxiliares de ensino (Art.46) que “Haverá nas Faculdades deMedicina um chefe de trabalhos anatômicos e do museu anatomo-patológico, assistentes, internos de clínica e parteiras, cujo número,deveres e direitos serão consignados nos regulamentos especiais”.(GazetaMédica,1893,p.305) No Esboço Histórico da Faculdade deMedicina, publicado naGazetaMédicade1901,lemos,semmaioresdetalhamentos,queexistia“... um museu muito bem começado e uma biblioteca...”. (GazetaMédica, 1901, p.428). Dois anos mais tarde, em relatório do diretorAlfredoBrittoencontramosreferênciaaummuseuanatômico:A biblioteca sofreu transformação radical, transferida para o vastocômodo que era ocupado pelo museu .... o museu anatômico foitransferidoparaasduassalascontiguasàsecretaria,sendoremetidaspara o laboratório de história natural as avultadas coleções depássaros e de minerais que ali se achavam indevidamente.” (GazetaMédica,1903,pp.454–455) As notas acima, e outras às quais tivemos acesso, revelam aexistência demuseus na Faculdade deMedicina desde o século XIX.

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Aindaquenãotenhamosinformaçãosuficienteparacaracterizarcadaumdeles,aquestãodaanatomiaérecorrente,apartirdestesespaçosusadoscomosuporteparaoensino.AideiademuseusecoleçõesemFaculdades deMedicina (seguindo o espírito da época) era bastanteforte,inclusivecomapublicaçãodedecretosvoltadosparaacriaçãodecoleções e espaços expositivos de apoio ao desenvolvimento daspesquisasmédicas.Aindaque haja referênciadequeNinaRodriguesteria criado o “seu” museu em 1901, em nenhuma das notas desteperíodoforamencontradasinformaçõessobreomesmo. AindaemrelaçãoaoEsboçoHistóricode1903,chamaatençãoareferênciaaum“laboratóriodehistórianatural”,nãosendopossívelcompreender no texto, se o autor está referindo-se a laboratório daprópriaFaculdade,ourelatandooenvioparainstituiçãoexterna,jáquesabemosquenomesmoperíodohavia,nacidadedeSalvador,espaçocom coleção com estas características. Caso do Museu do LiceuProvincial, a essa altura, Ginásio da Bahia (denominação de 1895 a1947), que foi criado a partir da doação de produtos naturaisrecolhidos pelo viajante francês Jean-Baptiste Douville, para aadministração da Província da Bahia em 1835, acomodada nosprimeiros tempos na Faculdade de Medicina, gerando atritos epressões sobreo governo localatéque instaladonoLiceuProvincial,porsuavezcriadoem1836(Cerávolo&Rodriguez,2018). A manutenção, ainda que precária, de espaço destinado aresolveraquestãodaobrigatoriedadedoensinodeanatomia,apartirdecoleçõesdepatologia,novamenteapareceem1906:OMuseuAnatômico já se achadefinitivamente instaladoemcômodorecentemente construído. Lamentável é o seu estado de pobrezaachando-sedesprovidocompletamentedomaterialindispensávelparaofimaqueédestinado.Existemapenasalgumaspeçasqueescaparamdo incêndio. A designação de verbas, a criação de um lugar demodelador,àexemplodoquesefaznaFaculdadedoRiodeJaneiro,éindispensávelparaquepossaprestarserviçosaoensino.Quemjátevea felicidadede admiraras riquíssimas coleções existentesnão sónasuniversidadesdaEuropa,comseuspróprioshospitais,arrecadandoosmais variados e raros espécimes de patologia, há de por forçaentristecer-sediantedanossapobrezanoassunto,quereputamosdegrandíssimavantagemcomomeiodeinstrução.(Freitas,1906,pp.30-31)

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As dificuldades continuam sendo tema de notas nos anosseguintes:Museu– É esta uma das seçõesmenos favorecida daFaculdade. Emfaceda grande importânciaque representamaspeças anatômicasnoensino da Medicina, a pobreza do museu da Faculdade só encontraexplicaçãonafaltadeverbaparacompradeespécimesanatômicos,dosutensílios indispensáveis a conservação das peças frescas eprincipalmente na carência de um modelador que reproduza osespécimesqueseapresentamnasclínicasdaFaculdade.Éprecisoquetão útil instituição seja dotada de coleções que, representando osvariadosespécimesdapatologiaedosdiversosramosdaanatomia,ocoloquememcondiçõesdepodersatisfazerosseuselevadosdestinos.(Pacheco,1908,s.p) Taisnotasrevelamumparadoxo:apesardoreconhecimentoenecessidadedomuseucomoespaçoparaoensinoeaprendizagem,osrecursos destinados para a sua manutenção eram inferiores às suasnecessidades,fazendocomqueosmesmosnãoconseguissemcumprirdemandas existentes. As notas indicam, também, a existência de umMuseuAnatômico.Seriaoquefoisalvodoincêndio?ouseriaomesmochamado, em nota anterior, deMuseu deMedicina Legal? A questãonão fica esclarecida.Aqui énecessário atentarparao fatodequenocontexto da época, coleções científicas de trabalho, podiam serdenominadasgenericamentedemuseu,sendopossívelquenoespaçoda Faculdade esta confusão ocorresse, ao menos nos relatos, entremuseu,propriamentedito,ecoleçõescientíficas,destinadasaestudo. No âmbito dos espaços de coleção, tratamento e exibição depeçasexistentesnaFaculdadedeMedicina,destaca-se,comreferênciadeexistência,desdemeadosdoséculoXIX,aquelequefoicriadopeloprofessor Jonathas Abbott132. A Memória do início do século XX 132JonathasAbbott,nasceuemLondres,a6deagostode1796efaleceunoCaminhoNovodoGravatá(?)a8demarçode1868.Naturalizadobrasileiroem1821.VeioparaoBrasilem1812,comocavalariçodeummédicobaiano.ComeçounaEscoladeCirurgiadaBahiacomoservente,formou-seem1820,echegou a ser titular da cadeira de Anatomia. Publicou diferentes trabalhossobre anatomia. Fundou e presidiu a Sociedade de Belas Artes, em 1856,primeiraassociaçãodeartesdoBrasil.Colecionadordearte,legousuacoleçãoparticular(maisde400obras)aoEstado,dandoorigemaumaPinacoteca,que

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apresenta detalhes indicando que este era um espaço de destaque ecomgrandeimportânciaparaacomunidademédicaacadêmica.Museu –Desde1856esta instituição emnossaFaculdade, iniciadaaesforços do emérito catedrático conselheiro Jonathas Abott, que comseus discípulos criou e enriqueceu, com avultado número de peçasanatômicas bem interessantes, um gabinete que mais tarde, emhomenagemaosrelevantesserviçosdeseu fundador, teveonomede“Gabinete Abott”. Este gabinete, criado sem o menor dispêndio doscofres públicos, tem passado por vicissitudes emuito estrago sofreuemdiferentesépocas,tendochegadoaumquaseestadocriminosodeabandono por parte daqueles a quem cabia zelar e conservar tantaspreciosidades,querepresentavamolabor,ograndeamoràciênciaeaoengrandecimento desta faculdade .... Hoje algumas peças que restamfazemparte,umadoGabinetedeHistóriaNaturaleoutrasdoMuseu,instituídopela lei de25deoutubrode1834.OatualMuseu ... ocupaumaboasalanopavimentosuperiordoantigoedifício,estáemviadeumarestauraçãoeconvenienteorganização.Paraessasalutarreformamuito deve concorrer a louvável lembrançado nosso colega Braz doAmaral, que, no intuitodo progresso e elevaçãoda nossa Faculdade,em sessão da Congregação de 12 de agosto de 1908, propôs, e foiaprovado, que “a Congregação, fazendo um apelo aos professores daclínica,resolvareconstituircomosesforçosdosqueservemnestacasa,ainstruçãonacional,umMuseudignodoprogressoquevaitendoesteinstituto, para o que é necessário autopsiar todos os cadáveres dasclínicas (salvo os impedimentos regulamentares), afim de reparar econservaraslesões,queserãoconservadas,aproveitando-sesempreomaiornúmerodepreparaçõesqueforpossíveltirardecadacaso”. ...Ainda nenhum espécime está colocado em seu lugar, mas souinformadoquemuitosexistemguardados,quetodoomaterialprecisoparaumaboa conservação e exposiçãodaspeçasou espécimes já seacha parte no edifício da Faculdade e parte na Alfandega, vindo daEuropa. Desta forma é de crer que por todo o ano de 1910 esteja oMuseuemcondiçõesdesesatisfazerosfinsparaquefoitãoutilmente

depoisseriaabasedecriaçãodoMuseudoEstadodaBahia,posteriormenteMuseudeArtedaBahia.(notanossa)

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criado.OMuseuseachaatualmenteanexoaolaboratóriodeAnatomiaeFisiologiaPatológicas.(CarvalhoFilho,1910,pp.46-47) ParaalémdasquestõesapresentadasnotextosobreacoleçãoAbott,observe-seaexistênciadeumGabinetedeHistóriaNaturaledeumMuseunaFaculdade,comoentidadesindividuais.Masoqueseriaexatamentecadaumdessesespaçosequaladiferençaentrecadaumdeles?Adocumentaçãoconsultada,atéessemomento,nãonospermiteconclusõesdefinitivas. NaMemória de 1911 encontramos a primeira referência aoInstituto Nina Rodrigues, marcando o início da relação entre aFaculdadeMedicina e oEstado, emquestõesdeMedicinaLegal. Estarelação será fundamental, posteriormente, no que diz respeito aodestinodoMuseuEstáciodeLima.EsteInstituto,cujafundação,emboahora,foilembrada,tendoosseustrabalhos de organização quase concluídos, e, podendo, igualmente,prestar serviços inestimáveis ao Estado, o professor Oscar Freirepropõe à Congregação, em 27 de julho, o estabelecimento de umacordo entre a Faculdade e o Governo para o aproveitamento domesmo nos exames médico-legais, sendo a respectiva propostaaprovada,eoseguinteteor:“FicaoDiretordaFaculdadeautorizadoaentraremacordocomoGovernodoEstado,paraquetodososexamesde toxicologia forense possam ser realizados nos laboratóriosapropriadosdaFaculdadepelosprofessoresdeToxicologiaeQuímica”.... É ele inauguradoem29dedezembro .... A sua inauguração éumajusta homenagem à memória daquele infatigável professor, que, emvida,nãoentibiouoânimo,nemrevelouuminstante,sequer,amínimaparcelade fraqueza, quandoempenhadonaorganizaçãodo Instituto,queveioachamar-seNinaRodrigues,paralhesperpetuaronome, jáemsi,dereconhecidoapóstolodaciência. (Silva Junior,1911,pp.40-42) AsinformaçõesencontradasnadocumentaçãosobreahistóriadaFaculdadevãorevelandoacomplexidadedepercepçãoedemandasrelativas a existência de “museus” e coleções como apoio ao ensino,derivadas da igualmente diversidade e complexidade do ensino damedicina e sua especialização em reflexodiretode exigências sociaisapresentadas na virada do século XIX para o XX, sobretudo aquelasbaseadas em ideais de desenvolvimento, higienização e civilidade,comosepodeatestarnacitaçãoseguinte:

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No momento presente o laboratório de higiene não é tudo para oensinodacadeira.Seránecessário,útil,tambémumverdadeiromuseu,ondesepossamverplantas,modelos,quadros,deedifícios,aparelhos,móveis, estofos, vestes, objetos diversos de uso necessário na vidaindividualecoletiva.Comumlaboratóriobemprovidoparaosexamese pesquisas dele dependentes, com um museu bem dotado para oensinointuitivo, inclusivedaquelasinstalaçõesquenãotivermosparamostrar emespécie comodevemser, certomuitomelhorpoderá serfeita a aprendizagem dos alunos. .... No que tange a “Anatomia eHistologia Patológica”, sendo desejo fazer organizar em moldesmodernosomuseuanatomo-patológico,em1912,váriasresoluçõessetomaramemCongregaçãoparachegaraserestedesejotransformadoemrealidade.(MemóriaHistórica,1912,s.p.) A existência de um Museu Médico Legal, na Faculdade deMedicina da Bahia, está intrinsicamente relacionada ao processo desistematização do ServiçoMédico Legal do Estado da Bahia, que emdecretode1912,apresentaráquestõesobrigatóriasparaaimplantaçãodeste serviço.O seuArtigo88, por exemplo, previaqueo auxiliardoserviçomédicolegaldeveria“incumbir-sedaguardaeconservaçãodoMuseu e da preparação das peças anatômicas”. Este mesmoregulamento definia, nos seus artigos 128 a 135, o Museu MédicoLegal:

Art.128 -Haveráno InstitutoNinaRodriguesumMuseuMédico Legal, pertencente à Faculdade de Medicina,destinado à instrução publica dos agentes de segurança,logo que o Governo institua o ensino oficial da técnicapolicial.Art.129-AsautoridadespoliciaisejudiciáriasdoEstado deverão concorrer para a organização do MuseuMédico-Legal, remetendo ao instituto instrumentos,fotografias emais objetos relativos aos crimes e fazendodevolveroportunamenteaspeçasepreparaçõesque,juntoaos autos, tiverem de figurar nos processos. Art. 130 Éobrigatóriaaremessadosobjetosaqueserefereoartigoanterior, com a requisição dos exames médico-legaisrespectivos. Art. 131 Os objetos que acompanharem arequisição dos exames serão remetidos com os autosrespectivos, semprequesejanecessário,devendo, porém,

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ser devolvidos ao Museu Médico-Legal oportunamente.Art.132Quandonãoacompanharemosautosrespectivos,osobjetos ficarãonoMuseuadisposiçãodasautoridadesdo Estado, que poderão requisitar quando entenderemficando,porém,responsáveispelasuadevolução.Art.133salvo determinação em contrário da autoridadecompetente, os professores de medicina legal e seuspreparadoresterãoodireitodeconservarparaoMuseuaspeças que julgarem aproveitáveis. Art. 134 O MuseuMédico-Legal será sempre franqueado às autoridadesjudiciárias do Estado. Art. 135 A disposição e aclassificação dos objetos do Museu obedecerão ao planoque for organizado pelo professor ordinário demedicinalegaldaFaculdadedeMedicina.(GazetaMédica,1913a,pp.310-311)

A inexistência de outras notícias sobre o Museu, na Gazeta,lançadúvidassobreoseuefetivofuncionamento.Porém,naediçãodedezembro de 1913, indiretamente, encontramos notícias sobre ummuseu,quepoderiaseroMuseuMédico-legal,aindaqueseja tratadopor outra denominação. Em nota intitulada Faculdade de Medicina:inauguraçãonoMuseuanatomo-patológicodosbustosdeJonathasAbotte Manuel Vitorino, há a informação de que “No dia 17 de novembrorealizou-seainauguraçãonoMuseuanatomo-patológicodaFaculdadedeMedicinadosbustosembronzedosfalecidosprofessoresJonathasAbotteManuelVictorinoPereira”.(GazetaMédica,1913b,p.241)Já em relatório apresentadoem1881,naocasiãoda inauguraçãodoGabinetedeAnatomia,encontramosaseguintedescrição:Doladoopostoestãoosarmárioscomoopequenonúcleodoquemaistardeseráomuseudeanatomiapatológica.Jápossuitrezentosetantospreparadosmacroscópicosecercadenoventamicroscópicos,pormimoferecidos. Aproveitando os materiais que fornecerem-me asautópsias,possogarantirqueembrevepoderemossemacanhamentoapresentá-lo. Já hoje ele conta com uma bela coleção de parasitas ealgumas peças raras e bem interessantes. (Gazeta Médica, 1881, p.262) Somente em1922hánova referênciaaomuseudaFaculdadedeMedicinanaspáginasdaGazeta,emmatériasobreasreformasdo

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ensino médico. No ponto 59, relativo a uma série de consideraçõessobreprovidenciasparadarcontadareorganizaçãodaFaculdade,estáescritoqueAFaculdadedevetambémempenhar-seseriamentenaorganizaçãodoseumuseu,arquivoclínicoecoleçõesqueconstituemfonteriquíssimade instruçãopráticaparamestres e alunos.Estesserviçosdevemserdirigidos por profissionais competentes que tenham a seu cargo apreservação e catalogação de todas as peças e objetos recolhidos.(GazetaMédica,1922,p.531) As informações não são muito precisas, dando lugar paradiversasespeculaçõesnoquedizrespeitoàrelaçãoefetivaentreestescitados museus, bem como sobre a continuidade/ substituição dosmesmos. Em janeiro de 1923, em nota sobre o legado intelectual deNina Rodrigues para Oscar Freire, encontramos nova referência aoInstitutoNinaRodrigues:A morte do saudoso Prof. Nina Rodrigues ... espírito original daMedicina Legal Brasileira, fê-lo herdeiro e depositário do legadocientífico do sábio mestre e continuador e realizador da sua obrainiciada ou apenas concebida, dando-lhe o mais amplodesenvolvimento. Vem daí a instalação do Instituto Nina Rodrigues,laboratóriodeMedicinaLegaldaFaculdadee,logoaseguir,aprimeirareforma remodeladora do Serviço Médico-Legal do Estado, por umacordo celebrado entre o Governo Baiano e a Faculdade, pelo qualaquela repartição estadual passou a funcionar no referido Instituto,tendo como diretor nato o regente da cadeira de Medicina Legal efazendo-se conjuntamente, ressalvados os interesses da justiça, aprática forense e a prática letiva ou didática. (Gazeta Médica, 1923,s.p.) Reforçandoa ideiade linhasucessória em relação àmedicinalegalnaBahia,edaexistênciadeumaescoladeMedicinaLegal,comocampodesenvolvidonaFaculdade, encontramosnota, emdezembro1926, sobre a solenidade de posse do professor de Medicina Legal,EstáciodeLima,ondeseafirmaqueOsdotesdeinteligênciaedecaráterqueexornamapersonalidadedonovel catedrático fazem dele digno legatário da obra imperecível deOscarFreire,senãodaescolamédico-legalbaiana,onderefulgemainda

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astradiçõesdeVirgílioDamaso133eNinaRodrigues,ainspiraremnasresponsabilidades dos seus exemplos, a prossecução do programaadmirávelquevinhamdesenvolvendoequeaordemnaturalàscoisasbemfadadassaberiaporfimetãobemcolocar.....Obrilhodocertamedeixaagoramargemanovosemaisfundoscompromissos:osdezelareenriquecerumpatrimônioqueéorgulhoparaaBahia:asuaescolamédico-legal.(GazetaMédica,1926,p.243) Emtextopublicadoem1924,podemosacompanharoresumodo contextomuseológicodaFaculdadedeMedicina, até então (aindaquenãosejapossívelumaideiaprecisasobreocontexto),sãocitadasmuitas iniciativas e alguns problemas, com reclamações quanto àscondiçõesdefuncionamentodosmesmos.Museus –Adversa também tem sido a fortuna aosmuseus em nossaFaculdade. O primeiro que tivemos foi o organizado pelo eminenteProf. Jonathas Abbott, no seu gabinete de anatomia. .... O pequenomuseu a que me reporto só medrou enquanto o seu fundadorpermaneceu no exercício de sua cátedra, paralisando-se o seudesenvolvimento logo que ele se jubilou (em 1861) e entrando emdeclínio.....Grandeparte,porém,doMuseu,tambémfoianiquiladapeloincêndiodaFaculdade,poiseleseachavainstaladonomesmosalãoemque a Biblioteca, totalmente incinerada .... O Decr. N. 9311 de 25 deoutubro de 1884, assim dispunha: “Art. 183. – Em cada Faculdadehaveráummuseu,queestaráacargodeumdiretoresecomporádepeças anatômicas ou anatomo-patológicas, naturais ou artificiais,modeladasemceraouemqualqueroutrasubstânciaapropriada,bemcomode esqueletosedequaisquerobjetosquepossamservirparaoestudodosalunosedemonstraçõesdaslições....ORegulamentode12de janeiro de 1901 anexou o museu em questão ao laboratório deanatomiapatológica,comadenominaçãode–Museuanatômico,esobadireçãodoprofessorcatedráticodaditadisciplina.Atualmente,com 133VirgílioClímacoDamásio.NasceunaIlhadeItaparica–BA,a21dejaneirode1838efaleceuemSalvador–BA,a21denovembrode1913).Formadoemmedicina,naFaculdadedeMedicinadaBahia,em1859.Tambémingressounavida política. Foi vice-presidente do Partido Republicano da Bahia, na suafundação,em1889.Foigovernadoresenador.ComoprofessordaFaculdadedeMedicinadaBahia,esteveenvolvidoemreformasdeensino,voltadaspraamodernizaçãodoensino.(notanossa)

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o nome de – Museu anatomo-patológico, acha-se em igual situação,continuando também sob a guarda de um conservador .... Depois doincêndio da Faculdade teve o Museu melhor acomodação na salaespecialmentepreparada, nonovo edifício, para esse fime jápronta,desde1907,nadiretoriadeAlfredoBritto,salaemqueaindaseacha....No relatório apresentado ao Presidente do Conselho Superior doEnsino,emjaneirode1914,diziaaoProf.DeoclecianoRamos:“Apesarde já estar instalado em sala conveniente, não tinha ainda oMuseuAnatomo-patológicoa feiçãoprecisa e compatívelcomo estadoatualdos estudos científicos. Figuravamnele crescidonúmerodepeçasdecera, representando quase todas as moléstias de pele e exemplaresoutroscompradostodosaumacasadeParis,ealgunstumoreseossosrecolhidos dos serviços das clínicas, porém conservados ainda porprocessos pouco adequados. Com o aumento das vitrinas, com ovasilhameapropriadoetodorecentementeadquiridoeaproveitadooque podia ter algum valor, transformei completamente o Museu,colecionandomaisde250peçasnovas,recolhidasdasautópsiasfeitaspeloDr. JohnMiller,preparadorcontratadodoserviçomédico-legaledo curso de anatomia patológica. Presentemente tem o Museu altovaloreofereceboasomadeelementosparaoestudo”.Acongregaçãoda Faculdade, em justa homenagem à memória do beneméritoprofessorquenelafundouoprimeiromuseu,resolveudaronomedeSalaAbbotàemqueestápresentementeinstaladooMuseuAnatomo-patológico .... Em nossa Faculdade também existe presentemente oMuseu Médico-Legal .... Pelo nosso Regimento Interno foi, demais,determinada a criação de um Museu de Higiene, ao ser anexo aolaboratórioda respectiva cadeira, constituindoo conjuntoo InstitutodeHigiene.“OmaterialdeexposiçãodoMuseudeHigiene,-prescreveo Art. 296 -, será representado por maquetes, miniaturas, gráficos,desenhos, fotografias, modelos, culturas, aparelhos, preparações, etc.convenientementedivididaspelas respectivas secções edevidamentecatalogadas, sob a fiscalização imediata do preparador da cadeira edireção geral doprofessordeHigiene”.Atéhoje, porém,nemMuseu,nem Instituto de Higiene, tivera, sequer início de fundação, o que épena, pois tais instituições seriam de grande utilidade para aaprendizagemdamatéria.(MemóriaHistórica,1924,s.p.) Nas pesquisas que realizamos, não foram encontradosdocumentos (além das crônicas da Gazeta e das Memórias da

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Faculdade) que permitam maior entendimento sobre a linhasucessória e particularidades. No entanto, podemos afirmar que sejaqual for a configuração que tais instituições tiveram, é fato de que oMuseu Estácio de Lima está diretamente relacionado ao passadomuseológico e epistêmicodaFaculdade, aindaque issonão impliqueque o seu acervo atual tenha sido herdado de tais instituições. Pelomenosnãofoiencontradonenhumdocumentoqueindiqueisso.3.OMuseuEtnológicoeAntropológicoEstáciodeLima É importante ressaltar que este texto conforma-se comoprimeira sistematização realizada por nós com o objetivo decompreender o Museu Estácio de Lima, utilizando como fontes ereferênciaspartedomaterialdocumentalencontradoatéomomento,apartir de nossas investigações, sendo objetivo desta elaboração,possibilitarumavisadasobreainstituição,seuacervo,suasdinâmicase configuração. Nossa intenção é antes de qualquer outra coisa,possibilitar um dimensionamento do seu contexto expositivo para, apartir daí, em textos posteriores e em processo de produção,enfrentarmos as questões éticas, históricas e conceituais neleimplicadasaomesmo.Emcertamedida,oqueestamosrealizandoaolongodessesúltimosanos,éumprocessoheurísticorelativoaoMuseu,apartirdefragmentos. Parainiciarestaapresentaçãoutilizaremostrechodetexto,de1992, assinado pelo médico legista do Instituto Médico Legal NinaRodrigues, Hildebrando Xavier da Silva, encontrado em meio aosdocumentos que tivemos acesso no ano de 2013, por ocasião da 3ª.Bienal da Bahia. Ainda não identificamos qual o vínculo do autor danota com o Museu, mas é possível perceber na sua escrita umconhecimentodetalhadoda instituição, suahistória e configuração.Éumtextolongo,quemerecetranscrição,pelasíntesequeapresenta.Aolongodatranscrição,abriremosespaçoparaalgunscomentáriossobreoqueérelatado.4.VocêjáfoiaoNina?

Ummuseutemcomofunçãoprincipalareconstruçãohistórica,“mostrandocomosedesenvolveramasartes,astécnicas,aculturaea

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civilização”. .... Este objetivo, certamente, vem sendo plenamenteatingido, a décadas, pelo “Museu do Nina”, a julgar pelo número devisitas que recebe. Uma crônica sob o título “Você já foi ao Nina”,publicadapelojornalATARDE,porocasiãodascomemoraçõesdoseu80º aniversário, em 1982, ... informa-nos desta preferência populardesdeosprimórdiosdomuseudoNina.Areferidacrônicacientificadeque“nosidosde40e50,oInstitutoMédico-legalNinaRodriguesfaziapartedasatrações turísticasdascidades”e,oquemoviaestaatraçãoera o interesse pela história que o museu despertava. O InstitutoMédico-LegalNinaRodriguesdesdeasuafundação,até1979,localiza-seasruasdaPortadoCarmo,hojeAlfredoBrito,aliconstruídoapósoincêndioquedestruiugrandepartedaFaculdadedeMedicina,ocorridoàs9.30horasdanoitede2deMarçode1905.(Silva,1992,pp.1-2) É digno de nota o fato relativo à popularidade deste museu.ChamanossaatençãoofatodequeamaioriadaspessoasconsultadassobreteremconhecidoaexposiçãodoEstáciodeLima,afirmaquesim,e lembram-se, principalmente, do acervo relacionado a teratologia,destacando-se nas suas lembranças a presença de cabeças decangaceiros, exibidas durante um período no Museu134. É maisinteressanteainda,nestasmemórias,o fatodeque,umapartedestastervisitadoomuseuquandoascabeçasjánãoestavamlá,poisforamrecolhidas em finais da década de sessenta135, mas ainda assim,

134 Na documentação existente no Museu, encontramos ofício enviado peloSecretáriodoInterior,EducaçãoeSaúdedoEstadodeAlagoas,oSenhorJ.M.Correia dasNeves, datadode 11de agosto de 1938, endereçada aoMédicoLegistadaPolícia,comoseguinteteor“EmrespostaaoVossoofíciodehoje,sob. n.31, autorizamos a inumação das cabeças dos bandidos, trazidas deAngico, com exceção das de Lampeão e Maria Bonita já autorizadas paraserementreguesaodr.ArnaldoSilveira,professordaFaculdadedeMedicinadaBaía(sic)”135 Após longo processo judicial, provocado pela família, as cabeças foraminumadasnoanode1969.ImportanteregistrarqueasdiscussõesrelativasaodireitodeenterramentodascabeçasenãoexposiçãodasmesmasnoMuseu,tevebastante repercussão,ao ponto de noanode 1965, ter sido elaborado,pelo Congresso Nacional, um projeto de lei, específico para a questão: “Projeto n.2.867, de 1965.Manda sepultarascabeças de “Lampião”e “MariaBonita”,expostasno InstitutoNinaRodrigues,daBahia.Dr.Sr.AureoMello.(ÀsComissõesdeConstituiçãoeJustiça,deEducaçãoeCulturaedeFinanças).

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alimentam a lembrança de algo que não vivenciaram, chegando areferir-se ao ‘museudas cabeçasdos cangaceiros’.Na verdade, oqueexistia noMuseu inaugurado em 1972 eram fotografias das cabeçasmumificadasemáscarasmortuáriasemgesso136. É importante ressaltar quemesmo quando foi transferido docentroantigodacidadedeSalvador,localdegrandefluxodeturistas,quecertamentegarantiapartedoseupúblico,mudando-separaumadasavenidasdecirculaçãodetransito,noperímetrocentraldacidade,oEstáciodeLima,nãoperdeuosseusíndicesdevisitação,garantidospelapopulaçãoda cidade, para aqual omuseuerabastantepopular. OCongressoNacionaldecreta:Art.1º.Devemsersepultadas,até15dias,apósapublicaçãodapresenteLei,ascabeçasdeVirgulinoFerreira“LampiãoesuacompanheiraMariaBonita”,expostasnoInstitutoNinaRodrigues,noEstadoda Bahia. Art. 2º. Os referidos despojos deverão repousar em cemitériocristão,ficandoessatarefaacargodaReitoriadaUniversidadedaBahiaedoDiretor do Instituto “Nina Rodrigues”, sediado naquele Estado. Art. 3º. Ficaproibida,emtodooterritórionacional,aexibiçãodeórgãosdocorpohumanode pessoas mortas, com objetivos lucrativos ou mesmo científico, cabendopuniçãode5a10anosdereclusãoaoresponsávelouaosresponsáveispelatransgressão desta Lei. Art. 4º. Esta Lei entrará em vigor na data da suapublicação,revogadasasdisposiçõesemcontrário.SaladasSessõesem24demaio de 1965. A publicação desta Lei é bastante significativa, pois indica oquanto a questão chegou a incomodar. Ainda que tenha sido publicada em1965,comprazode15diasparacumprimento,somenteem06defevereirode 1969 as cabeças de Lampião e Maria Bonita foram enterradas e a dorestantedoBando(tambémdepositadasnoMuseu)nasemanaseguinte.136Valeressaltarque,provavelmente,oreferidoProjetodeLeinãochegouaserpromulgado,pois caso tivessesido, combaseemseusartigos,nãoseriapossívelaexposiçãodenenhumadaquelaspeçashumanasqueatéosúltimosdias fizeram parte da exposição, como de resto em nenhum outro museubrasileiro, ainda que em nome da ciência. Ainda hoje além de váriosexemplares de fetos humanos, apresentando diversas anomalias, que fazemparte da Coleção do Museu Estácio de Lima, existe uma dupla de múmias(femininaemasculina), representando, segundoetiquetasencontradas,umaíndiaCarajáeumsertanejo,dasquaisnãofoiencontradanenhumareferênciadocumental.AlgunsdocumentosencontradosnoArquivodoMuseu indicamquehaviaumarelaçãodiretacomDelegaciasdePolíciaeHospitaisdacidade,paraofornecimentode“acervo”paraoMuseu,comoveremosemanálisedetermodedoaçãoapresentadomaisadiante.

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Provavelmente,contribuiuparaestefluxo,ofatodequeasinstalaçõesdomuseu ficavamnomesmocomplexoemque funcionava,de formacentralizada, naquele momento, o serviço de registro civil, doDepartamento de Polícia Técnica, setor que também administrava oMuseu. OtextotambémapresentarelatogenealógicodosprocessosdecolecionismodaFaculdadedeMedicina, anteriores e relacionados aoMuseuEstáciodeLima

Até estadata(1905), o LaboratóriodeMedicinaLegal, com oseu Museu, já bastante enriquecido funcionava na ala que foraadaptada do antigo Hospital da Caridade, após a transferência desteparaobairrodeNazaré.Nesteincêndio,dentreasperdassofridascomosinistro,incluíram-se“algumaspreciosidadesdoMuseudeMedicinaLegal”, como se refere Agenor Bomfim, secretário da Faculdade, emrelato de 30 de Junho 1923 e, “dentre estas, o crânio de AntônioConselheiro,queforaenviadopeloMajorDr.JosédeMirandaCurió,aoProf.NinaRodrigues,paraestudoantropológico, ...Apósoincêndio,areconstruçãodaFaculdadecontoucomumasignificativaampliaçãodesua área comademoliçãode trezeprédios, ficandooLaboratóriodeMedicinaLegallocalizadonaáreanova,comentradapelaruaAlfredoBrito, tendo sido inaugurado por Oscar Freire em 1911, entãoProfessorSubstitutodaCadeiradeMedicinaLegal.Em1915,jáDiretordo agora denominado Instituo Médico-legal Nina Rodrigues, OscarFreire refez o museu, inaugurando-o a 3 de Outubro. Em 1940,registrava Eduardo Mamede, o museu do Nina “coleciona avultadonúmero de peças de convicção, armas de crimes, projéteis, e, aindavaliososobjetosquemuitoperto se relacionamcomos estudos afro-brasileiros”.... oMuseu do InstitutoMédico-Legalnasceu dos estudosdoProf.NinaRodriguessobreaculturaafroesuainfluênciaemnossomeio....ApesardeOscarFreireterretomadooMuseudoNinaquandoassumiu a direção do Instituo, após o falecimento do Prof. NinaRodrigues,logotransferiu-separaSãoPaulo,em1918,seguindo-seumperíodo de interinidades na direção do Instituto, ficando então omuseu bastante descuidado, até que, em 1926 o Prof. Estácio LuizValente de Lima assumiu, tanto a cátedra de Medicina Legal daFaculdadedeMedicina,bemcomo,poracordodesta,comaSecretariade Segurança Pública, a direção do Instituto Médico-Legal NinaRodrigues.RelatandoasituaçãoemqueencontrouoInstitutoMédico-

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LegalNinaRodrigues,relativoaode1926,emdocumentodatadode29deJaneirode1927,oProf.EstáciodeLima,reclamandodasituaçãodecertoabandonoemqueencontrouomuseudissearespeitodomesmo:“departamentodealtamonta,preciosíssimorelicário,joiainestimável,é um Museu de Medicina Legal. Sua razão de ser ninguém maisindagará.Degrandevalorparaoensino,demaiorimportância,ainda,socialehistórica,seumisterbelíssimo,enfimimpunhamsenãodeixa-se perecer nem desvitalizar”. E assim o fez. O Prof. Estácio de Limaficou na direção do InstitutoMédico-Legal Nina Rodrigues até 1967,períodoesteinterrompido,apenasporcurtoperíodo,duranteoEstadoNovo, em1937, quandoo convênio entreo ServiçoMédico-Legal e aFaculdadedeMedicinafoidesfeito.(Silva,1992,pp.2-6) No texto, encontramos também referência ao fato de que osobjetos da atual coleção do Museu Estácio de Lima, não seriam osmesmos colecionados inicialmente. No entanto, há dubiedade nainformação, jáque logoaseguir,apartirde informedeoutramédicalegista,écitadoprocessodeampliaçãodoantigoacervo:“Aspeçasdomuseu, durante a administração do Prof. Estácio de Lima, foramnovamentedestruídas, desta vez, criminosamente, segundo relato domesmoemOVelhoeNovoNina(Lima,1979)levando-oarefazer,noporãodabiblioteca,oMuseudeMedicinaLegal”.(Silva,1992,p.6) Em tentativa de explicar e justificar a presença de objetosafricanoseafro-brasileirosnacoleção,nestemesmotextoencontra-seacitaçãodaProfa.MariaTheresadeMedeirosPachecoafirmandoque:

[...]pesquisandoeorganizandocomoverdadeiroMestredaMedicina Legal o Professor Estácio de Lima seguindo oexemplo do mundo civilizado que o acolheu em suasperquiriçõespelaEuropaeaÁfrica,enoentendimentodaimportânciadeumMuseuquerepresentasseasorigensdaantropologia cultural, especificamente na Bahia, mais osassuntosrelativosaMedicinaLegaleseuvastocampodeconhecimento, procurou ampliar o já existente acervooriundodeNinaRodrigueseOscarFreire,surgindoassimovelhoeprimeirodocumentáriodaAntropologiaCulturalna Bahia sobre o negro, que, a bem da cultura por ondeandou em terras estrangeiras, notadamente na África,

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adquiriu, por conta própria, muitas peças para o seumuseu.(Silva,1992,p.6)

Por fim, sobre a transferência do Museu para sua nova ederradeirainstalação,aindaHildebrandoXavierdaSilvainformaqueCom a inauguração do novo prédio do Instituto Médico-Legal NinaRodrigues,situadonoValedosBarris,a10deMarçode1979,jásobadireção da Profa. Maria Theresa de Medeiros Pacheco, primeira dosdiscípulos do Prof. Estácio de Lima, título que para si reivindicavaAfrânioPeixotocomrelaçãoaNinaRodrigues,“comoseudireitoemaisaltacondecoração”,oMuseuEstáciodeLima foi instaladoemamplasacomodações localizadas na extremidade direita da ala frontal dopavimentotérreodoedifício,ondeatéhojesesitua.Nãotemsidofácila subsistência do Museu do Nina, agora Museu Estácio de Lima, aolongodesuaquasecentenáriaexistência,oqualtemsofridopercalçosdetodaordemnasualutapelasobrevivência,quesenutreapenaspelarazãoconscientedaquelesquelhecabecuidar,deseruminstrumentodepreservaçãodenossacultura,quenãoseconstróiapenasdecoisasboas, mas que coexistem com as mais variadas manifestações ecomportamento humano. Certamente o Museu Estácio de Limaapresenta o grande potencial para a pesquisa histórica e socialjustamente pelo fato de contextualizar tanto física, quanto social ecultural,diversasfasesdenossasociedade,integrandotodaumaobraquepermiteobservaraevoluçãodopensamento,edocomportamentohumanonaóticadasciênciassócias,comoemessênciasecaracterizaaMedicinaLegal.(Silva,1992,pp.7-8)5. A Coleção do Museu Antropológico Estácio de Lima e suaapresentaçãoexpográfica ÉimportantedemarcaraquiqueacoleçãodoMuseuEstáciodeLima sob a guarda doMuseu Afro-Brasileiro/UFBA, e da qual sou ocuradordesdeoanode2010,realizandoinvestigaçõessobreamesma,trata-sedoconjuntodeobjetosrelacionadosaouniversoreligiosoafro-brasileiroealgumasesculturasafricanas,transferidosparaoMAFRO,conforme relatado no início deste ensaio. No entanto, por decisãocuratorial e por necessidade de contextualização dos objetos emquestão,ficoupatenteanecessidadedecompreensãodacoleçãoedo

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museu, na sua totalidade, principalmente por considerarmos quesomentenoentendimentodacomplexidadeexpográficadoEstáciodeLimaéqueépossívelcaptarocamposemânticonoqualforamimersosobjetosvaliososdosistemaculturalereligiosoafro-brasileiro,emumaperspectivado discursomédico-legal e criminal, relacionadoa ideiasdeanomalia,deformidade,criminalidade,corrupção,monstruosidade,entretantosoutroscorrelatos.Aindaqueaquinãonosdediquemosàsanálisessobreaquestãodiscursiva,é importantenãoperderdevistaqueopontoprincipalquenoslevaatentativade(re)configuraçãodoambiente do antigo Museu Estácio de Lima objetiva percebê-lojustamenteemrazãodapopularidadequecontribuiparaademarcaçãoe difusãode ideias e (pré)conceitos responsáveispela construçãodeimagenseimagináriosnegativossobrehomensemulheresafricanoseafricanaseseusdescentesesuaspráticasculturaisafro-diaspóricas. Apartirdefragmentosdocumentaisaosquaistivemosacesso-anotações manuscritas ou ainda impressas sobre vitrines e salas doMuseu Estácio de Lima, em sua configuração no prédio do Vale dosBarris (Salvador, Bahia) -, conseguimos estabelecer a seguinteestruturação (parcial) do espaço expositivo no que diz respeito avitrineseseusconteúdos.Asinformaçõesencontram-seregistradasdeforma não sistemática, ocorrendo a duplicação de numeração paravitrines, o que nos leva a crer que sejam numerações relativas amódulosespecíficos.Algumasanotaçõesdãoindicaçãodadistribuiçãodo módulo no espaço do Museu e fazem comentários sobre a peçaapresentada. Com o intuito de estabelecer alguma organização nomaterial encontrado, separamos as informações em módulos nosseguintes temas: Cangaço; Substâncias ilícitas, Crimes contra opatrimônio e Jogos de azar; Acervo Médico-Legal; Departamento deIdentificaçãoCivil;HomicídioseviolênciaeMóduloAfro.Módulo-CangaçoVitrine 4 com acervo de Lampião - 1 – Duas armas “Luger”, quepertenceramaLampião/2–Doiscoldresemcourotrabalhado/3–ArmasbrancaspertencentesaLampiãoeseubando/4–Corda feitaemcobertor “DormeBem” comque foimortoumpolicialque tentoumatar o capitão Virgulino (Lampião) / 5 – Chapéus pertencentes aLampião e Maria Bonita / 6 – Fotografias das antigas cabeças deLampiãoeMariaBonita,comasrespectivasmáscarasmortuárias/7–

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Poster de Lampião e Maria Bonita / 8 – Cartucheiras e muniçãopertencentes a Lampião e seus cangaceiros / 9 – Mini esculturapopular de Lampião, feita em terracota / 10 – Fuzil pertencente aLampião/11–Umchicotedenominadode“macaca”eumapalmatóriacomqueLampiãocastigavasuasvítimas/12–Colherdepratacomaqual Lampião testavaa comida contraumpossível envenenamento /13–Umpédechinelo(tipohavaiana)pertencenteaLampião/14–Quatroembornaisconfeccionadospelasmulheresdoscangaceiros,emtecido bordado / 15 – Dois cantis de flandre revestidos de lonabordada / 16 – Cinco fotografias das cabeças degoladas de: Corisco,MariadoCarmo,Azulão,CanjicaeZabelê/17–Máscarasmortuáriasdos cinco cangaceiros acima citados/ 18 – Poster de uma velhafotografia(IeIIcorrespondentesaCoriscoesuacompanheiraDadá)/19 – Pequena escultura representando um cangaceiro confeccionadaemmadeira.Vitrine s/número com objetos do habitat nordestino onde sedesenvolveuocangaceirismo-1–armasbrancascomocaboeacapaartisticamentetrabalhado/2–AlicateusadopelocangaceiroAntônioSilvino para fabricação de munição de chumbo, misticamentepreparada / 3 – Chocalhos em metal em tamanhos diversos / 4 –Objetosemcourodefabricaçãonordestina/5–Estribos:masculinosefemininos/6–Esporas:peçasdemontariaparaincitaroanimalMódulo-Substânciasilícitas,CrimescontraopatrimônioeJogosdeazarVitrines/númerocom:1–Amostradecocaína/2–Ácidolisérgicoemconfete /3 –Teste injetável de reação àdroga /4 –Psicotrópicos emoderadoresdeapetite.Vitrine s/número com:1 –Maconha sobre formasdiversas, inclusivelicor de Maconha / 2 – Cachimbos para o uso da maconha / 3 –“Mortalha”:papelquerecobreo “baseado”/4–Formasdetráficodamaconha: balas de hortelã, solas de sapato, caixas deMaisena / 5 –Dólar, dolinho e dolão (embalagem da maconha) / 6 – Apito usadopelostraficantesparaalertarsobreapresençadapolícia.

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Vitrines/númerocom:1–Litografia–pedrausadana falsificaçãodeselosporumaindústriadecharutosnobairrodeItapagipe/2–Notasdedinheiro falsificado/3 –Passes livres falsificados /4 –Contodo“paco”.Vitrine s/número sobre jogos (proibidos no passado): 1 – Bingo (ouvíspora)/2–Jogodecartas/3–Antigaspulesde“Jogodobicho”/4–Jogodeargolas.Módulo-AcervoMédico-Legal1–Crâniostraumatizadosporprojéteisouarmasbrancas/2–Omaiorossodocorpohumano(fêmur)/3–Omenorossodocorpohumano(doouvido,“bigorna”e“martelo”).Primeira vitrine à direita de quem entra: 1 – Antigo microscópio,pertencente ao Laboratório Médico-Legal de Nina Rodrigues / 2 –Instrumentação cirúrgica do começo do século, de origem francesa,pertencente ao Laboratório Médico Legal de Nina Rodrigues / 3 –BisturideorigemfrancesaquepertenciaaoDr.GarcezFroes.Segunda vitrine à direita de quem entra: 1 – Crânios lesionados porinstrumentoscortu-contundentes/2–Assimetriacomexastrose/3–Crâniocomtrepanação,feitaparaestudos/4–Crâniopatológicocomespessamentodatábuaósseacraniana(DoençadePaget)/5–Crâniopatológico com adelgaçamento da tábua óssea craniana / 6 – Crâniotraumatizado por bala / 7 – Reconstituição da meninge em caso detraumatismocraniano.Oitavavitrineàdireitadequementra:1–Decaptaçãotraumáticaportrem / 2 – Cabeças mumificadas, observando-se o cérebro em umadelas/3–Preparaçãoanatômicadacabeçaemsecçãosagital.Quartavitrinedofundo:1–Doisanencéfalos(ausênciaouhipoplaniadoencéfalo,determinandooachatamentodacabeça)/2–Umciclope(oolhoassumeaposiçãonomeiodatesta).

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Quinta vitrine do fundo: 1 – Tênia ou “solitária”. Encontrada noestômago de um cadáver / 2 – Objetos metálicos, encontrados noestômagodeumcadáver/3–Línguahumana.Sexta vitrine do fundo: 1 – feto com evisceração (má formaçãocongênitacomosintestinosamostra)/2-xifópagos(duascabeçasemum só corpo) / 3 – ciclope – o olho assume, nesses casos, a posiçãoclássica ao meio da testa. Designava-se como “ciclope” na mitologiagrega,monstrosgigantescosquepossuíamumolhoúnicoecentralnatesta.Sétimavitrinedoladoesquerdodequementra:1-Úteromiomatoso/2 - Embrião de um mês / 3 - Feto de dentro de bolsa, boiando nolíquidoamniótico/4-Úteroaumentadodevolumeeseccionado/5-Quadrigêmeos(gravidezmúltipla)/6-Úteroaumentadoeseccionadocomfeto.Oitavavitrinedoladoesquerdodequementra:1-Preparoanatômicoda vasculatura coronária, commercúrio / 2 - Mega-sigma (intestinoaumentado) / 3 - Perfiro-incisão penetrante cardíaca / 4 - Cardio-megalia(motivospatológicosinclusivedoençadechagas)/5-Coraçãotransfixadoporarmabranca/6-Coraçõestransfixadosporbala.NonaVitrine,à“esquerda”dequementra:1-Estriboortopédico/2-Antigomarcapassocardíaco/3-Cálculosbiliares/4-SeccionamentodeTestículos/5 - PrótesedeSeio (silicone)/ 6–Pérfuro contusãoexternal / 7 - Feto esqueletizado / 8 – feto do sexo femininoatravessandoodesfiladeiropélvico.Módulo-DepartamentodeIdentificaçãoCivilMesavitrinecom:1–XeroxdacarteiradeidentidadedoinsignebaianoRuiBarbosa/2–CarteiradeidentidadeetítulodeeleitordoDr.PedroMelo, 1º diretor e fundador do Instituto que leva o seu nome / 3 –Antigas carteiras de identidade / 4 – Fichas de identidade do antigoComandoSuperiordaGuardaNacional.

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Módulo-HomicídioseviolênciaMesa-vitrinecom“ArmasBrancasHomicidas”:Punhais-Navalhas–Facas;Mesa-vitrinecom“ArmasHomicidas”deFabricaçãocaseira.Vitrinenº3:1-armasdaguerradeCanudosusadaspelosjagunçosefederais (tipo “Mannlincher”) /; 2 – Caixa com balas de diversoscalibres / 3 – Duas balas de obris não deflagrados e uma bala decanhãoschrapnell,disparadasobreSalvador,em5dejaneirode1912,nobombardeiodaRevoluçãonogovernode J.J. Seabraque atingiuorelógio do PaçoMunicipal / 4 – Guarda-chuva homicida, ao lado dediversas outras armas e objetos homicidas, inclusive rústicos edomésticos/5–antigas“soqueiras”,hojearmasproibidas.Módulo-Afro1 – Oxossi = São Jorge (culto afro-católico) / 2 - Otá = pedrarepresentativadoorixá/3 -Ochê=martelobipartidodeXangô(SãoJerônimo) / 4 - Ojá = pano da costa africano / 5 - Abebés = leques(douradoeprateado)/6–Pembas=póscomosquaissãopintadasascabeças das Yaôs (iniciadas ou filhas de santo) / 7 - Xaxará =vassounrinhadeOmulu(SãoLázaroouSãoRoque)/8–Guias(colardeorixá). Devemosdestacarquenadocumentaçãoexaminadareferenteadescriçãodevitrinesemesas-vitrine,encontramosapenasestabrevereferência, apresentada acima, relativa ao acervo dematriz africana.Para possibilitar compreensão mais apurada do conjunto de objetosrelacionados a este módulo apresentaremos a seguir a listagem daspeçasqueforamencaminhadasaoMuseuAfro-Brasileiro,em2010,porcontadocomodatoestabelecidoentreoMuseueoGovernodoEstadoda Bahia. Esta relação foi produzida após processamento técnico(limpeza, armazenamento e identificação) do acervo, realizada porequipe de museólogas e estudantes do curso de Museologia, sob acoordenaçãodaprofa.Dra.MariadasGraçasTeixeira,coordenadoradoMAFRO no período de realização desta ação. Para maior percepçãoqualitativadoconjuntoapresentamos,abaixo,umamostradarelaçãodo acervo, em ordem alfabética, sem reproduzir a ordem sequencialquefoiadotadapelaequipeesemquantificação.

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AbebêdeIemanjá;AbebêdeOxum;Agogô;Alguidar;AssentamentodeExu; Assentamento de Oxossi, Alguidar; Atabaque; Boneco / Ogum;Boneca / Baiana; Boneco / Logum Edê; Boneco / Omolu; Boneco /Oxalá;Boneco/Oxumaré;Boneco/Xangô;Boneca/Oxum;Boneco/Oxossi; Busto de Homem; Caxixi; Chifre; Corrente de Ibá; EsculturaAfricana; Escultura Antropomorfa Feminina; Escultura AntropomorfaMasculina;EsculturadeExú;EsculturadeGêmeos;EsculturadeIbeji;Estatua de Iemanjá; Ferramenta de Ogum; Ferramenta Africana;Ferramenta de Assentamento; Ferramenta de Exu; Ferramenta deOgum;FerramentadeOssaim;FerramentaOxossi;Figa;FiodeContas;Ilequêde Iansã; Ilequêde Iemanjá; IlequêdeOgum; IlequêdeOxalá;Ilequê de Oxossi; Ilequê de Xangô; Ilequê de Nanã; Imagem de SãoJorge;InsígniadeTempo;Laguidbá;MachadodeXangô;MãodePilão;Maraca; Marcador de Gado; Máscara; Máscara Africana; MiniaturaMáscaraAntropomorfa;MiniaturaMáscaraZoomorfa;Mocã(PalhadaCosta); Ojá de Oxossi; Oxê de Xangô; Pano da Costa; Par de Edans;Porrãocomtampa;PotesemTampa;Pratos;Pulseira;Punhal;SaiadeOxóssi;TorçodeOxóssi;Xerê.6.Concluindo Ao iniciarmos a curadoria da coleção afro-religiosa doMuseuEstáciodeLima,depositadanoMuseuAfro-Brasileiro,tínhamoscomoobjetivo inicial a identificação e estudo das peças que fazem partedesta coleção. No entanto não contávamos com nenhum suportedocumental complementar que possibilitasse análises contextuais,para além da materialidade de cada um dos objetos presentes noconjunto. Ao chegar ao MAFRO, esta coleção vinha acompanhada demuitas questões e hipóteses ainda não suficientemente resolvidas, eparaasquaistemosbuscadosoluçõesou,aomenos,aproximações,nonossoprojetodecuradoria.Aquestãoprincipaledefundoéofatodeque este conjunto de objetos afro-religiosos está relacionado aosprocessosdeperseguiçãoeviolênciadirecionadosacomunidadesafro-religiosas, ocorridos desde o final do século XIX, com ênfase naprimeira metade do século XX, avançando para o início da segundametade do século passado, dando origem a diversas coleções

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espalhadas por acervos depositados em instituiçõesmuseológicasnoBrasil. A base para a associação desta coleção a este processo sãorelatosorais,noticiasdejornaiseregistrosemdocumentosoficiaisdaDelegacia de Jogos e Costumes, órgão repressor responsável pelasoperaçõesjuntoaosterreirosdecandomblé(aindaqueaoanalisarmososLivrosdeRegistroeOcorrênciadestadelegacia,tenhamsidopoucososregistrosefetivosqueencontramos). Aindaquenão tenhamoscomocomprovaratravésdedocumentaçãoaorigemindividualdecadapeça do acervo, durante o processo de limpeza foi possível observarque algumasdelasnão apresentamnenhumsinalanteriordeuso, ouseja, senãohápossibilidade efetivadeafirmara origem, aomenos épossíveldescartarnoconjunto,asunidadesquenãotiveramusoritual,já que inexistem pátinas e vestígio de matérias orgânicas queefetivamenteestariampresentesnessescasos. Outra questão relacionada ao Museu Estácio de Lima é asuposiçãode que a sua coleção, notadamente a que é relacionada àsculturas africanas e afro-brasileiras, seria oriunda da coleção domédicoNinaRodrigues. Porém, a leiturados relatos encontradosnasMemórias e GazetaMédica da Faculdade deMedicina, apesar de emmuitasvezesseapresentaremcomodúbias,nãopermitemestabelecerrelaçãodiretaentreoselementosquecompunhamoacervodeNinaeoposteriormente sistematizadopelomédicoEstáciodeLima.Naúnicaimagem publicada de objetos da coleção de Nina Rodrigues, na suaobraOs Africanos no Brasil, na qual aparecem algumas peças, não épossívelidentificarnenhumobjetopresentenacoleçãoatual.Poroutrolado,mesmoquenãoexistaumarelaçãomaterialdiretaeefetivaentreas duas coleções, é possível identificar um contínuo de acervos,espaços e abordagens que liga todas as coleções anteriormenteexistentes na Faculdade deMedicina da Bahia e o acervo doMuseuEstáciodeLima. ApósrealizarmosaanálisetipológicadaColeçãoAfro-religiosado Museu Estácio de Lima, constrangidos na perspectiva decontextualização, em razão da carência de documentos quesustentassem esse processo, nos demos conta da necessidade deampliaraanáliseparaorestante doacervoquecompunhaomuseu,queencontra-se,ainda,nasdependênciasdoextintoMuseuEstáciodeLima. Ao estabelecermos contato com tais objetos, e uma série de

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documentos,apartirdaexperiênciajárelatadanessetexto,emvirtudeda3ª.BienaldaBahia,foipossívelampliarapercepçãosobreoantigomuseu,visandoagora,nãomaisoentendimentoindividualdacoleçãoreligiosa afro-brasileira, mas sobretudo, a compreensão da suaestruturaespacialeconfiguraçãoexpográfica. Esta nova perspectiva, que ultrapassa os limites iniciais danossa investigação, voltada para o estudo do conjunto do qualrealizamos a curadoria, foi se configurando à medida em que nosdemoscontadequeaquestãoinicial,daorigemdoacervo,relacionadaà intolerância religiosa e suas práticas é de extrema importânciaquandoestamostratandoestacoleção,masque,noentanto,paraalémdessa perspectiva, o contexto expográfico ao qual foram submetidostais objetos, ao lado de outros tantos, também indevidamenteabordados, como os relacionados a movimentos sociais ditosmarginais, como o cangaço, por exemplo, ou corpos humanosmarcados por patologias, identificados a partir da perspectiva damonstruosidade,éopontoprincipalaserinvestigado.Taléoescopodesteensaioedasinvestigaçõesemcursorealizadaspornós. BibliografiaCarvalho Filho, José Eduardo Freire de. (1901).MemóriaHistória daFaculdadedeMedicinadaBahia,noanode1909a1910.Bahia:DiáriodaBahia.Cerávolo,S.Moraes;&Rodriguez,M.Cerqueira. (2018).Colecionismona Bahia Oitocentista: o Gabinete de História Natural (1835-1889).Revista Brasileira deHistória daCiência, Rio de Janeiro, v.11, n.2, pp.197-212.Disponívelhttps://www.sbhc.org.br/revistahistoria/view?ID_REVISTA_HISTORIA=61.Acesso10.05.2019Fonseca, L. Anselmo da. (1893). Memória Histórica da Faculdade deMedicinadaBahiarelativaaoanode1891.Bahia:DiáriodaBahia.

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Freitas,Carlosde.(1906).MemóriaHistóricadaFaculdadedeMedicinadaBahia, dos acontecimentosmaisnotáveis ocorridosduranteo anode1906.Bahia:DiáriodaBahia.GazetaMédicada Bahia. (1881), Salvador, Faculdade deMedicinadaBahia,dezembro1881,anoXIII,n.06.GazetaMédicada Bahia. (1893). Salvador, Faculdade deMedicinadaBahia,janeiro1893,anoXXIV,n.07.GazetaMédicadaBahia. (1901); Salvador, FaculdadedeMedicinadaBahia,março1901,n.09.GazetaMédicada Bahia. (1903). Salvador, Faculdade deMedicinadaBahia,abril1903,vol.XXXIV,n.10.GazetaMédica da Bahia. (1906). ProfessorNinaRodrigues. Salvador,FaculdadedeMedicinadaBahia,agosto1906,vol.XXXVIII,n.02.GazetaMédicadaBahia.(1913a).Salvador,FaculdadedeMedicinadaBahia,janeiro1913,vol.XLIV,n.07.GazetaMédicadaBahia.(1913b).Salvador,FaculdadedeMedicinadaBahia,dezembro1913,vol.XLV,n.06.GazetaMédicada Bahia. (1922). Salvador, Faculdade deMedicinadaBahia,abril1922,vol.LII,n.10.GazetaMédicada Bahia. (1923). Salvador, Faculdade deMedicinadaBahia,fevereiro1923,vol.LIII,n.08.GazetaMédicada Bahia. (1926). Salvador, Faculdade deMedicinadaBahia,dezembro1926,vol.LVII,n.06.Lima,Estáciode.(1984).OVelhoeoNovoNina.Salvador:GovernodoEstadodaBahia.

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Memória Histórica da Faculdade de Medicina. (1905). Salvador,FaculdadedeMedicinadaBahia.Memória Histórica da Faculdade de Medicina. (1912). Salvador,FaculdadedeMedicinadaBahia.Memória Histórica da Faculdade de Medicina. (1924). Salvador,FaculdadedeMedicinadaBahia.Pacheco,Mendes.(1908).MemóriaHistóriadaFaculdadedeMedicinadaBahia,noanoletivode1907a1908.Bahia:DiáriodaBahia.Silva,Xavierda.(1992).VocêjáfoiaoNina?Salvador:InstitutoMédicoLegalNinaRodrigues.Silva Junior, Fortunato Augusto da. (1911). Memória História daFaculdade de Medicina da Bahia, no ano de 1911. Bahia: Diário daBahia.SuperintendênciadeCulturadoEstadodaBahia(1999).Fax.Salvador:GovernodoEstadodaBahia.

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MUSEUSDEHISTÓRIAEMDEBATE:

CONTROVÉRSIASEINTERFACESENTREMEMÓRIAECONHECIMENTOHISTÓRICO

CeciliaHelenaLorenzinideSallesOliveira

MuseuPaulistadaUniversidadedeSãoPaulo,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-0314-271X

“...O passado não é livre...Ele é regido, gerido, preservado,explicado, contado, comemorado ou odiado. Quer sejacelebrado ou ocultado, permanece uma questão dopresente...nósoapagamos,esquecemos,remetemosàfrentede outros episódios, voltamos, reescrevemos a história....”(ROBIN,2016)“...Tornou-se lugar comumaafirmaçãodeque vivemos emtempomarcado pela força das imagens – e da visão comoum dos sentidos fundamentais para apreensão edecodificação domundo que nos cerca...O que ver, quandoparecequepodemostudoveremvirtudedosmeiospostosaserviço da escrita da história? Como refletir acerca dessacomplexa relação entre o visível e o invisível, que está naraiz mesma do ofício do historiador, quando os meios devisibilidade do passado parecem infinitamente alargadospela capacidade técnica de arquivamento dopassado?...”(GUIMARÃES,2007).“...Le patrimoine était autrefois le choix de ce que le passéavait d´intemporel et de permanente, c´est aujourd´hui latotalitédestracesdupasséentantquepassé...‘patrimoine’,c´est-à-dire,enrealité,decequ´unesociétéentendconserverdes tracesdesonpassépouraffronter sonavenir....Nousenvivons donc un moment...de l´avènement du passé commemémoire...”(NORA,2011).

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1.Introdução Ofocodosargumentosaquipropostosestánaimbricaçãoentreproduçãodeconhecimentoshistóricoseespaçosdestinados,desdesuaorigem,àvisibilidadedaculturaedamemórianacionais.Articulam-se,dessemodo,olugarsocialocupado,sobretudo,pormuseusdeHistóriana atualidade, o debate sobre o estatuto do saber histórico e asrelaçõesentreHistóriaememória137.

Parainiciaradiscussão,recorroaCarloGinzburg.Segundoessehistoriador:

“...NoséculoXIX,oentusiasmopelosprogressoscientíficosetecnológicossetraduziranumaimagemdoconhecimento(inclusive o historiográfico) baseado no espelhamentopassivo da realidade. No século XX, pelo contrário, umentusiasmo análogo sublinhou os elementos ativos,construtivosdoconhecimento....Aideiadequeasfontes,sedignasde fé,oferecemumacesso imediatoàrealidadeou, pelo menos a um aspecto da realidade, me pareceigualmente rudimentar. As fontes não são nem janelasescancaradas,comoacreditamospositivistas,nemmurosque obstruem a visão, como pensam os cépticos: nomáximopoderíamoscompará-lasaespelhosdeformantes.

137 Este artigo fundamenta-se em reflexões geradas pela experiência detrabalhar pormais de duas décadas noMuseuPaulista daUniversidadedeSãoPaulo.Trata-sedemuseuuniversitárioqueagrega,paraalémdasfunçõesmais corriqueiras atribuídas a essas instituições, o exercício da pesquisaacadêmica, da docência e da extensão universitária, o que ampliaconsideravelmente o leque de serviços prestados à sociedade em geral e apúblicosespecíficos,aexemplodeprofessoresdeensinosuperior,professoresdeensinofundamentalemédio,alunosdegraduaçãoedepós-graduaçãodaUSPedeoutrasinstituiçõespúblicaseparticulares.Ostemasequestõesaquidesenvolvidos foram abordados pontualmente em outros trabalhos. Ver,especialmente: OLIVEIRA, C H L S (2017); (2015); (2014 a); (2014 b).Resultam, igualmente, de discussões propostas pela disciplina “Memória eidentidade na América Latina: o papel dos museus”, do Programa de Pós-GraduaçãoemMuseologiadaUSP,queministroemconjuntocomoProf.Dr.CamilodeMelloVasconcelos.

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Aanálisedadistorçãoespecíficadequalquerfonteimplicajá um elemento construtivo. Mas, ...o conhecimento(mesmo o conhecimento histórico) é possível”.(GINZBURG,2002,p.44-45).

Adespeitodereferir-separticularmenteaoofíciodehistoriareàs suas implicações teórico-metodológicas, o autor sublinha duasatitudesfrenteàsfontesquepodemserconsideradasquestõescentraisparaosquemilitamnosmuseusdeHistória:porum lado,coleçõeseobjetos aparecemparaopúblico geralmente comoespelhamentosda“realidade”; por outro lado, para museólogos, educadores ehistoriadoresasfontessãoresultadosdeprocessossociaiseculturaisde escolha e construção, qualquer que seja sua natureza: textual,iconográficaoutridimensional.Énessesentidoque,paraGinzburg:

“...oshistoriadoresdeveriamrecordarquetodopontodevista sobre a realidade, além de ser intrinsicamenteseletivo e parcial, depende de relações de força quecondicionam, por meio da possibilidade de acesso àdocumentação,aimagemtotalqueumasociedadedeixadesi. Para ‘escovar a história ao contrário’, como WalterBenjamin exortava fazer, é preciso aprender a ler ostestemunhos às avessas, contra as intenções de quem osproduziu. Só dessamaneira será possível levar em contatantoasrelaçõesdeforçaquantoaquiloqueéirredutívelaelas...”(GINZBURG,2002,p.43).

No âmbito dos museus de História essas observaçõessublinham não só a relevância de se problematizar as formas e asrazõespelasquaisserealizaramacoleta,conservaçãoeextroversãodeacervosinstitucionaisherdadosdelongotempo.Torna-sefundamentalexercer o trabalho da crítica concomitantemente à constituição denovas coleções, pois tanto heranças acumuladas quanto acervosdestinadosaresponderdemandassociaisdopresenteestãoenredadosnos fios da memória e de relações de poder que atravessam a

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sociedadeassimcomoseusespaçosdeconhecimentoecultura138.Nãoé demais ressaltar que museus, bem como bibliotecas e arquivos,foram direcionadospara o exercício da dominação dos instrumentosde produção do saber e, em consequência, do próprio conhecimento(GINZBURG,2002). Por que conservamos ou lutamos para salvaguardardeterminadas coleções e representaçõesque a sociedade forjoude siprópria? Por que selecionamos, recolhemos e transformamos emdocumentosdeterminadosregistrosenãooutros?Dequemodoessasescolhas preliminares – e que mantém a atualização necessária doacervo–orientamprojetoseperspectivasdepesquisaeconhecimentoiluminando certas dimensões da sociedade enquanto outras sãosombreadas? Indagaçõeseponderaçõesqueremetem,porsuavez,àrecorrentereflexãosobreaescritadaHistória.Comooshistoriadoresconcebemsuatarefa,porquaiscritériosreconstituemopassadoquesepropõemainvestigar?Quemfala,paraquemfala,comoseconstróisuanarrativaeporquê? ParaindicaracomplexidadedessedebatelembroobservaçõesdeFrançoisDosseeAlfonsoMendiola.

“...FrançoisDosseensulibroL´Histoireouletemprefléchi,siguiendo a Pierre Nora, sostiene que la investigaciónhistóricasóloseráposibledeaquíenadelantesesívuelvereflexiva, o dito de otra manera se asume el girohistoriográfico: ‘El historiador de hoy consciente de lasingularidadde su actode escribir, buscaobservar aClíodel otro lado del espejo, desde una perspectivaesencialmente reflexiva. De esto surge un nuevoimperativo categórico que se expresa por medio de unadobleexigencia:porunlado,ladeunaepistemologíadelahistoria concebida como una interrogación constante delos conceptos ynocionesutilizadospor el historiadordeloficioy,porelotro,ladeunaatenciónhistoriográficaalosanálisisdesarrolladosporloshistoriadoresdeayer.Porlo

138Especificamentesobreopesodasrelaçõesdepodernoâmbitodasdécadasiniciais de funcionamento do Museu Paulista da USP, consultar:BITTENCOURT(2012);(2017).

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tantosevedibujarse laemergenciadeunespacio teóricopropio de los historiadores, reconciliados com su propionombre y que polariza la operación histórica sobre lohumano, sobre el actor y sobre su acción’. Este nuevoimperativo categórico ...se puede únicamente enfrentarcom éxito si se parte de una teoría de la historia queintroduzca el historiador...en la construcción de loconocimiento. Es decir sólo con una epistemología querecupere el narrador en sunarración seráposiblepensarel pasado como construcción y no como algo dado..."(MENDIOLA,2000,p.181-208.)

A narrativa do historiador não apenas deveria colocar emevidênciaoscaminhospelosquaisfoiconstruída.Estáancoradaemumlugar social e institucional, ocorre em um momento histórico e estáimpregnada pela formação, pelas posições e pelas paixões que ohistoriador assume, o que adquire âmbito ainda mais abrangentequando aplicado aos museus. Tem longa existência a controvérsiasobreaobjetividadedohistoriadoresuapersistênciamostraatensãoentreanecessidadedeverdadeeaelaboraçãodepontosdevistaqueinteressemàsociedade.

OsmuseusdeHistóriaeotrabalhodehistoriarestãosituadosem lugares onde saber-fazer e querer-fazer são essenciais (FARGE,2011).Ali osprocedimentos em relação aoacervo, nadireçãodesuaconservação, restauração, documentação e questionamento sãodefinidosporpessoaseconduzemapráticasesaberesimplicadosnasrelações de força que envolvem essas instituições bem como ashierarquiasacadêmicaseprofissionaisqueasorganizaminternamenteeasprojetamextramuros.Oquenãoquerdizerqueosconhecimentosproduzidos nesses lugares estejam limitados de antemão ou nãopossam ser inovadores. O ponto central é reconhecer asespecificidadesdesses lugares, as conexõespolíticas e científicasqueossustentameosdesígniosaquerespondem. 2.Memóriaseesquecimentos

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“CoisasrarasoucoisasbelasAquisabiamentearrumadasInstruindooolhoaolharComojamaisaindavistasTodasascoisasqueestãonomundo”(PRADEL,1961)

Os versos são de Paul Valéry (1960) e aludem, em umaprimeira aproximação, aos nexos entre museus e procedimentos dememorizaçãodeimagens,objetos,representaçõese,sobretudo,formasde classificação e de atribuição de valores139. Antes da invenção daimprensa, uma memória treinada era de vital importância. Papelrelevantenaquelaépoca–eaindahoje–eraocupadopelaarquiteturaepelosrepertórios figurativosna impressãode lugarese imagensnamemória.Mesmoapósosurgimentodaimprensaedeoutrastantasecomplexas técnicas de reprodutibilidade, imagens, representações esua dramatização se tornaram essenciais no processo de apreensãodaquiloquepodeserdenominado“realidade”(YATES,2007).

Osmuseus se constituíram locus insubstituíveis em relação aessesprocedimentos–projetaram-se como teatrosdamemória, poisseusambienteseosmodosdeexposiçãodeobjetos(dasmaisvariadasnaturezas)exerciam(eexercem)funçõespedagógicasededifusãodeconceitosepráticasessenciaisparaasocializaçãodaspessoaseparaaintrojeçãodosfundamentosdaculturaedaciênciaocidentais(YATES,2007)140. Nesse sentido, a socialização abrange treinamentosreferentesacódigoseprocedimentosdeaprendizagem,bemcomodeidentificação de si, dos outros e domundo físico ematerial que noscerca. Um dos sentidos da expressão “instruir o olho a olhar”, usadapor Valéry, diz respeito ao conjunto de funções educacionais eemocionaisqueosmuseusdeveriamcumprir.

139UmadiscussãoenriquecedorasobreainterpretaçãodePaulValéryacercados museus, especialmente museus de arte, pode ser encontrada emADORNO(1962).140 Sobre a crítica aos museus entendidos como teatros da memória, verespecialmenteMENESES(1994).

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Paul Ricouer, ao se debruçar sobre os processos psíquicos,individuais e sociais de construção de memórias (individuais ecoletivas),dedicaumcapítuloparatratardamemóriaexercitada,seususoseabusos.Lidacomadistânciaentrerememoração–umtrabalhode luto, deprocessamentodeperdas,de estabelecimentode relaçõesentre a ausênciadaquiloque é lembradoede sua recuperação comorepresentação–ememorização.Amemorizaçãoconsisteemmaneirasde aprender e pensar que encerram saberes, hábitos e que serelacionam a uma economia de esforços. São saberes e práticas quepodem ser repetitivos e que nos permitem realizar inúmerasatividades vinculadas à sobrevivência e convivência diária. São elesque nos possibilitam a percepção de nosso lugar na sociedade e nacultura(RICOUER,2007,p.71-99)

A memorização implica domínio/dominação do mestre queensina e disciplina o discípulo, sendo essencial para a educação e asocialização. A memória é o presente do passado e se articula aopresente do futuro (expectativa) e ao presente do presente(intuição)141.Memorizaçãosignificamemóriaexercitada,vitóriasobreoesquecimentoquenosimpediriadeviveredenosreconhecer,bemcomo reconhecer o mundo circundante. Consiste em uma arte queassocia imagens a lugares e permite a organização de sistemas delocalização e de identidade142. Nessa dimensão os museus,notadamenteosdeHistória,exercempapelimportantíssimo.

Ao mesmo tempo em que indaga sobre as possibilidades detransposição da memória/memorização individual para a memóriacoletiva (e que constitui o solo de enraizamento da historiografia),Ricouerseatémaosusoseabusosdamemóriaartificial,aquelaqueéforjadasocialmenteeaolongodotempo.Chega,assim,aoquechamoudememóriaimpedida–aquelaquenãoconseguerealizarotrabalhodelutoenãoconseguepromoverarecordaçãolibertadoradasoposiçõesentrecelebração-execração/glória-humilhação(RICOUER,2007,p.83-93).Oexcessodememóriaeacompulsãodarepetiçãoinviabilizamotrabalhoderecordaçãoedepercepçãodoslugaresondeaviolênciase

141Sobreoscomplexostrabalhosdamemória,consultaaobraseminaldeBOSI(2015).142Sobreasrelaçõesentrememorização,ensinoeconstruçãodeidentidade,vertambém:SPENCER(1986).

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escamoteia pela insuficiência de memória. A esta se contrapõe amemóriamanipulada,amaissensívelemtermosdacompreensãodosmodos pelos quais as diferentes formas de exercício de poderengendramaquiloquedeveserlembradoequeconstituioconjuntodereferênciasdeculturaquebalizaidentidadesindividuaisecoletivas.

“...A ideologização da memória torna-se possível pelosrecursos de variação oferecidos pelos trabalho deconfiguração narrativa. E como os personagens danarrativasãopostosnatramasimultaneamenteàhistórianarrada,aconfiguraçãonarrativacontribuiparamodelaraidentidadedosprotagonistasdaaçãoaomesmotempoqueoscontornosdaprópriaação.HannahArendtnoslembraque a narrativa nos diz o “quem da ação”. É maisprecisamentea funçãoseletivadanarrativaqueofereceàmanipulaçãoaoportunidadeeosmeiosdeumaestratégiaengenhosa que consiste, de saída, numa estratégia doesquecimentotantoquantodarememoração.....amemóriaimposta está armada por uma história ela mesma“autorizada”, a história oficial, a história aprendida ecelebradapublicamente.Defato,umamemóriaexercidaé,no plano institucional, uma memória ensinada; amemorização forçada encontra-se assim arrolada embenefício da rememoração das peripécias da históriacomum tidas como os acontecimentos fundadores daidentidade comum. O fechamento da narrativa é assimpostoaserviçodofechamentoidentitáriodacomunidade.História ensinada, história aprendida, mas tambémhistória celebrada. À memorização forçada somam-se ascomemorações convencionadas. Um pacto temível seestabelece entre rememoração, memorização ecomemoração....”(RICOUER,2007,p.98).

Debruça-se, finalmente, sobre a memória obrigada,

articuladoradodeverdememóriaedodeverdejustiça.Porumlado,somosdevedoresaosquenosprecederamequenoslegaramheranças.Por outro, caberia “submeter a herança a inventário”, o que não selimita a guardar rastros materiais (RICOUER, 2007, p. 101). E

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novamente aquinos deparamos com osmuseus deHistória, espaçosnosquaisessascontraditóriaseconcomitantesdimensõesdamemóriase apresentam no entrelaçar de rememorações, impedimentos,deveresdememóriaeesquecimentos.

TambémRégineRobinabordouessasdimensões,maspormeiode outra perspectiva. Procurando enfrentar a “obsessão atual” pelamemória,aautoranãosóreconhecequeosdiscursossobreamemóriasemanifestamdemodofragmentadoecacofônicocomoensejamuma“saturação”.

“...Somos capazes de enfrentar essa multiplicidade dediscursos e representações sobre o passado, essainfinidadede informaçõesrecebidaspela internetoupelatelevisão, as publicações e os filmes?...Esse excesso dememória que nos invade hoje poderia ser apenas umafiguradeesquecimento,poisanovaeradopassadoéadasaturação. Saturação por inversão de signos, [pela]suspensão de passado próximo mas não pensado, nãocriticado; poruma indiferençaaopassado; [por] formasde representaçãohollywoodianas....; enfim,por causadosfantasmas de ‘tudo guardar’ que acompanham nossaimersãonomundodovirtual...”(Robin,2016,p.19-22).

Robin discute, simultaneamente, os trabalhos damemória, asimplicações do esforço para gerir, perseguir, reavivar e arquivarpassadoseosprocessosdeesquecimento.Chamaaatençãoparaofatodequeosapagamentosdesituações,personagens,obraselembrançasnãoserelacionamdiretamenteàdestruiçãofísicadelocaisevestígios.Pelo contrário, o passado pode se tornar “nulo e não ocorrido” porintermédio de processos institucionalizados de anistia e indulto; porsilênciosmantidos em torno de pessoas e episódios, mesmo quandoarquivos conservam seus traços, a despeito dasnarrativas históricasnão os interrogarem; e, sobretudo, por processos de substituição(ROBIN,2016,p.81-96).

“...Overdadeiroesquecimentotalveznãosejaovazio,masofatodeimediatamentesecolocarumacoisanolugardeoutra,emumlugarjáhabitado,deumantigomonumento,

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de um antigo texto, de um antigo nome. Ou ainda voltaratrás passando por cima de um passado recente,obliteradoemfavordeummaisantigo...”(ROBIN,2016,p.93)

Robin, por caminhos específicos, reaviva problemas que jáhaviamsidoenunciadosporManoelLuísSalgadoGuimarães(2008)epor Michel van Praët (2009). Por um lado, aborda os laços quearticulam museus, patrimônios ali conservados e o empenho dediferentes segmentos da sociedade em produzir narrativas sobre opassado,oqueaproximaaconstituiçãodepatrimônioseaescritadaHistória. Por outro, a compreensão de que osmuseus são entidadespúblicas marcadas por tensões, contradições e negociações entre asociedadeeascomunidadesdecientistas.Espaçosnosquaisvicejamamemória de conhecimentos e de práticas de saber são,simultaneamente, espaços de recalques e apagamentos, a contrastarcom a visibilidade de coisas, imagens, nomes e personagens aliexpostos.

Essas tensões e contradições se encontram agravadas nostempos presentes quando nos defrontamos com o universo virtualmarcado pela profusão, fragmentação e rápidasubstituição/justaposiçãoderepresentações,imagense“informações”.Dadaaimpossibilidadedereconstituirosnexosquedãoorigemaatos,imagens e palavras, a quantidade e diversidade daquilo que seapresentaanossossentidosaoinvésdeesclarecertornamaisopacoosespelhamentos da “realidade”. Além disso, a obsessão pela memóriaencontra-se articulada, contraditoriamente, a intenso desejo deesquecer,situaçãocomplexaqueDonDeLilloflagrouemseuromanceOhomememqueda(2007).Inscritonomomentodoatentadoàstorresgêmeas em Nova York, em 2001, o enredo descreve, entre outraspersonagens, uma terapeuta empenhada em registrar a memória develhos atingidos pela síndrome de Alzheimer, numa tentativaobstinadadeajuda-losanãoesquecerquemsãoeaauxiliarelaprópriaa manter viva a lembrança de seu passado e do presente recente,procurando com isso burlar aquela mesma síndrome que haviaatingidobrutalmenteopai.Suavidaencontra-seenlaçada,porém,adeumexecutivodomercadofinanceiroquesofreuotraumadoatentado,mas buscava desesperadamente esquecer as circunstâncias que o

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fizeram sobreviver enquanto seus amigos desapareceram nosescombros e na poeira. Para ambos, tratava-se de reconstruirtrajetórias, atingidas por devastações físicas e emocionais, mas oscaminhos imaginados para isso se mostravam aparentementeantagônicos e cheios de angústias, atravessados pela perseguição detudolembraroudetudoolvidar. É nesse cenário, indicativo de alguns dos aspectos do tempopresente, que os museus de História se situam. Ao longo de seupercurso,essasinstituiçõesatuaram(eatuam)numuniversodeforçaspolíticas, protagonizado por diversos agentes quepartilham intensosdebatesemtornodaciênciaedacultura.Sujeitoseobjetosdedisputasem torno do passado e de seus usos, osmuseus, notadamente os deHistória, se encontram em contínuo movimento de legitimação ereflexão.Por issomesmo,mostram-se essenciaisparaomapeamentodas relações, controversas e movediças, entre a sociedadecontemporânea, a ciência, de forma geral, a História e suasconfigurações, em particular. Considerá-los como locais em que semesclamaconstruçãodenarrativassobreaHistória,apreservaçãodepatrimônios, o estudo e abordagem de temas específicos eresponsabilidades sociais e culturais que somente instituições comoessas podem assumir, significa problematizar e requalificaradjetivações como “lugares de memória” e “lugares de geração deconhecimentos”.

3. Museus de História: do saber consagrado à possibilidade dereflexãoinovadora

Os museus de História estão articulados ao movimento deconfiguração do campo disciplinar daHistória bem como à chamada“história nacional”. Essas instituições estão inscritas no processo deformação da sociedade burguesa e da cultura sobre a qual essasociedade se ergueu. As relações de poder nessa sociedade, cujaemergênciacoincidecomasrevoluçõesliberaisdosséculosXVIIIeXIX,fundamentam-se em sólida ciência, pautada na observação, naexperimentação,nasclassificaçõesenacriaçãodeinstrumentosfísicoseconceituaisparaoexercíciodadominaçãosobreanaturezaesobrecomunidades entendidas como “incivilizadas” porque possuidoras de

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característicasespecíficasediferentesquandocomparadasaopadrãoocidental. Os museus exerceram papel essencial no desenvolvimento eacumulaçãode saberes, bemcomona irradiaçãoda ciênciamoderna,quehojepermitemaexpansãotecnológicaqueconhecemos.Sãolocaisque agregam o trabalho de vários pesquisadores, que reúnem econservam coleções e espécimes diversificados e, ainda, dãovisibilidade aos resultados do labor científico. Ajudam, também, aviabilizaraespecializaçãoefragmentaçãodasáreasdeconhecimento.Projetam o futuro e imobilizam o passado, seja da natureza e daHistória, seja ainda da sociedade moderna e de formações sociaisanterioresàindustrialização.

NoséculoXIX,epelomenosatémeadosdoséculoXX,emseusespaços eram preservados e estudados aquilo que a sociedadeindustrial havia selecionado como patrimônio coletivo e de caráteruniversal, o que direcionava valores, padrões éticos, conteúdospedagógicos.Ouseja,enquantoosgabinetesdecuriosidadesreuniamobjetos de um saber aparentemente diletante e de erudição(GUIMARÃES, 2007), os museus agregavam – a partir deprocedimentosdeestudoeclassificaçãosistemáticos,voltadosparaaação, para a aplicação política e econômica dos resultados doconhecimento–amemóriadomundo,tornandovisívelepereneoquenanaturezaerainvisívelemortal,procedimentoadotado,igualmente,comoqueseconvencionoudenominarHistóriadepovosecivilizações.

A princípio poder-se-ia imaginar que, nas antigas áreascoloniais, o surgimento desse modelo de museu, ainda hoje tãopresente,fosseresultadodadependêncialatino-americanaaoscentrosdifusores da cultura eda ciência, situadosna Europa, especialmente.Entretanto,essaéumainterpretaçãomuitoredutoraesimplificadadeprocessos de circulação, apropriação e atualização, no tempo e noespaço,deideiasepráticasformuladasnaschamadasáreascentraisdocapitalismomundial.

Nas últimas décadas, na América Latina em geral, vem sedesenvolvendo estudos críticos em relação a esse entendimentoeurocentrista e difusionista dos processos de incorporação edesenvolvimentodasciênciasnospaísesnãoeuropeus.Semperderdevistaamundializaçãodomovimentodeorganizaçãodasciênciasedosmuseus,osestudosmaisrecentesprocuraminvestigarainteraçãodos

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modelos internacionais com os interesses, ideias ementalidades dosdiferentes atores sociais que interagiram naprodução científica e nacriaçãodosmuseuslatino-americanos(LOPES,1997).

Maisrecentemente,LuizGerardoMoralesMorenointerrogouarepresentatividade social dos museus americanos de História eCiências, mostrando como essas instituições, ao contrário do quegeralmente se imagina, expressam pensamentos e ações genuínos,consoantes com as circunstâncias da cultura e da política latino-americanas. Se aparecem como modelares em relação aos padrõeseuropeus agregam significações e simbolismos nacionais, mostrandoprocessos complexos de apropriação e transformação da culturaocidental(MORALESMORENO,2010;2012).CumpremnaAméricaosmesmos desígnios de seus congêneres, contribuindo para afundamentaçãoe irradiaçãoderepresentaçõessobreosprocessosdeformaçãonacional,tornandouniversaisedespersonalizadasnarrativasoriginadas de lugares sociais específicos. Essas narrativas aparecemparaosmaisdiferentespúblicosesegmentossociaiscomose fossemexpressãode“realidade”enãoconstruçõeshistóricas,muitasdasquaistransformadorasdememóriasemsabersobreaHistória. Particularmente no tocante aos museus de História, cabelembrar que, tal como os museus de Ciências no século XIX, eramconcebidos como espaços complementares à narrativa históricaescrita,servindo-lhedeautenticação.Permitiama“materialização”dopassado, tangível ao campo das sensações - em uma época em quehistória, memória e passado pareciam se confundir -, enquanto orelato escrito provocaria emmaior grau o dispositivo da imaginação(BANN,2004,p.153-180).

Sãoespaçosderepresentaçãoporexcelênciaque,emconjuntocom a escrita da História, o romance histórico e a pintura históricacompuseram um ambiente cultural, no qual jogaram papel decisivo,pois contribuíram para sedimentar os códigos através dos quais aHistória se tornou campo disciplinar e chegou ao grande público. Omuseu servia (e ainda serve) demediação entre o saber histórico, opassadoesuadivulgaçãocomoconhecimentoparaopúblico,visandoaeducá-loeinstruí-lo.

OsmuseusdeHistóriaqueseoriginaramduranteosprocessosconflituosos de organização dos estados nacionais projetam, comoobservou Poulot, uma história nacional homogênea, alegórica, que

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realçaopassadocoletivamentepartilhado,míticoporqueapaziguado(POULOT, 2003). Nos dias de hoje, esse passado-memória da nação,produzido para se confundir com a história-processo parece estardesacreditado. As transformações aceleradas e de toda a ordem queatingiram as sociedades contemporâneas - fazendo com quedesigualdades,fraturas,demandaspordireitossociaiseconfrontaçõesadquiramvisibilidadecotidiana-envolveramasinstituiçõesdeculturaeeducação,sobretudoosmuseus.Poroutrolado,tambémadisciplinada História – que não se confunde com o passado tampouco com omovimento da história – enfrenta questionamentos dentro de seuprópriocampo(PIRES,2014).

O debate em torno dos museus e suas funções envolve,portanto, não só a crítica aos critérios que definiam/definem o queselecionar e preservar em um universo cada vez mais poluído devestígioseruínas.Foramquestionadasasexposições,seusconteúdosemodelos, acompanhando-se a crise dos paradigmas que emergiu nasciênciasemgeralenaHistóriaemparticular,entreasdécadasde1960e 1980. É nesse contexto que se consolidou a crítica aosmuseus deHistórianacionaleaosmodospeloquaisseconfigurava,apartirdessasinstituições,umadefasagemquaseinsuportávelentreaidealizaçãodopassado nacional e a valorização do direito àmemória por parte desujeitos sociais que não se reconheciam nas representações, nosobjetosenosedifíciosdessasinstituições.Foiduranteessedebate,noqual tiveramatuaçãoessencialtantoasuniversidadesquantoo ICOM(Internacional Council of Museums), que a noção de patrimônioampliou-se, passandoa abarcarmanifestaçõesmateriais e imateriais,bemcomoheranças geradaspelamobilizaçãode gruposorganizadosquereclamavamseureconhecimentoepreservação.

Entretanto,essasmudançasnacompreensãosobreosmuseuseaquilo que poderiam ou deveriam realizar, não quer dizer que osmuseusdeHistórianacionaldesapareceramoudeixaramdeimpactare seduzir aspessoasnomundodehoje. Pelo contrário,Beatriz Sarloapontacomoademandaatualpormemóriaassocia-seàdemandaporHistória,emváriasdimensões,dasquaisumadasmaissignificativaséa memória nacional. Basta verificar a repercussão de livros dedivulgação,deromanceseproduçõescinematográficassobre temasepersonagensconsagradospelaHistóriaensinada(SARLO,2007).Maisque isso,comosugeriuPierreNora,aglobalizaçãoeadescolonização

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de áreas coloniais no século XX, em particular, ensejaram não só adesmaterializaçãodacultura comooreconhecimentodadiversidadecultural,semqueidentidadesememóriasnacionaisperdessemcaráterreferencial, o que têm gerado confrontações intensas equestionamentos violentos em torno de reinvindicações levantadaspor indivíduos, segmentos sociais e grupos étnicos que miram suaspróprias memórias. Muitas vezes, porém, como lembra Nora, essasdemandas se alicerçam nas mesmas práticas de conhecer quesustentaramosmuseusdeHistórianopassado, reproduzindo-secomsinal invertido práticas de dominação do conhecimento e depolarizaçãoentre“verdades”e“mentiras”(NORA,2009).

Desde os meados do século XX, premissas e procedimentosadotados no campo disciplinardaHistória e nosmuseus deHistórianacional veemsendoalvosde críticas eproblematização.Entretanto,esses procedimentos não diminuem a relevância de estudar-se agênese desses conhecimentos e instituições, compreendendo-se seusfundamentos e a enorme capacidade de memorização e atualizaçãodaqueles pressupostos ainda hoje, pois é forçoso reconhecer que,apesar do empenho dos profissionais que militam nos museus e adespeito da repercussão alcançada pela chamada Nova Museologia(HERNÁNDEZ HERNÁNDEZ, 2015), muitos espaços museológicosespelhamaHistória e amemórianacional lastreadas em concepçõesdelineadasaolongodoOitocentos.

Nessesentido,ComunidadesimaginadasdeBenedictAnderson(2008), constitui obra de referência para refletir sobre amemórianacional, bem como sobre a construção de panteões e museus nosséculosXIX eXX.Ao ladodapreocupação em inserir as experiênciaspolíticas americanas no quadro global de emergência das naçõesmodernas, Anderson mostra como as revoluções liberais, quer naEuropa, quernaAmérica, nutriramo sentidoda ruptura edaquebradas tradições, mas, simultaneamente, instituíram a moldagem demodelos históricos de interpretação e de formulação de narrativasadequadosàapropriaçãodasgênesisdosprocessosentãovivenciados.

Nessemovimento,notadamenteemantigasáreascoloniais, semostraram fundamentais a uniformização da língua, a introjeção edifusão de uma leitura genealógica do nacionalismo (PALTI, 2003;2009),acriaçãodeumahistória-memórianacional(NORA,2011)eosmuseus.ParaAnderson,estessãolocaissingularesporque,aoladode

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funções didáticas, exercidas em consonância com o ensino público,exprimiam de maneira estética e emotiva, por intermédio davisibilidadedeobjetosefragmentosderuínas,asbatalhas,tragédiasevitóriasquetodaasociedadedeveriacompartilhar,comofundamentodecoesãoe igualdade,comorecursopara lembraroquenãopoderiaseresquecido,recalcando-se,noentanto,oquepoderiaferiraimagemda fraternidade nacional (ANDERSON, 2008, p. 256-260). Andersonvai, então, tecendo vínculos entre ciência, linguagem, museus eperspectivas de coesão social, sublinhando o peso que adquiriu odelineamento de patrimônios territoriais, culturais e históricos naemergência das nações, interpretadas por ele como comunidadesimaginárias.

Também Eric Hobsbawm, particularmente na coletânea queorganizoucomTerenceRanger(HOBSBAWM&RANGER,1984),dirigeoolharparaacriaçãoeatualizaçãodepráticaseexperiênciascoletivas,produzidaspelosEstadosnacionaisaolongodoséculoXIXedoséculoXX,quevisavamaestabelecer,pormeiodemonumentos,calendários,festividades, ritos e símbolos, condições de congraçamento ecompartilhamento públicos, formas de coesão e sentidos depertencimentoaumamesma sociedade.A escola teriapapeldecisivopara isso,bemcomoosmuseusdeHistórianacionalpelavalorizaçãoparticularizadada ciência eda culturanacionais e, aomesmo tempo,pela articulação entre aspeculiaridades locais e o fenômenomundialdosnacionalismos.

A concepçãode “lugardememória”, definidaporPierreNora(NORA, 1984), pode ser inscrita nessa vertente de compreensão dosmuseus de História como espaços de celebração nacional, deconservação patrimonial e de integração entre o particular e auniversalidadedaculturaocidental.Mas,nessecaso,aexpressãoteriauma conotação politicamente conservadora, atribuindo-se àquelasinstituições o caráter permanente de garantir a perpetuidade detradições eherançasmateriais e imateriais, recebidasdos temposdafundaçãodanacionalidade,comosenasúltimasdécadasomundonãotivessesetranstornadoprofundamente,oqueobrigouosprofissionaisdosmuseusdeHistórianacionala refletir emodificar concepçõesdetrabalhoeinvestigaçãojuntoaosacervossobsuaresponsabilidade.

Entretanto, o conceito e suas significações receberam váriascríticas. Como mostrou François Hartog, apesar de se banalizar, a

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expressãorelacionava-seaummomentopeculiardahistóriadaFrançae das reflexões sobre a possibilidade de uma escrita da história danação por ocasião das comemorações do bicentenário da revoluçãofrancesa.Nãopoderiaser interpretadade forma literal, tampoucoseraplicada indistintamente, como se todos os patrimônios nacionais,fossem materiais ou imateriais, pudessem ser assim classificados(HARTOG,1996).

OutradimensãoadquiremponderaçõeselaboradasporRicouersobre essa noção e suas múltiplas implicações. Ricouer procurouevidenciarasmudançasinterpretativasfeitaspelopróprioNoraentreomomento da edição doprimeiro volume da obramonumental “Leslieuxdesmémoires”,em1984,equandodotérminodaedição,em1992,ocasião em que reconheceu o caráter celebrativo que o conceitoassumiu contrariamente ao que ele havia proposto, nummovimentoemqueamemórianacionalacabouporsuplantaranaçãoeasfissurasque a atravessavam (RICOUER, 2007, p. 412-421). Nesse sentido, a“tiraniadamemória”viriaaacentuaraindamaisocaráterconservadorda expressão e dos museus de História que, desde então, seconverteramemquasesinônimosde“lugaresdememória”.

Dominique Poulot acentua que esse modo de reconhecer apresença dos museus de História nacional na atualidade é o maiscorrente,jáqueamaiorpartedaspessoasinterpretaessasinstituiçõespormeioderelaçõesdeexterioridade.Ouseja,prevaleceapercepçãosimplificadadequesedestinamàpreservaçãoeexposiçãodeobjetos,ruínase tambémdeumpassadosupostamente imutáveledistante.Apráticadaproduçãodesaberesatravésdainvestigaçãodascoleçõeseobjetosqueacolhemacabasubsumidanasuposiçãocorriqueiradequemuseus existem para guardar provas e saberes autenticados pelamemória e pela História. Museus seriam garantidores de que asfuturas gerações tivessem acesso ao passado (ainda que não sequalifiquegeralmenteosentidodessapalavra),criando-selaçosentreos primórdios desses estabelecimentos e sua “evolução” posterior,denotativa, por outro lado, da própria “evolução” da História e daacumulação de conhecimentos ao longo do tempo (POULOT, 2003;2005).

Noentanto,éprecisointerrogarequestionaressaqualificaçãoconservadora epreservacionistaatribuídaaosmuseusdeHistórianacontemporaneidade. Desde pelo menos os anos de 1950, houve

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significativadefasagementreodesenvolvimentodaHistória,disciplinaacadêmica, o ensinodaHistória comseus conteúdos e osmuseusdeHistórianacional.Noentanto,essesespaçosconsolidaramsuaposiçãocomo referências tantopara o campode estudosda culturamaterialquanto, particularmente, para manifestações da memória social, quenão está atrelada, de forma incondicional, aos ditames da memórianacional(POULOT,2003).

Assim, os escritos de Ecléa Bosi sobre aos trabalhos damemória e a reconstituição das lembranças de pessoas idosasmostram-seessenciaisemtermosdapossibilidadede ampliaçãodossentidosquerevestem,deformarecorrente,osespaçosmuseológicos(BOSI, 2015). Suas reflexões permitem a compreensão dosmuseus,notadamenteosdeHistórianacional,comolocaisquepodemsuscitarprocessosdereleituradeobjetos, imagenseexposiçõese, sobretudo,reavaliaçõesdenarrativashistóricasprojetadasaliaolongodotempo.

Ao debruçar-se sobre a memória de velhos, moradores deasilos,nacidadedeSãoPaulo,nosanosde1970e1980,Bosivaleu-seda concepção de “comunidade de destino” para fundamentar umametodologiana qual sujeito e objeto da pesquisa se confundem e seequiparam, sublimando relações de exterioridade entre eles. Maisainda: por intermédio das memórias dos depoentes evidencioumatizadas relações entre indivíduos, cultura e cidade. Interpretou asnarrativas que colheu como versões possíveis sobre o passado, aHistória,otempoeacidadedeSãoPaulo.Observouquenãohárelatos“verdadeiros”, mas interpretações produzidas a partir de lugaressociaisdiferentes,apartirdeexperiênciasdevidaedeengajamentoe,notadamente, com a intermediação do presente. É do presente queparte o chamado para a rememoração, a lembrança e seu registro.Assim sendo, a memória não está constrangida à conservação dopassado,mas à rememoração fragmentada, fluída e transformada dopassado no presente. A matéria da memória submete-secontinuamente à releitura de situações, releitura atravessada poremoções e condicionamentos dados no presente então vivenciado(BOSI,2015,p.43-64).

As considerações de Ecléa Bosi mostram-se fundamentaisquandoofocoestánosmodospelosquais,historicamente,amemórianacionalfoiproduzidaedivulgada,particularmenteporintermédiodeespaços museológicos. Bosi propõe reflexões metodológicas que

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envolvem:arelaçãodopesquisadorcomotemaeasquestõesquesepropõe a estudar; uma crítica contundente ao autoritarismo dopesquisador que supostamente pode se colocar “fora” do tema queconstruiu143; a relativização da concepção de verdade bem como daoposição verdadeiro/falso, que tantas vezes interfere no trabalho dohistoriadoredomuseólogo;eavalorizaçãodoesforçoemconfrontar,comparar diferentes versões sobre os mesmos episódios, o queesmaeceaatitudedopesquisadoremdaraúltimapalavra.

Omodopeloqualomomentopresenteinterferenaelaboraçãodelembrançasereflexõesdenunciaquelaços-aparentementeforteseimutáveis - entremuseus ememórianacionalpodemser rompidos eprofundamente relativizados tanto pelos variados públicos que hojefrequentamessas instituiçõesquantopor curadores epesquisadores.Ouseja,tambémamemórianacionalpodeserreavivada,incentivadaetransformada pelo presente, sem que esses procedimentos sejamcelebrativos ou meramente comemorativos, o que faz dos museusinstituições absolutamente abertas, inscritasno debate frenético queocupa o campo da ciência e da cultura neste momento histórico.Passíveisdesofrerdemandasdesegmentossociaisdiversificadosque,ora os contestam ora desejam neles influir, os museus de Histórianacional oferecem possibilidades de reflexão sobre as relaçõesviscerais (mas invisíveis) entre o que ali está espelhado e o que asociedade (ou seus segmentos) querem projetar, possibilitandoenriquecedoras quebras de polaridades entre verdade/mentira ehistória/memória, promovendo a compreensão de complexidades enuanceshistóricasnemsempreobserváveisemobrasde literaturae,notadamente,nalinguagemvirtual.

PierreNorapropôs,maisrecentemente,umarediscussãosobreoentendimentodoqueseria“lugardememória”,abordandoosmodospelos quais no mundo contemporâneo a memória nacional cedeuespaço para memórias fragmentadas, capazes eventualmente derivalizar e colocar em cheque a História acadêmica e a Históriaensinada nas escolas (NORA, 2009). Dois outros estudiosos tambémpodem ser mobilizados para esse debate, pois oferecem outrosencaminhamentosarespeitodamemóriaedeseuslugares.

143 Para aprofundar a crítica à concepção realista de que o passado existeantesqueohistoriadorsedebrucesobreele,consultarFEBVRE(1965)

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Um deles é Andréa Huyssen que tem procurado discutir ospossíveissignificadosdaculturadamemórianasociedadeatual.Suaspreocupaçõesdizemrespeitoàscondiçõeshistóricasqueensejaramafluidezde consumos culturais, envolvendoas relações entrepassado,memória e globalização. Aproxima-se de Nora, ao interrogar aobsessãopelamemóriaepelapreservaçãodetradiçõesedepassados.No entanto, afasta-se enormemente do historiador francês, pois seufoco maior é o futuro, tanto da cultura quanto das instituições decultura. Para Huyssen, a cultura damemória é também a perda daconsciência histórica; a suposta preservação da memória seria umcaminhoparaesquecimentos,obscurecendotragédiasegenocídiosquenãosãoregistradoscomotalousequersãoregistrados,oqueremeteaproblemasreferidos,também,porRégineRobin,comojáapontei.

Suasponderaçõesatingememcheioopapelatéentãoocupadopelos museus de História nacional não apenas porque questiona aspolaridades entre história/memória e real/imaginário – dimensõesquesãochavenaorigemedesenvolvimentoatualdessasinstituições–comoporque interpretaaculturadamemórianacondiçãodeculturada mercadoria, alertando para a profunda articulação que vem seestabelecendo entre consumo cultural, desenraizamento eespetacularização de museus e exposições. A seu ver, a cultura damemória não enraíza, não preserva e privilegia a noção de que opassado pode ser visto como espaço vazio e homogêneo a serpreenchido pelo presente, como se as temporalidades não fossemengendradaspelamudançasocial.Culturadamemóriaérepresentaçãoque se sustenta no âmbito da mercantilização das práticas culturaisconsumistas, mas que não encontra suporte na conservação depatrimônios tampouco envolve uma compensação pelas perdasincontornáveisemrelaçãoaopassado.

“...A memória sempre é transitória, notadamente poucoconfiável, acossada pelo fantasma do esquecimento, empoucas palavras: humana e social. Enquanto memóriapública está submetida à mudança: política, geracional,individual. Não pode ser armazenada para sempre, nempode ser assegurada pelos monumentos; nesse aspecto,tampouco podemos confiar nos sistemas digitais derecuperação de dados para garantir sua coerência e

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continuidade. Se o sentido do tempo vivido está sendonegociado nas nossas culturas contemporâneas damemória, não deveríamos esquecer que o tempo não éunicamente o passado, sua preservação etransmissão....Ainda se a amnésia é um produto colateraldo ciberespaço, nãopodemospermitir quenosdomine omedodoesquecimento.Eacasoseja tempoderecordarofuturoemlugardepreocupar-nosunicamentedofuturodamemória....”(HUYSSEN,2000,p.21).

Mais contundentes ainda, sãoas observações feitasporMario

Rufer. Recuperando tradições interpretativas lançadas por WalterBenjamin,AndersoneFrançoisHartog,oautordiscutecomohistóriaememória representammodos diversos de trabalhar o tempo, modosdiferentes de construir representações sobre o tempo e seussignificados, ambos atravessados pela política e, no caso dassociedades latino- americanas, pelos processos excludentes deconfiguração das nações, surgidas a partir das Independências. Nacompreensão do autor, as narrativas sobre a formação dasnacionalidadesestãofincadasemumsujeitohistóricoqueéoEstado-nação,oqueparaelepodesignificarquetodasasdemaisexperiênciaspolíticas e de temporalidade que não se adequem àquela correm orisco de acabarem submetidas e esquecidas ou desqualificadas(RUFER,2010).

SeualvoprincipalsãoosmuseusetnográficoseantropológicosnaAméricaenaÁfrica,massuasconsideraçõesenglobamosmuseusde História nacional e exercem uma crítica profunda à suposição dequesejapossívelrebaterosprocessosdedominaçãopolíticaeculturalengendradospelasociedadeatualcomoutrasmemóriasounarrativasquecontivessemavisãodos“subalternos”oudominados.Ruferbuscarevelar as implicações de procedimentos que estão na base daproduçãodoconhecimentohistórico,emparticularaexistênciadeumahistória universal que aniquila o próprio reconhecimento daheterogeneidadedotempocomoexperiênciavividaenarrada.

Interroga os limites do “reconhecimento” por parte dospoderespúblicosedeinstituiçõesdecultura–comoosmuseus–dasminoriasedegruposindígenas,porexemplo,alertandoparaofatodeque esse reconhecimento não representa a possibilidade de uma

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“igualdade” social e de uma paridade de tratamento no âmbito daHistória nacional reconhecida e ensinada. Muito ao contrário, emvirtude das práticas da ciência e da cultura estarem ancoradas emconcepções e ações políticas que fundamentaram a construção dasociedade de classes, quanto maior for a musealização dos povosindígenasoudegruposconsideradoscomomarginalizadospeloEstadomaiorserá,aseuver,oesquecimentoeahomogeneização/dominaçãodessasculturasepopulações.

Rufer ajuda a pensar os sentidos dos museus nacionais deHistória no passado e na atualidade, debatendo os movimentos decontinuidadeederupturanaconstrução imagináriadanaçãosejanoâmbito dos discursos seja no da visibilidade e materialidade quesomenteosespaçosmuseológicospoderiamoferecer.Amemóriados“subalternos” e dos que foram omitidos e esquecidos, ao longo dosprocessos de construção dos Estados nacionais e das narrativas quevieramajustifica-los,seinstalapormeiodalinguagemdopoderedaautoridade da ciência, afunilando ou mesmo inviabilizando, nainterpretação do autor, as possibilidades de enunciação cultural foradodiscursodopoder(RUFER,2010,p.11-33).

Todas essas considerações caminham na direção de rechaçarinterpretaçõessimplificadassobreosmuseusesuasatribuições,alémde proporem questionamentos profundos sobre a substituiçãosimplória,nosespaçosdosmuseusdeHistórianacional,dememóriasenarrativasconsagradas,poroutras, supostamentemais “verdadeiras”.Mesmo em uma perspectiva mais conservadora dessas instituições,trata-se de reconhecer, como já observei páginas atrás, as relaçõespolíticas e de natureza científica em que elas se situam comoprotagonistas de um debate sempre candente sobre os modos deproduzirconhecimentosecultura.Levando-seaindaemconsideraçãoo fatodeque,diferentementedeoutrasentidadesdeconservaçãodepatrimônios, nos museus privilegiam-se, particularmente, asdimensões bidimensional e tridimensional de coleções, objetos erepresentações.

Nessesentido,cabe lembrarquestões formuladasporSalgadoGuimarães, citadas em uma das epígrafesdeste texto: de quemodosdar encaminhamento, no âmbito dos museus, às relações entre ovisíveleoinvisível,constitutivasdoofíciodehistoriar?OquetambémnosremeteaosversosdeValérysobreosprocessosmuseológicosde

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instruiroolhoaolhar,nemsempreperceptíveisecompreensíveisaosfrequentadoresdessesespaços.

Se, como lembraramGuimarães (2007) eMeneses (1994), dehámuitovêmsendointerrogadososliamesentrevereconhecer,issonão significaque se tenha rompidoo entendimentomais imediato ecotidianosegundooqualomuseuéolugar,porexcelência,emquepormeiodavisãoépossívelconhecereimaginaropassadoeaHistória-sejaounãoaquelaqueseaprendeunoslivrosdidáticosenaeducaçãoformal. A exposição de coleções - que para historiadores setransformam em documentos destinados a definir temas e construirproblemas históricos - para diferentes segmentos de público podemrepresentar evidências de tempos pretéritos, estabelecendo-searticulações entre os sentidos e a percepção rápida de “realidades”,notadamenteemfunçãodaênfasequeasmídiasdigitaisconferemaosnexosver-conhecer.

Oprocessohistóriconão é evidente,assimcomotambémnãosãoevidentesospercursospelosquaisesseprocesso foi registradoeinterpretado, sobrevivendo e chegando até nós (VESENTINI, 1999;GUIMARÃES, 2007). Entretanto, os museus, particularmente osmuseusdeHistórianacional,aomenosdopontodevistadosdesígniosque os originaram, trabalham com evidências (herdadas ouselecionadas apartirde critériosde incorporaçãodenovas coleções)que,por forçada impessoalidadeeaparenteneutralidadecomaqualsão expostas, criam a certeza de que ali residem não só uma visãocompleta de coisas e acontecimentos como um conhecimento clarosobre eles. A palavra evidência remete à visibilidade do invisível;remete também àquilo que se vê e que se dá a ver, podendo,igualmente, referir-se a provas e testemunhos. Como observouFrançoisHartog(2011),aevidênciaéquestãoqueinterroga“over”e,especialmente, o “fazer ver”, pois é a narrativa do historiador queconduzaessapossibilidade.

“...Hámuitotempo–paranãodizeranoitedostempos–ahistórianão seráuma “evidência”?Ela é relatada,escrita,feita.Ahistória,aquieali,ontemcomohoje,éevidente.Noentanto, dizer a “evidênciadahistória”não será, por issomesmo suscitar uma dúvida, reservar espaço para umponto de interrogação: será isso assim tão evidente? E

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depois de qual história se fala?... O que implica o fazerhistória e, emprimeiro lugar, deque edequemdependetal operação?...Oquever, especialmentequando se supõequesepodevertudoeemtemporeal?...(HARTOG,2011,p.11-p.229).

Mesmo reconhecendo-se que nas sociedades contemporâneas

há exigências por saberes e visões do passado que não secircunscrevemaocampoacadêmico,osmuseusdeHistóriapoderiamharmonizar distintas narrativas? Como encaminhar as demandas dediferentespúblicoseaomesmotempoasexigênciasdehistoriadoreseespecialistas que pensam osmuseus e suas exposições pormeio daspráticas contestadoras da historiográfica atual? No âmbito daproduçãodacultura,comosesituamosmuseusdeHistóriadiantedosdescolamentosentrememórianacional,memóriassociaiseHistória?

Como observou Dominique Poulot, o museu de Histórianacionalhojedeixoudeserolegisladordotempo,olugardepartilhaentre passado e futuro, podendo tornar-se espaço para um diálogoentre saberes históricos fundados no conhecimento sobre asdimensões da cultura material (POULOT, 2003; 2005). Não seria,então,omomentodesepensarnaconstruçãodenarrativasquenãosóexteriorizassem seus fundamentos e as tradições com as quais searticulam,masqueexplicitassemosprocedimentospelosquaisemummuseuaHistóriapodeser “visualizada”?Nãonosentidodeservista,masnosentidodeseapresentarparaadiscussãoosmodospelosquaiso saber sobre aHistória é construção histórica e autoral que não seesgotaousecompleta,emrazãomesmodomovimentodotempo,dastransformações,daacumulaçãodoconhecimento,darevisãocontínuadesse conhecimento. A instituição-museu perderia então a aura dedefinidorade conceitos e saberes inabaláveis para ser promotora deperguntas e de possibilidades de compreensão de passados cujostraços,comoobservouRégineRobin,aindanãoforamtematizadospelainvestigação. Poder-se-ia proporcionar a visão e o entendimento decomoeporqueossabereshistóricossãoconstruídos,aqueprincípioseposicionamentospolíticosesociaisrespondem,valorizando-seoolharatento que vence a angústia da pressa, desapega-se das ilusõescompensadoras da apropriação consumista, enseja o trabalho dapercepção e “se exerce no tempo: colhe por isso as mudanças que

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sofremhomensecoisas” (BOSI,A.1988).A“educaçãopeloolhar”,naexpressão de Alfredo Bosi, apresenta-se, assim, como propostaenriquecedora para vencer a imediata exterioridade entre ver econhecer, um convite para aprender a observar nos museusrepresentaçõesecondiçõesdavidahumananemsemprepercebidaseimaginadas. Seria possível, pormeio dessaprática, interrogarnossasrelações com os antigos emodernos historiadores que deixaram seulegado, particularmente nosmuseus deHistória nacional, e atualizarsugestõesfeitasporWalterBenjamin,em1930,quando,aodescrevercom entusiasmo uma exposição que o encantara, sublinhou a tarefalibertadoradeumaexperiênciacomoessa,naqualovisitantenãosainecessariamente mais erudito, porém, sem dúvida, modificado(BENJAMIN,1986).

Poder-se-iadizer,também,instigadopornarrativasgeradorasde ambiguidades, propulsoras de “neblinas de sentidos” (HORTA,2007, p. 133), que provoquem reflexões sobre as complexidades dopassado e do presente, sobre as indeterminações dos processoshistóricos e políticos dos quais surgiram a nação e seusdesdobramentosatuais,esobreos fundamentospolíticosesociaisdamemórianacionalconsagrada.Nemtemplo,nemfórum,nemteatro.Esim campo sempre aberto para o cotejamento e a confrontação deinterpretaçõeserepresentações,nelesereconhecendoahistoricidadedeações,propostaseconhecimentos.BibliografiaADORNO,Theodor(1962).MuseoValéry–Proust.In___________.Prisma.Lacríticadelaculturaylasociedad.Barcelona,Ariel,p.115-123.ANDERSON, Benedict (2008). Comunidades imaginadas. Reflexõessobre a origem e difusão do nacionalismo. Trad. D. Bottman. 2ª.Reimpressão.SãoPaulo,CompanhiadasLetras.BANN, Stephan (1994). As invenções da história. Ensaios sobre arepresentaçãodopassado.Tradução F.Villa-Boas.SãoPaulo,EditoradaUNESP.

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USABILIDADEECURADORIADIGITALDAVISITAÇÃOEM

360°PROMOVIDAPELOPROJETOERAVIRTUAL:OMUSEUVALE

LucianaFerreiradaCosta

UniversidadeFederaldaParaíba,Brasilhttps://orcid.org/0000-0002-5894-2741

MariadeFátimaNunes

UniversidadedeÉvora,Portugalhttps://orcid.org/0000-0002-0578-8728

AlanCurcino

UniversidadeFederaldeAlagoas,Brasilhttps://orcid.org/0000-0002-3433-1567

1.Introdução Opresentecapítulorelatapesquisa144quesepropôsaavaliarausabilidadesobperspectivadacuradoriadigitaldoProjetoEraVirtual.Paratanto,foianalisadaavisitaçãovirtualdoMuseuValenoâmbitodoprojetoemreferência.

A usabilidade é uma tentativa de semedir a user friendlinesscomo uma medida de qualidade. Em sua tradução em línguaportuguesa significa amigabilidade ao usuário, ou qualidade de seramigávelaousuário.Assim,“seumprograma(sistema/interface)nãoforuser friendly frequentementeestarádestinadoao fracasso,mesmoqueasfunçõesqueeleexecutesejamvaliosas”(Pressman,1995:71).

144 Desenvolvida no âmbito da Rede de Pesquisa e (In)Formação emMuseologia,MemóriaePatrimônio(REDMUS),grupodepesquisacertificadopela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil, e cadastrado junto aoConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).Disponívelem:http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6285275721310405.

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A usabilidade, segundo Dias (2003: 29) “é uma qualidade deusodeumsistema,diretamenteassociadaaoseucontextooperacionale aos diferentes tipos de usuários, tarefas, ambientes físicos eorganizacionais”.

Porsuavez,acuradoriadigital,aquinãorelacionadaapenasadados digitais e sua preservação, é relacionada à curadoria de arte,museus e patrimônio no contexto das tecnologias da informação ecomunicação.Esclarece-setalquestãoporque“Termoscomocuradoriadedados,curadoriadigitalecuradoriadeconteúdosãorelativamenterecentese[...]tendemaprovocarambiguidadeseequívocosquantoasuaaplicação”(Ferreira;Rocha,2018)145.

Ambos–Usabilidade eCuradoriadigital –serãodevidamenteabordadosemseçãodoenquadramentoteóricodestecapítulo,jáqueéfato que a influênciadas tecnologiasde informação e comunicação esuas possibilidades estão presentes no âmbito das práticasmuseológicas,despertandocadavezmaisanecessidadedeavaliação.

Em rigor, cabe ressaltar a escassa literatura sobre ambientesdigitais em Museologia e Patrimônio relacionados à Usabilidade e àCuradoriadigital.Mesmoassim,destaca-seainvestigaçãodeFerreiraeRocha (2018), supracitados, sobre a Curadoria Digital a partir daperspectiva da Arquitetura da Informação de interface virtual demuseus constituídos no plano físico a partir da perspectiva deelementosqueconfiguramossistemasdenavegaçãodewebsites146.

Sendoassim,pretende-secontribuircomaliteraturaacercadosambientes digitais consoante a usabilidade e curadoria digital naavaliação e gestão demuseus e patrimônios com interfaces virtuais,desde sua criação, funcionamento, divulgação e interação com seusvisitantes, a partir das relações interdisciplinares entre as áreas daCiência da Informação, Museologia, Turismo e Engenharia deUsabilidade. 145 Documento não paginado. Disponível em:http://enancib.marilia.unesp.br/index.php/xviiienancib/ENANCIB/paper/viewFile/204/1022.146 Trabalho premiado no Grupo de Trabalho 9 – Museus, Patrimônio eInformaçãodaAssociaçãoNacionaldePesquisaePós-GraduaçãoemCiênciadaInformação(ANCIB)porocasiãodoEncontroNacionaldePesquisaePós-GraduaçãoemCiênciadaInformação(ENANCIB)noanode2018.

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2QuadroTeóricodeReferência2.1Consideraçõessobreoturismovirtualeosmuseus

OTurismoéconsideradoaterceiramaioratividadeeconômicamundial. Ele nasce na esteira da evolução das migrações, dostransportes, da hospitalidade, que inclui osmeios de hospedagem, e,principalmente, da economia capitalista. Configura-se como prática eproduto de uma atividade econômica, mas também como formaçãopara pesquisa e atuação profissional como campo de saber, áreacientífica.

Como campodo saber, oTurismoéuma ciênciaque estudaofenômeno de deslocamento de repercussões globais e todas as suasinterrelações socioculturais, políticas e econômicas que derivam docomportamento do “consumidor–turista” com as comunidades dosdestinos turísticos, tendo como epicentro do fenômeno estudado ocaráter humano, pois são os turistas que se deslocam e nãomercadorias(Beni&Moesch,2016).

Desdeacriaçãodosmuseusesurgimentodaatividadeturística,bemcomo comaevoluçãodesuasáreascientíficas,asrelaçõesentremuseu e Turismo vêm contribuindo para o reconhecimento mútuoentreasculturaseparaorespeitoàdiversidadecultural,promovendoexperiênciasde aprendizagem, conhecimento e lazer.Da suaparte, omuseu promove interação entre o patrimônio cultural, por meio doacesso e fruiçãodos equipamentos culturais ou espaçosdememória,juntoaopúblicoturista.

ACartadePrincípiosparaMuseuseTurismoCultural,formuladapeloInternationalCommitteeforMuseology(ICOM)147,destacaemseutextojustamenteainteraçãoentreopatrimônioculturaleosvisitantes,especificandoopúblicoturista:

Opatrimônio cultural nãopode se tornarumprodutodeconsumo nem sua relação com o visitante pode sersuperficial. Se o turista conseguir identificar-se com opatrimônio,poderávalorizarepreservara importânciae,portanto, tornar-seumaliadodosmuseus. [...]Noquediz

147DuranteumaconferêncianaBolíviaenoPerunoanode2000.

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respeitoaoturismocultural,osmuseusdevemincentivaraparticipação ativa das comunidades locais noplanejamentodagestãodopatrimônioedasoperaçõesdoslocaisturísticos.[...]Éimportanteplanejarpasseiosusandoprogramastemporáriosquesãorestritosparasatisfazerosperíodos de lazer dos habitantes locais e ofereceralternativas para turistas estrangeiros. Os museus e oturismo cultural devem incentivar a interação entre osvisitantes em um quadro de respeito aos valores e àhospitalidadeoferecida(InternationalCouncilofMuseums,2007,online,traduçãonossa).

Scheiner(2017)eGonçalves(2017)ressaltamasressonâncias

das estratégias mundiais no campo do patrimônio cultural e dosmuseus sobre a atividade turística, partindo da noção que existemparadigmas a serem explorados aos quais os museus não podempermanecerindiferentes.

Acredita-sequearelaçãopúblico-museuéumdosparadigmasjáquecontempladiversasquestões“desdeosdiversostiposdemuseusaté osdiferentes públicos, estes desdobrados segundo gênero, idade,formaçãoeprocedência,entreoutros”(Valente,Cazelli&Alves,2005:184).Porsuavez,CostaeBrigola(2014)destacamqueosestudosdepúblico averiguam questões como: o perfil do visitante, seus gostos,suaspreferênciasculturais, suaopiniãosobreaexperiênciavividanomuseu, o impacto cognitivo no visitante, o impacto econômico dasgrandes exposições que atraem número significativo de visitantes deoutrasregiões,alémdafrequênciaefidelizaçãodopúblico.Aindaparaos autores citados, a Museologia aliada ao Turismo, com o aporteprático-epistemológico das áreas da Comunicação Social, Ciência daInformação, Psicologia, História, dentre outras, tornam contributivosos estudos de público de museus nas suas concepçõesinterdisciplinares.

Mais recentemente, os estudos de público de museus sãomarcados pela cibercultura. Esta, de acordo com André Lemos, “temsuas raízesno surgimentodosmeiosde comunicaçãodemassa,masganhacontornosdefinidosnaatualidadecomocomputadorpessoal,amicro-eletrônicademassaeasredestelemáticas”(Lemos,2002:282-283).Acibercultura,portanto,éaculturaidentitáriadorealaovirtual,

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é a cultura da hiperconectividade, da interação em rede, dadigitalização, dasplataformasdenavegaçãoon-line e da virtualidade,promotora das mais diversas e complexas redes de informação ecomunicação,viatecnologiasdeinformaçãoecomunicaçãoouporelasinfluenciadas(Costa,2008).

Lembra-seaquiotemadoDiaInternacionaldeMuseusdefinidopeloInternationalCouncilMuseums(ICOM),celebradoem18demaiode 2018, “Museus hiperconectados: novas abordagens, novospúblicos”, o qual conduz amuitas perguntas: Que novas abordagenssãonecessáriasparaengajarquemnãoestáonline?Queoutrasformas,paraalémdainternet,estãodisponíveisparasecriareestreitarlaçoscom o meio onde se atua? Como estratégias online e offline podemfortalecerasrelaçõesentrepequenosmuseus,processosmuseaiseascomunidadesondeselocalizam?Comograndesmuseuspodemtornarmais fortesos fiosqueosconectamaosdiversosextratossociaisnosgrandes centros urbanos? São questões que se configuram comocampo para Vemos aí um campo importantepara reflexão e atuação(IBRAM,2018).

Nocasodemuseusestabelecidosnomeiofísico,avirtualidadese configura como instrumento que, dentre outras inúmeraspossibilidades (marketing, interação com outras instituições, etc.),pode colaborar para que o turista se planeje previamente para umavisitapresencial na concretizaçãode suaviagem. É fatoque, no casodestetipodemuseu,ointuitodavirtualidadenãoésubstituiravisitapresencial,masuma formade fazercomqueomuseudesempenheasua função social levando o consumo cultural para o espaço dacibercultura.

Diferentementedomuseu tradicional (estruturadoapartir daexistência de edifício, coleção e público), o museu virtual écaracterizado pela inexistência da materialidade, desprovido depúblico (no significado literal da palavra), mas sim provido dapresença do visitante individual. O museu virtual é, portanto, umacriaçãonocontextodacibernética(Scheiner,1998). Além do termo museu virtual, é comum encontrarmos naliteratura outros termos e tipologias que refletem a presença dosmuseus no ambiente digital ou da cibercultura: Cibermuseu;Webmuseu; Museu digital; Museu virtual; Museu Online; MuseuEletrônico;Hipermuseu(Magaldi,2010).NoentendimentodeLoureiro,

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estas nomenclaturas representam a noção de “centralidade dainformação, e não mais a materialidade dos lugares e dos objetosfísicos,traçoqueacompanhouofenômenomuseudesdesuasorigens,semgrandesabalos”(Loureiro,2003).

Diante da cibercultura, advém tanto a demanda por museusvirtuais quanto pelo Turismo virtual, por sua vez pautado nodeslocamento de viajantes no ciberespaço e nas suas experiênciasvirtuais. Este novo tipo de Turismo possibilita às pessoas de váriasclasses sociais conhecerem locais e visitaremmuseus sem restriçõesfinanceirasoudetempocomoparaviajarfisicamente,considerando-seaexperiênciadesensaçõesdiferenteseinovadoras.

ParaDewailly(1999),arealidadevirtualestásetornandomaisimportantenomundodoTurismo,ou,comopodeserdenominadaessaexperiência, ciberturismo, tanto como uma ferramenta para a suapromoção, bemcomoumdestino turístico em si. Esta realidadevempromovendo cada vez mais o Turismo em vez de desencorajá-lo.Contudo,talrealidadeaprincípiolevaaumTurismoduplo,deixandoo"rico"comarealidadefísica-cadavezmaiscaraemtermosdetempoedinheiro, mas também mais gratificante - e os "pobres" com umarealidadevirtualfacilmenteacessívelereproduzível,masquepodenãofornecerumsentido completodo lugar.Há, entretanto, umotimismofuturocomoavançodastecnologiasdainformaçãoecomunicaçãoeointeresse dos equipamentos turísticos responsáveis pelos bensculturais e seus tomadores de decisão, como, no caso, osmuseus. Éprovável que a experiência turística se torne cada vez mais umamisturade realidade física e realidade virtual, satisfazendo assim deformamaisadequadaàsexigênciasdasustentabilidadeparatodos.

Dessemodo,oTurismovirtualsetornamaisumaformadeseconhecer e educar sobre o patrimônio cultural. O futuro deDewaillysobre amisturade realidade física e realidadevirtualna experiênciaturísticavemsedesenvolvendonavelocidadedaevoluçãotecnológica.Nãoàtoavivenciamosumaépocadegrandesinvestimentosporpartedos museus em digitalização de suas coleções e exposições,divulgaçõesemblogseoutrasferramentasdigitais,comcadavezmaisacuidadecomseuswebsites,tornando-osmaisacessíveis,ergonômicoseinformativos, incluindoréplicasvirtuaisdosmuseuseobjetosreais,utilizando-sedadisponibilizaçãodefotografiasahologramas,alémda

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ampla utilização de redes sociais na comunicação com seus diversospúblicos(Tavira,2014).

Assim, dos museus tradicionais aos mais recentes virtuais,novosparadigmasvêmsedesenrolandosobreosestudosdepúblicodemuseus referentes ao Turismo, através de diversos estudosconvertidos em práticas exitosas: estudos de usabilidade; estudos deergonomia cognitiva; estudos de acessibilidade virtual; estudos dedesign; estudos de satisfação; estudos estatísticos de acesso tantopresencial quanto virtual; estudos sobre a influência das visitasvirtuaisemfuturasvisitaspresenciaisaosmuseus;dentreoutros,massemnuncadeixarde lado a relaçãopromovidapelosmuseus entreopatrimônioculturaleseupúblico.

No final desta seção, cabe ressaltar omaisnovo fenômenodeatividade do Turismo Virtual relacionado à visitação de plataformasdigitaisdemuseusepatrimôniosobaperspectivapanorâmicade360°comomeios de experiências sensoriais aos visitantes, independentesdeseusobjetivosdevisitação.2.2CuradoriaDigital

O ICOM estabelece normas e diretrizes necessárias para osmuseusnoqueserefereàsuaconcepção,administraçãoeorganizaçãode suas coleções. Sua definição de museu, como espinha dorsal doICOM,é “uma instituiçãopermanentesemfinslucrativosàserviçodasociedadeeabertaaopúblico,queadquire,conserva,estuda,expõeedifundeopatrimôniomaterialeimaterialdahumanidadeparafinsdeestudo,educaçãoelazer”.Taldefiniçãovempassandopormudançaseampliação, desde a criação do ICOM, em função da evolução dasociedade,comvistasaacompanhar,assim,arealidadedacomunidademuseísticadomundo(InternationalCouncilofMuseums,2014).

Nessecontexto,porocasiãodeumarecentesessãodoICOM–a139ª sessão - realizada em Paris, entre os dias 21 e 22 de julho de2019,oConselhoExecutivodaorganizaçãodecidiupelaelaboraçãodeuma definição alternativa demuseu que seria votada na AssembleiaGeralExtraordináriadoICOMqueocorreuem07desetembrode2019emKyotonoJapão.Apropostadedefiniçãofoi:

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Museums are demoscratising, inclusive and polyphonicspacesforcriticaldialogueaboutthepastsandthefutures.Acknowledging and addressing the conflicts andchallenges of the presente, they hold artefacts andspecimensintrustforSociety,safeguarddiversememoriesfor future generations and guarantee equal rights andequal acess to heritage for all people. Museums are notprofit. They areparticpatory and transparente, andworkinactivepartnershipwithandfordiversecommunitiestocollect,preserve, research, interpret,exhibit,andenhanceunderstandings of the world, aiming to contribute tohuman dignity and social justice, global equality andplanetarywellbeing(ICOM,2019).

A referidadefiniçãonão foi adotadade fato, poisdurantea já

mencionadaAssembleiaGeralExtraordináriadoICOM,deacordocomAnaCarvalho(2019,online)148:“aadopçãodeumanovadefinição(ounão) sofreu uma reviravolta esperada, [...] uma terceira via emergiucom a proposta de adiamento da decisão. A maioria votou peloadiamento”. Carvalho apresentou o resultado da votação: 70,41%votaram sim ao adiamento, enquanto 27,99% votaram contra oadiamento.Consoanteoresultado,Carvalhoarremataque“umanovadefiniçãodemuseucontinuaráemcimadamesa,pelomenospormaisum ano. Resta saber em quemoldes será a discussão e que vias departicipaçãoserãopossíveis”.

A coleção de um museu, em contexto geral, é caracterizadacomo um conjunto de objetos materiais ou imateriais reunidos,classificados, selecionados e conservados por um indivíduo ou umainstituição (coleção pública ou privada), sendo comunicada a umpúblico. No entanto, num contextomais específico, surge a visão deKrysztof Pomian sobre coleção enquanto conjunto de objetostemporáriosoudefinitivosmantidosem local fechadocomoobjetivodeexposição.Assim,pode-sedizerqueoobjetose tornaportadordesignificadoememórias.

Oobjetodacoleçãonoâmbitodeumainstituiçãomuseológica,dentreoutrasquestões,éumarepresentaçãoconcreta/física/palpável

148PostconstantedoFacebookdaAnaCarvalho.

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damemória.Éelequeestabeleceligaçãoentreopassadoeopresente.Aincorporaçãodosobjetosaomuseupodeocorrerporcoleta,doação,legado, empréstimo, compra, transferência, permuta ou depósito.Aspectos como raridade, fabricação, relevância científica e cultural,antiguidade,preciosidadedoobjeto,sãoalgunsdosmotivosquelevamosmuseusasalvaguardaremosobjetosemseuacervo.

Mas para que um objeto seja incorporado ao acervo de ummuseu, o mesmo precisa ser pesquisado de modo a levantarinformações que o identifique com a missão da instituiçãomuseológica.Apósoreferidoprocessodepesquisaeanálise,oobjetoadquire valor documental, ou seja, “passa a compor uma coleçãodeterminadapela instituiçãoeassimse tornaelementodealgoaindamaior,denominadoacervomuseológico”(Padilha,2018:19).

Dessaforma,osmuseuspreservam,interpretamepromovemopatrimônio natural e cultural da humanidade. O patrimônio é oconjuntodebensevaloresnaturaisoucriadospelohomem(materiaisou imateriais), os quais são herdados de gerações anteriores oureunidoseconservadosparaseremdifundidosàsgeraçõesfuturas.

Na perspectiva de Filipe (2011), os museus devem estar aserviçodasociedadeedoseudesenvolvimento.Estessãoespaçosquerefletemamudançadassociedades.Atribui-seaosmuseus“objectivosdevalorizaçãodepatrimónioslocais,nacionaiseuniversais.Espera-sequeperenizemessepatrimóniosesigamoprincípiodasuasucessivatransmissãoàsgeraçõesfuturas”(Filipe,2011:1).

Masquemdecideoqueépatrimônio?Quemdecideoquedeveserpreservadoeexposto?Quemdecidesobrequeobjetoseráportadordeumconjuntodesignificadosparaainterpretaçãodefatosausentes?Enfim,quemcompõeesteimportantecoletivodedecisãonosespaçosdememóriadosmuseusedepatrimônio?

No âmbito dos espaços museais, o que se tem são os maisdiversos perfis profissionais com conhecimento específico. O ICOMapresentaumalistaquecontémcercade20profissionais,sendoalgunsdeles: os guardas ou chefes de segurança, os conservadores, osrestauradores, os museólogos (ou pesquisadores), o designer deexposição,osarquitetos,osadministradoresougestores,oscuradores,dentreoutrosperfis surgidos coma evoluçãodo campomuseológico(Desvallées&Mairesse,2013).

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Dentre os profissionais elencados, põe-se em evidência oCurador. Este profissional consta da lista do bureau de trabalho dosEstados Unidos como uma das 50 profissões mais promissoras doséculo XXI (Albertim, 2018). Fato este que suscitou a realização doSimpósio“The Critical Edge of Curating”,ocorridoem 2011 noMuseuGuggenheim, Estados Unidos, discutindo as seguintesquestõesquenortearam o evento: “Deque maneira a prática curatorial seposiciona em relaçãoaos aparatosdedifusãoartísticainstitucionalizados? Em que medida a curadoria implicaemumimpactopolíticoe social?”, como perspectivas críticas e atuaisdaCuradoria.

Tendo como papel estratégico a decodificação da produçãoartística ou científica, acervo de um museu, este profissional, oCurador, édetentordeumaautoridade respeitadano espaçomuseal,sendoconsideradaumaprofissãodeglamourepoderideologicamenteaceitopelasociedadeepelosistemadearte.Aliás,umaprofissãoquetematraídomuitosjovens.

Nem crítico, nem artista, nem marchand (aqueleatravessadordeluxoresponsávelporfazeroencontrodocriadorcomocomprador).Jovens,cultos,aomesmotempoiconoclastas e sacralizadores, uma nova geração decuradoresvaisefirmandonoBrasil.Éumfenômenomaisou menos recente: nunca, nos últimos 20 anos, houve oingresso de tantos jovens no sistema brasileiro de artescomoobjetivonãopropriamentedecriar,masdedarouampliar sentidos ao que é criado. O curador, sim, é osujeito que seleciona, ordena e significa as obras quevemosnumaexposiçãooupublicação(Albertim,2018).

Apesardeatrairmuitosjovenseserconsideradaumaprofissão

deglamourepoder,anovageraçãodecuradoresdemuseusegalerias,segundo Marti (2018), tem rotina árdua e se estabelecem “fora doOlimpo”,comas “mãosmaissujas”, referindo-seaumcotidianomaisbraçal diante da voracidade do mercado de arte que alavancou ademandapornovosprofissionaiscuradores.

EsecadavezmaisjovenssãoatraídosparaomercadodaarteeparaaprofissãodaCuradoria,maisasnovasgeraçõesnascidasnaera

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da Internet vêmpermitindoaprofissão se reinventar e sededicar asnovasformasdeselidarcomaarteeopatrimônioculturalatravésdastecnologias da informação e comunicação. Surge, então, a CuradoriaDigital.

Não se afastando do ambiente de museus, exposições epatrimônioculturalemfacedastecnologias,otermoCuradoriaDigitalveio, por outro lado, comportando a discussão da criação de dadoscientíficos de modo distribuído e o fenômeno da Big Data (dadosestruturados e não estruturados criados em massa) e a evoluçãocomplexadosobjetosdigitaisforjaramocenáriofavorávelaoqueseriachamadodeiníciode‘curadoriadedados’.

otermo‘curadoriadigital’estásendousadocadavezmaisparaasaçõesnecessáriasparamanterdadosdepesquisaemmeiodigitaleoutrosmateriaisaolongodeseusciclosde vida e do tempo para as gerações atuais e futuras deusuários. Implícitasnestadefinição estãoosprocessosdearquivamento digital e preservação digital, mas tambéminclui os processos necessáriospara criação de dados dequalidadeegestão,eacapacidadedeacrescentarvaloraosdados para produção de novas fontes de informação econhecimento(Beagrie,2004:7).

Poroutrolado,parafinsdapesquisaemrelatonestecapítulo,

cabe ressaltar o papel da Curadoria Digital sob o primeiro ponto devista. Neste percurso, importante é o trabalho de Menezes (2011)sobreaCuradoriaDigital,pautando-senaTeoriadaAçãoComunicativadofilósofoHabermas.ParaMenezes,naatribuiçãoparacriarcondiçõespara o público apreciar a qualidade das obras de um museu ou umpatrimônioculturalemnovoscontextoscontemporâneos,aCuradoriaDigitalsefazumaaçãomuseológicainterdisciplinarcapazdeintegraro campo das artes e das novas tecnologias, visando a construção designificadosatravésdacomunicaçãodosmuseusnaInternet(Menezes,2011).

Quandoseinauguraumsitedeummuseu,criam-secondiçõesou não para o público apreciar a qualidade das obras. Mesmo compoucos recursos tecnológicos e quase sempre financeiros, certoscuidados podem ser tomados com o objetivo de garantir melhor

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aproximação entre obra e público. Revela-se uma ação museológicainterdisciplinar, pois, da mesma forma que um Curador precisadialogar com diversos profissionais para montar uma mostra, aCuradoria Digital precisa mobilizar fotógrafos, programadores,designers, bibliotecários, técnicos do acervo e, se possível, todos osenvolvidos na instituição, nas diversas áreas, compondo, assim, umagestão compartilhada para materializar um site de um museu. Nodesenvolvimentodeum siteouumaplataformadigitaldeummuseu,de uma exposição ou de um patrimônio cultural, pode-se apostarnacomunicação comoumprocessodialéticode transformaçãode todososagentesenvolvidoscomalgumafunçãonessesespaçosdememóriasocial(Menezes,2011).

A escolha sobre o desenvolvimento do trabalho interno daCuradoriaDigitalserá importantediantedopúblicoexternovisitantedo site e dos espaços museológicos, uma vez que se busca ainteratividade no ambiente da Internet. Se entendermos essainteratividade como um diálogo intenso entre o museu e seusvisitantes, mediados por um site, não fica difícil a escolha pela açãocomunicativadeHabermas,comolastroconceitualdeMenezes(2011),buscando um entendimento e abandonando a estratégica e adramatúrgica.Obviamente,existirão sitesouplataformasdigitaiscomfins comerciais,maispreocupados emconvencer epersuadir.Apesarda incontestável interatividade, sites comerciais podem usá-la comomeio para coletar informações de seus usuários com o fim único deofereceroprodutomaisdesejado,reproduzindoumaculturademassaou uma cultura específica intencional sem escolha aos seuspúblicos.Diferentemente, com a ação comunicativa, omuseu pode interagir afimdecompreenderospúblicoseestestambémentenderemomuseu.ÉnesseconfrontonabuscapeloentendimentoéqueoCuradorDigitalpodeconseguirumaaproximaçãoadequadaentrearteeculturaeseususuáriosnaInternet.

2.3Usabilidade

SegundoCybis(2007:17)aEngenhariadeUsabilidadeemergecomo “esforço sistemático das empresas e organizações paradesenvolverprogramasdesoftwareinterativocomusabilidade”.Nessesentido,elaemergedaEngenhariadeSoftware,que,porsuavez:

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[...] é um rebento da engenharia de sistemas e dehardware. Ela abrange um conjunto de três elementosfundamentais –métodos, ferramentas e procedimentos –que possibilita ao gerente o controle do processo dedesenvolvimento do software e oferece ao profissionalumabaseparaaconstruçãodesoftwaredealtaqualidadeprodutivamente(Pressman,1995:31).

SegundoQueiroz(2001:47),engenhariadeusabilidadeé“umaárea do conhecimento na qual os pesquisadores e desenvolvedoresprocuram desenvolver e implementar técnicas que sistematicamentetornemosprodutostecnológicosmaisusáveis,otimizandoosprodutosatravés da otimização do processo”. Mas qual a origem e qual aimportânciadesseobjetodeestudodaEngenhariadaUsabilidade?

Para Pressman (1995), a usabilidade é uma tentativa de semedir a user friendliness enquanto uma medida de qualidade, que,traduzida ao português, significa amigabilidade ao usuário, ouqualidadede ser amigávelaousuário. “Seumprogramanão foruserfriendly frequentemente estará destinado ao fracasso, mesmo que asfunçõesqueeleexecutesejamvaliosas”(Pressman,1995:71).

O termousabilidadecomeçouaserusadonadécadade1980,comoumsubstitutodaexpressãouser-friendlytraduzidaaoportuguês,sobretudo nas áreasde Psicologia e Ergonomia. Sendo que o porquêdessa substituição está na constatação de que os usuários nãoprecisamqueasmáquinassejamamigáveisesimqueasmesmasnãointerfiram nas tarefas que eles querem realizar. Mesmo porque umsistema pode ser considerado amigável para um usuário e não tãoamigável para outro, tendo em vista que as necessidadesdiferem deumusuárioparaoutro(Dias,2003).

Traz-se,assim,opensamentodeDias(2003:29)quandoafirmaque“usabilidadeéumaqualidadedeusodeumsistema,diretamenteassociada ao seu contexto operacional e aos diferentes tipos deusuários, tarefas, ambientes físicos e organizacionais”. Em outraperspectiva,aautoraacrescentaqueausabilidadeestáligada,também,destavezdemodoindireto,aodiálogonainterfacecomamáquinaeàcapacidade de alcance dos usuários acerca de seus objetivos deinteração como sistema.Ao analisar ausabilidade, podemosafirmar

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queaofazê-lapensamosnousuário,noinício,nofimesempre,desdeacriação ao desenvolvimento de um sistema, pois a interface entreusuário-sistemaimplicanausabilidade.

A primeira norma internacional que definiu o termousabilidade foi a InternationalOrganization forStandardization(ISO)9126 publicada no ano de 1991 sobre qualidade de software. Estanorma conceitua a usabilidade “como um conjunto de atributos desoftware relacionado ao esforço necessário para seu uso e para ojulgamento individual de tal uso por determinado conjunto deusuários”. Vale ressaltar que embora a norma verse sobre software,suasorientaçõesdirecionam tambémaos sistemasde informaçãoviaweb.

AnormaISO9126,emsuaparte1,apresentaascaracterísticasdequalidadede software: a) Funcionalidade (capacidadedo softwaredeproverfunçõesqueatendemanecessidadesexpressaseimplícitas,quando usado nas condições especificadas); b) Confiabilidade(capacidadedosoftwaredemanterseuníveldedesempenho,quandousado nas condições especificas); c) Usabilidade (capacidade dosoftware de ser compreendido, aprendido, usado e apreciado pelousuário, quando usado nas condições especificadas); d) Eficiência(capacidadedosoftwaredeoperarnoníveldodesempenhorequerido,em relação àquantidadede recursos empregados, quandousadonascondiçõesespecificadas);e)Possibilidadedemanutenção(capacidadedo software de ser modificado. Modificações podem abrangercorreções, melhorias ou adaptações do software. Mudanças deambiente ou nas especificações funcionais e de requisitos); e f)Portabilidade (capacidade do software de ser transferido de umambienteaoutro).

As característicasdescritaspermitemdizerqueo software ouqualquer produto tecnológico deve “falar” a língua do usuário, compalavras, frases e conceitos familiares, ao invés de termos técnicosrelacionados à tecnologia. Os usuários ao utilizarem um software ouprodutotecnológiconãoesperamencontrarqualquertipodeproblemanemcometererrosinduzidospelamáqualidadedomesmo.

Otermousabilidade,apartirdessanorma,passouafazerpartede outras áreas do conhecimento, já que antes era limitadoprincipalmente à Ergonomia, tendo como conseqüência, conformelembraDias (2003),a fundaçãodaUsabilityProfessionals’ Association

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(UPA). A UPA era constituída por uma comunidade de profissionais,pesquisadoreseempresascomparticipaçãoempesquisasetestesdeusabilidade. Dessa forma, a UPA tem como slogan: “Promovendoconceitos de usabilidade e técnicas word wild web” (UsabilityProfessionals’Association,2009). ApartirdaspesquisasediscussõesdaUPA,ecomoevoluçãodanorma ISO9126,numaperspectiva centradamaisnousuáriodoqueno sistema/produto, surge, então, a ISO 9241, enquanto norma depadrão internacional do estabelecimento de requisitos ergonômicosparatrabalhocomterminaisdevisualização. Atente-se, especificamente, a parte 11 da ISO 9241, que serefere àdescriçãodausabilidadede sistemas.Estaparte a conceituacomo“aquelascaracterísticasquepermitemqueousuárioalcanceseusobjetivos e satisfaça suas necessidades dentro de um contexto deutilização determinado.” Com base em Cybis (2003) sublinha-se queestapartedanormaasseveraqueausabilidadedependedocontextodeuso, que compreendeosusuários, as tarefas, o equipamento, bemcomoosambientesfísicoesocialcapazesdeinfluenciarausabilidade.São observados e medidos, ainda, o desempenho e a satisfação dosusuários concernentesà eficáciada interação, eficiênciadosrecursosalocadoseoníveldeaceitaçãopelousuário.

Adefiniçãodeusabilidadenaparte11daISO9241édequesetratada “extensão na qual um produto pode ser usado por usuáriosespecíficos para alcançar objetivos específicos com efetividade,eficiênciaesatisfaçãoemumcontextodeusoespecífico”.Comosíntese,detalham-seosconceitosdanormaemquestão,descritanoQuadro1:

Quadro1:Característicasdausabilidade

Características ReferênciaUsuário pessoaqueinteragecomoprodutoContexto deuso

usuários, tarefas, equipamentos(hardware, software e materiais),ambiente físico e social em que oprodutoéusado

Eficácia precisão e completeza com que osusuários atingem objetivosespecíficos,acessandoainformaçãocorreta ou gerando os resultados

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esperados. A precisão é umacaracterística associada àcorrespondência entre a qualidadedo resultado e o critérioespecificado, enquanto acompleteza é a proporção daquantidade-alvoquefoiatingida.

Eficiência precisão e completeza com que osusuáriosatingemseusobjetivos,emrelação à quantidade de recursosgastos.

Satisfação conforto e aceitabilidade doproduto, medidos por meio demétodos subjetivos e/ou objetivos[...].

Fonte:InternationalOrganizationforStandardization9241-11).

No Brasil há uma norma específica que segue osconceitos/determinaçõesda ISO9241.Trata-sedaNBR9241editadapelaAssociaçãoBrasileiradeNormasTécnicas(ABNT),organismodenormalizaçãonacionalassociadoàISO.NaNBR9241,trêsinformaçõessão apontadas para que se possamedir/especificar a usabilidade deformamaisapropriada:a)umadescriçãodosobjetivospretendidos;b)uma descrição dos componentes do contexto de uso, incluindousuários, tarefas, equipamento e ambientes. Esta pode ser umadescriçãodeumcontextoexistenteouumaespecificaçãodoscontextospretendidos.Osaspectosrelevantesdocontextoeoníveldedetalhesrequeridos irão depender do escopo das questões apresentadas. Adescriçãodocontextoprecisasersuficientementedetalhadademodoqueaquelesaspectosquepossamterumainfluênciasignificativasobreausabilidadepossamserreproduzidos;c)valoresreaisoudesejadosde eficácia, eficiência e satisfação para os contextos pretendidos(AssociaçãoBrasileiradeNormasTécnicas,2002:4).

Na realidade, a ABNT reproduz a norma da ISO quanto aoconteúdoemcomento,com,inclusive,amesmanumeraçãodenorma,9241,porserarepresentantebrasileiraassociadainternacionalmenteàinstituição.

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De modo complementar, como precursor e estudioso daEngenharia da Usabilidade, Jakob Nielsen (1993) defende ser ausabilidade um conceito que busca definir as características deutilização,dodesempenhoedasatisfaçãodosusuários,nainteraçãoena leituradas enas interfaces computacionais, naperspectivadeumbom sistema interativo. Dessa forma, entende a usabilidade como aqualidadequecaracterizaousodeumsistemainterativo.

Ausabilidadegarantea continuidade e afirmaçãocompetitivade um site, de um software ou de um sistema de informação naperspectiva da interação com o usuário. É pela interação com ousuário, a partir do seu desempenho e da sua satisfação, que seevidenciaasobrevivênciadeumsistemadeinformação.Nessesentido,Nielsenindicaqueumbomsistemainterativodeveproporcionarcincofatores em relação aos seus usuários: facilidade de aprendizado,eficiência de uso, facilidade de memorização, suporte a erros esatisfaçãodosusuários.

Com o desenvolvimento dos Estudos de Usabilidade desde adécadade1990,essescinco fatoresdeumbomsistema interativosetornaramreferencialdediversostrabalhos/pesquisas(Queiroz,2001;Costa,2008;Costa&Ramalho,2010),sendoidentificadasedifundidasporseu idealizadorcomo“oscincoatributosdeusabilidade”(Nielsen&Loranger,2007).

Na realidade, Cybis (2007) adverte que existem diversosatributos, heurísticas, princípios, “regras de ouro”, parâmetros oucritériosutilizadosnosEstudosdeUsabilidade,propostospordiversosautoreseinstituiçõesnasúltimasdécadas,alémdapróprianormaISO9241.Contudo,ressaltaopontoconvergentedepreocupaçãodetodos,a de que “a construção de um sistema com usabilidade depende daanálisecuidadosadosdiversoscomponentesdeseucontextodeusoedaparticipação ativadousuárionasdecisõesdeprojetode interface[...]”(Cybis,2007:23).

Porúltimo,valeressaltarqueaquestãodausabilidadenãoserefereapenasaquãoamigávelumprodutotecnológicopodeserparaseuusuário.Ausabilidadevaimuitomaisalémdisso,poiseladeveserutilizada como instrumento estratégico de gestão de produtostecnológicosemconstanteavaliação,parabenefíciodasinstituiçõesouempresas que a promovem e para os usuários como fins de seusnegóciosouserviços.

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3.OProjetoEraVirtual

AEmpóriodeRelacionamentosArtísticos(ERA)surgiunoanode1999emSão JoãodelReinasMinasGerais,aindacomonomedeRealVision.Ointuitoeraaproveitaragrandedemandadeserviçosdevídeo provenientes da região, visto que o mercado não supria taisdemandas. No ano de 2003, a ERA passa a atuar com o nome deEmpórioFilmes,commudançadesedeparaacapitalBeloHorizonte.Jáneste ano, a empresa tinha sob sua responsabilidade a cobertura defestivais realizados no estado de Minas Gerais. Atuando também nainiciativa privada, a Empório Filmes passa então a contar comparceiros como a então Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, oGrupo Metalurg, Companhia Industrial Fluminense, Petrobrás,Marluvas, Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, oextintoGrupoVarig,BancoMercantildoBrasil,InstitutoBrasileirodoMeio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, dentre outrosorganismos,alémdaPontifíciaUniversidadeCatólicadeMinasGerais.

Em2006surgeefetivamenteaERAPropagandaePublicidadeLtda.,atuandocomonomefantasiadeERA.Comointuitodepromoverum intercâmbio entre festivais, a ERA utilizou uma nova forma deprestação de serviços na área cultural. Com a experiência adquiridanosinúmeroseventosrealizados,aempresavematuandoemsintoniacomomercadoatentaàsnovastecnologias(EraVirtual,2019b).

Naúltimadécada,aempresaERApassouaserdenominadaEraVirtual,tendocomoaporteastecnologiasparaseusprodutos.Umdoscarros-chefes da ERA é o Tour Virtual, responsável por possibilitarvisitasamuseusepatrimôniospormeiodesuaplataformanaInternet.

OprojetoEraVirtualcontoucomapoiodeorganismoscomoaFundação Vale e parceria do Instituto do Patrimônio Histórico eArtísticoNacional (IPHAN), a Organização dasNações Unidas para aEducação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e as prefeituras de OuroPreto e Congonhas. Segundoa Gerentede Cultura da Fundação Vale,HeloisaBortolo,“apromoçãodaarte,damemóriaedoconhecimentocontribui para o fortalecimento do sentido de cidadania entre aspessoas”.ParaaFundaçãoVale,umdosseusprincipaisfocoséampliaroacessodapopulaçãoàcultura,alémdecontribuirparaapreservação

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dopatrimônioedas identidadesculturaisbrasileiras (FundaçãoVale,2017). O Tour Virtual da empresa ERA visa a ampla divulgação epromoçãodosmuseusbrasileiros edeseus acervos, alémde cidadesconsideradasde alto valor comopatrimônioshistóricos, incentivadospela Lei Rouanet – Lei Federal de Incentivo à Cultura, e pela LeiEstadualdeIncentivoàCulturadoEstadodeMinasGerais.

Pormeiodevisitaçõesvirtuaisem360°imersivasaosacervosde exposições permanentes e/ou temporárias de museus epatrimônios brasileiros, o Projeto Era Virtual propõe: a) Difundiracervosúnicospresentesnosmuseusparticipanteseampliaroalcancesócio-cultural-turístico de cada um destes museus e exposições; b)Democratizaroacessoà informaçãoaopossibilitarqueasexposiçõesvirtuais sejam acessadas por qualquer computador por meio deendereço da web de acesso público e gratuito; e c) Criar produtocultural de qualidade que pode ser adotado como material didáticoparautilizaçãoonlinegratuitaemescolaseinstituiçõesculturais,assimcomo material de pesquisa e estudo nas áreas de museologia emuseografia,conservaçãoesegurançadeacervos(EraVirtual,2019a). O Projeto Era Virtual disponibiliza em sua plataforma digital(http://eravirtual.org):oitoexposiçõestemporárias,24museuseseispatrimônios culturais (material, imaterial e natural), computados emconsulta inicialmente realizadanadatade22demarçode2019.Emconsulta realizada em 06 de setembro de 2019, o quantitativo aquidescritosemantémomesmo. Constam das exposições temporárias: Exposição “De olho narua” – CECIP; O corpo na Arte Africana; A Química na História doUniverso; Cadê a Química; Biomas do Brasil; Carlos Chagas Filho,CientistaBrasileiro;EnergiaNuclear;eOlharViajante. Os 24museus disponíveis no Projeto Era Virtual são: MuseuVirtualPietroUbaldi;MuseuVale;MemorialMinasGeraisVale;MuseudeArtes eOfícios;MuseudoOratório; CasadeCoraCoralina;MuseuNacionaldoMar;MuseuVictorMeirelles;MuseudaRepública;MuseuCasa Guignard; Casa de Guimarães Rosa; Museu Histórico AbílioBarreto; Museu do Diamante; Museu da Inconfidência; Museu deSant’Ana; Memorial Tancredo Neves; Museu de Ciência e Técnica;MuseudoUniverso–Planetário;MuseudeArteSacra;MuseuImperial;Museu da Memória Republicana; Museu da Memória do Judiciário

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Mineiro;MuseuVirtualdoInmetro;eMuseuHistóricoCulturalVictorLucas.

JáosconsideradospatrimôniosculturaisdoProjetoEraVirtualsereferema:OuroPreto;ÁguasdoRioGrande;LendasSanjoanenses;SantuáriodeBomJesus–Congonhas; IgrejaSãoFranciscodeAssis–Pampulha;eoTeatroMunicipaldoRiodeJaneiro. 4.Metodologia A pesquisa descrita neste capítulo tem cariz bibliográfico edescritivo sob abordagem qualitativa. Utilizamos de observaçãosistemática de especialistas, previamente definidas de acordo com oobjetivo da pesquisa que perpassou pela descrição dos fatos dofenômenotecnológicosocialrelacionadoaousodeplataformasdigitaisde museus e patrimônio promovidas pela Curadoria Digital sob aperspectivadevisitaçãoem360°. Nestesentido,pauta-senasdefiniçõesdepesquisadescritivaeabordagemqualitativadeRichardson(1999)paravalidarapesquisa.

A análise descritiva se deu a partir da plataforma do ProjetoEraVirtualapartirdoscritériosdeavaliaçãodeusabilidade.

Determinou-se como amostra intencional de análise dausabilidadeecuradoriadigitaloMuseuVale,justificandoquelevou-seemconsideraçãoo apoio e o financiamentodaFundaçãoValeparaoprojeto.Nãoseconsideraumestudodecaso,masumestudoamostralrepresentativodouniversodiantedasmesmasmetodologiasadotadasnoTourVirtualdoProjetoEraVirtual.

Para efeito de avaliação da usabilidade do Museu Vale noâmbitodaplataformadigitaldoProjetoEraVirtual,alémdoscritériosde usabilidade descritos na Introdução deste capítulo, a pesquisa sepautouno“ChecklistdaCuradoriaDigital”desenvolvidosporMenezes(2011).

5.ResultadoseAnálises5.1OMuseuVale

OMuseuVale,segundoseusiteoficial,estáinstaladonaAntigaEstaçãoFerroviáriaPedroNolasco,àsmargensdaBaíadeVitória,em

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umaáreatipicamenteindustrialeportuárianomunicípiobrasileirodeVila Velha, Espírito Santo. Inaugurado em 15 de outubro de 1998, oMuseuValevemagindodeformaintegralecontinuada,mantendoumpapel importante na formação de jovens e indutor de atividadesculturaisnaregiãodaGrandeVitóriaedemaismunicípios.GeridopelaFundação Vale, instituição que realiza ações, projetos e programassociaisnas regiõesonde aVale atua, a atuaçãodoMuseuVale se fazsempre por meio do diálogo e interação permanentes com ascomunidades, integrando os moradores nas atividades culturais eprogramas planejados. Imprimindo em sua gestão a visão demuseucomo espaço vivo, dinâmico, num trabalho sempre educador eabrangente, em que a cultura é considerada nas suas dimensõessimbólica, social e econômica, oMuseu Vale é reconhecido como umprojeto de grande impacto e interesse social e uma das experiênciasculturaismaisnotáveisnoBrasil(MuseuVale,2019). Fisicamente, o Museu Vale está localizado na Antiga EstaçãoPedroNolasco,semnúmero,Argolas,VilaVelha,EspíritoSanto,abertocom entrada gratuita de terças a domingos, a depender dastemporadasdas10às18horasoudas8às17horas. Consoante a instalação do Museu Vale na antiga EstaçãoFerroviária Pedro Nolasco, este espaço museológico guarda umaimportantememóriavivaparamuitosmineirosecapixabas,jáquetalEstradade Ferro ligava os estadosdo Espírito Santo eMinas Gerais,mantendo-se nopassado como importante viade transporte, seja dematérias-primas, produtosmanufaturados, bemcomode sonhos, dosmuitospassageirosquefizeramdelarotadeviagemdiariamente(EraVirtual,2019c).

Na visita proporcionada pelo Tour Virtual do Projeto EraVirtual às dependências do Museu Vale, pode-se conhecer a suahistória, através de objetos, instrumentos topográficos, ferramentas,fotos,quedecertaformailustramenosremetemaumaépocaondeavontade de se concretizar um objetivo, era superior as dificuldadesencontradas, e não foram poucas, enfrentadas pelos homens quedesbravaram as densas florestas, abrindo caminho para o progresso(EraVirtual,2019c).

Alémdoacervohistórico, no edifício sededomuseu, pode-se,através do Tour Virtual em 360°, entrar no galpão de exposições econferiromelhoremtermosdemostrasdeartecontemporânea,além

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deapreciarobeloentornodoMuseuVale,cujafrenteseavistaabelapaisagemdabaíadeVitória, com imagensdas embarcaçõesdoPortodeVitóriaaosmaisvariadosdestinos. Ademais, na página do Museu Vale, o Projeto Era Virtualdisponibiliza um menu com as seguintes opções: Home; Projetos;Visitas Virtuais; Como Navegar; Notícias; Livro de Recados; FaleConosco;eopçãodeBuscanaplataforma.Alémdeseuscontatosfísicoe eletrônico, disponibiliza acesso às suas interfaces pelo Facebook,Youtube e Picasa, mantém uma caixa de notícias, e cadastro paranewsletter,boletimouinformativocompelomenosocampodee-mailparaserpreenchido.Paraalémdisso,aplataformapossibilitaescolheroidiomaaseraudívelduranteoTourVirtualnaslínguasportuguesa,inglesa,espanhola,francesaenaLínguaBrasileiradeSinais(LIBRAS),tornando o ambiente digital acessível à comunidade surda, além dacomunidadecegapelanarraçãonalínguaescolhidaduranteavisitação. Vale destacar que todas estas iniciativas estão disponíveis atodososprodutosmuseológicosedepatrimôniosculturaisdoProjetoEraVirtual.

O Livro de Recados e a caixa de opção Fale Conosco permiteumamelhor interatividadecomosusuáriosdaplataformadoProjetoEra Virtual, bem como por meio da utilização das redes sociaisdisponibilizadas.5.2ChecklistdaCuradoriaDigital Para efeito da pesquisa em relato, houve visitação doMuseuVale na plataforma digital do Projeto Era Virtual, sendo a primeiravisitaçãoem18demarçode2019eaúltimavisitaçãoem22demarçode2019. ComoprimeiroparâmetrodeavaliaçãodoMuseuVale,utilizou-seoscritériosavaliatóriosdeMenezes(2011)quantoaodiálogocomomuseu através da “Checklist da Curadoria Digital” adaptados àrealidadedaplataformadigital. Em sequência, apresenta-se os resultados da “Checklist daCuradoriaDigital”:

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Quadro2-ChecklistdaCuradoriaDigitaldoMuseuValeItensAvaliados Presença/Realização

deServiçoLink de acesso ao site oficial domuseu

SIM

Nomedomuseunapáginainicial SIMNome curto do museu naprimeirapágina

SIM

Contatos na página inicial ou aumclique

SIM

Fotografia do edifício do museunapágina inicial,aumcliqueoucomoimagemdefundo

SIM

Acesso digital facilitado por umnome curto ou de fácilmemorização

SIM

Históriadomuseunumbotãoouaumclique

SIM

Cadastro para newsletter,boletimouinformativocompelomenos o campo de e-mail paraserpreenchido

SIM

Informações sobreagendamentodevisitasmonitoradas

NÃO

Mapadecomochegaraomuseu NÃOInformações de como chegar aomuseu

SIM

Informações sobre o serviçoeducativodomuseu

NÃO

Informações sobre cursos,palestras, debates e outroseventos

NÃO

Mapadositesemprevisívelequeapresente de forma organizadatodooconteúdo

SIM

Botão página inicial ou homesemprevisível

SIM

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Mantémemtodasaspáginasumbotãodeajuda

SIM

Informações sobre a loja domuseu

NÃO

Informações sobre parceiros epatrocinadores

SIM

Informaçõesparajornalistaspormeio de botão imprensa comreleases,imagenseoutrosdadosdeatendimento

NÃO

Notíciasdomuseupublicadasemjornais,revistasetc.

NÃO

Indicação de rede social oucomunidadevirtualdomuseu

NÃO

Identidadevisual semantémemtodasaspáginas

SIM

Apresenta conteúdo emmais deumidioma

SIM

Apresenta algum recurso deacessibilidade

SIM

Acervo digitalizado e disponívelparavisualização

SIM

Busca simples pelo acervodigitalizado

SIM

Busca avançada pelo acervodigitalizado

NÃO

Informações gerais sobre asobras

SIM

Informações técnicas sobre aproduçãodaobra

NÃO

Informações críticas e/ouhistóricassobreaobra

NÃO

Informaçõessobreoartista SIMUtilizaáudio/vídeo SIMControlede zoomda imagemoucliqueparaaumentá-la

SIM

Controle da cor de fundo da NÃO

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imagemIndicaçãodeexposição SIMPrimeira página destaca pelomenos uma obra de arte doacervo

NÃO

Obra de arte clicável nos levapara informações relevantessobre ela ou sobre umaexposição ou evento que aconsidere

SIM

Informaçõessobreexposições SIMObras digitalizadas dasexposições

SIM

Exposição digitalizada ou visitavirtual

SIM

Obra digitalizada da exposiçãoclicável nos leva à mesma peçadoacervo

SIM

Glossário com termos do campodaarte

NÃO

Fonte:Dadosdapesquisa(2019),adaptadodeMenezes(2011)

A “Checklist da Curadoria Digital” doMuseu Vale desvela umproduto museológico como espaço de memória em uma plataformadigital onde a informação e a comunicação se demonstram de altanavegabilidade e acessibilidade atrativas aos seus usuários. Pela“Checklist da Curadoria Digital”, a Usabilidade do Museu Vale sedemonstrasatisfatória,defácilmemorização,proporcionandobaixaounulataxadeerrosnoseuuso,comeficiênciaeeficácia,oquetambémpodeserconfirmadonasubseçãoqueseguesobreavisitaçãoem360°aoMuseuVale.5.3Visitaçãoem360°

A partir do “Checklist da Curadoria Digital” do Museu Vale,passa-seàavaliaçãodescritivadesuavisitaçãoem360°.

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Figura1–PáginadeAcessoaoMuseuValepeloProjetoEraVirtual

Fonte:http://eravirtual.org/museu-vale/

AvisitavirtualaoMuseuValepeloProjetoEraVirtualseinicia

atravésdaescolhadalínguautilizadaparavisitação.Apósestepasso,avisita começa no lado externo do museu. Na próxima página, sãoencontradas informações de navegação e narração sobre asfuncionalidadesdoMuseudoValenaplataformadigital.

Figura2–IníciodoTourVirtualaoMuseuValepeloProjetoEra

Virtual

Fonte:

http://www.eravirtual.org/muv_pt/flash/ERA%20VIRTUAL_muv_pt.html

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Nocantosuperiordatelaovisitanteencontraummapaparaselocalizar.Assimque ele entra, setas indicamos trajetosque elepodepercorrer.Épossívelterumavisãode360°grausdequalquerpontodomuseu.

Figura3–ÁreaInternadoMuseuVale–ExposiçãodeLocomotiva

Fonte:

http://www.eravirtual.org/muv_pt/flash/ERA%20VIRTUAL_muv_pt.html

Todasasobrasdoacervoexpostopodemserampliadasapartir

deumclique,possibilitandoaousuárioobservar todososdetalhese,emmuitoscasos,giraroobjetoparavê-lodetodososângulos.

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Figura4–SaladeMultimeiosdoMuseuVale–TextoExplicativo

Fonte:

http://www.eravirtual.org/muv_pt/flash/ERA%20VIRTUAL_muv_pt.html

Duranteavisitahátextosexplicativossobrecadasetorecada

obradaexposição.Alémdisso,todoopercursopodeseracompanhadoporumguiavirtualque transmiteao internauta informaçõessobreolugareseuacervo.

ParaqueoTourVirtualaoMuseuValepeloProjetoEraVirtualfossepossível,omuseueseusobjetosforamfilmadosefotografadosdediversos ângulos e em alta definição. O sistema permite ao usuárioavançarouvoltarnomomentoemquequiser,aproximar-sedasobras,leroqueconsiderarmaisrelevanteetc.,podendo iraqualquerpartedomuseusemitinerárioobrigatório.

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Figura5–TourVirtualdoMuseuVale–Escolhadeângulosde

visitação

Fonte:

http://www.eravirtual.org/muv_pt/flash/ERA%20VIRTUAL_muv_pt.html

ParaaequiperesponsávelpeloProjetoEraVirtual,atecnologia

tambémnãodemandacomputadorespotentesoucommuitamemória,o que torna o projeto acessível de qualquer máquina, em qualquerlugardomundo,gratuitamente,garantindoboausabilidadedoMuseuVale.6ConsideraçõesFinais EsterelatodepesquisaobjetivouaavaliaçãodaUsabilidadedoProjetoEraVirtualsobperspectivadaCuradoriaDigital,pormeiodavisitaçãovirtualdoMuseuVale. A pesquisa não se baseou em survey ou teste com usuários,além dos autores pesquisadores, pela experiência e produção sobreestudos de usos da informação e usabilidade, já tendo proposto ummodelodenominadodeEstudosHíbridosdeUsodaInformação(Costa& Ramalho, 2010). Como a pesquisa tem caráter descritivo equalitativo,optou-sepelaavaliaçãosemtestecompopulações,apenaspor observação sistemática, previamente definida para os fins dapesquisa.

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A pesquisa relatada neste capítulo não tem a intenção deesgotar a discussão e os estudos acerca da usabilidade e curadoriadigital, considera-se que traz contributo de aporte teórico-metodológicoparaoosfenômenosemquestãopormeiodaconexãodesaberesentreCiênciadaInformação,Museologia,Patrimônio,TurismoeEngenhariadaUsabilidade,alémdeumalargamentodadefiniçãodeCuradoria e Curadoria Digital a partir de sua acepção primeirarelacionadaàArteeCultura. Com quaisquer limitações que se possam apontar ao ProjetoEra Virtual, é de se confirmar a prática exitosa de seus objetivos,principalmenteaosquesereferemadifundiracervosúnicospresentesnosmuseusparticipantesdesuaplataformadigitaleampliaroalcancesócio-cultural-turístico de cada um destes museus eexposições;democratizaroacessoàinformaçãoaopossibilitarqueasexposições virtuais sejam acessadas por qualquer computador pormeiodeendereçodawebdeacessopúblicoegratuitoatravésdecadavez mais Tours Virtuais sob uma perspectiva integrada, inclusiva,acessível e assistiva de 360° com tecnologias avançadas; edisponibilizaraosusuáriosprodutosculturaisdequalidadequepodemseradotadoscomomaterialdidáticoparautilizaçãoonlinegratuitaemescolas e instituições culturais, assim como material de pesquisa eestudo nas áreas da Ciência da Informação, Museologia, Patrimônio,Turismo,dentreoutras. Proporcionaraousuárioumaexperiênciadevisitaçãovirtualaexposições,museusepatrimôniosculturaisem360°éalgoquedeveriase tornar cadavezmais comumparaproporcionaro amorpela arte,cultura, museofilia, ainda mais quando se trata de um país como oBrasil, com tantas desigualdades sociais e de acesso à educação ecultura. Como exemplo pesquisado do Projeto Era Virtual, pelaobservação sistemática realizada, a interface do Museu Vale naplataforma digital do projeto garante o alcance aos objetivos domesmo, reproduzidos em todos os seus outros produtos, sejamexposições,museusoupatrimôniosculturais. Ressalta-se que a escolha doMuseu Vale é icônica diante doapoiodesdeoiníciodoProjetoEraVirtualpelaempresaValepormeioda Fundação Vale, bem como pela importância deste espaço dememórianãosóparaosestadosdoEspíritoSantoedeMinasGerais,

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OBJETOSDEEDUCAÇÃOEMCIÊNCIASDANATUREZA:

CONSIDERAÇÕESSOBREOSPROCESSOSDECONSERVAÇÃOEASPOSSIBILIDADESDEUSOSPEDAGÓGICOS

RaquelSantosPalma

UniversidadeFederaldeSãoPaulo,Brasilhttps://orcid.org/0000-0003-0777-954X

ReginaldoAlbertoMeloni

UniversidadeFederaldeSãoPaulo,Brasilhttps://orcid.org/0000-0002-4664-1079

1.Introdução

Entreosobjetosqueconstituemopatrimônioculturalmaterialda escola, esta pesquisa coloca em destaque os artefatos que, dealguma forma, fizeram parte dos processos de ensino e deaprendizagem da educação em Ciências da Natureza. Esses objetoscompuseram o cenário das salas de aula, dos laboratórios, dosgabinetes e dos museus escolares e hoje podem estar em outrosambientes,porexemplonassalasdasadministrações,nassecretarias,nos corredores ou nos porões e sótãos das instituições escolares.Apesar de haver objetos de ensino de ciências em outros espaçosinstitucionais como nos museus pedagógicos ou em museus deciências, há um conjunto significativo desses materiais também nasescolas.

As iniciativas para a preservação dos acervos escolares sãorelativamente recentes e, namaioria das vezes, foram desenvolvidaspor iniciativa dos grupos de pesquisa que têm como interesse ahistória das instituições escolares ou do ensino. Além dessasiniciativas, há açõesque são realizadasde forma isoladapor agentesescolares, mas essas quase sempre acontecem sem o apoio técniconecessário.

Embora nos últimos anos tenham sido desenvolvidos algunstrabalhoscomoobjetivodepreservarosacervospresentesnasescolas

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brasileiras, deve-se reconhecer que esses trabalhos ainda são casosisolados, pois não há uma política estabelecida que tenha comoobjetivo a preservação do patrimônio, e as condições, tanto técnicascomo estruturais das escolas, não possibilitam que sejam realizadasaçõesnosentidodapreservaçãoouusodessematerial.Oquesesabesobreasituaçãoatualdopatrimônioeducativoéquegrandepartedosacervosqueoconstituiencontram-seemriscodedesaparecimento.

Ainda há poucos estudos de análise do patrimônio educativodas escolas secundárias, especialmente dos objetos de educação emciências.Tambémsãorarosostrabalhosquetenhamcomoobjetivoouso dos objetos ou a incorporação dos acervos nos projetospedagógicos. De acordo com Felgueiras (2011), os trabalhosrelacionadosaosacervosescolaresvêmseconcentrandonaprocuraenaguardadeacervos,nainventariação,narecolhaenaexposiçãodosartefatos. No Brasil, grande parte das investigações dedica-se àidentificaçãodosobjetos,àinventariaçãodosacervos,àsaçõesdiretasde conservação (limpeza e higienização) e ao registro dos objetos eacondicionamentoemlocaisadequadosparaasuaconservação.

Nesse sentido, esse texto tem como objetivo apresentaralgumas questões teóricas emetodológicas relativas à conservação eaosusosdosobjetosdeeducaçãoemciênciasadquiridosentreoséculoXIX e os anos de 1970 que ainda se encontram nas instituiçõesescolares. A escolha do período justifica-se em função do início daorganização dos espaços escolares para o ensino das Ciências daNatureza, no Brasil, até o movimento pela atualização da educaçãocientíficaqueocorreunasdécadasde1950e1960.

Aprimeirapartetratarábrevementedoprocessodeaquisiçãodos objetos pelas escolasdesde o século XIX até os anos de1970. Asegundaparteapresentaráumbalançodasituaçãoatualdosacervosedealgumaspesquisasquevêmsendorealizadas.Naterceiraparte,seráapresentado um breve balanço dos principais trabalhos que estãosendo desenvolvidos sobre o patrimônio científico-educativo emescolasdoEstadode SãoPaulo.Naquartaparte, serãodiscutidososprocedimentosparaconservaçãodosobjetosprocurandorelacionarasteoriasdaconservaçãocomasespecificidadesdosobjetosescolares.E,finalmente, no quinto tópico serão apresentados os resultados dealgumas pesquisas que têm como objetivo oferecer às escolasalternativasparaapreservaçãoeousodopatrimônioeducativo.

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2.AaquisiçãodosobjetosdeeducaçãoemCiênciasdaNaturezapelasescolasbrasileiras

AprofessoraRosaFátima identificou trêsperíodosque foram

significativosparaaescolabrasileira,relativosàaquisiçãodemateriaispedagógicos: “a modernização pelo método intuitivo na virada doséculoXIXparaoséculoXX,asproposiçõesdaEscolaNovanasdécadasde 1930 a 1950 e a renovação representada pela TecnologiaEducacionalnasdécadasde1960e1970.”(SOUZA,2013,p.105).

Entre as várias propostas reunidas em torno do que foichamado de método intuitivo, havia a que orientava que as escolasdeveriamconstituirosseusmuseusescolarescomobjetosconhecidospelos estudantes para aproximar o ensino do seu cotidiano(VALDEMARIN, 2004), o que implicava, no caso das disciplinas deCiênciasdaNatureza,embuscaremseumeioosmateriaisnecessáriosparaoensino.

Nessemovimento,asescolasforamestimuladasaorganizaremseusespaçosdeensinodeciênciaseadquiriremobjetosespecíficosdecada área.Emgeral, essesobjetos vinhamde fornecedores francesesoualemãeseconstituíamoslaboratóriosdeQuímica,osgabinetesdeFísica ou os Museus de História Natural para o desenvolvimento daeducaçãopeloolhar(BRAGHINI,2017),ealgunsdessesartefatosaindapodemserencontradosnasescolasbrasileirasmaisantigas.

O segundo período está no contexto do movimentoescolanovista que defendia que o ensino não deveria se restringir àobservação, mas estimular a realização das atividades práticas pelosestudantes.EmumafamosaexpressãodoministroGustavoCapanemanaexposiçãodemotivosdareformadoensinosecundáriode1942,eleafirmouque,“nasaulasdasdisciplinascientíficas,osalunosterãoquediscutireverificar,terãoqueverefazer”.(CAPANEMA,1943,p.16).Nessaperspectiva,asescolasprecisariamterosmateriaisnecessáriosparaodesenvolvimentodeummétodoativonoqualoestudantenãofossereduzidoàcondiçãodeobservador,mastambémoperasse.Nessesentido, a educação em ciências era um campo privilegiado para odesenvolvimento dessa concepção. Alguns manuais de ensino deQuímicadosanosde1930, por exemplo, começaramaapresentarosprocessos de manipulação, além das ilustrações dos objetos ou dosaparatosjámontados,comooqueseaparecenaobraescolanovistade

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ArnaldoCarneiroLeão,naqualéilustradaapreparaçãodoClorocomobjetosdefácilacessoemanipulaçãoecomindicaçõesdaformacomoaatividadedeveriaserrealizadapeloestudante(Figura1).

Figura1.SíntesedoCloro.Fonte:Recuperadode“Químicaparaaquartasérieginasialdeacordocom os programas oficiais,” de LEÃO, Arnaldo Carneiro, 1942, SãoPaulo:CompanhiaEditoraNacional,p.315.

Finalmente, o terceiroperíodo refere-se ao contextodos anos

de 1950 e 1960 em que houve, no Brasil, acompanhadas de ummovimento internacional, algumas iniciativas para a renovação doensino das ciências com os objetivos de atualizar os conteúdosconceituais e promover o ensino de ciências pela experimentação.(KRASILCHIK,1995).

Esse processo iniciou-se nos anos de 1950, com a criação doInstituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC), e tevecomo desdobramento a formação nos anos de 1960 da FundaçãoBrasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC).Essa fundação se tornou conhecida por elaborar materiais para odesenvolvimento da ciência experimental que, ainda hoje, sãoencontradosnasescolas.

Nessestrêsmomentos,asinstituiçõesescolaresadquiriramporcompra, por doação ou pela ação criativa dos professores inúmeros

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objetosdeensinocomfinalidadeseestéticasdistintas.Apósareformado ensino secundário, promovida pela Lei 5692/71, as atividadespráticas perderam importância e os objetos se mantiveram nasinstituições em condições muito precárias e hoje constituem umpassivoaserrecuperado.3.Asituaçãoatualdosobjetosdeeducaçãoemciências

Os documentos e objetos escolares antigos ainda não são

reconhecidos, de fato, comopatrimônio cultural. Sãopoucasasaçõesdestinadasàpreservaçãodessetipodematerial(MELONI;GRANATO,2014) e são raras as políticas públicas efetivas que tenham comoobjetivoaconservaçãodosacervosescolares.Nessesentido,Gonçalves(2016,p.14)destacaque,sempolíticasdeprevenção,osartefatosquecompõem o patrimônio educativo “têm sido sistematicamentedestruídosoumaltratados,dispersosouperdidos”.

Referindo-se aos objetos de ciência e tecnologia, a professoraMarta Lourenço, do Museu de Ciências da Universidade de Lisboa(MCUL), afirma que os objetos passam do uso regular para umasituaçãode limboaté seremeliminados completamente (LOURENÇO;GUESSNER,2012).Acondiçãodosobjetosde ensinonão édiferente,pois,seguramente,parteconsideráveldosacervosjáseperdeucomotempo e os objetos que restaram encontram-se em processo dedeterioraçãopermanenteeemriscodedesaparecerem.

Além disso, as ações que são realizadas nas escolas para apreservação dos acervos, quase sempre, são fruto de iniciativasindividuaisqueocorremsemapoiotécnico,umavezqueasinstituiçõesnão possuemnem estruturapara amanutenção desse trabalho, nemconhecimento especializado, nem – talvez o mais importante –motivação, visto que muitas vezes as instituições não encontramsentidonarealizaçãodessetrabalho.

Emlinhasgerais,aspesquisasdesenvolvidassobrepreservaçãodos acervos escolares (MELONI; GRANATO, 2014;BRAGHINI; PINÃS;PEDRO, 2014; WALÉRIO; CARDOSO; MELONI, 2015; ZANCUL, 2015)sempredescrevemamesmasituaçãoaosedepararcomosobjetosnasprimeirasvisitasàsescolas:osmateriaissãoencontradosempéssimascondiçõesdearmazenamento,emambientesquefavorecemaaçãode

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agentesdedeterioração,comoumidade,poeira,sujidadeeluznatural,entreoutros(Figura2).

Figura 2. Objetos localizados na Escola Estadual Júlio Prestes deAlbuquerque–Sorocaba/SP.Fonte:recuperadode“AcoleçãodeinstrumentosantigosdolaboratóriodeFísicadaEscolaEstadualBentodeAbreudeAraraquara”,ZANCUL,MariaCristinadeSenzi,2009,p.150.

Entre os motivos apontados pelos autores que explicam a

situaçãoatualdopatrimônioeducativoeoprocessodesucateamentodosacervosescolaresestão:odesconhecimentosobreovalorhistóricodosobjetosedesuaspossibilidadesdeusos,acarênciadeinformaçõessobreosprocedimentosparaaconservaçãoeainexistênciadeespaçosadequadosparaacomodarascoleções.

Pornãohaver identificaçãocomosmateriais,muitosgestoresse desobrigam de qualquer responsabilidade sobre eles e muitosobjetossãodescartadossemavaliaçãopatrimonial.Emresumo,pode-sedizerque

[...] são rarasas açõesde conservaçãoque são realizadasnesses objetos e, quando são feitas, acontecem sem odevido rigor técnico e por iniciativas individuais emomentâneas de um gestor ou de um professor

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interessadonaspeçasenãopelodesenvolvimentodeumprojetodelongoprazoconsistenteecombasesteóricasemetodológicassólidas.(MELONI;GRANATO,2014,p.4).

Essa situação coloca em risco a existência do patrimônioeducativo e levanta dificuldades para a possibilidade de que asinstituiçõeseascomunidadesescolarespreservemassuasmemórias,conheçamassuashistóriaseconstruamassuasidentidades.3.1Porquepreservar?

Apreocupaçãocomapreservaçãodosacervosescolaresainda

enfrenta uma questão muito importante e anterior a qualquer açãodiretasobreosobjetos.Afinal,porquepreservar?Qualosentidoemdispensar recursos humanos emateriais para preservar objetos quenão estão em uso regular? Qual a importância de manter objetosantigos ocupando espaços institucionais que poderiam ser ocupadosdeoutramaneira?Oquejustificamanterobjetosquedemandammãode obra que poderia realizar outros trabalhos na dinâmica escolar?Efetivamente, se não houver convencimento da importância e danecessidade de preservar o patrimônio cultural da escola, nadaacontecerá,anãoseraconstantedeterioraçãodessepatrimônio. As instituições de ensino se transformam em conjunto com ocontexto social, sejam elasno âmbito dapolítica, da economia ou dacultura. As mudanças na escola refletem as transformações queocorrem na sociedade pormeio de símbolos149 escolares, como porexemplo:

149Naperspectivadateoriacontemporâneadaconservação,apreservaçãodamaterialidade muda para a preservação dos valores e significados etransmissãodoconhecimento (GOMES;CORRÊA,2011)quandoreconhecido“[...]El caráctersimbólicoo,enunsentidomásamplio,comunicativo,de losobjetos de restauração [...]”. (MUÑOS VIÑAS, 2003, p. 41)”. Assim, valorescomo de significância, conotação cultural, metáfora, social, entre outrospassamaserconsiderados.Ateoriacontemporâneadefendeprincipalmenteocarátersimbólicodoobjetoeseupotencialdecomunicação.Averdadeentãopassaasersubstituídapelacomunicaçãoe,deacordocomGranatoeCampus(2013,p.5)“Osobjetosdeinteressedapreservaçãotêm,portanto,emcomum

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[...] (a bandeira, o hino, o uniforme etc.), os principaisprojetos de ensino-aprendizagem, o material didáticoutilizado, os movimentos cívicos que liderou ou de queparticipou, as festas promovidas, a participação emapresentações culturais, esportivas, trabalhoscomunitários,operfildeseusalunos,aqualidadedeseusmestresetc.(MARTINS;AGUIAR,2001,p.16).

Os símbolos escolares são fontes de conhecimento, de

comunicaçãoeportadoresdenarrativassobreopassadoeopresente.Revelam não só o resultado de um conjunto de experiênciasacumuladas “[...] do trabalho de muitas pessoas que lutaram porideais, desenvolveram planos e projetos, alcançaram êxitos eamargaramfracassos”(MARTINS;AGUIAR,2001,p.16),mastambémmomentos históricos que influenciaram os processos educativos dedeterminadasépocaselugares.

Todosossímbolosremetemaumaideiaouumahistória,desdeosmaisperceptíveis, comoasmudançasqueocorreramao longodostemposnosarredoresdaescolaenoscostumesdascomunidades,porexemplo,nasvestimentasounosmateriaispedagógicos,atéosocultos.UmcasointeressantefoinarradopeladiretoraIveteMitikoSunamotoda Escola Estadual Rodrigues Alvez, localizada na cidade de SãoPaulo/SP, que contouque afrescosoriginais escondidospor camadasde tinta emumadasparedesdoprédioda escola foramencontradosduranteumprocessoderestauração.Oprédiodaescolaépatrimônionacional arquitetônico pelo CONDEPHAAT desde 1985, e, de acordocomSunamoto,osafrescossãomensagensdeixadaspeloscombatentesdaRevoluçãoConstitucionalistasnadécadade1932,quandoaescolaserviu de abrigo (https://www.educacao.sp.gov.br/noticias/escolas-centenarias-do-estado-de-sao-paulo-memoria-do-ensino-no-inicio-do-seculo-xx/)150.Poresseexemplo,percebe-secomoossímbolospodemcontribuir para a reconstrução das memórias coletivas, seja dascomunidadesescolares,sejadasquevivemaoseuredor.

sua natureza simbólica, todos são símbolos e todos têm um potencial decomunicação,sejadesignificadossociais,sejadesentimentais”.150Acessoem:24mai.2019.

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Umsegundoexemploapresentadonomesmoartigorefere-seàEscolaEstadualRomãoPuiggari, localizadonobairrodoBrásemSãoPaulo/SP.Inauguradaem1898atéosdiasdehoje,aescolamantémascaracterísticasoriginaisdoprédioconstruídoporRamosdeAzevedo.Nopátiodaescola,existeumamarcanochãoquerevelaaexistênciadeum muro construído com o objetivo de separar os meninos dasmeninas,quepodeindicarumacaracterísticasignificativadaescolanavirada dos séculos XIX/XX, que, influenciada pelas ideias da Igrejacatólica e dos setores conservadores da sociedade, mantinha aseparaçãodossujeitosdeacordocomogênero.(ALMEIDA,2015).

Umterceiroexemplo,talvezmaissurpreendente,éapresençanoacervoescolardeumaescovadedentesque, inseridanouniversocultural e ocupando o seu lugar de objeto patrimonial, revela ummomento de mudanças nas políticas públicas para a educaçãoocorridas nos anos de 1920. Nesse período, as discussões sobre asaúde pública, higiene e escolarização se intensificaram (PYKOSZ,2007).Aescolapassouaserconsideradacomoumlugardeformaçãodehábitossadios,comoporexemplo,escovarosdentes,lavarorostoaoacordar,usarroupaslimpas,entreoutros.

Nesse sentido, os símbolos, incluindo neles os objetos, sãovalorizados pelo que se pode aprender com eles. São eles queconstituemopatrimônioeducativomaterialeimaterialquepermitemumaaproximaçãocomopassado.Semossímbolos,certamenteficariadifícilcompreenderasmudançasocorridasnaorganizaçãodaescolaenas concepções de ensino em determinadas épocas e lugares, e osacervosdeobjetosdeeducaçãoemCiênciasdaNaturezatambémestãoentreossímbolosdeumainstituiçãoescolar.

A “importânciadapreservação”151 dosobjetos estáno fatodeque são documentos, registros da trajetória, fontes da história e 151 Para Meneses (1998), é possível realizar inferências a partir do objeto,porémsomentequandoéconsideradaa sua trajetóriaeabiografia,ouseja,compreendê-lo na sua interação entre espaço, tempo e sociedade, como:registros de acontecimento e fases históricas (a criação; a produção; acirculação;osusos;asinformaçõeseconômicas,tecnológicasepedagógicas;amatéria-prima,oprocessamentoeastécnicasdefabricaçãoeamorfologiadoartefato; e assimpor diante.De acordo como autor, são as inferências que“selam,noobjeto,informaçõesmaterialmenteobserváveissobreanaturezaepropriedadesdosmateriais[...]organizaçãoeconômica,socialesimbólicada

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indícios das identidades das comunidades. Preservar os objetos devalor histórico, artístico e cultural significa zelar pela constituiçãomaterialdosbensculturais,possibilitandoàsgeraçõesatuaisefuturasoacessopermanenteaossímbolosproduzidospelahumanidade.4. A preservação dos objetos de educação em Ciências daNatureza:umbrevebalanço As iniciativas para a preservação dos acervos escolaresgeralmente estão ligadas às universidades e às escolas com maiorrelevância no contexto educacional brasileiro. No caso dos objetoscientífico-educativos, destaca-se o trabalho seminal da professoraMariaCristinadeSensiZancul(ZANCUL,2009),queestudouacoleçãode instrumentos de Física da Escola Estadual Bento de Abreu deAraraquara/SP. Além desse, no estado de São Paulo estão sendorealizadasoutrasiniciativasnosentidodapreservaçãodopatrimônioeducativo, como a organização de museus escolares ou centros dedocumentaçãoporinstituiçõespúblicaseprivadas.

Entre os trabalhos, merecem destaque os que vêm sendorealizadosnaEscolaEstadualCultoàCiência,deCampinas/SP(projetodesenvolvido pelo grupo de estudos e pesquisas em história daeducação,culturaescolarecidadaniaCivilis,daFaculdadedeEducaçãodaUniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp));noColégioMaristade São Paulo (projeto “Museu Escolar do Colégio MaristaArquidiocesanodeSãoPaulo(fase1):planejamentoeorganizaçãodoinventáriodosinstrumentoscientíficos”,desenvolvidopeloNúcleodeEstudosdosObjetosdaPontifíciaUniversidadeCatólicadeSãoPaulo(PUC-SP));no acervodaEscolaCaetanodeCampos, de SãoPaulo/SP(projeto desenvolvido em colaboração entre o Núcleo deMemória eAcervo Histórico (NUMAH) da Secretaria Estadual de Educação doEstadodeSãoPaulo,quepossuiaguardadesseacervo, eoGrupode existênciasocialehistóricadoobjeto”.(MENESES,1998,p.91).MENESES,U.T. B. (1998). Memória e cultura material: documentos pessoais no espaçopúblico[Versãoeletrônica].RevistaEstudosHistóricos.RiodeJaneiro,11(.21),89-104. Recuperado em 23 maio 2019, dehttp://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view%20File/2067/1206

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Pesquisa em História da Educação em Ciências da UniversidadeFederaldeSãoPaulo(Unifesp)).

EmrelaçãoàsproduçõesacadêmicasdesenvolvidasnoestadodeSãoPaulo,foramencontradoscincotrabalhos,doisdedoutoradoetrês de conclusão de curso (TCCs), que discutem especificamente apreservaçãodosobjetosdeeducaçãoemciências(Quadro1).

Quadro1-TeseseTCCsquediscutemapreservaçãodosobjetosdeeducaçãoemciências

A tesededoutoramentodeMeloni (2010)dedicaumcapítulo

para a discussão de uma experiência de construção de uma fontedocumental a partir do acervo de instrumentos pedagógicos para o

Autor(a)Anode

publicaçãoTitulaçã

o Título

ReginaldoA.Meloni 2010 Doutora

do

SaberesemCiênciasNaturais:oensinodeFísicaeQuímicanoColégioCultoàCiênciasde

Campinas

DanielePradodosReis

2014 TCC

AidentificaçãoeavalorizaçãodosobjetosdeeducaçãoemciênciasdaEscolaEstadualCaetanode

Campos

GiseledeOliveiraCardoso

2014 TCCConservaçãoevalorizaçãodo

Patrimônioescolar:umestudodecaso

FabianaValeckdeOliveira

2015 Doutorado

Patrimônioescolar:paraalémdaarquitetura,amaterialidadedopatrimôniohistóriconasescolas

paulistas

MaraR.PrataWalério

2014 TCC

Utilizaçãodeacervosescolarescomomaterialdidáticonasaulas

deciênciasnaturais

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ensino de Física e de Química do Colégio Culto à Ciência deCampinas/SP. No capítulo 3 da tese, há uma discussão sobre aidentificaçãoeainventariaçãodoacervodessaescola.

OtrabalhoPrado(2014)apresentaoresultadoparcialdeumainvestigação desenvolvida na modalidade de iniciação científicaintitulada “Os objetos de educação em ciências na escola secundáriabrasileira”, realizada entre o ano de 2013 e 2014 na UniversidadeFederal de São Paulo, com o objetivo de conservar os objetos deeducaçãoemciências,emparticularaspeçasutilizadasparaoensinodeQuímica, entreo finaldo séculoXIX e os anosde1970, daEscolaCaetano de Campos em São Paulo, SP. O trabalho de Prado foidesenvolvido no sentido de realizar ações para a conservação epreservaçãodesseacervoqueenvolveuasetapasdeidentificaçãoedecatalogaçãodosobjetosdeeducaçãoemquímica.

O trabalhodesenvolvidoporOliveira (2015)noque se refereaos objetos de educação em ciências também está relacionado aoacervodaEscolaCaetanodeCampos.OquechamaatençãonapesquisadeOliveiraéoseuolharatentoesensívelparaosobjetosescolares.Emsua tese sobre arquitetura escolar, a pesquisadora informa que emmuitas discussões sobre o tombamento dos edifícios é abordada apreservação da área envoltória, mas não a preservação dos bensmateriais.SegundoOliveira(2015,p.140):

[...] em nenhummomento do processo de tombamento aimportância dos acervos escolares e de todo patrimôniomaterial,sejadasantigasEscolasNormaissejadosGruposEscolares, foram indicados como bens a serempreservados ou apontadas justificativas para suapreservação.

Nessesentido,Oliveiradestacaquemesmohavendoórgãosdepreservação do patrimônio específico, cada qual com suascompetênciaseseusprocedimentos,háanecessidadedeumapolíticaintegrada,vistoque

[...] a preservação do patrimônio histórico não devedissociar arquitetura, espaço escolar, mobiliário,equipamentos e outros bens. É preciso compreender a

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dinâmicadasatividadesescolaresenelasbuscarafirmaçãode futuras gerações constituintes sobre o valor dopatrimôniohistóricoecultural.(OLIVEIRA,2015,p.141).

No capítulo quatro da tese, Oliveira apresenta resultados a

partir de pesquisa e revisão bibliográfica da literatura existente,identificandoalgumas iniciativasdepreservaçãodeacervosescolaresqueestãosendodesenvolvidasemduasperspectivas:aprimeiracomtrabalhosdesenvolvidosapartirdaimplementaçãodeprojetosparaoresgate, a organização e a preservação de acervos escolares, comdestaque para os acervos arquivísticos; e a segunda com estudosteórico-metodológico de instituições de pesquisas relacionadas àhistória,àmemóriaeàpreservaçãodopatrimônioescolar.

Nocapítulotrêsdesuatese,Oliveiraapresentacomosedeuaconstituição dos acervos da Escola Caetano de Campos incluindo osobjetosdoLaboratóriodeQuímica(Figura3)edoGabinetedeFísica.Atualmente,partedessematerialestácatalogadaeindicacomosedeua organização do ensino de Ciências no Brasil, especificamente naEscolaNormal(CaetanodeCampos),nacidadedeSãoPaulo,no finaldoséculoXIX.AindasobaperspectivadeOliveira(2015,p.114)

[...]asituaçãodosantigoslaboratóriosdequímicaefísicadaEscolaCaetanodeCamposilustraaquestãodamudançade valor de um determinado objeto ao longo de suaexistência. Criados com o objetivo de promover oaprendizado com base na realização de experimentos epara a ilustração do conteúdo das disciplinas, hoje, osequipamentosdesseslaboratóriosconstituemumregistrohistórico sobre o processo ensino-aprendizagem deoutrora, tornando-se objetos museológicos dignos deexposição.

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Figura3.LaboratóriodequímicadaEscolaCaetanodeCampos.Fonte:Recuperadode“Patrimônioescolar:paraalémdaarquitetura,amaterialidade do patrimônio histórico nas escolas paulistas”, de F. V.Oliveira, 2015, Tese de Doutorado, Faculdade de Arquitetura eUrbanismo,UniversidadedeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil,p.113.

Os trabalhos de Cardoso (2014) e Walério (2014) são osresultados das investigações realizadas na Escola Estadual JoãoRamalho na cidade de Diadema, SP no âmbito dos trabalhosdesenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa em História da Educação emCiências da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que tementre seus objetivos resgatar a cultura escolar das instituições deensino básico desse município, especificamente a relacionada com aeducaçãocientífica.

Apesquisa realizadaporCardoso (2014) visou à conservaçãopreventivadoacervoconstituídoporobjetosdeeducaçãoemciênciase consistiu em localizar e reunir osmateriais, identificar, higienizar,catalogareacondicionarosobjetosemlocaladequado,melhorandoascondiçõesparaapreservaçãodaspeças.OtrabalhodeWalério(2014)tevecomoobjetivoinvestigaraspossibilidadesdeutilizaçãodoacervocomo recurso didático e, ao propor formas de utilização do acervoescolar como facilitador da aprendizagem em aulas de CiênciasNaturais, justificar sua preservação e manutenção na instituição deensino. Além dos trabalhos já listados, também foram publicadosalguns artigos em periódicos especializados (Quadro 2) relativos às

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pesquisas que vêm sendo desenvolvidas nas universidades paulistasquetratamdotemadapreservaçãodosobjetoscientífico-educativos:Quadro 2 - Artigos sobre preservação de objetos antigos deeducaçãoemCiênciasdaNatureza

Autores Dadosdapublicação Título

MariaCristinadeSenziZancul

(2018),RevistaMuseologiaePatrimônio,

11,138-158

PatrimônioeducativodeC&T:objetos

remanescentesnasprimeirasescolas

secundáriaspúblicasdoEstadodeSãoPaulo

KatyaZuquimBraguini

2017).RevistaBrasileiraHistóriaEducação,

Maringá/PR,17(2)[45],208-234

Asaulasdedemonstraçãocientífica

eoensinodaobservação

MariaCristinadeSenziZancul

(2015).RevistaEletrônicadePós-Graduaçãoem

MuseologiaePatrimônio–Unirio:MAST,8(2),

104-122

Patrimônioeducativoepatrimôniohistórico-científiconoBrasil:algunsapontamentos

MaraReginaPrataWalério;GiselideOliveiraCardosoeReginaldoAlberto

Meloni

(2015).RevistaPedagogiaemFoco,10(4),104-113

Preservaçãoeusospedagógicosdo

patrimônioescolar:relatodeumaexperiência

KatyaBraghini,RaquelQuirinoPinãseRicardoTomasielloPedro

(2014).RevistaEsboços,Florianópolis,21(31),28-

49

MuseuEscolardocolégioMarista

ArquidiocesanodeSãoPaulo:constituição,históricoeprimeiros

movimentodesalvaguardadacoleção

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MuseologiaePatrimónio–Volume2

226

MariaCristinadeSenziZancul

(2014).In:RosaFátimadeSouza;VeraTeresaValdemarin;Maria

CristinadeSenziZancul.(Org.).Oginásioda

MoradadoSol:históriaememóriadaEscola

EstadualBentodeAbreudeAraraquara.São

Paulo:EditoraUNESP,41-54

OconjuntodeinstrumentosantigosdolaboratóriodeFísicadaEscolaEstadualBentodeAbreude

Araraquara

ReginaldoAlbertoMelonieMarcus

Granato

(2014).RevistaPedagogiaemFoco,9(2),

1-10

Objetosdeeducaçãoemciências:umpatrimônioaserpreservado

MariaCristinadeSenziZancul;RosaFátimadeSouza

(2012).RevistaEducação:TeoriaePrática,22(40),

81-99

InstrumentosantigoscomofontesparaahistóriadoensinodeCiênciasedeFísicanaeducaçãosecundária

MariaCristinadeSenziZancul

(2010).In:MarcusGranato;MartaC.Lourenço.(Org.).

ColeçõesCientíficasLuso-Brasileiras:patrimônioaserdescoberto.RiodeJaneiro:MAST,145-158

OsinstrumentosantigosdolaboratóriodeFísicadaEscolaEstadualBentodeAbreudeAraraquara

MariaCristinadeSensiZancul

(2009).Ensaio,11(1),87-103

AcoleçãodeinstrumentosantigosdolaboratóriodeFísicadaEscolaEstadualBentodeAbreudeAraraquara/SP

JacyMachadoBarletta

(2005).RevistaBrasileiradeHistóriadaeducação,

5(10),101-122

Arquivosoumuseus:qualolugardosacervosescolares?

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MuseologiaePatrimónio–Volume2

227

RosaFátimadeSouza

(2003).RevistaLinhas,Florianópolis,14(26),

199-221

PreservaçãodoPatrimônioHistóricoEscolarnoBrasil:notas

paraumdebate

Esses dados demonstram a existência de uma produção que,apesardeaindamodesta,vemcrescendonosúltimosanosequecolocaem destaque a importância do patrimônio educativo e discute asespecificidades desse material em relação aos processos para a suapreservação. Por um lado, sugerem ações para a conservaçãopreventivadoacervo,paraoretardamentoouprevençãodoprocessodedeterioraçãodaspeças eparaa incorporaçãodessesmateriaisnoprojeto pedagógico das escolas. Por outro lado, o levantamento dostrabalhos indica que há poucos estudos relacionados a esse tema,indicandoqueaindahámuitasquestõesasereminvestigadas.

DeacordocomFelgueiras(2011),atemáticaémuitorecenteeas iniciativas para a preservação dos acervos escolares e suasalvaguardasurgiramapenasnadécadade1990apartirdapercepçãode professores e historiadores da educação da necessidade dedesenvolver outras fontes de estudo sobre a memória da escola,levantandonovosproblemasconceituaisemetodológicos.

Nesse sentido, o tema que se tornou emergente no Brasil apartir dos debates na área da educação, sobretudo na histórica daeducação(SOUZA,2013)noâmbitodasdiscussõessobrepreservar eorganizaros arquivos escolares, ainda apresentamuitosdesafiosaospesquisadores e às escolas. Pela análise dos trabalhos já realizados,percebe-se que, se foram respondidas algumas perguntas, tambémsurgiram novos problemas, tanto conceituais como metodológicos,poissetratadecampomultidisciplinarcomcaracterísticaspróprias.Aseguir, serão feitas algumas considerações sobre esse campo deestudos, considerando o trabalho de preservação nos objetos deeducaçãoemCiênciasdaNatureza.5. A conservação dos acervos: identificando o objeto ecaracterizandodoacervo

O conjunto de objetos de educação em ciências é constituído

porartefatosquepodemserutilizadoscomafinalidadededemonstrar

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fenômenos ou realizar investigações sobre a natureza durante oprocessode ensino e aprendizagemque sedesenvolvena escolanosvários níveis e disciplinas. Compõe-se de peças produzidas porfabricantesespecializados,objetosouartefatosartesanaisproduzidosna escola emateriaisdeuso cotidiano, por exemplo copos, filtrosdecafé, colheres etc. que originalmente tinham outras finalidades, masquesãoincorporadosàspráticasdeexperimentaçãooudemonstraçãodefenômenos.

Normalmente, um objeto de uso cotidiano, mesmo que sejautilizado para a prática de educação em ciências, não é classificadocomo um aparato das ciências. Os objetos de educação em ciênciaspodemserconfundidoscomosobjetosdeciênciaetecnologiaquesãoobjetos encontrados nas coleções de acervos dos museus,universidadeseinstitutosdepesquisa.

Aspeçasclassificadascomodeciênciaetecnologiaformamosacervos que têm como finalidade a produção de conhecimentocientífico e tecnológico, como,por exemplo, realizar investigaçõesoumedidas precisas. Os objetos de educação em ciências têm comofinalidades, além de demonstrar fenômenos da natureza, mediar oprocessodeensinoeaprendizagem.Nessecaso,alémdos fenômenoscientíficos que estão sendo trabalhados, os objetos de ensinoparticipam também da formação de valores e habilidades que sãodiferentes dos que estão envolvidos os materiais específicos daspráticascientíficasoutecnológicas.

Nesse sentido, quaisquer objetos que tenham participado daeducação científica,mesmo que sua finalidade original não seja essa,podem ser caracterizados como parte do patrimônio científico-educativoeinvestigadocomopartícipedosprocessosdeformaçãoemCiênciasdaNaturezana educação escolar. Portanto, esseobjetodeveserincorporadonoacervoescolardosinstrumentosquecontribuíramparaaformaçãoemciências.

Nessa perspectiva, a seleção de objetos que devem serincorporadosaoacervohistóricoescolardeve levaremconsideração,alémdascaracterísticasfísico-químicas, tambémosusosaque foramsubmetidos os objetos. Assim, deve-se considerar como objetos deeducaçãoaserempreservados“todososobjetosquedealgumaformafizeram parte do processo de ensino e de aprendizagem que sedesenvolveu na instituição escolar” (MELONI, GRANATO, 2014), uma

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vezqueessaspeçaspossuemumatrajetóriaeumabiografiaecontêmmarcasdosprocessospedagógicosinstitucionalizados.5.1.ComopreservarosobjetosdeeducaçãoemCiênciasdaNatureza?

Apesardasituaçãopreocupantequeseencontraopatrimônio

científico-educativo brasileiro, há muitas instituições escolares quepossuem importantes conjuntosde objetos históricos que devem serpreservados. É da responsabilidade da atual geração criar condiçõespara que os objetos estejam protegidos e disponíveis às geraçõesatuais e futuras para que essas possam conhecê-los e aprender comeles e, nesse sentido, as instituições de ensino precisam estarpreparadas para preservar o seu patrimônio e para permitir que ascomunidadestenhamacessoaele.Aesserespeito,Santos(1994,p.68)destacaque

[...]osimplesatodepreservar,isolado,descontextualizado,sem objetivo de uso, significa um ato de indiferença, um"peso morto", no sentido de ausência de compromisso.Entendemos o ato de preservar como instrumento decidadania, como um ato político e, assim sendo, um atotransformador, proporcionando a apropriação plena dobempelosujeito,naexploraçãodetodooseupotencial,naintegração entre bem e sujeito, num processo decontinuidade.

A noção de preservação do patrimônio educativo érelativamente recente. Para se estabelecer na instituição escolar éprecisoqueacomunidadeconheçaoseupatrimônio,depoisreconheçaasuaimportânciae,finalmente,desenvolvamotivaçãoeconhecimentopararealizaraçõesnosentidodepreservá-lo.Issosejustificaporque,alémdaspolíticaspúblicas,quedevemsersempreobjetodediscussãoe demanda, algumas ações podem ser desenvolvidas no âmbito dacomunidadeescolar,tantonoambientequeabrigaascoleçõesquantodiretamentenoobjeto.

De acordo com Granato e Maia (2010, p. 9), há algunsprocedimentossimplesqueajudamapreservaçãodosobjetosquesãoclassificados como: conservação curativa, que são intervenções

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realizadasdiretamentenosobjetoscomoalimpeza,ahigienizaçãoeaestabilizaçãoeaconservaçãopreventiva,quesãoaçõesexecutadasnoambientenoqualoacervoestá inseridocomoacondicionamentoemlocaladequado.Outrosprocedimentos importantessãooregistroeainventariação dosmateriais. Essas ações são perfeitamente possíveisde serem realizadas no âmbito da escola, desde que haja umconvencimento dos agentes escolares do valor dos objetos comopatrimônioculturaloucomomaterialpedagógico.

DeacordocomPinheiroeGranato(2012,p.31),apreservaçãoconsisteem:

[...] qualquer ação que se relacione à manutenção físicadessebemcultural,mastambémaqualqueriniciativaqueestejarelacionadaaomaiorconhecimentosobreomesmoesobreasmelhorescondiçõesdecomoresguardá-loparaas futuras gerações. Inclui, portanto, a documentação, apesquisaemtodasasdimensões,aconservaçãoeaprópriarestauração,aquientendidacomoumadaspossíveisaçõesparaaconservaçãodeumbem.

Alémdessasações,umaformadefazerqueosacervostenhammais sentido às comunidades escolares é incorporar a prática deconservaçãonoProjetoPolíticoPedagógicodaescolaounoRegimentoescolar 152. Destaca-se que no Decreto 10.623, de 26 de outubro de1977,quedispõesobreoregimentocomumdasescolasestaduais,emseuCapítuloII(DasAtribuiçõeseRelaçõesHierárquicas–DaDireção),artigo7º e IncisoV, está estabelecidoque compete ao gestor/diretorda escola “zelar pela manutenção e conservação dos benspatrimoniais”.Essaatitudepodecolaborarparaocumprimentodeumdosobjetivosdaescola,queé“opreparoparaoexercícioconscientedacidadania153” (Capítulo II, art. 2). De acordo com Fabriani, Franco ePenteado(2003),

152Oregimentoescolaréumdocumentoqueestabeleceoconjuntodenormaspedagógicaseadministrativaseasresponsabilidadesdecadasetoredecadaintegrantedacomunidadeescolar.153 O conceito de cidadania compreendido aqui esta de acordo com aconcepção de Holanda (2010): “a qualidade, condição ou estado de um

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[...] Não há cidadania sem o reconhecimento de umpatrimônio cultural comum. É através dos bens culturaisqueossujeitos têmacessoàssuasorigens,àsuahistória,permitindo um elo de identidade e pertencimento aoslocais. Sem identidade, o povo não sobrevive enquantosujeitodedireitoseobrigaçõesparacomoEstado.Assim,não faz sentido a existência de um patrimônio culturalsenão para o cidadão. Contudo, o reconhecimento dopatrimôniocultural,emborasejafundamental,nãobastaàcidadania. Não basta o reconhecimento formal, expressoem papéis públicos. Esse reconhecimento tem que seracompanhadodaparticipação,davalorizaçãoedoacessodas pessoas para que esses bens sejam efetivamenterepresentativos e simbólicos, e consequentementenão sepercam.

Inserido no Projeto Político Pedagógico da escola ou noRegimento Escolar, o acervo poderia, por exemplo, ser transformadoemumacoleçãovisitável(Lei11.904,de14dejaneirode2009,Artigo6º,§único).Nessemovimento,oacervosetransformariaemumafontede informação sobre a vida da instituição, um instrumento depreservação da memória escolar ou, ainda, um recurso pedagógicoparaaeducaçãoemciências.(MELONI;GRANATO,2014).5.2Aconservaçãocurativa:limpezaehigienização

As sujidades são encontradas em todos os ambientes e,

consequentemente,nosmateriaisevariamdeacordocomoambienteeaformadeconservaçãodoacervo.Afaltadeumalimpezarotineiradoacervoe, sobretudo,doambienteemqueeleestá inseridoresultanaacumulaçãodemateriais indesejadossobreasuperfíciedoobjeto,como poeiras e partículas sólidas, além da presença de possíveis

cidadão;oindivíduonogozodosdireitoscivisoupolíticosdeumEstado,ounodesempenhodeseusdeveresparacomeste”.HOLANDA,AurélioBuarque(2010).DicionárioAuréliodalínguaportuguesa.Curitiba:Positivo,p.164.

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micro-organismos. A ocorrência de sujidades pode ser resultado doacondicionamentoinapropriadodoobjeto.

A sujidade é considerada estranha à composição do materialoriginal, causando a deterioração do objeto ao longo do tempo. Só épossível identificar sua ação quando ocorrem modificações daspropriedades físicas do material, por exemplo a cor e o brilho.(FIGUEIREDOJUNIOR,2012).

Alimpeza,ahigienizaçãoeaestabilizaçãosãoaçõesrealizadasde forma direta no objeto. Dependendo do tipo de sujidade (solta,solúvelouimpregnada),alimpezaexigiráumaaplicaçãodiferenciada,que pode ser: limpeza manual seca, limpeza manual úmida e/oulimpezamanualmolhada.

Alimpezaéumprocedimentoqueconsisteemretirardoobjetoa sujidade superficial. No caso da poeira, trata-se de uma limpeza aseco. Não é recomendada a utilização de produtos de limpeza ouremovedores.Utiliza-seoauxíliodepincéisdecerdasmacias,flanelasdealgodãooupanosmaciospararemoçãodapoeiraouqualqueroutrasujidadesolta.

Durante a execução da ação de limpar, é estritamentenecessárioocuidadodenãoremoverdoobjetoasmarcasproduzidaspelousooupelotempo,porexemploetiquetasenumeraçõesescritasàtinta, entre outras. As marcas devem ser preservadas. Quandoobservada a presença de uma sujidade um pouco mais resistente, alimpeza deve ser realizada com um pano, flanela ou esponja maciaembebida apenas em água, sem adição de quaisquer produtosquímicos, edeve sermuitobem torcidos.Há sujidadesque, às vezes,parecem estar impregnadas na superfície do objeto, mas sãosubstânciaspolares, portanto solúveis emágua.É recomendável que,apósalavagemúmida,oobjetosejasecocompanomacioeseco.

Por fim, no caso de sujidades impregnadas, como óleos,gorduras, ceras etc., recomenda-seousodedetergentepara removê-las. Nesse caso, é importante que o detergente que tenha em suacomposição “tensoativo não iônico” para auxiliar na limpeza desujidades impregnadasoumanchas.Épossível identificarqual o tipode tensoativo presente na composição do detergente no campo“composição”,localizadonorótulodaembalagem.

Aretiradadesujeirasapolarescomumsolventepolar(água)émaiseficiente.Umtensoativopodeproporcionarumamisturaestável

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entre a sujeira apolar e a água em decorrência de sua alta afinidadepelas novas superfícies criadas. De modo geral, os fatores queinfluenciam na tensão superficial de uma substância é o seu grau depurezaeatemperatura.

No caso da água, quando o detergente é adicionado a ela, asmoléculasdassubstânciastendemasemisturarem,entãoasuatensãosuperficial é reduzida promovendo a penetração da substânciadetergente,facilitandoaremoçãodasujidadeimpregnadaàsuperfíciedoobjeto.

Recomenda-seutilizarumpanomacio,umaflaneladealgodãoouesponjamaciacompequenasquantidadesdedetergente(gotas)emáguaparaauxiliararemoçãodasujidade,assegurando-sedequetodosos resíduos sejam minuciosamente retirados. Não se deve utilizarnenhumtipodeesponjaconstituídade fibraabrasivaparaa lavagemdepeçasdoacervodesuperfíciefrágeis.Ocorretoéousodeesponjasmacias. Materiais abrasivos são substâncias muito duras, comcapacidadede arrancar, por atrito, raspagens ou desgaste, partículasde outras superfícies. Para a limpeza de objetos pequenos, érecomendadoqueoprocessosejarealizadodentrodeumabaciacomofundo revestido de espumade polietileno para proteger o objeto emcasodequeda.

5.3Aconservaçãopreventiva:registroeacondicionamentodosobjetos

Como se pode perceber pelo relato, as ações diretas para aconservaçãodosobjetospodemserrealizadasnoâmbitodaescola.Sãoações técnicas, mas relativamente simples e podem ser executadastanto pelos agentes escolares quanto por estudantes em projetosmultidisciplinares com os objetivos de desenvolver a educaçãopatrimoniale,nocasode instrumentoseducativo-científicos, tambémensinar os funcionamentos, as aplicações e os conceitos a que sereferem cada objeto. Além das ações diretas nos objetos, podem serrealizadas as ações indiretas de registro/catalogação eacondicionamento. A catalogação das peças tem como objetivo registrarinformações sobre o estado de conservação das peças e de seuscomponentes e de verificar indícios de sua utilização por meio dasmarcas de uso. Essas informações são registradas em fichas

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denominadas de “fichas de catalogação” semelhantes à que foidesenvolvidaparaoacervodaEEJoãoRamalho(Quadro3).Deacordocom Granato (2013, p. 4), trata-se de um procedimento documentalque formaliza a existência do objeto “similar a uma carteira deidentidade”.Quadro 3 - Ficha usada para a documentação dos objetos deeducaçãoemciências

Nomedocampo

Conteúdo

Numeração Númeroatribuídoaoobjetocomoobjetivodefacilitaraidentificação.

Foto Fotodoobjetoemângulosdiferentescomoobjetivodefacilitaraidentificação.

Nome Nomedadoaoobjeto.

Fabricante Identificaçãodofabricantedoobjetosehouver.

Origem Sehouverinformaçõessobreaorigemdoobjetonopróprioobjetoouseofabricantefoiidentificado.

Descriçãodoobjeto/marcasde

uso

Descriçãodedetalhesquenãopodemserobservadosnafoto,comomarcasdeuso.

Dimensão Medidasdeprofundidade,larguraealturaemcentímetro.

Materiais Materiaisqueconstituemoobjeto

Estadodeconservação/Descriçãodasavarias

Embomestado,parcialmentedeterioradoedeteriorado.Descreverasavariasencontradasno

objeto.Indicaçãodeuso

doobjetoIndicaçãodeusoemcompêndios,programasde

ensinoelivros.

Notas Observaçõesdiversas.

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Descriçãodotratamentodadoaosobjetos

Descriçõesdetalhadasdasintervençõesrealizadasnoobjeto.

Nota.Fonte:Recuperadode“Conservaçãoevalorizaçãodopatrimônioescolar: umestudode caso,”deCARDOSO,GiseledeOliveira,2014, p.19. Finalmente, após as açõesde limpeza, higienização, registro ecatalogação das peças, os objetos devem ser organizados emprateleiras, separados por categorias: vidrarias, material zoológicofixado, esqueleto e insetário, microscópios, objetos de laboratório,projetoresdeslideseslides,materiaisdeóticaetc.Notópicoaseguir,seráapresentadaumabrevedescriçãosobreos trabalhosdeCardoso(2014) e Walério (2014) que objetivaram realizar ações deconservaçãoemobjetosdeeducaçãoemCiênciasdaNaturezadeumaescolapúblicanomunicípiodeDiadema/SPeutilizaroacervocomaintenção de promover a preservação da memória institucional e,principalmente,deviabilizarseuusocomomaterialpedagógicoparaoensinodasciências.6.Acervoescolarcomomaterialdidático

Uma formadepreservaroconteúdosimbólicodosobjetosde

educaçãoemciênciasémantê-losnocontextoescolar,e,paraisso,umapossibilidadeéutilizá-loscomomaterialdidáticonasaulasdeCiênciasdaNatureza.DeacordocomWalério,CardosoeMeloni(2015,p.104),“muitos desses objetos têm características tanto para seremconsideradoscomopatrimônioculturaldaeducação,comoparaseremusadosparaoensino”.

Portanto,osobjetosdeensinopodemserinseridosnocontextoda sala de aula como material didático para discutir conceitos deciências. De acordo com Felgueiras (2005, p. 99), “[...] mais do queorganizar e preservar os acervos escolares é preciso integrá-los nocontexto das escolas, estabelecendo uma ligação com a comunidadeescolar e contribuindo, assim, para a formação de uma sociedadereconhecedoradosbensculturaisnumsentidomaisamplo”.

NaEscolaEstadual JoãoRamalho(Diadema/SP), foi realizadoumprojetoquetevecomoobjetivospreservaroacervodeobjetosde

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ensinodeciênciaseincorporá-lonasatividadesdidáticasdaescola.Otrabalhoconsistiuemduasetapas:adaconservação,quesedividiunalocalização,naseleção,nalimpezaehigienização,naidentificação,noregistro e na catalogação dos objetos; e a dos usos, que envolveu apreparação de propostas didáticas para o uso de objetos do acervoescolar.

Figura4.ObjetosdoAcervodaEEJoãoRamalho,Diadema,SPFonte:“Conservaçãoevalorizaçãodopatrimônioescolar:umestudodecaso”deG.O.Cardoso,2014,Trabalhodeconclusãodecurso,UniversidadeFederaldeSãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil,p.16.

Na primeira etapa, foi realizada a limpeza, a higienização, oregistroeacatalogaçãodaspeças,obedecendoaoscuidados técnicosparaapreservaçãodascaracterísticasculturaisdosobjetos.NoQuadro4, está o resumo das informações sobre a realização da limpeza ehigienização das peças. Foram catalogados 42 objetos de ensino deciênciasreunidosemumcatálogoquefoidisponibilizadoparaaescola

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Quadro4-Limpezaehigienizaçãodoacervo

Objetos Tipodelimpezamanual

Vidrarias–identificadaapresençadesujidadesimpregnadas.

Limpezamanualmolhada – lavadaemáguacorrentecomoauxíliodebucha macia e sabão neutro.Secagemnatural.

Material zoológico fixado –identificada a presença desujidades solúveis em água. Ospotes não foram abertos e nem olíquidoconservantetrocado.

Limpeza manual úmida – utilizou-se para limpeza uma flanelaumedecidaemágua(bemtorcido).

Material zoológico fixado –identificada a presença desujidades solúveis em água. Ospotes não foram abertos e nem olíquidoconservantetrocado.

Limpeza manual úmida – utilizou-se para limpeza uma flanelaumedecidaemágua(bemtorcido).

Microscópios – trata-se de umapeça com componentes frágeis.Removeu-se apenas a sujidadesolta.

Limpeza manual seca – utilizou-seumpincel decerdasmaciase umaflanela seca para que oscomponentes eletrônicos nãofossemdanificados.

Objetos de laboratório –identificada a presença desujidadessolúveisemágua.

Limpeza manual úmida – objetoslimpos com o auxílio de panoumedecido com água (bemtorcido).Secagemnatural.

Projetores de slides e slides –trata-se de uma peça comcomponentes frágeis. Removeu-seapenasasujidadesolta.

Limpeza manual seca – a limpezafoi realizada com o auxílio de umpincel de cerdas macias e umaflanela seca para que oscomponentes eletrônicos nãofossemdanificados.

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Materiais de ótica – identificada apresença de sujidadesimpregnadas.

Lavagem manual molhada – aspeças foram lavadas em águacorrente com sabão neutro, com oauxílio de flanela para remover asujidade. Não foi utilizada buchaparaevitarqueaslenteseespelhosfossem danificados durante alavagem.Secagemnatural.

A segunda etapa do projeto consistiu em elaborar atividades

pedagógicas junto aos professores. Decidiu-se trabalhar o tema“gravidez e aborto”, uma vez que no acervo havia três objetos queestimularamaabordagemdessetema:

● Feto humano do sexo masculino, 5º mês de gestação (16,5semanas), pesando mais ou menos de 200g a 250g (abortoinevitável).Altura:14,0cmeDiâmetro:10,0cm;

● UmnatimortoAltura:13,0cmeDiâmetro:10cm(etiquetacomasinformaçõessobreofetoestavamuitodeteriorada);e

● Umesqueletocomdiversaspartesquebradas(queseriausadopara apresentar a estrutura óssea da coluna e bacia esensibilizar os alunos quanto à mudança no corpo femininoduranteagestação/parto).Os objetos foram inseridos com o objetivo de estimular os

estudantespara a observação ediscussãodos temas e foi constatadoque houve um aumento de interesse pela ciência por parte dosestudantes.SegundoWalério(2014,p.23),osalunosclassificaramasaulasdesenvolvidasnoprojetocomo“aulasdiferentes”,pois,segundoeles,ofatodemudardecenário(lousaegiz,canetaepapel)aumentouamotivaçãopeloestudo.Umestudantecomentou:“[...]nosdivertimosbastantepreparandoocartazsobregestaçãosaudável[...]”(Figura5).

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Figura 5. A figura representa trabalhos de alunos relacionados aostemas sobre: gravidez na adolescência, drogas ilícitas e lícitas ealimentaçãosaudável.Fonte:Recuperadode“autilizaçãodeacervosescolarescomomaterialdidático nas aulas de Ciências Naturais”, de WALÉRIO, Mara ReginaPrata, Trabalho de conclusão de curso, Universidade Federal de SãoPaulo,SãoPaulo,SP,Brasil,p.38.

Os resultados apontam que, quando os alunos foramquestionadossobreomotivodeteremclassificadoasaulascomoaulasdiferentes, as respostas demonstraram que os objetos contribuírampara que os estudantes tivessem uma posição ativa no processo edeixassemaposiçãopassivaqueelesestavamacostumados.Segundoaautora, os objetos “despertaram neles a vontade de pesquisar equestionarsobreoassuntotratadoeoutrosrelacionados”.(WALÉRIO,2014,p.23).

Em relação à percepção dosprofessores que participaram doprojeto,Walério(2014,p.23)relataque

[...] puderam verificar a defasagem de conhecimentosdesses alunos em relação aos conteúdos já vistos o quepromoveuemalgunsprofessoresa iniciativadeprepararuma aula para rever alguns conceitos que estavamconfusosparaosalunos.Outro fatoquecomprovaqueos

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objetivosforamalcançadosfoiadisposiçãodadireçãoemrestaurarosobjetosdoacervoqueestãodeterioradoseointeresse dos docentes em utilizar objetos do acervo emsuas aulas. Como exemplos desse fato, a professora debiologiamanifestouintençãodeutilizarosmicroscópios;aprofessorade física afirmouqueusaráos kitsde lentes eespelhos e a professora de química disse que estápensando em utilizar as vidrarias em seus experimentos.Alémdessas,aprofessoradehistóriapretendepassaraosalunosahistóriadaescola[...].

7.ConsideraçõesfinaisOs objetos de educação em ciências que constituem o

patrimônioeducativoforamadquiridoscomoobjetivodeaproximaroaluno de uma educação em ciências mais prática e menos livresca,estimulando a observação e o contato direto com os fenômenos danatureza (MELONI; GRANATO, 2014). Esses objetos compõem ocenáriodentrodasaladeaulaeoseuentornoeserelacionamcomossaberescientíficoeescolaremumdeterminadoespaço/tempo.

Nesse sentido, os objetos constituem um patrimônio culturalque deve ser reconhecido e preservado. A grande relevância dessesobjetoscomofontehistóricaéapossibilidadequeelesproporcionamde uma aproximação com a educação do passado. Cada objeto doacervoescolarpossuimarcasdeusoqueorientamleiturasepermitemrealizar inferências, não no sentido de recompor o cenáriomaterial,mas no sentido de entender os objetos na interação entre espaço,tempoesociedade.(MENESES,1998).

No que se refere ao acervo formado por objetos de educaçãoem ciências, os materiais também revelam as articulações entre oschamadosconhecimentoscientíficoeescolar.Alémdisso,constituem-se como documentos históricos que auxiliam na compreensão datrajetóriadainstituiçãoecolaboramparaapreservaçãodamemóriaeparaaconstruçãodaidentidadedacomunidadeescolar.

Além das ações direta e indireta para a conservação dosobjetos,umaformadegarantirapreservaçãodoacervoéinseri-lonoProjeto Pedagógico da escola ou no Regimento Escolar. O uso dosacervos de objetos de educação em ciências como material didático

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paraasaulasdeCiênciasdaNaturezapotencializaapercepçãoqueacomunidade escolar pode ter da importância desses artefatos e aconsciênciadanecessidadedepreservá-los.

Como se trata de objetos que constituem um patrimôniocultural enãodemateriaisdeuso regular, essesartefatosdevemserusados em práticas específicas, com todo o rigor para a suapreservação, enãopodemcontinuarsedegradandonos sótãos enosporõesdasinstituiçõesescolares.BibliografiaALMEIDA,JaneSoaresde(2015).Aconstruçãodadiferençadegêneronasescolas–Aspectoshistóricos(SãoPaulo, séculosXIX-XX) [Versãoeletrônica]. Revista Eletrônica de Educação, 9(1), 65-77. Recuperadoem 23 abril 2019, dehttp://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/article/viewFile/1039/379.BRAGHINI,KatyaZuquim(2017).Asaulasdedemonstraçãocientíficaeo ensino da observação [Versão eletrônica]. Revista Brasileira deHistória da Educação ,17(2) [45], 208-234. Recuperado em 23 abril2019, dehttp://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/rbhe/article/view/40687.BRAGHINI,Katya;PINÃSRaquelQuirino;PEDRO,RicardoTomasiello(2014).MuseuEscolardocolégioMaristaArquidiocesanodeSãoPaulo:constituição,históricoeprimeirosmovimentodesalvaguardadacoleção[Versãoeletrônica].RevistaEsboços,Florianópolis,21(31),28-49.Recuperadode23abril2019,dehttps://doi.org/10.5007/2175-7976.2014v21n31p28.CAPANEMA,Gustavo(1943).Oprogramadoensinosecundárioesualeiorgânica (reforma Gustavo Capanema). Rio de Janeiro, RJ: ZelioValverde.

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FormaçãoemMuseologianoBrasil:

rupturasetransformaçõesnasdécadasde1960e1970

IvanCoelhodeSáUniversidadeFederaldoEstadodoRiodeJaneiro,Brasil

https://orcid.org/0000-0003-0597-2530

1.Introdução

Em1969,há50anos,oMinistériodaEducaçãoeCultura-MEC

promoveuaelaboraçãodasprimeirasDiretrizesCurricularesparaoscursosdeMuseologia,nummomentoemqueoCursodeMuseus-MHN- marcodainstitucionalizaçãodocampoprofissionaledisciplinardaMuseologianoBrasil-vivenciavasuaprimeiradécadapós-falecimentodeGustavoBarroso, ocorrido emdezembrode1959.Nestes10 anos(1959-69) o Curso ainda estava vinculado ao legado barroseano, ouseja, ainda se estruturava naMatriz Curricular de 1967, fortementecalcadanasconcepçõesdeMuseusestabelecidasnaReformade1944.Entretanto, na transição das décadas de 1960 e 1970, astransformações e rupturas promovidas pela Contracultura no planointernacional repercutiram nos campos profissional e disciplinar daMuseologia.Estastransformaçõessinalizaramumasériedemudançasdeordemconceitualenãoficaramimunesàstensões,umavezquesechocaramcompropostasevisõesconservadorasestabelecidas,desdeoséculoXIX,naáreadosMuseusenapráticamuseológica, istoé,naMuseografia.Deformatímidaevagarosa,osprocessosdemudançasjáfaziam parte da história daMuseologia, entretanto tornaram-semaiscontundentesedecisivos,nesteperíododetransição,acentuando-seaolongodosanos70.

Estequadrodetransformaçõesocorreuhámenosde50anoseconstituiuumareferênciabasilaràhistóriadaMuseologianoBrasil,noentanto,nãoháaindapesquisassistemáticasquepossamimpulsionarnovas discussões com o objetivo de redimensionar a importânciadestasmudanças e de seus desdobramentos até a atualidade. Assim,nesteanoemquesecomemorameioséculodadefinição,porpartedo

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MEC,deDiretrizesCurricularesparaaMuseologia,bemcomodoiníciode um processo de reformas no Curso de Museus-MHN/Curso deMuseologia-FEFIERJ/UNIRIO, seria bastante oportuno recuperar amemória destas reformas e refletir sobre os possíveis impactosprovocadospelocenáriointernacionalemtodoocampo.

Ametodologiadapesquisaconcentrou-senaanálisede fontesprimárias,sobretudonalegislaçãorelativaaoCursodeMuseus/CursodeMuseologia: decretosdoMECepareceresdoConselhoFederaldeEducação-CFE e ainda na documentação interna do Curso, comoregulamentos, atas do Conselho Departamental, além de projetos erelatóriosdeexposiçõescurriculares.Opontodepartidaconsistiuemorganizaradocumentaçãolevantadaeobterdadosquepossibilitassemreconstituir os currículos, tanto os experimentais quanto os quetiveram continuidade, por meio da elaboração de fluxogramas parapossibilitar a visualização gráfica da sucessão de propostas. Foramelaborados 32 fluxogramas desde o currículo do primitivo CursoTécnico (1922), até a última reforma ocorrida em 2010. Neste texto,trataremos,como jádestacamos,dasreformasdosanos70,porseropontoaltodas transformaçõeserepresentaroembatedecisivoentreconservadorismosepropostasderuptura.

Na construção dos fluxogramas foram cotejadas, além dalegislação do MEC, as informações de decretos, regulamentos,históricos escolares e programas de disciplinas. A ênfase nas fontesprimárias documentais é uma das propostas centrais do Projeto deRecuperação e Preservação da Memória da Museologia no Brasil,criado em 2005, cujas atividades concentram-se na revisão edivulgação da história da Museologia visando o autoconhecimentodeste campoe, consequentemente, contribuir comoprocessode suaconsolidaçãonopaís.Amemóriadestemomentoespecíficodereflexãoe discussão, entre a tradição e as inovações, pode trazer uma novaleitura sobre estasquestõesnaMuseologiabrasileira, umavezque oembate impactou as décadas de 80, 90 e anos 2000, atingindodiretamenteoensino,ouseja,agraduaçãoemMuseologia,cujaorigemremontavaaoCursodeMuseus.

Em termos de fundamentação teórico-conceitual o estudo defontes primárias relativas ao campodaMuseologia converge para asreflexões de pensadores deste próprio campo como Zbynëk Z.Stránský. Exatamente no período trabalhado neste texto, isto é,

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décadas de 60 e 70, o museólogo tcheco Stránský, ao elaborar umareformulação conceitual da Museologia e de seu objeto de estudo,definiu e estruturou um sistema de pensamento próprio para estecampo. Isto ocorreu quando ele considerou aMuseologia como umadisciplina científica, autônoma e específica e deslocou seu objeto deestudo, domuseuparaamusealidade, valorque caracteriza e emanados objetos/coleções musealizadas e também entendida como umarelaçãoespecíficadohomemcomarealidade.Assim,segundoStránský(1980),aMuseologia

(...) é uma disciplina científica independente, específica,cujoobjetodeestudoéumaatitudeespecíficadoHomemsobre a realidade, expressão dos sistemas mnemônicosqueseconcretizapordiferentes formasmuseaisao longoda história. AMuseologia tem a naturezade uma ciênciasocial,provenientedasdisciplinascientíficasdocumentaisemnemônicaseelacontribuiàcompreensãodohomemnoseiodasociedade.(DESVALLÉES;MAIRESSE,2013,p.62).

Este processo de questionamento sobre a natureza da

Museologia levou-nos a refletir sobre o conceito deMetamuseologia,ou seja, um campo disciplinar cujo objeto de estudo é a própriaMuseologia.Neste sentido, ele acionouumprocessode autorreflexãoque abre caminho para o autoconhecimento. É exatamente estaperspectiva de estudar opróprio campo apartir de sua história quetemsidoatônicadoprojetoRecuperaçãoePreservaçãodaMemóriadaMuseologia no Brasil. Assim, entendemos ser bastante pertinente adiscussãosobreaMuseologianadécadade70,momentosingularemque as rupturas se chocaram com posturas conservadoras, mas queresultou em relevantes transformações conceituais que acionaramprofundas alterações no pensamento museológico constituindo umimportante elo entre a Museologia Tradicional e a MuseologiaContemporânea. As reflexões que este texto pode vir a suscitar, bemcomo os dados que divulgará possibilitarão um conhecimento maispreciso do processo de transformação ocorrido nas matrizescurricularesda formaçãoemMuseologia.Comisto,poderácontribuircomnovoselementosparaaconstruçãodahistóriadaMuseologianocontextobrasileiro.

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2. Museologia e Patrimônio no Cenário Internacional do PósSegundaGrandeGuerra

Após a Segunda Grande Guerra as áreas da Preservação e do

Patrimônio Cultural e, especificamente, o campo da Museologia,passaram por mudanças significativas em decorrência de umareestruturaçãodosorganismosque–desdeoperíodoentreguerras–trabalhavam as questões relativas aos museus e à preservação.Exemplodisso foiacriação,em1945,daUNESCO,vinculadaàONU–Organização dasNações Unidas – sucessora da antiga Sociedade dasNações, instaladaem1919,ao términodaPrimeiraGrandeGuerra.AUNESCOtinhacomoobjetivoprincipalpromoverapazeasegurançamundiaispormeiodaEducação edaCultura.Na realidade, consistiunum desdobramento mais alargado da Comissão Internacional deCooperação Intelectual - CICI (1922), também criada no âmbito daSociedade das Nações à qual estava vinculado o antigo OfficeInternational des Musées - OIM (1926), conhecido, no Brasil, comoEscritórioInternacionaldeMuseus.

Sob a proteção da UNESCO, foi criado, em 1946, o ConselhoInternacionaldeMuseusquesucedeuaoOIM,entretanto,aocontráriodeste, o ICOM concentrou seus esforços não na Museografia e seusaspectos técnicos, mas na elaboração de políticas de museus e nasquestões teóricas e filosóficas daMuseologia. Ao longo da década de60, a UNESCO e o ICOM desenvolveram políticas que foramdisseminadasportodoomundo,sobretudopormeiodeconferênciaseelaboração de recomendações que irão assumir um caráter delegislação, tanto para as questões de preservação de patrimônioquantoparaasquestõesdaMuseologiaedosMuseus.

O franco posicionamento político da UNESCO e do ICOMacentua-se na transição das décadas de 60 e 70 sintonizando-se àsnecessidadesequestionamentosdasociedade.OICOMpassouaseroorganismo que pensava as novas demandas da Museologia face àstransformaçõesdopós-guerra, isto é, numcenáriomarcadoporumasériedecontestaçõescontraoestablishment,ouseja,contraachamada‘ordem’estabelecidae,consequentemente,contratodasasinstituiçõespolíticas, econômicas, sociais e culturais. Conhecido comoContracultura, omovimentodesenvolveu-se inicialmentenosEstadosUnidosenaInglaterrareverberandoemtodoomundoocidental.Nos

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EstadosUnidosganhouforçacomadenúnciaàsegregaçãoracialeemdefesa dos direitos civis da população afro-americana. Asmanifestaçõesexpandiram-secommovimentospacifistaselibertários,estesa favordosdireitosdasmulheresedasentãoconhecidascomo‘minorias’ sexuais, marcando o início dos movimentos civis LGBT.Exemplomaiordoespíritode“críticaanárquica”à“ordemdominante”,no dizer de Carlos Alberto Pereira (1992, p.20), foi o movimentoHippie com discurso libertário e pacifista cujo lema “Paz e Amor”anunciava uma nova era fundamentada no naturalismo, na vidacomunitáriaenoanticonsumismo. O ativismo destas manifestações era protagonizado pelosjovens nascidos no pós-guerra que aspiravam uma sociedade maisdemocráticaehumanitáriaeatingiumaciçamenteaclasseestudantil.Omovimento universitário conhecido como Maio de 68, iniciado emParis, evidencia a culminância da politização dos jovens. AscontestaçõesestudantisporreformasnaEducaçãosintonizaram-seàsreivindicações da classe trabalhadora. A mobilização universitários-operáriosacionouumagrevegeralqueatingiutodaaEuropaeabalouogovernoCharlesDeGaulle.Assim,nãosomenteMaiode68,mastodoo conjunto de reivindicações daContracultura evidenciamprofundasmudançasdementalidadeedecomportamentodeixandoclaroqueasestruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, convencionais econservadoras, não davam conta da diversidade e das aspirações dohomemedasociedade.

Neste cenário contestatório, no qual o anacronismo dasinstituições tradicionais estava sendoquestionado, aMuseologia, porsua intrínseca vocação política e social, não poderia se manterrefratária amudanças tão contundentesque emergiamda sociedade.Como instituição centenária e fortemente vinculada a valorestradicionais e a políticas hegemônicas, sobretudo em termosideológicos, o Museu não poderia ficar ausente deste processo deressignificação que afetava todos os setores da sociedade civil.Entretanto, o processo de mudanças teria que prever rupturasconceituais que deveriam emergir de uma autorreflexão da própriaárea e isto fatalmente implicaria numa crise de identidade dainstituiçãoMuseu.Assim,parapromovermudançasnasconvencionaisconcepções de Museologia e no modelo tradicional de museu queremontavam ao século XIX, as transformações deveriam atingir a

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práxismuseológica no âmago da questão, ou seja, na relação com opúblico,tantonoqueserefereàsformasdeconcepçãoeimplantaçãodeummuseu,quantoàsuagestãoefuncionamento.

Emrespostaaessacrisedeidentidadedomuseu,emergiu,noâmbito do ICOM, ou melhor, dos atores sociais ligados a esteorganismo, o conceito de Ecomuseu rompendo com os modelostradicionais na medida em que se fundamentava na inserção einteração daprópria comunidade no desenvolvimento domuseu. Nocaso,oEcomuseudaComunidadeUrbanaLeCreusot–Montceau-Les-Mines, implantado entre 1971 e 1974, com a iniciativa de MarcelÉvrard e o apoio de Hugues de Varines, Georges-Henri Rivière eMathildeBellaigue(ver:BRULON,2013).NocontextodaMuseologia,aideiadeummuseuconcebido,organizadoeadministradopelaprópriacomunidade onde se insere é totalmente revolucionária seconsiderarmos que os museus eram tradicionalmente criados porcolecionadores, estudiosos ou Estados Nacionais, ou seja,institucionalizadosoficialmenteeoferecidosjáprontosaopúblicoquenão tinhanenhumaparticipaçãonoprocesso.Esta iniciativapodeserinterpretada como uma resposta da sociedade e do próprio campomuseal às transformações sinalizadas pelos movimentos deContracultura no sentido de romper com o sistema e as estruturastradicionais e dar voz aos segmentos não ligados às instituiçõesoficiais,àmídiaeaoconsumismo.

Cunhado por Varine (BRULON, 2015, p.280), o termoEcomuseu foi ‘oficializado’ na IX Conferência Geral do ICOM, emGrenoble,nomesmoanode1971.OtemadaConferência,“OMuseuaServiço do Homem, Hoje e Amanhã”, é bastante revelador dasdiscussõesdaépoca, istoé,desta ideiadeummuseuengajadocomasociedade e de suas perspectivas para o futuro. A convergência daspropostas de Grenoble às reinvindicações acionadas pelaContracultura fica evidente logo no início do documento. No textointrodutório sobre a adaptaçãodomuseuaomundo contemporâneo,osprimeirospontossalientaramqueomuseudeveriaaceitarofatodeque a sociedade estava em constante mudança e que o conceito demuseutradicionalseriaperfeitamentequestionável:

That the museum must accept that society is constantlychanging ; 2.That the traditional concept of the museum

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whichperpetuatesvaluesconcernedwiththepreservationof man's cultural and natural heritage, not as amanifestation of all that is significant in man'sdevelopment, but merely as the possession of objects, isquestionable.[grifonosso](ICOM,1971).

A mobilização social – outra tendência importantíssima dasestratégias da Contracultura – aparece também nesta mesmaintrodução do documento exortando que cada museu desenvolvesseaçõesparamelhoratenderaomeiosocialemqueseinseria:Thateachindividualmuseummustaccept that ithasadutytoevolvemeansofaction specifically designed to serve best the particular socialenvironment within which it operates [grifo nosso] (ICOM, 1971). Aideia de uma Museologia fundamentada no ativismo comunitárioperpassatodasasresoluçõesdaConferênciaesintonizam-seaoutrosprincípiosquevãoconstituiratônicadocampodesdeentão.

Dando prosseguimento ao ideário discutido em Grenoble, aMesa Redonda de Santiago de 1972 teve um papel determinante aoconsolidar a tomada de consciência do campo da Museologia emrelação à problemática, ou melhor, à ‘solucionática’ da relação domuseu comas comunidades, pormeiodo conceitoMuseu Integral.Opretexto foiasituaçãocríticadaAméricaLatinaàépocadosregimesautoritáriosque acentuavamadicotomiadosproblemas econômicos,políticos e sociais face às questões do desenvolvimento técnico-cientifico,daeducaçãoedomeiourbanoerural.Problemasgritanteslatino-americanos,masque,naverdade,tinhamumalcancemundialeestavamna ordemdo dia das reivindicações pacifistas, igualitárias ehumanistasdosmovimentosdeContracultura.

3.ReverberaçõesdasPolíticasdePreservaçãodePatrimônioedeMuseologianoCenárioBrasileirodasDécadasde60e70

Em1964,simultaneamenteàsrepercussõesdaContracultura,o

Brasil sofreu um golpe civil-militar articulado por grupos e políticosconservadores financiados pelos Estados Unidos, na contramão dasreivindicaçõesafavordosdireitoscivisedasmanifestaçõeslibertárias.Instaurou-se um regime autoritário fundamentado na repressãopolítica e na censura dos meios de comunicação. A Constituição foi

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pulverizadaporumasériedemedidasarbitráriasqueculminaramnoAto Institucional nº 5, imposto pelo Presidente Costa e Silva,suspendendotodasasgarantiasconstitucionais(13/12/68).

Poroutro lado, na transiçãodasdécadasde60 e70, tambémparalelamente à Ditadura Militar, vai ocorrer a reverberação daspolíticasculturaiselaboradaspelaUNESCOepeloICOM.Aexemplodasestratégiaspara aáreadaCultura empregadaspeloEstadoNovonasdécadas de 30 e 40, o Regime Militar de 1964 explorou a políticacultural como instrumento de propaganda oficial para manipular aimagemufanistadeumpassadoheroicoepatriótico.Avalorizaçãoeapreservaçãodopatrimôniosetornouumeficienteviésparatrabalharas questões do nacionalismo, sobretudo em termos de integração eidentidadenacionais.

Assim, houve uma convergência das políticas públicas,fundamentadas nas questões nacionalistas, às tendênciasinternacionaisdedesenvolvimentodepolíticasdepreservação.Nestecontexto híbrido, Educação/Cultura, que remontava ao nacionalismodas primeiras décadas do século XX, insere-se a formação emMuseologia. O Curso de Museus era duplamente vinculado ao MEC.Primeiro por estar inserido no organograma do MHN, integrando oconjuntodeinstituiçõesmuseológicasdoDPHAN/IPHAN.Segundo,porseruma instituição isoladade ensino superior e estar subordinada àlegislaçãodaSecretariadeEducação/MEC.

No limiar da década de 70, a materialização das políticas doMEC e,mais exatamente, da DPHAN/IPHAN, pode ser percebida emdoissemináriosnacionais,oschamados“EncontrosdeGovernadores”.Estes encontros promoveram discussões importantes queredimensionaramasconcepçõesdeMuseologia,PatrimônioeTurismooferecendonovasperspectivasàfunçãosocialdosMuseus,àsquestõesda Ecologia e da proteção ambiental, bem como às conexões comTurismoedesenvolvimentosustentável.

A escolha do Distrito Federal para sediar o I Encontro deGovernadoresrevelaapolíticadeintegraçãonacional,sobretudonestemomento em que já se preparavam as comemorações doSesquicentenário da Independência. A exemplo das iniciativasinternacionais, o primeiro encontro gerou uma recomendaçãochamadadeCompromissodeBrasília,noqualfoidivulgadooconceitode Bens Culturais. Há uma preocupação em inserir nos currículos

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escolaresassuntosrelativosàpreservaçãodePatrimônio,comênfasenosacervosbrasileirosenastradiçõesnacionais,conformeoufanismodoRegimeMilitar.Poroutrolado,oCompromissorevelapreocupaçãocomosprofissionaisdaáreadePatrimônioerecomendaacriaçãodecursos, inclusive para a formação de “museólogos de diferentesespecialidades”.

“Para remediar a carência demão-de-obra especializada,nos níveis superiores, médio e artesanal, é indispensávelcriar cursos visando à formação de arquitetos,restauradores, conservadores de pintura, escultura edocumentos, arquivologistas e museólogos de diferentesespecialidades[grifonosso],orientadospeloDPHANepeloArquivo Nacional os cursos de nível superior;”. (CURY,2004,p.138).

O Compromisso de Salvador, emitido pelo II Encontro de

Governadores, reafirma os mesmos objetivos e as mesmasrecomendaçõesdoCompromissodeBrasíliaenfatizandoadestinaçãodemaisrecursosparaoIPHAN,apromoçãodeconvêniosdesteórgãocom as universidades e a criação do Ministério da Cultura e deSecretariasdeCulturaemâmbitoestadual.EstapropostadecriarumministérioespecíficodaCulturademonstraaimportânciaeavisãodeautonomiadestaáreaapartirdoamadurecimentoverificadoaolongodosanos60.Enfatiza-seanecessidadedeinvestiremMuseologia,masasrecomendaçõeslimitam-seafalarnumapossível“remuneração”deestudantes de Museologia e da inclusão, no segundo grau, de cursocomplementardeMuseologiaparasupriros“museusdointerior”.

“Recomenda-se aproveitamento remunerado deestudantes de arquitetura, museologia e arte, para aformaçãodocorpodefiscaisnaáreadecomérciodebensmóveis de valor cultural. Recomenda-se a convocação doConselho Nacional de Pesquisas da CAPES para ofinanciamentodeprojetosdepesquisasede formaçãodepessoal especializado, com vistas ao estudo e à proteçãodosacervosnaturaisedevalorcultural.[...]Recomenda-seaosgovernosestaduaisque incluamnoensinode2ºgrau

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curso complementarde estudosbrasileiros emuseologia,que permita aos diplomados a prestação de serviços nosmuseus do interior, onde não haja profissional de nívelsuperior.”(CURY,2004,p.145-146)

Estaspropostasrevelamopoucoconhecimentosobreocampo

daMuseologiaemesmoquenãohavia,defato,umadisposiçãoefetivaem resolver os problemas desta área. Na verdade, o que faltava erauma política específica de Museus. Para resolver os problemasindicados, oMECdeveria, de início, destinar recursos suficientes aosmuseuseaoCursodeMuseus-MHN,bemcomoinvestirnaimplantaçãodenovoscursosdegraduaçãoemtodososestadoseregiõesdopaís.Entretanto,nada foiefetivadoemtermosde investimentos,porpartedo MEC, na criação de cursos de Museologia. Isso nos permitedepreender que não havia uma vontade política de investirefetivamente na área, ou seja, os discursos dos Compromissos deBrasíliaeSalvadornãotinhamequivalêncianaprática.

OúnicoexemploconcretodeumnovoCursodeMuseologiafoio da Universidade Federal da Bahia-UFBA, criação que antecede osCompromissosdeBrasíliaedeSalvador,umavezquefoiidealizadoem1969, noDepartamentode Filosofia, graças à atuação do arqueólogoValentim Calderón. Implantado em 1970, foi pioneiro nas regiõesNorte/Nordeste e oprimeiro criadonumaestruturauniversitária.Osrecursos teriam sido vitais para a sobrevivência destes cursos,sobretudoparacontrataçãodedocentes.OdaUFBAporenfrentarumprocesso de implantação e o do MHN por vivenciar, exatamente naprimeirametadedadécadade70,ummomentoderenovaçãoepassarpela falta crônica de professores potencializada em decorrência deváriasaposentadorias.

Assim,podemosdepreenderqueasmudançassefizeramsentirmais em termos de uma visibilidade conferida à formação emMuseologia,associadaaumavaganostálgicadevalorizaçãodahistória,do patrimônio e dosmuseus. Vaga nostálgica que nos faz lembrar oSesquicentenário da Independência, em 1972, dando continuidade àonda de nacionalismo acionada com a vitória do Brasil na Copa doMundonoMéxico,em1970.Aspolíticasdepreservaçãoconvergiramparaestaefeméridequeteveampladivulgaçãoemtodoopaís,sendo

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produzido o filme “Independência ou Morte”, além de congressos,seminários,exposições,documentáriosetc.4.OCursodeMuseuseaDefasagemdaMuseologiaBarroseananaDécadade60

Adécadativerainíciocomainauguraçãodeumanovacapital,

Brasília,emabrilde1960,esvaziandooRiodeJaneirocomocentrodasdecisõesedosacontecimentospolíticos,aomesmotempoqueisoloueafastou a administração central do foco dos movimentosreivindicatórios,bastanteoportunoàrecéminstaladaDitaduraMilitar.Entretanto,estamudançapolíticanãoconseguiuabalarainfluênciadoRiodeJaneirocomopolocultural,oumelhor,comoimportantecentrode criação e irradiação dasmanifestações políticas e culturais. Comocapital federal, no final da República Velha, o Rio de Janeiro sediaraacontecimentosmarcantesparaocampodaMuseologiacomoacriaçãodoMuseuHistóricoNacional (1922) e, vinculado a esta instituição, oCursodeMuseus(1932).OMHNfoiumaespéciedelaboratórioparaodesenvolvimentodeumconceitomaisalargadodemuseuemoposiçãoaosmuseuspuramenteenciclopédicos,nãosomenteporsuapropostanacionalista, mas também por trabalhar uma museografia mais‘moderna’emsintoniacomaspropostasdoEscritórioInternacionaldeMuseus.Noentanto,talvezamaiorcontribuiçãodoMHNtenhasidoacriação do Curso de Museus que se tornou um marco no país, daformação, da profissionalização e da própria ideia de pensar aMuseologiacomociência,embriãoparaodesenvolvimentodestaáreacomocampo.

Não obstante, a despeito de não podermos falar numisolamento dos profissionais de museus em relação ao cenáriointernacional, podemos perceber que as mudanças conceituaispromovidaspeloICOMvãorepercutirnoBrasilmaisincisivamentenaprimeirametadedadécadade70.Emparte,decorrenteda filiação,aeste órgão, de gerações mais novas do Curso de Museus, inclusiveprofessores conferencistas154 da primeirametade dos anos70, como

154 Docentes contratados por determinados períodos. Recurso muitoempregado, na década de 70, para suprir a insuficiência de professores doquadroefetivo.

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Fernanda Moro e Lourdes Novaes, associadas, desde 1969, e comimportante militância no Brasil e no exterior. Moro participouativamentedaConferênciadeGrenobleemantinhacontatosestreitoscom vários profissionais do ICOM, como Rivière,Yvonne Oddon,Paulette Olcina, Hugues de Varine e Gäel de Guichen, dentremuitosoutros. Podemos citar ainda como membros do ICOM, GabriellaPantigoso, Solange Godoy, Lúcia Bittencourt, Maria de LourdesParreirasHortaeTerezaCristinaMolettaScheiner,esta, ‘antenada’àspublicaçõesdesteórgãodesdeoiníciodosanos70,quandosegraduoueinicioucarreiradocente.

OsinfluxosdaspolíticasdoICOMsobreestesegressosdoCursodeMuseuspodemseridentificadosaumanovacompreensãodeMuseunoqueserefereàssuasfunçõessocial,educativaecomunicacional.Sãonovos parâmetros no entendimento dos conceitos de Museu,Museologia e Patrimônio, conceitos que se alargam estabelecendonovas relações da Cultura, da Museologia e do Patrimônio com asociedade. Entretanto, para entendermos melhor este processo detransformações temos que nos reportar à matriz curricular sobre aqualforampromovidasasrupturas.

Nadécadade60, oCursodeMuseushaviamantido amesmamatriz implantada em 1945155, conforme reforma feita, no anoanterior,porGustavoBarroso.Estamatrizampliaraanoçãodemuseusao redimensionar a cargahoráriadeTécnicadeMuseus, desdobradaemtrêsdisciplinas:TécnicadeMuseus-ParteGeral(contemplandooprocesso que hoje entendemos como musealização: administração,documentação, exposição, conservação e educação); Técnica deMuseus -ParteBásica(Cronologia,Epigrafia,Diplomática, IconografiaeBibliografia)eTécnicadeMuseus -ParteEspecializada(Mobiliário,Indumentária, Heráldica, Cerâmica, Cristais, Viaturas, Armaria etc). AEtnografia foi desmembradadaArqueologia e surgiu comodisciplinaautônomapassandoaseconcentrarnoestudodasculturasindígenaeafro-brasileira.

155Decretonº.16.078,de13/07/1944,queaprovouoRegulamentodoCursodeMuseus.

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Matriz de 1945 foi sucedida pela Reforma de 1966156 quepromoveu alguns avanços ao oficializar o termo “museólogo” para oprofissionalgraduadoeorganizadas,pelaprimeiravez,asdisciplinasemdepartamentos:TécnicasdeMuseus,HistóriadoBrasil,HistóriadaArte e Antropologia. Outra novidade pode ser percebida nainstitucionalização do estágio nosmoldes de uma residência por serprevisto somente pós-formatura e unicamente noMHN. Ao longo deumanoorecém-formadopassavaportodasasseçõesdoMuseue,aofinal,realizavaprovadeclassificaçãodecincoobjetos.

Emtermoscurriculares,aMatrizde1967(Figura1)orientou-se de forma conservadora e a única alteração refere-se à disciplinaMetodologia das Pesquisas Museológicas, implantada como umatentativa de oferecer subsídios teóricos à chamada pesquisamuseológica. As demais disciplinas foram replicadas na íntegra,conforme a Reforma de 1944. Com isto, temos uma espécie deacademizaçãodaMuseologiabarroseana.Apesardeterconstituídoumimportante avanço para o campodaMuseologia nos anos30 e 40, apartirdadécadade50oCursodeMuseuscomeçaasedistanciardasnovas questões que despontavam. Este descompasso vai crescer nofinaldosanos60eacentuar-senaprimeirametadedadécadade70.Nesta época, as tentativas de superar a Museologia tradicional vãorevelarinfluênciadosmovimentosinternacionaisnasáreasdaCultura,daMuseologiaedoPatrimônio.

156 Decreto nº. 58.800, de 13/07/1966, aprova o Regimento do Curso deMuseusdoMuseuHistóricoNacional.

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Figura 1 - Reforma de 1966 (em vigor 1967-1969). Fonte:NUMMUS.5.OMeceasDiretrizesparaCursosdeMuseologia

Em termos legais as reformas dos anos 70 inserem-se num

amplo projeto do próprio MEC no sentido de reorganizar o ensinosuperior. Este projeto tem origens na Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional - LDB, de dezembro de 1961, que instituiu o

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Conselho Federal de Educação - CFE157 como órgão decisório emmatéria de organização e funcionamento dos estabelecimentos deensino, bemcomodequestõespedagógicas e educativas. Consonantecom esta Lei, os Estabelecimentos de Ensino Superior, inclusiveisolados,comooCursodeMuseus,dependeriamdasdecisõesdoCFE.

Uma das inovações da LBD referia-se aos conceitos doscurrículosplenosedoscurrículosmínimos,estesaseremfixadospeloCFE,conjuntamentecomaduraçãodoscursos.OCurrículoPlenotinhafunção multidisciplinar e deveria ser constituído de disciplinascomplementares,inclusiveoptativas.OCurrículoMínimoestarialigadoà profissionalização, isto é, associado aomínimo necessário que nãocomprometeria a formação profissional, ou seja, “o número mínimonecessário de matérias abaixo do qual ficará comprometida umaadequada formaçãoprofissional, segundooespíritodoart.70,daLeideDiretrizeseBases”(CFE/MEC,1969,p.1).Assim,oCursodeMuseusteria que se adaptar às novas propostas do MEC por meio de umareformacurricularvisandoalteraçõesnoseixos temáticos,nascargashoráriasenaduraçãodocurso.Podeparecersimples,àprimeiravista,masnapráticanãofoi.Ocursojáexistiahá40anoseapesardeestarsubordinadoàlegislaçãofederalparacursossuperiores,eraumcursoisoladoeseminterlocuçãonaépoca.Assim,oquepoderiaserresolvidocomapenasumareformaacabousetornandoumprocessoqueduroucincoanos,mascujadiscussãoeresultadofinalfoipositivonamedidaemqueatualizouocurrículoemrelaçãoàsconquistas internacionaisdocampodaMuseologia.

Outro aspecto que sinalizava novos tempos e favorável àsmudanças curriculares consistiu numa espécie de transição degeraçõesdocentes.DosantigosprofessoresformadospelaMuseologiabarroseana, alguns haviam se aposentado ou estavam em vias de seaposentar. Paralelamente a estas aposentadorias, novas liderançasestavam emergindo e sucedendo àqueles professores. O caso mais 157 A ideia de um Conselho Superior remonta a 1911 com a criação doConselho Superior de Ensino (Decreto nº 8.659, de 05/04/1911), sucedidopelo ConselhoNacional de Ensino (Decreto nº 16.782-A, de 13/01/1925) epeloConselhoNacionaldeEducação(Decretonº19.850,de11/04/1931).Em1994,oConselhoFederaldeEducação(Leinº4.024,de20/12/1961)passounovamenteaserdenominadoConselhoNacionaldeEducação(MPnº661,de18/10/94,convertidanaLeinº9.131/95).

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sintomáticoserefereàsdisciplinasdeMuseologia,‘herdeiras’daantigaTécnica de Museus - Parte Geral, pois foram assumidas exatamentepela geração mais nova, formada em torno de 1969-1973: TerezaCristina Moletta Scheiner (docente a partir de 1973), uma das maisfortes lideranças nestemomento decisório emesmo posteriormente,uma vez que sua militância teve repercussão internacional econtinuidade no campo daMuseologia até os dias atuais; bem comoCelmaTerezaFranco(1976),MariadeLourdesNaylorRocha(1976)eLiana Rubi Tereza Castaño de Ocampo (1977). À exceção de LianaOcampo,jánafaixados40anos,asdemaisdocentestinhamemtornodos 25-30 anos e pertenciam à geração que se tornara adolescentecontemporaneamente à Contracultura, aomovimento Hippie, a Maiode 68... É a geração que se formara num clima de inconformismo ebusca de renovação e que vai liderar e reivindicar mudanças,exatamente neste momento em que a Museologia se constrói comocampodisciplinar.

Emtermos legais,asreformasocorridasnoCursodeMuseus-MHN/Curso deMuseologia-FEFIERJ/UNIRIO tiveram como suporte oParecer CFE/MEC nº 971/69, de 5 de dezembro de 1969, queestabeleceueixos temáticos,bemcomoaResoluçãodoCFEnº14,de27 de fevereiro de 1970, determinando os mínimos de conteúdo eduraçãoaseremobservadosnaorganizaçãodoscursosdeMuseologia.Com base nestas normas foram implantadas sucessivas adaptações àMatriz de 1967, tendo como parâmetros os eixos temáticos –Museologia, Museografia e ComunicaçãoMuseológica – que refletemnovas perspectivas teóricas e práticas de estudo da Museologiaprivilegiandoarelaçãocomopúblico.ÉbastantesignificativoquenãosefalamaisemTécnicadeMuseusesimemMuseologiaeMuseografia,ouseja,ateoriaeaparteaplicada.Emaisaindasintomáticoquandoseempregao termoComunicaçãoMuseológica,descortinandoumaáreaespecífica para a relação com o público numa nova perspectiva dediálogo e interação, e não simplesmente como uma função de‘atendimento’ou‘prestaçãodeserviços’.

Naverdade,esteseixossãoreveladoresdosnovostemposedastransformações conceituais que já se operavam no Curso deMuseusnos idos de 1969-70, ainda antes das repercussões do Ecomuseu doCreusot,daConferênciadeGrenobleedaMesaRedondadeSantiago.Podemos depreender que esta ideia de uma “comunicação

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museológica” sinaliza transformações que cresceram e seconsolidaramnosanos60,apartirdaContraculturaedarevisãoquepromoveu nos tradicionais sistemas de pensamento. Estastransformaçõesdisseminaram-seportodosossegmentossociais,mastevenosjovensosprincipaisporta-vozesdascontestações.Assim,nãofoiporsimplescoincidênciaqueasrupturasnoCursodeMuseusforamprotagonizadaspor jovens cuja atuação acadêmica foramarcada porinquietaçõesecontestações.6.AsReformasCurriculares Ao longodadécadade70oCursodeMuseuspassouporoitoalteraçõescurricularesconsecutivas.Ascincoprimeiras-1970,1971,1972,1973e1974-foramemcaráterexperimentaleserviramdebasepara a Matriz de 1975, ponto culminante de todo este processo dereformas e que apresentou propostas concretas e bem definidas,finalmente complementadas e consolidadasnas alteraçõesde1976e1978. Estas reformulações quase anuais revelam a intensidade dasdiscussões nos bastidores do Curso, mais exatamente nosdepartamentoscriadosem1966,citadosanteriormente,enoConselhoDepartamental, constituído pelos chefes dos departamentos, acoordenaçãodoCursoearepresentaçãoestudantil,sobapresidênciada direção do MHN. No Conselho Departamental as ideiasconservadorasdosdocentesmais antigos chocavam-se comasnovasideiasdefendidaspelasliderançasemergentes,jámencionadas.

Na primeira matriz experimental, de 1970 (Figura 2), foimantida a ideia das habilitações: Museus Históricos e MuseusArtísticos.Houveuma tentativade estruturaro cursoporperíodos enãoporsériesanuaiscomohaviasidodesde1932,noentanto,só foiválidoparaoprimeiroano,poisapartirdosegundoretoma-se aestruturaanual,emdecorrênciadestamatriztersidoabortada,sendonecessáriofazerumaequivalênciacomamatrizseguinte(1971).

A disciplina Técnica de Museus foi desdobrada em seis:MuseologiaTeóricaIeII,ComunicaçãoMuseológicaIeII,MuseografiaeMuseologia,conformeoseixostemáticosprevistospeloCFE/MEC.AáreadeAntropologiafoidivididaemAntropologiaIeII,IntroduçãoàEtnologia e Etnografia no Brasil. Foram criadas novas disciplinas docampo da Geografia logo no primeiro período: Cosmografia e

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Cartografia, Geografia Física, Biogeografia e Antropogeografia. Nasáreas de História e de Arte foram criadas disciplinas de História daCivilização, sendo mantidas História do Brasil, História da Arte,HistóriadaArteBrasileiraeArtesMenores.

Figura2–ReformaCurricularde1970.Fonte:NUMMUS.

As disciplinas Museologia e Comunicação Museológica, bem

comoasdisciplinasdeformaçãogeral,foramdistribuídasnoprimeiroeno segundoano.Museologia tratavadequestões teóricas, aopassoque Comunicação Museológica concentrava-se na relação com opúblicoemtermosdeexposiçãoeaçõeseducativaseculturais,masemcaráteressencialmente teórico,semaplicaçõespráticas.No terceiroeúltimoanohaviaumtroncocomumàsduashabilitaçõesconstituídodequatro disciplinas: Arqueologia, Metodologia das PesquisasMuseológicas,eduasTécnicasdeMuseus,HeráldicaeMobiliário.Alémdeste troncocomumhaviadoiseixosespecíficosparaashabilitações,cada um com cinco disciplinas. No eixo de Museus Históricos as

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disciplinas:HistóriaMilitareNaval,SigilografiaeFilatelia,TécnicadeMuseus:Armaria,TécnicadeMuseus:ArteNavaleTécnicadeMuseus:Indumentária.NoeixodeMuseusArtísticosasdisciplinas:HistóriadaArquitetura, História da Pintura e da Gravura, Técnica de Museus:PratariaeTécnicadeMuseus:ArteSacra.Aespecializaçãoeradefinidanãosomentepelasdisciplinasdeformaçãogeralnasáreasespecíficas,História eArte,mas tambémpela tipologiade acervos, justificandoaconcentração, no último ano, das disciplinas que trabalhavam ascoleções.

Outranovidadedamatriz de1970 está relacionada àpolíticado Regime Militar e refere-se à criação da disciplina Estudos deProblemas Brasileiros-EPB, em atendimento à determinação doDecreto-Lei nº 869, de 12/09/1969, que dispôs sobre a inclusãoobrigatóriadestadisciplina em todosos grausdo ensino.Apropostaera passar ideias moralizantes e de patriotismo e fazer frentedisseminaçãodesentimentosanti-governistasnosmeiosestudantis.

A matriz experimental de 1971 (Figura 3) retoma o sistemaanual. Percebe-se um certo retrocesso, sobretudo por meio dadiminuição de disciplinas e cargas horárias, não somente por umaquestãodeminimizaraimportânciadedeterminadosconteúdos,mastambémem funçãoda carênciadeprofessores.OeixodeMuseologiapassou a ser constituído por apenas duas disciplinas, Museologia(antigaTécnicadeMuseus-ParteGeral)eTécnicadeMuseus(estudosde coleções). Há uma ampliação da carga horária das disciplinas deHistória da Arte e diminuição da carga de História. A História daCivilizaçãoéreduzidaaumaúnicadisciplina,HistóriaGeral.

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Figura3–ReformaCurricularde1971.Fonte:NUMMUS.

A História Luso-brasileira foi abolida, sendo retomadas as

disciplinas História do Brasil Colonial e História do BrasilIndependente.Manteve-seaHistóriadaArteemduasdisciplinascomcargashoráriasampliadas.ArtesMenoreseHistóriadaArteBrasileiratambém permaneceram, mas com cargas horárias diminuídas. Adisciplina Estética foi mantida nosmesmosmoldes e houve sensívelredução também na carga horária das Antropologias: Introdução àAntropologiaeIntroduçãoàEtnologia.

Percebe-se que houve uma tendência de concentrar asdisciplinas de formação geral nos dois primeiros anos, Museologia,referente à teoria, e Técnica de Museus, correspondendo àMuseografia, inclusive comunicação-exposição. A disciplinaMetodologia das Pesquisas Museológicas foi remanejada do terceiropara o primeiro ano. O tronco comum, no terceiro, ano passou a serconstituído pelas disciplinas: Arqueologia, Numismática, Técnica de

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Museus:HeráldicaeTécnicadeMuseus:Mobiliário.Aparteespecíficadas habilitações sofreu pequenas modificações, permanecendobasicamente as mesmas disciplinas técnicas para dar suporte aoestudodeacervoshistóricoseartísticos.

Na alteração subsequente apresentada em1972,percebe-se aideiadereduziraáreaespecíficadeteoriamuseológica,mastambémuma contradição terminológica na denominação das disciplinasTécnica de Museus I e II, correspondendo à Museografia, ou seja,processamento técnico de acervo (pesquisa, documentação,conservação,exposição).Noterceiroano,apareceu,pelaprimeiravez,uma disciplina específica de exposições: Museologia: Museografia.Apesardenãopreveraparteprática,ouseja,projetoemontagemdeexposição,estadisciplinasinalizouumavançoconceitualaoconceberaideiadeumcomponenteespecíficoparatrataraexposição,concebidacomo espaço primordial de relação com o público. Esta mesmadisposiçãocurricularpersistenamatrizpropostaem1973(Figura4),comalgumasalterações:TécnicadeMuseus Ie II,nosdoisprimeirosperíodos, seguidas por Museografia I e II, nos terceiro e quartoperíodos. Neste ano, adotou-se o sistema de créditos e foi retomado,definitivamente,aestruturaporperíodosencetadaem1970.

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Figura4–ReformaCurricularde1973.Fonte:NUMMUS.

Namatriz seguinte, 1974(Figura5), houvenovosprogressos:desaparece a denominação Técnica de Museus; as disciplinas deMuseografiaforamampliadas:MuseografiaI,II,IIIeIV,emantida,nosexto e último período, como na proposta de 1972, a disciplinaMuseologia: Museografia, específica para a parte teórica decomunicação/exposição.

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Figura5–ReformaCurricularde1974.Fonte:NUMMUS.

Finalmente,naMatrizCurriculardiscutidaaolongode1974eimplantada em 1975 (Figura 6) percebe-se um grande avanço. Foi amais importante reforma curricular do Curso deMuseus, quando sepercebe uma mudança conceitual mais segura aparecendo nosdocumentos oficiais, sintomaticamente, o termo Museologia comocampo de conhecimento. Esta reforma foi oficializada num novoRegimento aprovado pelo CFE, em dezembro de 1974, apresentandouma ideia de comprometimento social dos museus e priorizando aformação emMuseologia num contexto interdisciplinar. Os objetivosnão se concentram mais no Museu e sim na Museologia, entendidacomoumcampoautônomoeespecíficode conhecimentoassociadoàumafunçãosocial,aodesenvolvimentosustentáveleàpesquisa.Alémdisso,pelaprimeiravez,osobjetivosdoCursoaparecemligadosaumaarticulação com entidades nacionais e internacionais, alusão àAssociaçãoBrasileiradeMuseologistas-ABM,criada11anosantes,eao

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ICOM,numa flagrante evidênciadequeoCurso já seorientavapelaspropostasrenovadorasdesteorganismo.

“a) formar profissionais e especialistasdeMuseologia; b)realizar,desenvolvereincentivaràpesquisanocampodaMuseologia; c) aprimorar processos, métodos e técnicasrelativas aos problemas de Museus, e divulgar seusresultados; d) contribuir, pelos meios ao seu alcance,inclusive em articulação com entidades nacionais einternacionais,paraoestudodosproblemasdaMuseologia,tendoemvista adinâmicadodesenvolvimentodopaís; e)estender o ensino e a pesquisa à comunidade, mediantecursos ou serviços especiais...” [grifo nosso] (CFE/MEC,1974)

Para se adequar à reformauniversitária o cursopassoua ser

oferecido em quatro anos e estruturado em oito períodos. O fato daduração ter sido ampliada em mais um ano, associado aoamadurecimentoadquiridocomcincomatrizesexperimentais,ouseja,o aumento de carga horária e a experiência prática, propiciaram odesenvolvimentodeumamatrizcomcomponentescurricularesmuitomais coerentes com as novas propostas, sobretudo em relação àsdisciplinasdeMuseologiaeMuseografia.

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Figura6–ReformaCurricularde1970.Fonte:NUMMUS.

As mudanças de conceito, ou melhor, a consolidação destasmudanças,podemserpercebidasnasdenominaçõesdasdisciplinas.Oexemplo mais marcante refere-se naturalmente às disciplinasMuseologia e Museografia, finalmente desvencilhadas da antigaTécnicadeMuseus-ParteGeral,queconstituíaocernedoCursodesdesuafundação.Osconteúdosteóricosepráticosdestasdisciplinasforamdefinidosevãoorientarasmatrizesdaspróximasdécadas:MuseologiaI,II,III,IV,VeVII158eMuseografiaI,II,IIIeIV.

158 Falta a Museologia VI porque, por um equívoco, a numeração dasdisciplinascoincidiucomosperíodosdeoferecimento.EsteproblemavaisersanadonamatrizseguintecomacriaçãodadisciplinaMuseologiaVI,nosextoperíodo.

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Pelaprimeiravez foi institucionalizadaapráticadaExposiçãoCurricular,quepassouacoincidircomasdisciplinasMuseologiaVIIeMuseografia IV, ambas no sétimo período. Com isto, a parte deComunicaçãoMuseológica/Exposiçãodeixoudeserpuramenteteóricaepassouaexigirumtrabalhodeconcepção,organizaçãoemontagemde projeto expositivo acompanhado de pesquisas de público eações/interações educativas. Nesta nova proposta de relação com opúblico encontra-se a parte mais revolucionária das transformaçõescurriculares e, por extensão, da formação em Museologia. Amaterialização desta nova visão é percebida nas exposiçõesexperimentais,1974-1977,enasexposiçõesemcaráterobrigatório,apartir de 1978, cujos temas revelam posicionamento político ecomprometimentosocial,alémdepreveraparticipaçãoeinteraçãodascomunidades:FeirasNordestinas(1974);Orixás(1975);ArtePopular(1977); FragmentosdaVida SocialBrasileira (1978.1);TeatroCara eCoroa (1978.2); Rotina da Pobreza (1979.1); Moara-Liberdade(1979.2); Cultura Popular Brasileira (1980.1); Era uma vez...Rahoni(1980.2);Mangueira(1981.1);OcaminhodaParticipação:Mesmosemuma pétala continuo sendo uma flor (19781.2); À Boca do Tunel:ExposiçãosobreaComunidadedaRuaLauroMüllereAdjacências;OBarronaArtePopularBrasileira(1982.2);Ohomemeomeio(1983.2);DaFusãoàsDiretasnavisãodocartum(1984.1),paracitarsomenteasmaissugestivasnestecontextodecríticaedenúnciasocial.

Ainda na Matriz de 1975, o estágio foi institucionalizado eoferecido no oitavo período, Estágio Curricular, dividido em quatromódulos:TécnicasdeRegistroMuseológico,Conservação-Restauraçãode Bens Culturais, Administração e Dinâmica de Museus e PesquisaMuseológica,esteúltimo,precursordaideiademonografiadefinaldecurso. Foram suprimidas definitivamente as habilitações emMuseusHistóricoseArtísticoseoCursopassouaenfatizarumaformaçãogeralemMuseologia.AsdisciplinasnãoespecíficasdeMuseologia,tambémforam reformuladas. Arquitetura, Escultura e Pintura deixam de serestudadas isoladamente, sendo substituídaspelasdisciplinasHistóriadaArteeHistóriadaArteBrasileira.AEtnografiafoidesmembradaemquatrodisciplinas,FolcloreeAntropologiaI,IIeIII,denominaçãoquetransmite uma ideiamais ampla de estudo da Antropologia Social eCulturalquepassouaseroenfoquedestaárea.

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Aalteraçãode1976consolidouefezumapequenacorreçãonoeixodeMuseologiaacrescentandoadisciplinaMuseologiaVI,nosextoperíodo, aumentando para onze o número de disciplinas desta área.Em1978,comoCursoaindafuncionandonoMHN,masjávinculadoàFEFIERJ159, a proposta curricular ofereceu as mesmas disciplinas deMuseologia e Museografia, modificando somente os períodos deoferecimentoemantendoaExposiçãoCurricularnosétimoperíodo.Asdisciplinasfocadasnosestudosdecoleçõespassaramaseroptativasea grande mudança consistiu na implantação da Monografia comocomponente curricular, oferecida no oitavo período, paralelamente àdisciplinaEstágioCurricular.

Amatrizde1978vigorounaprimeirametadedadécadade80coincidindocomatransferênciaefetivadoCursodeMuseologiaparaaUniversidade,eistopormotivosinstitucionais:aFEFIERJtransformou-seemUniversidadedoRiodeJaneiro-UNI-RIO160,emjunhode1979e,em agosto, o Curso foi transferido do MHN para o novo prédio doCentrodeCiênciasHumanas-CCH,naUrca.

Comestatransferênciafechou-seumcicloiniciadoem1969-70comasdiscussões visando reformular e atualizar amatriz curricularentãovigente.PodemosdepreenderqueoCursodeMuseusteveumaresposta relativamente rápida ao processo de transformaçõesarticuladoàsprofundasmudançaspromovidaspelaContraculturaquehaviamrepercutidonosorganismosinternacionais,UNESCOeICOM,edisseminadopor todoomundo.Aprópria vivênciadeumcurso commais de quatro décadas de funcionamento deve ter conferido oamadurecimento necessário para perceber a premência em semodernizareabsorverasnovasmudançasanunciadas.Nodecorrerdecincoanosváriaspropostasexperimentaishaviamsidoesboçadas,masinterrompidas e recomeçadas em decorrência dos embates quemarcaram todo o processo e só se tornaram consenso e foramconsolidadasnaMatrizde1975,pontoaltodeumanovacompreensãode Museu e Patrimônio, sinalizada pelas transformações da

159Decretonº.79.723,de24/05/1977,transfereoCursodeMuseusdoMHNparaaFEFIERJ.160 Lei nº 6.555, de 05/06/1979, transforma aFEFIERJemUniversidade doRio de Janeiro - UNI-RIO, denominação alterada pela Lei 10.750, de24/10/2003,emUniversidadeFederaldoEstadodoRiodeJaneiro–UNIRIO.

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Contracultura e absorvidas e ressignificadas pelo próprio campo daMuseologia.7Conclusão As reformulações curriculares no Curso deMuseus/Curso deMuseologiarefletemtodaaintensidadedeummovimentadoefecundoprocesso de transição: 1- A transição de ideias conservadoras parapropostasderupturasfundamentadasnasmudançasdepensamentoede comportamento que emergiam e se voltavam contra o sistema. Avocação naturalmente política e social do museu, o habilitavapotencialmentecomoumespaçodemocráticoparareflexão,discussãoepráticadasnovasquestõeslevantadasquefarãoecoemorganismosculturais de alcance internacional, como a UNESCO e o ICOM. 2- AtransiçãodaspolíticasdeEducaçãoeCulturaacionadaspelaUNESCOequerepercutiraminternacionalmente,inclusivenaDPHANenoIPHAN.Ainda que tenha provocado uma visão mais articuladaEducação/Cultura e uma maior interlocução do Patrimônio, daPreservação, da Museologia e do Turismo, as políticas públicas deCultura da Ditadura Militar tiveram efeito mais midiático do queconcreto na medida em que se concentraram demagogicamente napropaganda e no apelo nacionalista, abstendo-se, na prática, deinvestimentos efetivos em instituições museológicas, bem como naformação, isto é, no Curso de Museus-MHN e no nascente Curso deMuseologiadaUFBA.ApesardoCursodeMuseusservinculado,desdesuacriação,aumórgãopúblico, federal,as transformaçõesocorridasnasuamatrizcurriculardecorreramdoprotagonismodeprofissionaissintonizadoscomocontextointernacionalenãocontoucomoapoiodoMEC em termos de recursos para estrutura física, laboratórios econtratação dedocentes. 3- A transiçãodaspróprias concepções docampodaMuseologialideradaspeloICOM,sobretudoapartirdaMesaRedonda de Santiago, redimensionando os conceitos de Museologia,patrimônio e museus, e preconizando uma nova concepção decomprometimento social, comunicação e relaçãoMuseu-Comunidade.4- A transição das políticas educacionais para cursos superiores doMECeapreocupaçãoemdefinirdiretrizesparaaáreadaMuseologia,concebendo-acomoumcampodeconhecimentoeatribuindo-lheuma‘nova’ aplicação específica: a “Comunicação Museológica”. 5- A

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transiçãodegeraçõesdeprofessoresnoentãoepicentroda formaçãoemMuseologia–oCursodeMuseus–eadeflagraçãodeumconflitodialético entre professores veteranos versus lideranças pensantesemergentes. 6- A transição das metodologias de ensinotradicionalmente focadas nas técnicas museográficas para as novasconcepções de Museu, Museologia e Comunicação Museológica. Essanovametodologiamaterializou-se,sobretudo,napropostadepropiciaraos graduandos a realização de projetos práticos de exposições,críticasereflexivas,ecomforteconotaçãosocial,inclusiveemtermosde acessibilidade e de interação com o público/as comunidades. Asexposiçõesdesenvolvidasapartirde1974revelam,tantopelatemáticaquanto pelas ações educativas e culturais, um processo deamadurecimento e de excitação criativa que produziu propostascorajosas, marcadas pelo protesto e pela denúncia política, nummomentodecensuraecontroledetodososmeiosdecomunicação,dosmuseus e das universidades. E isto, em consonância com uma novavisão de comprometimento político e social daMuseologia. 7- Todoesteprocessodemutações fundamentadonuma ‘química’deopostos,mas também numa sequência de (re)ações teve como desfecho atransferência do Curso de Museus, sediado em uma instituiçãomuseológica, o MHN, para uma instituição universitária, aFEFIERJ/UNIRIO, ou seja, a vinculação universitária que o cursoassumiuculminoutodaumahistóriadeimplantação,amadurecimentoeatualizaçãodoensinoedaformaçãoemMuseologianoBrasil.

Em outras palavras, podemos depreender que todas estassituações de transição favoreceram um ambiente muito propício àcontestaçãoeàsrupturas,umavezqueseestabeleceuumapolarizaçãoentreoqueestavasetornandopassadoeoqueestavaemergindo,ouseja,oqueeranovo.Assucessivasreformascurricularescontrariandoohistóricodereformaspontuaisverificadasatéadécadade60,revelao ápice de um novomomentomarcado pelo choque de gerações: asinquietações e reivindicações da geração 60-70 em oposição àresistênciaeaoconservadorismodasgeraçõesmaisantigas.

O mesmo clima de efervescência que contagiou o Curso deMuseus/CursodeMuseologianoRiodeJaneiro,reverberouigualmenteemSãoPauloondedestacou-seoprotagonismodeWaldisaRússioque

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criou,em1978,naEscoladeCiênciasSociaisdaFESPSP161,oprimeirocursodeespecializaçãoemMuseologianoBrasil.MembrodoICOM,aintensa atuação nacional e internacional de Rússio é mais umaevidênciadesteprodutivoperíododerupturase inovaçõesdocampodaMuseologianadécadade70.Períodoque carecede estudosmaisprofundos que possam redimensionar sua real importância comomarcodenovosparadigmas.Umapesquisamaisacuradatraráàtona,fora do eixo Rio-São Paulo, profissionais com iniciativas igualmentetransformadoras comoMaria CéliaMoura Santos, na Bahia;Aécio deOliveira, em Pernambuco; Tarcísio Taborda, no Rio Grande do Sul eClarete Maganhoto, no Paraná, dentre vários outros. Todossincronizadoscomoembatedecisivodeflagradonosanos70,entreasformastradicionaisdefazerMuseologiaeaMuseologiaqueemergiaeanunciavaumcampodeconhecimentofocadonãosomentenomuseuenas coleções,mas na suamissão social e interação com a sociedade.Tudo isto em sintonia com a nova visão de mundo acionada pelaContracultura no sentido de um ecumenismo social e de umasensibilidadeemrelaçãoaooutro,semelhanteounão,oqueequivaleadizerumaconcepçãohumanista,oumelhor,humanizadaumavezquefundamentava-semuitomaisnodiálogo, na inclusão ena afetividadedoquenapuraracionalidade.BibliografiaBRULON,B.(2015).AInvençãodoEcomuseu:ocasodoÉcomuséeDuCreusot-Montceau-Les-MineseAPráticadaMuseologiaExperimental.Mana,21(2),p.267-295..Recuperadodehttps://dx.doi.org/10.1590/0104-93132015V21n2p267.CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO – CFE/MEC (1968-1969).CurrículoMínimodosCursosSuperiores-Apresentação.SeparatadasDocumentas96;100;102;103;104;105;108.CURY, I. (Org.) (2000).Cartas Patrimoniais. Instituto doPatrimônioHistóricoeArtísticoNacional(Brasil)2ªedição,RiodeJaneiro,Iphan.

161FundaçãoEscoladeSociologiaePolíticadeSãoPaulo.

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DESVALLÉES, A. & MAIRESSE, F. (2013). Conceitos-chave deMuseologia. Tradução: Bruno Brulon Soares, Marília Xavier Cury.ICOM:SãoPaulo.ICOM (1971). Resolutions adopted by ICOM’s General AssemblyGrenoble, France. Recuperado de https://icom.museum/wp-content/uploads/2018/07/ICOMs-Resolutions_1971_Eng.pdf.Leinº.4.024,de20dedezembrode1961.FixaasdiretrizeseabasedaeducaçãoNacionalD.O.de27-12-1961,p.11429.ParecerCFE/MECn.971/69,de5dedezembrode1969.EstabeleceuoseixostemáticosdoCursodeMuseus.ConselhoFederaldeEducação.ParecerCFE/MECn. 4.127/74, de6dedezembro de1974.AprovaoRegulamentodoCursodeMuseusdoMuseuHistóricoNacional.ResoluçãoCFE/MECn.14,de27defevereirode1970.Determinouosmínimos de conteúdo e duração a serem observados na organizaçãodoscursosdeMuseologia.

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HERMITAGEBARCELONA:

UMMUSEUREJEITADOPELA“CIDADEREBELDE”

SilvanaPirilloRamosUniversidadeFederaldeAlagoas,Brasil

https://orcid.org/0000-0003-3006-80761.Apresentação

Em 2012, a Espanha atravessava uma das maiores criseseconômicasdesuahistóriacomumadívidapúblicade884bilhõesdeeuros, oquecorrespondiaaaproximadamente84%doPIBespanhol.Seismilhõesdeespanhóisestavamsemtrabalho,cercadeumquartoda população economicamente ativa, sendo que esse índice atingia52%entreosjovenscommenosde25anos(INEbase,2019).

Em meio a este cenário de caos, o museu Hermitage de SãoPetersburgo,consideradoosegundomaiormuseudomundo,firmaumconvenio com o governo catalão para instalação de uma filial emBarcelona, na área do Porto, utilizando-se de recursos estritamenteprivados. A proposta era de construção de um prédio comcaracterísticasinovadoras,frutodeprojetoarquitetônicoicônico,edeconstituição de um espaço com uma linguagem museológicadiferenciada.Aperspectivaeradetrazermaisde500milvisitantesaoano, promover qualificação de mão de obra e geração de empregosparaapopulaçãolocal.

Ocronogramapreviainauguraçãopara2016,masoprojetodomuseu segue se arrastando por sete anos, em meio a uma série deempecilhos que colocam em dúvida sua sustentabilidade econômico-financeira,os impactosquepodemsergeradosnaáreaportuária,eaprópria qualidade enquanto espaço museológico, traduzida comocompromissocomadivulgaçãodaarteedaciência.Além de seus sóciosmodificarem o local de implantação na área doPortoeascaracterísticasdoprojetoporquatrovezes,aadministraçãopública municipal não atribui credibilidade, exige apresentação deprojetosdeviabilidadeedeclarainclusiveparaamídiaqueBarcelona

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nãonecessitademaisummuseueoHermitagepoderepresentarumaameaçaasobrevivênciadeoutrosequipamentosculturaisjáexistentes,quesofriamcomacriseeconômica.

Em abril de 2019, depois de um histórico de oposição aoprojeto, a Asamblea de Barrios por un Turismo Sostenible (ABTS),entidadequeagregadiferentesassociaçõesdemoradores,coletivosdetrabalhadores do setor turístico, sindicatos, pesquisadores, artistas,ambientalistas,entreoutros, lançaomanifesto“ElmuseuHermitageaBarcelona:l’artdel’especulació.Perunportciutadà,noal’Hermitage!”,com assinatura de mais de 40 associações. O manifesto denuncia aligaçãodomuseucomoprocessodeespeculaçãoimobiliáriaecapitalfinanceiro, vislumbra uma série de impactos negativos associados aoprojeto e reivindica o direito de decisão sobre o processo deurbanizaçãodaáreaportuáriaedaprópriacidade.

DiantedofenômenodeummuseucomoporteeopotencialdoHermitageserrejeitadoporumacidadecomoBarcelona,quetemsuaimagem solidamente vinculada coma cultura constituindo-se em umdestinodeturismocultural,esteartigoobjetivaanalisaroselementosquemotivamestarejeição.Paratanto,apósrevisãodeliteraturasobreatemática,construímosumhistóricodoconflitopormeiodaanálisedematériaspublicadas,sobreoProjetoHermitageBarcelona,nosjornaisEl Mundo, El País, La Vanguardia, The Guardian, El Periodico, ElNacional.cat, desde outubro de 2012, momento de lançamento daproposta, até maio de 2019. Consultamos, também, o própriomanifesto da ABTS e demais documentos como ata de reuniões deassociaçõesdemoradores edeoutros coletivosorganizadosa fimdecompreender a posição dos movimentos sociais e do poder públicodiantedapropostadoHermitage.

Nãotemosapretensãodediscutirdiretamenteaviabilidadedomuseu e muito menos as peculiaridades que envolvem seu projeto,mas acreditamos que este trabalho possa se constituir em subsídioparaquefiliaisdegrandesmuseusrepensemeanalisemseusprojetosdeviabilidadedeimplantaçãoemcidadessemelhantesaBarcelona.Partimosdahipótesedequeasfranquiasdos“museusdegrife”estãosendo vistas como megaprojetos desvinculados de uma propostaartísticaecientíficamaisconsistente,equesualigaçãocominteressesdeespeculação imobiliáriaedomercado financeiro,assimcomoseusefeitos gentrificadores, estão sendo descortinados. Encontram-se

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ameaçadas as formas de utilização desses equipamentos culturaiscomo instrumentos para uma urbanização regeneradora e para aconstruçãododiscursodocitymarketing,elementosnecessáriosparaaproduçãoereproduçãodocapitalnocenáriourbano.2.ProjetoMuseuHermitageBarcelona

Consideradoumdosprincipaismuseusdomundo, ao ladodoLouvre parisiense e do Prado de Madri, o Museu Hermitage de SãoPetesburgo, composto por cinco edifícios distribuídos ao longo dasmargens do rio Neva, foi inaugurado em 1764. Possui uma coleçãocompostaporquase17.000pinturas,738.000objetosarqueológicose12.600esculturas, representantesdediferentes culturas emomentoshistóricos. (Baquero, 2012). Abriga, entre outras obras icônicas,pinturas de Leonardo da Vinci, Picasso, Goya, Rafael, Velázquez,Michelangelo, Manet, Mattisse e esculturas de Rodin. Desde o ano2000, omuseu iniciou um processo de abertura de filiais em outrascidades, como Amsterdam, Ferrara (Itália), e Londres, embora esteúltimofechadoem2007(Baquero,2012;Blanco,2018).

Emdezembrode2012,oentãopresidentedaCatalunhaArturMas e o conselheiro de CulturaFerran Mascarell, estabeleceram umconvenio de colaboração com o Governo Russo para a instalação, naáreadoPorto,emBarcelona,deumasucursaldoMuseuHermitagedeSãoPetesburgo(Benvenuty,2019).OProjeto,queseapresentacomoapromoçãodeumnovoespaçodelazerculturalnoPorto,éfomentadoporrecursosoriundostotalmentedefundosprivados,constituindo-seem uma franquia impulsada pelo Banco Andorrano MoraBancpromovido pela Barcelona Cultural Development e o estúdio ArsSpatium, o arquitetoUjoPallarés e seu sócioValeryYaroslavsky, umempresáriorussodedicadoaosetordeconstruçãocomoseugrupodeconsultoriaAccelerationGroup(Grael,2016).

O projeto científico do Hermitage Barcelona, inicia-se tendocomo Diretor Científico o físico e museólogo Jorge Wagensberg(falecido em março de 2018), promotor, entre outros, do Museu deCiênciaCosmoCaixa.Éprevistaumacoleçãopermanente,quemudaráacadadezanos,umasalaparaexposiçõespermanenteseoutranaqual"apeçadomês"será instalada,umtrabalhonotáveldosmaisde trêsmilhões de peças que compõe o Grande Hermitage. A proposta de

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WagensbergeraexplicarahistóriadoHumanidadeatravésdacoleçãodomuseurussopromovendoum“diálogopermanenteentreciênciaearte, destacando o que as une e o que as distingue; usando umamodernamuseografiacientífica,pormeiodeumacombinaçãosingulardepeças,fenômenosemetáforasmuseográficas”.Entreosexemplosdaproposta do cientista está a conquistadaperspectivana pintura "deAltamira a Dalí, uma aventura de 20.000 anos de antiguidade”(Montañés, 2018). O Hermitage Barcelona visa promover um novoparadigmademuseu:"Umafusãodearteeciência,nãohámuseuqueintegre ambas as concepções. Vamos inventar uma nova linguagemmuseográfica”. Entusiasta do projeto Wagensberg dizia que aoportunidadedefazerummuseudestadimensãoéraraesóaconteceumavezacadaséculo(CrónicaGlobal,2019;Palmer,2016).

A estimativa inicial de Pallarés é de que o museu receba500.000visitantesaoano,com ingressosentredezedezoitoeuros,emesmo sendo situado em uma área turística, que seja mais voltadopara os cidadãos de Barcelona, com foco prioritário na comunidade,promovendo a eles acesso ao que denomina “alta cultura” (Palmer,2016).

O Museu Hermitage Barcelona enfrentou muitas dificuldadescomrelaçãoalocalizaçãoeaoprojetoarquitetônico.Apropostainicial,em 2012, era de construção do edifício ocupando três armazéns emdesuso(2.300metrosquadrados)noPorto,numterrenojuntoaoHotelW,localizadoaoladodasinstalaçõesdaempresaMarinaBarcelona92(MB'92),localqualificadocomodeserviçosterciáriosquedeveria,coma proposta domuseu, passar para o status de local de equipamentocultural.Omuseuocupariaumaáreatotalde15.000metrosquadradoscomauditório,espaçoparaoficinas,cafeteriae,noandarsuperior,umrestaurante. Previa-se, também, a construção de um shopping centerde luxo e de uma passarela com função de comunicar as instalaçõescomoterminaldecruzeiros(Montañés,2014).

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Figura 1: Proposta inicial do projeto de Hermitage (ocupando trêsarmazéns em desuso na área do Porto).Recriação virtual do futuroHermitagedeBarcelona,emunaimagemdifundidaem2016.Fonte:EuropaPress(2017,Noviembre17).ElHermitagedeBarcelonapidediálogoaColauparadesbloquearelfuturomuseo.LaVanguardia,Barcelona. Recuperado dehttps://www.lavanguardia.com/local/barcelona/20171117/432945198393/hermitage-pide-colau-desbloquear-ubicacion-museo-puerto.html.

Em 2014modifica-se apropostade localização em função daincompatibilidadecomos interesses,naárea,deexpansãodaMarina92dedicada, hámaisdeduasdécadas, à reparação emanutençãodegrandes e luxuosos barcos (Montañés, 2014). A nova proposta é deinstalaromuseunoedifíciodaNovaAlfândegadoPort JosepCarner,propriedadedoMinistério das Finanças. Trata-sede uma localizaçãomais central, no final de La Ramblas, por onde circulammilhões depessoas e de um prédio histórico, construído em 1902, que passariaporumprocessoderevitalização.

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Figura 2: Prédio da Alfandega /Proposto para ocupação do MuseuHermitageBarcelona.Fonte: C.S Baquero (2012, Octubre 13). El Puerto negocia con elHermitage la llegada del museo ruso a Barcelona. El País, Cataluña.Recuperadodehttps://elpais.com/ccaa/.FotodeCarlesRibas.

Cercada de mistérios e rumores na mídia, a proposta nãoavança e termina descartada em 2016, quando os promotores domuseudecidemconstruí-loemumsolar,naFozdoPortodeBarcelona,emumlotelocalizadoentrearampadeestacionamentodoHotelWeafutura Marina Vela, um dos edifícios do novo skyline de Barcelona.Pallaresdivulganositeujo+partnersaproposta:

Entornoportuario,memoriadelaescollera,cercaníaalmar.Desde el terreno,maravillosas vistas de la ciudad, delmar,de lamontaña deMontjuich, del puerto de yates. Hacia elterreno, importante presencia de la futura volumetría delmuseo.SielHermitagedeSanPetersburgoocupaunantiguopalacio utilizado como museo, el Hermitage de Barcelonaserá un museo nuevo con hechuras de palacio urbano. Apesardeumatopografíadeciertacomplejidad,ellugarpidealto y claro que su arquitectura facilite recorridos, queconecte desniveles, que se abra con generosidad. Y así, laarquitectura responde, consciente de sudimensiónpública,con laconcepcióndesusespaciosintermedios, soportalesy

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galerías : de acceso y protección en su fachada norte; dedescanso y contemplación junto a la marina162(Ujo+parteners,2019).

O projeto arquitetônico para esta terceira proposta é de um

edifício, “de proporciones aureas”, e de aspecto “racional y clásico”,cercade15.500metros,comcincoandaresesetesalasdeexposições,um amplo hall de entrada, um restaurante, uma cafetaria e umauditório,bemcomoumafachadaconcebidacomoumaespéciedepelequeoenvolve,assinadopeloarquitetoÍñigoAmézola(Savall,2016).Aexperiênciamuseisticaéprevistaparaseiniciarduranteoacessopelomar,combaseemacordoparacriarumserviçodegolondrinasnaáreadoCólon(Cordero,2018;Palmer,2016).

ComamortedeWagensberg,emmarçode2018,oprojetodomuseusofreumsignificativoimpacto,emboramembrosdesuaequipecontinuemnaconcepçãoartística.Entreasestratégiaspararecupera-loeconseguirmaioraceitaçãoestáacontrataçãodeToyoIto,autordevárias obras icônicas na cidade e arredores. O prestigiado arquitetojaponês, Premio Pritzker em 2013, apelidado de “Novo Gaudi” deBarcelona é convidado para agregar seu diferencial ao projetoarquitetônicodoHermitageBarcelona(Cordero,2018;Blanco,2018).

162 Ambiente portuário, memória do mole, proximidade ao mar. Da terra,vistasmaravilhosasdacidade,omar,amontanhaMontjuich,oportodeiates.Emdireçãoàterra,presençaimportantedafuturavolumetriadomuseu.SeoHermitagedeSãoPetersburgoocupaumantigopaláciousadocomomuseu,oHermitagedeBarcelonaseráumnovomuseucomobrasdepaláciourbano.Apesardeumatopografiadecertacomplexidade,olocaldemandaaltoeclaroque sua arquitetura facilite rotas, que conecte o desnível, que se abra comgenerosidade. E assim, a arquitetura responde, consciente de sua dimensãopública,comaconcepçãodeseusespaçosintermediários,pórticosegalerias:acessoeproteçãoemsuafachadanorte;dedescansoecontemplaçãoaoladodamarina(Ujo+parteners,traduçãonossa,2019).

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Figura 3: Projeto arquitetônico do Museu Hermitage assinado porÍñigoAmézola.Fonte:Ujo+partners(2016)MuseoHermitageBarcelona.Recuperadodehttp://ujoandpartners.com/proyecto/hermitage-barcelona/.

O edifício projetado por Ito compõe a quarta proposta, bemdiferente do edifício clássico proposto pelo arquiteto Íñigo Amézola.No novo projeto, de concreto branco e fechamentos envidraçados,predominam as formas arredondadas características do arquitetojaponês. A proposta é de uma construção com 25 metros de alturaacimadosolo,cercade72metrosdecomprimentopor48delargura.No total, umaárea construídade cercade16.000metrosquadrados,dosquais12.000serãoefetivamenteúteis,divididosematétrêsníveis(alémdoporão)eumgrande lobbydenívelúnico(EconomiaDigital,2018;Montañés,2016,2018).

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Figura4:PropostaarquitetônicadeToyoItoparaoMuseuHermitageBarcelonaFonte:D.Cordero,(2018,Noviembre7),ToyoItodiseñaeledificiodelHermitage de Barcelona. El País, Cataluña. Recuperado dehttps://elpais.com/ccaa/2018/11/06/catalunya/1541515205_754278.html.

AparticipaçãodaToyo Itoaumentounovamenteoscustosdoprojeto,quepassaramasomar52milhõesdeeuros.Amaiorpartedoinvestimento seria assumida pelo fundo de investimento suíço-luxemburguês Varia, que controla 80% das ações da empresaHermitageBarcelona.Os20%restantessãodaCulturalDevelopmentBarcelona,promotoradoprojeto eque controlaoacordode50 anoscomHermitage(Grael,2018).

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Figura 5: Área do Porto definida para instalação do HermitageBarcelona.Fonte:J.Cotrina.ElPeriódico(2019,Abril17).ElPuertodeBarcelonainicia el trámite para el futuro Museo Hermitage. El Periódico,Barcelona. Recuperado dehttps://www.elperiodico.com/es/barcelona/20190417/museo-hermitage-barcelona-puerto-7412650.

Com tantas mudanças de localização e alterações no projetoarquitetônico,omuseusedistancioudocronogramainicial,quepreviao iníciodeobrasem2017.Aaberturaqueseriapara2019, fracassoucompletamente, sendo que apenas em abril do referido ano aautoridadeportuáriapublicounoBoletimOficialdeEstadoaconcessãodaparceladoterrenoàsociedadeHermitageMuseumBarcelona.3BarcelonadiantedoProjetoMuseuHermitage

A concretização do projeto enfrenta seus maiores desafios,como conseguir a aceitaçãodopoderpúblicomunicipal edaprópriacomunidade, elementos fundamentais para que sua implantação sejaviável.Porenquanto,seguesendoapenasumprojetodemuseuaoqualBarcelonaapresentarejeiçãoedesprezo.

A Diretora de Relações Institucionais do Hermitage, RosaCarretero,afirmouemdeclaraçãoaoJornalElMundo-Catalunha,em19/01/2018 que a prioridade do museu é contar com o apoio e

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aceitação da população e, para tanto, está a total disposição para odiálogoeabertaparasugestõesdealteraçõesnoprojetoquepossamlevar a suamelhoria. Sobre a rejeição e asmanifestações contrárias,Carreteroopina:“lamasacriticavecinalestilfavordelproyecto...losqueestanencontrahacenmuchoruído”.3.1NãoaoHermitage!

Figura 6: Presentación de la plataforma vecinal contraria al museoprivadodelHermitageFonte: J. Cortadellas. InN. Farré (2019,Maig9).Desacordveïnalperl'Hermitage. El Periódico, Barcelona. Recuperado dehttps://www.elperiodico.cat/ca/barcelona/20190509/desacord-veinal-hermitage-7446485.

Desde o início a população de Barcelona apresenta um altoíndicederejeiçãoapropostadoMuseuHermitage(Congostrina,2019).Em abril de 2019 a Asamblea de Barrios por un Turismo Sostenible(ABTS)163,principal interlocutoradasassociaçõesecoletivos juntoao

163AABTSéfundadaem10/11/2015,ocasiãoemquepublicaemseusiteumtextodeapresentação,doqualpodemosdestacarumtrechoquesintetizaseupapel: “Somos um coletivo de entidades e grupos que, desde os bairros deBarcelona,vêmfazendoumtrabalhodedenúncia,críticaemobilizaçãodiantedo discurso em torno do turismo na cidade, baseado na Marca Barcelona.

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poder público, no processo de planejamento participativo emBarcelona, lança ummanifesto contra o projeto do museu, assinadopor uma multiplicidade de associações entre elas Xarxa Veïnal delRaval, AVV Clot-Camp de l’Arpa, La Sardineta Resistim al Gòtic, AVVSagrada Família,Fem Front al Turisme de Sants, AVVdel Barri Gòtic,Salvem les Drassanes, Som Paral·lel, Ciutat Vella No Està En Venda,AssembleaperlaDefensadelesLlibertatsdelaBarceloneta,LaXarxairecooperativa d’habitatges, SOS Monuments, Ens Plantem, Comissio defestes del carrer Pescadors, Ecologistes en Acció, Fem Sant Antoni,Observatori Antropològic del Conflicte Urbà, Fotomovimiento,Plataforma Cap Raval Nord, Associació de Famílies Escola VedrunaÀngels,Espaid’IntercanviBarceloneta,AccióReinaAmàlia,DefensemelParkGüell,LaHidraCooperativa,Turismegrafies,AlbaSud,SindicatdeLlogateres, trescientosmilkilometrosporsegundo, Panorama180(Festival de cine creative commons de Barcelona), Attac Catalunya,Transductores, Plataforma#LaFiraOLaVida,Assemblea 15M Sarrià-St.Gervasi,ASiA–AssociacióSalutiAgroecologia,Elitetaxi,AsociacióndeVecinosdelaOstia.

Omanifesto,publicadonaintegranositedaABTS164,intitulado“El museu Hermitage a Barcelona: l’art de l’especulació. Per un portciutadà,noal’Hermitage!”,solicitaqueopoderpúblicomunicipalnãodêapoioaoHermitage,contestaofatodaausênciadeconsultasobreasnecessidades da população e suas propostas para a área do Porto,reflete sobre o direito dosmoradores escolherem omodelo culturalquedesejampara a cidade e exigequeoPortodeBarcelona retireoprojeto do museu Hermitage, considerando ilegítimo o processo deconcessãodoespaçoaomuseu,decididosemmediaçãooudiálogocomapopulação.

Fazemos um trabalho importante nos bairros, e ao longo do tempocontribuímosparaquestionaromodeloturísticodeBarcelona,masaomesmotempo percebemos que é necessário coordenar este trabalho de bairro tãofundamentalnaáreadacidade, jáqueoturismoéumaquestãodefundodomodelodecidade”(ABTS,2019).164 Cf. El museu Hermitage a Barcelona: l’art de l’especulació. Per un portciutadà, no a l’Hermitage! Recuperado dehttps://drive.google.com/file/d/1NFv8TPSQd-EY98NDtxE_rnDNxy9vnB7X/view

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Oprojetodomuseuéporelescaracterizadocomoumprojetodeespeculação.Nomanifestoospromotoresdomuseusãochamados“artistasbemautênticosdeespeculação”.Observa-seaorigemobscuradosinvestimentos:inicialmenteoriundosdebancosdeAndorrae,maistarde,deumfundosuíço.AempresaMuseoHermitageBarcelonaSL,criadapara solicitara concessãonoPorto, épresididaporPallarés enela ocupam as principais posições: Jaume Sabater, gerente deinvestimentos imobiliários muito ativo em Barcelona e criador doprimeiro Sicav3 (empresa de investimento de capital variávelgeralmente com vantagens fiscais), Xavier Coll, ligado a váriasempresasimobiliáriassuíçaseoempresáriorussoValeryYaroslavskiy,anteriormentededicadoaocomérciodejoiaseartigosluxoeligadoaumaconsultoria,entreoutrosnegócios,deprojetosdeconexãoelétricaentreaEuropaeRússia(Grael,2016).DessaformaoMuseuHermitageseconstituiriaemumálibiartístico-culturalparasatisfazerinteressesprivados,contrariandoointeressepúblico.

O fatodestespromotores teremrejeitadoslocaiscomoPrédiodaAlfandegaparainstalaçãodomuseuéconsiderado,pelomanifestodaABTS,comoamostradocaráterespeculativodoprojetoeausênciainteresse artístico ou cultural. Da mesma forma a associação doarquiteto Tokio Ito com o museu é considerada um elementoindispensável em qualquer projeto, constituindo-se em tentativa decriarumnovoíconearquitetônicoeturísticodamarcaBarcelona,comumasobretaxade10milhõesdeeuros(paraumtotaldeclaradode52milhões).

Omanifestotrazumrelatodospossíveisimpactosdoreferidomuseu, dentre os principais o aumento do fluxo de turistas em umbairro que já se encontra absolutamente saturado. Atualmente, aBarceloneta recebe durante o verão cerca de 11.000 pessoas apenasparaousodapraia.Osinvestidorespreveementreseiscentosmilaummilhãodevisitasanuaisaomuseu,fluxoque,semdúvidamultiplicariaos impactos sociais e ambientais. Barceloneta já sofre com adificuldadedemobilidadee insuficiênciado transportepúblicoeviasde acesso e a situação tenderia a piorar. Há total descrédito comrelaçãoapropostadeônibusnáuticoouPassareladoMaremagnum,oque consideram termais relação comparques temáticosdoque compolíticaspúblicasdeatendimentoasnecessidadesbásicascotidianasdocidadão.

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Tambémseapontacomoimpactonegativoatransformaçãodocomérciolocaldobairro,adificuldadedesobrevivênciadospequenoscomérciosdiantedos investimentosdemegaempreendimentosqueomuseuatrairá,oprocessodegentrificaçãocomexpulsãodemoradorespor aumento do valor dos alugueis e proliferação de mais pisosturísticos.

As associações questionam a natureza dos empregosprometidos:78vagas,42aseremrecrutadasnaprópriaBarceloneta,além de vagas sazonais, também, para trabalhadores da construçãocivil.Consideramosreferidospostosdetrabalhoprecários,reforçodaespecializaçãodomercadodetrabalhonosetorturístico,caracterizadopelaspéssimascondições,exploraçãoeprecariedade,reforçandoaindaamonoculturaturísticaconsideradanegativaparaacidade

Losvecinos,encontradelHermitageenlaBarcelonetaéotítulodamatéria do jornal El País, em 10 demaio de 2019, na qual PepaPicas, da Associação de bairro de L'Ostia, anuncia a criação de umanova plataforma chamada Por un Puerto Ciudadano e declara“Colectivos de la Barceloneta, Ciutat Vella y de toda Barcelonadenunciamos un nuevo ataque del Port de Barcelona contra el interéspúblico”. Ela denuncia que o projeto domuseu “es solo la piel de unmodelo de explotación turística y de especulación, no es más que el‘caballo de Troya’ de un modelo que pretende transformar la nuevabocanaen‘unaespeciedeEurovegasdisfrazadadecultura.’”3.2SimaoHermitage!

ÉimportanteobservarquenaprópriaBarceloneta,emmeioaoManifestodeOposiçãoaomuseueacriaçãodaplataformaemdefesado Porto Cidadão, há uma das associações que compõe o bairro, aAsociacióndeVecinos de laBarceloneta que, desde2017, registra suaposiçãofavorávelaoMuseuHermitage,defendendoqueomuseuéumequipamento que vai reportar inúmeros benefícios ao bairro, comoatrairturistasmaiscívicosqueosquecotidianamentevisitamobairroembuscadesolepraia,oquedignificariaetrariaumaimagemmelhoraBarceloneta(Farré,2019).

Consideram inevitável a ocupaçãoda áreadoPorto conformedeclara Manel Martínez Vicente, vice-presidente da Asociación deVecinos de la Barceloneta para o El País, em dezembro de 2017: “los

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terrenossondelpuertoysinoseacabaconstruyendoallíelHermitagehabráotroequipamientoquepuedesercomercialoturístico.Ennuestramanoestápresionarparaqueloqueseconstruyaseaunactivocultural”.

Figura 7: En vídeo en las redes sociales, la presidenta de la entidadvecinal, Montse López, y el vicepresidente de la asociación, ManelMartínez,defendieronlaaperturadomuseo.Fonte: Crónica Global (2018, Noviembre 7) El Puerto de Barcelonaaprovecha el final del mandato para tirar adelante elHermitage.Recuperado dehttps://cronicaglobal.elespanol.com/vida/puerto-barcelona-final-mandato-colau-hermitage_197879_102.html.

Com relação a problemática da mobilidade na região, aAsociacióndeVecinosdelaBarcelonetaconsideraqueoMuseutraráasolução,viabilizandooônibusaquáticoparaconectaraáreadeColóncomaNovaBocanadoPorto,fazendoconexãodosvisitantesdoMuseucomaáreadoWorldTradeCenter,ondeosônibusdeturistasficariamestacionados,umareivindicaçãoantigadobairroequefinalmenteseráconcretizada,comafacilitaçãodachegadadevisitanteseaprioridadeparaosmoradores.

Com o posicionamento desta Associação de Moradores, aBarcelonetaficadividida(Farré,2019),sendoque,nomesmoperíodo,outrasassociaçõesquerepresentamosinteressesdobairro,comoAV

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de l’Òstia,aPlataformaenDefensade laBarcelonetaeaFederaciódeVeïnesiVeïnsdeBarcelonafazemmanifestaçõescontráriasaomuseu.

É importante observar que a Asociación de Vecinos de laBarceloneta é composta, em maioria, por comerciantes locais queobjetivam expandir seus negócios e, por sua composição, é acusadapelas outras associações de defender seus interesses pessoais emdetrimentodocoletivodobairro(Congostrina&Montañés,2017).

NãoépossívelafirmarqueaposiçãofavoráveldestaassociaçãosejamuitorepresentativacomrelaçãoaouniversototaldeBarcelona,mas é inegável que ela revela organização e mobilização dosmoradoreseadimensãodoconflitoqueoprojetodoMuseuHermitage–Barcelonavemprovocandoentreosmovimentossociaisnacidade.4.OPoderPúblicodiantedoProjetoHermitage-Barcelona

A recepção inicial do projeto doMuseu Hermitage Barcelonaem2012, porpartedopoderpúblico, foi bastantepolêmica.O entãoalcalde, Xavier Trias, afirmou que se tratavade um empreendimentoprivado ao qual jamais destinaria recursos públicos. Jordi Martí,delegadodeculturadeBarcelonanoperíodo,declarouparaoElPaís,em 19/09/2013, “Las franquicias culturales no tienen sentido enBarcelona.Estemuseoesunaburdaoperacióndeespeculacióncultural”e namesmamatériado jornal o líderdoPartidoEcosocialita,RicardGomà, classificou o projeto entre os de mercantilização da cultura,atreladoaumalógicaprivatizadoraeespeculativadoPortoVelho.

Apenas em junhode2016, oprojetodoMuseuHermitage foi,efetivamente,apresentadoparaopoderpúblicoeasociedadecivil.Foia única apresentação pública, liderada por Pallarés, e contou com aparticipação de uma centena de pessoas da sociedade civil deBarcelonaedapolíticacatalã,incluindoosresponsáveispelosmuseusda Generalitat, da Câmara Municipal e da Diputación de Barcelona.Inicialmente, diante de várias franquias que foram fechadas doHemitageedeoutrosmuseusquestionou-seaviabilidadeeconômica,aautossustentabilidadeeadimensãodosriscosdedemandardinheiropúblico.

A comissária de cultura da Câmara Municipal solicitou umaanálisemaisaprofundadadoprojetoemuitasdúvidasforamelencadascom relação as formas de conexão do museu com os cidadãos e o

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turismo e assim como os tramites da proposta de cooperação domuseucomosprincipaiscentrosartísticosdacidade.AalcaldesaAdaColau vem, desde então, solicitando um plano de viabilidade quejustifiqueaescolhadaáreadoPortoemBarcelonaeoprópriomodeloeprocessopropostoparaaimplantaçãodomuseu(Montañés,2016).

Em2018,ocomissáriodeCultura,JoanSubirats,declarouparaojornalElMundo:

Queremos ver cuántos metros cuadrados son realmenteexpositivosycuántoscomerciales,detiendasyrestauración.Ver sielproyecto tieneuncarácterartístico.Normalmenteeste tipo de equipamientos culturales no acaban siendoreantables, no nos negamos, no estamos en contra, peroqueremos estarseguros de queno recaerá en la ciudadunproyectoquenoeselnuestro165.

A solicitação da Prefeitura Municipal de maiores

esclarecimentossobreoHermitageBarcelonaseestendedesde2012.O poder público demanda informações de caráter econômico eurbanístico e principalmente artístico, uma vez que não se temdetalhesdequaisrumosoprojetoseguiuapósamortedomuseólogoJorgeWagensberg(Blanchar&Cordero,2018).

AregidoradodistritoCiutatVella,GalaPin,quecontacomumhistóricodeativistanosmovimentossociaiscontraaespeculação,noantigobairrodepescadores,tambémsemostroucontráriaaoprojetonos moldes como ele se apresenta, embora alegue ter poucasinformaçõesporsetratardeumprojetoobscuroequelhepareceumtanto indefinido. Gala Pin declara em entrevista concedida ao LaVanguardiaBarcelona,em06/10/2018:

Aúnnoconocemosa fondoelproyectorehecho.MiposturapersonalesqueCiutatVellatiene83centrosculturalesyno

165 Queremos ver quantos metros quadrados são realmente expositivos equantos são comerciais, de lojas e restaurantes. Ver se o projeto tem umcaráterartístico.Normalmenteesse tipodeequipamentoculturalacabanãosendorentável,nãonegamos,nãosomoscontra,masqueremostercertezadequenãorecairásobreacidadeumprojetoquenãoénosso(traduçãonossa).

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nosinteresaestemuseoenlaNovaBocana.Difícilmenteserárentablealargoplazoyacabarásiendoungastoparalareddeequipamientosdelaciudad166(Pauné,2018).

A presidência do Porto, por sua vez sempre revelou apoio

incontestável ao projeto, inicialmente sob a administração de SixteCambra(2011a2018),queconsideravaoprojeto"bomparaoporto,bomparaacidadeebomparaoturismo".EsteapoioincontestávelaoHermitage também foi assumido por sua sucessora, Mercè Conesa,sendo que ambos defendem a soberania da Autoridad Portuaria deBarcelona(APB)eserevelamdispostosaassumiremoprojetoatéasúltimas consequências. (Blanchar, 2018; EconomiaDigital, 2018). Nomomento o projeto arquitetônico está definido e todo o tramite deordenação interna necessário para acolher o novo equipamentoculturaldacidadeemseusterrenossendocumprido.

A autoridade portuária aproveitou o período das eleiçõesmunicipais,noiníciode2019,paraaceleraroprocesso(Benvenuty&Angulo,2019),natentativadeinseriroprojetonaplataformaeleitoralemmeioapolêmicascomaoposição,queentreoutraspautasacusavaa administraçãode perder investimentos para a cidade e de não serempreendedora (Bes, 2017; Blanchar, 2018; Crónica Global, 2018).Finalmente,emabrilde2019épublicad,noBoletimOficialdeEstado,o tramite oficial necessário à concessão da parcela portuária àsociedadeHermitageMuseumBarcelona.5. Museus: Equipamentos Culturais como instrumentos para a“regeneraçãourbana”.

Com a abertura democrática, em 1974, Barcelona inicia umprojeto de reconstrução urbanística baseado no desenvolvimento deseulitoraledasáreascentrais,comrevitalizaçãodocentrohistórico.Ograndemarco,todavia,nesteprocessodeurbanizaçãofoiaeleiçãodeBarcelona para sede os jogos olímpicos em 1992. As Olimpíadas

166Aindanãoconhecemosafundooprojetorefeito.AminhaposiçãopessoaléqueaCiutatVella tem83centrosculturaisenãoestamosinteressadosnestemuseuemNovaBocana.Dificilmenteserá lucrativoa longoprazoeacabarásendoumadespesaparaarededeinstalaçõesdacidade(traduçãonossa).

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colocaram a cidade no centro de visibilidademundial e moldaram aoferta turística,comacriaçãode infraestruturahoteleiraede lazerepermitiramaestruturaçãodeummodelodecidadecalcadonosmoldesdo planejamento estratégico empresarial, com um posicionamentoprivilegiadonoespaçodeconcorrênciadomercadointernacional.

Le paysage urbain dispose de nouvelles iconesarchitecturalesetd’anciennesrénovées; lavillesedécouvreportdecroisièreetplageurbaine,unpatrimoineserévèleetcomplète l’existant avec la Sagrada Familia comme pivotcentralàcôtéd’uneoffremuséale,gastronomiqueetludiquerefondueetentretenue167(Ballester,2017,s/p).

Significativosrecursosforamdestinadosparaotrabalhodecity

marketingaquidefinidonaspalavrasdeSánches(1999,p.115)como“orientação da política urbana à criação ou ao atendimento dasnecessidadesdoconsumidor,sejaesteempresário,turistaouoprópriocidadão”, ou seja, um trabalho para posicionamento da cidade comoumprodutode“qualidadediferenciada”aserconsumido.ÉgrandeoempenhonacriaçãodaMarcaBarcelona,afimdemudaraimagemdecidadeindustrialparaacidadedafesta,dolazeredoentretenimento.

Entre as múltiplas estratégias ressaltamos a promoção deeventos artísticos, culturais e esportivos, relacionados as demandasglobais e a construçãoda identidadeBarcelona coma valorizaçãodeelementosda cultura local a exemplodapromoçãodo anoGaudí em2002, o Fórum Universal de Culturas da UNESCO (Organização dasNaçõesUnidasparaaEducação,aCiênciaeaCultura),em2004,entreoutros.ForammuitososesforçosparapromoverumanovaBarcelona,atrairvisitantese,principalmente, investidores.Acidadese lançaemumprocessodecontinuaacumulaçãodecapitalsimbólicoedemarcas

167 A paisagem urbana passa a dispor de novos ícones arquitetônicos e derenovaçãodosantigos;acidadesedescobrecomoPortodeCruzeirosepraiaurbana,opatrimôniose revelae secompleta tendooTemploExpiatóriodaSagrada Família como pivô central junto a uma oferta museológica,gastronômica e lúdica reformulada e estabelecida (Ballester, 2017, s / p,traduçãonossa).

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dedistinção,comercializandosuasproduçõesartísticasesuaherançacultural(Harvey,2013).

Desta forma Barcelona vive o fenômeno de passar de 1,8milhãodeturistasporano,em1992,para15,8milhõesdeturistasem2018, ano em que, segundo dados do Observatori del Turism aBarcelona (2019), 15% do produto interno bruto (PIB) da cidadeprovém do turismo e mais de 200.000 pessoas estão empregadasdireta ou indiretamente no setor turístico. Conquista, em 2019, oterceiro lugar no ranking das dez cidades europeias preferidas pararealizaçãodeencontroseeventos(AsociaciónEspañoladeGestoresdeViajes de Empresa – AEGVE, 2018) Barcelona é uma cidade exitosadiante do mercado de concorrência entre cidades, sendo que seuprojeto de marca de cidade se converteu em um grande negócio(Greenberg,2009).

Trata-sedeumcasoquepodeparecerdesucesso,masquenoscoloca a necessidade de indagar sucesso de quem e para quem. Amarca Barcelona foi construída com muitos impactos negativos nocotidiano dos moradores por ocorrer a partir de “políticas urbanasdictadasdesdelacolaboraciónpúblico-privadayenclaraalianzaconlossectoresinmobiliarioyfinanceiro”(MedranoeRivacoba,2016,p104).

Sãomuitosos impactosdestaurbanização, principalmentenocenário da crise de 2008 que assolou o país e que, além de trazerdesemprego, levoumuitos espanhóis a perderem a hipoteca de seusimóveis e a sofrerem a expulsão de seus locais de moradia com oestourodachamada“bolhaimobiliária”.Pessoasquehaviamcompradoimóveis,grandeparteatravésdefinanciamentospopulareschamadossubprimes, caracterizados por sua oferta a pessoas com poucacapacidadede crédito, coma crise econômica, não conseguirammaispagarasprestações.Asdívidasforamexecutadaseascasasentreguesaos bancos credores. Os imóveis que voltaram para os bancos foramcomprados pelos fundos de investimento que converteram grandeparte em locais de hospedagem, muitas vezes por meio de sites deeconomiacolaborativa,comooAirbnb(Rolnik,2017).

Com a crescente turistificação, o processo de gentrificaçãoassolou Barcelona que teve uma total reconfiguração de suas áreascentrais.O focoda cidadenodesenvolvimento turístico trouxe aindaoutros impactos como a dificuldade de mobilidade em uma cidadecongestionada pelo intenso fluxo de turistas, o crescente número de

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empregosprecários,semregulaçãoecomsaláriosbaixos,ofertadosnosetor, o aumento de preços de gêneros básicos de necessidade, aexpulsão dos pequenos comerciantes das áreas turistificadas e aconfiguração de uma economia cada vez mais concentrada edependentedoturismo.

AsituaçãododesenvolvimentourbanísticodeBarcelona,entreoutrascoisaslevaaperdadamarcadedistinção, ouseja,arecriaçãodas tradições como espetáculos encenados em verdadeiras “cidadescenário”, um produto “embalado” para o mercado mundial, o queHarvey(2013,p.158),caracterizacomoprocessodedisneyficação:

Las ultimas fases del desarrollo urbanistico frente al marparecenidenticasalasdecualquierotraciudaddelmundooccidental; la monstruosa congestion del trafico induce aabrir bulevares en la Ciutat Vella, grandes almacenesmultinacionales sustituyen a las tiendas locales, Iagentrificaciondesplazaalosantigosresidentesydestruyeelviejotejidourbano,conloqueBarcelonapierdepartedesusmarcasdedistincion.Hayinclusomuestrasmasgroserasdedisneyficacion.168

Diante desse cenário são muitos os movimentos sociais que

emergem, principalmente reivindicando condições dignas dehabitação, se opondo aos despejos decorrentes da valorização dedeterminadas áreas turistificadas, alvos do capital imobiliário, e àcrescenteofertadeimóveisparafinsturísticos,deformailegal.

A situação repercute na própria conjuntura da administraçãopública sendo que, desde 2015, Barcelona tem como alcadesa AdaColau (reeleita em 2019), com um longo e ativo histórico departicipação nos movimentos sociais por habitação, se mostrandocrítica com o desenvolvimento desmedido do turismo de massa e 168Asúltimasfasesdodesenvolvimentourbanovoltadasparaomarparecemidênticas às de qualquer outra cidade do mundo ocidental; o monstruosocongestionamento do tráfego induz a abrir avenidas na Ciutat Vella, asmultinacionais substituemas lojas locais, a gentrificação desloca os antigosresidentes e destrói o tecido urbano antigo, com o qual o Barcelona perdepartedesuasmarcasdedistinção.Existemaindaamostrasmaisgrosseirasdedisneyficação(traduçãonossa).

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aplicando medidas para regulação, como Plano Estratégico para oTurismo 2016–2020, em busca de um turismo sustentável. Um dostemas centrais de sua campanha no Barcelona en Comú foiregulamentar o setor do turismo, retornar às tradições doplanejamentourbanolocal,colocarosdireitosdosresidentesantesdosgrandesnegócios,conformedeclaraçãodadaemumartigodeopinião,publicadonojornalTheGuardian,emsetembrode2014,mesesantesdeseeleger.

Barcelonaéhojeumacidadedecontradições.Aomesmotempoque precisa se lançar em um espaço global de concorrênciaintercidades, tendo que se renovar constantemente em uma buscaincessante pelos diferenciais valorizados pelo mercado, produzindoespaçosatrativosparaocapital, sofre intensamenteareaçãodeseusmoradores afetadospelos impactosde um desenvolvimento turísticobaseadonas ferramentasdomarketing, resultadodeumhistóricodeausênciaderegulaçãoeplanejamento.

Acriaçãodaimagemdacidade,diferenciada,criativa,dinâmica,cosmopolitatemsidoestratégiadocitymarketingeseconstituídonasmaiores preocupações dos políticos e profissionais do planejamentourbano. A política urbana tornou-se cada vez mais uma política dedesenvolvimento econômico e empreendedorismo com as cidadesinseridas em uma competição global para captar investimentos(Vainer, 2000). Tornar-se palcos para ação dos investidoresdesmedidos é sinônimo de desenvolvimento para as cidades globais(Harvey2004,2005).

Comumpapelcentralnoprocessodeacumulaçãodocapital,acidade deixa de ser o espaço da produção e passa a ser a própriaprodução do espaço, ou melhor, um espaço produzido como umamercadoriaespecialasercomercializadonomercadodecidades.Estacidademercadoria não comporta a necessidade de habitar e viver ocotidiano,ouseja,édesprovidadovalordeusoeseencontrasemprena necessidade de se expandir, dotando-se de elementos queaumentem seu valor de troca, desvinculando-se das própriasnecessidades cotidianas de seus habitantes (Harvey, 2004, 2005,2013).

Nesteprocessodeproduçãodoespaçocomomercadoriaparao consumo, a cultura, o lazer e o entretenimento passam a tercentralidade na economia das cidades, transformando-se em

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verdadeirasindustrias,usinasdeproduçãodevantagenscompetitivas.Osnovoscenárioscriadossãodecidadesconstruídasparaosturistaseavessas as necessidades cotidianas de seus habitantes, ocultando arealidade social, muitas vezes de miséria e marginalidade, formasmuito peculiares de se produzir regeneração urbana. Assim “lasinfraestructuras culturales han servido de lanzadera para procesosintencionadosdegentrificaciónysonunadelassolucionesfavoritasdelneoliberalismo para revertir la «degradación» de barrios populares”(Cocola-Gant,2016,p.37).

Os museus são usados como instrumentos para a chamadaregeneraçãourbanaintegrandoestratégiasperversasdoplanejamentoda nova cidade, devidamente produzidas e fetichizadas, com afinalidade de se destacarem no ranking de competitividade entrecidades globais. Como exemplos, podemos citar cidades espanholascomo Bilbao com o Museu Gurgeheim e a própria Barcelona com oMuseodeArteContemporáneo(MACBA).

OMuseuGurgeheimdeBilbao–espéciedesucursaloufranquiadaFundaciónSolomonR.GuggenheimdeNovaYork–foiinauguradoem 1997. Projeto do arquiteto canadense Frank Gehry, ganhador doPrêmio Pritzker, é uma obra monumental representante de uma“arquiteturadegrife”construídanazonaportuáriadecadentedeumacidadeindustrialimersaemumaprofundacriseeconômica,ambientalesocial,partedeumprojetodemodernizaçãocalcadonaregeneraçãourbana. Permitiu a construção de uma nova imagem da cidade,tornando-seumíconenocenáriomundial,modelonosplanejamentosestratégicos das cidades globais, que querem repetir o chamado ElefectoGuggenheim(Bonates,2009;Cocola-Gant,2009).

O efeitoGuggenheimédefinidopelo seudiretor, Juan IgnacioVidarte,ementrevistaàBBCMundoEspaña,emmarçode2017,como“unainversiónenunainfraestructuraculturalquesirvedecatalizadoratodounprocesode transformaciónde la ciudad.” Poroutro lado, essatransformação da cidade se calcou na expulsão dos afetados maisdiretamente pela crise econômica, os desempregados, ocupantes deáreasinsalubres,osditosmarginaisquenãoconseguiramarcarcomoscustosda infraestrutura enão foramconsiderados “merecedores”demorarnanovacidade.

O Museo de Arte Contemporáneo (MACBA) de Barcelona foiinauguradoem1995,napartenortedoBairrodeRavalque,atéentão,

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era um bairro desassistido, praticamente abandonado pelo poderpúblico,compopulaçãocarenteemarginalizada,vivendoemcondiçõesde insalubridade e, com a instalação do novo equipamento cultural,transformou-se completamente por meio de uma espécie de praticahigienista, em que os pobres, considerados os causadores dainsegurança e a grande ameaça para o desenvolvimento do bairro,foram expulsos mediante a valorização do solo e a chegada dainfraestrutura(Cocola-Gant,2009).

A cultura como capital simbólico tem, segundo, Cocola-Gant(2016, p.37), consequências diretas no processo de regeneraçãourbana:

Porun lado,alatraerapoblaciónconelevados ingresos lainversión en cultura ha sido en parte promovida yfinanciadaporempresasconstructorasyhoteleras,entantoel capital simbólico hace posible revalorizar el capitaleconómico invertido pormedio del aumento del precio delsuelo y de bienes de consumo. Por otro, la culturaproporciona una imagen positiva en la reconfiguración deciudades industriales y es utilizada en campañas de citymarketing como reclamo estratégico para la promociónurbana y la reafirmación de «espacios de calidad». Y porúltimo, la cultura como capital simbólico excluye apoblación con escasos recursos queno tienenni formaciónadecuada para entender «un diferente estilo de vida» niposibilidadespararesistirtraselaumentogeneralizadodelpreciodelaviviendaydeserviciosbásicosdeconsumo.169

169Porumlado,aoatrairapopulaçãodealtarenda,oinvestimentoemculturafoiempartepromovidoefinanciadoporempresasconstrutorasehoteleiras,enquanto o capital simbólico possibilita revalorizar o capital econômicoinvestidoatravésdoaumentodopreçodaterraebensdeconsumo.Poroutrolado, a cultura fornece uma imagem positiva na reconfiguração das cidadesindustriais e é utilizada nas campanhas de marketing da cidade comoreivindicaçãoestratégicadepromoçãourbanae reafirmaçãode “espaçosdequalidade”.E,finalmente,aculturacomocapitalsimbólicoexcluipessoascomrecursosescassosquenãotêmformaçãoadequadaparaentender"umestilodevidadiferente"nempossibilidadesderesistirapósoaumentogeneralizadodopreçodahabitaçãoedosserviçosbásicosaoconsumidor(traduçãonossa).

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AssimosMuseustemsereveladoprotagonistasnoprocessodetransformaçãodascidadesparaomercadomundial,verdadeiroseixosmotores da regeneração urbana necessária a construção da novacidade. Alguns modelos de museu, principalmente as chamadasfranquiasoufiliaisdemuseus,inserem-seemumalógicaempresarial,assumindo novas configurações com modelos amplamente voltadosparaoconsumodemassa.

Em geral, são prédios espetaculares, projetos concebidos porarquitetos premiados, com características que se fazem exclusivas,totalmente equipados com auditórios, bibliotecas, lojas, restaurantes,cafeterias, mirantes, entre outros, prontos para atender a umademanda de diferentes práticas muitas vezes desvinculadas das quecompõeaatividademuseísticahabitual(Saad,2007).

São equipamentos culturais inseridos em uma lógica detentativapermanentedeacréscimodevalorasuamarcacomomuseu,transformando-a em uma espécie “grife museológica”, construindodestaquenoprocessodeconcorrênciaentremuseus,emumaespéciedelógicaperversa,calcadaemumdesejodeexpansãodesmedido,noqual, muitas vezes a essência do projeto artístico e científico ficaabsolutamenterelegadaaumsegundoplano.6.Consideraçõesfinais

Barcelona não quer o Museu Hermitage apesar de ser afranquiadosegundomaiormuseudomundo,prometeracessoaumasignificativacoleçãodeobrasdearte,oferecerdestaqueevisibilidadepara a área portuária, ser um investimento exclusivamente privadosemdemandar,de formadireta, recursospúblicosparaaconstrução,teroprojetoassinadoporumarquitetopremiado,teraperspectivadetrazer a Barcelonamais de 600mil visitantes ao ano e de propor ageraçãodeempregosparaapopulaçãolocal.

OMuseuHermitageéindesejadoporquesuaimplantaçãoestáassociadaaexpansãodeinvestimentosnomercadoimobiliárioesetorfinanceiro,aspráticasespeculativassendoqueagentrificaçãopareceser inerente ao processo. Propõe-se a ocupar uma área portuária jábastantefragilizadapeloturismodemassaequehojeestáinseridaemum processo de urbanização com equipamentos, como hotéis e

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marinas de luxo, que são excludentes com relação a maioria dapopulação.

Apopulaçãonãoatribuivaloraosempregosofertadosporqueconhece a conjuntura do mercado de trabalho no setor deentretenimento, caracterizado por pouca qualificação, sazonalidade,baixossalárioseexploraçãodamãodeobra.

Comaacessibilidade jábemcomprometidaaáreadoPorto, apopulaçãonãoacreditaemmelhoriadeinfraestruturadostransportesa partir de uma demanda do setor privado e ainda discute alegitimidade de se atender a referida demanda para viabilizar umempreendimento com as características do Hermitage e com afinalidadedeatenderaosturistas.

ParecequeoprojetodoHermitage é calcadoemumdiscursodehegemoniadopensamentoneoliberal,quejáévelhoconhecidodapopulação,quesobrevivenocotidianodacidadevencedoranorankingdeconcorrênciaentreascidadesmundiaiseque,háalgunsanos,vemse oferecendo aos investidores e turistas, na maioria das vezes, emdetrimentodeseusmoradores.

Nomanifestoaprincipaldemandaéodireitodeparticipardasdecisões e de definir a cidade que se deseja. A reivindicação é pelodireitoacidadecomtodaadimensãodoconceitodeLefebvre(2001):direitodenãoserconsideradoapenascomousuáriodoespaçourbano,masdeadentrar-senaamplaecomplexadimensãodesuaproduçãoereprodução.Ademandaédepoderprojetarumanovacidadenaqualpredomine o valor de uso, voltada para as necessidades de seusmoradores.

Parece que Barcelona é uma cidade que começa a romper ahegemoniadopensamentoneoliberaleestásetransformandonoqueHarvey (2013) chamou “cidade rebelde”, criando obstáculos para aproduçãoereproduçãoobsessivadocapital.

Los movimentos vecinales de Barcelona reclaman sureconocimientoyempoderamientosobrelabasedelcapitalsimbolico, y como resultado pueden afianzar su presenciapolitica en la ciudad. Son sus bienes comunes urbanos losque son apropiados con demasiada frecuencia, no solo por

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los promotores inmobiliarios, sino por el sector turistico170(Harvey,2013,p.158).

A prática da sobrevivência cotidiana na conjuntura hostil da

cidade mercadoria parece se constituir no fator essencial para oprocesso de empoderamento. O desejo é de qualidade de vida real enão a encenadapelocitymarketing, de liberdadepara construíremereconstruíremasimesmoseaprópriacidade...naspalavrasdeHarvey(2013, p.20), “um dos mais preciosos, porém mais descuidados denossosdireitoshumanos”.BibliografiaAntón,J.(2018,Noviembre6)Dejémonosdemiserabilismo-Elnuevocentropuedeconvertirseenungranmotordeilusiónparalaciudad.ElPaís, Cataluña, Análisis. Recuperado dehttps://elpais.com/ccaa/2018/11/06/catalunya/1541523181_986400.html.AsociaciónEspañoladeGestoresdeViajesdeEmpresa–AEGVE(2018,septiembre 28). Según un informe de CWT M&E, Londres seguirásiendo la ciudad europea preferida para reuniones y eventoscorporativos en 2019. Recuperado de http://aegve.org/segun-un-informe-de-cwt-me-londres-seguira-siendo-la-ciudad-europea-preferida-para-reuniones-y-eventos-corporativos-en-2019/.Assemblea de Barris per un Turisme Sostenible – ABTS (2015,Noviembre10).Textíntegredelapresentaciódel’ABTS:AssembleadeBarris per un Turisme Sostenible. Recuperado dehttps://assembleabarris.wordpress.com/2015/11/10/text-integre-de-la-presentacio-de-labts-assemblea-de-barris-per-un-turisme-sostenible/

170 Os movimentos de moradores de Barcelona reivindicam seureconhecimento e empoderamento com base no capital simbólico, e comoresultado,podemfortalecersuapresençapolíticanacidade.Sãoosseusbenscomunsurbanosquesãomuitasvezesapropriados,nãosópelospromotoresimobiliários,mastambémpelosetordoturismo(traduçãonossa).

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CAMBIOENLAGESTIÓNDELOSMUSEOSPÚBLICOS:

IMPLICACIONESPARAELTURISMO

SilviaAuletSerrallongaUniversitatdeGirona,España

https://orcid.org/0000-0003-4022-6568

NeusCrousCostaUniversitatdeGirona,España

https://orcid.org/0000-0002-5143-7443

DolorsVidalCasellasUniversitatdeGirona,España

https://orcid.org/0000-0002-2731-1808

1.Introducción

La comunidad autónoma de Cataluña corresponde al áreanororiental de la Península Ibérica, siendo una de las regionesfronterizasentreEspañayFrancia.Conunasuperfícietotalde32.000quilómetros cuadrados y una población de7,5millones depersonas,recibió19millonesde turistasen2018(Hosteltur,30/01/2019).Losdatos sobre las actividades que realiza el turista, nacional ointernacional,quellegaaCataluñanoserecogendeformasistemática,perosíparecenseguirelpatrónhabitual:esenlosviajescuandomásmuseossevisitan(AlcaldeyRueda,1999).

Actualmente, existen unos 200 museos registrados, más 370colecciones abiertas al público. De entre los primeros, una ampliamayoríasondetitularidadpública:autonómica,provincialomunicipal.Traslareinstauracióndelademocracia,apartirdeladécadade1980,la ordenación y creación de museos se hizo en base a criterios deequidad territorial, más que por criterios de valor patrimonial onecesidades socioculturales, y siguiendo el modelo heredado de latradición francesa (Gómez Martínez, 2006). Desde sus inicios estasinstituciones sehanvolcadoen lapreservaciónyrestauraciónde los

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artefactos cuya custodia les fue encomendada. Con esto comoprioridad, su papel social a menudo ha quedado marginado osimplemente no ha existido. Así, en las décadas venideras, losequipamientos se verían obligados a encarar retos como la falta depersonalydefinanciación, lafaltadeinsercióneneltejidosocialolanecesidad de resultar atractivos y útiles a públicos cada vez máscambiantes. Las herramientas y capacidad real que han tenido paraafrontarunpanoramatandinámicovaríanenfuncióndelacoyunturaconcretadecadaequipamiento,pero,engeneral,nohansidolasmásadecuadas.

Elpresenteartículopresentalaevoluciónpolíticaydegestióndesde estemodeloquepodríamos llamar clásicode la gestiónde losmuseos y elementos patrimoniales, puramente público, hacia unmodelopúblico-privadoque,pordistintasrazones,poneelénfasisenlas relaciones con sus diferentes tipos de visitantes. De entre todosellos,nosfijaremosespecialmenteenelpúblicoturísticocomocasodeespecial interés, ya que el panorama político tanto español comocatalán se alinea con aquellos que típicamente han separado losámbitos cultural y turístico. Si bien existen algunos países que hanseguido la corriente contraria (Francia, Italia, Grecia, Corea), cabedestacar que la reunión de ministros de cultura y de ministros deturismopromovidaporlaOrganizaciónMundialdelTurismoen2015fuelaprimeraanivelglobal.2.Museos,patrimonioyturismo,¿unarelacióncomplicada?

Apesardequenohay estudios concluyentes, lapresenciadeturistasenlosmuseosysitiospatrimonialesesunelementoinnegable.Desdelosaños80enEspañahastanuestrosdíassehanidorecogiendodatos sobre la actividad turística, aunque no específicamente de losturistas culturales. Los primeros estudios, a nivel europeo, fueronpublicadosporRichardsenlosaños90.

EnesteestudioRichards(1996)constataqueun37%deltotaldeviajesofertadosenEuropatienenalmenosuncomponentecultural;asimismo, más del 28%de los viajes que se realizan en Europa sonesencialmenteculturales(loquerepresentaunos38millonesdeviajesculturalesporaño).Apesarde loscambiosproducidosenel turismoestosporcentajessiguensiendobastantesimilaresoinclusoenalgunos

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casos el número de turistas que practican actividades culturalesdurantesuestanciallegahastael50%.

Este incremento se sustenta en el interés que suscita en lademandayquesecaracterizaporunafrecuentaciónturísticacreciente,organizada ymenos estacional que la que producen otras tipologíasturísticas.Así,elturismoculturalhasidoidentificadocomounadelasáreas con más crecimiento de los últimos años en el turismo engeneral.

Ladiferencia esencial entre nuestra época y las anteriores esqueactualmenteel turismoesun fenómenodemasas, loque implicaqueelimpactosobrelascomunidadesreceptorasseamuygrande;quese genere un gran movimiento económico a su alrededor y que semodifique lapercepciónde loqueseconsideramonumentoypaisajedignodevisita(Carrerasyotros,2001).

En este contexto, Carreras y otros (2001) identifican tresmanerasdeutilizarelpatrimonioparausosturísticos:a.Elpatrimoniocomoproductoterminado.Elpatrimonio,juntoconlaoferta complementaria (infraestructura de alojamiento, restauración,etc.)constituyeunproductoquejustificaelviaje.b. El patrimonio como elemento asociado a un producto turístico,como, por ejemplo, una rutadonde se ofrece el patrimonio como unelemento más de todo el paquete turístico que incluye eldesplazamiento,elguíaacompañante,elalojamientoylamanutención,la visita adiferentes lugares y la vivenciadediferentes experiencias,entrelasquepuedehaberincluidoselementospatrimoniales.c. El patrimonio como valor añadido a destinos turísticos que no seespecializan en la recepción de turismo cultural, sino de otrastipologías, pero que ofrece los recursos patrimoniales comocomplemento.

En cualquiera de los tres casos, el turismo asociado alpatrimonio ha alcanzado una gran importancia, sobre todo en losúltimosaños.Enladécadadelos90ssehadibujadounnuevomarcodereferenciadelturismocultural,fundamentadoprincipalmenteenelespectacularcrecimientotantodelaofertaturístico-culturalcomolosviajes de placer con fines culturales. De hecho, esta situación seenmarca en un contexto más amplio donde las motivaciones delturismo internacional tienden a diversificarse con la aparición denuevos productos y nuevos segmentosdelmercado; algunos autores

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como Urry (1990) han visto en esta tendencia un síntoma de loscambios en el modelo turístico internacional. En este contexto, elturismo cultural se ha consolidado como el producto con mayorcapacidaddecrecimientoy(nohayqueobviarlo)conmayorcapacidaddedifusiónterritorial.

Esevidentequelosmuseosformanparteinnegabledelaofertapatrimonial de una destinación. El museo se define como unainstituciónalserviciodelasociedad.Sufunciónprincipalesadquirir,conservar e investigar sobre el patrimonio y, estando abierto alpúblico,estastareaspuedenllevarseacaboconfinalidadeseducativas,deestudiooesparcimiento(ICOMOS,2007).

Entre otras funciones, una de las que más importancia estáadquiriendo en el contexto contemporáneo es la tarea de difusión.Difundir,segúneldiccionariodelaAcademiaEspañola,es“propagar”,“extender”, “poner al alcance del público una cosa”, pero puede sertambién definido más específicamente como “poner al alcance de lageneralidaddelagentealgoqueantesestabareservadoaunaminoría”(DomínguezMoliner,1990)o ...poneralalcancedetodoelmundountemacomplejo,cultural,científicootécnico.

Ladifusióneslafunciónqueseencargadirectamentedeponeren relación elmuseo con el público, la que facilita la transmisióndelmensajedelpatrimonioguardadoenelmuseo.Es laactividadqueseencargadeacercarelmuseoalasociedad.

En el área de difusión del museo se incluyen todas lasestrategias que permitan el logro de los objetivos de comunicación,contemplación y educación. Las funciones que tienen encomendadasson, entre otras, la programación de exposiciones permanentes ytemporales, elaborar medios de información con las herramientasadecuadas, organizar y colaborar en los planes de actividadesculturalesyeneldesarrollodeprogramasdedifusiónquepermitanunmayor conocimientode sus colecciones y gestionar la realizacióndelplandepublicacionesdelmuseo(AuletyCantalapedra,2015).

Con esta finalidad, el Ministerio de Cultura propone comoestrategias animar el crecimiento de los visitantes en los museos,aumentarlacalidadymejorarlaexperienciadelavisita(porejemplo,mejorando la accesibilidad física del museo o la accesibilidadinformativa),expandirlapresenciadelosmuseosatravésdedistintosmediosdecomunicaciónypotenciarlacolaboraciónentrelosmuseos.

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Lafuncióndedifusióndelosmuseos,noescontrariaalaideade ocio. En este sentido Fernández (2003, 135) menciona que: "elmuseo tiene unpapel importante comoespacio social tantodesde elpuntodevistaeducativocomodeentretenimiento."Kotler&Kotler&Jiménez(2001,43)afirmanque"lafunciónprincipaldelmuseoradicaenproporcionarexperienciasmuseísticasmemorablesyseductoras".

En este contexto es evidente la importancia que adquiere lagestión de públicos y la adaptación de las herramientas deinterpretación a los diferentes públicos. En general, la política degestión de públicos depende de los sistemas de gestión. A nivelinternacionalsepuedehablardetresbloquesosistemasdegestión:elprivado, el público y el mixto. Gilabert (2015) propone otraclasificaciónrelacionadaconlasformasdeintervencióneintercambioentre el estado y las instituciones culturales: el sistemaintervencionista, el sistema liberal y el sistema mixto, que sedistinguen por aspectos como el valor y el uso de las colecciones, laestructura organizativa y el régimen económico-financiero. Estaclasificación se basa en la distinción entre dos tradicionesmuseológicas: "una la anglosajona, encabezada por Gran Bretaña(después por Estados Unidos), y una mediterránea, encabezada porFrancia,yelquemiraunaenunsentido, laotralohaceenelopuesto"(Gómez,2006,p.13).

EstadosUnidoseselmáximorepresentantedelsistemaliberal,donde la premisa es la no intervención del estado en los temasculturales.Así,elsistemaliberalsecaracterizaporgozardeunamayorautonomíaenlosórganosdegobiernodelasinstitucionesculturalesymuseísticasymásflexibilidadenlasdecisionesdelaadministración.

El sistema intervencionista es la antítesis del sistema liberal,donde el Estado asume en gran medida el control de la cultura, elpatrimonio y losmuseos haciendo el sistema de gestiónmuchomásburocratizado. El modelo mejor ejemplificado es Francia, pero estemodelosehaextendidoadistintospaísesdeláreamediterráneacomoEspañaoItalia.

Finalmente,elsistemamixto,característicodeGranBretaña,sehaextendidodemanerarápidaenelrestodeEuropa,especialmenteenlos países nórdicos. "El gobierno interviene ya que lo considera útilparalanaciónyactúacondineropúblico,aunquedejaaotrasfuerzas

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gestoras independientesmás autónomas en primera línea" (Gilabert,2016,p.233).

Engeneral losmuseoseuropeos,sobre todo loscontinentales,han tendido a relacionarse con el modelo público, mientras que losmuseos americanos, y enmenormedida los ingleses, con el modeloprivado. Sin embargo, esta situación museológica está cambiando, yparece existir una tendencia a aplicar pautas de gestión privada enmuchos museos públicos europeos, como veremos en el caso deestudio.Gilabert(2016)exponelosdosproblemasprincipalesquedificultanlagestión: los recortes presupuestarios y los conflictos o presiones decarácter corporativos. Por estas razones la Administración públicabusca nuevas formas que proporcionen una mayor autonomía a lasinstitucionesydaunamayorlibertadparabuscarfinanciaciónprivada,atraer subvenciones institucionales procedentes de diferentesorganismosydepartamentosdelsectorpúblicoyasítambiéndisfrutarde más independencia para utilizar los ingresos libremente por elpropio beneficio. Argandoña (2008) añade que las institucionesprivadasestándotadasdemáscapacidaddeactuaciónydeadaptacióna las demandas actuales, así como demás habilidad para establecercolaboracionesconotrosagentesdelasociedadcivil.

El propósito de la gestión, en cualquier caso, debe ser laconsecucióndelamisióndelmuseo(Lord&Lord,1998)ylosobjetivosa corto y largoplazodeacuerdo con la estrategiaplanificada (Curiel,SánchezyAntonovia,2013).Parapoderdeterminarsiseestállevandoa cabounabuenagestiónde la instituciónmuseística esnecesario elexamen de una serie de factores como: identidad y misión, público,personal, edificio, colecciones, actividades, servicios, recursosfinancierosymarketingdetalladosyespecíficos(RamosLizana,2007;Lord&Lord,1998;Moore,1998).

Como ya se ha introducido antes, el público es un elementoesencialalqueelmuseodebeserviryacercarse; no tienesentidounmuseo vacío. Una tarea importante es atraer y fidelizar los públicos(Kotler& Kotler& Jiménez, 2001). Por ello es importante hacer unestudio de público para obtener información actualizada de losvisitantesdelosmuseosypodermejorarlasprestacionesdelmuseoensu vertientepública y concentrarse en respondera lasnecesidades yexpectativasdel público. Este estudio también facilita la selecciónde

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los segmentos potenciales de público quemás interesan al museo yquiereatraer,deestemodo,tambiénpuedeconcentrarseenellostodalaenergíanecesaria(Lord&Lord,1998). Engeneral,enlosestudiosde públicos de los museos aún se presta poca atención al públicoturístico y sus necesidades, cuando si se tienen en cuentas losescolares,lasfamiliasolaterceraedad.Siaesteelementoleañadimosque el público (turístico) cada vez es más exigente y tiene mayoracceso a la información, es fácil llegar a la conclusión que aún nosquedacaminoporrecorrerenesteámbito.3.ElsistemamuseísticoenCataluña

LosprimerosmuseosqueaparecieronenCataluñanacen,igualque en el resto del estado español, a raíz de las desamortizacioneseclesiásticas de la década de 1830. Son ejemplos de este proceso elMuseo Nacional Arqueológico de Tarragona (1834), el Museo deArqueologíadeGirona(1846)ylaSaladeArqueologíadelInstitutodeEstudios Ilerdenses (1864). Más allá de este impulso centralista, lamuseologíacatalanabuscóuncarácteryunaidentidadpropios.Así,apartir de principios del siglo XX se han desarrollado dos realidadesparalelasencuantoalosmuseosquesóloencontadasocasionessehanintegrado: los grandesmuseos y lamuseología fuera de las capitalesprovinciales,decarácterespontáneo,independienteyautónomoqueamenudo está a cargo de asociaciones culturales, los centros deestudios,personalidadeslocalesolaIglesia.Desdelaposguerrahastaladécadade1970estosequipamientossecentrabanenlucharporsusupervivenciay,conlallegadadelademocracia,muchospasaronasergestionadospor losayuntamientos.Algunospasaronporprocesosdereformulación profunda. Por ejemplo, el Museo ArqueológicoProvincial de Girona fue dividido en dos instituciones: el MuseoArqueológico y el Museo de Arte (que a su vez integraría tambiénfondos artísticos del Obispado), pasando primero a manos de laDiputación Provincial y, más adelante, a las de la Generalitat deCatalunya.

EnestostiemposserecuperólaideadeprincipiosdelsigloXX(período conocido como la Renaixença): la creación de diversastemáticas museísticas entorno a las cuales se ordenarían losequipamientos.Éstasincluían:arqueologíayetnografía,arte,etnología

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o cultural popular. Ya durante la Segunda República (1931-1939) sehabíaempezadoatrabajarenestaideaeinclusolaÉpocaFranquistalautilizópara consolidar algunosmuseos. Así, a partir de ladécada de1980yhasta2014se trabajaríaenbasealaideaderedes temáticas,presididasporunmuseonacional.

LaLeyCatalanadeMuseos(17/1990)presentaunadefiniciónmuy amplia del concepto, si bien se excluyen específicamente lasbibliotecas,losarchivos,lasfilmotecasylasinstalacionesculturalesdetiposimilar.Veamosladefinición:

“Son museos, a los efectos de esta Ley, las institucionespermanentes,sinánimodelucro,alserviciodelasociedady de su desarrollo, abiertas al público, que reúnen unconjunto de bienes culturales muebles e inmuebles, losconservan, los documentan y estudian, los exhiben ydifunden el conocimiento para la investigación, laenseñanza y el disfrute intelectual y estético y seconstituyen en espacio para la participación cultural,lúdica y científica de los ciudadanos. Tienen laconsideración demuseo los espacios ymonumentos convalores históricos, arqueológicos, ecológicos, industriales,etnográficosoculturalesquereúnen,conservanydifundenconjuntos de bienes culturales. No se consideranmuseoslas bibliotecas, los archivos, las filmotecas y lasinstalacionesculturalessimilares.”

Para que un equipamiento se considere oficialmente como

museo, y no como colección abierta al público, es necesario que seinscriba en el registro de museos de la Generalidad de Cataluña. ElRegistro de Museos se creó en 1992 con la finalidad de ejercer deherramienta para el inventariado de los museos en Cataluña. Encualquier caso, no existen limitaciones en cuanto al uso del término"museo" enelnombrepúblicode losequipamientos,yaseanmuseospropiamente dichos o colecciones abiertas al público. Podríamoshablar extensamente de la concepción general de los museos, enrelaciónatemastandiversoscomolanuevamuseología,losdiferentesmodelosmuseológicos(ennuestraáreabásicamente laanglosajonaylamediterránea)ylaincorporacióndelasnuevastecnologías,porcitar

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algunosejemplos.Encualquiercaso,paraelobjetodeestedocumentonos limitaremos a presentar una breve caracterización del sistemamuseísticodeCataluña.

En laimagen1semuestraunorganigramadelaorganizacióndelosmuseoscatalanes.

Imagen1:OrganigramadelosmuseoscatalanesFuente: Agencia Catalana de Patrimonio, Generalitat de Catalunya,2017

La ya mencionada Ley de Museos de 1990 establece en suTítulo 3 el núcleo y la estructura de funcionamiento del sistema

Museos

Museos Nacionales MNAC MNHAC mNACTEC Museo Nacional de Ciencias

Naturales de Cataluña

Museos de Cataluña Museos registrados Museos de interes nacional Museos de soporte territorial

Equipamientos patrimoniales básicos

Estructuras de Soporte

Institucionales Servicio de Museos y Protección

de Bienes Agencia Catalana de Patrimonio

Governanza Acuerdo Nacional para los

museos de Cataluña Junta de museos

Redes territoriales

Redes temáticas

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museístico catalán. La idea de base es estructurar redes temáticasalrededor de los museos nacionales. Existen cinco tipologías demuseos: Museos nacionales, Museos de interés nacional, Museoscomarcales y locales,Museosmonográficos y lo que la leydenominaotrosmuseos.

Losmuseosnacionales sonlosqueencabezanlaarticulacióndel sistema. Se trata de aquellos equipamientos que muestran unavisióngeneraldeCataluñaencuantoasuámbitotemáticoparticularyque extienden su servicio en todo el país. En cuanto al régimeneconómico y jurídico, si bien cada equipamiento disfruta de régimenjurídico propio, se establece que la Generalidad de Cataluña debeasumir al menos el 50% de las aportaciones presupuestariasprocedentesdeadministracionespúblicas.Cadamuseonacionalpuedetener variasseccionesdependientesde él endiferentes grados yquepuedenperteneceracualquieradelasotrastipologíasdemuseos.Conellosequierealcanzarundobleobjetivo:establecerunaconfiguracióndescentralizada de los museos nacionales y articular diversas redestemáticasenelterritorioencabezadasporcadamuseonacional.

Actualmente existen cuatro museos nacionales: el MuseoNacional de Historia y Arqueología de Cataluña, el Museo de lasCiencias y la Técnica de Cataluña (mNACTEC), elMuseoNacionaldeArtedeCataluña(MNAC)yelMuseoNacionaldeCienciasNaturalesdeCataluña.

Comomuseonacionalcentrodeunareddemuseossecciónelmejor ejemplo hasta ahora es el Museo de Arqueología, seguido delMuseodelaCienciaylaTécnica,perosetienenquetrabajarbastanteenlareddemuseosdeartecatalanes.

TalycomosehamencionadoelobjetivodelaLeydeMuseosde1990,quetambiénrecogeelPlandeMuseosde2007yelde2017,losmuseosnacionalessonlabaseparalasredestemáticas.Así,unmuseonacional,receptáculodelosartefactosmásdestacadosdecadaunodelosámbitos,lideraríalared.Seríantambiénestoscincoequipamientos,uno por ámbito, los que preferentemente constituirían la imageninternacionaldelterritorio.Actualmenteexisten5redestemáticas:• Sistema Territorial de la Ciencia y la Técnica de Cataluña; tiene

comomuseodereferenciaelMuseode laCienciay laTécnicadeCataluñayestáformadaporcentrosmuseísticosypatrimonialesyantiguosespaciosproductivosqueexplicanlaindustrialización.

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• ReddeMuseos de Etnología; tiene comomuseo de referencia elMuseo de Historia de Cataluña y aglutina los museos concoleccionesrelacionadasconelpatrimonioetnográfico.

• ReddemuseosdearqueologíayyacimientosdeCataluña, tienencomomuseodereferenciaelMuseodeArqueologíadeCataluñayaglutinamuseos,equipamientosyyacimientosarqueológicos.

• ReddeMuseosdeHistoriayMonumentosdeCataluña;tienecomoreferenciaelMuseodeHistoriadeCataluña

• ReddeMuseosdeArte; tienecomoreferenciaelMuseoNacionaldeArtedeCataluña.Apartedelosmuseosnacionales,elGobiernopuedeconsiderar

museos de interés nacional aquellos que tienen una especialsignificacióndecarasalpatrimonioculturaldeCataluñayaseaporlaimportancia y el valor del conjunto de bienes que reúnen, por lascaracterísticasdesuscoleccionesoporqueelinterésdesupatrimoniomuseísticosobrepasasumarco.Enelcasodequeunmuseosedeclaredeinterésnacionalnoafectaalacontinuidaddelatitularidadnidelagestión de cada equipamiento, si bien la Generalitat les otorgadiferentes ayudas (económicas para los gastos de funcionamiento,asesoramiento, apoyo en la restauración y en la documentación ydifusióndelpatrimonio).

Actualmente tienen la consideración de museo de interésnacional la Fundación Joan Miró (Barcelona), el Museo de ArteContemporáneo de Barcelona, el Museo Episcopal de Vic, el MuseoMarítimo de Barcelona, el Museo de Montserrat, el Museo Picaso(Barcelolna),elMuseoDiocesanodeLleida,elMuseodelCauFerratielMuseoMaricel.Cabedestacarqueestos9equipamientos,4estánenlaciudad de Barcelona, 4 están en un radio de menos de 70km. deBarcelona; por lo que podríamos decir que persiste un ciertocentralismo.

En la ley de 1990 se contempla también la existencia demuseoscomarcalesymuseoslocales;quesonaquellosqueofrecenuna visión global de la historia, sociedad, naturaleza o riquezapatrimonial de una comarca, población o una parte especialmentedefinidadelterritorio,odealgúnaspectosectorialotemáticoqueestérelacionado. Sus funciones básicas son las de recoger, conservar,documentar, estudiar y difundir los testimonios culturales másrepresentativos de la comunidad en la que están implantados. Estos

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equipamientos deben estar promovidos o mantenidos por los enteslocales,ylosayuntamientosylosconsejoscomarcalesdebenparticiparnecesariamenteenlagestióndelmuseocomarcalcorrespondiente.

ElplandeMuseosde2017recoge laexistenciadeunasredesterritoriales también como elemento de soporte. Mediante las redesterritoriales se canaliza el apoyo institucional a los museos yequipamientos patrimoniales. El principal objetivo es ayudar a losmuseosensudesarrolloparaquepuedanincrementarsueficienciaenlasprestaciones. Las funciones que tienen las redes territoriales son(AgenciaCatalanadePatrimonio,2017):• Fomento:canalizarlasayudasde lasadministracionespúblicasa

losmuseos• Cooperación: prestar servicios cooperativos y de economía de

escalaparamejorarlasfuncionespropiasdeunmuseo.Actualmenteexistentresredesterritoriales,ladelascomarcas

de Girona, la de las Terres de Lleida i Aran i la de las comarcas deTarragonayTerresdel’Ebre.

Tal comovemos en el organigrama (imagen1) apartede losmuseosyamencionadosexistentambiénequipamientospatrimonialesbásicos que son, generalmente, monumentos y elementos delpatrimoniohistóricotangible.

La Ley de Museos de 1990 se ha ido desplegando de formairregularalolargodelosaños,siendoactualmentelaAgenciaCatalanade Patrimonio de la Generalitat de Catalunya la responsable de lagestióndemuseosymonumentosydeimplementarelPlandeMuseosdelaGeneralitat.

Esta Agencia es una entidad de derecho público conpersonalidad jurídica propia que fue creada en 2011 pero que noempezóaejercersusfuncioneshastaenerode2014.Lamisióndeesteorganismo es gestionar el patrimonio cultural de la Generalitat deCatalunya con criterios de integridad, sostenibilidad y eficiencia(Agencia Catalana de Patrimonio, 2018). Actualmente la Agenciagestiona38monumentosylosprincipalesequipamientosmuseísticosdeCatalunya(imagen2).

La institución que ha servido de ejemplo a seguir ha sido elEnglish Heritage, organismo que en 2015 se dividió entre HistoricEngland (organismo que asume las funciones de documentaci´no yprotección del patrimonio) y el English Heritage (organización sin

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ánimodelucroquegestionalosmonumentosapesardeseguirsiendopropiedaddelEstado)(MéndeziPablo,SoléiLladó;2018).

Imagen 2: Equipamientos y museos gestionados por la AgenciaCatalanadePatrimonioFuente: Agencia Catalana de Patrimonio, Generalitat de Catalunya(2017)

CorrespondealaAgenciagestionarlosmuseos,monumentosyyacimientosarqueológicospropiedaddelaGeneralitatconelobjetivodeagilizarlagestión.

Enelsiguienteapartadovamosavercómoseestructurayseincluye la gestión turística en el contexto de la Agencia Catalana dePatrimonio.

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4.Lagestiónturísticaenlasituaciónactual

Enelaño2017serealizóunadiagnosisde lasituaciónde losmuseos catalanes para poder definir una estrategia de gestiónvisionandoelhorizonte2030.

Segúnesteanálisis,losmuseosenCataluñasepodríanclasificaren cinco tipologías teniendo en cuenta sus características defuncionamiento(tabla1).Dimensión Número % Variablesclave(promedio)Museosgrandes 17 15 Presupuesto: 5.913.906

€/añoPlantilla:42personasVisitantes/año:393.000

Museos medio-grandes

32 28 Presupuesto: 635.287€/añoPlantilla:9personasVisitantes/año:102.000

Museos medio-pequeños

34 30 Presupuesto: 283.324€/añoPlantilla:5personasVisitantes/año:19.000

Museospequeños 19 17 Presupuesto: 155.920€/añoPlantilla:3personasVisitantes/año:9.000

Museos al límitedelasostenibilidad

12 10 Presupuesto:60.247€/añoPlantilla:2personasVisitantes/año.4.000

Tabla1:AnálisisdelosmuseoscatalanesFuente:PlandeMuseos,2017

Tal y como podemos observar en la tabla 1 existe una grandiferencia entre los distintos museos que componen el sistemamuseísticocatalán,tantoenrelaciónconlaasignaciónpresupuestaria(queafectaalpersonaldirectamente)comoenelnúmerodevisitantes.

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Para poder comprender las diferencias entre los diferentesmuseos nos parece destacable, también, ubicarlos geográficamente(imagen3).

Imagen3:DistribucióndelosmuseossegúnsuestructuraFuente:PlandeMuseos,2017

En la imagen 4 vemos la distribución de los turistas enCataluña.Apesardequeelmapafueelaboradocondatosde2009,en2018 se confirma un incremento del turismo pero la distribuciónporcentualentre lasdistintasregionescatalanesprácticamentenohasidomodificada.

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Imagen4:DistribucióndelnúmerodeturistasenlasdistintasregionescatalanasFuente:ATLASdelTurismodeCataluña,2009

SicomparamosambasimágenespodemosverquelaciudaddeBarcelonaconcentralamayoríade losmuseosgrandes(13de17), lamayoríadevisitantesydeingresos.Silocomparamosconlaimagen3veremos que la ciudad de Barcelona también recibe la mayorconcentracióndellegadadeturistasinternacionales.

También podemos ver que el resto de los museos seencuentrandiseminadosporelterritorio,peroconmayorpresenciaen

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las zonasde litoral que son también lasque recibenunnúmeromáselevadodeturistasyvisitantes.

Unelementoimportanteatenerencuentaeslarelaciónquesepuede establecer entre turismoymuseos, partede los visitantesquereciben los museos, especialmente los que se consideran grandesmuseos,sonturistasinternacionales.

En relación con la titularidad, la Agencia Catalana dePatrimonio gestiona los museos nacionales (que se consideran“museos grandes” en la clasificación anterior). El87%de losmuseosson públicos, mayormente gestionados por los ayuntamientos. Haymuy pocos museos que sean privados y la mayoría de ellos sonpropiedaddelaIglesiaCatólica.

Undatoimportanteatenerencuentaeselnúmerodepersonasquetrabajanenlosmuseosysuperfil,puestoquetieneunaincidenciadirectaenlosserviciosprestados.Aunque laLeydeMuseosaparecióen1990,eldesplieguequeafectabaalpersonaldeestas institucionesnoaparecióhasta2001,enundocumentoqueregulalascaracterísticasquedebíareunirelpersonaltécnicoyelpersonaldirectivo,peronolasáreasorganizativasenquedebendividirselastareasdelmuseo.

Lafaltadepersonalhasidounareclamacióncomúndesdelosequipamientos,más todavía desde que se les empezará a exigirmásimplicaciónenlasociedadyunamayordifusióndesuscontenidos:enpocaspalabras,cuandosustareassevieronincrementadas.Contodo,laLeynoestablece lacantidaddepersonal, sinoquese limitaadecirque elmuseodebe contar conelpersonal técniconecesario. El únicorequisito mínimo es contar con, al menos, un técnico superior(obligatorioparalafiguradeDirección)quiendebeposeer,entreotrosvarios,conocimientosdeestudiosdepúblicoyestadística,evaluaciónde la demanda, conocimientos sobre diferentes perfiles de público(escolar,terceraedad,turistas...)yformasdeorganizarladifusión.

Sinembargo,eldibujodelorganigramanoserecogeenestaley.Así, típicamente losmuseoshandesarrollado formasdeorganizaciónque contemplan la dirección, los servicios de administración(incluyendo contabilidad y semejantes), conservación ymuseografía,restauración (no siempre dentro del mismo museo), educación(escuelas)yatenciónalpúblico(responsablesdelaaperturaylaventadeentradas).Laseccióndeeducacióncultural,propuestaporelICOMyque tiene funcionesdedifusiónmás ampliasque el departamentode

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educación, suele materializarse en una extensión de dichodepartamento,porloquelaespecializaciónenlacreacióndeproductoy las tareas de difusión no se apartan decididamente del públicoescolar.Denuevo,estoserelacionadirectamenteconlasquejasacercadel volumen de personal asignado, que en más de una ocasión seatenuaronempleandoapersonalexterno.En resumen, si bien el conocimiento y la gestión de los diferentespúblicos son tratados como un aspecto muy relevante en la parteteóricadelaley,nohahabidounequilibrioanivelpráctico:niporloque respecta a la cantidaddepersonal y su formación, ni al enfoquequesedioalasinstitucionesmuseísticasapartirdeladécadade1980.

De la composición de la formación en museología cabedestacar,comopuntosespecialmenterelevantesparanuestrocaso,dospuntos:Serequierequelostécnicossuperiorestenganconocimientossobre los públicos específicos de los museos, entre los que seencuentran los turistas. El departamentode acción cultural es desdedondegeneralmentesellevanacabo lasposiblesaccionesvinculadasal público turista (y excursionista). En otras ocasiones, también serealiza desde el departamento de gestión de públicos, según elorganigrama de cada institución en particular. Aparte del personaltécnico superior, esta norma contempla también la existencia depersonal técnico auxiliar, que no podrá ejercer las funcionesreservadasalpersonaltécnicosuperior(planificacióndeactividadesyestrategiasdelmuseo, diseñode losproyectosde ejecución, etc.). Encuanto a su formación, el personal técnico auxiliar debe tener unatitulación académica y los conocimientos técnicos específicosnecesariosparapoderdesarrollarlasfuncionesqueseleencomienden.Endefinitiva,vemosqueesunanormativamuyabiertaconrespectoalresto de posiciones profesionales que no afecten directamente a losaspectosmuseológicosymuseográficosdelaactividaddelosmuseos.Así, por ejemplo, a pesar de que se reconoce implícitamente laimportanciadelospúblicosescolar,delaterceraedadyturistasnosepidequehayapersonalespecializadoenestosámbitos(enelcasodelpúblico escolar como mínimo se habla de un departamento deeducación).

Si analizamos losdatos aportados en la tabla1 veremos que,excepto losmuseos que se consideran “museos grandes” el resto demuseostieneplantillaspequeñas(unodecadacuatromuseosdispone

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en entre 1 y 3 personas). Según el análisis de losmuseos hecho en2017enlosmuseoscatalanestrabajan1.760personas,delescualesel69%sonfijasyel9%temporales.Cabedestacarqueloscincomuseosnacionalesconcentranel37%delpersonaltotal.Esevidentequeesteelemento afecta a lagestióndepúblicos y la relación con el turismo,siendo el departamento de difusión y comunicación uno de losprimerosensufrirrecortestantoenelámbitodelosrecursoshumanoscomoenelámbitopresupuestario.

En relación con el ámbito de la difusión y la comunicación,muchosdelosmuseosconsiderancomounretolaincorporacióndelasnuevas tecnologías, más como herramienta de promoción que comoherramientadegestiónode interpretación,comomuestranlosdatosrecogidosenelestudiode2017(tabla3).Variable PorcentajeSI PorcentajeNOWebpropia 72 28Webaccesible 38 62Facebook 76 24Twitter 56 44Instagram 32 68Wifi 36 64Apps 16 84Interactivos 16 84Coleccionesenlínea 22 78Tabla3:IndicadoresdedigitalizacióndelosmuseosFuente:PlademuseosdeCatalunya,2017

En general los museos aplican estas tecnologías para lacomunicación, pero hay elementos que no se tienen en cuenta en elanálisiscomoporejemplolapresenciadeidiomasextranjerosenestasherramientas.

En general, a nivel de servicios, la mayoría de museos(especialmentelosgestionadosporlaAgenciaCatalanadePatrimonio)cuentanconunaseriedeserviciosalvisitantequeincluyenhorariosdeaperturamás omenos adaptados al público, tarifas con opciones dedescuentosydíasdeentradalibre,posibilidaddealquilerdeespacios,visitasguiadas(normalmentebajoreserva,especialmentelasquesonenlenguasextranjeras),tiendaderecuerdosycafetería.

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5.Discusión:contextoparaelcambiodeparadigma

TalcomohemospodidoobservarenCataluña,apesardeexistiruna Plan Nacional de Museos, existe una gran diversidad tanto entamaño, temática como gestión de los espacios museísticos. Esteelementohacedifícil,apesardelosesfuerzos,dedefinirunaestrategiaglobal.

EnelPlandeMuseos2030(aprobadoen2017)se fijancomoobjetivosestratégicos:• Crearydesarrollarunsistemamuseísticoequilibrado,sosteniblei

decalidadqueabarquetodoelpaís• Reforzarlacapacidaddelosequipamientosmuseísticosparaque,

como instituciones autónomas, puedan desplegar todo supotencial.

• Reforzarlosmuseosnacionalesparaqueseconviertanenmuseosde referenciadel sistemamuseístico catalán, que seanpresentesen el territorio con las redes temáticas y que proyecteninternacionalmenteelpatrimoniodelpaís.

• Mejorarlaconservaciónylagestióndelascoleccionesypromovereldesarrolloyladinamizaciónparaquesirvana lasnecesidadesactualesyfuturas.

• Reforzar la vinculación con la sociedad ampliando el acceso, laparticipaciónylasfuncionessocialesyeducativas

• Incrementar la capacidad de comunicación de los museos yestimular su potencial para que ofrezcan contenidos yexperienciasdecalidad.

• Dar soporteal sectorprofesionaldelpatrimonioparaquepuedaresponderalosretosdelosmuseosyavanzarhacialaexcelencia.Estosobjetivos,planteadosdeformagenérica,seconcretanen

diferentes acciones. Si se analizan en profundidad en relación con lagestión de públicos, veremos que aún nos falta un largo camino porrecorrer,especialmenteenelámbitoturístico.

Así, en el objetivo 5 sobre reforzar la vinculación con lasociedad se hace referencia explícita a la accesibilidad como unelemento importante; pero no se explicitan acciones para otrospúblicosyno todos losmuseoscuentanconunplandedesarrollodepúblicos.

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Enelobjetivo6,sibiensemencionaquelosmuseoscatalaneshan incrementadosuactividadcomunicativa(especialmenteenredessociales) aún quedan lejos de tener una estrategia de comunicaciónparaelpúblicoturístico.

Y,sibienenelobjetivo7sehacereferenciaaestablecerredescon profesionales, los profesionalesdel sector turístico aún no estáncontemplados entre los posibles colaboradores de las institucionesmuseísticas.

Así,enelámbitodelagestiónturísticaaplicadaalosmuseos,sedeberíantenerencuentaunaseriedeaspectoscomo:

Losaccesos:dondeestáubicadoenespacio(enelcentro,enlaperiferia…) y en relación a los otros puntos turísticos (en la zonaturísticaono),sidisponedeaparcamiento,silaseñalizaciónesfácildeentender, cuales son los accesos según el medio de transporte, quéinformaciónsedalaubicación.

Los horarios y días de apertura: existe flexibilidad horaria, aquéhoraseabreysecierra,secierraalmediodía,secierraeldomingopor la tarde, hay un día de cierre semanal, se cierra durante algúnperiodo de más de un mes, se diferencian los horarios según latemporada… Si se identifica que el público real o potencial es elturismosetendránqueajustarloshorariosasusnecesidadesque,porotraparte,puedenserbiendiferentesdelasnecesidades,porejemplo,delosescolares.

Comoserecogenlosdatosdelosvisitantes,másalládehacerelsimplerecuentodelasentradasvendidasesimportanterecogerdatoscualitativos(procedencia,idioma,nivelcultural,motivaciones…).

Los museos tendrían que disponer de herramientas deinterpretación adaptadas a los diferentes públicos: visitas guiadas,folletos,plafones,maquetas,guíaseditadas,audioguias,etc.Nosetratasolo de una cuestión de traducción de los contenidos sino deadaptacióndeestosenfuncióndelaprocedenciadelosvisitantesysubagajecultural.

Existencia de servicios complementarios: aparcamiento,restauración,cafetería,librería,recuerdos,guardarropa,bibliotecaquepuedanayudaramejorarlaexperienciadelvisitante.Existenciadeunprograma de actividades que integre a distintos públicos.Comunicacióny comercialización en el ámbito turístico: colaboraciónconentidadesdepromociónturística,prensaespecializadanoenarte

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o cultura sino en turismo, blogtrips, participación en city cards,comercializaciónatravésdeintermediariosturísticos,entreotros.

Todos estos aspectos solo se pueden tener en cuenta con unestudio de cada museo y de sus públicos. Muchas veces la falta depersonal dificulta el poder realizar estas tareas que, por otro lado,podríanllegaraaportarunamayorvisibilidad.BibliografíaAgenciaCatalanadelPatrimonioCultural,&GeneralitatdeCatalunya.(2017). Museus 2030. Recuperado dehttps://cultura.gencat.cat/web/.content/sscc/pla-museus-2030/documents/PMC_web.pdf.Alcalde,G.,&Rueda iTorres, J.M. (1999).ElsMuseus.Recuperadodehttps://discovery.udg.edu/iii/encore/record/C__Rb1126899__Sgabrielalcalde1999__Orightresult__U__X1?lang=cat.Argandoña,A.(n.d.).Laresponsabilidadsocialdelaempresaalaluzdela ética. Revista de Contabilidad y Dirección, (. 7). Recuperado dehttp://mendeley.csuc.cat/fitxers/d6c2ff6b045e6abd691115cbf07204d2.Aulet, S. (n.d.). Entre la gestió cultural i la gestió turística. Entre LaGestió Cultural i La Gestió Turística. Recuperado dehttp://mendeley.csuc.cat/fitxers/25c88fc909c28e85c3dc0cf408342a80Aulet,S.,&Cantalapedra,R.(2015).Informaciónyatenciónalvisitante.Madrid:ADAMSEditorial.CarrerasMonfort,C.,MunillaCabrillana,G.,Artıs,M.,Ballart,J.,&Boadai Junca, M. (2001). Gestió del patrimoni històric. Recuperado dehttps://discovery.udg.edu/iii/encore/record/C__Rb1153416__Scarreras__Orightresult__U__X4__Ks@2001e@2001?lang=cat.Domınguez Moliner, F. (1990). Derecho administrativo, general yturístico. Recuperado de

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ISBN978-989-8797-36-0

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