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4 MÚSICA ERUDITA BRASILEIRA

Musica Erudita Brasileira

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  • 4M S I C AE R U D I T ABRASILEIRA

  • 5Escrever um panorama da Histria da MsicaErudita ou de Concerto no Brasil umdesafio h muito acalentado. Diferentede outras produes artsticas brasileiras,a msica ainda carece de estudosorganizados com o objetivo de contar suahistria e, principalmente, contextualiz-laperante o repertrio consagrado da msicaocidental. Essa vertente da produo musicalbrasileira por muitos considerada comoo ltimo tesouro ainda por ser descobertoe verdadeiramente explorado da culturado pas. exceo do clebre Villa-Lobos,e tambm de Camargo Guarnieri, poucose conhece a respeito dessa imensa produomusical. Isso se d tanto nos meiosinternacionais como, espantosamente, entreos prprios msicos brasileiros, que bastantesabem e executam Mozart, Beethovene Brahms, mas que pouca informaotm de compositores brasileiroscontemporneos e mesmo de outros perodos.

  • 6Por outro lado, enquanto a denominada MPB ouMsica Popular Brasileira consagrada pelos meiosde comunicao e conhecida internacionalmente comosmbolo da produo musical do Brasil do sculo XX,a msica erudita ou de concerto ainda um territrioinexplorado, quer pelos estrangeiros, quer pelosprprios msicos brasileiros. Diferentementeda produo de MPB, que abrange dos ltimos anosdo sculo XIX aos dias atuais, a msica clssicano Brasil est ligada diretamente ao incio dacolonizao pelos portugueses e perpassa pelos cincosculos de transformaes e adaptaes culturaisocorridas no pas.

    A respeito de como interagem na cultura brasileiraessas duas realidades musicais complementares,citamos artigo do jornalista Irineu Franco Perptuo1

    que bem exemplifica essa situao: que parece cada vez mais que, no Brasil, falar

    de msica brasileira corresponde a falar de msicapopular brasileira. Claro que a supremacia, emtermos de difuso, da msica popular sobre a msicade concerto um fenmeno mundial. O que tornao caso do Brasil especfico que os principais autorese intrpretes de nossa msica popular desfrutamdo status no apenas do carinho das massas, mas o afagoda inteligentsia, desalojando a msica clssicada posio hegemnica mesmo entre as elites. Parao bem ou para o mal, os intelectuais orgnicosbrasileiros, na rea de msica, so gente como ChicoBuarque, Caetano Veloso e Milton Nascimento noAlmeida Prado, Edino Krieger ou Gilberto Mendes,por mais que possamos admirar e respeitar o talentodesses compositores. As idias dos astros da MPB que so levadas a srio, debatidas e discutidas pelosformadores de opinio pblica. Quando acontece umfato de comoo nacional, e a imprensa quer sabera opinio de um msico a respeito, vai perguntar parao Chico. A inteno de voto de Caetano a cada eleiopresidencial sempre repercutida pela imprensa comestardalhao, mas ningum vai averiguar em quemNelson Freire ou Antonio Meneses vo votar.

    No se trata aqui de atacar a msica popularbrasileira, mas apenas lamentar o deslocamento sofridopela msica brasileira de concerto.

    Ao procurarmos os vrios fatores a que se devea atual situao de desconhecimento da histria e daproduo da msica de concerto no Brasil, deparamo-nos com dois principais, que so a falta de programaseditorais eficazes para a publicao de obras compostasno Brasil desde o sculo XVIII e o prpriodesincentivo ou mesmo desinteresse das corporaesmusicais em conhecer e programar esse repertrio emseus concertos. Diante desse quadro, nada maisoportuno que escrever, ainda que despretensiosamente,esta Histria da Msica Erudita no Brasil, de modomultidisciplinar e em formato de revista.

    Para esta publicao elaboramos uma pauta ondesubdividimos os assuntos em trs grandes perodoshistricos: do Descobrimento Independncia, doImprio ao Estado Novo e da Segunda Guerra aos diasatuais, sendo a subdiviso interna de cada fase formadapor artigos de diferentes caractersticas. H os artigoscontextualizantes de um perodo histrico e que vema produo musical no mbito sociolgico, e h os queexploram a biografia dos principais compositores decada perodo, tornando-se importantes verbetes parauma compreenso mais objetiva da biografia eproduo de cada compositor ou perodo estticoabrangido. Esse formato, uma vez que esta umarevista de divulgao de cultura brasileira no exterior,tem como objetivo possibilitar que o leitor, mesmo quejamais tenha ouvido falar a respeito dos assuntosabordados, possa ter uma ambientao histricae social na qual essa msica foi produzida.

    Acessveis e interessantes para msicos,ou somente interessados em saber mais sobre essaproduo musical, os artigos foram escritos por algunsdos mais atuantes especialistas de cada subdiviso doassunto, entre jornalistas, acadmicos e musicistas.A presena do CD anexo, assim como as bibliografiase discografias sugeridas, servem como ilustrao a cadaassunto abordado nos artigos. Desse modo,pretendemos tornar a revista ainda mais dinmica,possibilitando que a mesma possa ser utilizada comoum guia referencial para aqueles que pretendemcomear a se enveredar pelo tema, e at servir comobase bibliogrfica para a elaborao de pequenas aulas.

    Dentre as publicaes mais importantes de Histria

  • 7da Msica no Brasil, sendo escritas cada qual porsomente um autor, podemos citar as de VicenteCernicchiaro, Renato de Almeida e Mrio de Andrade,ainda nas dcadas de 1920 e 30, passando por LuizHeitor Corra de Azevedo nos anos 60, Bruno Kieffernos anos 70 e Vasco Mariz em dias atuais.Nesta Textos do Brasil, por sua caractersticamultidisciplinar unindo conhecimentos especficospara cada assunto abordado, pretendemos contribuirpara incrementar e dar nova viso sobre essa novasta, porm importante, bibliografia existentea respeito do tema.

    O primeiro texto da revista, Msica e sociedadeno Brasil colonial, assinado por Rogrio Budasz, tratainicialmente da msica composta e utilizada pelosjesutas com o objetivo de catequizar os povosindgenas brasileiros durantes os dois primeiros sculosda colonizao. Apesar de no existir documentaomusical remanescente do perodo, o pesquisador fazuma minuciosa e aprofundada pesquisa sobre esseprocesso, tendo como fonte o trabalho realizadopelo emblemtico Padre Jos de Anchieta, buscandoem suas notas as informaes necessrias paraa reconstituio provvel desse material. No mesmoartigo, Budasz trata da produo musical para os versosdo ilustre poeta da Provncia da Bahia ainda no sculoXVII, Gregrio de Matos, podendo ser uma dasprimeiras informaes a respeito de uma prtica demsica no-litrgica ou profana em nosso territrio.Desta tambm no restou documentao musicalespecfica, porm tambm possvel realizar umprocesso comparativo e de reconstituio baseadoem manuscritos musicais existentes em Portugal, a queso feitas referncias em documentos da poca.

    Ainda no sculo XVII e incio do XVIII temos,para no deixar de citar, o caso da msica compostana regio das Misses Jesuticas dos ndios Guaranis hoje pertencentes ao territrio brasileiro no Suldo pas, mas que no perodo pertenciam Coroaespanhola , sendo sua produo artstica e musicalmais diretamente ligada arte barroca praticadaem pases como Argentina, Paraguai e Bolvia.Para conhecermos mais a respeito desta produo,basta que conheamos os trabalhos editoriais

    e de partituras, assim como os registros musicais emdiscos e sobre msica barroca hispano-americana.

    Tratando a pauta com respeito a uma ordemcronolgica e contextual passamos, a seguir, a tratar damsica sacra no Brasil, sobretudo na segunda metadedo sculo XVIII e primeira metade do XIX.

    Neste segundo artigo, A Msica no Brasil Colniaanterior chegada da Corte de D. Joo VI, assinadopor Harry Crowl, abordado um aspecto maisdifundido, porm tambm pouco conhecido daproduo musical do Brasil colnia, que a msicasacra composta pelos mestres-de-capela nas sedes deBispados e a atuao dos msicos junto s Irmandadesleigas, sobretudo nas provncias das Minas Gerais, SoPaulo, Bahia e Pernambuco.

    Esse artigo trata justamente da msica a partirdo primeiro documento musical encontrado, que umrecitativo e ria da Bahia datado de 1759, e contextualizaas produes nordestinas do mesmo perodo para,a sim, dar total nfase mais importante escolade compositores do perodo colonial, que a das MinasGerais da segunda metade do sculo XVIII. um textobastante completo, que contempla a produo de vriosnomes importantes do perodo, como Emerico Lobo deMesquita, Francisco Gomes da Rocha, Marcos CoelhoNeto, Joo de Deus de Castro Lobo, entre outros.

    Nesta nossa introduo no podemos deixarde explicar, mesmo que brevemente, como esse estilomusical se estabeleceu no Brasil colonial,principalmente nos sculos XVIII e XIX. Essa

    A msica clssicano Brasil est ligada

    diretamente ao incio dacolonizao pelos portugueses eperpassa pelos cinco sculos de

    transformaes e adaptaesculturais ocorridos no pas

  • 8linguagem musical eminentemente italiana tem umatrajetria interessante: D. Joo V de Portugal, a partirda dcada de 1710, manda jovens compositoresportugueses estudar na Itlia como bolsistas, sobretudoem Roma e Npoles, a fim de absorver o estilo musicalitaliano, que era o predominante na poca, e traz-lopara Lisboa. Do mesmo modo, compositores italianoscomo Domenico Scarlatti so levados a Portugal paradirigir a msica na S e na corte lisboeta. Comoa mais importante colnia do imprio portugusdo perodo, o Brasil tem uma grande atividade musicale est em estreito contato com as novidades vindasda metrpole, passando tambm a ter sua produomusical nos mesmos moldes de Portugal. Com adescoberta do ouro, sobretudo na provncia das MinasGerais, outros importantes centros urbanos como VilaRica surgem para, alm das tradicionais grandescidades como Salvador e Rio de Janeiro, possuremintensa atividade musical, que caracterizar um dosmais profcuos momentos da histria musical brasileira.

    No entanto, no h parmetro para astransformaes nas atividades culturais e mesmo sociaisdo Brasil como o deslocamento da Corte de D. Joo VIde Portugal para o Rio de Janeiro, que teve o fim desalvaguardar a alta administrao portuguesa dainvaso de Portugal pelas tropas napolenicas em 1808.

    O artigo que se segue, Msica na Corte do Brasil:Entre Apolo e Dionsio 1808-1821, assinado pelomusiclogo e historiador Maurcio Monteiro, comeajustamente a falar das grandes mudanas sociolgicase estilstico-musicais que se seguem aps esteimportante momento da Histria do Brasil.

    Com o objetivo de finalizar essa primeira sesso,segue, por ns assinado, artigo a respeito do maisrepresentativo compositor desse perodo colonialbrasileiro, que o carioca Jos Maurcio Nunes Garcia(1767 1830). Esse texto, Jos Maurcio NunesGarcia e a Real Capela de D. Joo VI no Riode Janeiro, trata de sua interessante biografiae de como suas obras sobreviveram atravs do tempo.Por ser um compositor que trabalhou sempre no Riode Janeiro, sendo sua primeira obra datada de 1783e a ltima de 1826, sua msica tambm refleteas transformaes que essa cidade, como capital

    da colnia, sofreu em sua msica e relaes sociais.Esses anos foram intensos tambm para as artes

    plsticas no Brasil, com a vinda da Misso ArtsticaFrancesa de 1817 e de msicos como o compositoraustraco Sigismund Neukomm que veio na missodiplomtica do Duque de Luxemburgo a serviode Lus XVIII de Frana e que permaneceu noRio de Janeiro por cinco anos, sofisticando a produode msica instrumental na corte como msica parapiano, de cmara e at mesmo sinfnica. Graas presena desse compositor, os msicos atuantes nacidade puderam travar contato com o que havia demais relevante da produo musical centro-europia,como a Missa de Rquiem de Mozart, regida por JosMaurcio em 1819, e os oratrios As Estaese A Criao de Joseph Haydn, este ltimo tambmcomprovadamente regido por Jos Maurcio em 1821.

    Nos anos que seguiram ao processo deIndependncia do Brasil de Portugal, ocorrida em1822, as atividades culturais sofreram um grandedeclnio em comparao aos faustos anos da presenada corte portuguesa no Rio de Janeiro. O incio de umalonga reestruturao se inicia com a criao doImperial Conservatrio de Msica, atual Escola deMsica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, queteve como seu primeiro diretor o autor do HinoNacional Brasileiro, Francisco Manoel da Silva,que durante o tempo de Jos Maurcio esteve entreseus alunos diletos.

    Esse perodo se caracterizou por uma certadesestruturao da Real Capela de Msica,transformada em Imperial Capela, e seus msicos entre eles seus mestres-de-capela Jos Maurcio NunesGarcia e Marcos Portugal sofreram srias dificuldadesfinanceiras. Essa poca coincidiu tambm coma ascenso de Rossini nos teatros do mundo todo,passando a ser um novo parmetro para a produooperstica italiana. As peras de Rossini fizeram tantosucesso no Brasil que, mesmo durante a estada do ReiD. Joo VI no Rio de Janeiro, vrias de suas perasforam encenadas. Entre elas, sobretudo, Il Barbiere diSeviglia e La Cenerentola, com diferenas por vezes depoucos meses em relao s estrias europias. Essamodificao no gosto serviu de modelo para a criao

  • 9e mesmo para a vida musical do Brasil independente.A msica das peras de Rossini foi muitas vezesadaptada para a realidade da msica sacra, criandocuriosidades como a Missa da Gazza Ladra, de PedroTeixeira de Seixas, em que a msica da pera foitranscrita quase literalmente para o texto litrgico.Ainda nesse perodo inicia-se o interesse pela msicainstrumental.

    O incio de um perodo romntico brasileiro podeser caracterizado sobretudo pela figura de AntonioCarlos Gomes (1836 1896), que se tornou smboloda vida musical do Segundo Imprio compondo perasem lngua portuguesa, como A Noite do Castelo (1861)e Joana de Flandres (1863), e tendo conquistado xitosrelevantes na Europa com suas peras, como Il Guarany(1870) e Salvator Rosa (1874). Contudo, outroscompositores, como Elias lvares Lobo, autor da peraA Louca, tambm foram importantes para a criao,mesmo que temporria, de uma produo de perasem lngua portuguesa. Essas obras em lngua nacionaleram em esttica musical italiana, profundamentebaseada no bel canto de Bellini e posteriormenteVerdi. Artigo a respeito de Carlos Gomes,Consideraes sobre Carlos Gomes, escrito peloMaestro Luiz Aguiar, profundo conhecedor do assunto,responsvel por vrios trabalhos de resgate e ediesdesse importante compositor.

    No ltimo quartel do sculo XIX, vrioscompositores brasileiros comeam a se destacarna produo de msica instrumental de forte influnciaalem, como Alberto Nepomuceno (que foi alunode Grieg na Noruega), Leopoldo Miguez e AlexandreLevy, e de linguagem francesa, como HenriqueOswald. Essa uma importante gerao decompositores que atuam num conturbado perodode fins do Imprio e do incio do perodo republicanobrasileiro, quando comeam a ser esboadosimportantes conceitos nacionalistas em msica. Nessamesma poca, o antigo Conservatrio Imperialde Msica passa a ser o Instituto Nacional de Msica,tendo Alberto Nepomuceno como seu diretor.A msica instrumental de cmara e sinfnica passaa ter papel predominante na vida musical brasileira.A respeito desse perodo e de seus principais

    compositores foram escritos os artigos intituladosO Modernismo Musical Brasileiro, por GuilhermeGoldberg, e Henrique Oswald e os RomnticosBrasileiros: em busca do tempo perdido, por EduardoMonteiro. Esses artigos contextualizam os compositorese suas obras em relao produo europia e suaimportncia para a formao de uma novae slida linguagem na msica brasileira.

    Nesse mesmo contexto, temos a figura fascinantee ambgua de Ernesto Nazareth, que circulou entreo meio da msica de concerto, sendo ardorososeguidor de Chopin, e a nascente msica popular,por ter se tornado grande compositor de msicade salo no Rio de Janeiro de fins do sculo XIX.O jornalista Alexandre Pavan, em seu artigoChopin Carioca, aborda dados pitorescos da vidae obra desse compositor.

    Durante as primeiras dcadas do sculo XX,questionou-se arduamente o que seriam caractersticasverdadeiras ou tipicamente brasileiras em nossaproduo cultural e musical. Isso completamentejustificvel dentro do pensamento de afirmaonacionalista de uma jovem nao que se consolidavacomo uma repblica e que, definitivamente, rompiaseus laos com a antiga metrpole. Vale lembrar o dadohistrico de que, mesmo aps a independncia doBrasil como nao em 1822, tivemos dois imperadoresque pertenciam linhagem portuguesa dos Bragana,respectivos filho e neto do ltimo rei portugus agovernar o Brasil enquanto colnia, D. Joo VI.

    No entanto, no h parmetropara as transformaesnas atividades culturais

    e mesmo sociais do Brasilcomo o deslocamento da

    Corte de D. Joo VI de Portugalpara o Rio de Janeiro

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    ainda se discutia e mesmo impunha-se uma sriede normas e conceitos do que seria genuinamentebrasileiro. Nesse nterim muitos intelectuais do perodopassaram a valorizar a influncia dos povos africanos eseus descendentes, assim como a das naes indgenaspr-existentes chegada do europeu nestas terras, naformao da cultura nacional. Apesar de justificado,esse pensamento deu margem a muitas injustiase falhas nos critrios de avaliao do que conteria ouno tais caractersticas. A produo musical anteriora esse pensamento nacional, como as peras de CarlosGomes e a j citada msica sacra colonial, foi posta delado, visto como uma arte decadente que desprezavaos batuques africanos e a influncia indgena e que,portanto, estava fadada a ser avaliada como artesubmissa aos valores do colonizador2 . Mesmo depoisdo arrefecimento desse iderio, ainda hoje perdurao conceito ou o questionamento do que seja msicatipicamente brasileira. Compositores como Villa-Lobostiveram que se afirmar duplamente como brasileirose universais, com obras que ainda so assim divididaspor muitos msicos e estudiosos do assunto.H o Villa-Lobos ombreado a Stravisnky, de msicaafrancesada e de instrumentao sofisticada e ousada,e h aquele que utilizou pretensos cantos indgenase de negros, dando sabor nacional a sua msica,abusando de recursos rtmicos e conclamando a ptriaao reconhecimento de seus valores.

    Como outros nomes importantssimos queescreveram na recm-estruturada linguagem

    nacionalista, citamos o talo-paulistano FranciscoMignone, Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernandez,Guerra-Peixe e at mesmo, em uma fase,Cludio Santoro.

    A idia aqui no criticar ou desconstruiro pensamento nacionalista, mas sim contextualiz-locomo um importante conjunto de idias que sejustificaram no perodo em que foram criadas e usadascomo padro, mas que j se tornam ultrapassadase restritivas de uma avaliao mais ampla do que seriao universo musical no Brasil ao longo de praticamentecinco sculos. A respeito desse longo perodo, que vaidas primeiras dcadas do sculo XX at tardiamente,em alguns compositores ainda atuantes na dcada de60, foram escritos os seguintes artigos: Villa-LobosModerno e Nacional, de Jorge Coli; FranciscoMignone e Lorenzo Fernandez, pelo Maestro LuteroRodrigues; e Guerra-Peixe, compositor multifrio,pelo compositor e regente Ernani Aguiar.

    Um dos principais instrumentos a entrar emascenso no sculo XX, tanto na msica de concertoquanto na popular, foi o violo. Emblemtico da culturavista como genuinamente brasileira, esse instrumentoteve em Villa-Lobos um dos principais compositorese entusiastas. Especificamente sobre esse aspecto daobra de Villa-Lobos, e de sua atuao para enriquecero repertrio do violo e a posterior trajetria desseinstrumento na criao brasileira, que temos o artigoA Msica Brasileira para Violo depois de Villa-Lobos, escrito pelo consagrado violonista Fbio Zanon.

    Ainda na dcada de 30, paralelamente ao iderionacionalista, outro movimento se configura quasenuma anttese a esse pensamento. O MovimentoMsica Viva, liderado por Koellreutter falecido em2005 , teve entre seus seguidores vrios compositoresque transitaram entre essas duas linguagens, como osjovens compositores Cludio Santoro e Csar Guerra-Peixe. Tal movimento, como diz o autor do artigoMsica Viva, Carlos Kater, no foi apenasresponsvel pela primeira fase da composio atonal edodecafnica da msica brasileira. Coube a essemovimento, mais precisamente, a criao de uma novaperspectiva da produo musical, imbricada numaconcepo contempornea da funo social do artista.

    Com a proclamao daRepblica em 1889, um novopas surge querendo rompercom toda e qualquerinfluncia do antigo regime.Principia o pensamentode afirmao nacionalque perdura at meadosdo sculo XX, acalentadoprincipalmente na Semanade Arte Moderna de 1922e no surgimento dopensamento chamadode Antropofagismo, quando

    Ricardo Bernardes.FOTO: AUGUSTO VIX

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    1. PERPTUO, Irineu. Revista eletrnica. So Paulo: Imagem, 2000.

    2. Se num momento fomos colnia portuguesa, no havendoainda, como em qualquer outra parte no mundo, umquestionamento e definies de cultura nacional, hoje vemos queaquele momento pertenceu a um universo cultural luso que aospoucos foi adquirindo caractersticas singulares que poderiamdiferenciar-nos em alguns aspectos da metrpole, mesmo queessa inteno no fosse proposital. lcito dizer que a produode msica sacra no Brasil do perodo colonial, sobretudo nosculo XVIII, tem caractersticas que a diferenciam da praticadaem Portugal, mesmo que sutis. Isso se d da mesma forma comoao dizer que a produo de pera italiana nos pases germnicospor compositores tambm germnicos possam ter singularidadesem relao dos italianos natos, sem deixar de ser pera italianae ao mesmo tempo germnica. Essa ainda uma discussopolmica, mas que abre caminho para vrios questionamentossobre os conceitos de estilos nacionais. Baseado nesse mesmoprincpio, ainda que bastante criticado pelo pensamentonacionalista, a msica de caractersticas estritamente europiasescrita por brasileiros principalmente se escrita antes dosurgimento dessa noo de nacionalismo cultural pode conterelementos provindos da adaptao dessa linguagem musical

    realidade local, tornando-se tambm brasileira.Com esse princpio, tais adaptao e transformao so

    de grande valia para a compreenso da formao de uma culturae produo musicais brasileiras, sem que necessariamente seprocure encontrar caractersticas brasileiras tais como muitasvezes forjadas durante o auge do pensamento nacionalista. Domesmo modo, em relao quela que faz a quase totalidade daproduo musical do Brasil colnia, a msica sacra do ritocatlico uma msica de linguagem efetivamente europia,tipicamente italiana como praticamente em todo o Ocidente, masque contm sua importncia e singularidades em como essalinguagem foi aqui absorvida e sutilmente transformada.

    Para no alongar essa discusso, citamos ainda um interessanteexemplo de como a circulao da produo musical vinda dametrpole se adaptou ao gosto e possibilidades locais. Chamamosa ateno para a tradio de representaes de peras barrocasportuguesas de linguagem musical italiana na ento longnquaPirenpolis, no serto da provncia de Gois, situada no corao docontinente sul-americano. Essas peras foram constantementerepresentadas e at adaptadas por vrias geraes, assim comovrias peras de autores italianos que foram adaptadas para alngua portuguesa para serem compreendidas pela populao local.

    Para tratar especificamente de Camargo Guarnieri,compositor de carreira brilhante e formador de muitosdiscpulos, temos o artigo da Profa. Flvia Toni, umadas principais especialistas no assunto, CamargoGuarnieri.

    Para tratar da produo de Cladio Santoro,compositor profcuo e de mltiplas linguagens comimportante carreira internacional tambm comoprofessor temos o artigo Cludio Santoro umatrajetria, pelo jornalista Irineu Franco Perptuo.

    Mais recentemente, nas ltimas dcadas dosculo XX, grandes movimentos de msicade vanguarda surgiram de forma organizada, criandofestivais de msica contempornea, como bem atestao artigo Os Eventos para Divulgao da MsicaContempornea no Brasil, do compositor EduardoGuimares lvares.

    Finalmente, chegamos ao sculo XXI, aoscompositores hoje atuantes e suas diretrizes paraa fixao de suas linguagens e participaes no mundomusical brasileiro bem como as relaes com as demaisprodues ao redor do planeta. Para abordar esse tema

    contamos com artigo Produo Musical Eruditano Brasil a partir de 1980 Pluralidade Esttica,do atual presidente da Sociedade Brasileira de MsicaContempornea, Harry Crowl, que discorre sobreas principais tendncias atuais e os nomes maisrepresentativos e atuantes desde a dcada de 1980at os dias de hoje.

    RICARDO BERNARDESRegente e pesquisador especializado em msica antiga luso-brasileira e autor da coleo Msica no Brasil nos sculos XVIII e XIX, Funarte 2001.

    Diretor artstico da Amricantiga Histria e Cultura.

    Mais recentemente, nas ltimasdcadas do sculo XX,

    grandes movimentos de msicade vanguarda surgiram deforma organizada, criando

    festivais de msicacontempornea

  • Msicae sociedadeno Brasilcolonial

    Carlos Julio. Cortejo da Rainha Negrana Festa de Reis. Aquarela coloridado livro Riscos illuminados de figurinosde brancos e negros dos uzosdo Rio de Janeiro e Serro Frio.FUNDAO BIBLIOTECA NACIONAL DIVISO DE ICONOGRAFIA

    ROGRIO BUDASZ

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  • Sem levar em conta alguns casos isolados de portuguesese franceses fixando-se na costa brasileira, por livrevontade ou no, durante as primeiras dcadas do sculoXVI, a colonizao e o efetivo povoamento dessaregio por europeus e seus descendentes tiveram incioapenas na dcada de 1530. Missionrios religiosostambm comearam a se estabelecer nessa poca,sendo o grupo mais importante a Companhia de Jesus,que chegou em 1549 e fundou vrios colgios ao longoda costa brasileira.

    O povoamento da costa brasileira nos doisprimeiros sculos aps a descoberta pelos portuguesesfoi condicionado pelos ciclos econmicos do pau-brasile da cana-de-acar, esse ltimo marcando tambmo incio da presena negra no Brasil. Os colonos eraminvariavelmente homens que estabeleciampropriedades rurais e, geralmente, amasiavam-secom as nativas, originando um novo tipo tnico,o mameluco, que se tornaria o principal responsvel

    pela expanso territorial da colnia. A colonizao foimarcada por iniciativas e regulamentaescontraditrias, que, enquanto estimulavam a vindade colonos, reprimiam o desenvolvimento de umaidentidade brasileira por proibir o surgimento de casasimpressoras, peridicos e universidades.

    Para o colono, a nica forma de literatura eramuitas vezes aquela transmitida oralmente, nosromances populares ibricos de teor histrico oumoral. Muitos desses romances, geralmente cantadossobre melodias simples para no dificultara inteligibilidade da narrativa, permanecem vivos athoje na tradio popular tanto em Portugal comono Brasil, e sofrendo poucas transformaes nessesquinhentos anos, como o caso de Conde Claros,A Bela Infanta, Gerineldo, e tantos outros.

    Alm desses, o repertrio musical dos primeiroscolonos e seus descendentes incluiria tambm cantosde trabalho para acompanhar aes rotineiras,

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    acalantos e cantigas, tanto em portugus como em tupi.A primeira gerao de brasileiros crescia, assim,ouvindo romances, cantigas e ritmos ibricos cantadose tocados na viola pelo pai, enquanto era embaladapelos acalantos da me tupi em seu idioma. Quer fossepelo seu contedo considerado lascivo ou pela suaassociao com os cultos nativos, algumas daquelascantigas, tanto ibricas como tupis, escandalizaramos missionrios, induzindo-os a comporem versespias, ou divinizadas. Jos de Anchieta era mestrenessa transmutao e ensinava tambm as doutrinas,oraes e hinos catlicos no idioma tupi.

    Fora do contexto missionrio, tambm eramcomuns as bandas de corporaes militares ou deescravos, mantidas pelos latifundirios mais destacadoscomo aparato de ostentao e demonstrao de poder,ao realizarem entradas pomposas nas vilas ao som dosclarins, ou para impressionar visitantes. Promovidaspelas autoridades seculares e religiosas, vrias festas,como as de Corpus Christi e da Visitao de SantaIsabel, incluam procisses, msica e danas, trazendoalegorias, mascarados e coreografias de ndios e negros.Para o acompanhamento costumavam ser usadostambores, pandeiros, gaitas de fole, pfanose charamelas termo esse que poderia incluir tantoinstrumentos de palheta, como a chirimia ibrica,quanto instrumentos de bocal, como as cornetas,sacabuxas, trompas e outros. Alm disso, nas festase outros congraamentos ao ar livre poderamos,tal como hoje em dia, encontrar cantores repentistas,numa tradio que remonta aos segrisda Idade Mdia.

    Tais festas e procisses, tal qual em Portugal,muitas vezes funcionavam como pretexto para

    a socializao e diverso, como satirizaria o poetaGregrio de Mattos no final do sculo XVII. Contudo,a despeito de vrias regulamentaes repressoras e dasopinies de alguns moralistas, o congraamento entreescravos era geralmente tolerado para evitar malesmaiores, no dizer de Antonil, pois a mistura de raastambm dificultava a identificao tnica de escravosde vrias naes e crenas, diminuindo o perigode insurreio. J a mistura entre negros e branco, erainsistentemente reprimida pelas autoridades e issoat o incio do sculo XX , o que no parece jamaister surtido o efeito desejado, como o comprovam nos as descries de viajantes como tambm o fatode terem sido reprisadas vrias vezes no decorrer dossculos as prescries contra o ajuntamento de brancose escravos nas festas.

    Quanto msica oficial do Estado e da Igreja,nota-se j no sculo XVI a tentativa de reproduzirem miniatura o estabelecimento musical portugus.Existiam, no entanto, algumas diferenas fundamentaisque dificultavam essa reproduo, ao mesmo tempoem que moldavam novas maneiras de fazer e usara msica: se Portugal era pequeno e densamentepovoado, o inverso valia para o Brasil nos doissentidos. A rarefao populacional tornava inviveiscertas prticas musicais e inteis outras.

    MSICA NO ESPAO DOMSTICO

    A maior parte das vilas fundadas durante o primeirosculo da colonizao formava-se ao redor de algunsfortes militares e escolas jesuticas. Enquanto isso,o grosso da populao habitava as propriedades rurais,que cresceram muito em nmero e tamanho nasltimas dcadas do sculo XVI, passandoa especializar-se no cultivo da cana de acare na produo de seus derivados, acar e aguardente,assim como no cultivo da mandioca e na produoda farinha.

    Distante dos centros urbanos numa poca emque eram poucos os que se destacavam , o engenhoficava assim definido como a principal unidade deproduo e povoamento, enquanto a Casa Grandeera o seu centro administrativo e religioso, na verdadeo principal espao de sociabilidade. Ali era promovida

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    E era por isso que a prtica musical tambm faziaparte da instruo dos filhos e afilhados do senhorde engenho. Formao diferente, e para cumprir tarefasdiferentes, teriam os msicos escravos cantorese charameleiros que participariam do aparatode propaganda e demonstrao de poder do senhorde engenho, sendo muitas vezes emprestados s Igrejase vilas por ocasio de festas religiosas e cvicas.

    Os primeiros que se dedicaram ao ensinoda msica foram os missionrios, que, a princpio,concentravam-se nos nativos e usavam a msica comoinstrumento auxiliar na converso e catequese. Depoisdeles, representando oficialmente o estabelecimentomusical da Igreja, aparecem os mestres de capela,enviados de Portugal para organizar a atividademusical de determinada regio mas que tambmexerciam a funo de instrutores da arte da msicapara quem pudesse pagar. Mais tarde, tambm passama exercer essa funo, embora de forma limitada,os cantores e instrumentistas mais destacadosdentre os ndios, negros e mulatos instrudosna msica europia pelos missionrios e mestresde capela, com o objetivo principal de interpretarem

    Alexadre Rodrigues Ferreira.Desenho aquarelado.Viola que tocam os pretos.Desenho aquarelado do livroViagem filosfica s Capitaniasdo Gro-Par, Rio Negro, Cuiab.FUNDAO BIBLIOTECA NACIONAL DIVISODE ICONOGRAFIA

    as composies por eles preparadas.Evidentemente, o filho de um senhor de engenho

    no entraria numa relao mestre-aprendiz com omestre de capela local. Esperava-se que tomasse contados negcios do pai, fosse estudar em Portugal ouseguisse a carreira eclesistica podendo, neste ltimocaso desenvolver suas habilidades musicais de maneiramais aprofundada. Este tipo de interesse musical noprofissional era bastante comum entre a aristocracia eburguesia abastada portuguesa, a ponto de vriosnobres, incluindo reis e prncipes, tornarem-secompositores competentes.

    Sendo o profissionalismo musical indicativo debaixa estatura social, isso talvez explicasse o porqu daquase inexistncia de compositores brancos nas MinasGerais do sculo XVIII (com exceo dos portuguesesenviados com a expressa finalidade de servirem comomestres-de-capela), numa poca em que, aps adescoberta do ouro, multiplicavam-se os centrosurbanos no interior da colnia, multiplicando-setambm as oportunidades de trabalho de cantores,instrumentistas e compositores.

    Todavia, para a elite brasileira dos sculos XVIIe XVIII, mesmo desdenhando o profissionalismomusical, o diletantismo na msica era qualidadeaprecivel. A habilidade como compositor colocadapor historigrafos e bibligrafos portuguesese brasileiros em p de igualdade com a produoliterria, e a proficincia na execuo violaou harpa equivaleria aos dotes poticos e instruonas assim chamadas artes liberais. De fato, inventrios

    a educao civil e religiosa, bemcomo os encontros sociais, porocasio de batizados, de casamentos,e da hospedagem de visitantes.Nesse contexto, a msica eracultivada como auxiliar no fluirdas atividades sociais, comopassatempo na intimidadedo lar, acompanhando momentosde devoo religiosa ou comodemonstrao de civilidade e poderpara os olhos e ouvidos externos.

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    da poca comprovam que o mobilirio das casasgrandes costumava incluir harpas, violas e ctaras, almde dispor de aposentos usados como escolas, ondeos filhos eram instrudos em aritmtica, gramtica,retrica, religio e msica.

    Na Nobiliarchia Paulistana, Pedro Taques deAlmeida Prado menciona, entre a aristocraciapaulistana de sculos passados, alm de harpistase tocadores de vrios instrumentos, dois tocadoresde viola. Frei Plcido, eminente na prenda de tangerviola, tomou o hbito em Alcobaa e teria tocado parao rei D. Pedro II de Portugal. Francisco RodriguesPenteado, pernambucano, demonstrava tal mimona mesma arte que em 1648, voltando de Lisboa, foiconvidado por Salvador Correia de S e Benevidesa instruir nos instrumentos msicos suas filhas e seufilho Martim Correia. Evidentemente, em se tratandodas famlias aristocrticas brasileiras, os dotes musicaisno poderiam ser utilizados como forma permanentede sustento: so prticas socialmente distintas o cultivoda msica como profisso ou como elemento decivilidade, usando a expresso da poca. pocado convite de S e Benevides, Penteado encontrava-sedesprovido de recursos, pois havia esbanjado a fortunapaterna em Lisboa, e a soluo encontrada, enquantobuscava formas mais nobres de aquisio de capital,seria remediar-se instruindo os filhos do mais poderosobrasileiro de seu tempo. Algum tempo depois,Penteado se estabeleceria em So Paulo, aps casar-secom a filha de um latifundirio.

    Fora do contexto religioso, alm da citao deAlmeida Prado, a harpa aparece tambm em umpoema de Gregrio de Mattos, animando uma festa.Mesmo utilizada como principal acompanhante das

    funes religiosas pelo interior do Brasil at asprimeiras dcadas do sculo XVIII, a harpa no pareceter-se difundido muito como instrumento domstico.Nem mesmo o cravo parece ter exercido essa funoem larga escala, permanecendo neste papel a violaat ser sobrepujada pelo piano no sculo XIX.

    Principal acompanhador dos romances, cantigas,tonos e modinhas, alm de timo veculo para a msicasolo, a viola de mo era instrumento de versatilidadeincontestvel. Suas variantes no sculo XVI incluamum instrumento de quatro ordens de cordas (a guitarrarenascentista), de seis ordens (conhecida na Espanhacomo vihuela), e, no sculo seguinte, de cinco ordens(muitas vezes chamada guitarra barroca). Este ltimoinstrumento originaria mais tarde a viola caipirabrasileira, as diversas violas regionais portuguesas,e a guitarra espanhola, ou violo. Nomes de tocadoresque se especializaram na viola de cinco ordens, comoFelipe Nery da Trindade, Manuel de Almeida Botelhoe Joo de Lima aparecem com destaque na obra deDomingos do Loreto Couto, historigrafopernambucano do sculo XVIII.

    Alm de chantre da catedral de Salvador porvrios anos, Joo de Lima conhecido do poetaGregrio de Mattos foi pedagogo e compositor,deixando obras de msica sacra e profanae dominando a execuo musical em vriosinstrumentos. Manuel de Almeida Botelho passouvrios anos em Portugal, protegido do patriarcade Lisboa e do Marqus de Marialva. Loreto Coutoatesta que, alm de muita msica sacra, Botelho teriacomposto sonatas e tocatas tanto para viola comopara cravo, alm de msica de salo, comominuetes e tonos.

    Forma de cano erudita bastante difundida naPennsula Ibrica e Amrica Latina, o tono humanogeralmente apresenta temtica rcade, forma estrficacom refro, e textura a uma ou duas vozes agudascontra um baixo, constituindo-se assim num ancestralda modinha portuguesa. Quanto aos tonos de Botelho,talvez se assemelhassem queles compostos peloportugus Antnio Marques Lsbio, comacompanhamento viola, ou mesmo com a peaMatais de Incndios, integrante dos manuscritos

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    de Mogi (da dcada de 1720 ou 1730), e trazidosnovamente tona graas s pesquisas de JaelsonTrindade, embora ainda reste alguma dvida quantoa se esta pea um tono humano, como sugeridopor Trindade, ou um vilancico natalino, conformeestudo de Paulo Castagna.

    Embora no tenhamos notcia da sobrevivnciade peas compostas por aqueles violistaspernambucanos e paulistas, podemos ter uma idiabastante aproximada do que tocavam, atravs dasfontes portuguesas do incio do sculo XVIII, paraa viola de cinco ordens contendo o repertrio-padropara a formao do instrumentista luso-brasileirodaquela poca: danas italianas, francesas, ibricase de influncia afro-brasileira como o canrio, o vilo,o arromba, o cumb e o cubanco, alm de muitasfantasias e rojes.

    importante lembrar que o repertrio popularibrico e latino-americano era muito menosheterogneo no sculo XVII do que em nossos dias.Portugal havia reconquistado sua independncia daEspanha apenas em 1640. Naquela poca, durantea infncia e juventude de Gregrio de Mattos, oselementos que ajudariam a definir a brasilidade apenascomeavam a tomar forma. Muita poesia tanto noBrasil como em Portugal ainda era escrita em espanhol,e, enquanto peas de Caldern e Lope de Vega eramrepresentadas em Salvador, autores brasileiros tambmescreviam teatro naquele idioma. Naturalmente,a msica desse perodo tambm pareceria a nossosouvidos bastante espanhola, tratando-se menos de umainfluncia nacional especfica do que da evidncia deum estilo compartilhado e generalizado por todaa Pennsula Ibrica e Amrica Latina, como o atestam,por exemplo, os vilancicos e tonos de Gaspar

    Fernandes e Antonio Marques Lsbio, bem comoo repertrio portugus para viola e teclado.

    Na ausncia de documentos musicais, uma timafonte de informaes sobre a msica no-religiosatocada e cantada no Brasil seiscentista a obra poticade Gregrio de Mattos (1636-1696). Alm de descreverfunes musicais e teatrais, de mencionarinstrumentistas e cantores e de citar peas instrumentaiscomuns tanto em Portugal como na Espanha e AmricaLatina, Mattos usa vrios tonos humanos espanhiscomo refro ou base para glosas de sua autoria. Emoutros casos, Mattos usa modas profanas em portugus,ou, no dizer dele prprio, canes que os chuloscantavam. Religiosos e moralistas continuavamencarando com suspeita esse repertrio, sendo clebrea condenao de Nuno Marques Pereira, atribuindoaquelas modas inveno do demnio o qual, contaPereira, era exmio tocador de viola.

    Na segunda metade do sculo XVIII, o repertriomusical que passa a difundir-se pela colnia , por umlado, o de danas afrancesadas como o minuetee a contradana as principais coreografias de salo noBrasil at o incio do sculo XIX e, por outro lado, ascanes simples as modas agora influenciadas peloestilo galante da pera e msica sacra napolitanas, commelodias e harmonias ainda mais simples e adocicadas,despretensiosamente denominadas modinhas.Se a princpio estas apresentavam uma temticapastoril rcade, vinculada ao gosto potico da poca,o estilo gradativamente influenciado pelo contextoafro-brasileiro, tanto na maneira de falar como nosritmos e harmonias do lundu aquela dana que tantoescandalizou viajantes do norte da Europa originando assim a modinha brasileira, que acabariavoltando para Portugal nas obras de poetase compositores como Domingos Caldas Barbosae Joaquim Manuel da Cmara.

    Felizmente, foi preservada muita msica desseperodo, sendo notveis as peas coletadas pelosviajantes austracos Spix e Martius, as modinhasbrasileiras preservadas na Biblioteca da Ajudae na Biblioteca Nacional de Lisboa, e as peasinstrumentais contidas no livro de saltriode Antnio Vieira dos Santos, compilado no incio

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    do sculo XIX. H ainda uma nica pea parateclado do sculo XVIII, a chamada Sonata Sabar,cuja autoria ainda permanece cercada de dvidas.Finalmente, os duetos concertantes para dois violinosde Gabriel Fernandes da Trindade, da segundadcada do sculo XIX, nos do uma idiado estiloda msica de cmara para cordascomposta nos ltimos tempos do Brasil-colnia.

    CASAS DE PERA E ACADEMIAS

    Uma espcie de teatro moral com intervenesmusicais j se encontra presente no primeiro sculoda colonizao, nos autos preparados por Josde Anchieta e Manuel da Nbrega. Tal comona Europa, a finalidade didtica do teatro jesuticoera bvia, e os nmeros musicais cumpriam a funode tornar mais atraente a mensagem de submisso igreja e ao rei. evidente tambm a filiao desseteatro aos autos ibricos seiscentistas, em especialos de Gil Vicente, sempre intercalando enredos levese cmicos com danas, canes e romances populares.Nos sculos seguintes, os modelos passariama ser Lope de Vega e Caldern.

    So bastante numerosos os relatos sobrea representao de comdias musicadas nas casasabastadas das cidades, ou mesmo ao ar livre, comoaquelas para as quais o pernambucano Antnio daSilva Alcntara comps a msica em 1752. quasecerto que tais comdias a grande maioria escrita emidioma espanhol seguissem o modelo da zarzuela deAntonio de Literes e Sebastin Durn, com rias, corose alguns recitados alternando com dilogos falados.

    Durante o sculo XVII, no se tem notcia nacolnia da apresentao de peras no sentido modernodo termo, ou seja, a encenao de um enredointegralmente posto em msica. Mesmo no sculoXVIII, alm do modelo das peras de Antnio Jos daSilva, com dilogos falados e poucos nmeros musicais,no era incomum encenarem-se libretos opersticossem qualquer emprego da msica, funes que erammesmo assim denominadas peras.

    Sendo o teatro e a pera nas suas variadasacepes desde cedo explorados no Brasil comoinstrumentos de doutrinao ideolgica, no tardariama aparecer, patrocinadas pelo poder pblico, casasespecificamente destinadas representao de dramas,comdias e entremezes em msica as casas de pera que visavam promover uma educao cvica paralela educao religiosa da Igreja. No decorrer do sculoXVIII, toda vila de maior porte passa a possuir,alm da igreja, uma casa de pera, aparecendoas duas muitas vezes lado a lado. Seguindo a marchade povoamento do interior que se sucede descoberta

    Romances Populares:

    TEATRO DO DESCOBRIMENTO. Ana Maria Kiefer, Grupo Anima. Akron

    Discos; faixa 5: Romance da Nau Catarineta

    DO ROMANCE AO GALOPE NORDESTINO. Quinteto Armorial.

    Discos Marcus Pereira. Romance da Bela Infanta

    Jos de Anchieta:

    TEATRO DO DESCOBRIMENTO. Ana Maria Kiefer, Grupo Anima. Akron

    Discos; faixa 8: Quin te visit, Isabel?; faixa 9: Mira Nero

    A MSICA NA FESTA. Integrante do livro Festa: Cultura

    e Sociabilidade na Amrica Portuguesa; faixa 6: Venid a sospirar

    con Jesu amado (Companhia Papagalia)

    Marincolas:

    HISTRIA DA MSICA BRASILEIRA: PERODO COLONIAL II. Ricardo Kanji.

    Estdio Eldorado; faixa 2

    TEATRO DO DESCOBRIMENTO. Ana Maria Kiefer, Grupo Anima. Akron

    Discos; faixa 12

    Matais de Incndios:

    HISTRIA DA MSICA BRASILEIRA: PERODO COLONIAL I. Ricardo Kanji.

    Estdio Eldorado; faixa 36

    A MSICA NA FESTA. Integrante do livro Festa: Cultura

    e Sociabilidade na Amrica Portuguesa; faixa 15 (Klepsidra)

    Sonata Sabar:

    NINGUM MORRA DE CIME. Collegium Musicum de Minas. Prod.

    independente, faixa 5

    Modinhas:

    MARLIA DE DIRCEU. Ana Maria Kiefer, Edelton Gloeden e Gisela

    Nogueira. Estdio Eldorado.

    MODINHAS E LUNDUS DOS SCULOS XVIII E XIX. Manuel Morais

    e Segris de Lisboa. Movieplay; faixa 8: Eu nasci sem corao;

    faixa 13: Ganinha, minha Ganinha; faixa 19: Menina, voc que

    tem?

    Coleo de Spix e Martius:

    VIAGEM PELO BRASIL. Ana Maria Kiefer, Edelton Gloeden e Gisela

    Nogueira. Estdio Eldorado

    Recitativo e ria:

    HISTRIA DA MSICA BRASILEIRA: PERODO COLONIAL II. Ricardo Kanji.

    Estdio Eldorado; faixas 11 e 12

    Duetos concertantes:

    GABRIEL FERNANDES DA TRINDADE: DUETOS CONCERTANTES. Maria Ester

    Brando, Koiti Watanabe. Paulus

    DISCOGRAFIA

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    do ouro, encontramos casas de pera em vriaslocalidades das Minas Gerais, de Goise to longe quanto em Cuiab, no centrogeogrfico da Amrica do Sul.

    O repertrio das casas de pera no sculo XVIIIe boa parte do XIX inclua principalmente dramasde Metastasio, como Ezio in Roma e Didone abbandonata,que, alm de transmitir alguma lio moral, retratavamo heri como lder firme, sbio e magnnimo, masusando de disciplina quando necessrio. Os libretosescolhidos eram bastante convenientes paraa finalidade proposta, pois a platia fatalmenteidentificaria o heri com o soberano portugus.Embora o musiclogo Francisco Curt Lange tenhacompilado uma lista impressionante de perasrepresentadas no Brasil durante o sculo XVIII,apenas algumas pginas de partituras sobreviveram,impossibilitando qualquer tentativa de reconstituio.Do perodo joanino, restam de Bernardo Jos de SouzaQueiroz a msica de cena para uma pea teatralde 1813, dois entremezes e uma pera, Zara, compostano Rio de Janeiro antes de 1816, alm de algunsnmeros avulsos de peras do baiano Damio Barbosade Arajo. Alm disso, muita pesquisa resta a serrealizada sobre as peras de autores europeus Marcos Portugal e Pedro Antnio Avondano, paracitar os mais importantes representadas em casasde pera brasileiras.

    Por volta do final do sculo XVIII, devido escassez do ouro e ao fim do patrocnio pblico, ascasas de pera desaparecem ou passam a ser definidas

    mais e mais como espaos daqueles que podem pagare dos que, custa de muita bajulao, conseguem umlugar ao lado daqueles. J os atores, cantorese instrumentistas sempre foram na sua maior partemulatos e negros, cuja instruo teria sido providaou pelos mestres de capela locais ou, de maneira maisinformal, pelos diretores musicais dos regimentosmilitares ou das bandas de msicos dos engenhose minas. Algumas vezes, tais artistas conseguiam ir bemalm da casa de pera local, como foi o caso dacantora mulata Joaquina Maria da Conceio Lapinha,que apresentou-se com sucesso em teatros portugueses.

    No se colocando na posio subserviente demsico ou ator profissional, o rico e o letrado teriamrestritas possibilidades de demonstrao de suashabilidades performticas, fossem elas de poeta,intrprete ou mesmo compositor. Alm do espaodomstico, havia a academia, um misto de clubeliterrio e sociedade secreta que se difundiria pelosprincipais centros urbanos do Brasil a partir da segundametade do sculo XVIII. no contexto das academias,ligadas esttica rcade, que surgem nomes como osde Toms Antnio Gonzaga (cujas poesias foram depoismusicadas na srie de modinhas do ciclo de Marliade Dirceu) e Domingos Caldas Barbosa (cristalizadorda modinha brasileira), e de obras como a cantataHeri, egrgio, douto, peregrino, mais conhecida comoRecitativo e ria para Jos Mascarenhas, compostaem Salvador em 1759.

    No sobreviveu at nossos dias o repertriode msica de cmara que talvez fizesse parte dasreunies daqueles acadmicos. Alguns deles possuaminstrumentos de arco, como ficou registrado nos autosde devassa da Inconfidncia Mineira. Alm disso,comprovando a prtica da msica de cmara europiano interior do Brasil, h o relato de Spix e Martius,sobre um mineiro que intercepta os viajantesno interior da mata e os convida a irem sua casa,onde, com instrumentos e partituras cedidas peloanfitrio, executam um quarteto de Pleyel.

    ROGRIO BUDASZDoutor em musicologia (Phd) pela Universidade do Sul da Califrnia, mestre em musicologia pela Universidade de So Paulo

    e professor da Universidade Federal do Paran.

  • HARRY CROWL

    A msica noBrasil Colonial

    anterior chegada da

    Corte deD. Joo VI

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  • OS AVANOS DOS ESTUDOS MUSICOLGICOS NOS

    LTIMOS ANOS, NA REA DA MSICA PRODUZIDA

    NO BRASIL NA POCA DA COLNIA, TM APONTADO

    SEMPRE PARA UM FATO QUE J NOS PARECE

    IRREVERSVEL DESCONHECE-SE TODA A MSICA

    PRODUZIDA EM TERRAS BRASILEIRAS EM PERODO

    ANTERIOR SEGUNDA METADE DO SCULO XVIII.

    ASSIM COMO TAMBM DESCONHECEMOS A MAIOR

    PARTE DO QUE SE PRODUZIU NAS REGIES NORTE

    E NORDESTE EM TODA A POCA COLONIAL.

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    Em Recife, encontramos o nome de Lus lvaresPinto (1719-1789). Esse compositor, regente, poeta eprofessor viajou, por volta de 1740, para Lisboa, ondeestudou com Henrique da Silva Negro, organista dacatedral de Lisboa, e que foi discpulo de Duarte Lobo.Na poca em que viveu na capital portuguesa, elecompunha, tocava violoncelo na Capela real, faziacpias de msica e dava aulas em casas de nobres.Na relao de msicos portugueses publicada porJos Mazza, em 1799, ele informa o seguinte sobreesse compositor: Luis Alvares Pinto naturalde Pernambuco, excelente Poeta Portugus e Latino,muito inteligente na lngua Francesa, e Italiana;acompanhava muito bem rabeco, viola, rabeca veioa Lxa aprender contraponto com clebre Henrique daSilva, tem composto infinitas obras com muito acertoprincipalmente eclesisticas; comps (ultimat.e humasexequias) morte do Senhor Rey D. Jos o primeiroa quatro coros, e ainda em composies profanas temescrito com muito aserto (sic).

    Em 1761 j estava de volta a Pernambuco,profissionalmente atuante. Nesse mesmo ano escreveua Arte de Solfejar, cujo manuscrito encontra-sena Biblioteca Nacional de Lisboa. Foi responsvelpela formao de vrios msicos e mestres-de-capela.L. A. Pinto foi tambm militar, tendo tido a patentede capito do regimento de milcia confirmadatambm em 1766.

    Lus lvares Pinto foi tambm um dos primeiroscomedigrafos nascidos no Brasil. Sua pea teatral emtrs atos, Amor Mal Correspondido, foi encenada em 1780.Em 1782, por ocasio da inaugurao da igrejade So Pedro dos Clrigos, foi confirmado na funode mestre-de-capela, cargo que j desempenhava desde1778 e que ocupou at 1789, ano de seu falecimento.

    De suas poucas composies que alcanaramos nossos dias restaram apenas um Te Deum alternado,cuja orquestrao perdeu-se, e um Salve Regina para trsvozes mistas, violinos I e II e baixo contnuo. Constaainda ter composto trs hinos a Nossa Senhora daPenha, um hino a Nossa Senhora do Carmo, um hinoa Nossa Senhora Me do Povo, um Ofcio da Paixo,matinas de So Pedro, matinas de Santo Antnio,novenas, ladainhas e sonatas.

    Oconjunto da produo musical encontrado na capitania-geral das Minas Gerais, na poca do ciclo do ouro,tornou-se a referncia mais antiga da produo musicalartstica no Brasil. Salvo alguns poucos exemplosisolados de manuscritos encontrados em outras regiesdo pas, a produo mineira consistiu-se no primeirogrande conjunto de obras musicais disponveis parao desenvolvimento de um estudo mais aprofundadosobre a expresso musical no pas.

    Apesar do deslocamento do eixo econmico paraa regio das Minas Gerais, nas capitanias-gerais daBahia e Pernambuco que encontraremos as refernciasmusicais comprovadamente mais antigas do Brasil.Considerando que as descobertas de Mogi-das-Cruzesna dcada de 1980 apontam para as prticaspolifnicas portuguesas anteriores ao sculo XVIII,somos obrigados a retomar a antiga capital da colnia,Salvador, como ponto de partida para qualquerconsiderao que queiramos fazer sobre a msicaexclusivamente escrita no Brasil, na poca anterior independncia poltica. Sendo a regio por ondeiniciou-se a colonizao, a Bahia apresenta nessapoca uma sociedade j relativamente sedimentada,se comparada com as demais regies da Colnia.Poderamos acrescentar a Capitania de Pernambucocomo a segunda regio mais importante do pontode vista scio-cultural e econmico. Nesse sentido,o achado mais importante at agora uma obrade carter profano, annima, composta em 1759,denominada Recitativo e ria. Esse manuscrito parasoprano, violinos I e II, e baixo contnuo, datado de2/7/1759, est dedicado a Jos Mascarenhas PachecoPereira de Mello, um importante magistrado daCasa de Suplicao, a suprema Corte de Justiade Portugal, na poca. Essa composio, que estbaseada num texto vernculo, tambm de autoriadesconhecida, uma laudatria em homenagemao referido magistrado, que estava ligado AcademiaBraslica dos Renascidos, uma sociedade intelectualsemelhante Arcdia Romana. O referidomagistrado estava recm-restabelecido de uma longaenfermidade e, ao que parece, o Recitativo e riafoi composto especialmente para receb-lo numadas reunies da Academia.

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    Se Luis lvares Pinto foi o nico compositornascido no Brasil que teve a oportunidade de estudarem Lisboa de acordo com a documentaoconhecida at o momento , por outro lado,o portugus Andr da Silva Gomes (Lisboa, 1752 So Paulo, 1844) foi um msico enviado pelametrpole, no sculo XVIII, para ocupar a funode mestre-de-capela numa vila importante da colnia.Pouco se sabe sobre sua formao musical, apenas quefoi discpulo de Jos Joaquim dos Santos (ca. 1747 1801?), compositor portugus aluno do napolitanoDavid Perez (1711 1778), importante msico quesistematizou o ensino musical em Portugal, cujas obrasforam amplamente difundidas inclusive no Brasil.Andr da Silva Gomes nasceu em Lisboa em 1752 eveio para o Brasil em maro de 1774. Assim quechegou, foi contratado para ocupar o cargo de mestre-de-capela da S de So Paulo, tornando-se o quartoocupante da funo. Suas atividades foram intensas,

    pois, ao que parece, havia uma necessidadede reorganizao dos servios musicais da S. Desdesua chegada at 1801, foi tambm o responsvel pelamsica nas festas reais anuais da Cmara de So Paulo.Silva Gomes teve vrios discpulos e agregados, entreeles futuros mestres-de-capela e organistas, como foio caso de Bernadino Jos de Sena, que foi seu agregadoem 1776 e mais tarde, desempenhou o cargode organista na vila de Nossa Senhora do Rosriode Pernagu, atual Paranagu, PR.

    Como j acontecia nas demais partes da colnia,o compositor precisou atuar em outras profisses parapoder sobreviver. Aps requerer algumas funes quelhe permitiriam independncia econmica em relao capela da msica da S, foi nomeado interinamente,em 1797, para o cargo de professor rgio de gramticalatina da cidade de So Paulo, tendo sido efetivado porD. Maria I no cargo de professor de latim em 1801.Andr da Silva Gomes abandonou todos os servios

    Apesar do deslocamento do eixo econmicopara a regio das Minas Gerais, nas capitanias geraisda Bahia e Pernambuco que encontraremos as refernciasmusicais comprovadamente mais antigas do Brasil.

    J. J. Emerico Lobode Mesquita.Trcio (1783).Fotografiado originalautgrafo.FUNARTE

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    musicais alm da S, de cujo salrio abriu moem benefcio da capela de msica da catedral, que nodeixou por solicitao expressa do bispo. As primeirascomposies de A. da Silva Gomes, datadas eassinadas, remontam ao ano de sua chegadaa So Paulo, 1774. Trazidas de Portugal ou copiadasaqui por ele, existem diversas obras de compositoresportugueses e italianos, na maioria salmos. Compsmais de uma centena de obras. Muitas delas foramrecopiadas posteriormente por outros, sem que setranscrevesse o nome de seu autor. Suas composiesmais notveis so a Missa a 8 vozes e instrumentose a Missa a 5 vozes. Sua ltima composio foi umaMissa de Natal, 1823, composta para ser executada naMatriz da Freguesia de Acutia (atual Cotia, SP), ao queparece, uma adaptao de outra obra bem anterior.

    No ltimo quartel do sculo XVIII aparece aindao nome de Theodoro Cyro de Souza como mestre-de-capela na catedral da Bahia. Esse o ultimo caso denomeao direta de Portugal para o cargo em Salvador,e tambm o primeiro compositor a atuar na regiodo qual encontramos exemplos musicais concretos.Nascido em Caldas da Rainha, Portugal, em 1766,Theodoro Cyro de Souza recebeu sua formaomusical no Seminrio Patriarcal em Lisboa,provavelmente sob a orientao de Jos Joaquim dosSantos. Em 1781, partiu de Lisboa para Salvador, ondeassumiria a funo de mestre-de-capela, como patrocnio de D. Pedro III, da mesma maneira comoocorrera com Andr da Silva Gomes, em So Paulo.

    A obra de Theodoro Cyro de Souza parece tergozado de considervel reputao em toda a regio,pois sua nica composio encontrada no Brasil ato momento, os Motetos para os passos da Procisso doSenhor, uma cpia do final do sculo XIX realizada

    em Alagoinhas BA, que foi localizada numa coleode msica para a Semana Santa, annima, provenientede Propri SE, divulgada numa primeira transcriopor Alexandre Bispo.

    MSICA NAS MINAS GERAIS

    O isolamento imposto pela Coroa portuguesa, assimcomo o prprio afastamento geogrfico da regio daCapitania-Geral das Minas Gerais, far com que toda aorganizao da vida cotidiana, religiosa e cultural dessaparte do Brasil torne-se um tanto peculiar, necessitando,assim, de critrios especficos para sua avaliao.

    A descoberta do ouro trouxe enormes benefciospara a Coroa portuguesa, como j se sabe. A partirde 1696, a grande movimentao humana em direoao interior do continente fez com que as autoridadesportuguesas regulamentassem a ocupao dessasregies. Preocupados com o contrabando de riquezas,a Coroa viu-se forada a proibir a entrada de ordensmonsticas nas regies recm-ocupadas. Devidoao fato de que o Estado portugus e a Igreja Catlicaformavam uma espcie de unidade corporativa desdeo sculo XVI, a inviolabilidade dos mosteirose conventos era uma realidade aparentementeirreversvel. Portanto, ao mesmo tempo em quea autoridade eclesistica representava o Estado, elatambm possibilitava o contrabando de ouro e pedraspreciosas diante das autoridades civis, sem que essaspudessem fazer muito a respeito. Diante de tal situao,muito comum nas regies do Nordeste brasileiro,determinou-se que toda a vida religiosa na regiodas minas fosse organizada por ordens leigas,ou irmandades formadas por homens comuns,que deveriam contratar todos os servios relativosao bom desempenho das funes religiosas.

    Na verdade, o denominativo pardo foi criadopelos portugueses para no haver distino entrenegros forros, mulatos ou mesmo brancosnativos sem posses ou posio social.

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    Essas irmandades eram denominadas tambmcomo ordens terceiras, confrarias e arquiconfrarias,de acordo com sua importncia na comunidade.Eram distribudas por etnias, ou seja, homens brancos,pardos ou negros. O Estado colonial incentivavaa rivalidade entre essas agremiaes, que cuidavamde desde a construo da igreja at a contrataode artistas para a realizao da decorao interna,talha, escultura e pintura, assim como a contrataode msicos para a criao e interpretao da msicaque deveria ser usada nas cerimnias. A maior partedos msicos e artistas atuantes na regio era parda,ou seja, de sangue mestio de brancos e negros.Na verdade, o denominativo pardo foi criado pelosportugueses para no haver distino entre negrosforros, mulatos ou mesmo brancos nativos sem possesou posio social.

    A informao mais antiga que temos a respeitode um compositor ou regente ou organista, na antigaVila Rica, a de que Bernardo Antnio recebeua soma de 200 oitavas de ouro pela msica anualde 1715. Esse dado consta no livro de receitas edespesas da Irmandade de Santo Antnio. Ainda naprimeira metade do sculo XVIII, encontramos osnomes de Francisco Mexia e de Antnio de SouzaLobo, em Vila Rica, assim como o do Mestre Antniodo Carmo, em So Joo del Rei. Todas as notciasrelativas msica em Minas no sculo XVIII estorestritas aos livros manuscritos de receitas e despesasdas irmandades. No h registros de nomeaesou informaes impressas sobre os compositores, poisa imprensa inexistia na colnia. O cargo de mestre-de-capela era um privilgio das sedes de bispado, portantosomente a vila de Mariana contava com nomeaespara essa funo. Nas demais vilas encontramosa denominao de responsvel pela msica, o queno implicava um cargo permanente, pois um msicoresponsvel pelo servio em um ano determinadopoderia ser substitudo no ano seguinte.

    A documentao musical propriamente ditaencontrada at o momento concentra-se numaproduo posterior a 1770. Na condio de capitalda capitania, Vila Rica, atual Ouro Preto, foi localde atividade mais intensa durante o perodo de final

    do sculo XVIII at por volta de 1850.O compositor mais antigo cuja obra parcialmente

    conhecida Igncio Parreiras Neves (ca. 17301794?).A aluso mais remota ao seu nome a de seu ingressona Irmandade de So Jos dos Homens Pardos,em 16/4/1752. A partir da, seu nome aparece comoregente-compositor e cantor (tenor), em vrias ocasiesat 1793, atuante em quase todas as Irmandadese Ordens 3as de Vila Rica. De sua obra, conhecemosapenas trs exemplos bem distintos entre si. So eles:o Credo em R maior, a Antfona de Nossa Senhora SalveRegina e a Oratria ao Menino Deus na Noite de Natal.Nenhuma dessas obras est datada. A mais curiosade todas a Oratria. Trata-se de uma composiosobre texto vernculo em portugus. a nicado gnero encontrada at agora no Brasil. No perodoem que Parreiras Neves atuou como cantor, dois outrosmsicos importantes foram seus colegas no conjuntovocal. So eles: Francisco Gomes da Rocha e FlorncioJos Ferreira Coutinho. Considerando o fato de queesses msicos eram mais novos e que atuaram juntospor mais de 15 anos, acreditamos que esses doistenham sido discpulos de I. P. Neves. No h qualquerindicao de como esses msicos que viveram naregio das minas aprenderam a arte da solfa. Noh meno em qualquer documento da existnciade alguma escola de msica. Portanto, a resposta maisrazovel seria a de que eles se desenvolveram numprocesso de iniciao que seguia o modelo de relaomestre/discpulo, como no caso dos artistas plsticos,

    Lus lvaresde Azevedo Pinto.Te Deum Laudamus.Secretariade Educaoe Cultura dePernambuco, 1968.Restauraodo Padre Jaime Diniz.FUNARTE

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    como j pode ser constatado.Francisco Gomes da Rocha (1754?1808) ingressou

    na Irmandade da Boa Morte da Matriz de NossaSenhora da Conceio, na Freguesia de Antnio Dias,em julho de 1766, e na Irmandade de So Jos doshomens Pardos, em junho de 1768.

    Em todas essas confrarias, ocupou cargosimportantes, como o de escrivo e tesoureiro.Apresentou-se como regente e contralto em inmerasfestividades, durante longo perodo da segunda metadedo suclo XVIII. Foi tambm timbaleiro da tropa delinha, segundo o recenseamento de 1804. Nesse mesmorecenseamento consta que Gomes da Rocha contavacom 50 anos na poca do mesmo, tendo, portanto,nascido em 1754. De sua produo, conhecemosapenas uma parte mnima, que so as obrasInvitatrio a 4 para 4 vozes, 2 trompas, violinos Ie II, e baixo contnuo; Novena de Nossa Senhora do Pilar,de 1789, para 4 vozes, 2 trompas, vln. I e II, violae baixo contnuo; Spiritus Domine, de 1795, para2 coros, 2 obos, 2 trompas, vln. I e II, viola e baixocontnuo. H ainda uma obra incompleta,as Matinas do Esprito Santo, tambm de 1795.

    Florncio Jos Ferreira Coutinho (17501820) foiregente, cantor (baixo) e trombeteiro do Regimentode Cavalaria Regular. Por trs vezes foi contempladocom a contratao para a realizao do servio anualdas festas oficiais do Senado da Cmara de Vila Rica.Em 1770, entrou para a Irmandade de So Josdos Homens Pardos, que lhe registrouo falecimento em 10/06/1820.

    Outros trs compositores de Vila Rica quemencionaremos so Marcos Coelho Neto (1746?1806), Jernimo de Souza Queiroz (17..1826?)e o Pe. Joo de Deus de Castro Lobo (Vila Rica,1794 Mariana, 1832).

    Coelho Neto, que era trompista, clarinista(trompetista), timbaleiro do 9 Regimento, almde compositor e regente, exerceu ainda, segundodocumento localizado no cartrio do 1 ofcio de OuroPreto pelo professor Ivo Porto de Menezes, o ofcio dealfaiate. Em 1785 foi designado pelo Governador-GeralLus da Cunha Menezes para reger a msica de trsperas e dois dramas reais, por ocasio dos festejos

    LUS LVARES PINTO: TE DEUM

    MANOEL DIAS DE OLIVEIRA: MISERERE E MAGNIFICAT

    IGNCIO PARREIRAS NEVES: SALVE REGINA

    Negro Spirituals au Brsil Baroque

    Direction: Jean-Christophe Frisch. K617113 - Frana

    LUS LVARES PINTO: TE DEUM

    Camerata Antiqua de Curitiba

    Regncia: Roberto de Regina. PAULUS 11563-0 - Brasil

    IGNCIO PARREIRAS NEVES:

    ORATRIA AO MENINO DEUS NA NOITE DE NATAL

    Americantiga Coro e Orquestra de Cmara

    Direo: Ricardo Bernardes.

    AMERICANTIGA PLCD51837 - Brasil

    ANDR DA SILVA GOMES:

    MISSA A 8 VOZES E INSTRUMENTOS

    Orquestra Barroca do 14 Festival Internacional de Msica

    Colonial Brasileira e Msica Antiga de Juiz de Fora

    Direo: Lus Otvio Santos

    CD 14 Festival - PR-MSICA/ Juiz de Fora, MG - Brasil

    VENI SANCTE SPIRITU

    Americantiga Coro e Orquestra de Cmara

    Direo: Ricardo Bernardes

    AMERICANTIGA, Vol. I PLCD51837 - Brasil

    JOS JOAQUIM EMERICO LOBO DE MESQUITA:

    MISSA EM MI BEMOL MAIOR

    Orquestra Barroca do 12 Festival Internacional de Msica

    Colonial Brasileira e Msica Antiga de Juiz de Fora

    Direo: Lus Otvio Santos

    CD 12 Festival - PR-MSICA/ Juiz de Fora, MG - Brasil

    MATINAS PARA QUINTA-FEIRA SANTA

    Orquestra Barroca do 11 Festival Internacional de Msica

    Colonial Brasileira e Msica Antiga de Juiz de Fora

    Direo: Lus Otvio Santos

    CD 11o.Festival - PR-MSICA/ Juiz de Fora, MG - Brasil

    MATINAS DE SBADO SANTO

    Calope

    Direo: Jlio Moretzsohn

    Museu da Msica da Mariana III (CD - MMM III). Mariana, MG -

    Brasil

    MISSA PARA 4a FEIRA DE CINZAS

    Calope

    Direo: Jlio Moretzsohn. CAL-001 Rio de Janeiro, RJ - Brasil

    PE. JOO DE DEUS DE CASTRO LOBO:

    MATINAS DE NATAL

    Coral Porto Alegre e Orquestra

    Regncia: Ernani Aguiar

    CD - FUNPROARTE, Prefeitura de Porto Alegre. Porto Alegre,

    RS - Brasil

    DISCOGRAFIA

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    do casamento dos infantes D. Joo e Mariana Vitria.Em 1804, ano do recenseamento geral de Vila Rica,o compositor declara contar com 58 anos, tendonascido, portanto, em 1746. De sua obra, podemos citaro hino Maria Mater Gratiae, de 1787, o Salve Reginade 1796, e a Ladainha em R Maior, denominadaem alguns manuscritos como Ladainha das Trompas.

    Seu filho, tambm chamado Marcos Coelho Neto,foi trompista e trombeteiro do 19 Regimento.Em 1804, ele declarou ter 28 anos. Faleceu em 1823.

    Acreditamos que as obras que levam o nomede Marcos Coelho Neto so da autoria do pai, poisapresentam caractersticas formais muito semelhantesentre si, e o filho seria demasiadamente jovem quandoo hino Maria Mater Gratiae foi composto.

    Jernimo de Souza Queiroz foi organistae organeiro. Era filho do portugus Jernimo de SouzaLobo Lisboa e Anna Maria Queiroz Coimbra.Seu nome tem sido freqentemente confundido como de seu pai, pois Souza Lobo foi, igualmente, umimportante msico em Vila Rica. Souza Queiroz atuouna Irmandade do Santssimo Sacramento do Pilar entre1798 e 1801. Em 1826, comps a Missa e Credoa 4 vozes com acompanhamento drgo. A dataexata do seu falecimento ainda ignorada, no tendo oseu nome aparecido em qualquer referncia aps 1826.

    De sua obra, dispomos hoje de uma coleoaproximada de 20 manuscritos. Suas composiesmais importantes so: Credo em R Maior; Missa e Credoa 4 para coro e rgo (1826); Zelus Domus Tuae(Ofcio de 4a feira santa); Astiterunt Reges Terrae (Ofciode 5a feira santa); In Pace (Ofcio de 6a feira santa).

    O ltimo grande compositor ativo em Vila Rica

    foi, sem dvida, o Pe. Joo de Deus de Castro Lobo(1794-1832). As primeiras notcias da atividade musicaldo Pe. Joo de Deus datam de 1810, quando seu nomeaparece como o responsvel pela regncia datemporada de pera em Vila Rica. De 1817 a 1823,atuou como organista da Ordem 3a do Carmo,alternadamente, a partir de 1819, com sua formaosacerdotal no Seminrio de Mariana, que secompletar em 1821. Apesar de ter falecido bastantejovem, em 1832, o Pe. Joo de Deus foi um doscompositores mais ousados de sua poca, escrevendoobras de grande dificuldade tcnica tanto para as vozesquanto para os instrumentos. Pe. Joo de Deus deixouvariada obra litrgica, alm da Abertura em R-Maior,que o nico exemplar de msica puramenteinstrumental encontrado em Minas pelo autordo presente texto.

    Suas principais composies so: Missa e Credoa 8 vozes e orquestra; Missa a 4 vozes em R maior; Matinasde Natal; Matinas de Nossa Senhora da Conceio; Te Deum(1822); 6 Responsrios Fnebres (1832).

    O compositor faleceu em Mariana, aos 38 anosde idade, em 1832.

    Antes do Pe. Joo de Deus, Mariana, comosede do bispado, foi um centro musical de grandeimportncia, sendo que a funo de mestre-de-capelafoi criada pelo primeiro bispo D. Frei Manoel da Cruz.Ainda na dcada de 1750, chega S de Marianao rgo Arp Schnitger, fabricado em Hamburgo,no norte da Alemanha, originalmente para servirem Lisboa. Esse instrumento foi uma doao do reiao bispado e considerado, hoje, como o rgo ArpSchnitger mais importante fora da Europa.

    Ainda na dcada de 1750, chega S de Marianao rgo Arp Schnitger, fabricado em Hamburgo, no norteda Alemanha (...) Esse instrumento foi uma doaodo rei ao bispado e considerado, hoje como o rgoArp Schnitger mais importante fora da Europa.

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    Outro compositor importante que provavelmenteatuou em Mariana foi Francisco Barreto Falco,procedente da Vila de Sabar. Algumas de suas obrasencontram-se em manuscritos, no Museu da Msicade Mariana.

    Da avaliao que se pode fazer at o momentoda produo musical de Vila Rica de Nossa Senhorada Conceio do Sabarabussu, atual Sabar,percebemos que a produo musical de l foiigualmente intensa, porm a perda da documentaomusical foi ainda maior que em outros lugares.

    Alm de Francisco Barreto Falco, que atuou emMariana, encontramos Manuel Jlio da Silva Ramos(1763-1824), que foi descoberto pelo musiclogo RgisDuprat. O compositor Manuel Jlio apareceexercendo funes musicais na Vila de Atibaia, SP,em 1808. autor de um Credo, cuja linguagem estbem prxima da dos demais compositores.

    As Vilas de So Jos e So Joo del-Reidesempenharam tambm um importante papel naproduo musical do perodo. O compositor de maiordestaque da regio , sem dvida, Manuel Diasde Oliveira (1735 1813). Organista e regente, essecompositor jamais atuou fora de sua regio, ondefoi organista na Matriz de Santo Antnio de So Josdel-Rei (atual Tiradentes).

    A maior parte das obras atribudas a Manuel Diasde Oliveira apresenta, s vezes, estilos muito diferentesentre si, fazendo com que coloquemos em dvida boaparte do conjunto de obras que hoje conhecemos.

    Em So Joo del-Rei, os compositores maisimportantes so Antnio dos Santos Cunha,Pe. Manuel Camelo, Joo Jos das Chagas, FranciscoMartiniano de Paula Miranda e Loureno JosFernandes Braziel.

    Santos Cunha representa, juntamente comoPe. Joo de Deus, o incio das influncias romnticasna msica produzida na regio das minas. Essecompositor atuou em So Joo entre 1815 e 1825;ignoram-se as datas de seu nascimento e morte.

    A primeira notcia escrita de atividade musicalem So Joo del-Rei data de 1717, quando oGovernador da Capitania de Minas Gerais, Dom Pedrode Almeida e Portugal, conde de Assumar, fez umavisita antiga vila.

    O manuscrito de Samuel Soares de Almeida relataminuciosamente a recepo, descrevendo desdea marcha de entrada da comitiva na vila at asolenidade na Igreja Matriz, ao som de msicaorganizada pelo mestre Antnio do Carmo. Na Igrejafoi entoado o Te Deum, que foi seguido por todoo clero e msica, o que provavelmente indica umaforma alternada de canto em polifonia com os padrescantando um verso gregoriano e o conjunto musicalrespondendo com um verso musical, tal como se faz,ainda hoje, na cidade.

    Da em diante, o mestre Antnio do Carmoresponsabiliza-se pela parte musical de importantesfestas realizadas na vila. Em 1724 dirigiu a msica nasolenidade de beno da nova Matriz. Quatro anosdepois, organizou a msica para a festa de So JooBatista, promovida pelo Senado da Cmara, e, em1730, os desponsrios dos Serenssimos PrncipesNossos Senhores. Pe. Manuel Camelo parece sero compositor mais antigo do qual conhecemos algumexemplo musical. Trata-se de uma Antfona:Flos Carmeli. Loureno Jos Fernandes Braziel atuouem fins do sculo XVIII e incio do XIX, sendo queo inventrio de seus bens nos d uma viso bastanteampla do tipo de repertrio que era conhecido pelos

    A maior parte das obras atribudas a Manuel Diasde Oliveira apresenta, s vezes, estilos muito diferentesentre si, fazendo com que coloquemos em dvidaboa parte do conjunto de obras que hoje conhecemos.

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    compositores mineiros da poca. Joo Jos das Chagase Francisco Martiniano de Paula Miranda socompositores tambm representativos da msicado incio do sculo XIX.

    Na Vila de Tamandu (atual Itapecerica) apareceo nome de Jos Rodrigues Dominguez de Meirelescomo msico. Em poca ignorada, esse compositortransferiu-se para a Vila de Nossa Senhora da Piedade(atual Pitangui). De sua obra, a referncia mais antigaque temos uma pgina de rosto existente no Museuda Msica de Mariana; trata-se de uma Antfonade Santo Antnio, de 1797, que se encontra perdida.Existe ainda, no Museu da Msica, uma AntfonaPortuguesa a Sta. Rita. As demais obras encontradasso: Ofcio de Domingo de Ramos (1810); Ofcio de 4a feirade Trevas Zelus Domus (1811); Ofcio de 5a feiraAstiterunt (1811); Ofcio de Finados, todas completas.Todas essas obras esto no Arquivo Curt Lange,em Ouro Preto. Consta no arquivo que pertenceuao Maestro Vespasiano Santos, em Belo Horizonte,a ria a solo Oh Lingua Benedicta, de 1815.

    Em 1985, foram descobertas pelo autor deste texto,uma Trezena de Santo Antnio e um Dominead Adjuvandum de Dominguez de Meireles.

    Outro importante compositor Joaquim de PaulaSouza, o Bonsucesso, de Prados, que deixou umaMissa em Sol Maior e outra em D Maior. Na regiodiamantina, ou seja, da Vila do Prncipe do Serrodo Frio (atual Serro) e do Arraial do Tejuco (atualDiamantina), atuaram Jos Joaquim Emerico Lobode Mesquita (1746?1805), Jos de Paiva Quintanilha(sculo XVIII/XIX) e Alberto Fernandes de Azevedo(sculo XVIII/XIX).

    Lobo de Mesquita atuou como organistae compositor na Vila do Prncipe at por volta de 1775,quando se transferiu por motivos desconhecidos parao Arraial do Tejuco. Sua obra datada mais antiga queconhecemos a Missa para Quarta-feira de Cinzas,de 1778, para 4 vozes, violoncelo obligatto e rgo

    (baixo contnuo), o que mostra que o compositor,muito provavelmente, j atuava como organistanessa poca. Em 1792, encarregou-se de compor umOratrio para a Semana Santa, que se encontra perdido.Em 1795 abandonou o Carmo e em 1798, o Arraialdo Tejuco, por problemas financeiros, indo instalar-seem Vila Rica, onde viveu por um ano e meio. Coma decadncia da Vila e a falta de melhor remuneraopara o seu trabalho, Lobo de Mesquita abandonaVila Rica em 1800, passando o cargo que ocupava naOrdem 3a do Carmo para Francisco Gomes da Rocha.A partir de dezembro de 1801 at a morte, tocava nasmissas da igreja da Ordem 3a do Carmo, no Riode Janeiro, em troca de 40 mil ris. O compositorfaleceu em 1805. Como todos os outros compositoresde sua poca, a maioria de sua obra se perdeu.Algo em torno de 60 manuscritos chegaramat os nossos dias.

    Jos de Paiva Quintanilha atuou na Vila doPrncipe durante toda a sua vida e, ao que parece, peloestilo de sua Missa em Sol Maior, foi discpulo de Lobode Mesquita. Desse mestre, no momento, poucopodemos dizer alm de que recebeu, da Irmandade doSantssimo Sacramento da Vila do Prncipe, paracompor a msica da Semana Santa de 1790, 1792, 1807e 1808, e que seu nome figura numa relao demsicos da Irmandade de Santa Ceclia no perodode 1817 a 1838.

    O nome de Alberto Fernandes de Azevedoaparece no perodo de 18041805 na Capela dasMercs do Tejuco, tendo entrado para esta Irmandade,segundo Curt Lange, em 24/9/1799. Em 1818 e 1819foi encarregado de compor a msica para cravo paraa Semana Santa para a Irmandade do SantssimoSacramento da Matriz de Santo Antnio, no Tejuco.Apenas duas obras suas chegaram at os nossos dias:Gradual Veni Sancte Spiritus para quatro vozes, violinoI e II, viola, trompas e baixo; e uma Encomendaopara quatro vozes e baixo.

    HARRY CROWLCompositor e musiclogo. Tem obras apresentadas no Brasil e em vrios pases. Prof. da Escola de Msica e Belas Artes do Paran.

    Diretor artstico da Orquetra Filarmnica Juvenil da Universidade Federal do Paran.Produtor de programas da Rdio Educativa do Paran e da Rdio MEC. Presidente da Sociedade Brasileira de Msica Contempornea (20022005).

  • MSICA NA CORTE DO BRASIL

  • OPROF. DR. MAURCIO MONTEIRO

    1808-1821

    EntreApolo e Dionsio

    s projetos de transferncia da Corte somente seconcretizaram no perodo em que as incursesnapolenicas ameaaram o Estado de Portugale a continuidade da casa de Bragana. Nos inciosdo sculo XIX, diante do medo e das ameaas quelevariam perda do poder e de partes do territrio

    portugus, as opinies sobre a retirada da Famlia Reale dos cortesos para o Brasil no foram unnimes.Para alguns se tratava de uma traio; para outros,estratgia. Podia ser, em outras palavras, tantoo abandono do povo e do trono, como o nico recursocapaz de manter a casa monrquica, tendo em vista asameaas de Napoleo. O marqus de Alorna j haviaalertado, paradoxalmente, Corte portuguesa paraos perigos de permanncia da Corte em Portugal, naiminncia do ataque francs, e para os benefcios que

    Na pgina ao lado: Henrique Bernardelli.Jos Maurcio tocando para D. Joo VI.MUSEU HISTRICO NACIONAL

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    essa mesma retirada estratgica poderia gerar. Parao marqus de Alorna, foi estratgica e importantea vinda de D. Joo VI e da Famlia Real para o Brasil,porque daqui, como um imperador em um vastoterritrio, os domnios poderiam expandir-see o monarca poderia conquistar facilmente as colniasespanholas e aterrar em pouco tempo as de todas aspotncias da Europa1. As recomendaes do marqusde Alorna no foram novidades nos incios do sculoXIX em Portugal. No foi tambm a primeira vez queos franceses incomodaram a monarquia portuguesa,e muito menos era nova a aliana com os ingleses.Desde os tempos de D. Joo III, depois nos reinadosde D. Joo IV e de D. Luza de Gusmo, a monarquiaj admitia um projeto de se instalar fora das mediaesde Portugal e se estabelecer em algum lugardo ultramar. Ou porque temia as interferncias dosestrangeiros como no caso dos franceses na primeirametade do sculo XVII e na derradeira expansonapolenica nos incios do sculo XIX, ou porquerealmente confiavam no potencial econmicodo Brasil, a Corte portuguesa pretendeu, durantequatro sculos, retirar-se de Portugal2. Se pensarmoscomo pensou o marqus de Alorna, a emotividade comque a carta foi escrita e a estratgia que ela propunha,a retirada da Famlia Real para o Brasil era necessriahavia muito tempo e inevitvel, diante as ameaasde Junot. No bastava somente uma retirada nemas lembranas de uma terra promissora, que por direitode conquista deveria acolher o prncipe e sua famlia.Foi preciso ainda reforar, nesse caso comoum atrativo para a retirada, as dimenses da colniae a possibilidade da conquista de territrios vizinhos.

    Como estratgia poltica ou como reao queprevia a expanso francesa, o prncipe regente, suame debilitada, a princesa Carlota Joaquina e seusfilhos, vieram para o Brasil e aqui se estabeleceram por13 anos, com seus costumes e suas prticas. A primeiramudana foi acolher um nmero estimado de reinisentre 10.000 e 15.000 indivduos; a segunda, jno plano das perdas e da autoridade, comeou nosdespejos. Para toda populao que tinha uma dasresidncias das mais excelentes, ou pelo menoshabitvel, estaria sujeita, mais por obrigao

    que por espontaneidade, a ceder sua residnciaaos portugueses. As autoridades coloniais mandarammarcar nessas casas as iniciais P. R. impressas nasportas das casas; seriam para uns, Prncipe Regente,para outros, Ponha-se na Rua3. Com a instalaoda Corte e com as medidas tomadas por D. Joo, asrelaes com os estrangeiros foram mais abrangentes.Spix e Martius mostram que vrios pases vendiamprodutos para o Brasil: da Inglaterra vinham algodo,chitas, panos finos, porcelana e cerveja; de Gibraltar,vinhos espanhis; da Frana, artigos de luxo, jias,mveis, licores finos, pinturas e gravuras; da Holanda,cerveja, objetos de vidro e tecidos de linho; da ustria,relgios, pianos e espingardas; e vrios outros produtosda Alemanha, Rssia, Sucia, Estados Unidos, Guin,Moambique, Angola e Bengala4. O produto interno,a manufatura e a indstria, que ainda comeavama crescer no Brasil, no eram competitivos, nemem termos de gosto nem em termos de tecnologiada civilizao, com os da Europa. Os hbitosestrangeiros foram, dessa forma, assimilados peloscariocas, seja pela observao do outro, seja pelaimitao de seu comportamento.

    Durante todo o perodo joanino, houve no Riode Janeiro uma intensa atividade musical, distribudabasicamente em dois setores, o da Corte, ondea qualidade era imprescindvel, e o de fora da Corte,em que a funcionalidade era festiva e mtica. importante pensar nisto, numa complexidade quesurge no momento em que negros e mestios so

    Os msicos diletantes ouamadores dividiam-se entreos negros e mestios, com seuslundus, modinhas e batuques, ebrancos pobres que normalmentetinham uma outra ocupao,que lhes assegurava o sustento.

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    chamados para tocar em festas religiosas, muitas vezescom seus instrumentos tpicos e com suas prpriasinterpretaes. Arregimentar msicos, pintores e outrosartfices para algum trabalho ou para abrilhantaralguma festa em carter de urgncia foi uma medidacomum nos tempos de D. Joo VI. Na verdade eranecessrio atender um desejo de manter a pompa,a ostentao e a visibilidade de um gosto; mas para issoera necessrio que houvesse mo-de-obra suficiente.Muitas vezes no era possvel. Em algumas situaes,criava-se, literalmente, o artfice e arteso,normalmente uma maioria de negros, mestiose brancos pobres, cujo desejo e habilidade eramformulados pela ordem e obedincia. Em algumascircunstncias, para atender demanda musical,ou de outra atividade artesanal, o que valia era o poderde um sobre o outro. O caso dos msicos pobres,dos diletantes que estavam merc dessas relaesde poder, no foi diferente. Robert Southey chegaa falar de devotos msicos que eram chamadospara as festas das igrejas muitas vezes por gua5 .Os msicos diletantes ou amadores dividiam-se entreos negros e mestios, com seus lundus, modinhas

    e batuques, e brancos pobres que normalmente tinhamuma outra ocupao, que lhes assegurava o sustento.Entre esses diletantes, encontrava-se ainda algunsprofessores, mecnicos e barbeiros-cirurgies.

    No Rio de Janeiro j existia uma vida musicalsignificativa para aqueles tempos histricos, comcompositores ativos e importantes, como Lobode Mesquita, que saiu de Minas e foi para o Rio, mortoem 1806; Jos Maurcio Nunes Garcia, mestre-de-capela, compositor e organista que se tornou umadas maiores expresses da Histria da Msica noBrasil, e Gabriel Fernandes da Trindade, violinistae compositor, um dos mais prolficos instrumentistas daColnia e do Brasil Reino. Alm desses ilustres, tem-seainda o vasto universo dos annimos. A vinda daFamlia Real para o Brasil, juntamente com algunsdos compositores e intrpretes portugueses queserviram a Corte em Portugal, influenciou o estiloe as prticas desses msicos coloniais, construindouma nova percepo do gosto e uma nova maneirade observar o mundo das artes. O surgimento deinstituies de corte, como a Capela e Cmara Reais,favoreceu a expanso da atividade musical, criou mais

    Neukomm, Sigismund. Retrato de autoria de Ary Scheffer.FUNDAO BIBLIOTECA NACIONAL DIVISO DE MSICA E ARQUIVO SONORO

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    oportunidades de trabalho e redefiniu a hierarquiaentre os msicos. As famlias aristocrticas que vieramcom D. Joo VI, ou que aqui se aproximaram dele,contriburam com seus comportamentos e hbitosde ouvir msica em saraus e reunies sociais. Em tudoisso pode-se somar ainda a circulao de viajantese negociantes estrangeiros, a freqncia e a pompa queas festividades adquiriram e, sobretudo, a construodo Real Teatro de So Joo, palco ideal paraas representaes dramticas. Se os homens vo e vm,com eles circulam tambm as idias.

    A circulao de msicos estrangeiros no Rio deJaneiro joanino foi importante para o estabelecimentode uma prtica de corte, para sustentar a demanda demsica e, sobretudo, ajudar a construir um novo gosto,baseado em prticas cortess. A vinda dos cantorescastrados, o servio prestado por Marcos Portugal e emseguida a vinda de Neukomm foram acontecimentosimportantes que transformaram a idia da criao e darecepo musical. Todas essas mudanas ocorridas nosnveis sociais, culturais, administrativos e, sobretudo,mentais, criaram um outro espao e uma outra formade audincia das obras no perodo joanino. Classicismoe italianismo vieram, respectivamente, com SigismundNeukomm e Marcos Portugal. O que aconteceu nesseperodo em que a Famlia Real esteve no Brasil foiexatamente uma articulao desses estilos. Se a msicavocal se firmou no virtuosismo italiano, a msicainstrumental se baseou nos modelos do classicismovienense. As relaes da Casa de Bragana comas cortes da Europa, sobretudo com a Casa da ustria,se reforavam cada vez mais, atravs de questespolticas e convenincias matrimoniais.Acontecimentos como a vinda da Misso Artsticaem 1816 e o casamento da arquiduquesa D. Leopoldinacom D. Pedro I aproximavam os portugueses doscostumes e hbitos europeus.

    O que aqui denominamos por classicismoconviveu com o italianismo e com o colonialismo.Um se refere estilstica tipicamente germnicae austraca; outro, como diz o prprio termo queo define, a uma maneira de dramatizar e interpretarem termos de tcnica desenvolvida na Itlia e, por fim,uma situao poltico-administrativa, o colonialismo

    portugus no Brasil do tempo de D. Joo VI. Esseltimo termo tem significado histrico e prtico. Naverdade, pode-se sugerir a intensa e larga dependnciado Brasil com Portugal. Mesmo depois da instalaoda Corte, da elevao a Reino Unido, da coroao doPrncipe Regente, a situao dos trpicos no mudoumuito nas suas relaes externas. Classicismo, comHaydn (atravs das relaes Brasil-ustria e a vindade Neukomm), Mozart e Beethoven e o italianismooperstico, com as obras de Piccini, Cimarosa, DavidPerez, Salieri, Scarlatti, Rossini e a transferncia deMarcos Portugal, estiveram na colnia, absorvidos porJos Maurcio. Essas relaes so importantes paraa compreenso de uma estilstica resultante de prticascoloniais, de um novo gosto, que foi mantido coma Famlia Real no Rio de Janeiro e aos poucos foisendo construdo no Brasil. O gosto pela pera clssicaera cultivado pela Famlia Real portuguesa, sobretudopelo Prncipe Regente e depois rei do Reino Unidode Portugal, Brasil e Algarves, D. Joo VI. A peraitaliana do final do sculo XVIII e da primeira metadedo sculo seguinte reservava o carter virtuossticopredominantemente aos cantores castratti. Como umaextenso desse gosto, D. Joo VI incentivou a vindadesses cantores para a colnia, transportando,da melhor maneira possvel, o cenrio da prticamusical da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro.

    A circulao de msicosestrangeiros no Rio de Janeirojoanino foi importante parao estabelecimento de uma prticade corte, para sustentar ademanda de msica e, sobretudo,ajudar a construir um novo gosto,baseado em prticas cortess.

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    A imaginao individual era canalizadaestritamente de acordo com o gosto dos patronos.No Brasil Colonial, a religio, atravs das irmandades,e por vezes o poder poltico, atravs dos Senados e dasCmaras, ou de seus representantes mais ilustres,ditavam o gosto. Era preciso que o compositor tivessecomo princpio a funcionalidade da sua obra e a devidacorrespondncia com os aspectos morais e espirituaispermitidos ou em uso no seu espao social. A situaosocial do msico e a conseqente estilstica tomaram,a partir dos fins do sculo XVIII, um outro caminho:o interesse da coletividade cedeu lugar ao indivduoe o fim paulatino do anonimato consagrou a estticae o artista, agora com nome, endereo e personalidade.Na ustria, Haydn passou quase a vida toda a serviode prncipes, Mozart enfrentou-os e conquistou sualiberdade; Beethoven, aceito pela aristocracia, fez comque os prncipes admirassem sua arte; Neukommdesapontou a todos, aristocrticos e burgueses,e, embora tivesse a proteo de Charles Maurice deTalleyrand, preferiu uma vida mais ou menos nmade.

    No Brasil joanino, ser msico da Corte ainda erauma situao favorvel, por trs motivos bsicos:melhores oportunidades de mostrar sua arte, de tomarcontato com msicos estrangeiros e linguagensmodernas e, por fim, de garantir um status sociale financeiro em parte suficiente para viver em colnias.

    A msica praticada fora do crculo corteso foi tomultifacetada quanto a prpria sociedade; e, ainda