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A rejeição do Brasil à Copa do Mundo José Manuel Almendros Cerca de 55% dos brasileiros reprovam um Mundial cujo custo total ultrapassa 30 bilhões de reais Nos últimos anos, o Brasil tem se tornado um ator internacional ativo e protagonista. Hoje, o país é a sétima maior economia do mundo. Uma nação poderosa, avançada no setor de biotecnologia e rica em matérias-primas. Paralelamente ao seu crescimento, se desenvolveu um descontentamento generalizado na sociedade, cansada de corrupção, da insegurança e de um aumento continuo da inflação. Nesse cenário, diante dos quase dois milhões de pessoas que vivem jogadas nas ruas, tem surgido uma nova classe média com maior poder de compra, inquieta e mais exigente. Os protestos começaram há quase um ano apôs um aumento de 20 centavos, depois suspenso, no preço da passagem do transporte público em São Paulo. Até 1,2 milhão de pessoas tomaram a Avenida Paulista para protestar. As manifestações se voltaram contra a Copa das Confederações e desde então envolve a Copa do Mundo, que começa em 12 de junho. Assim, o Brasil, um país que ama a bola, agora rejeita o Mundial. O problema é o dinheiro que foi investido. As obras dos 12 estádios que sediarão jogos, estimadas inicialmente em 2,4 bilhões de reais, já ultrapassam 8 bilhões de reais. Um investimento total superior aos da Alemanha em 2006 e África do Sul em 2010 juntos. Apesar de o Governo tentar disfarçar, o desconforto é evidente. Agora mesmo parece controlado, mas basta com caminhar por alguma destas cidades para encontrar mensagens contrárias ao evento. A indignação se manifesta tanto em cartazes na rua "Nāo vai ter copa" quanto na conversa de qualquer boteco. “É a Copa da elite, da FIFA. Existem outras prioridades”. O orçamento para o torneio supera os 30 bilhões de reais. É o maior gasto da história das Copas, 10% a mais do que o inicialmente estipulado. No entanto, persistem problemas de infraestrutura em todo o país. Os projetos de mobilidade urbana, indispensáveis em um estado em que o tráfego é um problema endêmico, quase não avançaram. Os aeroportos estão inacabados e colapsam facilmente. O preço dos serviços subiu 8,75% em 2013,

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A rejeição do Brasil à Copa do Mundo José Manuel Almendros

Cerca de 55% dos brasileiros reprovam um Mundial cujo custo total ultrapassa 30

bilhões de reais

Nos últimos anos, o Brasil tem se tornado um ator internacional ativo e protagonista. Hoje, o país é a sétima maior economia do mundo. Uma nação poderosa, avançada no setor de biotecnologia e rica em matérias-primas. Paralelamente ao seu crescimento, se desenvolveu um descontentamento generalizado na sociedade, cansada de corrupção, da insegurança e de um aumento continuo da inflação.

Nesse cenário, diante dos quase dois milhões de pessoas que vivem jogadas nas ruas, tem surgido uma nova classe média com maior poder de compra, inquieta e mais exigente.

Os protestos começaram há quase um ano apôs um aumento de 20 centavos, depois suspenso, no preço da passagem do transporte público em São Paulo. Até 1,2 milhão de pessoas tomaram a Avenida Paulista para protestar.

As manifestações se voltaram contra a Copa das Confederações e desde então envolve a Copa do Mundo, que começa em 12 de junho. Assim, o Brasil, um país que ama a bola, agora rejeita o Mundial.

O problema é o dinheiro que foi investido. As obras dos 12 estádios que sediarão jogos, estimadas inicialmente em 2,4 bilhões de reais, já ultrapassam 8 bilhões de reais. Um investimento total superior aos da Alemanha em 2006 e África do Sul em 2010 juntos.

Apesar de o Governo tentar disfarçar, o desconforto é evidente. Agora mesmo parece controlado, mas basta com caminhar por alguma destas cidades para encontrar mensagens contrárias ao evento. A indignação se manifesta tanto em cartazes na rua "Nāo vai ter copa" quanto na conversa de qualquer boteco. “É a

Copa da elite, da FIFA. Existem outras prioridades”.

O orçamento para o torneio supera os 30 bilhões de reais. É o maior gasto da história das Copas, 10% a mais do que o inicialmente estipulado. No entanto, persistem problemas de infraestrutura em todo o país. Os projetos de mobilidade urbana, indispensáveis em um estado em que o tráfego é um problema endêmico, quase não avançaram.

Os aeroportos estão inacabados e colapsam facilmente. O preço dos serviços subiu 8,75% em 2013, enquanto o desperdício de dinheiro público enerva a população, que exige mais recursos para a educação e a saúde.

Neste ano, os protestos não pararam. Mas, a participação da população diminuiu consideravelmente. A causa do declínio dos participantes não é outro senão a violência.

Durante os eventos da Copa das Confederações de 2013, o grupo Black Bloc se infiltrou entre os manifestantes e impôs seu discurso anarquista com a queima de placas, ataques a bancos e confrontos diretos com a polícia. A maioria das pessoas quer se distanciar.

A segurança é um dos pontos que mais preocupa o Governo brasileiro, que concebeu um esquema complexo que integra as 12 cidades-sede da Copa do Mundo e no qual participarão 180.000 agentes, um número recorde.

Portanto, o grande conflito está dentro de casa. Com a eleição presidencial em 5 de outubro e os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016, a popularidade de Dilma despencou. A Copa do Mundo e as Olimpíadas vão exigir uma despesa total de 60 bilhões de reais. Em contraste, o impacto econômico será limitado, de acordo com um relatório da Moody’s. Dos 600.000 turistas esperados, a expectativa caiu pela metade. Só os hotéis, o comércio e a alimentação vão se beneficiar por um breve período.

Mas para a FIFA é um bom negócio. Até agora, suas receitas estão estimadas em 3,1 bilhões de reais. Uma pesquisa recente do Instituto Datafolha revela que 55% dos brasileiros acreditam que o Mundial vai trazer consigo mais prejuízos do que benefícios. Apenas 36% se mostram otimistas.

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