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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: IMPLICAÇÕES DA PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO NASTASSJA LOPES SILVA NÉTO BRASÍLIA - DF Março/2008 1

NASTASSJA LOPES SILVA NÉTO - core.ac.uk · acolhimento na cidade do Rio de Janeiro e na ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS E PESQUISAS DA INFÂNCIA (SOBEPI), pelos momentos oportunizados

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: IMPLICAÇÕES DA

PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO

NASTASSJA LOPES SILVA NÉTO

BRASÍLIA - DF

Março/2008

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NASTASSJA LOPES SILVA NÉTO

INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: IMPLICAÇÕES DA

PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da Faculdade

de Educação da Universidade de Brasília

como exigência para obtenção do título de

Mestre em Educação, na área de Educação

e Ecologia Humana, sob orientação da Profª

Drª Inês Maria Marques Zanforlin Pires de

Almeida.

BRASÍLIA - DF

Março/2008

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NASTASSJA LOPES SILVA NÉTO

INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: IMPLICAÇÕES DA

PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Profª Drª Inês Maria Marques Z. P. de Almeida – FE/UnB

(Orientadora)

_________________________________________

Profº Dr Paulo Bareicha – FE/UnB

(Suplente)

_________________________________________

Profª Drª Maria Alexandra Militão Rodrigues – FE/UnB

_________________________________________

Prof. Dr Luiz Augusto M. Celes – IP/UnB

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Brasília, 13 de março de 2008.

“Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos,

e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou

como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da

profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a

ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal

que transportasse os montes, e não tivesse amor, eu

nada seria”.

(CORÍNTIOS 13: 1-2)

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço ao Senhor Deus por este momento tão

desejado, pela fé que sinto e pela luz concedida.

Aos queridos Brivaldo e Eliane, pelo dom da vida e incentivo constante.

Ao meu irmão, pelo companheirismo da infância.

Em especial, aos queridos João Carlos, João Victor e João Gabriel, por

serem fonte de inspiração e aprendizado para a vida inteira; pela compreensão

nas constantes horas em que me fiz ausente: meus sinceros agradecimentos.

À professora Drª Inês Maria Marques Z. P. de Almeida, pela instalação da

dívida simbólica ainda na época da graduação, pelo acolhimento e pelas

valiosas contribuições fornecidas a esta possibilidade. Obrigada pelas palavras

sinceras e pela amizade.

À professora Drª Maria Alexandra M. Rodrigues, por sua escuta singular,

pelo acolhimento concedido nos momentos de dúvidas, por sua palavra

sincera, afetuosa e amiga, pela “co-orientação”: minha eterna gratidão.

Ao profº Dr Luiz Augusto M. Celes, pela atenciosa leitura do trabalho,

pelos apontamentos sábios e pertinentes, e, principalmente, pela

disponibilidade tão generosa: minha eterna admiração.

Ao profº Dr Paulo Bareicha, pela valiosa contribuição, pela abertura do

diálogo no momento da qualificação e pela tranqüilidade transmitida nos

momentos oportunos.

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À profª Drª e psicanalista Rita Maria Manso de Barros (UERJ), pelo

acolhimento na cidade do Rio de Janeiro e na ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE

ESTUDOS E PESQUISAS DA INFÂNCIA (SOBEPI), pelos momentos oportunizados

através da transmissão da psicanálise, pela generosa leitura feita neste

trabalho, pelos apontamentos instigantes e pelo incentivo: meu sincero

reconhecimento.

À querida amiga e psicanalista Lúcia Souza Cruz, por ter me apresentado

a SOBEPI e a professora Rita Manso, por sua sensibilidade e pela confiança em

nossa amizade.

Às amigas-irmãs Márcia e Adriana, pelo entrelaçamento fraterno, pela

amizade incondicional, por apaziguarem momentos de dúvidas e incertezas

(pessoalmente, por telefone e também por e-mail), por participarem da

evolução deste trabalho, por suas ricas contribuições. Através do lema “uma

por todas e todas por uma!”, sustentamos momentos de angústia, mal-estar,

satisfações e prazer. Lágrimas e gargalhadas fazem parte desse misto. Vocês

moram em meu coração...

Às amigas Betânia e Patrícia, por também fazerem parte da minha vida

de modo especial, pela ajuda e força jamais negada: meu reconhecimento e

admiração.

Às queridas precursoras Rosalina, Sandra e Janaina, pelo acolhimento,

pelas experiências que serviram de referência, pelo constante aprendizado,

pelas orientações e pela amizade sincera. Obrigada pela parceria durante as

investigações, em especial a Rosalina. Desejo sucesso em seus novos projetos.

Contem sempre comigo!

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À Secretaria da Pós-Graduação em Educação, pelos cuidados

despendidos em relação aos meus interesses e pela atenção para com minha

situação geográfica.

À Faculdade de Educação da UnB, por ser meu “berço”, e aos seus

funcionários, pela camaradagem. Muito obrigada!

Em especial, aos meus segundos pais João Carlos e Sílvia, pela atenção,

acolhimento e cuidados despendidos a cada ida em Brasília: o meu

reconhecimento.

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RESUMO

A maneira que a pedagogia tem de compreender a educação está fundamentada em diretrizes que pressupõem ao pedagogo uma base comum nacional: a docência. O currículo apóia-se, principalmente, em uma formação de cunho teórico, prático e metodológico visando “modelar” o perfil do pedagogo “ideal” no âmbito da sociedade capitalista do século XXI. Contudo, ambigüidades, lacunas e imprecisões vêm escapando à formação desse ideário. O percurso traçado ao longo desta pesquisa de Mestrado em Educação apóia-se nos saberes transmitidos pelo aporte teórico da psicanálise, o qual instaura, fundamentalmente, a concepção de sujeito do inconsciente no campo do conhecimento educativo. O encontro com a psicanálise revela que há impossibilidades em se estabelecer garantias, a priori, para a ocorrência da educação. A pedagogia, por sua vez, resiste à aceitação dessa impossibilidade. Em se tratando da formação do pedagogo da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB), chama-se a atenção para a especificidade da disciplina Inconsciente e Educação: transmissão de um saber fundamentado pelo aporte teórico da psicanálise e suas implicações para a educação. Por meio de uma abordagem qualitativa, a pesquisa consistiu em compreender a produção de efeitos proporcionada pelo impacto dessa transmissão ao pedagogo em formação. Foram pesquisados sujeitos ingressos e egressos da disciplina, tendo como principais dispositivos: memória educativa, questionário, entrevista e atividade avaliativa. Na análise dos dados, a memória educativa é determinante para a compreensão das ações e escolhas do sujeito ao longo da trajetória educativa. Os resultados obtidos evidenciam que os estudantes reconhecem a importância da atuação do inconsciente na relação pedagógica e educativa. Assim, a pesquisa contribui com a proposta de que o ensino da psicanálise a educadores abre-lhes possibilidades de (re)pensar suas relações com o saber e com o exercício de educar de forma distinta dos ideais cientificistas da pedagogia e da transmissão sem efeitos da ilusão universitária.

Palavras-chave: inconsciente e educação; transmissão; formação do

pedagogo.

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ABSTRACT

The way that the pedagogy has to understand the education is based on lines of direction that estimate to the teacher a national common base: the act to teach. The resume if it supports, mainly, in a formation of theoretical, practical and logic of the method matrix aiming at “shape” the profile of teacher “ideal” in the scope of the capitalist society of century XXI. However, ambiguities, gaps and inexact vision come escaping to the formation of this ideal. The passage traced to the long one of this research of Master of Arts in Education if it supports in knowing transmitted them for arrives in port it theoretical of the psychoanalysis, which restores, basically, the conception of citizen of the unconscious one in the field of the educative knowledge. The meeting with the psychoanalysis discloses that it has impossibilities in if establishing guarantees, a priori, for the occurrence of the education. The pedagogy, in turn, resists the acceptance of this impossibility. In if treating to the teacher education of the College of Education of the University of Brasilia (FE/UnB), it is called attention for the specific situation of disciplines Unconscious and Education: transmission of one to know based for it arrives in port theoretical of the psychoanalysis and its implications for the education. By means of a qualitative boarding, the research consisted of understanding the proportionate production of effect for the impact of this transmission to teacher in formation. Citizens had been searched ingressions and egresses of discipline, having as main devices: educative memory, questionnaire, interview and evaluation activity. In the analysis of the data, the educative memory is determinative for the understanding of the actions and choices of the citizen to the long one of the educative trajectory. The gotten results evidence that the students recognize importance of the performance of the unconscious one in the pedagogical and educative relation. Thus, the research contributes with the proposal of that the education of the psychoanalysis the educators opens possibilities to them of to think again its relations with knowing and the exercise to educate of distinct form of the of scientific matrix ideals of the pedagogy and the transmission without effect of the university illusion.

Keywords: unconscious and education; transmission; teacher education.

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PREÂMBULO

“MEMÓRIAS”

(Composição: Pitty – Álbum Anacrônico

Gravadora Deckdisc/2005)Eu fui matando os meus heróis aos poucos,

como se já não tivesse nenhuma lição pra aprenderEu sou uma contradição

E foge da minha mão fazer com que tudo o que eu digoFaça algum sentido

Eu quis me perder por aíFingindo muito bem que eu nunca precisei de um lugar

só meu

MemóriasNão são só memórias

São fantasmas que me sopram aos ouvidosCoisas que eu...

Eu dou sempre o melhor de mimE sei que só assim

É que talvez se mova alguma coisa ao meu redorEu vou despedaçar você

Todas as vezes que eu lembrar por onde você já andousem mim

MemóriasNão são só memórias

São fantasmas que me sopram aos ouvidosCoisas que eu...

MemóriasNão são só memórias

São fantasmas que me sopram aos ouvidosCoisas que eu

Nem quero saber1

...

1Peço licença à Academia para, em meu memorial, utilizar letras de músicas de cantores e compositores brasileiros que sintetizam em suas obras algumas “marcas” presentes em minha “verdade histórica”.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – MEMÓRIA EDUCATIVA

DE ONDE VIM? QUEM SOU? PARA ONDE VOU......................................................................................................................13

CAPÍTULO 2 –

INTRODUÇÃO..................................................................................28

2.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E SUA RELEVÂNCIA............................................29

2.2 O PROBLEMA DA PESQUISA.............................................................................34

2.3 OBJETIVOS..........................................................................................................35

2.4 PRÉ-TEXTO PARA OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS...............................................35

CAPÍTULO 3 – O DISCURSO PEDAGÓGICO ATUAL E SUA

HISTÓRIA...............38

3.1 DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE PEDAGOGIA: UM

CONVITE PARA APRENDER A APRENDER?....................................................40

3.2 A PESSOALIDADE DO PEDAGOGO EM FORMAÇÃO: QUESTÃO DE

IDENTIDADE...........................................................................................................

....45

3.3 MEMÓRIA EDUCATIVA: DISCURSO PEDAGÓGICO SUI GENERIS.................49

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CAPÍTULO 4 – O INCONSCIENTE E A EDUCAÇÃO................................................52

4.1 ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O CONCEITO DE INCONSCIENTE E OUTRAS

CONTRIBUIÇÕES....................................................................................................

. 54

4.1.1 Da primeira tópica psíquica................................................................................54

4.1.2 Da segunda tópica psíquica...............................................................................63

4.2 SOBRE O REPRESENTANTE DA EDUCAÇÃO PRIMORDIAL: O

SUPEREGO.............................................................................................................

...68

CAPÍTULO 5 – INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: UM OLHAR

TRANSDISCIPLINAR EM MATÉRIA DE

EDUCAR.............................................................................................74

5.1 PARA ALÉM DA PSICOLOGIZAÇÃO DO ENSINO: E O EU COM O ISSO?......80

5.2 A TRANSMISSÃO DE UM SABER: O PAPEL DA PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO

DO

PEDAGOGO.........................................................................................................8

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5.2.1 Contradições e

Desafios....................................................................................86

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CAPÍTULO 6 – PRESSUPOSTOS E PROCEDIMENTOS DA

PESQUISA...............92

6.1 COMO UMA PARTITURA: ABORDAGEM QUALITATIVA...................................92

6.2 SUJEITOS PARTICIPANTES: OS MÚSICOS DA MINHA ORQUESTRA............96

6.3 ESTRATÉGIAS DE LEVANTAMENTO DE DADOS E A BATUTA DO

MAESTRO...............................................................................................................

....97

6.4 PROCEDIMENTO DA INVESTIGAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DO

CONCERTO.............................................................................................................

...99

6.5 ANÁLISE DO CONTEÚDO [DA ENUNCIAÇÃO]: QUE RUFLEM OS

TAMBORES.............................................................................................................

...103

CAPÍTULO 7 – ANÁLISE DOS

DADOS....................................................................106

7.1 INDICADORES TEMÁTICOS...............................................................................109

1) A falta nas teias da

educação...........................................................................109

2) Ambivalência no contexto

educativo.................................................................118

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3) Transmissão de um

estilo.................................................................................127

4) Desejo pela

docência........................................................................................133

7.2 RESULTADOS OBTIDOS....................................................................................140

• Interface psicanálise-educação: que

efeitos?.................................................140

CAPÍTULO 8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS E

(IN)CONCLUSÕES.........................151

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................155

APÊNDICES..........................................................................................................

....160

ANEXOS................................................................................................................

....166

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CAPÍTULO 1

MEMÓRIA EDUCATIVA: De onde vim? Quem sou? Para onde

vou?

“É difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a

nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma

corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de

nossos professores”. (FREUD, In: Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar)

O começo de tudo... De uma longa jornada perdida no tempo e no

espaço, desagregada de uma temporalidade que poderia, quiçá, ordenar os

fatos. Mas quem quer que os mesmos estejam ordenados? Ou melhor, quem

pode assim fazê-los?

Sou filha de sujeitos humildes. Provenho de uma teia familiar da mesma

característica. As “facilidades” passavam longe do meu ninho. Luta, garra e

determinação era fórmula básica para a conquista de algo. Neta de um

bioquímico e de uma professora (normalista), por parte de mãe; e de um

mecânico eletrônico autodidata e uma costureira, por parte de pai, pude ser

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contemplada com a maior e mais rica herança destinada a um humano: a

educação.

Nasci no dia 15 de Julho de 1981 na cidade de João Pessoa-PB e vivi lá

por quase dois anos. Como a profissão do meu pai era militar do exército,

constantemente teria que ser transferido por necessidade de serviço. Assim,

em 1983 saímos de João Pessoa e fomos morar em Goiânia – GO. Minha mãe

estava com um barrigão à espera do meu único e querido irmão, nascido nesta

época.

Ensaiei minha vida nos bancos escolares ainda na cidade de Goiânia,

onde entrei na primeira escolinha para fazer o maternal, aos 2 anos de idade.

Ela se chamava PEQUENO PRÍNCIPE (e existe até hoje!). Não lembro bem das

nossas atividades, apenas tenho uma vaga lembrança do colorido que a sala

tinha, do parquinho e do zoológico com alguns bichos em suas jaulas. Lembro

nitidamente da alegria do meu irmão que, ainda bebê, quando comparecia em

algum evento lá na escolinha, ficava encantado com os bichinhos que lá havia.

Saí dessa escola em 1985, quando concluí o Jardim I, por motivo de

transferência do trabalho do meu pai. Em 1986 cheguei ao Rio de Janeiro, para

morar apenas por 10 meses.

O trabalho do meu pai, no Rio, se resumia em cursar seu mestrado para

a carreira militar, de caráter obrigatório. Nesta cidade estudei em uma escola

chamada FREI ORLANDO, onde cursei o Jardim II. Não me recordo de muitos

detalhes, nem da professora, pois o tempo que passei lá foi muito curto.

Lembro-me, apenas, do dia em que ela nos ensinou a plantar feijão em um

copinho descartável, com um pedaço de algodão úmido. Esta experiência foi

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incrível, pois fomos observando, dia-a-dia, brotar lindos pezinhos de feijão.

Desde esse dia, passei a me interessar mais pela natureza (e hoje ensino os

meus filhos a respeitá-la. Aliás, sinto-me imensamente feliz todas as vezes que

meus filhos me permitem voltar à “experiência do feijão”, trazendo de suas

respectivas salas de aula recordações da minha época de Jardim II).

“Quem sabe ainda sou uma garotinha?”(Cássia Eller)

Em 1987, meu pai foi transferido para Garanhuns-PE. Tenho várias

lembranças dessa época! Passei a estudar no maior colégio da cidade: SANTA

SOFIA, colégio de freiras. No início achei estranho conviver com as madres, as

quais nos regulavam o tempo todo. Nesta época estava cursando a

Alfabetização. Não me recordo da fisionomia e nem do nome da professora,

apenas de sua metodologia. Como estávamos aprendendo a ler e a escrever,

ela passava ditado de palavras todos os dias, de uma maneira bem tradicional.

Eu adorava! Posso dizer que me sentia “desafiada” pela professora.

Contraditório, não? Mas é verdade... Identifiquei-me tanto que passei a brincar

com as minhas bonecas da mesma maneira.

“Eu sou uma contradição, e foge da minha mão fazer com que tudo o que eu digo faça algum sentido...”

(Pitty)

Mais uma vez, em 1990, o meu pai é transferido para João Pessoa, minha

terra natal. Nesta cidade estudei no colégio PIO XI, onde entrei na 3ª série.

A 4ª série, ainda no Pio XI, foi excelente! Minha professora se chamava

Bel. Um doce! Lembro muito bem da História que ela nos ensinava. Passava o

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conteúdo com firmeza e segurança, principalmente em relação à História do

Brasil. Lecionava ainda, de forma lúdica, as tabuadas de multiplicação, com

joguinhos e competições entre os grupos da sala.

No final do mesmo ano, tivemos nossa formatura de encerramento do

“primário”2 para sermos apresentados ao “ginásio”. Foi emocionante, pois fui

escolhida para ser a oradora da turma. Meus pais ficaram orgulhosos, pois

sempre deixaram claro que nós (eu e meu irmão) deveríamos ser bons alunos.

Sempre estiveram presentes tanto nas reuniões pedagógicas que a escola

realizava, como nas festinhas. Eram exigentes, mas presentes.

Vocês têm a obrigação de serem bons alunos! Não fazem outra coisa

senão estudar... Assim argumentavam.

Já na 5ª série senti uma mudança radical em relação aos professores.

Era um específico para cada matéria, com horário marcado para tal. Afinal, já

estava no “ginásio”, em corredores com salas até a 8ª série. Me senti muito

importante nesta época, e com uma responsabilidade maior ainda!

No Pio XI, os professores que mais marcaram foram: profº Carlos (meu

eterno professor de matemática), o qual ensinava muito bem e com quem me

identifiquei desde antes de ser sua aluna (na verdade eu era “apaixonada” por

ele! Não pelo seu físico, mas por suas palavras e por tudo de bom que ele teria

a me oferecer. Até hoje sinto um friozinho na barriga quando me lembro de seu

chamamento: “fera radical”. Só ele me chamava assim!); profª Izabela (inglês),

eternizada por sua meiguice; profª Aninha (1ª série), esposa do profº Carlos e

2 Assim era classificado na época (1991).

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minha “arqui-rival”; e profª Elisa (alfabetização), pela relação além - sala de

aula.

Experiências em Colégios Militares: para além do tradicionalismo

hierárquico

Em 1993 meu pai foi transferido para Brasília. Logo fiquei sabendo que

estudaria no COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA (CMB) – desde pequena tive o

desejo de ser militar igual ao meu pai. No início fiquei receosa, devido a fama

d’este ser difícil e rigoroso. Depois me empolguei, quando soube que usaria

farda e teria instrução militar. Será que meu pai iria me admirar?

“Pai, você foi meu herói, meu bandido... Hoje é mais, muito mais que um

amigo [...] Você faz parte desse caminho, que hoje eu sigo em paz”.

(Fábio Jr.)

Neste colégio entrei na 6ª série como “bicho” (denominação atribuída ao

aluno novato). Experiência nova e “desafiante”, no mínimo, pois o colégio

valorizava o grau intelectual do aluno através da classificação. Os mais

“cabeças” da turma recebiam distintivos variados, como: graduação, alamar e

destaques. Até então, durante o percurso educativo, eu ainda não havia

vivenciado de maneira tão “aberta” esse tipo de avaliação. Meus amigos

constantemente me alertavam quanto aos estudos e às provas. Se o aluno

fosse mal classificado no final do bimestre, todos da série ficariam sabendo.

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Dessa forma, apenas o grau intelectual poderia corresponder à aprendizagem

do aluno.

Neste período me senti muito pressionada pelo sistema. Tinha enorme

“pavor” de tirar notas baixas, principalmente em disciplinas nas quais tinha

uma boa relação com o (a) professor (a). Ficariam decepcionados comigo?

Teria outra chance para recuperar o que foi perdido? Essas eram minhas

principais angústias na época.

Infelizmente, nesta etapa do Ensino Fundamental, adquiri certa aversão

à matemática, minha matéria predileta no passado. Isso por causa de uma

professora que tive na 6ª série, a qual explicava a matéria de forma obscura e

desestimulante, me fazendo, então, tirar nota baixa pela primeira vez. Que

decepção comigo mesma! O rótulo de “fera radical” imposto pelo profº Carlos

não cabia mais a mim... Agora ele teria que encontrar uma outra aluna para

admirar!

“Que bom viver, como é bom sonharE o que ficou pra trás passou e eu não me importei

Foi até melhor, tive que pensar em algo novo quefizesse sentido.

Ainda vejo o mundo com os olhos de criançaQue só quer brincar e não tanta ‘responsa’

Mas a vida cobra sério e realmente não dá pra fugir”.(Charlie Brown Jr)

A 8ª série também foi marcante! Nesta ganhei meu primeiro distintivo

de destaque do semestre. Meu pai, todo orgulhoso, entregou-me o prêmio em

formatura especial com a presença do comandante do colégio.

Não posso esquecer de mencionar que o CM é diferente das outras

escolas, devido à permanência do seu regime hierárquico e tradicional

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articulado ao ensino. O diretor é chamado de comandante, as séries de

companhias; sendo ainda obrigatória a participação em formaturas e o

cumprimento chamado “continência” aos mais antigos da escola.

Em 1996, mais uma vez por motivo de transferência, mudamos para o

Rio de Janeiro. Passei a estudar no COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO

(CMRJ), no qual cursei quase todo o Ensino Médio. Neste nível de ensino, as 1ªs

e 2ªs séries eram classificadas por “armas”, e por isso no 1º ano tive que

escolher a minha: INFANTARIA (igual a do meu pai).

Em fevereiro do mesmo ano, aos 14 anos, comecei a namorar o João

Carlos (talvez mera coincidência ou Carlos voltou para mim?) que se preparava

para a carreira militar na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende-RJ

(Como quem? Meu pai!).

Não posso deixar de citar uma recordação especial do meu 1º ano. Fui

destaque intelectual no final do ano letivo. Recebi uma medalha do

comandante do colégio. Isso me envaideceu, pois tive a oportunidade de

mostrar para meus pais que o namoro com o João não atrapalharia de forma

alguma os meus estudos.

Ainda no CMRJ em 97, passei o 2º ano todo aflita porque sabia que meu

pai seria transferido para outro lugar. Esta foi a primeira vez que fui contra a

mudança. Não queria nem pensar em deixar para trás o meu

amor...Conseqüentemente, relaxei em duas importantes matérias: Matemática

(a do profº Carlos) e História. Logo essas, que no passado foram as minhas

melhores! Também, o professor de História não ajudava! Tomei tanta aversão

ao seu método monótono de ensino que fiquei em recuperação no fim do ano.

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Para ele, a forma de aprendizagem se restringia apenas à memorização do

conteúdo. Para mim, isso não dava muito certo! Me senti uma fracassada!!!

“Eu dou sempre o melhor de mimE sei que só assim

É que talvez se mova alguma coisa ao meu redor”.(Pitty)

À distância: embarazada na adolescência

No dia 6 de janeiro de 1998 fui embora do Rio com destino à Tefé-AM,

local em que tínhamos que passar 2 anos. Muito sofrimento! Ao chegar lá,

como estava no 3º ano, meus pais acharam melhor me colocar na modalidade

de Educação à Distância COLÉGIO ANGLO-AMERICANO pois na cidade não

havia “bons” colégios. Desde essa época me questiono, e atualmente re-

significo minhas indagações/indignações:

Como os colégios podem ser reconhecidos como “bons”? O que os pais

procuram para seus filhos? Estariam eles influenciados por modismos

pedagógicos ou estes estariam se adequando para atender, cada vez mais, às

demandas dos genitores e/ou responsáveis?

Que recados os colégios transmitem para convencer pais aflitos em

busca de garantias para educação de seus filhos?

Irresistível o chiste: perdoai-os, Freud, essas pobres crianças não sabem

porquê sofrem!

A grande surpresa em minha vida (des)regrada estava por vir... a

ausência das “regras” confirmava: estava grávida! Foi como uma “bomba” que

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explodiu em nossas famílias, pois tinha apenas 16 anos e o pai 19. Que

tormento!

A partir daí meus pais passaram a questionar: “quais são suas

expectativas em relação aos estudos?”; “e agora, vai ser mãe solteira?”; “você

me traiu!” (disse meu pai); “estou decepcionada com você!” (palavras de

minha mãe). Confesso que na época senti muita raiva, angústia, desespero...

sobretudo tristeza. Eram sentimentos misturados em um caldeirão. E como dói

recordar!

“Eu quero ver quem é capazDe fechar os olhos e descansar em paz!!!

Quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra”...(Pitty)

Hoje, com dois filhos, imagino que seja difícil para os pais passarem por

isso. Mas, para mim, também foi uma mudança muito brusca. Todavia não me

deixei esmorecer. Quis provar a todos que eu jamais abriria mão nem dos

estudos, nem do meu filho... os dois teriam que caminhar lado a lado!

Resultado: finalizai o 3º ano com um bebê de 3 meses, o João Victor, e

tive a oportunidade de viver a experiência da “auto-aprendizagem”, através da

Educação à Distância3.

O meu primeiro vestibular (1998), a pedido do meu pai, prestei para

Direito. Não passei e, na realidade, não era o que eu desejava. O nascimento

do filho despertou algo em mim muito ligado a tudo o que ele fazia.

Interessava-me a singularidade com que aprendia e o significado dado aos

3 Com o material enviado pelo colégio eu estudava sozinha, realizava exercícios e me preparava para as avaliações, com data previamente marcada. Tudo isso era feito em casa. O grau era obtido de acordo com o que eu havia compreendido do assunto.

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meus estímulos. Nas horas vagas, gostava de dar aulas de modelo e etiqueta a

um grupo de crianças que moravam na mesma vila. Ao ensaiarmos um book

na selva, aprendemos um pouco mais sobre a natureza e a história do

desbravamento da Amazônia. O encerramento do curso, após três meses, foi

emocionante! Com direito a certificado e tudo!

Deparei-me, assim, com o desejo até então encoberto pelos problemas

que passei na adolescência: queria ser professora / educadora.

Ensino Superior: desejo ou dívida simbólica?

Em 2000, já casada, fui morar no interior de Rondônia. Para minha sorte,

a cidadezinha de Guajará-Mirim possuía um campus da UNIVERSIDADE

FEDERAL DE RONDÔNIA (UNIR) com três cursos: Letras, Administração e

Pedagogia.

Em julho de 2001 passei no vestibular para Pedagogia. A felicidade nos

primeiros meses de curso veio acompanhada por um sentimento de

preocupação: meu esposo havia sido transferido para Brasília e, tal qual meu

pai, teria que acompanhá-lo aonde quer que fosse. Minhas expectativas de

estudar na UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA eram altamente positivas, já que

estava legalmente amparada em relação à transferência de faculdade.

Dia 27 de maio de 2002 começam as aulas. Eu e meus colegas do

1º/2002 fomos recebidos com uma grande recepção aos calouros. E com quem

foi nossa primeira conversa? Com a profª Drª Inês Maria4 vice-diretora da─

4 O mesmo sentimento vivido anteriormente à relação com o profº Carlos assemelhou-se ao experienciado naquele momento. “Como pode isso?” Pensei. Não sabia como explicar, mas

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Faculdade de Educação à época. Sensível e acolhedora, transmitiu-nos

confiança e respeito à faculdade e ao curso.

Logo no 1º semestre fiquei preocupada com a rotina e quantidade de

trabalhos, com os quais não estava acostumada. Além do mais, enfrentamos

um período de transição do currículo; e o que era o “novo currículo”? Não tinha

a menor idéia... Só sabia que não poderíamos mais escolher a habilitação e

que, ao final do curso, seríamos classificados como pedagogos plenos. Como

assim?

A princípio, fomos orientados a respeito de um espaço acadêmico

obrigatório, com carga horária e créditos definidos intitulado de Projetos. Os

Projetos têm uma perspectiva de integração teoria e prática indispensável à

atual formação do pedagogo. São oferecidos desde os primeiros semestres,

com objetivos geral e introdutório em relação a instituição FE/UnB, como

explicita o Currículo do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação/UnB

(2002).

Para completar minhas dúvidas e angústias, descobri que estava grávida

do meu 2º filho. E agora? Como continuar estudando?

No dia da matrícula do 2º semestre, conheci uma pessoa muito especial:

a profª Sônia Marise, coordenadora do curso. Esta, sendo minha professora de

Projeto 2, demonstrou solidariedade em relação a minha gravidez. Flexível,

permitia a participação dos alunos nas propostas de trabalho. Seu

tinha a sensação (ou seria percepção?) de que aquela cena já teria feito parte de algum momento da minha vida. Mas quando? Vidas passadas? Hoje sei que sim, mas com um outro sentido, para além do religioso. Vivi esta cena no meu passado infantil. Passado que permanece presente como hoje, inscrevendo-se em todo momento que olho para a profª Inês. O sentido atribuído à relação com minha orientadora, e o sentimento investido nessa mesma, é o de que “a profª Inês é o profº Carlos do passado”. E eu não posso perdê-lo novamente!

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planejamento tinha como principal objetivo apresentar aos estudantes de

Pedagogia as diversas áreas de atuação do pedagogo.

Mais animada, iniciei o 3º semestre com a matrícula no Projeto 3

(Educação Hipertextual), que traz como ementa a compreensão e análise do

processo ensino-aprendizagem, por meio de hipertextos, através de uma

educação tecnológica. Permaneci no mesmo durante três semestres, tentando

encontrar algum tema na área que fizesse sentido para inúmeras dúvidas

circundantes. Entretanto, somente no último deles, percebi que não me

identificava e tinha até dificuldades para compreender propostas que

preconizavam habilidades técnico-metodológicas no processo ensino-

aprendizagem.

Do 4º semestre não posso esquecer do professor de Educação

Matemática, o qual me fez reviver experiências da 5ª série (com o profº

Carlos). Em contrapartida, não tenho boas lembranças da disciplina

obrigatória-destaque dos cursos de Pedagogia do país inteiro: Didática

Fundamental. Porém posso afirmar que ao final da mesma restaram-me

incertezas quanto às garantias propostas ao domínio do complexo processo de

ensino-aprendizagem.

Ainda no 4º semestre, deparei-me com uma disciplina que, de pronto,

não poderia imaginar que pudesse me dar o sentido que estava buscando em

minha formação: Inconsciente e Educação. Para além de algumas pseudo-

certezas que as ciências da educação propõem-se a oferecer, deparei-me com

o aporte psicanalítico fundamentando a falta de garantias para a educação

plena de um sujeito, ao lado de duas outras: cura e governo. Entretanto,

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especialistas que promovem um diálogo entre as teorias psicanalítica e

educacional, como Lajonquière (2002), por exemplo, apostam na função do

professor e em sua capacidade de criar em cena educativa, na tentativa de

driblar certezas e garantias ilusórias da educação única e ideal, mas não de

uma educação real e possível.

Por outro lado, Inconsciente e Educação também proporcionou, através

do dispositivo da memória educativa5, a compreensão de que muitas vezes,

pela clivagem (divisão) de nossa subjetividade, o sujeito consciente (ego) pode

ser “atropelado” pelo sujeito do inconsciente. Sendo assim, pelo sentido

atribuído ao que foi exposto e pelo desejo de saber mais sobre a teoria do

inconsciente, no semestre seguinte me candidatei à experiência de monitora

da disciplina.

Ao passar para o 5º semestre, fui convidada pela profª Inês Maria para

dar continuidade a uma importante pesquisa do PIBIC/UnB/CNPq que uma

colega havia iniciado fundamentando-se na abordagem teórico-psicanalítica

com o eixo temático: A transferência e suas implicações na prática docente .

Dessa forma, a partir da apropriação bibliográfica pertinente ao tema, foi

possível ampliar entendimentos sobre as situações – problemas - desafios

envolvidos na constituição da identidade do professor.

Ainda no 5º semestre (2004), aprendi significativamente com bons

mestres a respeito das Políticas Públicas da Educação; Administração da

Educação; Educação Infantil; Processo de Alfabetização; Educação Musical;

5 O dispositivo da memória educativa será explicitado de melhor forma no capítulo metodológico por também fazer parte da coleta de dados deste projeto.

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História da Ed. Brasileira e Projeto 3 (Fase-A) - O lugar da memória educativa

na constituição da identidade do professor.

Apesar de já haver concluído as três fases relativas ao Projeto 3, ainda

estava perdida na Pedagogia. Não tinha convicção da área que gostaria de

seguir e como alimentar meu projeto de vida. Só a partir da iniciação à

pesquisa científica foi possível atribuir sentido às dúvidas e incertezas que se

insistiam e dar um possível significado ao curso que fazia.

Aliado a isso, outro fator que me impulsionou à apaixonante

metapsicologia foi a relação pessoal e acadêmica com a

professora/orientadora. O projeto de pesquisa do PIBIC nos rendeu bons frutos,

apresentados em 2004 no X Congresso de Iniciação Científica do PIBIC/ UnB e

no 1º Congresso de Iniciação Científica do DF. Em 2005 o trabalho foi divulgado

no 30º Congresso Interamericano de Psicologia, em Buenos Aires.

O 6º e 7º semestre da faculdade foram um dos mais importantes da

graduação, pois neles constaram as duas fases do Projeto 4 relativas ao

estágio na escola (prática docente). Hora de colocar em prática os

conhecimentos adquiridos e refletir sobre os mesmos!

Assim, havendo concluído a primeira pesquisa científica e iniciando outra

de igual importância, busquei articular as atividades de estagiária no ensino

fundamental com as de coleta de dados pertinente à metodologia da segunda

pesquisa pelo PIBIC/UnB, tendo como tema: Subjetividade na Infância: o

desenho como memória educativa. A partir da abordagem psicanalítica,

investiguei a manifestação da subjetividade em crianças, principalmente as

que estavam em processo de aprendizagem do sistema leitura-escrita. Para

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tanto, os instrumentos de interpretação utilizados inspiraram-se na mais

antiga forma de linguagem e expressão da humanidade: a linguagem pictórica.

O imaginário (advindo do inconsciente) fundamentando o real do educando em

formação.

Nesta etapa, jamais esquecerei de um importante referencial docente

adquirido na graduação: a professora Alexandra. Acompanhando-me em sala

de aula desde as primeiras fases de Projeto 3 (O lugar da memória

educativa...), e estendendo sua companhia para além do cenário educativo,

tornou-se uma pessoa da mais sincera confiança. Posso afirmar que, além da

admiração, inspira-me ao permitir o soltar das asas da imaginação e voar para

bem longe da gaiola que me aprisiona, tal como lembrado no lindo presente

recebido: um passarinho de origami, com asas bem grandes e leves, capazes

de carregar o fardo mais pesado.

Um objetivo traçado ainda na graduação: mestrado

O alívio de chegar ao fim da graduação, com a conseqüente defesa do

trabalho final de curso apresentado no dia 20 de fevereiro de 2006, veio

acompanhado de uma lacuna e um sentimento de vazio, como se “tudo” o que

eu tivesse apre(e)ndido no curso não bastasse para calar minhas constantes

dúvidas direcionadas ao pedagogo ainda em formação. Mas será que esse

sentimento é gritante apenas dentro de mim? Imagino que não...

Nos últimos dias de graduação encontrava-me aflita. Não sabia se meu

desejo de dar continuidade às investigações seria permitido logo em seguida,

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já que não possuía conhecimento sobre a possibilidade de inscrição no

mestrado apenas com uma declaração de provável formanda. Dias se

passaram e me senti “presenteada” ao ler que seria permitida a inscrição, e

por isso minha escolha para o eixo de pesquisa A constituição da identidade

do professor.

Quantos desafios a partir da elaboração do pré-projeto, a leitura da

bibliografia proposta, as avaliações, os resultados parciais, a entrevista até o

resultado final: APROVAÇÃO! Lágrimas que embebedaram meu sorriso,

oferecendo-me novamente a esperança e ousadia na continuidade da

formação stricto sensu, a elaboração de novas questões no caminho da vida

acadêmica, insistindo no diálogo que a educação pode estabelecer com a

psicanálise (e vice-versa), no casamento com “comunhão parcial de bens” e

nos deliciosos/amargos frutos oriundos desse instigante desafio. Sei que

encontrarei algumas pedras no caminho, como bem escreveu Drummond,

quiçá espinhos...

Atualmente estou concluindo o mestrado, reconhecendo que o prazer de

ter investigado, ao longo dessa trajetória, questões que norteiam meu projeto

de vida pessoal/profissional deixou, em meu ser, marcas incalculáveis de um

aprendizado significativo. A partir de agora, sigo um rumo ainda não definido.

A vida profissional busca um caminho que não está sujeito apenas ao mundo

dos desejos, mas também ao do real.

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CAPÍTULO 2

INTRODUÇÃO

Descobri lentamente ao fim de um incessante tatear que o

que se chama de pedagogia não é nem uma ciência, nem uma arte, mas uma técnica, um

conjunto de técnicas, uma verdadeira tecnologia. Quanto mais minha carreira avançou, mais me

persuadi de que não posso transmitir a quem quer que seja nenhum saber. Mas somente técnicas,

para aprender a saber, para aprender a ler, para aprender a escrever, a se exprimir com toda

liberdade.(G. Jean – La Passion d’Enseigner. In: CATANI, 2001)

O processo da escrita é aliado a uma dinâmica do ir e vir. Rever,

reformular, re-significar, reescrever são “quatro R’s” que laboram, em todos

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seus significados, a estrutura de um pensamento escrito. Dissertar a respeito

de um tema, considerando a complexidade que o engloba, requer algo mais:

determinação, investigação, implicação e exposição. Segundo pesquisadora

lingüística da área de elaborações de teses, Vera Colucci (2005), é do último

fator mencionado que o riso e o rubor apresentam-se como pontos sensíveis

ao sujeito que demanda reconhecimento pela produção desenvolvida.

Essas foram algumas das primeiras idéias que alicerçaram meus

pensamentos e sentimentos no “rompimento da inércia” para a elaboração

dessa dissertação, como poderia ser exemplificado em algumas etapas

formativas pelas quais um ser humano pode experimentar: contato com o

outro, vivências, reflexões, re-significações, responsáveis pela formação de um

arcabouço de idéias, fazendo com que o mesmo se sinta “vivo”. Assim deve ter

sido com alguns marcos de nossa humanização: Darwin e a construção da

Teoria da Evolução das Espécies; Einstein e a Teoria da Relatividade; e Freud,

responsável por afirmar que não somos o senhor em nossa própria morada, de

acordo com a Teoria do Inconsciente.

2.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E SUA RELEVÂNCIA

Ao iniciar a graduação em Pedagogia na Faculdade de Educação/UnB

(2002), inquietantes dúvidas atravessaram meu caminho gerando algumas

conseqüências: desconforto, mal-estar, falta de credibilidade na escolha

profissional, dentre outras. O curso estava passando por um período de

transição curricular, sendo permissível, portanto, “crises” de identidade

naquele momento. No chamado “Currículo Antigo” (dividido por habilitações:

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magistério para séries iniciais; orientação educacional; ensino especial), o

graduando poderia optar por habilitar-se em, no máximo, duas delas. Com a

transição para o “Currículo Novo”, o graduando em Pedagogia estaria

licenciado para exercer funções do magistério na Educação Infantil, nos anos

iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade

Normal, de Educação Profissional, apoio escolar, serviços e em outras áreas

nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, compreendendo

também a participação na organização e gestão de sistemas de ensino

(Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, 2006).

Na medida em que avançavam os semestres, enriquecidos pelas leituras

propostas por professores das disciplinas, algumas questões ainda

permaneciam e outras ressignificavam-se a partir da apropriação de diferentes

fundamentos teóricos e suas reflexões. Penso que isto é estar sendo formado.

Antes mesmo da experiência em sala de aula (2004), tomava como

nuclear os conhecimentos teóricos transmitidos pelos mestres. Ao mesmo

tempo, indagava-me: como seria isso na prática? Será que atenderá a todos

nós? E se estivermos inseridos em uma outra realidade, por que não fazer

diferente? Questões dessas e de outras naturezas eram condizentes com a

capacidade de reflexão do momento da formação.

Exatamente no 4º semestre do curso, meu processo formativo ganhou

um direcionamento significativo: o encontro com a psicanálise6. Por uma

6 Procedimento de tratamento da neurose, inventado por Sigmund Freud em 1896, com intencionalidade puramente terapêutica, mas que foi-se extrapolando, para além do stricto sensu, e conquistando terrenos nas obras de arte, na cultura [e porque não na educação!?] (CELES, L. A (2000). Aspectos metodológicos da construção da psicanálise. Alter Jornal de Estudos Psicodinâmicos, Brasília, DF, v. XIX (2) p. 316).

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coincidência, talvez, também estava cursando uma disciplina obrigatória-

destaque dos cursos de pedagogia do país inteiro: Didática Fundamental.

Atravessada por questões: como planejar? que paradigma seguir? qual

método/técnica empregar? como melhor proceder em sala de aula? como

avaliar? em que tempo?; deparava-me com preocupações de que no cerne do

processo educativo não estavam: o sujeito que ensina / o sujeito que aprende.

Paradoxalmente, o encontro com a psicanálise, proporcionado pela

disciplina Inconsciente e Educação, tornou-se um divisor de águas na minha

formação enquanto pessoa/profissional. Não que seja, como escreve

Lajonquière (1993), o vade-mécum que irá acabar com todas as vicissitudes

inerentes ao cenário educativo, capaz de converter e/ou doutrinar quem quer

que seja! Contudo, fascinante e singular, abre um outro território de

investigação; modo diferente de olhar a realidade, assim definida pelo próprio

autor nas palavras de Freud em Dois verbetes de enciclopédia:

Psicanálise é o nome de: (1) um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo; (2) um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos; e (3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica (FREUD, 1922, p. 107).

A metapsicologia feiticeira em solo educativo remete-nos a reflexões

acerca de uma nova postura diante do compartilhamento do conhecimento

dentro e fora da academia. O que é científico ou não em matéria de educar? O

que está apenas explícito e passível de quantificação!? Verdadeiramente essa

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não é a preocupação norteadora deste trabalho, cujo se inspira na Declaração

de Locarno (1997):

Uma educação autêntica não pode orientar o conhecimento em direção apenas ao pólo exterior do Objeto e sob sua descoberta de centenas de pesquisas disciplinares sem, ao mesmo tempo, orientar seu questionamento em direção ao Sujeito. A partir dessa perspectiva, a educação transdisciplinar revaloriza o papel da intuição profundamente enraizada, do imaginário, da sensibilidade, e do corpo como transmissores de conhecimento.

Como uma primeira orientação ao leitor, o termo

Transdisciplinaridade foi citado por Jean Piaget, pela primeira vez, em 1970

na ocasião de um colóquio sobre Interdisciplinaridade: “... esta etapa deverá

posteriormente ser sucedida por uma etapa superior, transdisciplinar”.

Retomado por inúmeros pensadores nas últimas décadas, como Edgard Morin,

Stephane Lupasco, Basarab Nicolescu e Ubiratan D’Ambrósio, a abordagem

transdisciplinar assume a forma de um movimento, um fluxo de idéias e

principalmente uma maneira de pensá-las, englobando e transcendendo o que

passa por todas as disciplinas, reconhecendo o desconhecido e o inesgotável

que estão presentes em todas elas, buscando encontrar seus pontos de

interseção e um vetor comum7.

Essa discussão é uma das que pretendo desenvolver no capítulo quinto

deste trabalho: sobre uma compreensão transdisciplinar em matéria de

educar, à guisa dos pressupostos orientados pela disciplina Inconsciente e

Educação.

7 Idéia retirada do texto de Ignácio Gerber, Psicanálise e Transdisciplinaridade, constante no site www.cetrans.com.br

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Outra importante discussão que vem ocorrendo há mais de 25 anos no

âmbito das políticas públicas-educacionais, dos movimentos acadêmicos e

sociais refere-se à constituição da identidade do pedagogo, cuja docência é a

base da formação. Pergunta-se: qual é a identidade do pedagogo? que perfil

esse profissional deve contemplar ao egressar do curso? São publicadas, para

atender essas e outras demandas, Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia (DOU 11/4/2006) abordando em seu conteúdo a finalidade

do curso, organização curricular, carga horária, princípios, objetivos e o perfil

que o pedagogo deve adquirir para atuar na Educação Infantil, nos anos

iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade

Normal, na Educação Profissional e na área de serviços e apoio escolar, bem

como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos,

como, por exemplo, a participação no planejamento, na organização e na

gestão de sistemas e instituições de ensino (DCN, p. 5).

Ainda assim, segundo essas diretrizes,

os movimentos sociais têm insistido em demonstrar a existência de uma demanda ainda pouco atendida, no sentido de que os estudantes de Pedagogia sejam também formados para “garantir” a educação, com vistas à inclusão plena, dos segmentos historicamente excluídos, dos direitos sociais, culturais, econômicos e políticos (Idem, ibidem).

É possível interpretar, neste trecho, que a garantia de que se está

falando é, na verdade, uma possibilidade de oferta educativa para os

segmentos mencionados acima. Em outro ângulo é possível concebê-lo com

sendo uma reivindicação dos estudantes por uma qualidade na formação

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garantida a priori, por meio da qual se tornem capazes de também oferecer

garantias naqueles e noutros setores sociais.

Apesar deste trabalho não pretender negar a importância das

reivindicações feitas por tais movimentos, tampouco o conteúdo do relatório

elaborado e aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), é válido

relembrar, neste contexto, um pensamento freudiano datado de 1937 em um

“Prefácio” ao livro de August Aichhorn a respeito das três profissões

impossíveis educar, governar e psicanalisar, donde argumenta que a falta─

de garantias para a produção do acontecimento é o cerne de tais

impossibilidades, uma vez que os resultados tendem a ser sempre

insatisfatórios, ou como afirma Lajonquière, “sempre estão além ou aquém do

pretendido” (2006, p. 24).

Interrogamos nas reflexões iniciais, portanto, se é possível assumir as

“garantias” preconizadas pelos estudantes de pedagogia em sua formação,

levados possivelmente a crer que, uma vez (super)dotados de recursos e

técnicas bem definidas e possuidores de um discurso científico articulado,

terão o poder e controle sobre a totalidade do processo ensino-aprendizagem.

Direcionando para nossas investigações, o que atualmente pensam os

estudantes do curso de pedagogia a respeito do seu processo formativo?

Dentro de uma organização curricular, em que enfatizam tal processo:

didática, metodologias, gestão, políticas, reflexão sobre si-outros? E dentro

desse mote, que contribuições a teoria psicanalítica poderia trazer para

formação dos pedagogos?

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De antemão podemos afirmar, por meio de produções reconhecidas no

meio acadêmico e social, que muitos são os esclarecimentos oriundos da

teoria psicanalítica à prática educativa. De um modo especial, o que norteia o

interesse metapsicológico8 no campo educativo, e vice-versa, é justamente o

que está colocado a par desse último, escapando ao seu controle: os ditos

fracasso escolar, evasão, violência, problemas de aprendizagem,

desmotivação. Autores e pesquisadores como Almeida (1993, 2002, 2006),

Almeida (2001, 2003, 2006), Lajonquière (1993, 2002), Morgado (1995), Filloux

(1999), Kupfer (2001), Jerusalinsky (1999), Voltolini (2001, 2006), dentre outros

psicanalistas e educadores, reconhecendo o interesse e a possibilidade de

conexão entre Psicanálise e Educação, têm proposto a pesquisa de

instrumentos teóricos e práticos que permitam educar e ensinar

(re)conhecendo a dimensão inconsciente do sujeito.

Longe de propormos mais uma teorização pedagógica, o estudo do

diálogo entre “Inconsciente e Educação na formação do pedagogo” torna-se

relevante para esses profissionais em processo formativo pela oportunidade de

serem apresentados à teoria psicanalítica e conseqüentemente terem a

possibilidade de ampliar sua liberdade de (re)pensar a educação, bem como

refletir sobre si próprios enquanto sujeitos e educadores. Afinal o “educar”

pode ser tudo, menos um processo simples e linear.

2.2 O PROBLEMA DA PESQUISA

8 Metapsicologia indica o caráter propriamente teórico da psicanálise. Ver CELES, L. A. (2003) Psicanálise e além do mais Metapsicologia. In: R. PACHECO FILHO e outros (org.). Novas contribuições metapsicológicas à clínica psicanalítica. Taubaté, SP: Cabral Editora Universitária.

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Tendo como ponto de partida o território de minhas reflexões, atrelados

às “marcas” constituídas em minha memória educativa, emerge a questão

central dessa pesquisa: qual o impacto da disciplina Inconsciente e

Educação na formação do pedagogo? Impacto esse oriundo do latim

impactu que, por extensão, pode ser compreendido em relação aos “efeitos”

pessoais e profissionais que esta disciplina pode proporcionar ao pedagogo em

formação.

2.3 OBJETIVOS:

2.3.1 Geral

Compreender a produção (ou não) de “efeitos”, nas dimensões

pessoal/profissional, da disciplina Inconsciente e Educação na formação de

pedagogos do Curso de Pedagogia da FE/UnB.

2.3.2 Específicos

• Refletir se a proposta de uma leitura psicanalítica do campo pedagógico

e educativo incita a interrogação da prática escolar pelo professor em

formação;

• Verificar se e como os estudos fundamentados no aporte psicanalítico

permitem ao professor em formação re-significar seu percurso

educativo-escolar;

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• Discutir se e como o trabalho com a identidade do professor, enquanto

pessoa e profissional, o permite reconhecer a importância do

inconsciente na relação pedagógica;

2.4 PRÉ-TEXTO PARA OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS

Os capítulos que se seguem abrem discussões teóricas oriundas dos

campos educativo e psicanalítico, na tentativa de promover uma interface

reflexiva condizente com a questão central traçada por esta pesquisa.

Discussões metodológicas, além do mais, epistemológicas, também fazem

parte das indagações que alicerçam nosso processo investigativo.

Dessa forma, no terceiro capítulo buscou-se reconhecer, por uma

questão de identidade, o lugar que a Pedagogia ocupa no cenário brasileiro

atual, suas conseqüentes discussões em torno de um discurso e uma formação

pedagógica pertinente e o lugar de destaque ocupado pelo pedagogo em

formação. Lembrando-se de que não estamos propondo uma dissertação de

caráter histórico, apenas contextualizando o lugar que o Curso de Pedagogia

ocupa enquanto opção de formação e profissão.

Por sua vez, o quarto capítulo trata, especificamente, das iniciações

freudianas acerca do conceito de inconsciente dentro da teoria psicanalítica,

além da importância de seu legado para o reconhecimento do sujeito do

desejo em campo educativo. Neste ainda discutimos sobre o que evoca9 os

estudantes de pedagogia a cursarem a disciplina Inconsciente e Educação, a

9 Do latim evocare que significa “chamar de algum lugar”. Fonte: Software Dicionário Aurélio – Século XXI – Versão 3.0 – Ed. Nova Fronteira.

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qual traz como orientação a constituição de um olhar transdisciplinar em

matéria de educar.

O quinto capítulo traz uma discussão a respeito da disciplina

Inconsciente e Educação e a questão de uma possível transdisciplinaridade em

matéria de educar.

No sexto, abordamos sobre pressupostos e procedimentos em matéria

de pesquisa: abordagem orientadora do estudo (qualitativa), sujeitos

participantes, dispositivos e procedimento de levantamento de dados e

análise do conteúdo [da enunciação].

No sétimo capítulo podemos encontrar a análise dos dados em seus

desdobramentos, organizados nos seguintes indicadores temáticos: a falta nas

teias da educação; ambivalência no contexto educativo; transmissão de um

estilo; desejo pela docência. Com base nesses indicadores, pudemos obter

alguns resultados relacionados à interface psicanálise-educação e seus

efeitos, apresentando-os para reflexões futuras sobre a formação do

pedagogo.

Por fim, no oitavo capítulo, apontamos a importância que os resultados

obtidos significam para o trabalho como um todo, bem como para o âmbito da

formação de professores.

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CAPÍTULO 3

O DISCURSO PEDAGÓGICO ATUAL E SUA HISTÓRIA

Minha mãe estava ingenuamente convencida de que o passado era a pedra angular do presente e de que sem essa pedra tudo desmoronaria. (Philippe Áriès, historiador francês, 1994)

Refletir acerca da história da Pedagogia é interrogar, por seu intermédio,

os problemas encontrados no presente. Os fatos ocorridos em marcos

passados não estão submetidos unicamente a uma ordem cronológica,

fechada no tempo e no espaço, mas sim a uma contextualização que emerge

nos meandros da realidade educativo-escolar, vivida por professores, alunos e

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outros profissionais da educação que não apenas fazem, mas são também

sujeitos de história. Portanto, não basta olharmos para um passado de fatos e

fazermos uma análise dos acontecimentos. O primordial é refletir sobre o que

se faz desse passado, em virtude de uma re-significação do presente.

Desde sua regulamentação no Brasil em 1939 (Decreto-Lei nº 1.190), o

Curso de Pedagogia, reconhecido como “o estudo da forma de ensinar”, vem

passando por mudanças curriculares correspondentes com o momento político-

econômico-social que a nação incorpora de tempos em tempos.

Com a primeira atribuição à formação de “técnicos em educação”, o

currículo do Curso de Pedagogia já abrangeu, em decorrência da concepção

normativa da época, o extinto “esquema 3+1”, donde oferecia o título de

bacharel a quem cursasse três anos de estudos em conteúdos específicos das

áreas de Letras, Artes, Matemática, Física, Química, dentre outras; e o título de

licenciado (permitindo a docência) a quem cursasse mais um ano de estudos

dedicados à Didática e à Prática de Ensino. Era explícita, portanto, a

dicotomização entre o bacharelado (pesquisa) e a licenciatura (docência),

donde ao primeiro posto caberia a prática investigativa e ao segundo o

exercício da docência em Cursos Normais (Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Curso de Pedagogia, 2006).

Ainda experimentou em seu currículo, por Lei da Reforma Universitária

nº 5.540 de 1968, a possibilidade de o estudante optar por habilitações como:

Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção Educacional, com a

finalidade de atender ao desenvolvimento nacional e às peculiaridades do

mercado de trabalho da época (Idem, ibidem).

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Mais uma vez visando atender às exigências políticas-econômicas-sociais

do particular momento histórico (início de 1980), várias universidades

efetuaram reformas curriculares de modo a formar, no Curso de Pedagogia,

professores para atuarem na Educação Pré-escolar e nas séries iniciais do

Ensino de 1º Grau, assim nomeados na época (Idem, ibidem). Desde então, o

problema foi dirigido à específica formação do pedagogo, o qual se limitou a

atender os interesses de professores normalistas com alguma ou muita

experiência em sala de aula.

À medida que o curso de Pedagogia foi se tornando lugar preferencial para a formação de docentes das séries iniciais do 1º Grau, bem como da Pré-escola, crescia o número de estudantes sem experiência docente e formação prévia para o exercício do magistério. Essa situação levou os cursos de Pedagogia a enfrentarem a problemática do equilíbrio entre formação e exercício profissional, bem como a desafiante crítica de que os estudos em Pedagogia dicotomizavam teoria e prática (IDEM, IBID., p. 4).

Face às lacunas existentes por conta do imediatismo pedagógico

preconizado pelo curso de formação (os estudantes ingressos deveriam possuir

uma “formação prévia”!?), o próprio passou a ser objeto de severas críticas, as

quais “atacavam” os termos pedagogia e pedagógico fazendo referência

apenas a aspectos metodológicos do ensino e organizativos da escola,

segundo consta nas DCN-Pedagogia (2006).

De certo, as críticas geradas em função da dicotomização teoria-prática

causaram um “conflito de identidade” no interior do próprio curso, donde se

passara a ponderar o maior ou menor grau de importância relativo à prática no

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decurso da formação, como também a se discutir sobre uma possível

articulação teoria-prática imprescindível à formação básica do pedagogo.

Após alguns anos de recorrentes discussões, optou-se por uma formação

fundamentada na articulação dialética entre teoria e prática. Contudo, aquelas

discussões não deixaram de despejar reflexos nos dias atuais, amalgamando-

se a críticas oriundas da realidade indizível que concebe a formação do

pedagogo. É possível crer que mais se trata de uma questão de memória que

puramente histórica.

3.1 DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE

PEDAGOGIA: UM CONVITE PARA APRENDER A APRENDER?

Podemos representar como sendo um discurso pedagógico atualizado a

publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia

(DCN-Pedagogia), em DOU 4/2006. Tais diretrizes resultam de um “longo

processo de consultas e discussões, em que experiências e propostas

inovadoras foram debatidas, avaliações institucionais e de resultados

acadêmicos de formação inicial e continuada de professores foram

confrontados com práticas docentes, possibilidades e carências foram

verificadas nas instituições escolares” (p. 02).

As discussões oriundas dos últimos 25 anos levaram o Conselho Nacional

de Educação (CNE) a produzir o relatório que visa traçar o “perfil” do graduado

em Pedagogia por meio de uma “consistente formação teórica, diversidade de

conhecimentos e de práticas, que se articulam ao longo do curso” (p. 08), para

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que o mesmo possa estar “apto” a atuar, trabalhar, promover, demonstrar,

participar, realizar, utilizar, estudar, aplicar, e tantos outros verbos destinados a

preocupações (controladoras) com os processos de ensinar e aprender, além

do de gerir instituições de ensino (Observar o “Perfil do Licenciado em

Pedagogia” nas páginas em anexo).

Por mais que não tenhamos o objetivo de criticar ou negar o conteúdo

formalizado nas DCN-Pedagogia, não há como deixar de perceber o que ali se

encontra explícito: preocupações de cunho teórico, prático e metodológico

“modelando” o “perfil” do pedagogo para tornar-se apto a corresponder os

ideais da sociedade capitalista em pleno século XXI. Nesse ínterim,

concordamos com o lema proposto por Elisabete Monteiro acerca da

“pedagogia das competências” e o direcionamos para arrematar o ideário de

relação pretendida pedagogo-sociedade: “formar competências necessárias à

empregabilidade social” (2005, p. 34, grifo nosso).

Em uma consulta ao dicionário Aurélio (século XXI), identificamos que a

palavra “perfil” vem do occitânico antigo perfil, que significa, de modo

pertinente, “descrição de uma pessoa em traços rápidos; ato de alinhar

tropas”. Indaguemos, então: é contundente pensar em uma formação docente

delineada por características assumidas a priori sem levar em consideração o

ser humano, sujeito do desejo10, que está por trás (e à frente) de todo o

processo? Mais uma vez é possível notar reflexos de uma proposta curricular

10 Sujeito do desejo, nas proposições lacanianas, significa que o mesmo é um ser faltante devido à castração, e, sendo assim, encontra-se em constante busca pelo objeto perdido [objeto a] (MONTEIRO, 2005, p. 16).

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tencionada a ditar, antecipadamente, a necessidade de uma formação

controlada, já referenciada nos anos de 1980.

Segundo Monteiro (2000), não é de hoje que discussões voltadas para

além do fazer pedagógico representam uma ruptura histórica no conceito de

educação mundial. As próprias contribuições de Rousseau, datadas do século

XVIII, são consideradas marcos contra uma educação que ignorava seus

efeitos, apoiando-se principalmente no princípio do “adestramento” e na

submissão do homem aos valores tradicionais. Tanto Rousseau, quanto outros

filósofos contemporâneos introduziram as primeiras dúvidas sobre o fazer

pedagógico: “Quem sabe quantas crianças morrem [subjetivamente] vítimas

da extravagante sabedoria de um pai ou de um mestre?”11

Ainda para a mesma autora, é possível destacar um outro marco

representante de uma tentativa de rompimento contra os efeitos do paradigma

tradicional originado no século XVIII: o movimento escolanovista, datado de

1930. Tal movimento concebia a necessidade de desvirtuar do centro do

processo educativo a figura do professor, representada por um sujeito

autoritário, modelador e punitivo, para atribuir ao aluno a responsabilidade do

auto-conhecimento, natural e espontâneo, fundamentado na vertente

construtivista12 de educação, sob a égide do lema aprender a aprender.

Com a evolução do mercado de trabalho e suas respectivas exigências

ao estudante de hoje, o lema de outrora perpetua-se na tentativa de intervir

nos processos reflexivos do mesmo visando o desenvolvimento de uma

11 ROUSSEAU, J. J. (1968). Emílio ou da Educação. São Paulo, Difel, p. 60; grifo nosso.12 Em referência a teoria genética de Jean Piaget e de outros teóricos do desenvolvimento que compõem a tese de que o conhecimento é fruto da ação do sujeito (In MONTEIRO, 2005, p. 35).

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qualidade do pensar (MONTEIRO, 2005, P. 33). Sobre essa questão, Libâneo

alerta que se trata, na verdade, de ampliar a atenção sobre os processos

cognitivos voltados para ensinar o aluno a pensar; exigência que deve ocupar

o centro da gestão escolar e do projeto pedagógico (In PIMENTA, 2002).

Nesta perspectiva, Libâneo e Pimenta acreditam que um repertório de

teorias pertinentes às Ciências da Educação habilitaria o professor a uma

prática pedagógica munida de estratégias com intenções planejadas, capazes

de desenvolver, estimular e aperfeiçoar a capacidade do pensar:

... [estratégias] que ajudem o aluno a utilizar de forma consciente, produtiva e relacional o seu potencial de pensamento e que permitam torná-lo consciente das estratégias de aprendizagem a que recorre para construir e reconstruir os seus conceitos, atitudes e valores (SANTOS, apud MONTEIRO, 2005, p. 33).

A esse respeito, as DCN-Pedagogia afirmam que o egresso desse Curso

deverá estar apto a: “compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco

anos, de forma a contribuir para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre

outras, física, psicológica, intelectual, social” (2006, p. 08), acreditando na

possibilidade de um estímulo ao pensamento desde o princípio da vida

educativa das crianças pequenas.

Em linhas gerais, vale destacar os quatro posicionamentos valorativos no

lema aprender a aprender, colocados por Duarte (2001, p. 4-5):

1) Aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, em termos

educativos e sociais, àquilo que ele aprende através da

transmissão por outras pessoas;

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2) O método de construção do conhecimento é mais importante do

que o conhecimento já produzido socialmente;

3) Interesses e necessidades da criança é que devem conduzir suas

atividades;

4) A educação deve preparar os indivíduos para uma sociedade em

constante e acelerado processo de mudança.

De acordo com essa prerrogativa, Behrens (2006) defende que a

primeira década do Século XXI evoca com excelência um movimento constante

e renovador no sentido de contemplar novos horizontes voltados à formação

profissional (neste caso a do professor), produção científica, conduta, ética,

participação ativa e efetiva por parte de docentes e discentes no sentido de

contemplar as múltiplas inteligências e resgatar o humano numa perspectiva

iluminista. Argumenta, ainda, que a prática do professor deve estimular o

educando a “aprender a aprender, ser crítico e participativo, responsável por

suas ações, além de torná-lo consciente de sua função transformadora no

mundo” (p.193).

Nesta perspectiva, conforme as idéias de Monteiro (2005), para a

maioria dos autores, ensinar, atualmente, deve consistir em “conceber,

encaixar e regular situações de aprendizagem seguindo os princípios

pedagógicos ativos e construtivistas”, no lugar de um ensino chamado

tradicional, autoritário e ultrapassado. Entretanto, conforme a própria autora e

a realidade observada nas instituições educativo-escolares, a pretensa prática

educativa construtivista estabelece novos papéis em relação às funções do

professor e aluno em sala de aula. O primeiro, agora, é visto como um

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“colaborador indispensável da classe”, enquanto o segundo, seja criança ou

adolescente, é visto como “sujeito psicológico” (p. 35).

Pelas próprias DCN-Pedagogia, “para se traçar o perfil do egresso do

Curso de Pedagogia, há de se considerar que os processos de ensinar e de

aprender dão-se [...] em duplo sentido, isto é, tanto professoras (es) como

alunas (os) ensinam e aprendem, uns com os outros” (2006, p. 08). Apesar da

relevante consideração à questão relacional no cenário pedagógico, é cabível o

questionamento sobre a atribuição, ou a inversão de papéis no âmbito ensino-

aprendizagem.

Poderíamos permanecer nessa discussão em várias das próximas

páginas, todavia essa não é a questão central da pesquisa. Por mais que

discutamos de modo efervescente se há ou não coerência para se estabelecer

um perfil para o pedagogo do mundo contemporâneo, acompanhado do

convite para aprender a aprender, a polêmica tenderia ao desmoronamento se

pensássemos que os sujeitos não são iguais e não param no tempo.

É confiável a crítica advinda do último Encontro Nacional de

Coordenadores de Curso de Pedagogia das Universidades Públicas, organizado

pelo Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros/Departamentos de

Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), ocorrido em

2006, de que essas DCN-Pedagogia comportam ambigüidades, lacunas e

imprecisões que continuam demandando o aprofundamento dos estudos e

debates acerca da formação do profissional da educação e, mais

especificamente, do pedagogo. Porém, neste e em outros casos, é válido

relembrar a sábia idéia de Freud (1937) acerca das três grandes profissões

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impossíveis: governar, educar e psicanalisar, uma vez que, em se pensando na

política de formação de professores, a demanda jamais será completamente

atendida ou os resultados estarão sempre aquém dos objetivos a serem

alcançados.

3.2 A PESSOALIDADE DO PEDAGOGO EM FORMAÇÃO: QUESTÃO DE IDENTIDADE

A identidade não é um dado inato ou adquirido como um produto, mas um lugar de lutas e conflitos, um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão.

(Inês Maria Almeida, 2004)

Retomando o exposto anteriormente, em uma política de formação de

professores (neste caso, pedagogo) não basta levar em consideração as

teorias que sustentam as ciências da educação e sua disposição curricular, a

articulação das mesmas com a prática docente e a preocupação com a

aquisição de métodos e técnicas enquanto significantes primordiais para uma

formação plena. Apesar de ser importante, esta dimensão não contempla,

exclusivamente, a complexidade do fenômeno em pauta. Entendemos que nos

processos de formação - inicial e contínuo - as preocupações anteriores devem

estar vinculadas a um saber-ser, onde o vivido, o acompanhamento da

experiência, a escuta dos sentidos (conscientes e inconscientes), que

perpassam relações vividas, também devem receber sua devida relevância.

Há, portanto, uma essencialidade a ser considerada: o eu pessoal na

constituição de um eu profissional.

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Inserindo-se no movimento de busca de uma re-significação da formação

de professores, as exigências atuais têm anunciado a necessidade de

voltarmos o olhar para essas dimensões que se articulam ao mesmo tempo, de

modos distintos, porém complementares. António Nóvoa retoma no livro Vida

de Professores (1992) a discussão iniciada por Ada Abraham (1984) em relação

ao professor ser uma pessoa. No prefácio da obra, Nóvoa afirma que há uma

necessidade de se compreender na profissão docente toda a sua complexidade

humana e científica, ratificando, pois, a impossibilidade de se segregar o eu

pessoal do eu profissional.

A escola, enquanto uma instituição que se propõe transmitir um saber e

um saber fazer, tem como modelo dominante a idéia de universalidade da

ciência como epistéme, distinguindo-o, portanto, da opinião (doxa). Este

modelo, no entanto, se vê confrontado quando nos aproximamos da formação

de adultos, da formação profissional contínua. De acordo com Martins (2000),

esta aproximação promove mudanças importantes no âmbito da educação

escolar, principalmente em seus pressupostos epistemológicos, pois

educadores, teóricos da educação, etc., se vêem às voltas com questões

relativas às dimensões temporal e histórica, as quais passam a ser

consideradas como intrínsecas ao processo educacional.

Tais dimensões não se referem, no entanto, ao tempo quantitativo, aquele contado em número de horas de aula, em número de semanas de aulas, ou número de anos. Trata-se de uma "duração", de um tempo vivido, do ritmo próprio de cada um. Tempo esse que se estabelece a partir de nossos preconceitos, de nossos prismas, de nossos "filtros"... e de nossa temporalidade própria (MARTINS, 2000, p. 04).

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Nesse ínterim, é válido ressaltar que para além de um tracejado perfilar

de um profissional, como proposto pelas DCN-Pedagogia, há uma pessoa, um

sujeito constituído de sexualidade, que deseja, sente e escolhe. Portanto esse

profissional, que não nasceu professor, foi se tornando na medida em que

experimentou (des)prazeres na fase infantil e vivenciou (continuando a

vivenciar) transferências e identificações durante o percurso educativo.

De acordo com Freud, a transferência é um fenômeno psíquico

relacionado ao investimento de sentimentos e expectativas vividos

inconscientemente em uma relação passada para uma nova relação.

Transferimos para eles [mestres] o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais em carne e osso (FREUD, 1914/1986, p. 288).

Laplanche (1985) define identificação como sendo “um processo

psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um

atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo

dessa pessoa. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de

identificações” (p. 295).

Tanto as experiências educacionais vivenciadas (acompanhadas de

(des)prazeres), quanto os fenômenos psicanalíticos supracitados, são

constituintes para a formação da identidade de um sujeito – no caso, professor.

Preocupar-se com a mesma não se resume em preparar o profissional apenas

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teoricamente visando melhor adequação prática para atender às demandas do

mercado de trabalho, mas também permitir que o próprio sujeito em formação

reflita sobre sua opção profissional revendo e re-significando acontecimentos

do passado (muitas vezes uma lembrança encoberta13) que o impulsionaram a

implicar-se como professor. Nesse sentido, devemos reconhecer que o mesmo

é também um sujeito marcado por seu próprio desejo inconsciente. Aliás, é

exatamente esse desejo que o impulsiona para a função que exerce.

Freud, em suas Novas conferências em psicanálise, afirma que o

educador jamais deixará de se defrontar com a constituição pulsional14 da

criança (a outra e a que está dentro de si – grifo nosso). Logo, para que o

professor possa dar conta de seu trabalho, ele deve ser capaz de:

[...] reconhecer a particularidade constitucional do educando, de inferir, a partir de pequenos indícios, o que está se passando na mente imatura desta, de dar-lhe a quantidade exata de amor e, ao mesmo tempo, manter um grau eficaz de autoridade (FREUD, 1932/1975a, p. 183).

... Reiterando o que já havia afirmado em 1913, em O interesse

científico da psicanálise:

[...] somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais entendemos a nossa própria infância (FREUD, 1913/1996, p. 124).

13 Segundo Freud (1899/1996), uma recordação cujo valor reside no fato de representar na memória impressões e pensamentos de uma data posterior cujo conteúdo está ligado a ela por elos simbólicos ou semelhantes, pode ser perfeitamente chamada de “lembrança encobridora” (p. 298).14 Termo psicanalítico relacionado à pulsão sexual, sendo essa uma energia ou força que circula de forma contraditória e conflituosa, inerente ao ser vivo, e que se manifesta no âmbito psíquico de modo particular, por ser marcada pelos afetos, imagens e, sobretudo, pela linguagem (HANNS, 2004, p. 139-0).

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Por isso, conforme Monteiro (2005), ao renovar o conhecimento sobre o

infantil, destacar sua importância e sua complexidade, demonstrar a

essencialidade do inconsciente na origem das relações, além de explicitar as

etapas do desenvolvimento infante, “a psicanálise contribuiu com a idéia da

originalidade da criança, de uma visão nova da infância, da qual a educação

pôde tirar proveito” (p. 150). Portanto, em se pensando no percurso educativo

do professor, há que se pensar na criança que habita seu âmago: essência de

sua alma.

3.3 MEMÓRIA EDUCATIVA: DISCURSO PEDAGÓGICO SUI GENERIS

O que eu falei foi exato? Foi. Mas terá sido? Acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado.

(Vidas Secas, Guimarães Rosa)

Considerando que as escolhas profissionais são marcadas também por

processos inconscientes (cf. BOHOSLAVSKY, 1991), os cursos que promovem a

formação de professores (licenciaturas, cursos de magistério (escola normal) e

pedagogia) deveriam incluir em seus programas curriculares, além dos

conteúdos que dizem respeito aos conhecimentos teóricos e práticos relativos

à profissão, estratégias de formação que remetessem os alunos a uma reflexão

mais profunda acerca de suas experiências educacionais e aos sentidos que

eles atribuem à profissão de educador, ou seja, ao vivido e suas vicissitudes

(MARTINS, 2000, grifo nosso).

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Em se tratando da formação do pedagogo, cabe aos promotores dos

cursos de pedagogia proporcionar aos seus alunos em formação (inicial e

contínua) espaços de reflexão de tal forma que possam ter clareza quanto aos

motivos que os levaram a escolher a profissão de professor, ou a atuarem

dessa ou daquela forma15.

Uma proposta para que isso seja possível é a elaboração e análise

individual/coletiva da memória educativa, a qual compõe a respectiva

dissertação tanto em essência quanto em dispositivo de investigação.

Almeida (2001) traz em sua tese de doutorado ─ Re-significação do

papel da Psicologia da Educação na formação continuada de professores de

Ciências e Matemática a concepção de que a identidade do professor, e/ou─

futuro professor, vai se formando ao longo de sua trajetória como aluno nos

diferentes contextos em que vivenciou e compartilhou experiências, muitas

das quais tendem a se transformar em crenças acerca do processo de ensino-

aprendizagem, como também em possíveis reproduções da prática docente.

Nesse sentido a autora propõe, por meio do dispositivo da memória educativa,

uma volta ao passado de tal forma que sejam resgatados pessoas, processos e

episódios dessa experiência vivenciada singularmente, identificando questões

(psico)pedagógicas que possam vir a integrar a prática desse professor e,

possivelmente, compor seu próprio discurso pedagógico.

Almeida (2001) ratifica, portanto, que o registro desse material

histórico/pessoal é riquíssimo no sentido do processo de constituição e re-

15 Esse é um dos temas que será bem detalhado na parte de análise do conteúdo, já que se trata de um dos motes de investigação oriundos da própria história de formação da pesquisadora.

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significação da identidade do sujeito como professor; e propõe, para tanto, a

necessidade de um aprofundamento na leitura desse material, a ser clareada,

especialmente, por conhecimentos advindos do saber psicanalítico. Afinal,

memória, como formadora do próprio aparelho psíquico, é o ponto em torno do

qual gravitam as primeiras considerações teóricas e clínicas de Freud.

Assim, apesar da conexão psicanálise-educação estar longe de ser um

campo de grandes acordos, como observa Lajonquière (2002), esta dissertação

pressupõe a possibilidade de um diálogo entre um saber (que não se sabe)

acerca (da teoria) do inconsciente e o processo de re-significação por parte do

próprio educador (pedagogo) sobre seu percurso educativo-escolar.

CAPÍTULO 4

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O INCONSCIENTE E A EDUCAÇÃO

Não foi meu objetivo neste artigo colocar ante um público cientificamente orientado uma descrição do alcance e do conteúdo da psicanálise ou de suas hipóteses, problemas e descobertas. Meu objetivo terá sido atingido se eu tiver deixado claras as muitas esferas de conhecimento em que a psicanálise é de interesse e os numerosos vínculos que começou a forjar entre elas.

(FREUD, O interesse educacional da psicanálise)

Antes de adentrarmos nos primeiros ensaios freudianos sobre a teoria do

inconsciente, e suas contribuições para uma compreensão do fenômeno

educativo-escolar, buscaremos realizar um breve “apanhado” histórico na

tentativa de compreender as primeiras especulações filosóficas acerca da

natureza de fenômenos psicológicos inconscientes.

Consultando livros e artigos sobre “História da Psicologia Moderna”

(dentre eles podemos exemplificar o de Schultz & Schultz, 2000), vimos que

até o advento do comportamentalismo16 (início do século XX) a psicologia

cientificista se ocupava da experiência mental consciente, tal qual o foco de

interesse de filósofos empiristas. Contudo, nem todos que trabalhavam com

esta dimensão concordavam com suas orientações. Alguns admitiam, também,

a importância de processos não conscientes nos resultados de suas análises.

Schultz & Schultz (2000) afirmam que, embora o interesse pela

influência do inconsciente possa remontar a Platão (427-347 a.C.), o

pensamento mais recente sobre o tópico acompanhou a obra de Descartes, no

16 “O comportamentalismo é uma conseqüência direta de estudos sobre o comportamento animal feitos no decorrer da primeira década do século XX” (Watson, 1929, p. 327).

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século XVII. E após quase três séculos de sua existência, ainda é em torno da

inabalável certeza do cogito que gira o pensamento filosófico atual (GARCIA-

ROZA, 2005).

No princípio do século XVIII, o filósofo e matemático alemão Gottfried

Wilhelm Leibnitz (1646-1716) desenvolveu uma teoria chamada monadologia.

Leibnitz considerava as mônadas elementos individuais de toda realidade,

sendo que cada uma delas significava uma entidade psíquica inextensa.

Embora de natureza mental, a mônada tinha algumas das propriedades da

matéria física, e quando uma quantidade suficiente delas se agregava, criava-

se uma extensão (SCHULTZ & SCHULTZ, 2000).

Comparando as mônadas às percepções, Leibnitz acreditava que os

eventos mentais tinham diferentes graus de clareza ou consciência, podendo

variar do completamente inconsciente ao definidamente consciente. Mas essa

noção era a de um inconsciente cognitivo, e não pulsional, como em Freud.

Um século adiante (XVIII), o filósofo e educador alemão Johann Friedrich

Herbart (1776-1841) aprimorou a noção do inconsciente de Leibnitz, criando o

conceito limiar da consciência. Segundo sua acepção, as idéias que estão

aquém deste limiar são configuradas como inconscientes, e para compreender

o conflito entre elas por uma realização consciente, Herbart propôs fórmulas e

equações matemáticas, revelando uma formulação meramente mecanicista

sobre tal dimensão.

Um trabalho que teve grande impacto sobre as idéias freudianas foi a

sugestão de Gustav Fechner (1801-1887), ao afirmar que a mente humana é

equivalente a um iceberg. “Em sua analogia com o iceberg, Fechner especulou

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que uma parcela considerável da mente está oculta sob a superfície, onde é

influenciada por forças não observáveis” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2000, p. 326).

Ao iniciar sua prática clínica no ano de 1880, Freud se deparou com o

interesse dos profissionais e leigos sobre a idéia da dimensão inconsciente. Por

exemplo, um livro chamado Filosofia do Inconsciente (1869), de Hartmann, era

tão popular que teve nove edições publicadas até o ano de 1882. “Nos anos de

1870, ao menos meia dúzia de outros livros publicados na Alemanha tinha a

palavra inconsciente no título” (Idem, ibidem).

Portanto, subscreve-se que Freud não foi o primeiro a descobrir ou

mesmo a discutir seriamente sobre a dimensão inconsciente. Ele mesmo

reconheceu que poetas e filósofos pré-contemporâneos tinham se interessado

por aquela. O que ele inventara fora um modo específico de investigá-la e

estudá-la, deixando um verdadeiro legado a toda humanidade.

4.1 ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O CONCEITO DE INCONSCIENTE E OUTRAS CONTRIBUIÇÕES

É nas lacunas das manifestações conscientes que temos de procurar o caminho do inconsciente.

(Freud, 1915)

4.1.1 Da primeira tópica psíquica

Freud escreveu que, no transcorrer da modernidade, os humanos foram

feridos (narcisicamente17) por três vezes: a primeira ferida proveio de

Copérnico, ao provar que a Terra não estava no centro do Universo e que os

17 Em referência ao mito de Narciso, jovem que morreu afogado ao apaixonar-se pela sua imagem refletida no espelho d’água. Narcisismo significa, então, o encantamento e a paixão que sentimos por nossa própria pessoa porque não conseguimos diferenciar o eu e o outro (Chauí, 2000, p. 166).

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homens não eram o centro do mundo; a segunda foi causada por Darwin,

quando demonstra que não éramos uma exceção na criação da natureza, mas

parte contínua dela; e a terceira por Freud, “quando indica não sermos

senhores nem mesmo em nossa própria morada, uma vez que não estamos

totalmente no comando daquilo que pensamos” (VOLTOLINI, 2006, p. 37).

É bem verdade que o sujeito, pessoa na qual se origina uma pulsão18,

não foi mais o mesmo depois que Freud passou a investigar a dimensão

inconsciente, principalmente após a publicação de sua reconhecida e “valiosa”

obra (cf. o próprio afirmou após 30 anos) A interpretação dos sonhos (1900).

Nesta escreve Freud: A interpretação dos sonhos é a via real que leva ao

conhecimento das atividades inconscientes da mente, “e não apenas isso, mas

também é o melhor caminho para o estudo da neurose”, conforme Garcia-Roza

(in GARCIA-ROZA, 2005, p. 62).

Rompendo com o tratamento puramente neurológico o qual havia

atribuído em Projeto para uma psicologia científica (1895), Freud afirmou (em

A interpretação dos sonhos) que os sonhos, enquanto fenômenos psíquicos,

além de possuírem sentidos, são também realizações de desejos. E pelo fato

dos sonhos serem produções e comunicações do sujeito que sonha, além de

possuírem sentidos (oriundos de pensamentos oníricos latentes) passíveis de

interpretação, é que a psicanálise se articula com a linguagem (GARCIA-ROZA,

2005).

Importante observação: justifica-se o nosso interesse pelo campo de

investigação Psicanálise-Educação (escolar) pelo fato de ambas só ocorrerem

18 HANNS, Luiz Alberto (2004). Obras psicológicas de Sigmund Freud: escritos sobre a psicologia do inconsciente. Vol I. Rio de Janeiro: Imago Ed., p. 169.

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por intermédio da linguagem. Contudo, não estamos propondo uma aplicação

terapêutica a este campo, apenas ressaltando as contribuições

metapsicológicas que nos levaram a um esclarecimento acerca das

vicissitudes decorrentes e ocorrentes nas relações de ensino-aprendizagem.

Em decorrência da necessidade em se saber mais sobre os primeiros

comentários freudianos acerca do conceito de inconsciente, nos reportaremos

a Garcia-Roza (2005) e sua afirmativa em relação à fundamental compreensão

sobre esta dimensão. Segundo o autor, o inconsciente suposto por Freud não é

uma coisa no interior da qual os pensamentos latentes são transformados e

distorcidos; tampouco algo comparável às “profundezas” do psiquismo de

cujas entranhas emergirá um material misterioso e inacessível ao pensamento

consciente. Mas sim, na realidade, é algo que fala à sua maneira, com sintaxe

particular. Relembrando Lacan, com sua famosa frase, o inconsciente é

estruturado como uma linguagem (MANNONI apud GARCIA-ROZA, idem, p. 65).

Sabe-se que, para Freud, a linguagem ocupa um lugar de ocultamento,

isto é, o sentido que ela representa e oculta um outro de maior relevância, e

essa mesma será tão maior quão grande for a articulação entre a linguagem e

o desejo. Nesse sentido, enquanto o discurso racionalista procurava afastar o

desejo para que a verdade pudesse aparecer na sua “pureza”, a psicanálise

vai procurar exatamente a verdade do desejo (GARCIA-ROZA, idem, p. 66).

Podemos conjeturar, pois, que essa seja uma grande contribuição da teoria

psicanalítica para o campo educativo, não com a intenção de sondar as

mentes das crianças com o objetivo de melhor educá-las (cf. nos alertou Freud,

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1913), mas com a idéia de que possamos olhar para a nossa própria infância e

poder atribuir algum sentido ao que foi feito de nós.

Em 1909, na apresentação de Cinco lições de psicanálise, e sua

conseqüente publicação em 1910, Freud realizou a primeira exposição

sistemática de sua teoria, sendo considerada por muitos pesquisadores, dentre

eles Durval Marcondes (1931), a leitura mais apropriada para quem aborda

pela primeira vez a obra do mestre.

Sem intenções de prolongar ou repetir suas falas, achamos importante

relembrar, para um bom encaminhamento do nosso texto, o momento em que

Freud explana os princípios de suas pesquisas com pacientes histéricas, por

volta de 1882, e chega à conclusão no famoso trabalho Estudos sobre a

histeria (1895), ao lado de seu mentor Dr. Joseph Breuer, que “os histéricos

sofrem de reminiscências” (1910, p. 33). Em decorrência disso, suas primeiras

falas acerca da dimensão inconsciente advêm da época em que a prática

analítica vinculava-se à técnica da hipnose. Pela mesma, segundo suas

próprias palavras, “era possível, depois de considerável esforço, trazer cenas

patogênicas à memória” (p. 35). Entretanto, em um outro momento, indicou

que:

Pelo estudo dos fenômenos hipnóticos tornou-se habitual a concepção, a princípio estranhável, de que num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro, e que podem alternar entre si em sua emersão à consciência. [...] Quando nessa divisão da personalidade a consciência fica constantemente ligada a um desses dois estados, chama-se esse estado mental ‘conscience’ e o que dela permanece separado o ‘inconsciente’ (p. 35).

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Uma vez decidindo por abandonar tal prática sugestiva, e adotando por

procedimento a livre associação, Freud pôde compreender em seus estudos

que, embora recordações penosas manifestem-se associativamente à

consciência de seus pacientes, permitindo-os certo apaziguamento, “o impulso

desejoso continua a existir no inconsciente, à espreita de oportunidade para se

revelar” (p. 42).

Ao se deparar com relatos de experiências intrigantes, envolvendo

relações primitivas fantasiadas (ou não), e suas demasiadas tentativas para

explicar a origem do recalque19, Freud escreve à Fliess em 1987 afirmando

“não acreditar mais em sua neurótica (enquanto teoria)”, principalmente pelo

fato de ter constatado naquelas experiências participação ativa não apenas

dos pais, mas também o envolvimento das crianças as quais não estavam sós,

e sim acompanhadas de fantasias perversas-polimorfas.

Após essa crise e a conseqüente nomeação de que “a interpretação dos

sonhos seria a base mais segura da psicanálise (1900)”, Freud estruturou o

psíquico enquanto um aparelho constituído de sistemas ou instâncias,

chamadas por ele de topos. Daí a constituição da 1ª tópica freudiana, à época

composta por inconsciente, pré-consciente e consciente.

Verdadeiramente, para Freud, não importa os topos ocupados por cada

uma dessas instâncias, mas sim a posição relativa que cada uma mantém com

as demais. Por exemplo, a dimensão inconsciente só pode ter acesso à

consciência através do sistema pré-consciente/consciente, sendo que nessa

19 Aquilo que afasta da consciência desejos, sentimentos e idéias relativos ao outro, mas que continuam a agir do inconsciente com intensidade e persistência (FREUD, 1910, p. 58).

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passagem seus conteúdos latentes se submetem às exigências da última

dimensão. Portanto, qualquer que seja o conteúdo do inconsciente, ele só

poderá ser conhecido se transcrito (modificado e/ou distorcido) pela sintaxe do

pré-consciente/consciente (GARCIA-ROZA, 2005).

Sem dúvida, o fator de maior relevância neste momento proposto por

Freud concerne ao fato de que o termo “inconsciente” deixou de ser

empregado de modo meramente descritivo para um modo sistemático e

dinâmico (Idem, ibidem).

Um outro importante momento na retomada freudiana em relação a uma

conceituação do inconsciente na psicanálise está divulgado na publicação do

artigo Alguns comentários sobre o conceito de inconsciente na psicanálise, de

191220. Neste, pela primeira vez, ele forneceu uma longa e ponderada

exposição de sua hipótese sobre os processos mentais inconscientes e

especificou os diversos sentidos em que empregou o termo “inconsciente”

(enquanto descritivo, sistemático e dinâmico), chegando à compreensão de

que essa dimensão denomina não só as idéias latentes (prestes a emergir) em

geral, mas sobretudo àquelas que, apesar de sua intensidade e atividade, se

mantêm distantes da consciência (HANNS, 2004).

Assim afirma Freud:

[...] designemos como “consciente” apenas a representação que está sendo percebida e que está presente em nossa consciência. Portanto, estaremos atribuindo ao termo “consciente” unicamente esse sentido. Em contrapartida, todas as representações latentes que tenhamos motivos para supor que existam na dimensão psíquica como era o caso da

20 Esse artigo encontra-se na íntegra na referência HANNS, Luiz Alberto (2004). Obras psicológicas de Sigmund Freud, op. cit.

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memória serão denominadas “inconscientes” (apud HANNS, idem, p. 83).

Configurado, pois, como relevante estudo preliminar da obra

metapsicológica O Inconsciente (1915), Freud evoca um dado cujo

conhecimento, afirma o próprio, devemos à psicanálise (Idem, p.86).

De modo análogo ao que ocorre com os sintomas neuróticos, também em indivíduos saudáveis encontramos com freqüência determinados distúrbios funcionais, como o ‘lapsus linguae’, os erros de memória e fala, o esquecimento de nomes, etc. [...] Como se pode demonstrar, esses distúrbios são dependentes de idéias inconscientes fortes (Idem, ibid.).

Nesse sentido, é possível perceber o quão é inevitável a ação do

inconsciente em nosso cotidiano, cujo sistema é regido por leis próprias,

impossível de ser manipulado. Em se pensando no campo da educação-

escolar, um esclarecimento que esse conceito freudiano pode nos fornecer,

principalmente à formação de professores, é que o sujeito do inconsciente não

deve desejar ocupar todo o espaço e reinar sozinho como mestre, mas sim ser

capaz de manter a diferença e a alteridade sem se deixar capturar pela

armadilha da verdade. Como nos inspira Cifali (2005), em seu texto sobre a

Psicanálise e escritura da história em Michel de Certeau21, ao afirmar que

“estamos condenados a não ter razão sozinhos, uma vez que interagimos com

um outro também possuidor de um inconsciente constituído por pulsões,

recalques e desejos” (p. 59, grifo nosso).

21 In: MRECH, Leny Magalhães (2005). O impacto da psicanálise na educação. São Paulo: Editora Avercamp.

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Optamos, assim, pela nomeação “sujeito do inconsciente” em

concordância com a proposta da psicanalista Silvia Bleichmar (1994), quando

afirma que o sujeito com um aparelho psíquico clivado é provido de

inconsciente (p. 08). Sabe-se que, para Freud, o inconsciente não é dado desde

as origens, época em que o ego também não está constituído e em que ainda

não se estabeleceu uma clivagem no aparelho psíquico. Portanto, as primeiras

marcas/inscrições oriundas dos pais e/ou responsáveis submeterão a criança

ao recalque (originariamente sexual), possibilitando assim a constituição do

inconsciente e a estruturação da tópica psíquica (Idem, ibidem).

Dessa forma, graças ao estudo psicanalítico dos sonhos é que Freud

pôde avançar suas reflexões acerca da dimensão inconsciente, a qual, no

início, parecia-lhe apenas uma enigmática característica de determinado

processo psíquico e, na medida em que seus conhecimentos foram avançando,

essa passou a ter um valor de signo, de uma marca reveladora que

ultrapassara em muito a importância de seu significado como propriedade.

Assim, de acordo com sua própria fala:

À falta de uma expressão melhor e menos ambígua, daremos o nome de “o inconsciente” ao sistema que se revela por meio de um signo indicativo da inconsciência de cada um dos processos psíquicos que o compõem (FREUD, apud Hanns, 2004, p. 89).

Entretanto, apesar do reconhecido avanço, Freud se questiona em seu

texto metapsicológico de 1915 sobre como seria possível chegar a um

conhecimento do inconsciente, se só o conhecemos como algo consciente.

Logo adiante nos mostra que essa tradução é possível se a pessoa, sob

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análise, superar certas resistências. No caso que estamos tratando neste

projeto de pesquisa ─ a formação do pedagogo da UnB que teve contato com

a teoria psicanalítica por meio da disciplina, como seria possível permitir uma

compreensão, por parte dos estudantes, acerca da atuação do inconsciente

em nossas vidas sem se cometer o deslize de realizar uma “análise selvagem”

em plena sala de aula?

Sucintamente, paralelo à teoria sustentada por Freud e seus sucessores

no campo de investigação Psicanálise-Educação, o questionamento proferido

acima é possível por meio de dispositivos como é o caso da ─ memória

educativa, indispensável para a disciplina Inconsciente e Educação e para esta

pesquisa que permitem uma enunciação do sujeito do inconsciente e um─

reconhecimento singular por parte do próprio aluno acerca desta dimensão,

seguindo o aforismo freudiano de que o “inconsciente é incognoscível em si

mesmo, mas é explorado por seus efeitos” (BLEICHMAR, 1994, p. 59).

Assim, a defesa de Freud para que a suposição da existência do

inconsciente seja reconhecida cientificamente enquanto necessária e legítima

discorre de dados que provam sua existência. Argumenta, primeiramente, que

manifestações conscientes apresentam um número muito grande de lacunas,

tanto em pessoas sadias quanto em doentes, e complementa, em 1915, que

suas experiências diárias o havia familiarizado com idéias que assomavam à

sua mente sem saber qual a procedência das mesmas. Para ele, portanto,

esses atos conscientes permaneceriam desligados e ininteligíveis se

insistíssemos em sustentar que todo ato mental que ocorre conosco

necessariamente deve também ser experimentado por nós através da

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consciência; por outro lado, os próprios atos seriam passíveis de demonstração

se houvesse uma interpolação entre eles e os atos inconscientes sobre os

quais Freud conjeturava naquela época. Todavia, apesar de reivindicar um

reconhecimento científico em prol da teoria que ora sustentara, Freud é

conciso ao assegurar a impossibilidade de se exigir que tudo o que ocorra na

mente deva ser também conhecido pela consciência.

Em segundo lugar, o pai da psicanálise sustenta que a suposição de um

inconsciente é perfeitamente legítima por meio de uma justificativa lacônica.

Afirma que a consciência sugere a cada um de nós uma conscientização

apenas de nossos próprios atos mentais, já que inferimos, por analogia de

declarações e ações observáveis, que outras pessoas também a possuem. A

psicanálise, por sua vez, exige apenas que apliquemos esse processo de

inferência a nós mesmos procedimento que Freud acredita não estarmos─

naturalmente inclinados, a fim de que possamos perceber que atos e

manifestações oriundos de nossa pessoa, e que não são passíveis de

explicação, “ocorrem como se pertencessem a outrem” (FREUD, 1915, p. 44).

A que outrem Freud se refere? Ao outrem que está dentro de nós mesmos, ao

nosso inconsciente que enuncia, parcialmente, através de fenômenos

lacunares como chistes, lapsos e atos falhos, “atropelando” o sujeito que por

ora se intitula em estado de plena consciência (GARCIA-ROZA, 2005).

Nesse ínterim, Freud adverte que não tem outra opção senão afirmar

que os “processos mentais são inconscientes em si mesmos”, e “assemelhar a

percepção deles por meio da consciência à percepção do mundo externo por

meio dos órgãos sensoriais” seria um modo exíguo de sustentação teórico-

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científica naquele momento (Idem, p. 46). Não deixa, pois, de fazer uma

alusão à advertência de Kant sobre a importância de não se desprezar o fato

de que as percepções são subjetivamente condicionadas, não devendo,

portanto, ser consideradas como idênticas. Da mesma forma a psicanálise

adverte aos sujeitos, para que não se estabeleça uma equivalência entre as

percepções adquiridas por meio da consciência e os processos mentais

inconscientes que constituem seu objeto. “Assim como o físico, o psíquico, na

realidade, não é necessariamente o que nos parece ser” (Idem, ibidem).

4.1.2 Da segunda tópica psíquica

Após fazer várias revisões relacionadas ao que já havia pensado,

experienciado e escrito, demonstrando mais uma vez que as idéias se

constituem por serem dinâmicas (e não se constroem pressupondo um fim),

Freud propôs uma substituição tópica ao que havia estruturado como

inconsciente – pré-consciente – consciente, nomeando id – ego – superego

como a segunda tópica de estruturação psíquica (concepção publicada em O

ego e o id, 1923).

Em seus escritos seguintes, tornou-se aparente que, tanto no que

concerne ao inconsciente quanto no que concerne ao ego, o critério de

consciência não era mais útil na construção de uma representação estrutural

da mente. Assim, Freud abandonou o uso da consciência nessa capacidade:

“estar consciente” deveria doravante ser encarado simplesmente como uma

qualidade que poderia ou não estar ligada a um estado mental. O antigo

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sentido “descritivo” do termo foi, em verdade, tudo o que permaneceu. A nova

terminologia que Freud agora introduzira teve um efeito altamente

esclarecedor e, assim, tornou possíveis novos avanços clínicos. Em si mesma,

porém, não envolveu quaisquer alterações nas opiniões de Freud sobre a

estrutura e o funcionamento mentais (1923, p. 5).

O mesmo escreve, então, em uma nota introduzida numa edição

posterior de A interpretação dos sonhos: “o desenvolvimento posterior deste

esquema desdobrado linearmente [referindo-se à primeira tópica] deverá levar

em conta esta suposição de que o sistema que sucede ao pré-consciente é

aquele a que devemos atribuir à consciência” 22.

Não temos como objetivo, neste momento, detalhar o conteúdo que

compõe essa segunda estruturação, enquanto conjunto de elementos que

separadamente possui funções específicas, nem analisar a dinâmica existente

entre as dimensões que a constitui. Todavia não há como ignorar, nesta etapa

de compreensão teórica sobre o conceito de inconsciente elaborado por Freud,

o que quer dizer a segunda tópica e a sua importância para a compreensão de

fenômenos inconscientes enquanto enunciações em nosso cotidiano, em

particular, educativo.

De modo análogo à primeira, a segunda tópica foi estruturada por Freud

em caráter metafórico, não correspondendo exatamente a lugares anatômicos.

Apesar disso, o modo com que suas três instâncias operam não demonstra

neutralidade, impondo ao objeto, inevitavelmente, a sua marca de origem.

22 Informação obtida no site “Psicanálise freudiana”: http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html. Data: 15/02/2007.

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Para designar o que fica a cargo da inconsciência na estruturação

psíquica, Freud usou inicialmente o termo em alemão Es (isso), sugerido pelo

psicanalista Georg Groddeck em 1921, e o conceituou em 1923 como Id (isso)

pelo fato desta instância abrigar um conjunto de conteúdos de natureza

pulsional e de ordem inconsciente. Escreve o próprio Freud: “chamamo-lo de

caos, um caldeirão repleto de fervilhantes excitações”, e acrescenta que o id,

“não conhece juízos de valor, nem o bem e o mal, nenhuma moralidade”

(1933, p. 94).

Buscando, pois, satisfação imediata, o id é considerado um reservatório

pulsional desorganizado, assimilado a um verdadeiro caos, sede de “paixões

indomadas” que, sem a intervenção do eu, caminharia inelutavelmente para a

perdição do sujeito. Age, portanto, de acordo com o que Freud denominou

princípio do prazer23, relacionado à redução da tensão (esta provocada pelo

aumento da libido) por meio da busca pelo prazer.

Já a segunda instância, o ego (eu), designada primeiramente como da

ordem da consciência, tornou-se na segunda tópica em grande parte

inconsciente, isto é, sua atuação não é vista de forma independente do id.

Operando de acordo com o que Freud denominou princípio da realidade, o ego

mantém em suspenso a energia advinda do id (pulsional) até que se encontre

um objeto “apropriado” no qual seja possível descarregar a tensão provocada

pelo acúmulo de energia, gerando, pois, prazer. 23 Os dois princípios do acontecer psíquico ─ princípio do prazer; princípio da realidade ─ foram ensaiados por Freud na obra Formulações sobre os dois princípios do acontecer psíquico (1911) e irão percorrer toda a sua teoria até a publicação de Além do princípio do prazer (1920), onde Freud estabelece de forma definitiva a sua clássica concepção do aparelho psíquico e se indaga se tal aparelho se submete a uma tendência mais radical, indo além do princípio do prazer, mas o antecedendo. Insere, neste contexto, o dualismo pulsão de vida X pulsão de morte.

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E, por fim, a terceira instância psíquica, o superego24 (supereu),

representa para Freud todas as restrições morais que se impõem ao humano.

Não há como negar o fundamental papel da educação na estruturação do

superego de um sujeito, visto que, classicamente, o mesmo é definido como

herdeiro do complexo de Édipo25; constituindo-se por interiorização das

exigências e das interdições parentais. Ou seja, quando a criança renuncia à

satisfação edipiana (ocorrendo a dissolução do complexo), as proibições

externas são internalizadas. É importante salientar que a concepção freudiana

de superego não obteve unanimidade entre os psicanalistas contemporâneos e

pós-contemporâneos.

Desde a tenra infância as crianças são submetidas a regras de

convivência exigidas por determinada sociedade/cultura, e que passam a ser

ensinadas pelos pais mediante um sistema de recompensas e punições. Freud

sublinhou em 1923, porém, que o superego não se constrói segundo o modelo

dos pais, mas segundo o que é constituído pelo superego deles. A transmissão

dos valores e das tradições perpetua-se, dessa maneira, por intermédio dos

superegos, de uma geração para outra; isto é, pelo inconsciente dos pais.

Assim sendo, ao ingressar na escola a criança depara-se com um outro

que também, tal qual seu responsável, lhe incutirá certas regras em prol de

um convívio social. Desse modo, o comportamento infantil é “controlado”, de

início, por “regras” impostas pelos pais, professores; contudo, uma vez que

24 O termo de Freud para superego era uma palavra alemã cunhada como über-ich, significando, literalmente, sobre-eu. Fonte: http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html. Em 15/02/2007.25 Em referência ao mito grego no qual o herói tebano Édipo, filho de Laio e Jocasta, decifrou o enigma da Esfinge e, por infortúnio, matou o pai e se casou com a mãe.

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tenha se dado a estruturação do superego, o mesmo é passível de

desempenhar funções de auto-observação, formação moral, de ideais e de

julgamentos (FREUD, 1923).

É possível compreender, por meio da leitura em Freud (1923; 1933), que

o superego, apesar de estar em contato direto com o id, tem a especial função

de inibir, por completo, sua realização pulsional enquanto um “defensor de um

impulso rumo à perfeição” (FREUD, 1933, p. 67). Assim, conforme Peter Gay

(1989), as pulsões advindas do id podem ser comparadas a “presidiários anti-

sociais” que devem ser “tratados com muito rigor e estreitamente vigiados”

pelo ego e superego (p. 128). Apesar de tudo, sempre haverá um “furo”, uma

passagem que possibilite um escape das tensões oportunizando a livre

manifestação do inconsciente a qual, muitas vezes, passa despercebida pelo

sujeito. E isto é o isso, aquilo que escapa ao sentido.

Procuramos, dessa forma, direcionar o que vem a ser, para nós, de

fundamental relevância em matéria de iniciação ao estudo do aporte

psicanalítico, dando ênfase ao que muitos psicanalistas e pesquisadores

consideram como fundamento da psicanálise: o conceito de inconsciente.

Optamos por ensaiar alguns comentários do conceito de inconsciente

em Freud visando capturar os estudantes de graduação em pedagogia (não só

da FE/UnB), os quais, em sua grande maioria, ingressam na disciplina

“Inconsciente e Educação” (ou outra de similar cunho teórico) sem uma noção

do significado de inconsciente. E para finalizar esse tópico, como pretexto para

outras idéias, aludiremos Laplanche e Pontalis com a afirmativa de que “se

fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra

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seria incontestavelmente a de inconsciente” (citado por GARCIA-ROZA, 2005,

p. 168).

4.2 SOBRE O REPRESENTANTE DA EDUCAÇÃO PRIMORDIAL: O SUPEREGO

Muito certo, podemos dizer, temos nessa natureza mais alta (ideal do ego ou superego) o representante de nossas relações com nossos pais. Quando éramos criancinhas, conhecemos essas naturezas mais elevadas, admiramo-las e tememo-las, e, posteriormente, colocamo-las em nós mesmos.

(Sigmund Freud, 1923)

A divisão do psíquico “consciente e inconsciente” constitui a premissa

fundamental da psicanálise, embora esta não possa situar a essência do

psíquico na consciência. Ainda assim, aquela é obrigada a encarar esta como

uma qualidade do psíquico, que pode achar-se presente em acréscimo a outras

qualidades, ou estar ausente.

Em 1923, Freud acrescenta a idéia de que em cada sujeito existe uma

organização coerente (e particular) de processos mentais, e a isso chamou de

ego. É a esse ego que a consciência se acha ligada: o ego controla as

abordagens à motilidade — isto é, à descarga de excitações para o mundo

externo. Ele é a instância mental que supervisiona todos os seus próprios

processos constituintes e que vai dormir à noite, embora ainda exerça a

censura sobre os sonhos.

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Já para a concepção freudiana de inconsciente, contudo, as

conseqüências de sua descoberta são ainda mais importantes. As

considerações dinâmicas o fizeram efetuar a primeira correção:

“Nossa compreensão interna (insight) da estrutura da mente conduz à segunda. Reconhecemos que o inconsciente não coincide com o reprimido; é ainda verdade que tudo o que é reprimido é inconsciente, mas nem tudo o que é inconsciente é reprimido. Também uma parte do ego — e sabem os Céus que parte tão importante - pode ser inconsciente, indubitavelmente é inconsciente” (FREUD, 1923, p. 11).

Cabe destacar, ainda, o que para Freud, a priori, configurou-se como um

fenômeno de ordem “estranha”. Em suas experiências analíticas, descobriu

que existem pessoas nas quais as faculdades de autocrítica são inconscientes

e, inconscientemente, produzem efeitos da maior importância. O exemplo da

resistência em análise é um deles, mas não o único.

A nova descoberta trouxe, portanto, outros problemas às elaborações

freudianas, especialmente quando este chegou a perceber que num grande

número de neuroses um “sentimento inconsciente de culpa” desempenhara

um papel econômico decisivo, colocando os obstáculos mais poderosos no

caminho do restabelecimento. Nesse ínterim, quando Freud retorna à escala de

valores estabelecida por ele na segunda tópica, compreende que não é apenas

o que é mais baixo, mas também o que é mais elevado no ego pode ser

inconsciente. De acordo com suas próprias palavras:

Se o ego fosse simplesmente a parte do id modificada pela influência do sistema perceptivo, o representante na mente do mundo externo real, teríamos um simples estado de coisas com que tratar. Mas há uma outra complicação. As considerações

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que nos levaram a presumir a existência de uma gradação no ego, uma diferenciação dentro dele, que pode ser chamada de ‘ideal do ego’ ou ‘superego’, foram enunciadas em outro lugar. Elas ainda são válidas. O fato de que essa parte do ego está menos firmemente vinculada à consciência é a novidade que exige explicação (1923, p. 17).

Freud vai discorrer, em sua obra de 1923, a respeito da dita “novidade”

através da qual compreendeu que a gradação no ego é parte inconsciente.

Apesar de ser um assunto complicado, conforme palavras do próprio Freud, o

que ficou representado para nós como suma importância é que “os efeitos

gerados das primeiras identificações efetuadas na mais primitiva infância

serão gerais e duradouros” (p. 18). Isso nos conduz novamente à origem do

ideal do ego ou superego: por trás dele há de forma oculta a primeira e mais

importante identificação de um sujeito, a sua identificação com o pai em sua

própria pré-história pessoal. Mas isto não ocorre de forma tão corriqueira

assim. A complexidade do problema é, ainda, dirigida por dois fatores: o

caráter triangular da situação edipiana e a bissexualidade constitucional de

cada sujeito.

Segundo Freud, em uma idade muito precoce a criança desenvolve uma

catexia objetal pela mãe, originalmente relacionada ao seio materno. Em

relação ao pai há, em princípio, uma identificação. Durante certo tempo, esses

dois relacionamentos avançam lado a lado, até que os desejos sexuais, no

caso do menino, em relação à mãe se tornam mais intensos e o pai é

percebido como um obstáculo a eles; disso se origina o complexo de Édipo.

Sua identificação com o pai assume então uma coloração hostil e transforma-

se num desejo de livrar-se dele, a fim de ocupar o seu lugar junto à mãe.

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Daí por diante a sua relação com o pai é ambivalente; como se a

ambivalência, inerente à identificação desde o início, houvesse se tornado

manifesta neste período. Uma atitude ambivalente para com o pai e uma

relação objetal de tipo unicamente afetuoso com a mãe constituem o conteúdo

do complexo de Édipo positivo simples num menino.

Nesta linha de raciocínio ainda há um evento subseqüente ao

supracitado que é tomado como referência central do pensamento freudiano e,

juntamente com o complexo de Édipo, constitui o arcabouço fundamental do

edifício da ciência psicanalítica: o complexo de castração. Não esqueçamos de

que, no drama edípico, o menino quer possuir a mãe, eliminando, para tanto, o

pai. Na fantasia inconsciente, o menino odeia o pai, quer assassiná-lo, castrá-

lo, reduzi-lo a nada. Não é surpreendente que, a partir de então, passe a temer

a vingança retaliatória do pai, o qual deseja puni-lo do mesmo modo (Cf.

PELEGRINO, 1978).

Na medida em que o menino percebe, na fase fálica, a ausência do pênis

(falo) na mãe e/ou irmã/amiga, imagina que elas o perderam26. Assim sendo,

passa a temer que a mesma coisa lhe aconteça (angústia de castração) por

obra do pai terrível e castrador. Ele pode vir a perder seu artefato fálico tão

necessário à plenitude do seu narcisismo: o pênis. E é esta ameaça brutal que,

segundo Freud, o faz desistir da paixão que o faz desejar a mãe e querer matar

o pai.26 A entrada da menina no complexo de Édipo ocorre de outra forma. A menina não experimenta a angústia de castração, pois já nasce castrada. Ao nascer, como no caso dos meninos, também tem a mãe como objeto de amor. Em suas primeiras descobertas, ao perceber que não é dotada de um pênis, enquanto falo, sente inveja por não tê-lo. Aqui ela entrará no complexo de Édipo em si, afastando-se da mãe com rancor pela falta de um pênis. Comportando-se diferentemente do menino, a menina faz seu juízo e toma sua decisão num instante. Ela viu o pênis, sabe que não o tem e quer tê-lo (FREUD, 1925[1976], p. 146).

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Nesse ínterim, a angústia de castração, presente na fantasia

inconsciente do menino, é para Freud o ápice que leva à dissolução do

complexo de Édipo, implicando na internalização identificatória com as

interdições e prescrições da educação e da cultura (PELEGRINO, 1978). Ou

seja, as marcas deixadas pelo interdito paterno lhe proporcionarão a origem da

instância superego: lei interna do sujeito.

O superego, contudo, não é simplesmente um resíduo das primitivas

escolhas objetais do id; ele também representa uma formação reativa enérgica

contra essas escolhas. A sua relação com o ego não se exaure com o preceito:

“Você deveria ser assim (como o seu pai)”. Ela também compreende a

proibição: “Você não pode ser assim (como o seu pai), isto é, você não pode

fazer tudo o que ele faz; certas coisas são prerrogativas dele”. Esse aspecto

duplo do superego deriva do fato de que ele tem a missão de reprimir o

complexo de Édipo — em verdade, é a esse evento revolucionário que ele deve

a sua existência.

É claro que a repressão do complexo de Édipo não era tarefa fácil. Os pais da criança, e especialmente o pai, eram percebidos como obstáculo a uma realização dos desejos edipianos, de maneira que o ego infantil fortificou-se para a execução da repressão erguendo esse mesmo obstáculo dentro de si próprio. Para realizar isso, tomou emprestado, por assim dizer, força ao pai, e este empréstimo constituiu um ato extraordinariamente momentoso (FREUD, 1923[1976], p. 20).

Compreendemos, assim, que o superego retém o caráter do pai e quanto

mais poderoso o complexo de Édipo for, e mais rapidamente sucumbir à

repressão (sob a influência da autoridade do ensino religioso, da educação

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escolar e da leitura), mais severa será posteriormente a dominação do

superego sobre o ego, sob a forma de consciência ou, talvez, de um

sentimento inconsciente de culpa. O superego, portanto, é, para Freud, o

herdeiro do complexo de Édipo, e, assim, constitui também a expressão dos

mais poderosos impulsos e das mais importantes vicissitudes libidinais do id.

Não podemos deixar de lado o âmbito de interesses de um professor

pelo legado deixado por Freud. Sabemos, pois, que o criador da psicanálise

não falou diretamente ao professor a respeito de seu papel frente à educação

e ao ensino de crianças. Todavia, sua auto-análise e outras experiências

clínicas relatadas em seus escritos nos permitem resgatar algumas idéias de

educação de outrora e tentar estabelecer analogias com as atuais,

reconhecendo a grande importância das mesmas para uma possível re-

significação do ato educativo.

Nesse contexto, para Freud, à medida que uma criança cresce, o papel

do pai é exercido pelos professores (enquanto função paterna) e outras

pessoas colocadas em posição de autoridade; suas injunções e proibições

permanecem poderosas no superego e continuam, sob a forma de consciência,

a exercer a censura moral. A tensão entre as exigências da consciência e os

desempenhos concretos do ego é experimentada como sentimento de culpa.

Os sentimentos sociais repousam em identificações com outras pessoas, com o

intuito de possuírem o mesmo ideal do ego.

Aqui, portanto, gostaríamos de ressaltar o fundamental papel do

professor, aliado a sua subjetividade, na educação de crianças. Se o mesmo

possui um superego por demais severo, poderá agir de modo bastante ríspido,

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rígido e autoritário a dúvidas e/ou ações oriundas de seus alunos que são

encaradas de modo negativo pela própria instituição, comunidade e até

sociedade. Sem dúvida esse ato poderá influenciar na formação de conceitos

que a criança tende a estabelecer, desde a tenra infância, a partir dos “ideais”

de conceitos pertencentes aos seus educadores (pais e professores).

Contudo, a dissolução do complexo de Édipo (e a conseqüente formação

do superego enquanto representante da educação primordial) se faz não

apenas em nome do temor, mas também em nome do amor. A Lei do Pai é

internalizada, sem dúvida, no temor. Sem a ameaça de castração, que concede

à Lei da polis plena potência interditória, a dissolução do Édipo seria

impossível e, com isto, a criança jamais se desligaria da mãe para viver sua

própria aventura. Mas essa ameaça, conforme argumenta Pelegrino (1978),

não é o único elemento que confere à Lei o seu poder. A Lei não existe para

aniquilar o desejo — embora muitos pensem que este é o seu papel. Ao

contrário: “existe como gramática capaz de estabelecer uma articulação com o

circuito de intercâmbio social”, dando direitos, correspondente a um dever

social, “de o sujeito viver um processo fecundo e favorável de socialização, no

qual estejam inscritas as prerrogativas de alimentação, saúde, moradia e

educação” (Idem, p. 313-14).

CAPÍTULO 5

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INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: UM OLHAR TRANSDISCIPLINAR EM MATÉRIA DE EDUCAR

O conhecimento pode ser ensinado e comunicado, mas não a sabedoria.

(Hermann Hesse)

O que procura o graduando em pedagogia (ou em outra licenciatura)

quando opta pela matrícula na disciplina “Inconsciente e Educação”? Visa

apenas mais um somatório de créditos em seu histórico acadêmico; está em

busca de “novas receitas didáticas” para diversificar seu aparato

metodológico; não sabe o “porquê” da escolha; vai ver o que é “esse tal de

inconsciente” (já que Educação lhe soa mais familiar); ou, como poderíamos

arriscar, manifesta uma curiosidade pela aproximação entre dois campos

distintos?

Iniciemos nossas reflexões a partir de uma contextualização essencial

que possibilitará a compreensão do leitor em relação ao lugar que a disciplina

“Inconsciente e Educação” ocupa no curso de graduação em pedagogia da

Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Em meados dos anos 80, a

psicóloga, psicanalista e professora Isabel Maria de Carvalho Vieira recebeu

um convite para lecionar na Faculdade de Educação/UnB e atuar em disciplinas

como Psicologia Educacional, Linguagem e Artes para início de escolarização.

Foi quando em 1991, percebendo a necessidade de constituição de um outro

“olhar” do pedagogo (em formação) acerca de suas experiências teórico-

práticas, teve a oportunidade de criar a cadeira de “Inconsciente e Educação”

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e, segundo ela mesma afirmou em uma entrevista concedida ao Jornal da

Psicologia (2005)27,

transformar significativamente a proposta da disciplina de Artes (para início...) de forma que fosse possível acoplar a experiência de uma cadeira a outra, para que os universitários de Pedagogia pudessem constatar a importância dos processos inconscientes nas atividades escolares, especialmente nas atividades livres (p. 7)

Profunda admiradora da arte28, a professora Isabel de Carvalho deu o

pontapé inicial em relação à oferta de um ensino metapsicológico na

Faculdade de Educação/UnB e a possibilidade de fazer valer um aprendizado

fundamentado no aporte psicanalítico para a constituição de um outro “olhar”

do pedagogo diante das experiências vividas e observadas por ele no cenário

educativo, vinculando-as, no caso dela, às artes.

Historicamente, a educação nos deixou uma marca de que sua

funcionalidade só seria possível se soubéssemos separar e isolar as coisas,

obedecendo a uma lógica mecânica, clara e preditiva. Entretanto não podemos

negar que, à medida que o tempo passa, o conceito de uma educação

cartesiana vem deixando cada vez mais lacunas no complexo processo que

envolve a educação humana, predispondo, dessa forma, espaços para a

emersão de outros paradigmas que correspondam às exigências oriundas do

mundo atual.

A Pedagogia, por meio da organização curricular trazida por suas

Diretrizes Curriculares Nacionais, pode assumir uma posição interdisciplinar

27 Jornal da Psicologia (2005), Ano XV, Número 31, Jun/Jul/Ago, pp. 6-7. 28 Trabalhou na Escolinha de Arte do Brasil onde teve contato com alguns educadores, como Augusto Rodrigues, Maria Helena Novaes, Anísio Teixeira, e artistas eruditos e populares.

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em seu método de formação, ultrapassando os limites de uma disciplina para

compreender determinado objeto de estudo.

Como é possível observar na proposta anteriormente citada pela

professora Isabel de Carvalho, sua intenção não se restringia a uma

transferência metodológica de investigação entre disciplinas para

compreensão de um fenômeno, mas ia a um além disso. Preocupara-se com a

importância dos processos inconscientes nas atividades escolares, os quais,

por meio de atividades livres, manifestam-se em lógicas que assumem sua

própria sintaxe, conforme o pensamento de Garcia-Roza (2005).

Não foi constatado em nossas pesquisas o exato período em que a

professora Isabel de Carvalho deixou de ministrar a disciplina “Inconsciente e

Educação” nos bancos escolares da FE/UnB. Sabe-se, porém, que depois de

algum tempo com esta lacuna no corpo de disciplinas oferecidas pelo curso de

pedagogia, a mesma teve sua oferta renovada em 2003 e permanece

compondo o status de uma das disciplinas optativas mais procuradas por

estudantes de pedagogia da UnB até os dias de hoje29.

Responsabilizando-se em manter a seriedade do enfoque

metapsicológico, vinculado a uma possível leitura daquilo que escapa à

educação, a professora Inês Maria30 assumiu um novo “desafio” no que se

refere à confecção da ementa e objetivos que subsidiam a nova proposta da

disciplina (vide em anexo a ementa utilizada atualmente), uma vez que,

29 Nos últimos semestres observados, foi possível estabelecer “uma média” em torno de 50 matrículas confirmadas na disciplina “Inconsciente e Educação” em cada semestre. Confirmo essa informação pelo fato de estar acompanhando-a desde que tive a oportunidade em ser sua aluna (2003), monitora (2004) e pesquisadora (2006/07). 30 Doutora em Psicologia pelo IP/UnB e autora da tese Re-significação do papel da Psicologia da Educação na formação continuada de professores de Ciências e Matemática, 2001.

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reconhecendo seu lugar de educadora, saberia da impossibilidade em propor

qualquer prática analítica em sala de aula.

Em 1918, Freud questionou-se sobre o ensino da psicanálise nas

universidades: “deve a psicanálise ser ensinada na universidade?” (p. 188).

Neste texto, o próprio mostrou-se a favor do ensino da psicanálise no curso de

medicina, por meio de duas etapas: uma elementar a todos os estudantes de

medicina, onde se trataria detalhadamente das relações entre vida mental e

vida física, e a outra de aulas especializadas para psiquiatras.

Para além desse campo dos distúrbios psicológicos, Freud afirma,

também, a contribuição da psicanálise na solução de problemas da arte,

filosofia e religião. E no que se refere à psicanálise, o objetivo do ensino

universitário seria de que o estudante aprendesse “algo” sobre a psicanálise

[de cunho teórico] e que aprendesse “algo” a partir da psicanálise [enquanto

trabalho de tratamento] (1919 [1918] in MONTEIRO, 2005, grifo nosso). Como

disse Leandro de Lajonquière em uma Conferência proferida no VI Colóquio do

Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a

Infância (LEPSI), ocorrido na Universidade de São Paulo em novembro de 2006:

Relendo o “velho” Freud, O Ensino da Psicanálise na Universidade, pude constatar que o importante da transmissão da psicanálise é que se aprenda ALGO sobre ela. Algo? E o “resto”? Vem por acréscimo... Alguma coisa se mostra, se ensina, se passa nas entrelinhas... enfim, vai se “fagocitando”31.

Se Freud sublinhou a possibilidade supracitada, talvez na polêmica

“sobre o ensino da psicanálise” caiba uma diferenciação entre informação e

31 Fala transcrita assim como foi dita.

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formação. Em se tratando da primeira, poder-se-ia questionar a possibilidade

de uma informação sobre a psicanálise na universidade, polêmica que leva em

consideração a sábia preocupação de Octave Mannoni de que “o ensino

enquanto informação não deveria causar certos efeitos particulares sobre os

discípulos, pois o ensino acadêmico [atrelado ao discurso cientificista] está

organizado para defender-se contra esses efeitos, o que poderia levar a uma

deformação da teoria psicanalítica...” (1982, p. 55-6). Já a segunda está

relacionada a formação de analistas, os quais devem passar por supervisões e

sessões de análise, e que não é o caso da formação de professores.

A formação de professores, atualmente, ainda se encontra envolta nos

limites dos saberes universitários e, de fato, conforme argumentação de

Monteiro (2005), se constitui num apanhado de discursos pretensamente

científicos, racionais, lineares, cujas leituras da realidade abrem possibilidades

de orientações para as práticas escolares e rejeitam a idéia do não saber. Isso

os conduz a uma crença de que há possibilidade de controle dos resultados, da

disciplina e do desenvolvimento.

O que a disciplina “Inconsciente e Educação” vem sugerir aos pedagogos

em formação é uma compreensão relativizada do que é pretensamente

idealizado, a priori, em matéria de educar, identificando-se com o discurso

psicanalítico (embora não esteja fazendo psicanálise!) o qual apregoa que o

não saber faz parte da relação do sujeito com o desejo.

Assim sendo, a disciplina “Inconsciente e Educação” procura transmitir

aos seus alunos a concepção psicanalítica de sujeito (dotado de desejo),

diferenciando-se da concepção pressuposta pela psicologia; busca argumentar

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que a transmissão de conhecimentos ocorrente na prática pedagógica não

ocorre isoladamente da transmissão de “saberes”, chamando a atenção para o

fenômeno da transferência presente na relação professor-aluno; visa mostrar

que “uma” educação ocorre, segundo o aporte teórico da psicanálise, quando

o sujeito supõe a um outro o saber sobre seu desejo (sujeito suposto saber),

atribuindo, ao outro o poder de revelar-lhe aquilo que lhe falta; e, além de

outras coisas, sugere aos alunos uma reflexão em torno da afirmação

freudiana sobre a impossibilidade de educar (juntamente com as outras

profissões: governar e curar).

Portanto, conforme Monteiro (2005), a maneira psicanalítica de

compreender a educação está diretamente relacionada aos aspectos históricos

singulares da constituição subjetiva de cada um dos envolvidos no processo

ensinar-aprender, querendo dizer que o impacto proporcionado pelo ensino da

psicanálise, como qualquer outro, na formação do pedagogo, assume uma ou

outra configuração dependendo do sujeito para quem foi dirigido.

Nesse sentido, é possível pensar que a disciplina “Inconsciente e

Educação” interessa-se por aquilo que está entre as disciplinas, que atravessa

as diferentes disciplinas e está além de toda e qualquer disciplina,

identificando-se com uma postura transdisciplinar para compreender as

vicissitudes inerentes à educação.

De acordo com o Artigo 14 da Carta da Transdisciplinaridade, elaborada

por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu no Convento de Arrábida

(em Portugal, 1994),

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o rigor, a abertura e a tolerância são características fundamentais da atitude e da visão transdisciplinar. O rigor na argumentação é a barreira às possíveis distorções. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às idéias e verdades contrárias às nossas32.

Sendo essas, portanto, características que podemos atribuir à disciplina

“Inconsciente e Educação” (o rigor de uma transmissão metapsicológica, a

abertura para o não saber e a tolerância para com outras verdades),

reafirmamos sua crença de que é impossível ensinar através de receitas e de

que é impossível prever os acontecimentos, pois como aprendemos com Freud:

não há controle do professor sobre aquilo que ensina, tampouco sobre o aluno

(MONTEIRO, 2005).

Conseqüentemente, nossas preocupações estão relacionadas justamente

com a “ilusão” de uma formação do professor permeada pelo discurso de que

é possível “contornar” àquilo que escapa ao seu controle por exemplo, uma─

dificuldade de aprendizagem de seu aluno se o mesmo estiver à par de─

receitas e métodos precisos e/ou se curvarem aos detentores de uma certa

cultura “psi”.

(...) a cena educativa é ocupada, cada vez mais, por aqueles que foram, no início, cogitados apenas como extras ou para-educativos. Como sabemos, esses especialistas, detentores de uma certa cultura ‘psi’, são, hoje, os que estão avaliando, prognosticando, justificando os insucessos educativos, roubando o papel do educador de outrora (LAJONQUIÈRE, 2002, p.161-162).

5.1 PARA ALÉM DA PSICOLOGIZAÇÃO DO ENSINO: E O EU COM O ISSO?

O sistema educacional, ao longo dos anos, passou por inúmeras

transformações, ajustes e rupturas de paradigmas. Dentre esses, cabe

destacar a verdadeira revolução pedagógica ocorrida com as experiências da

32 A Carta da Transdisciplinaridade encontra-se no site http://www.cetrans.futuro.usp.br

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“Educação Nova” e da “Escola Ativa”, cujos pioneiros foram, entre outros,

Maria Montessori, Decroly, John Dewey e Freinet (VITAL DIDONET, s/d). Foi

graças a estes pedagogos que se criou pela primeira vez uma denominada

“Escola para a criança”, em vez de se ter a criança obrigada a adaptar-se a

uma escola feita por adultos. Esse passo incluiu, por um lado, amplas

transformações em nível dos métodos e das técnicas pedagógicas, mas por

outro, disseminou uma grande problematização em torno das conseqüências

inesperadas e/ou não planejadas que escapam à aplicação desses métodos no

campo das aprendizagens.

Por uma questão histórica e cultural, a nossa sociedade foi condicionada

a dominar as competências que lhe eram atribuídas no sentido de

desempenhar da melhor forma o seu papel, visando o reconhecimento e a

conquista do seu espaço. Para refletir mais sobre, basta abrir os livros de

História do Brasil e ler a respeito do processo de colonização em nosso

território, bem como nos anos conseguintes, em que os colonizados não

mediram esforços para a conquista de uma identidade própria de seu país,

culminando na idealizada independência do Brasil.

Podemos conjeturar que similar “espírito” de idealização preenche a

nossa sociedade também no campo educativo, o qual acredita que é possível

se estipular “o ideal de educação”. Por meio de planejamentos, é possível

organizar o trabalho a ser realizado. Porém, para muitos, se algo escapar pelo

caminho do ato educativo o mesmo pode deixar de corresponder à idealização

e configurar-se em um problema que necessita de reparo. Todavia, não há

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garantias de que “tudo” o que foi planejado para o ato seja realizado de igual

forma.

A reflexão freudiana a respeito das três profissões impossíveis (governar,

curar e educar) trata da impossibilidade para o estabelecimento do ideal de

governo, cura e educação. No que diz respeito à última, isso pode levar a um

certo pessimismo em relação à finalidade da mesma. Entretanto, a

impossibilidade de que se trata diz respeito à falta de garantias, a priori, da

produção do conhecimento, como também do sentido e da qualidade do

mesmo (ALMEIDA, 2003).

Essa falta de garantias não provém de uma inadequada aquisição de

métodos ou técnicas pertinentes; muito menos da falta de um conjunto de

conhecimentos. Todavia essa condição humana, citada por Freud em suas

reflexões, não é reconhecida em muitas realidades educacionais,

particularmente as escolares, muitas das quais acreditam que podem seguir

algum modelo ou padrão instituído, pronto e acabado.

Dessa forma, os profissionais que compõem o cenário educativo-escolar

acabaram sentindo a necessidade de buscar respostas e soluções para o que,

de fato, escapava ao seu controle, sendo considerados problemas, dificuldades

ou distúrbios de aprendizagem, bem como o erro e o fracasso escolar, os

fantasmas que subvertem a ordem do que seria, no imaginário dos mesmos, o

processo ideal entre o ensino e a aprendizagem.

Com isso, o ponto de apoio até então encontrado pelos educadores para

as supostas soluções dos chamados problemas de aprendizagem ainda tem

sido na psicologia escolar. Assim como ela, algumas outras áreas inerentes à

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mesma, como a cognitiva, a social, a do desenvolvimento, a da aprendizagem,

entre outras, têm como objeto principal o sujeito psicológico, isto é, o sujeito

da consciência, do eu, dos comportamentos (ALMEIDA, 1993, p. 21).

O processo de psicologização escolar acabou adquirindo dimensões

inusitadas dentro e fora das instituições educacionais. Muitas dessas, em

grande parte particulares, sentem-se onipotentes ao oferecerem como

merchandising uma equipe multidisciplinar especializada na prevenção e cura

para os chamados problemas de aprendizagem. Ainda assim, orgulham-se em

ostentar o título de que possuem “a melhor” orientação psicometodológica

responsável pela garantia de um bom aprendizado (LAJONQUIÈRE, 2002,

p.163).

Todavia, há algo que “escapa” até mesmo do controle e do cientificismo

(psico)pedagógico. Algo que não é palpável e muito menos atingível, que

transcende o ensino e a aprendizagem dentro e fora da sala de aula, recheado

de fantasias, desejos e marcas, extrapolando a ordem da consciência o

inconsciente. E, de acordo com uma reflexão feita por Lajonquière no VI

Colóquio do LEPSI (2006), o que é inconsciente? perguntariam os─

educadores. Responde o mesmo: é justamente aquilo que nos escapa [o

“isso”], e não cabe a nós controlar os “efeitos” dessa palavra33.

De acordo com o texto de Pontalis, ISSO em letras maiúsculas (1999),

Freud se surpreende, a partir de suas experiências com o trabalho de

psicanálise, com a inteligência inaudita do inconsciente, tanto por suas

astúcias e malícias quanto por suas produções. O que Freud descobrira acerca

33 Assim como foi dito; grifo nosso.

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do inconsciente não foi sua existência essa já havia sido pressentida por─

Kant em 1798, mas sua lógica sui generis.

Conforme as próprias palavras de Pontalis,

Se o inconsciente é coisa em si, fora dos limites de nosso entendimento e de nossa intuição sensível, pelo menos podemos apreender suas ‘aparições’, os fenômenos, aquilo que dele emana. O inconsciente inteligente é aquele que emite signos que de direito, senão de fato, podemos entender, ler, interpretar (p. 9).

Entretanto, o autor expõe que, apesar do que foi citado anteriormente,

nos confrontamos (como o próprio Freud também o foi) a todo o momento com

o que chama de burrice do inconsciente (p. 9). Burrice essa que não significa o

antônimo de inteligência, mas um excesso, um exagero, reafirmando que:

A insondável burrice do inconsciente é aquilo que impede a inteligibilidade. A estranheza já não é apenas a de uma língua ou de uma terra. Vai mesmo além desta perturbação que se apodera de nós [...]. Eis-nos aqui frente a uma exigência sem medida, insaciável, que reclama o que lhe é devido, obstinadamente (idem).

Sendo assim, dizemos “isso” para aquilo que não sabemos mais nomear.

Mesmo quando, conforme as palavras de Pontalis, Freud diz o isso para tentar

inseri-lo em uma tópica, ainda que o próprio o qualifique enquanto “caos” e

lhe negue qualquer organização.

Em um processo educativo, muitas das vezes não é possível dar forma

nem figura a “isso” que se sente. As palavras que emergem para designá-lo

são afetadas por prefixo negativo: inominável, indescritível... “Tantas palavras

que exprimem a potência, assim negativa, do inconsciente” (PONTALIS, 1999,

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p. 12). “Isso” está presente, portanto, tanto em professores quanto em alunos

como algo que escapa ao controle, causando dor e sofrimento ao devorar o

discurso da consciência. Por outro lado, “isso” é fonte do novo, da criação.

E para ilustrar a realização que supomos do o “eu” com o “isso”, faremos

uma breve analogia entre a prática marítima de Ulisses, de A Odisséia, e a

prática docente, tomando como referência a que Pontalis fez entre o primeiro e

um analista:

A inteligência de Ulisses, tal qual a de um professor, sua malícia, suas

astúcias e seus desvios, sua incansável curiosidade que o leva sempre para

outro lugar, sua arte inigualável no manejo das palavras, sua prudência

também frente à sedução encantadora das sereias (dos alunos), todas essas

qualidades perdem a eficácia quando se impõe a confrontação com o “isso”,

com o inconsciente que, tomando corpo e tomando o corpo, ganha em

intensidade e em mistério aquilo que perde em capacidade de intervenção e

de produção de enigmas, e que, deixando de ser inteligente, deixa de ser

inteligível.

Nesse sentido, é preciso que se compreenda a seguinte reflexão: por

mais que tentemos deter tudo aquilo que o discurso (psico)pedagógico

defende como conveniente na formação do professor, nosso ser estará sempre

colocado à prova do desconhecido, do “isso” que coloca em risco a inteireza de

uma postura consciente, demolindo aquilo que acreditamos, pelo menos por

algum tempo, termos como domínio em nossas mãos. E nós, educadores,

ainda não estamos “preparados” para lidar com o que escapa ao nosso

controle (e é possível um “preparo”?). Mas nunca é tarde para constituirmos

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um outro olhar diante daquilo que escapa, tentando compreender que o não-

cogitado também pode fazer parte de todo um processo.

5.2 A TRANSMISSÃO DE UM SABER: O PAPEL DA PSICANÁLISE NA

FORMAÇÃO DO PEDAGOGO

...o trabalho da educação é algo sui generis: não deve ser confundido com a influência psicanalítica e não pode ser substituído por ela. A psicanálise pode ser convocada pela educação como meio auxiliar de lidar com uma criança, porém não constitui um substituto apropriado para a educação (FREUD – Prefácio à juventude desorientada de Aichhorn, Vol. XIX).

Em meio à concepção cristalizada da (trans)missão “do”, e não de “UM”,

saber, Freud inventa a psicanálise como um trabalho peculiar de se operar com

o saber e a verdade que habita cada um de nós, configurando-se, nesse

ínterim, como uma prática de escuta do discurso singular do sujeito feita pelo

analista. A emergência de sua invenção é oriunda da normatização

proporcionada pela Ciência Moderna, embora sua transmissão se dê,

essencialmente, pela suposição de saber. O que se verifica na psicanálise é

que a consciência, a razão e os sentidos deixam de ser pensados como

fiadores da verdade. E é aí que se esboça o corte maior com toda a história do

pensamento operada por Freud.

A verdade não está dada de antemão, ela não se dá a conhecer por si mesma, exigindo a produção de um saber que possa semi-dizê-la. Para tal, é necessária a experiência com um outro

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a quem se supõe um saber. Tal é a aposta freudiana (PENNA, 2003, p. 41).

E a aposta freudiana rompeu as barreiras da clínica. Demonstrou

interesses por outros contextos: educação, sociedade, política, religião, arte;

capturando alguns sujeitos desejosos por um discurso que não o cartesiano.

Contudo, chega à Universidade em 1885 e se depara com algumas

vicissitudes, fazendo Freud afirmar em Conferências Introdutórias sobre a

Psicanálise (1915), que toda tendência da educação prévia e todos os hábitos

de pensamento determinam uma natural oposição à psicanálise, tendências e

hábitos que devem ser superados quando se quer aprender psicanálise.

Adverte os interessados, ainda, que somente através da exposição

metapsicológica vinculada ao ensino universitário é impossível que os mesmos

se tornem analistas.

E quando a intenção não é a de se tornar um analista, a priori? E quando

o ensino da teoria psicanalítica em um curso de formação superior destina-se a

“clarear” concepções de vida e formação anteriormente não pensadas? E se

esse ensino fizer sentido? Já dizia Lacan que a psicanálise não é mais do que

uma variante do discurso, entre os quatro possíveis: o do mestre, da histérica,

da universidade e do analista. Ela é um patrimônio do discurso social e não

mais propriedade particular de certo ofício ou profissão (Cf. JERUSALINSKY,

1999, p. 8).

5.2.1 Contradições e Desafios

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Para o educador, ao ter seu trabalho tensionado a partir de um ideal pedagógico, é freqüente que o tome no lugar da impotência, ora sua, ora do Estado, ora dos pais dos alunos [...]. Daí ser mais ou menos inevitável que ao transitar por esta ordem discursiva a psicanálise seja demandada como um Freud explica! [...] Mas o mais característico da transmissão da psicanálise da melhor se inscreveria sob o mote do Freud implica! (RINALDO VOLTOLINI, 2001).

Não há como negar que psicanálise e educação são opostos que se

atraem. A primeira se interessa por aquilo que escapa à consciência da

segunda, seus atos falhos, chistes, lapsos. A segunda bebe na fonte da

primeira com o desejo de saber mais sobre aquilo que lhe escapa

insuportavelmente: o não-saber. Contudo, ambas tornam-se face da mesma

moeda quando a intenção é um olhar para o humano − no campo das

aprendizagens, pelo viés da educação; para o sujeito do inconsciente, pelo da

psicanálise.

O caráter “subversivo” da psicanálise, como bem aponta Filloux (1999),

opõe-se ao caráter adaptativo da educação, da pedagogia. Se retomarmos a

evolução histórica do saber pedagógico, fundamentada em Voltolini (2001),

podemos verificar que as idéias que se sucederam na composição das práticas

pedagógicas não mantiveram uma relação lógica de sucessão. Algo persistiu

em todas essas viradas e permanece vigente em todas as idéias que

marcaram época, impondo como premissa dessas práticas a promoção e a

sustentação de uma imagem ideal de homem e de educação (VOLTOLINI,

idem, p. 03, grifo nosso). E é a presença constante do dever-ser que o sujeito-

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professor, bem como o sujeito-aluno, encontram em cenário educativo a marca

distintiva de seu discurso idealizado.

O pedagogo em formação está quase sempre imerso neste discurso –

seja pelo princípio, nos bancos escolares da infância; seja nos bancos

universitários, onde sua infância o levou – e não é de se estranhar que a

transmissão da psicanálise no ensino superior encontre o destino de qualquer

outra teoria que por aí passe: o da sustentação de uma imagem ideal de

homem (Idem, ibidem, p. 04). Aí reside o ponto principal de resistência ao

discurso analítico, uma vez que neste não há espaço de convivência pacífica

com a sustentação de ideal de homem.

Mas, e o pedagogo? O que estaria ele buscando ao se matricular em

uma disciplina de cunho metapsicológico? A priori muitos pensariam em mais

uma teorização pedagógica capaz de suportar sua angústia. Isto, de fato, não

é o propósito da psicanálise. Se assim o fosse estaríamos reduzindo todo o seu

legado à problemática do Freud explica!

Mas... e se o que foi ensinado ao aluno neste curso deixou como resto

um “algo” a mais do que fundamentos teórico-conceituais básicos; um saber

de efeito instigante, uma produção de sentido? Podemos arriscar que neste

caso ocorreu sim uma transmissão. Mas não uma transmissão psicanalítica que

requer a experiência em análise, supervisão e estudo da teoria do

inconsciente, como bem posto pelo próprio Freud em seu texto Sobre o ensino

da psicanálise nas universidades (1919). E sim uma transmissão de saber,

inerente ao ato de educar. Nesse ínterim, Voltolini (2001) nos alerta para o fato

de que nesta perspectiva de ensino corre-se o “risco” de que nada da

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psicanálise seja transmitido, já que os conceitos analíticos estão

intrinsecamente ligados ao campo da experiência analítica e que quando

transportados para outro campo já não dizem mais a mesma coisa. Almeida

(2006) complementa afirmando que seu conteúdo, normalmente restrito aos

fundamentos teórico-conceituais básicos, poderá ser ensinado com maior ou

menor rigor conforme o grau de conhecimento e de exigência do professor

responsável pela mestria.

Claramente essa é uma preocupação válida, e mais que tudo ética, de

estudiosos que investem na interface psicanálise-educação. Porém não há

como deixar de lembrar que “educar é correr riscos” – dada a falta de

garantias para o sucesso de sua produção. Além do mais, é apostar em algo

que faz sentido para si – uma vez que a subjetividade do sujeito-professor faz

parte de todo processo educativo. Para assim poder e-ducere (latim de educar)

o outro, ou seja, conduzir o sujeito para fora de alguma coisa, que é da ordem

da alienação de si mesmo, para descobrir-se na sua verdade (FILLOUX, 1999,

p. 28).

Retomando a questão acima, de ordem complexa, e acreditando que não

cessaremos aqui toda sua efervescência, Almeida (2006) demonstra certa

preocupação (na sua condição de analista e educadora) ao distinguir ensino e

transmissão da psicanálise destinada à formação de educadores, ou seja,

àqueles que de antemão não pretendem se tornar analistas. Afirma que

estabelecer a distinção entre transmissão e ensino significa demarcar a

diferença radical entre a formação do analista, cujo dispositivo coloca em ato a

transmissão da psicanálise stricto sensu e a formação de educadores, mesmo

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que esses se deixem afetar, transferencialmente, pela transmissão da

psicanálise em extensão34, na sua dimensão de ensino, em cursos de

formação, especialização ou outros. Ratifica, ainda, que esse detalhe marca

uma diferença entre o “saber psicanalítico e os outros saberes, uma vez que

designa a posição de quem transmite ou ensina; o lugar do outro, a quem se

dirige a fala; e o produto, enquanto resto” (p. 16).

A transmissão falada por Freud e outros autores psicanalistas remete a

uma concepção psicanalítica da transmissão como ato (a qual

necessariamente produz efeitos, implicando uma mudança, conforme

Monteiro, 2005). Nesse sentido, mesmo que a transmissão acadêmica da

psicanálise pretenda certo controle e prevenção de seus efeitos, perece essa

uma tarefa de difícil realização, quiçá, “totalmente contrária ao próprio

fundamento da teoria psicanalítica” (Idem, p. 123).

Segundo essa mesma autora, a necessidade de análise pessoal na

transmissão da psicanálise vincula-se ao fato de que sua compreensão está

necessariamente condicionada ao acesso ao inconsciente pelo aprendiz,

denominado por Freud pelo termo insight. Deparamos-nos, aí, com o paradoxo

da transmissão da psicanálise a educadores, conforme aponta Voltolini (2001):

“se a transmissão da psicanálise não pode se dar só pelo ensino conceitual

sem uma experiência com o inconsciente, como falar em transmissão da

34 Almeida utiliza o termo psicanálise em extensão, pré-seguido pelo conceito transmissão, por homologia estrutural e discursiva com a psicanálise stricu sensu, em intensão – neologismo lacaniano que enfatiza a dimensão de tensão permanente e inesgotável do inconsciente – na medida em que um analista ensina, pela transmissão de um estilo, a teoria psicanalítica e suas aplicações nos mais diversos campos (clínico, institucional, social...), além de suas conexões com outros saberes e conhecimentos. Afirma que essa é uma posição adotada pelo Programa de Pós-Graduação em Psicanálise, do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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psicanálise a sujeitos que não pretendem ser analistas e que na maioria das

vezes não passam por uma análise pessoal”? Parece-nos um tanto

contraditório propor (ou impor?) que os educadores sejam submetidos à

análise pessoal como fim para a ocorrência da “verdadeira” transmissão.

Por outro lado, não há como negar que a experiência analítica do

professor poderá proporcionar uma re-significação de sua angústia,

relativizando o mal-estar na educação e abrindo janelas para que algo de

novo, criativo, singular e até prazeroso, possa emergir no campo das relações

e das práticas educativas. Mas essa iniciativa tem que ser tomada de modo

particular, subjetivo, privilegiada pela relação transferencial de quem está

transmitindo um saber. Nesse mote, ressaltamos a indagação de Sandra

Almeida feita no artigo Transmissão da psicanálise a educadores: do ideal

pedagógico ao real da (trans)missão educativa (2006) se um dos destinos da

transmissão da psicanálise a educadores, privilegiados por uma relação

transferencial, seria suscitar a demanda de análise naquele que se interessa

pela educação de crianças, ratificando o sonho sonhado de Freud. A produção

desse efeito, assim como de outros, não há como prever, como bem coloca

Inês Almeida (2006):

Porventura no ato educativo, além da transmissão de conhecimentos metodologicamente propostos, não ocorre uma transmissão outra que escapa ao controle e alcança professor e aluno, de uma outra ordem, da ordem do sujeito do inconsciente? (p. 04).

E complementa afirmando que um espaço de transmissão não pode ser

controlado, mensurado e muito menos metodologicamente (re)produzido em

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função da singularidade dos sujeitos, de sua condição existencial. Assim, cabe

na formação dos educadores o entendimento de que toda atividade humana,

em especial no cenário pedagógico, está respaldada pelo inconsciente, não

havendo, porém, como prever a repercussão de seu ensino atravessado por

um saber.

A intenção, portanto, não é a de entregar aos pedagogos um

comprimido35 de metapsicologia capaz de reduzir todo o legado deixado por

Freud a um mero Freud explica!. E mesmo estando neste estado reducionista,

as pessoas percebem que há na mensagem freudiana, transformada em

pílulas, algo de precioso, mesmo que de forma alienada/alienante. Trata-se,

pois, de sua própria alienação (LACAN, 2006, p. 115). É aí que Freud implica!

CAPÍTULO 6

PRESSUPOSTOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

Há os pianos. Há a música. Ambos são absolutamente reais.Ambos são absolutamente diferentes.

Os pianos moram no mundo das quantidades.Deles se diz: “Como são bem-feitos!”

A música mora no mundo das qualidades.Dela se diz: “Como é bela!”

(RUBEM ALVES)

35 Termo utilizado por Lacan em 1967 numa de suas conferências intitulada de “Lugar, origem e fim do meu ensino”, proferida em Lyon, para fazer uma analogia à ameaça reducionista que enfrentava (e enfrenta) a psicanálise. Diz ele, perante o público: “Não se sabe o que essa psicanálise se tornará. Quanto a mim, almejo que se torne alguma coisa, mas não é certo que tome esse caminho” (Conferência publicada no livro LACAN, J. (2006). Meu Ensino. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.).

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6.1 COMO UMA PARTITURA: ABORDAGEM QUALITATIVA

Iniciar a dinâmica das idéias tendo como mote uma profunda reflexão do

filósofo e psicanalista Rubem Alves acerca da qualidade do pensar, do fazer,

do agir e do investigar é privilégio de quem não pretende edificar um

conhecimento tendo, em suas bases, estruturas mensuráveis, manipuláveis

e/ou objetáveis. A questão neste trabalho não é medir forças e nem exaltar a

supremacia epistemológica mais crédula pelo discurso científico, mas sim

valorizar a espinha dorsal do tema em questão, isto é, a singularidade do eixo

que sustenta o problema levantado a partir de observações reais oriundas do

cenário educativo: as vicissitudes36 que acometem a constituição da

identidade do professor37.

A proposta de uma orientação epistemológica qualitativa, dentro deste

eixo, converge-se, principalmente, pela natureza singular do problema que

está sendo investigado (qual o impacto da disciplina “Inconsciente e

Educação” na formação do pedagogo?), requerendo, sobremaneira, a ênfase

no processo investigativo; o acompanhamento junto aos sujeitos de pesquisa

durante a disciplina (da entrada à saída); a participação ativa dos mesmos

durante todo o processo; a implicação subjetiva do pesquisador para

compreender “quê” efeitos esse impacto pode causar no pedagogo em

formação; a flexibilidade para construir e reconstruir dispositivos de coleta de

36 Termo bastante utilizado ao longo dos textos de Leandro de Lajonquière para designar os “impasses” que escapam a uma previsibilidade e que são inerentes à realidade educativa. Ver mais em De Piaget a Freud – para repensar as aprendizagens (1993) e em Infância e ilusão (psico)pedagógica (2002).37 Eixo de pesquisa do mestrado em educação no qual estou inserida.

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dados de acordo com a dinâmica da investigação; e, a principal delas,

particularmente, a idéia de se conquistar uma verdade não absoluta, mas

incompleta, inspiradora de novas vias, para que o processo de construção do

conhecimento continue com essa característica tão peculiar responsável pelo

“apaixonamento” de muitos pesquisadores por uma teoria específica: sua

natureza processual e infinita; a contínua abertura para o devir (SAFRA, 2001).

Dentro desta perspectiva, poderíamos citar alguns renomados

epistemólogos qualitativos responsáveis por teorias singulares. Entretanto, nos

ateremos à pertinência teórica freudiana e ao rigor (e não rigidez!)

estabelecido pelo “pai” da psicanálise durante todo o processo de construção

do conhecimento, no qual ele próprio encontrava-se profundamente implicado.

Ouvimos muitas vezes a opinião de que uma ciência deve se edificar sobre conceitos básicos claros e precisamente definidos, mas, na realidade, nenhuma ciência, nem mesmo a mais exata, começa com tais edificações. O verdadeiro início da atividade científica consiste muito mais na descrição de fenômenos que são em seguida agrupados, ordenados e correlacionados entre si. Além disso, é inevitável que, já ao descrever o material, apliquemos sobre ele algumas idéias abstratas obtidas não só a partir das novas experiências, mas também oriundas de outras fontes. Tais idéias iniciais – os futuros conceitos básicos da ciência – se tornam ainda mais indispensáveis quando mais tarde se trabalha sobre os dados observados. [...] Entretanto, é preciso que não tenham sido escolhidas arbitrariamente, e sim determinadas pelas relações significativas que mantêm com o material empírico.

(FREUD, 1915, apud HANNS, 2004, p.145)

Conforme a sustentação freudiana destinada às idéias iniciais e suas

relações significativas com o material empírico, além do sentido para abordar

a realidade singular que está sendo estudada, optou-se pela compreensão

qualitativa do problema em questão à luz do aporte teórico da psicanálise

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(mais particularmente metapsicologia, conforme Celes, 2000). Não nos cabe,

neste caso, “desenvolver uma metodologia psicanalítica de investigação” com

a finalidade de analisar os sujeitos participantes da pesquisa. Não é desse

território que estamos falando! A idéia é investir no campo teórico psicanalítico

como uma forma de manter um diálogo entre, através e além do processo de

formação pedagógica, isto é, conservando sua natureza transdisciplinar.

A proposta de um estudo de caso pode ser fundamentada, sem maiores

pretensões, nos próprios processos de tematizações realizados por Freud em

estudos singulares com pacientes neuróticos (as). Apesar disso, nossa

proposta em nada se assemelha à finalidade analítica das investigações

freudianas. Apenas respalda-se na preocupação desse psicanalista em dar

profundidade aos casos, tentando esmiuçar cada experiência vivida,

respeitando suas singularidades e apropriando-se de um estilo para discutir

teoricamente fatos observados.

Para exemplificar a idéia freudiana acerca de estudo de caso, podemos

citar “Estudos sobre a Histeria – Caso Anna O. (1895)”; “Fragmento da Análise

de um Caso de Histeria – Caso Dora (1905)”; “Histórias de uma Neurose

Infantil – O homem dos lobos (1918)”; dentre tantos outros “imortalizados”, os

quais apresentavam o estilo mimético de sua narrativa de acordo com os fatos

observados em análise, além de toda a complexidade desenrolada nesta.

Nesse sentido, a proposta dessa pesquisa aponta para a delimitação do

caso a ser estudado (os cursistas da disciplina Inconsciente e Educação),

refletindo sobre seus contornos no decorrer da própria investigação. O

interesse, portanto, incide naquilo que este caso tem de único, de particular,

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mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanças com

outras situações. [...] O caráter qualitativo destinado esse tipo de estudo

focaliza a realidade complexa e contextualizada [vivida pelos sujeitos-

graduandos na disciplina] (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.17-18).

De acordo com o psicanalista Gilberto Safra (2001), o fato de uma

investigação não utilizar-se de uma metodologia tradicional, caracterizada pela

dicotomia sujeito-objeto e controle de variáveis, não a torna menos rigorosa se

for considerada a fidelidade aos princípios epistemológicos que norteiam a

prática de investigação, neste caso, atravessada pela psicanálise.

Os trabalhos produzidos a partir desses princípios, surgem como textos que se articulam em um determinado estilo, característico de seu autor. É interessante encontrarmos trabalhos feitos dessa maneira em que a própria forma do texto é fiel ao estilo e ao tema tratado no trabalho. São trabalhos que possuem uma coerência interna e uma organicidade que apontam o rigor de seus autores (SAFRA, 2001, p.3).

Os argumentos expostos até então não pressupõem a “reinvenção da

roda” em matéria de investigação no campo educativo, muito menos que se

tornem modelos a serem exatamente seguidos em realidades distintas. Por

outro lado, a questão da vulnerabilidade que acompanha o pesquisador

durante o processo de investigação qualitativa deve ser levada de um modo

responsável, sendo refletida constantemente por esse que conduz a pesquisa,

para que não tendencie suas compreensões visando ao atendimento imediato

das principais indagações.

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6.2 SUJEITOS PARTICIPANTES: OS MÚSICOS DA MINHA ORQUESTRA

Quem és tu, que ressoa a melodia ora encantadora, ora perfurante, ludibriando meus sentidos a ponto de

querer-me fazer conhecer-te, para também conhecer-me? Quem és tu, que confiou-me saber por onde andas, o

que fazes, a quem amas, a ponto de dar voz ao desconhecido em ti, em mim, em nós?

Digo-te, do modo modesto de um aprendiz, és àquele por quem me interesso, músico da minha orquestra!

(Nastassja Silva Néto, 2006)

Esta foi uma forma bastante singela de homenagear os sujeitos que se

voluntariaram a participar deste projeto de pesquisa. Para tanto, os mesmos

tiveram que se corresponder a alguns critérios pensados, a priori, em

decorrência de uma característica peculiar exigida pelo estudo de caso:

profundidade na investigação. Nesse sentido, não seria possível aprofundar as

reflexões acerca do propósito da pesquisa caso todos os cursistas da disciplina

Inconsciente e Educação (atualmente 54 graduandos) se disponibilizassem a

realizar tal feito.

Portanto, alguns critérios citados abaixo, em comum acordo com a

orientadora, tornaram-se elementos indispensáveis para a composição do

grupo de participantes desta investigação:

Consentimento voluntário de participação;

Disponibilidade de tempo para atuar em atividades coordenadas

pela pesquisadora;

Formação pedagógica visando o exercício da docência;

Interesse pelo aporte teórico da psicanálise.

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Dentro dessa perspectiva, podemos destacar a participação direta de 5

(cinco) sujeitos-graduandos que estiveram de acordo com os critérios

solicitados. Todavia, não pudemos ignorar a participação indireta dos demais

sujeitos presentes em sala de aula e suas colaborações, valendo ressaltar que

as mesmas foram compreendidas a níveis ilustrativos, podendo, futuramente,

ganhar maiores dimensões.

Em se pensando no foco da pesquisa, o qual nos destina à complexidade

de compreender os “efeitos” pessoais/profissionais da disciplina Inconsciente e

Educação na formação do pedagogo, faz-se necessária, também, a

participação de alguns alunos egressos da mesma.

Inserindo-os, portanto, nos mesmos critérios de escolha que os

ingressos, uma vez que já fizeram parte daquela, podemos destacar a

participação de 3 (três) sujeitos em acordo com tais critérios, sendo 2 (dois)

graduados em pedagogia, e 1 (um) em processo de formação. Caso fosse

necessário, ao longo da investigação, o número de sujeitos participantes

poderia ter sido repensado.

Por questão do estabelecimento de um compromisso com os mesmos,

suas identidades serão guardadas em sigilo, como consta nos termos de

“compromisso” e “responsabilidade” assinados por eles e por mim,

respectivamente, e que vêm representados por um exemplar em anexo (p.

76).

6.3 ESTRATÉGIAS DE LEVANTAMENTO DE DADOS E A BATUTA DO

MAESTRO

107

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Nesta etapa do projeto, a organização das estratégias de levantamento

dos dados fez-se tão necessária quanto a apropriação da “batuta”, pelo

maestro, em prol da condução orquestral. Há uma grande preocupação em

situar o leitor, do modo mais claro possível, a respeito da especificidade de

cada uma dessas, a fim de que, ao longo do trabalho, se tornem

compreensíveis.

É importante salientar que o destino de cada uma não ocorreu, de igual

forma, ao grupo de ingressos e egressos, visto que os mesmos vivenciaram

realidades/contextos distintos. Dessa feita, é possível observar abaixo a idéia

de tais meios em correspondência aos seus objetivos:

Questionário semi-aberto inicial (sujeitos egressos) – identificar

aspectos considerados relevantes (ou não) na formação do sujeito

enquanto pedagogo, a partir de esclarecimentos proporcionados pelo

aporte psicanalítico (APÊNDICE A);

Memória educativa (sujeitos ingressos e egressos) – principal

dispositivo da pesquisa a ser elaborado pelos próprios participantes.

Não há um modelo padronizado em que os mesmos devam sustentar

suas enunciações, apenas orientações que podem ser tomadas como

sugestões para que as mesmas possam vir a ocorrer. Por meio de sua

leitura, buscou-se compreender traços da “verdade histórica” que

constitui cada sujeito participante (APÊNDICE B);

Entrevista semi-estruturada (sujeitos ingressos e egressos) – buscar,

junto aos participantes, a elucidação de aspectos implícitos e não-

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diretivos levantados por meio de estratégias (e dispositivo) anteriores,

além de aprofundar pontos relevantes aplacados superficialmente

pelos mesmos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Vale ressaltar que a mesma está

respaldada na realidade singular de cada sujeito entrevistado;

Atividades avaliativas da disciplina (sujeitos ingressos) – avaliação

diagnóstica e avaliação final. A primeira consistiu em levantar quais as

perspectivas sobre a disciplina que traziam os sujeitos ingressos. A

segunda, em evidenciar se houve aspectos significativos que puderam

contribuir com a formação do educador (APÊNDICE C)38.

6.4 PROCEDIMENTO DA INVESTIGAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DO

CONCERTO

Chega o momento de apresentar a organização do concerto para

sinfonia! Como foi feito? A responsabilidade de conduzi-lo aumenta na medida

em que o maestro se depara com a realidade vivida por seus músicos; por

cada músico. A imprevisibilidade do acontecimento, quer seja o esperado ou o

surpreendido, não justifica o compromisso que o maestro deve ter ao planejar

sua regência. Analogicamente, em relação ao do pesquisador também não!

O planejamento de como ocorreram todas as inserções do pesquisador

em campo é bastante válido se esse não o obtiver enquanto um procedimento

rígido e inflexível, inacessível a possíveis imprevistos. Isto nos faz lembrar a

38 Inicialmente, não foi programada a inserção desses instrumentos para a coleta de dados. Entretanto, ao longo das análises, percebeu-se a importância em priorizá-los, uma vez que suas respostas se configuram como uma das possibilidades mais significativas para o objeto dessa pesquisa.

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afirmativa freudiana a respeito da impossibilidade das três profissões

(governar, curar, educar), argumentada por Lajonquière em Infância e Ilusão

(Psico)Pedagógica (2002). Refletindo a partir dessa argumentação, explicitar o

procedimento de uma investigação, a priori, não garantirá que a produção do

acontecimento ocorrerá de modo satisfatório e repleto de sentido. Entretanto,

não exime a responsabilidade do pesquisador em ter uma orientação, por meio

de um planejamento, e fazer suas apostas.

Fundamentada nisso, inseri-me na disciplina Inconsciente e Educação no

dia 1º de Setembro de 2006 com o consentimento da minha orientadora, a

qual me apresentou à turma como mestranda e pesquisadora interessada em

acompanhar as experiências vividas por alguns estudantes desde a entrada à

saída da disciplina. Explicitei-lhes, superficialmente, o objetivo que me faria

presente ali naquele momento. A partir de então, passei a observar in loco a

apresentação dos alunos e suas colocações.

A inserção na disciplina enquanto pesquisadora me permitiu, a cada

aula, prestar uma atenção mais cuidadosa em relação à realidade enfrentada

pelo grupo; suas apreensões enquanto educadores que estão sendo

apresentados ao aporte psicanalítico; as vicissitudes enfrentadas em sala de

aula, em suas práticas; as dúvidas oriundas de um não saber e os debates

originados por meio de diversos dimensões: formação, sociedade, cultura.

Como meio auxiliar, além das anotações realizadas em um diário

específico, foi utilizado um gravador para registrar falas e/ou diálogos

possivelmente interessantes e que não puderam ser capturados nas

anotações. Vale ressaltar que as gravações foram submetidas a uma “escuta

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sensível” todas as vezes que as notas tomadas em campo tiveram uma

conotação nebulosa e/ou contraditória.

Nos planejamentos iniciais acerca do primeiro dia de reunião entre

pesquisadora – pesquisados (sujeitos ingressos), realizamos o que havia

chamado de roda de debates inicial (22/09/2006)39. O principal objetivo

dessa foi discutir, primeiramente, a respeito de como eles se sentiam naquele

exato momento da formação, a matrícula na disciplina Inconsciente e

Educação e suas aspirações futuras, bem como apresentar a proposta da

pesquisa a ser realizada com a colaboração dos mesmos.

Assim também foi feito com os sujeitos egressos da disciplina. Ao marcar

uma reunião para a roda de debates inicial (7/10/2006), foi possível

perceber uma generosa colaboração por parte dos 3 (três) participantes, que

se licenciaram de seus outros compromissos para estar presentes no primeiro

encontro. Após discutir, brevemente, sobre a passagem deles pela disciplina e

a apresentação da proposta de pesquisa, os mesmos responderam a um

questionário semi-aberto produzido de acordo com a condição de sujeitos

egressos.

Desde o princípio dos encontros com os grupos de sujeitos, foi-lhes

solicitada a elaboração do principal dispositivo desta pesquisa, o qual seria

submetido, posteriormente, a uma análise de conteúdo [da enunciação]40: a

memória educativa.

Após o contato com esse material, foram realizadas leituras iniciais com

o objetivo de organizar alguns “traços” que provocaram curiosidades e/ou

39 Vide objetivos das estratégias no item 6.3 deste capítulo.40 Essa característica de análise terá uma melhor explicitação no próximo item.

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deixaram dúvidas/lacunas para uma compreensão dita “fiel” dos fenômenos

ocorridos na experiência educativa dos sujeitos. Portanto, retomamos de modo

individual as questões mencionadas acima com a estratégia de entrevistas

semi-estruturadas, buscando atender a disponibilidade de tempo de cada

sujeito-participante, manter preservada sua intimidade e respeitar o seu

“momento” pessoal.

Dessa forma, houve uma sistematização elaborada, a priori, a partir de

alguns dados resgatados no conteúdo, principalmente, das memórias.

Entretanto, outras indagações surgiram em decorrência de uma “escuta

sensível” voltada para a fala do entrevistado, conforme nos inspira Barbier em

A Pesquisa-ação, cujo processo demandou uma sensibilidade à escuta, de

modo paciente e atencioso, visando resgatar e retornar às falas passadas

muitas vezes despercebidas pelos sujeitos entrevistados (in FAZENDA, 2005).

Ainda assim, tentamos manter uma “atenção flutuante” em nosso processo

interativo, não com o intuito de estabelecer uma relação psicanalítica, mas

com o cuidado que se deve ter ao observar diversas ações, gestos e

expressões que também fazem parte do corpo das informações e que não

devem estar isentos ao olhar do pesquisador.

Assim,

o entrevistador precisa estar atento não apenas ao roteiro preestabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação. Há toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não-verbais, hesitações, alterações de ritmo, enfim, toda uma comunicação não verbal cuja captação é muito importante para a compreensão e validação do que foi efetivamente dito (THIOLLENT, in LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 36).

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Quando se trata da atuação de um educador nesta situação, há que se

tomar um cuidado redobrado para que, respaldando-se na “atenção flutuante”,

o mesmo não seja seduzido pela realização de uma “análise selvagem” ou

uma “interpretação leiga”. O educador deve reconhecer que fala de um

determinado lugar, e é a partir desse que construirá toda uma lógica de

pensamentos.

Por fim, realizamos um feedback com ambos os grupos de participantes

por meio do que chamamos de roda de debates final. Procuramos,

primeiramente, agradecer-lhes profundamente pela participação na pesquisa e

saber um pouco a respeito de como foi a experiência de cada um em ter sido

voluntário a colaborar para o processo de construção de um conhecimento. Em

segundo lugar, consideramos extremamente importante dar um retorno aos

mesmos sobre o percurso em que os dados foram levantados (com algumas

vicissitudes inerentes ao processo), a importância dos mesmos para as

reflexões que estarão em andamento e, minimamente, como eles serão

tratados.

A título de esclarecimento ao leitor, nossa permanência em campo (em

torno de quatro meses) está vinculada à natureza singular do problema que

está sendo estudado conquanto seu objetivo, na tentativa de afastar qualquer

espécie de aligeiramento conclusivo que possa comprometer a legitimidade da

pesquisa.

6.5 ANÁLISE DO CONTEÚDO [DA ENUNCIAÇÃO]: QUE RUFLEM OS

TAMBORES

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Em direção a um trabalho de análise, pensamos que a intensa

participação do pesquisador no contexto investigativo, bem como o

investimento teórico e prático a que se submete, não lhe isenta de uma

postura subjetiva diante das informações obtidas. Não há como o pesquisador

afirmar sua inteira “neutralidade” em uma investigação mencionada

qualitativa, principalmente em se tratando de relações humanas.

Nossa proposta de análise consistiu em conceber as informações reunidas

como um processo interligado em várias formas de comunicação: escrita, fala,

desenho, gestos. Dessa forma, nos apoiamos na concepção da comunicação

como processo e não como dado (BARDIN, 2004, p. 169).

Constantemente citado na obra de Bardin, D’Unrug (1974) apresenta uma

proposta assente com a concepção acima, atribuindo-lhe vantagem por ser

acessível, sem a necessidade de formação específica em psicanálise ou

lingüística: a análise da enunciação. Enunciação vem do latim enuntiatione,

significando ato ou efeito de expressar-se, declarar-se, manifestar-se

(Dicionário Aurélio, século XXI). No caso desta pesquisa, chamamos nossa

“técnica” de análise do conteúdo [da enunciação], por estar investida dos

pensamentos eloqüentes de D’Unrug em relação à importância do trabalho

que é feito ao se produzir a palavra, a qual não é elaborada por si só, mas

acompanhada de uma carga de sentido e/ou transformações. Reiteramos o

mesmo com a idéia de que a escrita também passa pelo processo similar de

produção da fala: ela é expressa ou manifesta trazendo não somente um

código lingüístico formal, suscetível a decodificações, mas também investida

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de uma carga de sentido que não pode ser passada despercebida por esse

processo de análise.

Conforme a autora, a análise da enunciação concebe o discurso como

sendo uma palavra em ato. Portanto, o discurso não é um produto acabado, e

sim um ato que ocorre em um momento de elaboração, comportando

contradições e incoerências. Isto é particularmente evidente nas entrevistas,

em que a produção é ao mesmo tempo espontânea e constrangida pela

situação (p. 170).

Observe-se a situação abaixo:

Na minha infância cada professora me marcou de maneira diferente. Eu gostava de

todas, mas ficava muito triste quando era chamada atenção... [pausa]... Porque era um

sentimento de decepção, né? Eu gostava da professora e queria um reconhecimento... Aí

quando você vê que não alcançou isso e que entristeceu a professora, atrapalhou a aula... Daí

geralmente a professora vem com uma ‘chantagenzinha’, né?... [sorri]... “Puxa, eu confiei em

você, pedi pra você ficar quieto”... [representa a fala da professora]... Aí isso pra mim é uma

decepção, é uma frustração... [pensativa]... Comigo mesma, né? Eu é quem tô errada.

(Trecho transcrito de entrevista realizada com um sujeito-participante da

pesquisa, assim como foi dito).

D’Unrug enriquece nossas idéias ao afirmar que em qualquer forma de

comunicação, e não apenas na prática psicanalítica ou na entrevista, um

“triângulo” estrutura a produção do acontecimento com três pólos

unificadores: o locutor, seu objeto de discurso (ou de referência), e um terceiro

(p. 170). Portanto o locutor exprime, com toda ambivalência, os seus conflitos

de base, a incoerência do seu inconsciente. Contudo, na presença de um

terceiro, sua fala busca “respeitar” ao máximo a exigência da lógica da

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socialização (cf. D’Unrug). Porém há algo que escapa a esse domínio, deixando

lacunas que poderão fornecer ao analista elementos assegurados em

fundamentos teóricos que o permitam re-significar investimentos, atitudes e

representações, como é o caso do fundamento na teoria psicanalítica.

Desse modo, o discurso é, por um lado, uma atualização parcial de

processos na sua grande parte inconscientes, e por outro, a estruturação e as

transformações provocadas pela passagem pelo “fluxo” da linguagem e pelo

“outro” (D’UNRUG, citado por BARDIN, 2004, p. 170-1). Lacan e a Psicanálise

participam dessa idéia na concepção de um discurso em que a manifestação

formal esconde e estrutura a emergência de conflitos latentes (Idem, ibidem).

O interesse, portanto, pelos jogos de palavras, pelos lapsos e pelos silêncios

como indicadores privilegiados desta pesquisa, provém diretamente das

intuições de Freud em seus estudos subsidiados em casos clínicos.

[...] De modo análogo ao que ocorre com os sintomas neuróticos, também em indivíduos saudáveis encontramos com freqüência determinados distúrbios funcionais, como, por exemplo, o ‘lapsus linguae’, os erros de memória e fala, o esquecimento de nomes, etc., e, como se pode facilmente demonstrar, esses distúrbios são dependentes da ação de idéias inconscientes fortes (FREUD, 1912, apud HANNS, 2004, p. 86).

Vamos, então, à análise dos dados!

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CAPÍTULO 7

ANÁLISE DOS DADOS

‘Se tentamos recordar-nos do que nos aconteceu nos primeiros anos da infância, muitas vezes confundimos aquilo que ouvimos de outros, com o que realmente nos pertence e que provém daquilo que nós próprios testemunhamos.’ Goethe sobre o relato de sua vida, que começou a escrever aos sessenta anos de idade (Apud Freud, 1917).

Freud afirma, em Uma recordação da infância de Goethe (1917), que

antes de haver psicanálise era possível ler o depoimento da epígrafe sem se

deparar com maiores surpresas; contudo, a consciência analítica tornou-se

ativa. Responsável por formar opiniões e expectativas definidas acerca das

lembranças da mais remota infância, Freud gostaria de reivindicar validade

universal para elas. Diz ele que não deveria ser uma questão indiferente ou

totalmente sem sentido todo detalhe da vida de uma criança que houvesse

escapado ao esquecimento geral. Poder-se-ia, ao contrário, prever que aquilo

que fora preservado pela memória, era o elemento mais significativo em todo

esse período da vida, quer houvesse tido tal importância na época, quer

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tivesse adquirido importância subseqüente por influência de eventos

posteriores (p. 91).

O autor ainda esclarece que o elevado valor de tais recordações infantis,

na verdade, era óbvio apenas em alguns casos. Por ora, completa seu

raciocínio dizendo que antes que o significado do relato pudesse ser apreciado,

era necessário um certo trabalho de interpretação.

No aprofundamento de nossas análises reunimos algumas enunciações

(manifestas através da escrita e fala) da realidade educativa dos sujeitos de

pesquisa, as quais nos mostram os caminhos percorridos por eles em busca da

realização do desejo pela docência. No intuito de favorecer o sentido das

(re)velações a eles próprio legítimo, bem como o estilo de expressão de cada

um, a autenticidade dos discursos nos levou a perceber sutis “semelhanças”

experienciadas, sentidas e desejadas no decorrer do processo educativo dos

mesmos.

Assim, percorremos os depoimentos dos sujeitos-participantes através dos

distintos dispositivos que compõem esta pesquisa e nos deparamos com

enunciações comuns e incomuns durante essa dinâmica. Isto gerou uma

emergência para a organização das mesmas em “indicadores temáticos (ou

categorias)”, o que nos proporcionou um conseqüente aprofundamento em

significações segundas que as primeiras mensagens “escondem”. Segundo

Franco (2003), o processo de categorização é uma operação de classificação

de elementos constitutivos da mensagem analisada, implicando num jogo de

idas e vindas da teoria ao material de análise.

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Na análise, portanto, tornou-se perceptível uma teia de significados (em

toda teia há lacunas) que nos permitiram uma aproximação com os objetivos

dessa pesquisa, reunidos em indicadores temáticos expressos por:

1) a falta nas teias da educação;

2) ambivalência no contexto educativo;

3) transmissão de um estilo;

4) desejo pela docência.

Ao percorrê-los, foi possível obtermos alguns resultados organizados na

disposição acerca da interface psicanálise-educação, possível reveladora

de efeitos.

Vale destacar, nesse sentido, que tais indicadores não se deram

constituídos a priori, mas foram emergindo em um contexto que reuniu um

entrelaçamento entre: minuciosas leituras feitas no material de análise;

observação sobre a constituição da identidade do pedagogo, apoiada no

referencial psicanalítico e o processo de formação do pedagogo, apoiada na

própria experiência da pesquisadora no âmbito de sua formação enquanto

educadora.

Levando em consideração a complexidade da leitura dos dados, por tratar-

se de uma lógica subjetiva das manifestações, a análise do conteúdo é

utilizada para produzir inferências acerca dos dados verbais e/ou simbólicos

(enunciações), considerando-se, necessariamente, o sentido da mensagem e

as condições contextuais de seus autores (FRANCO, 2003).

Seguindo este raciocínio, os dispositivos da entrevista e da memória

educativa que os sujeitos experienciaram fizeram-se de fundamental

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importância para a compreensão de nossas questões iniciais de pesquisa, bem

como o conteúdo relativo à atividade avaliativa da disciplina Inconsciente

e Educação (não planejada inicialmente para esta investigação), ao qual, no

decorrer de nossas análises, foi-se atribuindo significativa importância por

revelar alguns possíveis “efeitos”, ou “restos”, proporcionados pelo ensino e

transmissão de um saber orientado pelo aporte psicanalítico.

7.1 INDICADORES TEMÁTICOS

• A falta nas teias da educação

Em toda investigação psicanalítica da história de uma vida, diz Freud

(1917), é possível compreender o significado das lembranças da primeira

infância ao longo de suas linhas. De fato acontece, habitualmente, que a

própria recordação à qual o paciente dá precedência, aquela que relata em

primeiro lugar, com a qual introduz a história da sua vida, vem a ser a mais

importante, a única que contém a chave das páginas secretas da sua mente.

Mais uma reformulação de experiências do que um simples narrar de fatos, esta

memória conta estórias muito significativas em minha formação pessoal. Como em todo

evento educativo, as primeiras vivências memoráveis foram marcadas por uma certa

ausência (M. C. S., 8º semestre de Letras).

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Esse é o princípio da escrita de M. C. S., que atribui um significado muito

particular à sua memória: mais uma reformulação de experiências...que

conta estórias muito significativas. Poderíamos compreender, através

dessa fala, que se trata de mais um momento em sua vida em que se depara

com uma oportunidade de rever, reavaliar ou re-significar experiências que

fazem parte de sua constituição enquanto pessoa/profissional, e que somente

ele, mais do que qualquer outro sujeito, poderá atribuir um verdadeiro sentido,

por mais prazeroso e/ou doloroso que seja.

Este excerto também nos chama a atenção pela palavra utilizada por ele

para se referir às “estórias” de sua vida. De acordo com o dicionário Aurélio

(Séc. XXI), recomenda-se apenas a grafia história, tanto no sentido de ciência

histórica, quanto no de narrativa de ficção, conto popular, e demais acepções.

Mesmo que fantasias oriundas de um registro ─ imaginário possam─

preencher lacunas que tecem lembranças, as mesmas associam-se a um real

experienciado pelo sujeito em suas relações e fazem parte de sua verdade

histórica.

Freud, interessado na memória de seus pacientes, revela, ainda em

1899, que essas lembranças primárias, repletas de “ausências”, relacionam-se

com recordações, pensamentos e até impressões posteriores (de conteúdo

fantasístico) que podem ser chamadas, de acordo com a literatura

psicanalítica, de “lembranças encobridoras”. Observemos um excerto da

memória da profª A. C. F.41:

41 Devemos lembrar que os sujeitos participantes desta pesquisa são “ingressos” e “egressos” da disciplina Inconsciente e Educação. Dos ingressos, todos são estudantes. Dos egressos, apenas 1 (um) não exercia a docência na época das investigações. Os mencionados “professores”, já se encontram em exercício.

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Exponho aqui algumas recordações e análises da minha trajetória como estudante nas

diferentes instituições que percorri. Procurei os fatos mais marcantes que tenho

lembrança, porém acredito que minha memória não funcione de forma cronológica. [...]

Da minha infância, lembro de poucos detalhes. Mas vi que, a medida que estes me

vêm à mente, desencadeiam outros fatos relacionados.

De acordo com Freud (1899), ninguém contesta o fato de que as

experiências dos primeiros anos de nossa infância deixam traços escritos nas

profundezas de nossa mente. Assim diz:

Ao procurarmos averiguar na memória quais as impressões que se destinaram a influenciar-nos até o fim da vida, o resultado é, ou absolutamente nada, ou um número relativamente pequeno de recordações isoladas, que são freqüentemente de importância duvidosa ou enigmática. É somente a partir do sexto ou sétimo ano - em muitos casos, só depois dos dez anos - que nossa vida pode ser reproduzida na memória como uma cadeia concatenada de eventos. Daí em diante, porém, há também uma relação direta entre a importância psíquica da experiência e sua retenção na memória. O que quer que pareça importante por seus efeitos imediatos ou diretamente subseqüentes é recordado; o que quer que seja julgado não essencial é esquecido (p. 176).

Vejamos um outro exemplo relatado pela estudante M. F. W.,

apresentando em suas lembranças um “atropelo inconsciente”:

Comecei meus estudos das primeiras letras na escola pública, [...], não me lembro das

minhas professoras, nem do que aprendi nestas séries, pois meu pai faleceu quando eu

tinha quatro anos e desde então minha memória ficou bloqueada, como se eu não

tivesse vivido nada depois disso. Lembro-me de muitos momentos com o meu pai e

minha família, lembro-me de coisas até meus quatro anos [...] O que estarei relatando

aqui são dados que estou tirando do meu histórico escolar e de ‘lapsos’ que me

recordo desta época .

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Em Recordar, Repetir e Elaborar (1914), Freud revela que quando o

sujeito fala sobre coisas “esquecidas”, raramente deixa de acrescentar.

Freqüentemente expressa desapontamento por não lhe virem à cabeça coisas

que possa chamar de “esquecidas” - em que nunca pensou desde que

aconteceram. Neste caso, o “esquecer” torna-se ainda mais restrito quando se

avalia em seu verdadeiro valor as lembranças encobridoras que geralmente se

acham presentes, as quais, segundo Freud, representam os anos esquecidos

da infância.

Não temos dúvida da dor, provocada pela lembrança da ausência do pai,

que acometeu a estudante M. F. W. à época em que viveu a experiência da

escritura de sua memória. O pai, enquanto referência de educação primordial e

Lei que intervém nos desejos mais primitivos da infância (mesmo em se

tratando do sexo oposto), possivelmente deixou uma lacuna significativa ao se

ausentar, definitivamente, de sua relação cotidiana.

Freud diz, em Romances familiares (1909), que os pais constituem para

a criança pequena a autoridade única e a fonte de todos os conhecimentos.

Assim, o desejo mais intenso e mais importante da criança nesses primeiros

anos é igualar-se aos pais (isto é, identificando-se com o progenitor do mesmo

sexo para “ter” o sexo oposto), e ser grande como seu pai e sua mãe. E em

Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914), complementa este

raciocínio afirmando que de todas as imagens (imagos) de uma infância

nenhuma é mais importante para um jovem ou um homem que a do pai. “A

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necessidade orgânica introduz na relação de um homem com o pai uma

ambivalência emocional que encontramos expressa de forma mais notável no

mito grego do rei Édipo” (p. 162).

Em entrevista, M. F. W. confirma o que já havia escrito anteriormente na

memória educativa e complementa: Não me lembro nada dessa época...

prefiro tentar não lembrar...Pensamos, assim, que oportunizar uma re-

significação da vida pessoal e profissional é apostar, principalmente, na

ressurreição de sentimentos ambivalentes vividos em especial na infância.

“Em geral, não há nenhuma garantia quanto aos dados produzidos por

nossa memória”, diz Freud em 1899. Todavia, compreendemos que a chamada

garantia não depende por si só da veracidade dos fatos, mas sim, e

principalmente, da autenticidade característica de cada marca do sujeito.

Dessa forma, o raciocínio freudiano aguça-nos a pensar sobre as

“falsificações”42 enquanto um tamponamento para a falta de algo, no sentido

de que, em si mesmas, elas não são feitas da matéria original, mas estão perto

de algo realmente legítimo. “É bem possível aplicar essa mesma comparação a

algumas das experiências infantis retidas na memória” (FREUD, 1899, p. 179).

Um outro possível representante para falta simbólica nas teias da

educação, observado nas memórias dos sujeitos de pesquisa, pode também

ser lido através da experiência de desamparo vivida por esses sujeitos ainda

na infância. Abaixo destacamos o relato do estudante R. L. V.:

42 Leia-se “substituições”, parafraseando Freud (1899): Há entre nós um dito corrente sobre as

falsificações, no sentido de que, em si mesmas, elas não são feitas de ouro, mas estiveram

perto de algo realmente feito de ouro.

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Escrever sobre a vida dos outros é algo muito mais fácil do que fazer uma retrospectiva

ou uma biografia própria. Não me recordo muito do meu passado, porém tentarei

lembrar do máximo possível. [...] Tentarei falar do que mais marcou na minha vida

educativa...

Continua:

No segundo período da pré-escola eu estudei em escola particular (única vez). De lá eu

não me lembro muito, só sei que minhas “tias” (professoras) eram superlegais. No

terceiro período eu fui para a escola pública. Totalmente diferente da particular. No

primeiro dia de aula, ao ver minha mãe ir embora, eu comecei a chorar. Me senti

sozinho, desprotegido, naquele momento.

Para Freud, “a angústia é um produto do desamparo mental da criança

símile natural de seu desamparo biológico” (1926, p. 86). Em seu texto─

Inibição, sintoma e angústia, o mesmo relata que há, desde a criança de colo,

certo preparo para a angústia. Mas esse preparo, em vez de estar em seu

ápice logo após o nascimento e então lentamente decrescer, surge depois, à

medida que se processa o desenvolvimento mental, e permanece durante um

certo período da infância.

Em se pensando na experiência vivida na transição do segundo para o

terceiro período da Educação Infantil do estudante R. L. V., além de se deparar

com um outro contexto institucional (estranho), o mesmo se dava conta que a

não presença da mãe ao seu lado gerara uma sensação de desamparo,

solidão. Isto nos permite reconhecer a importância das análises freudianas a

respeito da experiência do carretel (for da) vivida por seu neto (ainda

enquanto criança de colo) ao simbolizar a ausência materna (1905).

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Essa reflexão deve nos levar para além da questão da perda do objeto

de amor. Conforme Freud (1926), a razão pela qual a criança deseja a presença

materna é porque ela já sabe, por experiência, que esta satisfaz todas as suas

necessidades sem delongas. “A situação, portanto, que a criança considera

perigosa e contra a qual deseja ser protegida é a de não satisfação de suas

necessidades” e futuros desejos (p. 85; grifo nosso).

Vejamos também o que nos diz a profª E. M. S.:

Eu iniciei meus estudos em uma escola pública com cinco anos. A maior lembrança que

eu tenho da minha primeira escola é que eu chorava praticamente todos os dias

porque tinha medo de ser esquecida. No ano seguinte comecei a estudar em outra

escola mais próxima da minha casa. Lembro-me bem da professora carinhosa, dos

colegas, da sala [...], isso fazia com que eu me sentisse mais segura. O meu pai me

buscava de bicicleta. Eu adorava!

E ainda continua:

Nessa época meu pai sofreu um acidente, que o fez perder a mão esquerda. [...] A

família passou por momentos difíceis nessa época. Eu não tenho grandes lembranças,

pois era muito pequena e protegida pela família.

No caso da profª E. M. S., por exemplo, então com seus cinco anos de

idade (travessia do Édipo), percebemos que o aumento da tensão se dava por

ela se deparar com pessoas desconhecidas todos os dias em vez de

permanecer com as quais estava habituada - a mãe, o pai e os irmãos, com o

agravante: medo de ser esquecida. Medo de ser esquecida por quem? Pela

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mãe, a grande “rival” pelo amor do pai? Ou pelo pai, sua principal alternativa

de uma possível completude?

Fundamentando-nos em Freud (1926), compreendemos neste relato que,

naquele momento, a angústia aparece como uma reação sentida à perda do

objeto. É necessário que enfatizemos a questão sobre a percepção da

diferença sexual que ronda esta fase da infância para prosseguirmos em

nossas reflexões.

Ao perceber a distinção anatômica entre os sexos, a menina se porta de

maneira diferente da do menino, que vive a experiência da angústia de

castração. Aquela não se engana pelo fato de não ter um pênis, que nunca

teve, mas deseja tê-lo e irá em busca dele, constituindo, assim, a inveja do

falo (FREUD, 1925).

Para Freud, o grande temor feminino é perder o AMOR (1931). No

momento em que sente a inveja do falo a menina se depara com a falta (real),

fazendo com que se afaste, com rancor, de seu primeiro objeto de amor: a

mãe. Isso a faz dirigir-se para o pai, na esperança que ele lhe devolva o objeto

que complete sua ferida narcísica. Assim, desejará do pai “um filho”, na

tentativa de substituir o falo (que não tem) como uma espécie de “curativo”

para esta ferida.

Pensemos, novamente, no relato apresentado. Ela repete,

simbolicamente, que houve um momento da relação com sua mãe que foi

bom, transferindo agora para a relação com a professora: lembro-me bem

da professora carinhosa... isso fazia com que eu me sentisse mais

segura. E se depara, mais à frente, com uma falta real diante do acidente

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ocorrido com seu pai, causando prejuízos não só a ele, mas também a si

própria, por limitar-se ao “toque” das mãos que afagam.

Ao descobrir que o pai não pode lhe dar filhos reais, a menina sublima a

energia sexual que a move em direção a outras atividades socialmente

aceitas, na tentativa de encontrar algo valioso que seja capaz de lhe “dotar”

daquilo que falta: um falo (no sentido simbólico de poder)43. Eis aqui a

importância fundamental da educação para além do âmbito familiar, o escolar:

Na 2ª série, vivi uma situação marcante quando a professora estava ensinando adição

e subtração. Ela passava folhas com várias operações no estilo “arme e efetue” e eu

errava muitas. Logo a professora afirmou que eu não era boa em Matemática e pediu

que eu fosse a uma aula de reforço, onde passou mais operações para que eu e as

outras crianças fizéssemos, porém eu continuei errando, pois achava que o que eu

fazia tinha lógica e não entendia porque errava. As aulas de reforço em nada

ajudaram: o que resolveu a minha relação com as tais “continhas de mais e de menos”

foi o dia em que meu pai foi me ajudar no dever de casa e percebeu porque estava

errando e me mostrou qual era a falha na minha forma de pensar. Eu fiquei

extremamente feliz ao descobrir porque eu estava errando e mais feliz ainda porque

acertei todas as questões da prova, com direito aos “Parabéns” da professora escrito

nela (E. M. S.).

Como é possível perceber, os “erros” oportunizados por uma falta de

compreensão (singular em cada sujeito), tiveram uma feliz solução por meio

de uma orientação mais significativa vinda do pai, sujeito que, segundo E. M. S.,

cursou apenas até a 4ª série do ensino fundamental. Por outro lado, mesmo

43 No caso dos meninos, ao viverem a angústia de castração, eles abandonam a tentativa de incesto para não perderem o falo como pensam que a mãe perdeu, isto é, por temor à castração. Pensam que neste momento só o pai detém o falo e buscam uma identificação com ele. Ao perceberem que o pai também é incompleto, vão à busca do falo na cultura, sublimando a energia originariamente sexual. Ver mais em Freud, Além do princípio de prazer (1923).

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não aprovando as aulas de reforço propostas pela professora (por não ir de

encontro ao seu desejo), o reconhecimento advindo desta apresenta-se de

fundamental importância para o investimento em novas aprendizagens. Isto

muito se assemelha à relação primordial das meninas com a mãe.

Segundo a psicanalista Rita Manso, para dar conta de uma falta as

palavras nos servem como linha de tricô, que tece em torno do vazio. E

prossegue: “o sujeito, e sobretudo a mulher, não nega a falta, ela a enfeita em

seus contornos” (MANSO DE BARROS, 2007, p. 174).

Assim, por mais original, específico e arcaico que seja o significante da

falta, não há como o sujeito não vivê-la e nem senti-la. Uma vez instalada por

interdição da “Lei paterna” (educação primordial), fará parte da eterna

incompletude que o acomete nos mais variados contextos, dentre eles o

escolar.

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• Ambivalência no contexto educativo

Aprendi silêncio com os falantes, tolerância com os intolerantes, e gentileza com os rudes; ainda, estranho, sou ingrato a esses professores (Kalil Gibran).

Freud, em suas reminiscências estudantis, afirma que os alunos

encontram-se inclinados a amar e a odiar, a criticar e a respeitar seus

professores desde o contato inicial. “A psicanálise deu nome de ambivalência a

essa facilidade para atitudes contraditórias e não tem dificuldade em indicar a

fonte de sentimentos ambivalentes desse tipo” (1914b, p. 161).

Em uma idade muito precoce, a criança desenvolve uma catexia objetal

pela mãe originalmente relacionada ao seio materno. Em relação ao pai não

há, em princípio, sentimentos hostis. Durante certo tempo, esses dois

relacionamentos avançam lado a lado, até que os desejos sexuais, no caso do

menino em relação à mãe, se tornam mais intensos e o pai é percebido como

um obstáculo a eles, originando-se, disso, o complexo de Édipo. Sua

identificação com o pai assume então uma coloração hostil e transforma-se

num desejo de livrar-se dele, a fim de ocupar o seu lugar junto à mãe. Daí por

diante pode-se dizer que sua relação com o pai é ambivalente (sentimentos de

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amor X ódio); como se a ambivalência, inerente à identificação desde o início,

houvesse se tornado manifesta neste período (FREUD, 1923). Isso se inicia

com os pais, ou outro responsável pela função; adiante é continuado pela

figura do professor.

A seguir podemos observar o relato de M. C. S., manifestando um

sentimento hostil em relação àquela que cumpria dupla função no seio

familiar:

Filho de pais separados, tive de aprender a me defender de quatro irmãos mais velhos

sozinho, pois minha mãe precisava trabalhar....Sempre salta-me à lembrança o

descontentamento comum a todos da família. Desolados, precisávamos de apoio e

ajuda o que pudemos encontrar nas escolas. Esta mesma instituição foi a que

empregou minha mãe. Professora, o seu único meio de realização era a escola. No

entanto, a mesma porta aberta ao crescimento intelectual fechava-se ao meu

mundo de afeições, deixando minha mãe do lado de fora.

A escrita de M. C. S. é rica em suas linhas e entrelinhas. Afirma que

precisava de apoio e ajuda e que os mesmos puderam ser encontrados em

ambiente educativo. Por outro lado, tinha a escola como uma “rival” por

afastar de si os “cuidados maternos” (ele precisava estudar e ela trabalhar) e

transferindo para a figura materna um sentimento de abandono. Podemos até

sugerir que a escola, neste momento, esteve cumprindo a função de um

terceiro na relação gozosa mãe-filho, já que o princípio de sua educação foi

marcado pela ausência de um pai.

Adiante, o mesmo continua seu relato apresentando uma causa para o

motivo de ter deixado sua mãe “de fora do seu mundo de afeições”:

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Ela passava semanas inteiras longe de casa, trabalhando em Planaltina, enquanto eu

ficava com os irmãos na Ceilândia, com algum adulto cuidando de nós... Aquela

sensação de abandono ou falta de ajuda me deixava inseguro.

Vejamos, abaixo, a escrita da estudante M. V. S., sobre uma possível

experiência ambivalente na relação mãe-filha ocorrida em contexto educativo-

escolar:

Iniciei minha vida escolar aos seis anos de idade [...]. No ano seguinte fui para a escola

pública em que minha mãe lecionava. Confesso que não foi uma experiência muito

agradável, pois além do comportamento e notas exemplares que me era exigido por

ser filha da professora, ainda tinha que escutar chacota dos colegas de sala [...]. Tudo

isso ajudou a ter uma postura diferente na minha vida acadêmica, pois a partir disso eu

não permiti mais que minha mãe olhasse meus cadernos e nem me ajudasse a fazer

tarefas e trabalhos; isso porque eu queria provar que eu era capaz de tudo isso sem a

ajuda da minha “professora-mãe”.

E complementa:

Como se não bastasse isso tudo, minha mãe me dava aula uma vez por semana de

Educação Artística e Ensino Religioso. Nossa! Nem preciso falar... A aula que para os

outros alunos era considerada a mais legal e divertida, para mim não tinha o mesmo

sentido. Eu tinha um medo tão grande dela brigar comigo que eu parecia um robô na

sala de aula.

Neste caso é possível perceber que há, supostamente, uma idealização

de eu ensaiada pela mãe da estudante. Além do cumprimento da função

materna, o que já implica, inconscientemente, em possibilidade de realização

de desejo através do filho (a), a mãe ainda desempenhava o papel de

professora, acumulando, por assim dizer, uma dupla função do ato educativo:

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“professora-mãe”. Podemos compreender, portanto, que a relação mãe-filha

vivida em contexto familiar, incluindo todas vicissitudes inerentes a esta, era,

inconscientemente, levada para a sala de aula para dar continuidade, agora,

em um outro cenário. Isto, de fato, tornou-se conflituoso porque a menina

repetia sentimentos ambivalentes com a mesma imago que tinha em casa. E,

portanto, percebemos em seus escritos que a desagradável experiência de ser

filha da professora na infância gerou, futuramente, certo afastamento entre

mãe e filha em relação aos interesses acadêmicos desta.

Freud afirma, em 1914, que as atitudes emocionais dos sujeitos para

com outras pessoas que são de extrema importância já estão estabelecidas

numa idade surpreendentemente precoce. A natureza e a qualidade das

relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo e do sexo oposto já foi

firmada nos primeiros seis anos de sua vida. Ela pode, posteriormente,

desenvolvê-las e transformá-las em certas direções, mas não pode mais livrar-

se delas. As pessoas a quem se acha assim ligada são os pais, irmãos e irmãs.

Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas desses

primeiros objetos de seus sentimentos. Essas mesmas podem classificar-se, do

ponto de vista da criança, conforme àquilo que a psicanálise chama de imagos

parentais.

Dessa forma, os relacionamentos posteriores são assim obrigados a

arcar com uma espécie de herança emocional, defrontando-se com simpatias e

antipatias para cuja produção esses próprios relacionamentos pouco

contribuíram. “Todas as escolhas posteriores de amizade e amor seguem a

base das lembranças deixadas por esses primeiros protótipos” (FREUD, 1914,

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p. 162).

Vejamos o relato da estudante N. C. G.:

Dessa escola lembro-me que cada professora me marcou de maneira diferente. Na

realidade eu gostava de todas e ficava triste quando era chamada atenção.

[...]

Sempre gostei que os professores comprometidos com os alunos passassem tarefas.

Gostava de fazer para corrigir na sala ou receber nota depois, no interesse de receber

algum reconhecimento e participar melhor das aulas, ganhando respeito e admiração

dos professores.

Nos escritos acima podemos perceber a atuação do desejo em cenário

educativo escolar. É válido lembrar que tal desejo não é originário das

experiências vividas neste cenário (sua fonte é originariamente sexual), mas,

re-significado pelo contato com o outro, será o veículo (movido pela pulsão)

que induzirá o sujeito a chegar a algum lugar.

Ao observarmos a frase “eu gostava de todas (as professoras) e

ficava triste quando era chamada atenção”, percebemos que há

sentimentos ambivalentes nessas relações. Em nossa compreensão, sob o

olhar da teoria psicanalítica, ela gostava das professoras enquanto eram

aliadas ao seu desejo, ao corresponderem suas demandas e com a expectativa

de também estar correspondendo o desejo delas, na intenção de agir conforme

o desejo do outro. Ao afirmar que “ficava triste quando era chamada atenção”,

percebemos que “algo” não foi de encontro ao seu desejo. Em entrevista,

confessa que isso se dá porque:

“Eu estava em busca constante de reconhecimento né? E quando era chamada

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atenção, isso gerava uma frustração, porque percebia que não estava correspondendo.

Era como se estivesse ‘quebrando o contrato’... Um sentimento de decepção comigo

mesma, pelo meu erro”...

Percebemos que a relação professor-aluno é uma “via de mão dupla”

trafegada pela transferência. A psicanálise traz à reflexão a questão do que é

ensinar (ensina-se por dever) e o que é aprender (aprende-se por amor), e

mostra que a relação entre o professor e o aluno, uma relação transferencial,

estaria no cerne do que proporciona o aprendizado (LAJONQUIÈRE, 2002). E é

graças à transferência aos professores dos sentimentos de submissão à

autoridade, carinho ou agressividade tidos pelos pais, que o aluno pode

acreditar no professor como autoridade que teria algo a lhe ensinar, ainda que

não se saiba o quê.

Já dizia Freud que:

É difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos professores. Alguns se detiveram a meio caminho dessa estrada e para uns poucos - porque não admitir outros tantos? - ela foi por causa disso definitivamente bloqueada (1914, p. 161).

Reputa-se válido observar que o aprendizado da estudante N. C. G.

atravessa a face da ciência e vai de encontro à pessoa do professor. A

comparação entre as distintas personalidades dos mestres é inevitável:

Na sexta série tive uma grande dificuldade em Matemática. O professor, quando eu

queria tirar minhas dúvidas, mandava eu correr atrás sozinha e acompanhar o ritmo da

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turma. Diferente da professora da sétima série, que fazia sua tarefa ser compreendida

pelos alunos. Ela era muito bonita e elegante, queria ser igual a ela. Foi aí que me

interessei mais por batons e perfumes.

Percebe-se que a sedução que ocorre na relação pedagógica, como bem

diz Morgado (1995), permite com que os alunos, superando instituições

escolares opressoras, aprendam e pensem não só a respeito da ciência, mas

também do próprio espaço que ocupa na sociedade.

Monteiro (2000) compreende que a ação educativa se cumpre quando o

aluno, movido pelo desejo de saber, investe na figura do professor supondo

nele a posse do saber. O professor, por sua vez, para alimentar esse

investimento, deve sustentar a posição na qual é colocado. Todavia, mesmo

tendo de ocupar um patamar conferido pelo aluno, o professor nada sabe

sobre esse lugar onde a subjetividade do discente o coloca, pois é o desejo

inconsciente que o faz. Assim, não há modelo de prática pedagógica imune ao

imprevisto, nem que possa justificar cientificamente todos os seus efeitos.

Vejamos um exemplo disso com mais um excerto da memória de N. C. G.:

Por conta da minha dificuldade em Matemática na sexta série, entrei numa aula

particular com a professora Sandra. Ela era uma grande amiga! No final da oitava

série, até quando tive aulas com ela, a considerava minha segunda mãe.

Conversávamos sobre tudo [...]. Ela foi muito importante no meu processo escolar e

educativo.

[...]

Lembrei “agora” de um professor de História do 1º ano que não gostei. Tinha a

expressão do rosto muito fechada, era irônico e, dependendo da pergunta do aluno, ou

comentário, ele ria e até mesmo ignorava. Aconteceu comigo...

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As reminiscências não estão arquivadas na memória dos sujeitos de

acordo com uma ordem cronológica. Ao contrário, o inconsciente, que está por

trás do processo de subjetivação da escrita, deixa escapar, à sua lógica, um

traço de verdade histórica que marcou o sujeito em determinada época, seja

positiva ou negativamente.

Vejamos outros relatos dos sujeitos da pesquisa que também

apresentam sentimentos ambivalentes, bem como a evidência da autoridade e

submissão, para com seus mestres:

Uma outra professora que me marcou bastante foi a Maria Aparecida, mais conhecida

como “Cida”, a professora mais “linha dura” da escola, temida por todas as crianças.

Em minha consciência, a imagem dela ficou associada a de um “General de Exército”,

pois ela realmente era muito rígida, apesar de excelente professora...

(Estudante E. T. D.)

As professoras desta fase sempre foram exemplos para mim. A da 1ª série era mais

séria, mas acostumei rápido com seu jeito. Acho que não eram todos que gostavam

dela. Ela percebia. Tanto que chegou a me dar uns coelhinhos de porcelana que tenho

até hoje. Talvez eu fosse um pouco “puxa-saco”.

(Professora A. C. F.)

Freud (1914) afirma que, passe o tempo que passar, nós, eternos alunos

de nossos professores, estaremos sempre dispostos a obedecer qualquer

chamado, reatualizando o respeito e atenção de outrora. Assim o diz:

Obedecemos automaticamente, como o velho soldado que, à voz de ‘Sentido!’, deixa cair o que tiver nas mãos e se surpreende com os dedos mínimos apertados de encontro às costuras das calças. É estranho como obedecemos às ordens prontamente, como se nada de particular houvesse acontecido no último meio-século (p. 160).

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Vejamos este outro excerto da memória de uma participante:

[...] foi neste colégio que aprendi a gostar de Matemática. Tinha um professor muito

bom, o nome dele era Sebastião e todos o chamavam de “Seba”, claro que ele não

sabia, mas foi o melhor professor que eu já tive! Mas como nem tudo é perfeito neste

mundo, na 8ª série surge o famoso Inglês para atrapalhar a nossa vida. Nunca gostei

muito de Inglês, mas dava pra passar de ano. No início do semestre briguei com a

professora de Inglês... nunca vou me esquecer dela! Ela me marcou, como diziam

antigamente. Pegou no meu pé o ano todo, me deixou de recuperação, fiz prova final...

e ela me reprovou. Nunca odiei uma professora como detestei aquela [...].

E complementa:

No ano seguinte estava eu lá na 8ª série novamente, e, para o meu azar, peguei uma

turma que a professora Maria Lúcia dava aulas (a mesma do ano anterior), então

conversamos e tivemos que nos tolerar durante todo o ano. Resultado: até hoje tenho

abominação por Inglês [...].

(Estudante M. F. W.)

Segundo Freud (1914), nós, enquanto alunos, destinamos aos nossos

mestres os sentimentos mais contraditórios que se pode imaginar. Os

cortejamos ou lhes viramos as costas; imaginamos neles simpatias e antipatias

que provavelmente não existem; estudamos seus caracteres e sobre estes

formamos ou deformamos os nossos. Provocavam nossa mais enérgica

oposição e forçam-nos a uma submissão completa; bisbilhotamos suas

pequenas fraquezas e orgulhamos-nos de sua excelência, seu conhecimento e

sua justiça. No fundo, sentimos grande afeição por eles, se nos dão algum

fundamento para ela. Mas não se pode negar que nossa posição em relação a

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eles é notável, uma posição que bem pode ter suas inconveniências para os

interessados.

O fato é que, lado a lado com as exigências da vida (impostas pelo real),

o amor é o grande educador, e é pelo amor daqueles que se encontram mais

próximos dele que o ser humano incompleto é induzido a respeitar os ditames

do desejo do outro e a poupar-se do castigo que sobrevém a qualquer infração

dos mesmos (FREUD, 1914).

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• Transmissão de um estilo

Iniciemos refletindo sobre aquilo ou isso que se transmite em ato

educativo.

Em O interesse educacional da psicanálise (1913), Freud afirma que a

responsabilidade de um educador possa talvez exceder a de um analista. Esse

tem como regra lidar com estruturas psíquicas que já se tornaram rígidas e

encontrará na individualidade estabelecida do paciente um limite ao seu

próprio êxito, mas, ao mesmo tempo, uma garantia da capacidade do paciente

de resistir sozinho. O educador, contudo, trabalha com um material que é

plástico (até certa fase) e aberto a toda impressão, e tem de observar perante

si mesmo a obrigação de não moldar a jovem mente de acordo com suas

próprias idéias pessoais (idealizações), mas, antes, segundo as disposições e

possibilidades do educando.

Nesse ínterim, podemos dizer que todo educador corre grande risco em

sua atuação, afinal “educar é correr riscos” – dada a falta de garantias para o

sucesso de sua produção. Além do mais, aposta em algo que faz sentido para

si e age conforme seu estilo – uma vez que sua subjetividade faz parte de todo

processo educativo, para então poder e-ducere (latim de educar) o outro, ou

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seja, conduzir o sujeito para fora de alguma coisa, que é da ordem da

alienação de si mesmo, para descobrir-se na sua verdade (FILLOUX, 1999, p.

28).

Segundo Almeida (2006), a transmissão de um estilo significa a

transmissão de marcas de desejo; a transmissão de uma herança, de uma

filiação, a partir de uma posição ética. Ao transferirmos o discurso iniciado por

Almeida, reportando-se à psicanálise stricto, também corroboramos com a

idéia de que o que se transmite na sala de aula, seja em séries iniciais ou

“finais” da educação escolar, nada mais é além que o estilo singular do

professor.

Ao ensinar por dever, o mesmo convoca um outro (no caso aluno) a vir a

ocupar esse lugar (de devedor), na medida em que esse outro esteja, ele

próprio, atravessado pelo desejo de saber. Assim se “completaria” a

transmissão de um saber na formação do educando (com particularidades que

configuram, em ato, um estilo próprio que é seu), como nos lembra Freud, em

Totem e tabu (1913), ao recorrer às palavras de Goethe: “Aquilo que herdaste

de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu” (p. 188).

Vejamos no relato da profª A. C. F.:

Com os professores a relação era normalmente muito boa. Não lembro dos professores

do Jardim I e II, mas na alfabetização, com a irmã Lina, freira doce e meiga, havia um

sentimento recíproco de carinho e afeição. [...]. Lembro que a irmã Lina era uma

pessoa flexível, não via mal na bagunça. Fazíamos muitos trabalhos em grupo, nada de

gritos, tudo era espontâneo e sem modelos a seguir. Será que, como se diz, minha

memória prefere lembrar dos melhores momentos? Não lembro de nenhum trauma ou

algo que verdadeiramente me chocou nesta época.

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Em um outro trecho:

Gosto de professores decididos; que tenham conhecimento de diversas áreas (e da

sua, especificamente), que acreditam realmente na possibilidade de transformação da

educação; que queiram a promoção de diálogos em sala de aula; que vejam a

importância do que fazem e tenham objetivos...

Percebemos, assim, que a profª A. C. F. apresenta um estilo

particularmente seu, seguindo a ética de um desejo particular do que, para

ela, seria um bom desempenho da função docente. É necessário salientar,

todavia, que o compromisso e a responsabilidade que o professor deve ter

para com sua função não podem ser confundidos com idealizações formuladas

pela sociedade de um modo geral. Afinal o professor é, antes de qualquer

papel social, um sujeito que também deseja.

Em seu relato, a estudante N. C. G. escreveu:

Gostava muito da professora de Matemática, aprendi muito com ela [...]. Ela, em sala

de aula, desenhava estrelinhas nos cadernos dos alunos em cada exercício correto. Na

prova, somava as estrelinhas à nota. Era um incentivo para fazermos os deveres.

E continua:

Gostei muito das aulas de Geografia da 6ª série, pois o professor era muito dedicado.

[...]. Também me lembro da professora de Português, que me elogiava muito nas

redações, nos textos que eu produzia, mas não deixava de me ajudar a melhorar e a

me corrigir. Aprendi muito com ela e me convenci de que eu posso escrever bem, ser

criativa e ter boas idéias.

[...]

Na 7ª série tive outro professor que me lembro muito porque ele era muito engraçado.

Ele se aproximava muito dos alunos, andava pela sala, sabia o nome de todos.

Conseguia ter a simpatia de todos, em tudo era espontâneo e, quando queria dar o

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conteúdo, falava: “atenção gente, agora é sério! Parou!”. Arrumava a calça, ia pro

quadro e todos ficavam atentos.

Evidenciamos nos escritos de N. C. G., atravessados por experiências

escolares distintas, que suas palavras falam por si sós. Compreende-se que um

espaço de transmissão não pode ser controlado, mensurado e, muito menos,

metodologicamente reproduzido em função da singularidade dos sujeitos, de

sua condição existencial. O que realmente importa neste espaço é que a

aprendizagem faça algum sentido para o educando (que lhe conceda um plus),

mesmo que esse sentido não esteja “previsto” pelos parâmetros da Educação

Nacional.

Ainda sobre a transmissão de um estilo pelo professor:

O 2º grau foi marcado por momentos de preocupações com os estudos. A pressão do

PAS (Programa de Avaliação Seriada) e do vestibular estavam presentes em cada aula.

Tive que fazer um enorme esforço e tomar a decisão de aproveitar meus anos de

colégio sem ceder às pressões. A professora de Física, do 1º ano (2º grau), me ajudou

nessa decisão. [...]. Para mim, Física se tornou uma matéria prazerosa, ela tirou todo

meu medo dessa matéria. Era muito simpática e valorizava cada comentário e

pergunta dos alunos.

[...]

Do 2º ano (2º grau) marcou-me uma professora de Literatura, que adorava ler e

conhecia todas as obras dos momentos literários que estávamos estudando. Falava

com entusiasmo dos livros... Diversificava muito as aulas. Trazia músicas, revistas,

passava trabalhos em grupo de dramatização, leitura e reflexão de trechos de obras

literárias, enfim, lembro que sempre me sentia interessada e motivada a realizar os

trabalhos, pois via sentido e coerência no andamento das aulas.

(Estudante N. C. G.)

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Percebemos, dessa forma, o quanto a transmissão de um estilo pode

provocar marcas, as quais são, muitas vezes, apreendidas.

Kupfer (2001) nos ensina que o aprender necessariamente está ligado a

quem ensina, ainda que se aprenda por um livro. Aprender é, portanto, uma

relação: aprender com alguém. O importante no aprendizado é essa relação

que norteará os próximos aprendizados, mais do que o quê se aprendeu, pois o

conhecimento é dinâmico e circula pela cultura.

Vejamos na experiência do estudante E. T. D.:

Minha professora da 1ª série chamava-se Conceição ou “tia Conceição”, como era

tratada pelas crianças. Uma pessoa extremamente amorosa e que se preocupava

bastante com nosso aprendizado. No entanto, como havia muitos alunos, a professora

não conseguia acompanhar de perto o processo de alfabetização de cada um, o que

me fez recorrer ao auxílio extra de minha família para aprender a ler e a escrever as

primeiras palavras.

E continua seu relato, associando, agora, a uma outra professora da 3ª

série:

[...] Devo o sucesso de minha adaptação nessa nova escola, em parte, à professora

Domingas, uma senhora de muito boa vontade, atenciosa e uma profissional da

educação muito competente.

Ainda em outro trecho de sua memória:

Dadas as condições oferecidas pela escola, que eram pouco favoráveis a uma

aprendizagem significativa, na sétima série passei a elaborar minhas próprias

estratégias de estudo, meio que num “autodidatismo”, as quais, às vezes, desagradava

a alguns professores, principalmente os de matemática, pois, não raras vezes, eu

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conseguia resolver problemas de forma diferente e chegar aos mesmos resultados, e

ainda ensinava aos outros alunos para que eles pudessem perceber que o que era

ensinado pelo professor não era a verdade única e absoluta.

Importante ressaltar que o papel da educação é transmitir, ao mesmo

tempo, um saber e um não-saber. No caso dos professores de matemática

apresentados, não poderia haver lacunas destinadas ao não-saber, pois,

certamente, estariam fadados ao estereótipo de “impotência”.

Lajonquière (2002) afirma que essa posição de “Ideal” por parte do

professor, ainda que involuntária, acaba impossibilitando uma autonomia real

do aluno, pois o inconsciente deste sempre acaba captando o conteúdo

inconsciente de seu mestre, que deseja algo do aluno, estando este disposto a

identificar-se com o professor em reforço a seu narcisismo (o qual promove

uma suposta completude), alienando-se de seu próprio desejo.

Isso, provavelmente, não aconteceu com E. T. D. O estudante deve ter

tomado conhecimento de que o professor sabe algo, porém não é este saber o

essencial, mas o não-saber sobre algo que lhe permitiu continuar buscando o

conhecimento o qual nunca o preencherá, a não ser momentaneamente. Isso

parece evidenciar que, apesar da impossibilidade da educação, a condição que

os sujeitos encontram para trilhar um caminho em busca daquilo que lhe falta

é o que interessa à psicanálise. Isto é, elaborar um contorno para a lacuna que

nos foi deixada por nossos pais na experiência edípica é o que permite ao

sujeito prosseguir no decurso natural da vida.

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• Desejo pela docência

Optamos por inspirar esta análise com a passagem da professora E. M.

S.:

Foi na disciplina “Educação Matemática I” que de fato me apaixonei pela docência. No

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primeiro dia de aula conheci aquele que seria minha maior referência como educador,

o professor C. A. M. Ele cativou um por um dos estudantes ali presentes com seu jeito

atencioso, divertido, educado, rigoroso em com grande experiência prática e teórica. O

C. me mostrou que a Matemática pode ser divertida, significativa e nem sempre difícil.

Uma vez que a dificuldade não está na Matemática em si, mas na forma como o

indivíduo se relaciona com ela, com o professor e consigo mesmo. [...]. Os conceitos

que construí na disciplina foram muito úteis na minha formação como educadora.

Em suas reflexões, Freud diz que somos levados à descoberta de que

todas as relações emocionais de simpatia, amizade, confiança e similares, das

quais podemos tirar bom proveito em nossas vidas, acham-se geneticamente

vinculadas à sexualidade e se desenvolveram a partir de desejos puramente

sexuais, através da suavização de seu objetivo sexual, por mais puros e não

sensuais que possam parecer à nossa autopercepção consciente.

Originalmente se conhece apenas objetos sexuais, e a psicanálise demonstra-

nos que pessoas que em nossa vida real são simplesmente admiradas ou

respeitadas podem ainda ser objetos sexuais para nosso inconsciente (FREUD,

1912, p. 63).

Voltemos à memória de E. M. S.:

No 2º ano do Ensino Médio, participei de um programa de orientação vocacional que

era organizado por uma pedagoga. Achei o trabalho dela bem interessante! [...]. Outro

evento que me chamou a atenção foi a palestra de uma psicóloga que falava sobre a

influência das ações dos adultos na formação da personalidade da criança, numa

abordagem psicanalítica. Simplesmente me apaixonei pela idéia de influenciar na

formação de outro ser humano. Esses eventos me levaram de encontro com a

Pedagogia...

O caminho percorrido pelo desejo...

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Essa experiência e as aulas de “Educação Matemática” foram muito significativas e,

unidas, despertaram em mim uma imensa vontade de lecionar e verificar como as

questões abordadas se apresentavam na prática. No ano seguinte, comecei a trabalhar

em uma escola como professora auxiliar de uma turma de Jardim I. [...]. Aos poucos

descobri a complexidade que envolve uma instituição escolar e me apaixonei

completamente pela profissão, pelas crianças e pelas questões que envolvem a

docência.

Podemos perceber que mesmo na transmissão de um conhecimento

exato, objetivo, como é o caso da Matemática, a dimensão subjetiva que

investe cada sujeito envolvido no processo aparece como determinante para

que as insígnias sejam instaladas de modo significativo. Essas mesmas

poderão apresentar “traços de identificação” com a figura do mestre, levando

o sujeito a estabelecer o que Lajonquière (2002) chama de eterna dívida

simbólica. Ou seja, o mestre apresenta um caminho até então desconhecido

pelo aprendiz. O mesmo, uma vez atribuindo determinado sentido ao que lhe

foi ensinado, considerar-se-á eterno devedor.

No caso da professora E. M. S., percebemos que, inconscientemente, ela

fez associações entre desejo – pai – conhecimento – professor – docência. De

que forma? Segundo a psicanálise, pode-se chamar o desejo originariamente

sexual que move o ser humano e que é canalizado para outras atividades

socialmente aceitas, em virtude da regra imposta pela polis, por meio do ato

educativo, de sublimação. Em análise anterior, pensamos que a provável

solução para a dificuldade no conhecimento matemático que acometia a

menina E. M. S., na 2ª série, foi a mediação favorável de seu pai, vindo a

contribuir para a significação do aprendizado. Retomando:

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[...] o que resolveu a minha relação com as tais “continhas de mais e de menos” foi o

dia em que meu pai foi me ajudar no dever de casa e percebeu porque estava errando

e me mostrou qual era a falha na minha forma de pensar. Eu fiquei extremamente

feliz...

Uma experiência similar a esta se repete quando a universitária E. M. S.

se depara, novamente, com o “fantasma” da Matemática. A reconciliação com

o conhecimento só é possível, supostamente, pela intervenção do professor

que considera, segundo sua própria “confissão” em entrevista (07-12-2006),

“o pai intelectual”. E complementa: “porque ele me inspira; porque ele

cativa seus alunos não só pelo conhecimento, mas principalmente

pela pessoa que ele é. Quero ser igual a ele...”.

Segundo Freud:

Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais em carne e osso (1914, p. 163).

E, assim, faz semblant de que um dia se apossará daquilo que está em

busca desde o traumático momento em que se percebe castrada: do falo. Falo

este que já esteve em posse de seu pai e que agora se transfere para a

imagem do professor.

Constituindo-se enquanto docente, portanto, mesmo que mascarada por

sua feminilidade (RIVIÈRE, 2005), terá mais chances de ir ao encontro deste

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que é conhecido pela psicanálise como referência simbólica de poder.

Vejamos um outro relato, agora do estudante M. C. S.:

Não sabia eu e ninguém mais o que eu queria. Apanhava da mãe, brigava com os

colegas e desafiava os superiores. Mesmo assim, apresentava excelente rendimento

acadêmico (quis dizer “escolar”). Como ninguém, experimentei a hiperatividade,

ansiedade e déficit de atenção era tratado como louco e desequilibrado.

Esse “não saber”, expresso através da escrita de M. C. S., está

intimamente relacionado com aquilo que a psicanálise afirma ser um não-

saber sobre o desejo; sobre seu desejo, bem como o do outro. Podemos

observar que, mesmo apresentando um bom rendimento cognitivo, era

rotulado com jargões que há muito invadem o campo (psico)pedagógico:

hiperatividade, ansiedade e déficit de atenção.

Em nossa compreensão, esses rótulos impostos a alguns alunos só

dificultam a dinâmica de suas atividades e não dão abertura a uma escuta

sensível oportunizada por profissional competente (KUPFER, 2001), para que

os mesmos possam falar sobre suas angústias.

Pode-se dizer que, para a psicanálise, o desejo de saber do aluno só

poderá ser satisfeito com os objetos que este escolher para satisfazê-lo, sendo

esta escolha inconsciente. Logo, é necessário que o professor conceda uma

“liberdade”, fundamentada em regras, e ao mesmo tempo permita que seu

aluno vá atrás do conhecimento que satisfaça seu desejo, pois qualquer outro

conhecimento que não vá ao encontro desse desejo não será jamais

internalizado.

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Sobre o disposto acima, fundamenta Freud (1933) que a educação tem

de escolher seu caminho entre “o Sila da não-interferência e o Caríbdis da

frustração. [...] Deve-se descobrir um ponto ótimo que possibilite à educação

atingir o máximo com o mínimo de dano” (p. 182). Será, portanto, uma

questão de o professor decidir quanto proibir, em que hora e por que meios.

Vejamos o relato da estudante N. C. G. e o caminho que seu desejo

trilhou em busca da docência:

Percebo um grande e bom resultado na valorização do reconhecimento e marcas

tristes da indiferença. Por isso, o professor deve pensar em como melhor atuar no

processo e não abrir mão do seu papel. A importância de provocar reações, interesses

e desejos a partir de uma dinâmica mais aproximada aluno-professor, está na minha

referência de educadora.

Ou seja, podemos supor que o que N. C. G. deseja, enquanto docente, é

atuar de modo semelhante aos professores com quem mais se identificou ao

longo de suas experiências escolares. Assim, percebemos que há uma marca

em suas palavras transmitida por um estilo de ensinar de seus mestres, na

qual, certamente, ocorrerá um plus propriamente seu no momento em que

experimentar a cena educativa, originando um estilo peculiar. Apesar dessas

enunciações, nada garante que isto ocorrerá como estamos supondo, dada as

evidências impostas pelo ISSO.

Vejamos o que nos diz M. V. S.:

No final do Ensino Médio eu ainda não sabia o que queria cursar. Foi então que, um dia

antes da inscrição do vestibular, peguei um guia de profissão, folheei por algumas

horas e decidi o que queria: Psicologia. Meus pais, de início, não ficaram satisfeitos

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com a minha escolha, mas investiram na minha idéia.

E continua:

Um professor me orientou que eu me inscrevesse no PAS (Programa de Avaliação

Seriada) em um curso menos concorrido, então eu escolhi Pedagogia . Fiquei triste, não

era bem isso que eu queria. [...] Acabei cursando Psicologia (UniCEUB) e Pedagogia

juntos.

Por que, dentre outras opções para cursos menos concorridos à época,

escolheu justamente Pedagogia? Apesar de, inicialmente, a opção por

Pedagogia não implicar em realização de desejo, deve ser levado em

consideração que se tratou de uma “escolha”. E, em se tratando de escolhas,

há sempre uma intenção, mesmo que velada.

Relembrando sobre a “conflituosa” relação mãe-filha vivida por M. V. S.

em sala de aula, é válido ressaltar que este é o mesmo curso superior no qual

se graduou sua mãe. Será que, ao se deparar com o mesmo curso de sua mãe,

suas reminiscências se reatualizarão e lhe colocará à prova sentimentos

ambivalentes transferidos, agora, para uma nova relação professor-aluno?

No início tive muita dificuldade, era muita coisa para estudar, mas eu estava gostando

e não queira abrir mão de nenhum dos dois cursos. Em Pedagogia eu optei por Ensino

Especial, área que eu gosto muito. [...]. Também tive a oportunidade de cursar a

disciplina “Inconsciente e Educação”, disciplina esta que, embora a psicanálise não

seja a abordagem que eu mais goste, me identifiquei bastante44.

Os caminhos que o desejo nos impele a traçar são, muitas vezes,

44 Trataremos dessa identificação com a disciplina “Inconsciente e Educação” no tópico a seguir.

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nebulosos e avessos ao que induz nossa consciência. Podemos supor, neste

caso, que M. V. S. teve uma chance de “cicatrizar” feridas causadas por

atitudes de sua mãe em sala de aula que iam a seu contragosto. Agora, mais

madura, possivelmente teria oportunidade de seguir seu caminho sem a

vigilância materna.

Acompanhemos o relato da profª A. C. F.:

A mudança do Ensino Médio para a faculdade foi impactante. [...]. Talvez pelo fato de

estudarmos educação, muitos exemplos de fatos e professores da nossa vida são

levados em consideração. Nossa primeira prática docente se deu quando éramos

discentes.

Aqui cabe a perfeita colocação freudiana de que “a psicanálise foi

obrigada a atribuir a origem da vida mental dos adultos à vida das crianças e

teve de levar a sério o velho ditado que diz que a criança é o pai do

homem” (1914, p. 127). Parafraseando Freud, pensamos que “o aluno é o

pai do professor” (ALMEIDA, 2003, p. 01).

Continua:

Cada professor é uma experiência diferente. Cada um nos ensina um pouco o que é ser

um bom ou um mal professor. [...]. Espero utilizar essas minhas críticas aos professores

em minha prática docente.

Ao elencar caracteres que enfatizam ou comprometem a qualidade dos

atos de seus (ex) professores (o que não vem ao caso neste momento), A. C. F.

se dá conta de que não pode afirmar, a priori, que jamais atuará desta ou

daquela forma. Não pode antever situações impostas pelo real. O julgamento

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ao qual se dispõe a fazer desafia sua própria consciência em relação à

soberania do inconsciente: “espero agir assim, mas não sei se realmente

vou” (grifo nosso).

Concluiremos este tópico com o relato emblemático do estudante E. T.

D.:

O interesse na área veio por conta da vontade que sempre tive de entender certos

fenômenos educativos-escolares, como a deficiência do sistema público de ensino,

entre outros.

[...]

No decorrer dos semestres do curso de Pedagogia tenho obtido conhecimentos

significativos não só para a compreensão de questões especificamente pedagógicas,

mas também para um melhor entendimento da constituição do meu próprio processo

formativo e educativo.

...Que (des)revela:

Acredito que a força que tem me impulsionado a este empreendimento (a docência)

está enraizada muito mais em meu inconsciente do que em meu consciente, pois isso

não é algo que eu tenha racionalmente planejado ou programado, desde o início, muito

embora eu possa vislumbrar, agora, algumas possibilidades de aproveitamento desse

feito.

7.2 RESULTADOS OBTIDOS

• Interface psicanálise-educação: que efeitos?

Ao chegarmos ao final de nossas análises, acompanhada por certa

incompletude, reconhecemos algumas evidências acerca do impacto que um

ensino fundamentado na teoria psicanalítica pode proporcionar ao pedagogo

em formação acadêmica. Permitiu este a produção de efeitos? Não podemos

afirmar prontamente. Entretanto, se tomarmos as palavras dos sujeitos que

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vivenciaram a disciplina Inconsciente e Educação como legítimas de um

discurso próprio, certamente teremos algumas revelações.

O ensino do conteúdo referente à interface psicanálise-educação se

fundamenta, principalmente, na existência de uma outra ordem que habita o

íntimo do ser, educando - educador, e que se mostra tão ou mais significativa

que a outra: o inconsciente.

Ao matricularem-se nesta disciplina, muitos dos alunos não têm idéia do

que seja “o inconsciente” e nem de como ele se manifesta. Alguns já ouviram

falar “algo” na expressão popular: Freud explica! Entretanto, a maioria deles

vem em busca de mais uma teorização pedagógica que possa sustentar suas

dúvidas e incertezas inerentes ao ato educativo.

Não tive maiores expectativas sobre a disciplina. Até mesmo porque eu desconhecia

esta área de conhecimento. Achava que seria algo novo e, portanto, diferente do que

já havia estudado.

(R. L. V.)

Eu queria conhecer o que a Psicanálise dizia sobre a Educação, pois ouvia muitas

pessoas falarem coisas positivas e negativas a respeito e gostaria de conhecer sem os

preconceitos do olhar das outras pessoas.

(Profª E. M. S)

Do estudante E. T. D.:

A perspectiva que tenho acerca da disciplina é tentar vislumbrar (compreender)

elementos estruturantes, ou não, em minha constituição, que não se apresentam

conscientemente. A partir disso, tentar projetar o conhecimento, o saber adquirido, em

contextos educativos amplos. [...]. Acho que a proposta de conteúdos da disciplina já

dá conta do processo.

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Em entrevista sobre como se sentia no momento da formação em que

ingressou na disciplina “Inconsciente e Educação”, o mesmo respondeu:

Faço uma analogia com a questão do recalcamento, mas não necessariamente “o”

recalcamento... [confuso]. Seria mais uma barreira e a forma como eu tenho

conseguido transpor essa barreira... é como se fosse um som emitido pelo instrumento

musical e aquelas notas tivessem o poder de transpor essa barreira, interpenetrar

nessa barreira, de ultrapassar essa barreira... E aí prá chegar na felicidade, não

necessariamente “o” ideal de felicidade... [pausa]. É como a melodia musical... que

transpõe essas barreiras. Agora eu queria descobrir o que são essas melodias...

Acompanhemos o depoimento da estudante M. F. W.:

Minhas perspectivas são entender as situações do dia-a-dia, entender o que as crianças

falam, saber interpretar o que estão falando. Entender um pouco mais as questões do

inconsciente. [...]. A disciplina está superando todas as minhas expectativas, que era

entender essas questões de transferência, complexo de Édipo, inconsciente...

Lembramos Freud:

Somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais entendemos a nossa própria infância. Nossa amnésia infantil prova que nos tornamos estranhos à nossa infância (1914, p. 131).

Podemos perceber que, em ambas as falas, além de haver uma busca

pela “sua verdade”, há também uma preocupação em “como fazer” diante do

desejo do outro. Na primeira hipótese, argumentamos que a busca pela

verdade singular não será encontrada na disciplina, já que a mesma não é

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voltada para a prática analítica. O que é possível que ocorra é uma re-

significação, por parte do aluno, a respeito de suas experiências educativo-

escolares que o encaminharam até a escolha profissional. Além disso, também

é possível que percebam, por meio da leitura freudiana, que somos sujeito de

um desejo inconsciente.

De outro modo, também não é possível que os estudantes saiam da

disciplina com um “vade mécum” elaborado. A psicanálise de Freud nos ensina

que, por mais que se tente “objetivar” a transmissão do conhecimento para

que os resultados sejam satisfatórios, esta sempre será uma tarefa impossível,

na medida em que o mesmo não está sob o controle nem do professor, nem do

aluno, mas depende do desejo do sujeito do inconsciente (LAJONQUIÈRE,

2002).

O estudante M. C. S. nos fala a respeito de suas expectativas:

Entrar em contato com uma área com a qual há muito estou familiarizado (em análise),

porém, agora, no ambiente acadêmico. Poder relacioná-la à experiência profissional e

pessoal. [...]. Gostaria que fosse abordado na disciplina a análise do papel do educador

no psicodrama escolar, seus mecanismos de defesa, dores e frustrações, reconhecendo

sua autoridade e compreendendo a dificuldade de aprendizagem de seus alunos.

É possível perceber que o que está grifado em sua escrita é uma

repetição (da ordem do desejo) de experiências que viveu em contexto

educativo (principalmente as “dores e frustrações”), como pudemos observar

em sua memória.

Vejamos o relato da estudante M. V. S.:

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Sobre as minhas perspectivas, gostaria de aprimorar meus conhecimentos sobre o

pensamento de Freud e de outros estudiosos acerca do inconsciente, como também da

educação. [...]. Gostaria também de estudar tudo ou quase tudo sobre o inconsciente e

em que medida o inconsciente influencia na vida do educador e do educando.

Aqui percebemos, novamente, que a ilusão de uma “suposta

completude” fisga, por diversas vezes, o discurso do pedagogo (tudo).

Todavia, o mesmo é “atropelado” por um outro discurso que vem a “corrigir” a

impossibilidade do todo, completo. A instalação do quase supõe esta idéia.

A psicanálise de Freud trouxe para a cultura uma luz sobre a existência

de desejos, estruturas psíquicas e o tema da infância: “o complexo de Édipo, o

amor a si próprio (ou ‘narcisismo’), a disposição para as perversões, o erotismo

anal, a curiosidade sexual” (1913, p. 132). A natureza subjetiva do

conhecimento não permite que o mesmo seja quantificado, quiçá manipulado.

Portanto, não se deve falar em “medidas” quando se quer saber a respeito da

manifestação do inconsciente. Em uma instância bastante superficial, basta

observar “atos falhos” e “lapsos” cometidos, no cotidiano, por si próprio ou

pelo outro, os quais, muitas vezes, influenciam de forma constrangedora.

O relato de N. C. G. esclarece suas expectativas:

Conhecer melhor a psicanálise para acrescentar à minha formação os conhecimentos e

ferramentas que ela possa dar à minha prática como educadora. [...]. Bem como

estudar sobre mediações feitas na fase infantil para constituição do sujeito na fase

adulta de forma melhor .

Observamos que o desejo de saber da estudante, voltado para possíveis

mediações feitas na infância que contribuam para a formação de sujeitos

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“mais saudáveis”, em muito se assemelha com a esperança freudiana: de que

a psicanálise poderia contribuir para que as crianças fossem menos neuróticas

do que seus antecessores (1913). Entretanto, é bem possível que os atuais

pedagogos, valendo-se de uma torção psicanalítica do discurso, mesmo sem

sabê-lo plenamente, estejam abrindo um bom caminho para que o sujeito do

inconsciente possa manifestar o que sabe sem tropeçar em educadores

reducionistas (JERUSALINKY, 1999).

Em entrevista sobre como estava se sentindo no momento da formação

em que ingressou na disciplina “Inconsciente e Educação”, N. C. G. responde:

Tava bem nublado em relação ao meu semestre que estava começando... [pensativa]...

Eu achei que não ia dar conta mesmo. Eu pensava ‘será que eu vou conseguir terminar

essa disciplina e as outras’? Porque... não depois eu conto! Mas eu tinha muita dúvida

se eu ia continuar, sabe? E... o que eu queria... assim... acho que ‘Inconsciente e

Educação’, pra mim, eu tinha uma idéia ligada à Psicologia também, né? Eu achei que

ia me ajudar nessa dificuldade que eu tenho de falar, de expressar o meu sentimento

que trago na alma e que precisa ser expressado [pensativa]... e na questão dos

estudos que eu tenho sempre na mente. Como eu coloquei também na memória

[educativa], que eu tenho essa dificuldade [discursar em público, expor um saber

acerca de um conhecimento].... acho que agora melhorou bastante, né? Mas eu tinha

essa coisa de que ‘eu é quem sou incompetente’ no meu falar. Não é a pessoa que não

está entendendo o que eu estou falando... eu é quem preciso melhorar... Mas agora

acho que são as duas coisas: eu acho que posso melhorar, como eu venho

desenvolvendo muito essa questão do falar, né? Porque eu senti que eu venho

desenvolvendo...

A partir deste momento, destacamos o que foi possível reunir em nossos

dados em termos de “resto” que a transmissão de um saber, fundamentado na

teoria psicanalítica, deixou ao professor. Chamaremos os relatos conseguintes

de testemunhos, pela ocasião da experiência vivida na disciplina.

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De acordo com Felman (2000), testemunhar é “prestar juramento de

contar, prometer e produzir seu próprio discurso como evidência material da

verdade” (p. 18). O testemunho, portanto, não nos oferece um discurso

completo, ou um relato totalizador desse evento. A linguagem se encontra em

processo e em julgamento, não possuindo a si mesma como uma conclusão.

Assim, como um ato de fala performático e manifesto através da escrita,

os testemunhos dos sujeitos participantes desta pesquisa voltam-se para

aquilo que é ação que excede qualquer significado substancializado; é impacto

que explode dinamicamente qualquer reificação conceitual.

Dessa feita, após cursar a disciplina “Inconsciente e Educação”, os

sujeitos egressos testemunham:

Agora eu me sinto mais segura, mesmo não sabendo muito sobre a Psicanálise, para

falar e discutir com as pessoas sobre a abordagem educativa. E ainda pude conhecer

um outro olhar sobre a Educação. A principal contribuição foi a de que eu não terei

garantias, que o desejo não é educável, pois sempre existe algo que foge ao meu

controle, em outras palavras, não dou conta de tudo.

(Profª E. M. S.)

Ultrapassou as minhas expectativas, na medida em que, além de conhecer sobre

(algumas) experiências de Freud, com textos escritos por ele mesmo, estudei o

material proposto pela disciplina com o ponto de vista de outros autores. Acredito que

os conceitos de inconsciente, identificação, entre outros, fazem parte agora da minha

maneira de agir comigo mesma e nas relações entre as pessoas [...]. O que muda,

então, não são as relações em si, mas o significado que elas têm para mim a partir de

tais conceitos. Então, seja em práticas escolares, no trabalho, na família, as questões

do inconsciente estão mais “expostas”.

(Profª A. C. F.)

Ao mesmo tempo que a disciplina afirma algo, ela deixa uma abertura para a dúvida. O

mais importante é que além de trazer contribuições para minha formação acadêmica,

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ela me ajudou na formação para a vida. Ela me ajudou a ser mais compreensivo com

os atos e comportamentos dos outros; a pensar que estes comportamentos não são

regidos e orientados somente pelo consciente...

(Profº R. L. V.)

A seguir, nos reportamos aos trechos retirados da “atividade avaliativa”

realizada ao final da disciplina de forma a apresentar a produção de algum

“resto”, ou “efeito”, provocado pelo impactante ensino da psicanálise a

educadores.

• Sobre as relações do papel do educador frente ao desejo de saber do

aluno:

Como vimos na disciplina, o aluno não chega à sala de aula sozinho, traz consigo

outras pessoas que de alguma forma o marcaram e o influenciaram na constituição

desse indivíduo. [...]. É preciso que o educador se aproxime do aluno de tal forma que

venha a conhecer suas demandas, os significados de suas ações. [...]. É preciso que o

educador tenha um olhar mais próximo, uma relação afetiva, no conceito psicanalítico

de afetar, de alguma forma, as necessidades desse aluno; deixando-o livre para se

expressar, ser reconhecido em seus desejos e anseios.

(N. C. G.)

Primeiramente, o educador não deve olhar o aluno como mais um aluno que tem

desejos, vontades e experiências iguais aos outros alunos [...]. Ao contrário, deve-se

olhar o aluno como um sujeito que tem desejos, vontades e experiências únicas; como

um indivíduo desejante de “algo”. Assim, o professor deve também perceber que o

aluno tem sua própria história, suas vivências, e muitas experiências que interferem

diretamente na ação dele enquanto aluno.

[...]

(P. A.)

Percebemos nas falas acima que, apesar do pouco tempo em que

estiveram em contato com a teoria psicanalítica, as pedagogas testemunham,

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em um discurso singular, sobre aquilo que mais lhes chamou a atenção no que

diz respeito ao desejo de saber do aluno.

• Sobre aspectos mais significativos da psicanálise que, abordados na

disciplina, possam contribuir para a formação do educador:

1) Existência do inconsciente:

Sobre a existência do inconsciente é importante saber os limites que tem a ação

pedagógica. [...]. O educador pode assumir uma função paterna ao transmitir o

conhecimento acumulado e materna na questão do cuidado, atenção. Nisso também se

torna relevante a função castradora da escola.

[...]

É confortante saber que o professor não pode dar conta de tudo e que existe o

inconsciente como algo desconhecido que determina muito nas relações pedagógicas.

Não temos o controle total do que dizemos e de suas conseqüências, porém podemos

nos colocar como mediadoras, não numa posição de saber tudo, mas reconhecer as

diferenças.

(N. C. G.)

Acredito que o tema inconsciente agora contribuiu para a minha formação: entender e

“saber lidar” com ele, saber “interpretar” (ou melhor, compreender) o que está se

passando com a criança e saber como lidar em diversas situações (Aspas e grifo

nosso).

(M. F. W.)

Uma vez conhecendo os princípios de manifestação e funcionamento do inconsciente,

não se consegue mais olhar para a relação “eu-outro” com os mesmos olhos, isto é, de

forma pragmática e racional. Isso pode ajudar imensamente a minha atuação como

educador.

(E. T. D.)

A noção de inconsciente, objeto de estudo da psicanálise, auxilia na formação do

professor especialmente acerca da incompletude, ajudando na formação de aprendizes

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pensantes e criativos, e não apenas receptores passivos do conhecimento

historicamente acumulado. [...]. O reconhecimento desse conceito, além da

compreensão de outros, orientam o professor na sua prática cotidiana.

(M. V. S.)

2) A transferência na ação educativa:

Uma outra questão importante para que eu entendesse melhor a relação professor-

aluno foi referente ao processo de transferência . O aluno pode transferir as relações

tanto de amor quanto de ódio que tem com os pais para o professor. É uma busca de

modelos que o aluno traz para a escola. [...]. Por isso é importante que o professor

trabalhe, como base, no campo do emocional do aluno e pensar no que há por trás,

para não julgá-lo de maneira equivocada.

(N. C. G.)

Coloco o fenômeno da transferência como aspecto significativo e importante para a

minha atuação de educador. Sempre me incomodou as posturas apáticas ou empáticas

de umas pessoas em relação às outras, no sentido de que sem nenhum motivo

aparente, consciente, uma pessoa pode gostar de outra ou odiá-la. Embora não tenha

percebido isso aqui na disciplina, já vivenciei em outros ambientes.

(E. T. D.)

3) Idealização da educação:

Nessa mesma referência de transferência está a idealização por parte do professor

com seus alunos. O professor procura se realizar na criança e a imagina ser um ideal,

não lida com a criança real.

(N. C. G.)

Como educador, pude assimilar na prática o quanto a escola contribui para fazer do

sujeito o que dele ela espera. Ao traçar seus objetivos curriculares, não indaga

diretamente seu público, ignorando a palavra deste – o que será comprovado pelo

sujeito no curso, onde sua voz não terá maior peso diante da do mestre. A escola,

então, forma indivíduos apenas para ouvir. Os professores são pessoas formadas

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apenas para falar e controlar as idiossincrasias de seus alunos, pois no universo

“objetivo” não há lugar para o sujeito (Aspas nossas).

(M. C. S.)

4) Outros:

Penso que na minha formação de educadora uma importante contribuição da

psicanálise foi relacionada ao complexo de Édipo . Tinha muito preconceito com

relação a essa questão, pois a entendia como um exagerado enfoque da sexualidade

infantil que seria sem sentido. Porém, para entendermos as relações que se dão em

sala de aula da Educação Infantil, de fato percebi importantes contribuições de Freud.

Esse entendimento me leva a ter uma compreensão para as atividades a serem

adotadas em sala: de conhecimento do corpo da criança, desenvolvimento dos

sentidos, a socialização com outras crianças.

[...]

Vejo a grande influência e importância do educador em sala de aula, como suas

atitudes ensinam, reforçam, apóiam ou abafam e não potencializa o melhor do aluno.

Vejo que, como princípios, trago para mim a vontade, o entusiasmo de estar em sala

de aula, ciente de sua importância.

(N. C. G.)

O recalque , na medida certa, é salutar ao aparelho psíquico . Neste sentido, a filiação

às traduções existentes numa sociedade, operacionalizada pela educação, como afirma

Lajonquière, é necessária à formação dos sujeitos. Ter o conhecimento desse fato faz

com que o educador fique menos propenso a cair nas armadilhas de certas concepções

de educação excessivamente permissivas ou repressoras.

(E. T. D.)

Através da memória educativa podemos conhecer nossos alunos , saber como vem

sendo seu caminho dentro do universo escola. É um instrumento (dispositivo) que nos

possibilita detectar (compreender) certos conflitos existentes, até mesmo nossos (Grifo

nosso).

(M. F. W.)

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As concepções psicanalíticas, portanto, se forem bem entendidas,

poderão “apaziguar” as preocupações dos professores, retirando a exigência

do controle excessivo e indesejável, permitindo-lhes adotar uma postura mais

“humilde” e “consciente” de seus limites no papel de ajudar o outro a se

tornar um sujeito livre e produtivo; ao propiciar uma relação humanizadora,

auxiliando seus alunos a se tornarem capazes de julgar, de pensar

criticamente, de estabelecer relações abstratas, enfim, de exercitar sua

autonomia.

A compreensão dos testemunhos apresentados nos remete às reflexões

de Kupfer (2001, p. 98-99):

O encontro entre o que foi ensinado e a subjetividade de cada um é que torna possível o pensamento renovado, a criação, a geração de novos conhecimentos. Esse mundo desejante, que habita diferentemente cada um de nós, estará sendo preservado cada vez que um professor renunciar ao controle, aos efeitos de seu poder sobre seus alunos. Estará preservado cada vez que um professor se dispuser a desocupar o lugar de poder em que um aluno o coloca necessariamente no início de uma relação pedagógica, sabendo que, se for atacado, nem por isso deverá reprimir tais manifestações agressivas. Ao contrário, saberá que estão em jogo forças que ele não conhece em profundidade, mas que são muito importantes para a superação do professor como figura de autoridade e indispensáveis para o surgimento do aluno como ser pensante. Matar o mestre para se tornar o mestre de si mesmo, esta é uma lição que pode ser extraída até mesmo da vida de Freud.

Bem sabemos que tais resultados não se esgotam por aqui. Devido à

riqueza enunciativa, ainda poderão proporcionar reflexões inúmeras, aliadas a

outras, a respeito das implicações proporcionadas pelo estudo da psicanálise

na formação de professores. Sem o propósito de atribuir um “ponto-final” aos

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dados, nos comprometemos em continuar as ricas análises desses resultados

nos próximos trabalhos.

CAPÍTULO 8

CONSIDERAÇÕES FINAIS E (IN)CONCLUSÕES

O papel do professor não é levar respostas à criança, mas fornecer-lhe uma ferramenta útil de que a criança possa servir-se no dia em que tiver o desejo de aprender.

(Maud Mannoni, 1977)

Ao longo desta pesquisa buscamos compreender a produção (ou não) de

efeitos proporcionados pela transmissão de um saber fundamentado na teoria

psicanalítica. Por meio da elucidação da análise realizada, pudemos constatar

que o impacto da disciplina ‘Inconsciente e Educação’ na formação do

pedagogo da Faculdade de Educação da UnB parece estar relacionado ao

reconhecimento dado pelos próprios cursistas acerca da importância da

atuação do inconsciente na relação pedagógica e educativa.

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Jerusalinsky (1999) contribui com este raciocínio argumentando que os

pedagogos de hoje reconhecem, independentemente de atribuir ou não à

psicanálise tal constatação, o valor do equívoco, do lapso, da formação lacunar

(incompleta) e da estratégia que rompe a lógica linear e racional do ensino,

como possíveis caminhos para a descoberta de novos conhecimentos. Isto

configura o fascínio da pesquisadora pela clareagem psicanalítica, por

proporcionar uma viragem em sua própria formação.

Contudo, não estamos propondo que a psicanálise seja “utilizada” pela

educação como mais uma estratégia ou método, tendo em vista que os fins

buscados por esta não se coadunam com os da ética psicanalítica.

Não há como construir um método pedagógico a partir do saber psicanalítico sobre o inconsciente, já que esse saber poderia ser formulado mais ou menos assim: “não há método de controle do inconsciente” (KUPFER 2001, p. 75).

Entretanto, a psicanálise pode lançar luz ao desejo pelo qual se dá a

possibilidade de aprender por meio da educação. É nesse sentido que a

psicanálise mostra como a educação é impossível sem o desejo inconsciente

de aprender.

Longe de se pressupor um “ponto final” a respeito desse estudo, dada a

complexidade de seu objeto, a pesquisa contribui neste momento com a

proposta de que o ensino da psicanálise a educadores abre-lhes possibilidades

para (re)pensar suas relações com o saber e com o exercício de educar de

forma distinta dos ideais cientificistas da pedagogia e da transmissão sem

efeitos da ilusão universitária.

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Por outro lado, para além de manejo teórico, os efeitos da transmissão

de um saber apoiado na psicanálise produzem mudanças de posições, uma

outra forma de enxergar a si e ao outro se assim estiver condizente com

desejo do professor e do aluno.

No lugar de buscar garantias racionais e metodológicas, o educador atravessado pela psicanálise conhece e assume a responsabilidade pela transmissão, pois reconhece que não há transmissão ou educação sem implicações (MONTEIRO, 2005, p. 170).

Assim, cabe na formação dos educadores o entendimento de que em

toda atividade humana, em especial no cenário pedagógico, o inconsciente

está presente, existe e produz efeitos, não havendo, contudo, como conhecer,

a priori, as repercussões de seus ensinamentos, de seu estilo pessoal

(ALMEIDA, 2006).

Como pontua Kupfer (2000):

Quando um professor entra em contato com a psicanálise, ouve falar do sujeito. Continua sem saber como atingi-lo, como manipulá-lo, como enfiar em sua cabeça o que sua racionalidade supõe que ele deveria aprender. Continua sem métodos, e o sujeito do qual ouviu falar torna-se mais misterioso do que nunca. Mas esse professor aprende a levá-lo em conta, aprende que visa um alvo e acerta em outro, reaprende que visa à consciência de seu aluno mas atinge o sujeito (isto quando ele efetivamente aprende) (p. 121-122).

À guisa de (in)conclusões, lembramos o “velho” Freud (1911):

A educação pode ser descrita sem maiores hesitações como um estímulo à superação do princípio do prazer, à substituição deste pelo princípio da realidade. Ela se propõe a oferecer ajuda complementar ao processo de desenvolvimento que ocorre no

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EU, utilizando-se para esse fim recompensas amorosas por parte dos educadores (In ALMEIDA, 2006, p. 03).

Temos, portanto, uma suposta clareza de que a transmissão da

psicanálise na universidade está para além do ensino de um saber teórico, que

poderia se desdobrar em suas dimensões clínicas, metodológicas e técnicas,

mas respaldada, principalmente, na singular experiência analítica inaugurada

pelo saber psicanalítico. Por outro lado, defendemos a idéia de que no curso de

formação de pedagogos da Faculdade de Educação da UnB há a transmissão

de um saber (à luz da teoria psicanalítica) que é suposto por inscrever-se na

ordem do incompleto, da falta e dos restos, e que se apóia (muito mais que em

preocupações didático-metodológicas) na noção da transferência sustentada

pela suposição de saber e mantida pelo compromisso com a educação.

Entretanto, ainda nos restam algumas questões, enquanto restos

proporcionados pela pesquisa de mestrado acadêmico: como os pedagogos,

que se valeram da oportunidade teórica da psicanálise em seu percurso

formativo, atuam em sua prática docente? Seria possível colocar em prática o

que foi compreendido pela teoria? Além disso, qual seria a postura do

professor que teve um mínimo contato com a teoria psicanalítica perante

aquilo que provém do aluno? Essas e outras questões fazem parte de um

roteiro inicial para novas e futuras investigações, demonstrando, pois, que o

final de um trabalho é apenas o pontapé inicial do próximo, na tentativa de

perseguir a seqüência ilusória em busca de um finito. Cada vez está mais

claro: isto é apenas o começo...

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__________. (1915). O inconsciente. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XIV. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1996.

__________. (1917). Uma recordação da infância de Goethe. In: Edição Eletrônica Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XVII. Rio de Janeiro. RJ: Imago, 1969. Disponível em CD-ROM.

_________. (1919). Sobre o ensino da psicanálise nas universidades. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XVII. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1988. _________. (1922). Dois verbetes de enciclopédia. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XVIII. 2ª Ed. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1986.

__________. (1923). O ego e o id. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XIX. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1996.

__________. (1925). Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos. In: Edição Eletrônica das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. VOL. XIX. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1969. Disponível em CD-ROM.

__________. (1926). Inibições, sintomas e angústia. In: Edição Eletrônica das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XX. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1969. Disponível em CD-ROM.

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__________. (1931). Sexualidade feminina. In: Edição Eletrônica das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXI. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1969. Disponível em CD-ROM.

__________. (1933). Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (Conferência XXXIV). In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXII. Rio de Janeiro, RJ: Imago, 1976.

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PIMENTA, S. Garrido (org.). Pedagogia e Pedagogos: caminhos e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2002.

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WATSON, J.B. (1929). Behaviorism. In: Schultz & Schultz (2000), op. cit.

Apêndices

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APÊNCIE “A” - Questionário semi-aberto inicial (sujeitos egressos)

Prezados egressos da disciplina INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO,Em se tratando do início das investigações acerca do problema de pesquisa que constitui meu projeto de Mestrado acadêmico, cujo enunciado é “qual o impacto da disciplina Inconsciente e Educação na formação do pedagogo?”, venho solicitar a vocês, gentilmente, o preenchimento deste questionário (semi-estruturado) visando levantar algumas questões iniciais de cunho subjetivo. Vale considerar que sua identidade permanecerá em sigilo.DESDE JÁ, AGRADEÇO A COLABORAÇÃO.

1) Você está exercendo, atualmente, a docência? ( ) SIM ( ) NÃOEm caso positivo, em que modalidade do ensino você atua? __________________________________________________________________________

2) Como está sendo sua experiência docente?________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3) Ao ingressar na disciplina Inconsciente e Educação, ainda na academia, quais eram suas expectativas em relação à mesma?________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

4) A disciplina Inconsciente e Educação correspondeu suas expectativas? ( ) SIM ( ) NÃOPor que?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

5) A partir dos assuntos/conceitos abordados na disciplina Inconsciente e Educação, o que você pode observar atualmente em sua prática?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Muito obrigada!

APÊNCIE “B” - Memória Educativa (sujeitos ingressos e egressos)

Prezado participante,

A elaboração da memória educativa é um processo de construção e

(re) construção de sua identidade como professor. A proposta é a de que

você possa fazer uma volta ao passado com a intenção de resgatar pessoas,

episódios e ou situações das experiências vivenciadas em sua vida escolar.

Esta sugestão tem como objetivo considerar a sua dimensão histórica e as

vicissitudes do seu processo de formação. È importante ressaltar que isso é

uma sugestão! Não significa que, necessariamente, tenha que ser seguido

na íntegra. Não se atenha ao número de páginas do seu relato. Não existe

um limite pré-determinado. Sinta-se livre!

Salientamos, ainda, que a memória educativa é um essencial

dispositivo de coleta de dados desta pesquisa.

Desde já, agradecemos sua colaboração!

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APÊNCIE “C” – Atividades avaliativas da disciplina (sujeitos ingressos)

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________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

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Anexos

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Universidade de BrasíliaFaculdade de EducaçãoDepartamento de Métodos e Técnicas ( MTC)Código: 192911Disciplina: Inconsciente e EducaçãoProf Drª Inês Maria M. Z. Pires de Almeida

Ementa: A disciplina pretende aprofundar os estudos sobre os elementos objetivos e subjetivos do processo de formação do professor subscrevendo a importância do lugar do inconsciente a partir da leitura psicanalítica. A Psicanálise não pode e não deve propor fins e meios educativos, mas pode elucidar sobre aquilo que não deve ser feito em matéria educativa, ou seja, colocar no eixo da ética a intervenção educativa do adulto no espaço escolar.

Objetivos específicos

. que a leitura psicanalítica do campo pedagógico e educativo possibilite e incite à interrogação da prática escolar pelo professor colocando-o ou (re) colocando-o na posição de criar.

. aprofundar estudos e reflexões sobre a questão relacional, encará-la de frente exorcizando fantasmas que povoaram a caminhada do professor, em especial, instalados no inconsciente individual e/ou coletivo.

. trabalhar com a identidade do professor como pessoa e profissional, resgatando a importância do inconsciente e da subjetividade na relação pedagógica, para isso as reflexões e análises da memória educativa assumem papel significativo e relevante.

Conteúdo Programático

1 - Psicanálise, Psicologia e Educação: objeto, natureza e métodos no trabalho do educador.

1.1 O sonho possível: Freud pensa a Educação

1.2 O Desejo de saber: uma teoria freudiana da aprendizagem

2 – Da paixão de formar: uma contribuição psicanalítica à formação de educadores.

2.1 Psicanálise e Educação: passado, presente, futuro e perspectivas.

3 - O Erro de renunciar à Educação.

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4 – Memória educativa e as ferramentas conceituais da Psicanálise. 5 - A Transferência na Ação educativa

Atividades desenvolvidas no curso

Aulas expositivas, leituras, análises e discussões de textos, resenhas de livros e/ou artigos e análise crítica de filmes. Reflexões e análises da memória educativa dos estudantes referenciadas a partir do aporte psicanalítico.

Critérios de Avaliação

Através de provas (2) e elaboração de resenhas e/ou análise crítica de filmes (2) cuja somatória deverá ser expressa numericamente, dividida por 4 e transformada em conceitos como avaliação final do curso.

Referenciais Bibliográficos

Almeida,I. M.M.Z Pires de (2001). Re-significação do papel da Psicologia da Educação na formação continuada de professores de Ciências e Matemática, tese de doutorado, IP/UnB.Almeida,S.F.C de (1993). Psicologia, psicanálise e educação: três discursos diferentes? Temas em Psicologia,n.1,p.19-31.Assis, M B de (2003). Psicanálise e Educação: passado, presente, futuro e perspectivas. Em Oliveira, M L de ( Org). Educação e Psicanálise: história, atualidade e perspectiva. São Paulo: Casa do Psicólogo. Azevedo, A Vicentini de ( 2004). Mito e Psicanálise. Rio de Janeiro.J.Zahar Editor.

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______(1913). O Interesse Científico da Psicanálise. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de janeiro: Imago, vol XII,1996.

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______(1914). Algumas Reflexões sobre a Psicologia Escolar. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,vol XIII,1996.

______(1923). O ego e o id. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,vol XIX,1996.

______(1925).Uma nota sobre o Bloco Mágico. Em Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro,Imago,vol XIX,1996.

______(1925). Prefácio à Juventude Desorientada de Aichorn. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago:vol XIX,1996.

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA-UnBFACULDADE DE EDUCAÇÃO-FE

MESTRANDA: NASTASSJA L. SILVA NÉTO

TERMO DE CONCORDÂNCIA

Eu, ___________________________________________________________, estudante do

_________ semestre do curso de _________________________ da Universidade de

Brasília, venho, por meio deste termo de concordância, formalizar minha

participação voluntária como sujeito de pesquisa do projeto da mestranda

Nastassja Lopes Silva Néto, cujo tema é Inconsciente e Educação: um

diálogo possível na formação do pedagogo.

________________________________________________________Assinatura

TERMO DE COMPROMISSO

Eu, Nastassja Lopes Silva Néto, mestranda do Programa de Pesquisa e Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, me comprometo a respeitar os participantes desta pesquisa, preservando suas

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identidades originais, e atribuir, quando necessário, um pseudônimo para dar voz à informação.

_________________________________________________________Assinatura

___________________________________________________________Profª Drª Inês Maria M. Z. P. de Almeida

Orientadora

Brasília, Outubro de 2006.

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