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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: IMPLICAÇÕES DA
PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO
NASTASSJA LOPES SILVA NÉTO
BRASÍLIA - DF
Março/2008
1
NASTASSJA LOPES SILVA NÉTO
INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: IMPLICAÇÕES DA
PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade de Brasília
como exigência para obtenção do título de
Mestre em Educação, na área de Educação
e Ecologia Humana, sob orientação da Profª
Drª Inês Maria Marques Zanforlin Pires de
Almeida.
BRASÍLIA - DF
Março/2008
2
NASTASSJA LOPES SILVA NÉTO
INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: IMPLICAÇÕES DA
PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Profª Drª Inês Maria Marques Z. P. de Almeida – FE/UnB
(Orientadora)
_________________________________________
Profº Dr Paulo Bareicha – FE/UnB
(Suplente)
_________________________________________
Profª Drª Maria Alexandra Militão Rodrigues – FE/UnB
_________________________________________
Prof. Dr Luiz Augusto M. Celes – IP/UnB
3
Brasília, 13 de março de 2008.
“Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos,
e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou
como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom da
profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a
ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal
que transportasse os montes, e não tivesse amor, eu
nada seria”.
(CORÍNTIOS 13: 1-2)
4
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço ao Senhor Deus por este momento tão
desejado, pela fé que sinto e pela luz concedida.
Aos queridos Brivaldo e Eliane, pelo dom da vida e incentivo constante.
Ao meu irmão, pelo companheirismo da infância.
Em especial, aos queridos João Carlos, João Victor e João Gabriel, por
serem fonte de inspiração e aprendizado para a vida inteira; pela compreensão
nas constantes horas em que me fiz ausente: meus sinceros agradecimentos.
À professora Drª Inês Maria Marques Z. P. de Almeida, pela instalação da
dívida simbólica ainda na época da graduação, pelo acolhimento e pelas
valiosas contribuições fornecidas a esta possibilidade. Obrigada pelas palavras
sinceras e pela amizade.
À professora Drª Maria Alexandra M. Rodrigues, por sua escuta singular,
pelo acolhimento concedido nos momentos de dúvidas, por sua palavra
sincera, afetuosa e amiga, pela “co-orientação”: minha eterna gratidão.
Ao profº Dr Luiz Augusto M. Celes, pela atenciosa leitura do trabalho,
pelos apontamentos sábios e pertinentes, e, principalmente, pela
disponibilidade tão generosa: minha eterna admiração.
Ao profº Dr Paulo Bareicha, pela valiosa contribuição, pela abertura do
diálogo no momento da qualificação e pela tranqüilidade transmitida nos
momentos oportunos.
5
À profª Drª e psicanalista Rita Maria Manso de Barros (UERJ), pelo
acolhimento na cidade do Rio de Janeiro e na ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
ESTUDOS E PESQUISAS DA INFÂNCIA (SOBEPI), pelos momentos oportunizados
através da transmissão da psicanálise, pela generosa leitura feita neste
trabalho, pelos apontamentos instigantes e pelo incentivo: meu sincero
reconhecimento.
À querida amiga e psicanalista Lúcia Souza Cruz, por ter me apresentado
a SOBEPI e a professora Rita Manso, por sua sensibilidade e pela confiança em
nossa amizade.
Às amigas-irmãs Márcia e Adriana, pelo entrelaçamento fraterno, pela
amizade incondicional, por apaziguarem momentos de dúvidas e incertezas
(pessoalmente, por telefone e também por e-mail), por participarem da
evolução deste trabalho, por suas ricas contribuições. Através do lema “uma
por todas e todas por uma!”, sustentamos momentos de angústia, mal-estar,
satisfações e prazer. Lágrimas e gargalhadas fazem parte desse misto. Vocês
moram em meu coração...
Às amigas Betânia e Patrícia, por também fazerem parte da minha vida
de modo especial, pela ajuda e força jamais negada: meu reconhecimento e
admiração.
Às queridas precursoras Rosalina, Sandra e Janaina, pelo acolhimento,
pelas experiências que serviram de referência, pelo constante aprendizado,
pelas orientações e pela amizade sincera. Obrigada pela parceria durante as
investigações, em especial a Rosalina. Desejo sucesso em seus novos projetos.
Contem sempre comigo!
6
À Secretaria da Pós-Graduação em Educação, pelos cuidados
despendidos em relação aos meus interesses e pela atenção para com minha
situação geográfica.
À Faculdade de Educação da UnB, por ser meu “berço”, e aos seus
funcionários, pela camaradagem. Muito obrigada!
Em especial, aos meus segundos pais João Carlos e Sílvia, pela atenção,
acolhimento e cuidados despendidos a cada ida em Brasília: o meu
reconhecimento.
7
RESUMO
A maneira que a pedagogia tem de compreender a educação está fundamentada em diretrizes que pressupõem ao pedagogo uma base comum nacional: a docência. O currículo apóia-se, principalmente, em uma formação de cunho teórico, prático e metodológico visando “modelar” o perfil do pedagogo “ideal” no âmbito da sociedade capitalista do século XXI. Contudo, ambigüidades, lacunas e imprecisões vêm escapando à formação desse ideário. O percurso traçado ao longo desta pesquisa de Mestrado em Educação apóia-se nos saberes transmitidos pelo aporte teórico da psicanálise, o qual instaura, fundamentalmente, a concepção de sujeito do inconsciente no campo do conhecimento educativo. O encontro com a psicanálise revela que há impossibilidades em se estabelecer garantias, a priori, para a ocorrência da educação. A pedagogia, por sua vez, resiste à aceitação dessa impossibilidade. Em se tratando da formação do pedagogo da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE/UnB), chama-se a atenção para a especificidade da disciplina Inconsciente e Educação: transmissão de um saber fundamentado pelo aporte teórico da psicanálise e suas implicações para a educação. Por meio de uma abordagem qualitativa, a pesquisa consistiu em compreender a produção de efeitos proporcionada pelo impacto dessa transmissão ao pedagogo em formação. Foram pesquisados sujeitos ingressos e egressos da disciplina, tendo como principais dispositivos: memória educativa, questionário, entrevista e atividade avaliativa. Na análise dos dados, a memória educativa é determinante para a compreensão das ações e escolhas do sujeito ao longo da trajetória educativa. Os resultados obtidos evidenciam que os estudantes reconhecem a importância da atuação do inconsciente na relação pedagógica e educativa. Assim, a pesquisa contribui com a proposta de que o ensino da psicanálise a educadores abre-lhes possibilidades de (re)pensar suas relações com o saber e com o exercício de educar de forma distinta dos ideais cientificistas da pedagogia e da transmissão sem efeitos da ilusão universitária.
Palavras-chave: inconsciente e educação; transmissão; formação do
pedagogo.
8
ABSTRACT
The way that the pedagogy has to understand the education is based on lines of direction that estimate to the teacher a national common base: the act to teach. The resume if it supports, mainly, in a formation of theoretical, practical and logic of the method matrix aiming at “shape” the profile of teacher “ideal” in the scope of the capitalist society of century XXI. However, ambiguities, gaps and inexact vision come escaping to the formation of this ideal. The passage traced to the long one of this research of Master of Arts in Education if it supports in knowing transmitted them for arrives in port it theoretical of the psychoanalysis, which restores, basically, the conception of citizen of the unconscious one in the field of the educative knowledge. The meeting with the psychoanalysis discloses that it has impossibilities in if establishing guarantees, a priori, for the occurrence of the education. The pedagogy, in turn, resists the acceptance of this impossibility. In if treating to the teacher education of the College of Education of the University of Brasilia (FE/UnB), it is called attention for the specific situation of disciplines Unconscious and Education: transmission of one to know based for it arrives in port theoretical of the psychoanalysis and its implications for the education. By means of a qualitative boarding, the research consisted of understanding the proportionate production of effect for the impact of this transmission to teacher in formation. Citizens had been searched ingressions and egresses of discipline, having as main devices: educative memory, questionnaire, interview and evaluation activity. In the analysis of the data, the educative memory is determinative for the understanding of the actions and choices of the citizen to the long one of the educative trajectory. The gotten results evidence that the students recognize importance of the performance of the unconscious one in the pedagogical and educative relation. Thus, the research contributes with the proposal of that the education of the psychoanalysis the educators opens possibilities to them of to think again its relations with knowing and the exercise to educate of distinct form of the of scientific matrix ideals of the pedagogy and the transmission without effect of the university illusion.
Keywords: unconscious and education; transmission; teacher education.
9
PREÂMBULO
“MEMÓRIAS”
(Composição: Pitty – Álbum Anacrônico
Gravadora Deckdisc/2005)Eu fui matando os meus heróis aos poucos,
como se já não tivesse nenhuma lição pra aprenderEu sou uma contradição
E foge da minha mão fazer com que tudo o que eu digoFaça algum sentido
Eu quis me perder por aíFingindo muito bem que eu nunca precisei de um lugar
só meu
MemóriasNão são só memórias
São fantasmas que me sopram aos ouvidosCoisas que eu...
Eu dou sempre o melhor de mimE sei que só assim
É que talvez se mova alguma coisa ao meu redorEu vou despedaçar você
Todas as vezes que eu lembrar por onde você já andousem mim
MemóriasNão são só memórias
São fantasmas que me sopram aos ouvidosCoisas que eu...
MemóriasNão são só memórias
São fantasmas que me sopram aos ouvidosCoisas que eu
Nem quero saber1
...
1Peço licença à Academia para, em meu memorial, utilizar letras de músicas de cantores e compositores brasileiros que sintetizam em suas obras algumas “marcas” presentes em minha “verdade histórica”.
10
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – MEMÓRIA EDUCATIVA
DE ONDE VIM? QUEM SOU? PARA ONDE VOU......................................................................................................................13
CAPÍTULO 2 –
INTRODUÇÃO..................................................................................28
2.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E SUA RELEVÂNCIA............................................29
2.2 O PROBLEMA DA PESQUISA.............................................................................34
2.3 OBJETIVOS..........................................................................................................35
2.4 PRÉ-TEXTO PARA OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS...............................................35
CAPÍTULO 3 – O DISCURSO PEDAGÓGICO ATUAL E SUA
HISTÓRIA...............38
3.1 DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE PEDAGOGIA: UM
CONVITE PARA APRENDER A APRENDER?....................................................40
3.2 A PESSOALIDADE DO PEDAGOGO EM FORMAÇÃO: QUESTÃO DE
IDENTIDADE...........................................................................................................
....45
3.3 MEMÓRIA EDUCATIVA: DISCURSO PEDAGÓGICO SUI GENERIS.................49
11
CAPÍTULO 4 – O INCONSCIENTE E A EDUCAÇÃO................................................52
4.1 ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O CONCEITO DE INCONSCIENTE E OUTRAS
CONTRIBUIÇÕES....................................................................................................
. 54
4.1.1 Da primeira tópica psíquica................................................................................54
4.1.2 Da segunda tópica psíquica...............................................................................63
4.2 SOBRE O REPRESENTANTE DA EDUCAÇÃO PRIMORDIAL: O
SUPEREGO.............................................................................................................
...68
CAPÍTULO 5 – INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: UM OLHAR
TRANSDISCIPLINAR EM MATÉRIA DE
EDUCAR.............................................................................................74
5.1 PARA ALÉM DA PSICOLOGIZAÇÃO DO ENSINO: E O EU COM O ISSO?......80
5.2 A TRANSMISSÃO DE UM SABER: O PAPEL DA PSICANÁLISE NA FORMAÇÃO
DO
PEDAGOGO.........................................................................................................8
5
5.2.1 Contradições e
Desafios....................................................................................86
12
CAPÍTULO 6 – PRESSUPOSTOS E PROCEDIMENTOS DA
PESQUISA...............92
6.1 COMO UMA PARTITURA: ABORDAGEM QUALITATIVA...................................92
6.2 SUJEITOS PARTICIPANTES: OS MÚSICOS DA MINHA ORQUESTRA............96
6.3 ESTRATÉGIAS DE LEVANTAMENTO DE DADOS E A BATUTA DO
MAESTRO...............................................................................................................
....97
6.4 PROCEDIMENTO DA INVESTIGAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DO
CONCERTO.............................................................................................................
...99
6.5 ANÁLISE DO CONTEÚDO [DA ENUNCIAÇÃO]: QUE RUFLEM OS
TAMBORES.............................................................................................................
...103
CAPÍTULO 7 – ANÁLISE DOS
DADOS....................................................................106
7.1 INDICADORES TEMÁTICOS...............................................................................109
1) A falta nas teias da
educação...........................................................................109
2) Ambivalência no contexto
educativo.................................................................118
13
3) Transmissão de um
estilo.................................................................................127
4) Desejo pela
docência........................................................................................133
7.2 RESULTADOS OBTIDOS....................................................................................140
• Interface psicanálise-educação: que
efeitos?.................................................140
CAPÍTULO 8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS E
(IN)CONCLUSÕES.........................151
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................155
APÊNDICES..........................................................................................................
....160
ANEXOS................................................................................................................
....166
14
CAPÍTULO 1
MEMÓRIA EDUCATIVA: De onde vim? Quem sou? Para onde
vou?
“É difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a
nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma
corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de
nossos professores”. (FREUD, In: Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar)
O começo de tudo... De uma longa jornada perdida no tempo e no
espaço, desagregada de uma temporalidade que poderia, quiçá, ordenar os
fatos. Mas quem quer que os mesmos estejam ordenados? Ou melhor, quem
pode assim fazê-los?
Sou filha de sujeitos humildes. Provenho de uma teia familiar da mesma
característica. As “facilidades” passavam longe do meu ninho. Luta, garra e
determinação era fórmula básica para a conquista de algo. Neta de um
bioquímico e de uma professora (normalista), por parte de mãe; e de um
mecânico eletrônico autodidata e uma costureira, por parte de pai, pude ser
15
contemplada com a maior e mais rica herança destinada a um humano: a
educação.
Nasci no dia 15 de Julho de 1981 na cidade de João Pessoa-PB e vivi lá
por quase dois anos. Como a profissão do meu pai era militar do exército,
constantemente teria que ser transferido por necessidade de serviço. Assim,
em 1983 saímos de João Pessoa e fomos morar em Goiânia – GO. Minha mãe
estava com um barrigão à espera do meu único e querido irmão, nascido nesta
época.
Ensaiei minha vida nos bancos escolares ainda na cidade de Goiânia,
onde entrei na primeira escolinha para fazer o maternal, aos 2 anos de idade.
Ela se chamava PEQUENO PRÍNCIPE (e existe até hoje!). Não lembro bem das
nossas atividades, apenas tenho uma vaga lembrança do colorido que a sala
tinha, do parquinho e do zoológico com alguns bichos em suas jaulas. Lembro
nitidamente da alegria do meu irmão que, ainda bebê, quando comparecia em
algum evento lá na escolinha, ficava encantado com os bichinhos que lá havia.
Saí dessa escola em 1985, quando concluí o Jardim I, por motivo de
transferência do trabalho do meu pai. Em 1986 cheguei ao Rio de Janeiro, para
morar apenas por 10 meses.
O trabalho do meu pai, no Rio, se resumia em cursar seu mestrado para
a carreira militar, de caráter obrigatório. Nesta cidade estudei em uma escola
chamada FREI ORLANDO, onde cursei o Jardim II. Não me recordo de muitos
detalhes, nem da professora, pois o tempo que passei lá foi muito curto.
Lembro-me, apenas, do dia em que ela nos ensinou a plantar feijão em um
copinho descartável, com um pedaço de algodão úmido. Esta experiência foi
16
incrível, pois fomos observando, dia-a-dia, brotar lindos pezinhos de feijão.
Desde esse dia, passei a me interessar mais pela natureza (e hoje ensino os
meus filhos a respeitá-la. Aliás, sinto-me imensamente feliz todas as vezes que
meus filhos me permitem voltar à “experiência do feijão”, trazendo de suas
respectivas salas de aula recordações da minha época de Jardim II).
“Quem sabe ainda sou uma garotinha?”(Cássia Eller)
Em 1987, meu pai foi transferido para Garanhuns-PE. Tenho várias
lembranças dessa época! Passei a estudar no maior colégio da cidade: SANTA
SOFIA, colégio de freiras. No início achei estranho conviver com as madres, as
quais nos regulavam o tempo todo. Nesta época estava cursando a
Alfabetização. Não me recordo da fisionomia e nem do nome da professora,
apenas de sua metodologia. Como estávamos aprendendo a ler e a escrever,
ela passava ditado de palavras todos os dias, de uma maneira bem tradicional.
Eu adorava! Posso dizer que me sentia “desafiada” pela professora.
Contraditório, não? Mas é verdade... Identifiquei-me tanto que passei a brincar
com as minhas bonecas da mesma maneira.
“Eu sou uma contradição, e foge da minha mão fazer com que tudo o que eu digo faça algum sentido...”
(Pitty)
Mais uma vez, em 1990, o meu pai é transferido para João Pessoa, minha
terra natal. Nesta cidade estudei no colégio PIO XI, onde entrei na 3ª série.
A 4ª série, ainda no Pio XI, foi excelente! Minha professora se chamava
Bel. Um doce! Lembro muito bem da História que ela nos ensinava. Passava o
17
conteúdo com firmeza e segurança, principalmente em relação à História do
Brasil. Lecionava ainda, de forma lúdica, as tabuadas de multiplicação, com
joguinhos e competições entre os grupos da sala.
No final do mesmo ano, tivemos nossa formatura de encerramento do
“primário”2 para sermos apresentados ao “ginásio”. Foi emocionante, pois fui
escolhida para ser a oradora da turma. Meus pais ficaram orgulhosos, pois
sempre deixaram claro que nós (eu e meu irmão) deveríamos ser bons alunos.
Sempre estiveram presentes tanto nas reuniões pedagógicas que a escola
realizava, como nas festinhas. Eram exigentes, mas presentes.
Vocês têm a obrigação de serem bons alunos! Não fazem outra coisa
senão estudar... Assim argumentavam.
Já na 5ª série senti uma mudança radical em relação aos professores.
Era um específico para cada matéria, com horário marcado para tal. Afinal, já
estava no “ginásio”, em corredores com salas até a 8ª série. Me senti muito
importante nesta época, e com uma responsabilidade maior ainda!
No Pio XI, os professores que mais marcaram foram: profº Carlos (meu
eterno professor de matemática), o qual ensinava muito bem e com quem me
identifiquei desde antes de ser sua aluna (na verdade eu era “apaixonada” por
ele! Não pelo seu físico, mas por suas palavras e por tudo de bom que ele teria
a me oferecer. Até hoje sinto um friozinho na barriga quando me lembro de seu
chamamento: “fera radical”. Só ele me chamava assim!); profª Izabela (inglês),
eternizada por sua meiguice; profª Aninha (1ª série), esposa do profº Carlos e
2 Assim era classificado na época (1991).
18
minha “arqui-rival”; e profª Elisa (alfabetização), pela relação além - sala de
aula.
Experiências em Colégios Militares: para além do tradicionalismo
hierárquico
Em 1993 meu pai foi transferido para Brasília. Logo fiquei sabendo que
estudaria no COLÉGIO MILITAR DE BRASÍLIA (CMB) – desde pequena tive o
desejo de ser militar igual ao meu pai. No início fiquei receosa, devido a fama
d’este ser difícil e rigoroso. Depois me empolguei, quando soube que usaria
farda e teria instrução militar. Será que meu pai iria me admirar?
“Pai, você foi meu herói, meu bandido... Hoje é mais, muito mais que um
amigo [...] Você faz parte desse caminho, que hoje eu sigo em paz”.
(Fábio Jr.)
Neste colégio entrei na 6ª série como “bicho” (denominação atribuída ao
aluno novato). Experiência nova e “desafiante”, no mínimo, pois o colégio
valorizava o grau intelectual do aluno através da classificação. Os mais
“cabeças” da turma recebiam distintivos variados, como: graduação, alamar e
destaques. Até então, durante o percurso educativo, eu ainda não havia
vivenciado de maneira tão “aberta” esse tipo de avaliação. Meus amigos
constantemente me alertavam quanto aos estudos e às provas. Se o aluno
fosse mal classificado no final do bimestre, todos da série ficariam sabendo.
19
Dessa forma, apenas o grau intelectual poderia corresponder à aprendizagem
do aluno.
Neste período me senti muito pressionada pelo sistema. Tinha enorme
“pavor” de tirar notas baixas, principalmente em disciplinas nas quais tinha
uma boa relação com o (a) professor (a). Ficariam decepcionados comigo?
Teria outra chance para recuperar o que foi perdido? Essas eram minhas
principais angústias na época.
Infelizmente, nesta etapa do Ensino Fundamental, adquiri certa aversão
à matemática, minha matéria predileta no passado. Isso por causa de uma
professora que tive na 6ª série, a qual explicava a matéria de forma obscura e
desestimulante, me fazendo, então, tirar nota baixa pela primeira vez. Que
decepção comigo mesma! O rótulo de “fera radical” imposto pelo profº Carlos
não cabia mais a mim... Agora ele teria que encontrar uma outra aluna para
admirar!
“Que bom viver, como é bom sonharE o que ficou pra trás passou e eu não me importei
Foi até melhor, tive que pensar em algo novo quefizesse sentido.
Ainda vejo o mundo com os olhos de criançaQue só quer brincar e não tanta ‘responsa’
Mas a vida cobra sério e realmente não dá pra fugir”.(Charlie Brown Jr)
A 8ª série também foi marcante! Nesta ganhei meu primeiro distintivo
de destaque do semestre. Meu pai, todo orgulhoso, entregou-me o prêmio em
formatura especial com a presença do comandante do colégio.
Não posso esquecer de mencionar que o CM é diferente das outras
escolas, devido à permanência do seu regime hierárquico e tradicional
20
articulado ao ensino. O diretor é chamado de comandante, as séries de
companhias; sendo ainda obrigatória a participação em formaturas e o
cumprimento chamado “continência” aos mais antigos da escola.
Em 1996, mais uma vez por motivo de transferência, mudamos para o
Rio de Janeiro. Passei a estudar no COLÉGIO MILITAR DO RIO DE JANEIRO
(CMRJ), no qual cursei quase todo o Ensino Médio. Neste nível de ensino, as 1ªs
e 2ªs séries eram classificadas por “armas”, e por isso no 1º ano tive que
escolher a minha: INFANTARIA (igual a do meu pai).
Em fevereiro do mesmo ano, aos 14 anos, comecei a namorar o João
Carlos (talvez mera coincidência ou Carlos voltou para mim?) que se preparava
para a carreira militar na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende-RJ
(Como quem? Meu pai!).
Não posso deixar de citar uma recordação especial do meu 1º ano. Fui
destaque intelectual no final do ano letivo. Recebi uma medalha do
comandante do colégio. Isso me envaideceu, pois tive a oportunidade de
mostrar para meus pais que o namoro com o João não atrapalharia de forma
alguma os meus estudos.
Ainda no CMRJ em 97, passei o 2º ano todo aflita porque sabia que meu
pai seria transferido para outro lugar. Esta foi a primeira vez que fui contra a
mudança. Não queria nem pensar em deixar para trás o meu
amor...Conseqüentemente, relaxei em duas importantes matérias: Matemática
(a do profº Carlos) e História. Logo essas, que no passado foram as minhas
melhores! Também, o professor de História não ajudava! Tomei tanta aversão
ao seu método monótono de ensino que fiquei em recuperação no fim do ano.
21
Para ele, a forma de aprendizagem se restringia apenas à memorização do
conteúdo. Para mim, isso não dava muito certo! Me senti uma fracassada!!!
“Eu dou sempre o melhor de mimE sei que só assim
É que talvez se mova alguma coisa ao meu redor”.(Pitty)
À distância: embarazada na adolescência
No dia 6 de janeiro de 1998 fui embora do Rio com destino à Tefé-AM,
local em que tínhamos que passar 2 anos. Muito sofrimento! Ao chegar lá,
como estava no 3º ano, meus pais acharam melhor me colocar na modalidade
de Educação à Distância COLÉGIO ANGLO-AMERICANO pois na cidade não
havia “bons” colégios. Desde essa época me questiono, e atualmente re-
significo minhas indagações/indignações:
Como os colégios podem ser reconhecidos como “bons”? O que os pais
procuram para seus filhos? Estariam eles influenciados por modismos
pedagógicos ou estes estariam se adequando para atender, cada vez mais, às
demandas dos genitores e/ou responsáveis?
Que recados os colégios transmitem para convencer pais aflitos em
busca de garantias para educação de seus filhos?
Irresistível o chiste: perdoai-os, Freud, essas pobres crianças não sabem
porquê sofrem!
A grande surpresa em minha vida (des)regrada estava por vir... a
ausência das “regras” confirmava: estava grávida! Foi como uma “bomba” que
22
explodiu em nossas famílias, pois tinha apenas 16 anos e o pai 19. Que
tormento!
A partir daí meus pais passaram a questionar: “quais são suas
expectativas em relação aos estudos?”; “e agora, vai ser mãe solteira?”; “você
me traiu!” (disse meu pai); “estou decepcionada com você!” (palavras de
minha mãe). Confesso que na época senti muita raiva, angústia, desespero...
sobretudo tristeza. Eram sentimentos misturados em um caldeirão. E como dói
recordar!
“Eu quero ver quem é capazDe fechar os olhos e descansar em paz!!!
Quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra”...(Pitty)
Hoje, com dois filhos, imagino que seja difícil para os pais passarem por
isso. Mas, para mim, também foi uma mudança muito brusca. Todavia não me
deixei esmorecer. Quis provar a todos que eu jamais abriria mão nem dos
estudos, nem do meu filho... os dois teriam que caminhar lado a lado!
Resultado: finalizai o 3º ano com um bebê de 3 meses, o João Victor, e
tive a oportunidade de viver a experiência da “auto-aprendizagem”, através da
Educação à Distância3.
O meu primeiro vestibular (1998), a pedido do meu pai, prestei para
Direito. Não passei e, na realidade, não era o que eu desejava. O nascimento
do filho despertou algo em mim muito ligado a tudo o que ele fazia.
Interessava-me a singularidade com que aprendia e o significado dado aos
3 Com o material enviado pelo colégio eu estudava sozinha, realizava exercícios e me preparava para as avaliações, com data previamente marcada. Tudo isso era feito em casa. O grau era obtido de acordo com o que eu havia compreendido do assunto.
23
meus estímulos. Nas horas vagas, gostava de dar aulas de modelo e etiqueta a
um grupo de crianças que moravam na mesma vila. Ao ensaiarmos um book
na selva, aprendemos um pouco mais sobre a natureza e a história do
desbravamento da Amazônia. O encerramento do curso, após três meses, foi
emocionante! Com direito a certificado e tudo!
Deparei-me, assim, com o desejo até então encoberto pelos problemas
que passei na adolescência: queria ser professora / educadora.
Ensino Superior: desejo ou dívida simbólica?
Em 2000, já casada, fui morar no interior de Rondônia. Para minha sorte,
a cidadezinha de Guajará-Mirim possuía um campus da UNIVERSIDADE
FEDERAL DE RONDÔNIA (UNIR) com três cursos: Letras, Administração e
Pedagogia.
Em julho de 2001 passei no vestibular para Pedagogia. A felicidade nos
primeiros meses de curso veio acompanhada por um sentimento de
preocupação: meu esposo havia sido transferido para Brasília e, tal qual meu
pai, teria que acompanhá-lo aonde quer que fosse. Minhas expectativas de
estudar na UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA eram altamente positivas, já que
estava legalmente amparada em relação à transferência de faculdade.
Dia 27 de maio de 2002 começam as aulas. Eu e meus colegas do
1º/2002 fomos recebidos com uma grande recepção aos calouros. E com quem
foi nossa primeira conversa? Com a profª Drª Inês Maria4 vice-diretora da─
4 O mesmo sentimento vivido anteriormente à relação com o profº Carlos assemelhou-se ao experienciado naquele momento. “Como pode isso?” Pensei. Não sabia como explicar, mas
24
Faculdade de Educação à época. Sensível e acolhedora, transmitiu-nos
confiança e respeito à faculdade e ao curso.
Logo no 1º semestre fiquei preocupada com a rotina e quantidade de
trabalhos, com os quais não estava acostumada. Além do mais, enfrentamos
um período de transição do currículo; e o que era o “novo currículo”? Não tinha
a menor idéia... Só sabia que não poderíamos mais escolher a habilitação e
que, ao final do curso, seríamos classificados como pedagogos plenos. Como
assim?
A princípio, fomos orientados a respeito de um espaço acadêmico
obrigatório, com carga horária e créditos definidos intitulado de Projetos. Os
Projetos têm uma perspectiva de integração teoria e prática indispensável à
atual formação do pedagogo. São oferecidos desde os primeiros semestres,
com objetivos geral e introdutório em relação a instituição FE/UnB, como
explicita o Currículo do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação/UnB
(2002).
Para completar minhas dúvidas e angústias, descobri que estava grávida
do meu 2º filho. E agora? Como continuar estudando?
No dia da matrícula do 2º semestre, conheci uma pessoa muito especial:
a profª Sônia Marise, coordenadora do curso. Esta, sendo minha professora de
Projeto 2, demonstrou solidariedade em relação a minha gravidez. Flexível,
permitia a participação dos alunos nas propostas de trabalho. Seu
tinha a sensação (ou seria percepção?) de que aquela cena já teria feito parte de algum momento da minha vida. Mas quando? Vidas passadas? Hoje sei que sim, mas com um outro sentido, para além do religioso. Vivi esta cena no meu passado infantil. Passado que permanece presente como hoje, inscrevendo-se em todo momento que olho para a profª Inês. O sentido atribuído à relação com minha orientadora, e o sentimento investido nessa mesma, é o de que “a profª Inês é o profº Carlos do passado”. E eu não posso perdê-lo novamente!
25
planejamento tinha como principal objetivo apresentar aos estudantes de
Pedagogia as diversas áreas de atuação do pedagogo.
Mais animada, iniciei o 3º semestre com a matrícula no Projeto 3
(Educação Hipertextual), que traz como ementa a compreensão e análise do
processo ensino-aprendizagem, por meio de hipertextos, através de uma
educação tecnológica. Permaneci no mesmo durante três semestres, tentando
encontrar algum tema na área que fizesse sentido para inúmeras dúvidas
circundantes. Entretanto, somente no último deles, percebi que não me
identificava e tinha até dificuldades para compreender propostas que
preconizavam habilidades técnico-metodológicas no processo ensino-
aprendizagem.
Do 4º semestre não posso esquecer do professor de Educação
Matemática, o qual me fez reviver experiências da 5ª série (com o profº
Carlos). Em contrapartida, não tenho boas lembranças da disciplina
obrigatória-destaque dos cursos de Pedagogia do país inteiro: Didática
Fundamental. Porém posso afirmar que ao final da mesma restaram-me
incertezas quanto às garantias propostas ao domínio do complexo processo de
ensino-aprendizagem.
Ainda no 4º semestre, deparei-me com uma disciplina que, de pronto,
não poderia imaginar que pudesse me dar o sentido que estava buscando em
minha formação: Inconsciente e Educação. Para além de algumas pseudo-
certezas que as ciências da educação propõem-se a oferecer, deparei-me com
o aporte psicanalítico fundamentando a falta de garantias para a educação
plena de um sujeito, ao lado de duas outras: cura e governo. Entretanto,
26
especialistas que promovem um diálogo entre as teorias psicanalítica e
educacional, como Lajonquière (2002), por exemplo, apostam na função do
professor e em sua capacidade de criar em cena educativa, na tentativa de
driblar certezas e garantias ilusórias da educação única e ideal, mas não de
uma educação real e possível.
Por outro lado, Inconsciente e Educação também proporcionou, através
do dispositivo da memória educativa5, a compreensão de que muitas vezes,
pela clivagem (divisão) de nossa subjetividade, o sujeito consciente (ego) pode
ser “atropelado” pelo sujeito do inconsciente. Sendo assim, pelo sentido
atribuído ao que foi exposto e pelo desejo de saber mais sobre a teoria do
inconsciente, no semestre seguinte me candidatei à experiência de monitora
da disciplina.
Ao passar para o 5º semestre, fui convidada pela profª Inês Maria para
dar continuidade a uma importante pesquisa do PIBIC/UnB/CNPq que uma
colega havia iniciado fundamentando-se na abordagem teórico-psicanalítica
com o eixo temático: A transferência e suas implicações na prática docente .
Dessa forma, a partir da apropriação bibliográfica pertinente ao tema, foi
possível ampliar entendimentos sobre as situações – problemas - desafios
envolvidos na constituição da identidade do professor.
Ainda no 5º semestre (2004), aprendi significativamente com bons
mestres a respeito das Políticas Públicas da Educação; Administração da
Educação; Educação Infantil; Processo de Alfabetização; Educação Musical;
5 O dispositivo da memória educativa será explicitado de melhor forma no capítulo metodológico por também fazer parte da coleta de dados deste projeto.
27
História da Ed. Brasileira e Projeto 3 (Fase-A) - O lugar da memória educativa
na constituição da identidade do professor.
Apesar de já haver concluído as três fases relativas ao Projeto 3, ainda
estava perdida na Pedagogia. Não tinha convicção da área que gostaria de
seguir e como alimentar meu projeto de vida. Só a partir da iniciação à
pesquisa científica foi possível atribuir sentido às dúvidas e incertezas que se
insistiam e dar um possível significado ao curso que fazia.
Aliado a isso, outro fator que me impulsionou à apaixonante
metapsicologia foi a relação pessoal e acadêmica com a
professora/orientadora. O projeto de pesquisa do PIBIC nos rendeu bons frutos,
apresentados em 2004 no X Congresso de Iniciação Científica do PIBIC/ UnB e
no 1º Congresso de Iniciação Científica do DF. Em 2005 o trabalho foi divulgado
no 30º Congresso Interamericano de Psicologia, em Buenos Aires.
O 6º e 7º semestre da faculdade foram um dos mais importantes da
graduação, pois neles constaram as duas fases do Projeto 4 relativas ao
estágio na escola (prática docente). Hora de colocar em prática os
conhecimentos adquiridos e refletir sobre os mesmos!
Assim, havendo concluído a primeira pesquisa científica e iniciando outra
de igual importância, busquei articular as atividades de estagiária no ensino
fundamental com as de coleta de dados pertinente à metodologia da segunda
pesquisa pelo PIBIC/UnB, tendo como tema: Subjetividade na Infância: o
desenho como memória educativa. A partir da abordagem psicanalítica,
investiguei a manifestação da subjetividade em crianças, principalmente as
que estavam em processo de aprendizagem do sistema leitura-escrita. Para
28
tanto, os instrumentos de interpretação utilizados inspiraram-se na mais
antiga forma de linguagem e expressão da humanidade: a linguagem pictórica.
O imaginário (advindo do inconsciente) fundamentando o real do educando em
formação.
Nesta etapa, jamais esquecerei de um importante referencial docente
adquirido na graduação: a professora Alexandra. Acompanhando-me em sala
de aula desde as primeiras fases de Projeto 3 (O lugar da memória
educativa...), e estendendo sua companhia para além do cenário educativo,
tornou-se uma pessoa da mais sincera confiança. Posso afirmar que, além da
admiração, inspira-me ao permitir o soltar das asas da imaginação e voar para
bem longe da gaiola que me aprisiona, tal como lembrado no lindo presente
recebido: um passarinho de origami, com asas bem grandes e leves, capazes
de carregar o fardo mais pesado.
Um objetivo traçado ainda na graduação: mestrado
O alívio de chegar ao fim da graduação, com a conseqüente defesa do
trabalho final de curso apresentado no dia 20 de fevereiro de 2006, veio
acompanhado de uma lacuna e um sentimento de vazio, como se “tudo” o que
eu tivesse apre(e)ndido no curso não bastasse para calar minhas constantes
dúvidas direcionadas ao pedagogo ainda em formação. Mas será que esse
sentimento é gritante apenas dentro de mim? Imagino que não...
Nos últimos dias de graduação encontrava-me aflita. Não sabia se meu
desejo de dar continuidade às investigações seria permitido logo em seguida,
29
já que não possuía conhecimento sobre a possibilidade de inscrição no
mestrado apenas com uma declaração de provável formanda. Dias se
passaram e me senti “presenteada” ao ler que seria permitida a inscrição, e
por isso minha escolha para o eixo de pesquisa A constituição da identidade
do professor.
Quantos desafios a partir da elaboração do pré-projeto, a leitura da
bibliografia proposta, as avaliações, os resultados parciais, a entrevista até o
resultado final: APROVAÇÃO! Lágrimas que embebedaram meu sorriso,
oferecendo-me novamente a esperança e ousadia na continuidade da
formação stricto sensu, a elaboração de novas questões no caminho da vida
acadêmica, insistindo no diálogo que a educação pode estabelecer com a
psicanálise (e vice-versa), no casamento com “comunhão parcial de bens” e
nos deliciosos/amargos frutos oriundos desse instigante desafio. Sei que
encontrarei algumas pedras no caminho, como bem escreveu Drummond,
quiçá espinhos...
Atualmente estou concluindo o mestrado, reconhecendo que o prazer de
ter investigado, ao longo dessa trajetória, questões que norteiam meu projeto
de vida pessoal/profissional deixou, em meu ser, marcas incalculáveis de um
aprendizado significativo. A partir de agora, sigo um rumo ainda não definido.
A vida profissional busca um caminho que não está sujeito apenas ao mundo
dos desejos, mas também ao do real.
30
CAPÍTULO 2
INTRODUÇÃO
Descobri lentamente ao fim de um incessante tatear que o
que se chama de pedagogia não é nem uma ciência, nem uma arte, mas uma técnica, um
conjunto de técnicas, uma verdadeira tecnologia. Quanto mais minha carreira avançou, mais me
persuadi de que não posso transmitir a quem quer que seja nenhum saber. Mas somente técnicas,
para aprender a saber, para aprender a ler, para aprender a escrever, a se exprimir com toda
liberdade.(G. Jean – La Passion d’Enseigner. In: CATANI, 2001)
O processo da escrita é aliado a uma dinâmica do ir e vir. Rever,
reformular, re-significar, reescrever são “quatro R’s” que laboram, em todos
31
seus significados, a estrutura de um pensamento escrito. Dissertar a respeito
de um tema, considerando a complexidade que o engloba, requer algo mais:
determinação, investigação, implicação e exposição. Segundo pesquisadora
lingüística da área de elaborações de teses, Vera Colucci (2005), é do último
fator mencionado que o riso e o rubor apresentam-se como pontos sensíveis
ao sujeito que demanda reconhecimento pela produção desenvolvida.
Essas foram algumas das primeiras idéias que alicerçaram meus
pensamentos e sentimentos no “rompimento da inércia” para a elaboração
dessa dissertação, como poderia ser exemplificado em algumas etapas
formativas pelas quais um ser humano pode experimentar: contato com o
outro, vivências, reflexões, re-significações, responsáveis pela formação de um
arcabouço de idéias, fazendo com que o mesmo se sinta “vivo”. Assim deve ter
sido com alguns marcos de nossa humanização: Darwin e a construção da
Teoria da Evolução das Espécies; Einstein e a Teoria da Relatividade; e Freud,
responsável por afirmar que não somos o senhor em nossa própria morada, de
acordo com a Teoria do Inconsciente.
2.1 APRESENTAÇÃO DO TEMA E SUA RELEVÂNCIA
Ao iniciar a graduação em Pedagogia na Faculdade de Educação/UnB
(2002), inquietantes dúvidas atravessaram meu caminho gerando algumas
conseqüências: desconforto, mal-estar, falta de credibilidade na escolha
profissional, dentre outras. O curso estava passando por um período de
transição curricular, sendo permissível, portanto, “crises” de identidade
naquele momento. No chamado “Currículo Antigo” (dividido por habilitações:
32
magistério para séries iniciais; orientação educacional; ensino especial), o
graduando poderia optar por habilitar-se em, no máximo, duas delas. Com a
transição para o “Currículo Novo”, o graduando em Pedagogia estaria
licenciado para exercer funções do magistério na Educação Infantil, nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, de Educação Profissional, apoio escolar, serviços e em outras áreas
nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, compreendendo
também a participação na organização e gestão de sistemas de ensino
(Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, 2006).
Na medida em que avançavam os semestres, enriquecidos pelas leituras
propostas por professores das disciplinas, algumas questões ainda
permaneciam e outras ressignificavam-se a partir da apropriação de diferentes
fundamentos teóricos e suas reflexões. Penso que isto é estar sendo formado.
Antes mesmo da experiência em sala de aula (2004), tomava como
nuclear os conhecimentos teóricos transmitidos pelos mestres. Ao mesmo
tempo, indagava-me: como seria isso na prática? Será que atenderá a todos
nós? E se estivermos inseridos em uma outra realidade, por que não fazer
diferente? Questões dessas e de outras naturezas eram condizentes com a
capacidade de reflexão do momento da formação.
Exatamente no 4º semestre do curso, meu processo formativo ganhou
um direcionamento significativo: o encontro com a psicanálise6. Por uma
6 Procedimento de tratamento da neurose, inventado por Sigmund Freud em 1896, com intencionalidade puramente terapêutica, mas que foi-se extrapolando, para além do stricto sensu, e conquistando terrenos nas obras de arte, na cultura [e porque não na educação!?] (CELES, L. A (2000). Aspectos metodológicos da construção da psicanálise. Alter Jornal de Estudos Psicodinâmicos, Brasília, DF, v. XIX (2) p. 316).
33
coincidência, talvez, também estava cursando uma disciplina obrigatória-
destaque dos cursos de pedagogia do país inteiro: Didática Fundamental.
Atravessada por questões: como planejar? que paradigma seguir? qual
método/técnica empregar? como melhor proceder em sala de aula? como
avaliar? em que tempo?; deparava-me com preocupações de que no cerne do
processo educativo não estavam: o sujeito que ensina / o sujeito que aprende.
Paradoxalmente, o encontro com a psicanálise, proporcionado pela
disciplina Inconsciente e Educação, tornou-se um divisor de águas na minha
formação enquanto pessoa/profissional. Não que seja, como escreve
Lajonquière (1993), o vade-mécum que irá acabar com todas as vicissitudes
inerentes ao cenário educativo, capaz de converter e/ou doutrinar quem quer
que seja! Contudo, fascinante e singular, abre um outro território de
investigação; modo diferente de olhar a realidade, assim definida pelo próprio
autor nas palavras de Freud em Dois verbetes de enciclopédia:
Psicanálise é o nome de: (1) um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo; (2) um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos; e (3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica (FREUD, 1922, p. 107).
A metapsicologia feiticeira em solo educativo remete-nos a reflexões
acerca de uma nova postura diante do compartilhamento do conhecimento
dentro e fora da academia. O que é científico ou não em matéria de educar? O
que está apenas explícito e passível de quantificação!? Verdadeiramente essa
34
não é a preocupação norteadora deste trabalho, cujo se inspira na Declaração
de Locarno (1997):
Uma educação autêntica não pode orientar o conhecimento em direção apenas ao pólo exterior do Objeto e sob sua descoberta de centenas de pesquisas disciplinares sem, ao mesmo tempo, orientar seu questionamento em direção ao Sujeito. A partir dessa perspectiva, a educação transdisciplinar revaloriza o papel da intuição profundamente enraizada, do imaginário, da sensibilidade, e do corpo como transmissores de conhecimento.
Como uma primeira orientação ao leitor, o termo
Transdisciplinaridade foi citado por Jean Piaget, pela primeira vez, em 1970
na ocasião de um colóquio sobre Interdisciplinaridade: “... esta etapa deverá
posteriormente ser sucedida por uma etapa superior, transdisciplinar”.
Retomado por inúmeros pensadores nas últimas décadas, como Edgard Morin,
Stephane Lupasco, Basarab Nicolescu e Ubiratan D’Ambrósio, a abordagem
transdisciplinar assume a forma de um movimento, um fluxo de idéias e
principalmente uma maneira de pensá-las, englobando e transcendendo o que
passa por todas as disciplinas, reconhecendo o desconhecido e o inesgotável
que estão presentes em todas elas, buscando encontrar seus pontos de
interseção e um vetor comum7.
Essa discussão é uma das que pretendo desenvolver no capítulo quinto
deste trabalho: sobre uma compreensão transdisciplinar em matéria de
educar, à guisa dos pressupostos orientados pela disciplina Inconsciente e
Educação.
7 Idéia retirada do texto de Ignácio Gerber, Psicanálise e Transdisciplinaridade, constante no site www.cetrans.com.br
35
Outra importante discussão que vem ocorrendo há mais de 25 anos no
âmbito das políticas públicas-educacionais, dos movimentos acadêmicos e
sociais refere-se à constituição da identidade do pedagogo, cuja docência é a
base da formação. Pergunta-se: qual é a identidade do pedagogo? que perfil
esse profissional deve contemplar ao egressar do curso? São publicadas, para
atender essas e outras demandas, Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Curso de Pedagogia (DOU 11/4/2006) abordando em seu conteúdo a finalidade
do curso, organização curricular, carga horária, princípios, objetivos e o perfil
que o pedagogo deve adquirir para atuar na Educação Infantil, nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade
Normal, na Educação Profissional e na área de serviços e apoio escolar, bem
como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos,
como, por exemplo, a participação no planejamento, na organização e na
gestão de sistemas e instituições de ensino (DCN, p. 5).
Ainda assim, segundo essas diretrizes,
os movimentos sociais têm insistido em demonstrar a existência de uma demanda ainda pouco atendida, no sentido de que os estudantes de Pedagogia sejam também formados para “garantir” a educação, com vistas à inclusão plena, dos segmentos historicamente excluídos, dos direitos sociais, culturais, econômicos e políticos (Idem, ibidem).
É possível interpretar, neste trecho, que a garantia de que se está
falando é, na verdade, uma possibilidade de oferta educativa para os
segmentos mencionados acima. Em outro ângulo é possível concebê-lo com
sendo uma reivindicação dos estudantes por uma qualidade na formação
36
garantida a priori, por meio da qual se tornem capazes de também oferecer
garantias naqueles e noutros setores sociais.
Apesar deste trabalho não pretender negar a importância das
reivindicações feitas por tais movimentos, tampouco o conteúdo do relatório
elaborado e aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), é válido
relembrar, neste contexto, um pensamento freudiano datado de 1937 em um
“Prefácio” ao livro de August Aichhorn a respeito das três profissões
impossíveis educar, governar e psicanalisar, donde argumenta que a falta─
de garantias para a produção do acontecimento é o cerne de tais
impossibilidades, uma vez que os resultados tendem a ser sempre
insatisfatórios, ou como afirma Lajonquière, “sempre estão além ou aquém do
pretendido” (2006, p. 24).
Interrogamos nas reflexões iniciais, portanto, se é possível assumir as
“garantias” preconizadas pelos estudantes de pedagogia em sua formação,
levados possivelmente a crer que, uma vez (super)dotados de recursos e
técnicas bem definidas e possuidores de um discurso científico articulado,
terão o poder e controle sobre a totalidade do processo ensino-aprendizagem.
Direcionando para nossas investigações, o que atualmente pensam os
estudantes do curso de pedagogia a respeito do seu processo formativo?
Dentro de uma organização curricular, em que enfatizam tal processo:
didática, metodologias, gestão, políticas, reflexão sobre si-outros? E dentro
desse mote, que contribuições a teoria psicanalítica poderia trazer para
formação dos pedagogos?
37
De antemão podemos afirmar, por meio de produções reconhecidas no
meio acadêmico e social, que muitos são os esclarecimentos oriundos da
teoria psicanalítica à prática educativa. De um modo especial, o que norteia o
interesse metapsicológico8 no campo educativo, e vice-versa, é justamente o
que está colocado a par desse último, escapando ao seu controle: os ditos
fracasso escolar, evasão, violência, problemas de aprendizagem,
desmotivação. Autores e pesquisadores como Almeida (1993, 2002, 2006),
Almeida (2001, 2003, 2006), Lajonquière (1993, 2002), Morgado (1995), Filloux
(1999), Kupfer (2001), Jerusalinsky (1999), Voltolini (2001, 2006), dentre outros
psicanalistas e educadores, reconhecendo o interesse e a possibilidade de
conexão entre Psicanálise e Educação, têm proposto a pesquisa de
instrumentos teóricos e práticos que permitam educar e ensinar
(re)conhecendo a dimensão inconsciente do sujeito.
Longe de propormos mais uma teorização pedagógica, o estudo do
diálogo entre “Inconsciente e Educação na formação do pedagogo” torna-se
relevante para esses profissionais em processo formativo pela oportunidade de
serem apresentados à teoria psicanalítica e conseqüentemente terem a
possibilidade de ampliar sua liberdade de (re)pensar a educação, bem como
refletir sobre si próprios enquanto sujeitos e educadores. Afinal o “educar”
pode ser tudo, menos um processo simples e linear.
2.2 O PROBLEMA DA PESQUISA
8 Metapsicologia indica o caráter propriamente teórico da psicanálise. Ver CELES, L. A. (2003) Psicanálise e além do mais Metapsicologia. In: R. PACHECO FILHO e outros (org.). Novas contribuições metapsicológicas à clínica psicanalítica. Taubaté, SP: Cabral Editora Universitária.
38
Tendo como ponto de partida o território de minhas reflexões, atrelados
às “marcas” constituídas em minha memória educativa, emerge a questão
central dessa pesquisa: qual o impacto da disciplina Inconsciente e
Educação na formação do pedagogo? Impacto esse oriundo do latim
impactu que, por extensão, pode ser compreendido em relação aos “efeitos”
pessoais e profissionais que esta disciplina pode proporcionar ao pedagogo em
formação.
2.3 OBJETIVOS:
2.3.1 Geral
Compreender a produção (ou não) de “efeitos”, nas dimensões
pessoal/profissional, da disciplina Inconsciente e Educação na formação de
pedagogos do Curso de Pedagogia da FE/UnB.
2.3.2 Específicos
• Refletir se a proposta de uma leitura psicanalítica do campo pedagógico
e educativo incita a interrogação da prática escolar pelo professor em
formação;
• Verificar se e como os estudos fundamentados no aporte psicanalítico
permitem ao professor em formação re-significar seu percurso
educativo-escolar;
39
• Discutir se e como o trabalho com a identidade do professor, enquanto
pessoa e profissional, o permite reconhecer a importância do
inconsciente na relação pedagógica;
2.4 PRÉ-TEXTO PARA OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS
Os capítulos que se seguem abrem discussões teóricas oriundas dos
campos educativo e psicanalítico, na tentativa de promover uma interface
reflexiva condizente com a questão central traçada por esta pesquisa.
Discussões metodológicas, além do mais, epistemológicas, também fazem
parte das indagações que alicerçam nosso processo investigativo.
Dessa forma, no terceiro capítulo buscou-se reconhecer, por uma
questão de identidade, o lugar que a Pedagogia ocupa no cenário brasileiro
atual, suas conseqüentes discussões em torno de um discurso e uma formação
pedagógica pertinente e o lugar de destaque ocupado pelo pedagogo em
formação. Lembrando-se de que não estamos propondo uma dissertação de
caráter histórico, apenas contextualizando o lugar que o Curso de Pedagogia
ocupa enquanto opção de formação e profissão.
Por sua vez, o quarto capítulo trata, especificamente, das iniciações
freudianas acerca do conceito de inconsciente dentro da teoria psicanalítica,
além da importância de seu legado para o reconhecimento do sujeito do
desejo em campo educativo. Neste ainda discutimos sobre o que evoca9 os
estudantes de pedagogia a cursarem a disciplina Inconsciente e Educação, a
9 Do latim evocare que significa “chamar de algum lugar”. Fonte: Software Dicionário Aurélio – Século XXI – Versão 3.0 – Ed. Nova Fronteira.
40
qual traz como orientação a constituição de um olhar transdisciplinar em
matéria de educar.
O quinto capítulo traz uma discussão a respeito da disciplina
Inconsciente e Educação e a questão de uma possível transdisciplinaridade em
matéria de educar.
No sexto, abordamos sobre pressupostos e procedimentos em matéria
de pesquisa: abordagem orientadora do estudo (qualitativa), sujeitos
participantes, dispositivos e procedimento de levantamento de dados e
análise do conteúdo [da enunciação].
No sétimo capítulo podemos encontrar a análise dos dados em seus
desdobramentos, organizados nos seguintes indicadores temáticos: a falta nas
teias da educação; ambivalência no contexto educativo; transmissão de um
estilo; desejo pela docência. Com base nesses indicadores, pudemos obter
alguns resultados relacionados à interface psicanálise-educação e seus
efeitos, apresentando-os para reflexões futuras sobre a formação do
pedagogo.
Por fim, no oitavo capítulo, apontamos a importância que os resultados
obtidos significam para o trabalho como um todo, bem como para o âmbito da
formação de professores.
41
CAPÍTULO 3
O DISCURSO PEDAGÓGICO ATUAL E SUA HISTÓRIA
Minha mãe estava ingenuamente convencida de que o passado era a pedra angular do presente e de que sem essa pedra tudo desmoronaria. (Philippe Áriès, historiador francês, 1994)
Refletir acerca da história da Pedagogia é interrogar, por seu intermédio,
os problemas encontrados no presente. Os fatos ocorridos em marcos
passados não estão submetidos unicamente a uma ordem cronológica,
fechada no tempo e no espaço, mas sim a uma contextualização que emerge
nos meandros da realidade educativo-escolar, vivida por professores, alunos e
42
outros profissionais da educação que não apenas fazem, mas são também
sujeitos de história. Portanto, não basta olharmos para um passado de fatos e
fazermos uma análise dos acontecimentos. O primordial é refletir sobre o que
se faz desse passado, em virtude de uma re-significação do presente.
Desde sua regulamentação no Brasil em 1939 (Decreto-Lei nº 1.190), o
Curso de Pedagogia, reconhecido como “o estudo da forma de ensinar”, vem
passando por mudanças curriculares correspondentes com o momento político-
econômico-social que a nação incorpora de tempos em tempos.
Com a primeira atribuição à formação de “técnicos em educação”, o
currículo do Curso de Pedagogia já abrangeu, em decorrência da concepção
normativa da época, o extinto “esquema 3+1”, donde oferecia o título de
bacharel a quem cursasse três anos de estudos em conteúdos específicos das
áreas de Letras, Artes, Matemática, Física, Química, dentre outras; e o título de
licenciado (permitindo a docência) a quem cursasse mais um ano de estudos
dedicados à Didática e à Prática de Ensino. Era explícita, portanto, a
dicotomização entre o bacharelado (pesquisa) e a licenciatura (docência),
donde ao primeiro posto caberia a prática investigativa e ao segundo o
exercício da docência em Cursos Normais (Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Curso de Pedagogia, 2006).
Ainda experimentou em seu currículo, por Lei da Reforma Universitária
nº 5.540 de 1968, a possibilidade de o estudante optar por habilitações como:
Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção Educacional, com a
finalidade de atender ao desenvolvimento nacional e às peculiaridades do
mercado de trabalho da época (Idem, ibidem).
43
Mais uma vez visando atender às exigências políticas-econômicas-sociais
do particular momento histórico (início de 1980), várias universidades
efetuaram reformas curriculares de modo a formar, no Curso de Pedagogia,
professores para atuarem na Educação Pré-escolar e nas séries iniciais do
Ensino de 1º Grau, assim nomeados na época (Idem, ibidem). Desde então, o
problema foi dirigido à específica formação do pedagogo, o qual se limitou a
atender os interesses de professores normalistas com alguma ou muita
experiência em sala de aula.
À medida que o curso de Pedagogia foi se tornando lugar preferencial para a formação de docentes das séries iniciais do 1º Grau, bem como da Pré-escola, crescia o número de estudantes sem experiência docente e formação prévia para o exercício do magistério. Essa situação levou os cursos de Pedagogia a enfrentarem a problemática do equilíbrio entre formação e exercício profissional, bem como a desafiante crítica de que os estudos em Pedagogia dicotomizavam teoria e prática (IDEM, IBID., p. 4).
Face às lacunas existentes por conta do imediatismo pedagógico
preconizado pelo curso de formação (os estudantes ingressos deveriam possuir
uma “formação prévia”!?), o próprio passou a ser objeto de severas críticas, as
quais “atacavam” os termos pedagogia e pedagógico fazendo referência
apenas a aspectos metodológicos do ensino e organizativos da escola,
segundo consta nas DCN-Pedagogia (2006).
De certo, as críticas geradas em função da dicotomização teoria-prática
causaram um “conflito de identidade” no interior do próprio curso, donde se
passara a ponderar o maior ou menor grau de importância relativo à prática no
44
decurso da formação, como também a se discutir sobre uma possível
articulação teoria-prática imprescindível à formação básica do pedagogo.
Após alguns anos de recorrentes discussões, optou-se por uma formação
fundamentada na articulação dialética entre teoria e prática. Contudo, aquelas
discussões não deixaram de despejar reflexos nos dias atuais, amalgamando-
se a críticas oriundas da realidade indizível que concebe a formação do
pedagogo. É possível crer que mais se trata de uma questão de memória que
puramente histórica.
3.1 DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE
PEDAGOGIA: UM CONVITE PARA APRENDER A APRENDER?
Podemos representar como sendo um discurso pedagógico atualizado a
publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia
(DCN-Pedagogia), em DOU 4/2006. Tais diretrizes resultam de um “longo
processo de consultas e discussões, em que experiências e propostas
inovadoras foram debatidas, avaliações institucionais e de resultados
acadêmicos de formação inicial e continuada de professores foram
confrontados com práticas docentes, possibilidades e carências foram
verificadas nas instituições escolares” (p. 02).
As discussões oriundas dos últimos 25 anos levaram o Conselho Nacional
de Educação (CNE) a produzir o relatório que visa traçar o “perfil” do graduado
em Pedagogia por meio de uma “consistente formação teórica, diversidade de
conhecimentos e de práticas, que se articulam ao longo do curso” (p. 08), para
45
que o mesmo possa estar “apto” a atuar, trabalhar, promover, demonstrar,
participar, realizar, utilizar, estudar, aplicar, e tantos outros verbos destinados a
preocupações (controladoras) com os processos de ensinar e aprender, além
do de gerir instituições de ensino (Observar o “Perfil do Licenciado em
Pedagogia” nas páginas em anexo).
Por mais que não tenhamos o objetivo de criticar ou negar o conteúdo
formalizado nas DCN-Pedagogia, não há como deixar de perceber o que ali se
encontra explícito: preocupações de cunho teórico, prático e metodológico
“modelando” o “perfil” do pedagogo para tornar-se apto a corresponder os
ideais da sociedade capitalista em pleno século XXI. Nesse ínterim,
concordamos com o lema proposto por Elisabete Monteiro acerca da
“pedagogia das competências” e o direcionamos para arrematar o ideário de
relação pretendida pedagogo-sociedade: “formar competências necessárias à
empregabilidade social” (2005, p. 34, grifo nosso).
Em uma consulta ao dicionário Aurélio (século XXI), identificamos que a
palavra “perfil” vem do occitânico antigo perfil, que significa, de modo
pertinente, “descrição de uma pessoa em traços rápidos; ato de alinhar
tropas”. Indaguemos, então: é contundente pensar em uma formação docente
delineada por características assumidas a priori sem levar em consideração o
ser humano, sujeito do desejo10, que está por trás (e à frente) de todo o
processo? Mais uma vez é possível notar reflexos de uma proposta curricular
10 Sujeito do desejo, nas proposições lacanianas, significa que o mesmo é um ser faltante devido à castração, e, sendo assim, encontra-se em constante busca pelo objeto perdido [objeto a] (MONTEIRO, 2005, p. 16).
46
tencionada a ditar, antecipadamente, a necessidade de uma formação
controlada, já referenciada nos anos de 1980.
Segundo Monteiro (2000), não é de hoje que discussões voltadas para
além do fazer pedagógico representam uma ruptura histórica no conceito de
educação mundial. As próprias contribuições de Rousseau, datadas do século
XVIII, são consideradas marcos contra uma educação que ignorava seus
efeitos, apoiando-se principalmente no princípio do “adestramento” e na
submissão do homem aos valores tradicionais. Tanto Rousseau, quanto outros
filósofos contemporâneos introduziram as primeiras dúvidas sobre o fazer
pedagógico: “Quem sabe quantas crianças morrem [subjetivamente] vítimas
da extravagante sabedoria de um pai ou de um mestre?”11
Ainda para a mesma autora, é possível destacar um outro marco
representante de uma tentativa de rompimento contra os efeitos do paradigma
tradicional originado no século XVIII: o movimento escolanovista, datado de
1930. Tal movimento concebia a necessidade de desvirtuar do centro do
processo educativo a figura do professor, representada por um sujeito
autoritário, modelador e punitivo, para atribuir ao aluno a responsabilidade do
auto-conhecimento, natural e espontâneo, fundamentado na vertente
construtivista12 de educação, sob a égide do lema aprender a aprender.
Com a evolução do mercado de trabalho e suas respectivas exigências
ao estudante de hoje, o lema de outrora perpetua-se na tentativa de intervir
nos processos reflexivos do mesmo visando o desenvolvimento de uma
11 ROUSSEAU, J. J. (1968). Emílio ou da Educação. São Paulo, Difel, p. 60; grifo nosso.12 Em referência a teoria genética de Jean Piaget e de outros teóricos do desenvolvimento que compõem a tese de que o conhecimento é fruto da ação do sujeito (In MONTEIRO, 2005, p. 35).
47
qualidade do pensar (MONTEIRO, 2005, P. 33). Sobre essa questão, Libâneo
alerta que se trata, na verdade, de ampliar a atenção sobre os processos
cognitivos voltados para ensinar o aluno a pensar; exigência que deve ocupar
o centro da gestão escolar e do projeto pedagógico (In PIMENTA, 2002).
Nesta perspectiva, Libâneo e Pimenta acreditam que um repertório de
teorias pertinentes às Ciências da Educação habilitaria o professor a uma
prática pedagógica munida de estratégias com intenções planejadas, capazes
de desenvolver, estimular e aperfeiçoar a capacidade do pensar:
... [estratégias] que ajudem o aluno a utilizar de forma consciente, produtiva e relacional o seu potencial de pensamento e que permitam torná-lo consciente das estratégias de aprendizagem a que recorre para construir e reconstruir os seus conceitos, atitudes e valores (SANTOS, apud MONTEIRO, 2005, p. 33).
A esse respeito, as DCN-Pedagogia afirmam que o egresso desse Curso
deverá estar apto a: “compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco
anos, de forma a contribuir para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre
outras, física, psicológica, intelectual, social” (2006, p. 08), acreditando na
possibilidade de um estímulo ao pensamento desde o princípio da vida
educativa das crianças pequenas.
Em linhas gerais, vale destacar os quatro posicionamentos valorativos no
lema aprender a aprender, colocados por Duarte (2001, p. 4-5):
1) Aquilo que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, em termos
educativos e sociais, àquilo que ele aprende através da
transmissão por outras pessoas;
48
2) O método de construção do conhecimento é mais importante do
que o conhecimento já produzido socialmente;
3) Interesses e necessidades da criança é que devem conduzir suas
atividades;
4) A educação deve preparar os indivíduos para uma sociedade em
constante e acelerado processo de mudança.
De acordo com essa prerrogativa, Behrens (2006) defende que a
primeira década do Século XXI evoca com excelência um movimento constante
e renovador no sentido de contemplar novos horizontes voltados à formação
profissional (neste caso a do professor), produção científica, conduta, ética,
participação ativa e efetiva por parte de docentes e discentes no sentido de
contemplar as múltiplas inteligências e resgatar o humano numa perspectiva
iluminista. Argumenta, ainda, que a prática do professor deve estimular o
educando a “aprender a aprender, ser crítico e participativo, responsável por
suas ações, além de torná-lo consciente de sua função transformadora no
mundo” (p.193).
Nesta perspectiva, conforme as idéias de Monteiro (2005), para a
maioria dos autores, ensinar, atualmente, deve consistir em “conceber,
encaixar e regular situações de aprendizagem seguindo os princípios
pedagógicos ativos e construtivistas”, no lugar de um ensino chamado
tradicional, autoritário e ultrapassado. Entretanto, conforme a própria autora e
a realidade observada nas instituições educativo-escolares, a pretensa prática
educativa construtivista estabelece novos papéis em relação às funções do
professor e aluno em sala de aula. O primeiro, agora, é visto como um
49
“colaborador indispensável da classe”, enquanto o segundo, seja criança ou
adolescente, é visto como “sujeito psicológico” (p. 35).
Pelas próprias DCN-Pedagogia, “para se traçar o perfil do egresso do
Curso de Pedagogia, há de se considerar que os processos de ensinar e de
aprender dão-se [...] em duplo sentido, isto é, tanto professoras (es) como
alunas (os) ensinam e aprendem, uns com os outros” (2006, p. 08). Apesar da
relevante consideração à questão relacional no cenário pedagógico, é cabível o
questionamento sobre a atribuição, ou a inversão de papéis no âmbito ensino-
aprendizagem.
Poderíamos permanecer nessa discussão em várias das próximas
páginas, todavia essa não é a questão central da pesquisa. Por mais que
discutamos de modo efervescente se há ou não coerência para se estabelecer
um perfil para o pedagogo do mundo contemporâneo, acompanhado do
convite para aprender a aprender, a polêmica tenderia ao desmoronamento se
pensássemos que os sujeitos não são iguais e não param no tempo.
É confiável a crítica advinda do último Encontro Nacional de
Coordenadores de Curso de Pedagogia das Universidades Públicas, organizado
pelo Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros/Departamentos de
Educação das Universidades Públicas Brasileiras (FORUMDIR), ocorrido em
2006, de que essas DCN-Pedagogia comportam ambigüidades, lacunas e
imprecisões que continuam demandando o aprofundamento dos estudos e
debates acerca da formação do profissional da educação e, mais
especificamente, do pedagogo. Porém, neste e em outros casos, é válido
relembrar a sábia idéia de Freud (1937) acerca das três grandes profissões
50
impossíveis: governar, educar e psicanalisar, uma vez que, em se pensando na
política de formação de professores, a demanda jamais será completamente
atendida ou os resultados estarão sempre aquém dos objetivos a serem
alcançados.
3.2 A PESSOALIDADE DO PEDAGOGO EM FORMAÇÃO: QUESTÃO DE IDENTIDADE
A identidade não é um dado inato ou adquirido como um produto, mas um lugar de lutas e conflitos, um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão.
(Inês Maria Almeida, 2004)
Retomando o exposto anteriormente, em uma política de formação de
professores (neste caso, pedagogo) não basta levar em consideração as
teorias que sustentam as ciências da educação e sua disposição curricular, a
articulação das mesmas com a prática docente e a preocupação com a
aquisição de métodos e técnicas enquanto significantes primordiais para uma
formação plena. Apesar de ser importante, esta dimensão não contempla,
exclusivamente, a complexidade do fenômeno em pauta. Entendemos que nos
processos de formação - inicial e contínuo - as preocupações anteriores devem
estar vinculadas a um saber-ser, onde o vivido, o acompanhamento da
experiência, a escuta dos sentidos (conscientes e inconscientes), que
perpassam relações vividas, também devem receber sua devida relevância.
Há, portanto, uma essencialidade a ser considerada: o eu pessoal na
constituição de um eu profissional.
51
Inserindo-se no movimento de busca de uma re-significação da formação
de professores, as exigências atuais têm anunciado a necessidade de
voltarmos o olhar para essas dimensões que se articulam ao mesmo tempo, de
modos distintos, porém complementares. António Nóvoa retoma no livro Vida
de Professores (1992) a discussão iniciada por Ada Abraham (1984) em relação
ao professor ser uma pessoa. No prefácio da obra, Nóvoa afirma que há uma
necessidade de se compreender na profissão docente toda a sua complexidade
humana e científica, ratificando, pois, a impossibilidade de se segregar o eu
pessoal do eu profissional.
A escola, enquanto uma instituição que se propõe transmitir um saber e
um saber fazer, tem como modelo dominante a idéia de universalidade da
ciência como epistéme, distinguindo-o, portanto, da opinião (doxa). Este
modelo, no entanto, se vê confrontado quando nos aproximamos da formação
de adultos, da formação profissional contínua. De acordo com Martins (2000),
esta aproximação promove mudanças importantes no âmbito da educação
escolar, principalmente em seus pressupostos epistemológicos, pois
educadores, teóricos da educação, etc., se vêem às voltas com questões
relativas às dimensões temporal e histórica, as quais passam a ser
consideradas como intrínsecas ao processo educacional.
Tais dimensões não se referem, no entanto, ao tempo quantitativo, aquele contado em número de horas de aula, em número de semanas de aulas, ou número de anos. Trata-se de uma "duração", de um tempo vivido, do ritmo próprio de cada um. Tempo esse que se estabelece a partir de nossos preconceitos, de nossos prismas, de nossos "filtros"... e de nossa temporalidade própria (MARTINS, 2000, p. 04).
52
Nesse ínterim, é válido ressaltar que para além de um tracejado perfilar
de um profissional, como proposto pelas DCN-Pedagogia, há uma pessoa, um
sujeito constituído de sexualidade, que deseja, sente e escolhe. Portanto esse
profissional, que não nasceu professor, foi se tornando na medida em que
experimentou (des)prazeres na fase infantil e vivenciou (continuando a
vivenciar) transferências e identificações durante o percurso educativo.
De acordo com Freud, a transferência é um fenômeno psíquico
relacionado ao investimento de sentimentos e expectativas vividos
inconscientemente em uma relação passada para uma nova relação.
Transferimos para eles [mestres] o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais em carne e osso (FREUD, 1914/1986, p. 288).
Laplanche (1985) define identificação como sendo “um processo
psicológico pelo qual um indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um
atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo
dessa pessoa. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma série de
identificações” (p. 295).
Tanto as experiências educacionais vivenciadas (acompanhadas de
(des)prazeres), quanto os fenômenos psicanalíticos supracitados, são
constituintes para a formação da identidade de um sujeito – no caso, professor.
Preocupar-se com a mesma não se resume em preparar o profissional apenas
53
teoricamente visando melhor adequação prática para atender às demandas do
mercado de trabalho, mas também permitir que o próprio sujeito em formação
reflita sobre sua opção profissional revendo e re-significando acontecimentos
do passado (muitas vezes uma lembrança encoberta13) que o impulsionaram a
implicar-se como professor. Nesse sentido, devemos reconhecer que o mesmo
é também um sujeito marcado por seu próprio desejo inconsciente. Aliás, é
exatamente esse desejo que o impulsiona para a função que exerce.
Freud, em suas Novas conferências em psicanálise, afirma que o
educador jamais deixará de se defrontar com a constituição pulsional14 da
criança (a outra e a que está dentro de si – grifo nosso). Logo, para que o
professor possa dar conta de seu trabalho, ele deve ser capaz de:
[...] reconhecer a particularidade constitucional do educando, de inferir, a partir de pequenos indícios, o que está se passando na mente imatura desta, de dar-lhe a quantidade exata de amor e, ao mesmo tempo, manter um grau eficaz de autoridade (FREUD, 1932/1975a, p. 183).
... Reiterando o que já havia afirmado em 1913, em O interesse
científico da psicanálise:
[...] somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais entendemos a nossa própria infância (FREUD, 1913/1996, p. 124).
13 Segundo Freud (1899/1996), uma recordação cujo valor reside no fato de representar na memória impressões e pensamentos de uma data posterior cujo conteúdo está ligado a ela por elos simbólicos ou semelhantes, pode ser perfeitamente chamada de “lembrança encobridora” (p. 298).14 Termo psicanalítico relacionado à pulsão sexual, sendo essa uma energia ou força que circula de forma contraditória e conflituosa, inerente ao ser vivo, e que se manifesta no âmbito psíquico de modo particular, por ser marcada pelos afetos, imagens e, sobretudo, pela linguagem (HANNS, 2004, p. 139-0).
54
Por isso, conforme Monteiro (2005), ao renovar o conhecimento sobre o
infantil, destacar sua importância e sua complexidade, demonstrar a
essencialidade do inconsciente na origem das relações, além de explicitar as
etapas do desenvolvimento infante, “a psicanálise contribuiu com a idéia da
originalidade da criança, de uma visão nova da infância, da qual a educação
pôde tirar proveito” (p. 150). Portanto, em se pensando no percurso educativo
do professor, há que se pensar na criança que habita seu âmago: essência de
sua alma.
3.3 MEMÓRIA EDUCATIVA: DISCURSO PEDAGÓGICO SUI GENERIS
O que eu falei foi exato? Foi. Mas terá sido? Acho que nem não. São tantas horas de pessoas, tantas coisas em tantos tempos, tudo miúdo recruzado.
(Vidas Secas, Guimarães Rosa)
Considerando que as escolhas profissionais são marcadas também por
processos inconscientes (cf. BOHOSLAVSKY, 1991), os cursos que promovem a
formação de professores (licenciaturas, cursos de magistério (escola normal) e
pedagogia) deveriam incluir em seus programas curriculares, além dos
conteúdos que dizem respeito aos conhecimentos teóricos e práticos relativos
à profissão, estratégias de formação que remetessem os alunos a uma reflexão
mais profunda acerca de suas experiências educacionais e aos sentidos que
eles atribuem à profissão de educador, ou seja, ao vivido e suas vicissitudes
(MARTINS, 2000, grifo nosso).
55
Em se tratando da formação do pedagogo, cabe aos promotores dos
cursos de pedagogia proporcionar aos seus alunos em formação (inicial e
contínua) espaços de reflexão de tal forma que possam ter clareza quanto aos
motivos que os levaram a escolher a profissão de professor, ou a atuarem
dessa ou daquela forma15.
Uma proposta para que isso seja possível é a elaboração e análise
individual/coletiva da memória educativa, a qual compõe a respectiva
dissertação tanto em essência quanto em dispositivo de investigação.
Almeida (2001) traz em sua tese de doutorado ─ Re-significação do
papel da Psicologia da Educação na formação continuada de professores de
Ciências e Matemática a concepção de que a identidade do professor, e/ou─
futuro professor, vai se formando ao longo de sua trajetória como aluno nos
diferentes contextos em que vivenciou e compartilhou experiências, muitas
das quais tendem a se transformar em crenças acerca do processo de ensino-
aprendizagem, como também em possíveis reproduções da prática docente.
Nesse sentido a autora propõe, por meio do dispositivo da memória educativa,
uma volta ao passado de tal forma que sejam resgatados pessoas, processos e
episódios dessa experiência vivenciada singularmente, identificando questões
(psico)pedagógicas que possam vir a integrar a prática desse professor e,
possivelmente, compor seu próprio discurso pedagógico.
Almeida (2001) ratifica, portanto, que o registro desse material
histórico/pessoal é riquíssimo no sentido do processo de constituição e re-
15 Esse é um dos temas que será bem detalhado na parte de análise do conteúdo, já que se trata de um dos motes de investigação oriundos da própria história de formação da pesquisadora.
56
significação da identidade do sujeito como professor; e propõe, para tanto, a
necessidade de um aprofundamento na leitura desse material, a ser clareada,
especialmente, por conhecimentos advindos do saber psicanalítico. Afinal,
memória, como formadora do próprio aparelho psíquico, é o ponto em torno do
qual gravitam as primeiras considerações teóricas e clínicas de Freud.
Assim, apesar da conexão psicanálise-educação estar longe de ser um
campo de grandes acordos, como observa Lajonquière (2002), esta dissertação
pressupõe a possibilidade de um diálogo entre um saber (que não se sabe)
acerca (da teoria) do inconsciente e o processo de re-significação por parte do
próprio educador (pedagogo) sobre seu percurso educativo-escolar.
CAPÍTULO 4
57
O INCONSCIENTE E A EDUCAÇÃO
Não foi meu objetivo neste artigo colocar ante um público cientificamente orientado uma descrição do alcance e do conteúdo da psicanálise ou de suas hipóteses, problemas e descobertas. Meu objetivo terá sido atingido se eu tiver deixado claras as muitas esferas de conhecimento em que a psicanálise é de interesse e os numerosos vínculos que começou a forjar entre elas.
(FREUD, O interesse educacional da psicanálise)
Antes de adentrarmos nos primeiros ensaios freudianos sobre a teoria do
inconsciente, e suas contribuições para uma compreensão do fenômeno
educativo-escolar, buscaremos realizar um breve “apanhado” histórico na
tentativa de compreender as primeiras especulações filosóficas acerca da
natureza de fenômenos psicológicos inconscientes.
Consultando livros e artigos sobre “História da Psicologia Moderna”
(dentre eles podemos exemplificar o de Schultz & Schultz, 2000), vimos que
até o advento do comportamentalismo16 (início do século XX) a psicologia
cientificista se ocupava da experiência mental consciente, tal qual o foco de
interesse de filósofos empiristas. Contudo, nem todos que trabalhavam com
esta dimensão concordavam com suas orientações. Alguns admitiam, também,
a importância de processos não conscientes nos resultados de suas análises.
Schultz & Schultz (2000) afirmam que, embora o interesse pela
influência do inconsciente possa remontar a Platão (427-347 a.C.), o
pensamento mais recente sobre o tópico acompanhou a obra de Descartes, no
16 “O comportamentalismo é uma conseqüência direta de estudos sobre o comportamento animal feitos no decorrer da primeira década do século XX” (Watson, 1929, p. 327).
58
século XVII. E após quase três séculos de sua existência, ainda é em torno da
inabalável certeza do cogito que gira o pensamento filosófico atual (GARCIA-
ROZA, 2005).
No princípio do século XVIII, o filósofo e matemático alemão Gottfried
Wilhelm Leibnitz (1646-1716) desenvolveu uma teoria chamada monadologia.
Leibnitz considerava as mônadas elementos individuais de toda realidade,
sendo que cada uma delas significava uma entidade psíquica inextensa.
Embora de natureza mental, a mônada tinha algumas das propriedades da
matéria física, e quando uma quantidade suficiente delas se agregava, criava-
se uma extensão (SCHULTZ & SCHULTZ, 2000).
Comparando as mônadas às percepções, Leibnitz acreditava que os
eventos mentais tinham diferentes graus de clareza ou consciência, podendo
variar do completamente inconsciente ao definidamente consciente. Mas essa
noção era a de um inconsciente cognitivo, e não pulsional, como em Freud.
Um século adiante (XVIII), o filósofo e educador alemão Johann Friedrich
Herbart (1776-1841) aprimorou a noção do inconsciente de Leibnitz, criando o
conceito limiar da consciência. Segundo sua acepção, as idéias que estão
aquém deste limiar são configuradas como inconscientes, e para compreender
o conflito entre elas por uma realização consciente, Herbart propôs fórmulas e
equações matemáticas, revelando uma formulação meramente mecanicista
sobre tal dimensão.
Um trabalho que teve grande impacto sobre as idéias freudianas foi a
sugestão de Gustav Fechner (1801-1887), ao afirmar que a mente humana é
equivalente a um iceberg. “Em sua analogia com o iceberg, Fechner especulou
59
que uma parcela considerável da mente está oculta sob a superfície, onde é
influenciada por forças não observáveis” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2000, p. 326).
Ao iniciar sua prática clínica no ano de 1880, Freud se deparou com o
interesse dos profissionais e leigos sobre a idéia da dimensão inconsciente. Por
exemplo, um livro chamado Filosofia do Inconsciente (1869), de Hartmann, era
tão popular que teve nove edições publicadas até o ano de 1882. “Nos anos de
1870, ao menos meia dúzia de outros livros publicados na Alemanha tinha a
palavra inconsciente no título” (Idem, ibidem).
Portanto, subscreve-se que Freud não foi o primeiro a descobrir ou
mesmo a discutir seriamente sobre a dimensão inconsciente. Ele mesmo
reconheceu que poetas e filósofos pré-contemporâneos tinham se interessado
por aquela. O que ele inventara fora um modo específico de investigá-la e
estudá-la, deixando um verdadeiro legado a toda humanidade.
4.1 ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE O CONCEITO DE INCONSCIENTE E OUTRAS CONTRIBUIÇÕES
É nas lacunas das manifestações conscientes que temos de procurar o caminho do inconsciente.
(Freud, 1915)
4.1.1 Da primeira tópica psíquica
Freud escreveu que, no transcorrer da modernidade, os humanos foram
feridos (narcisicamente17) por três vezes: a primeira ferida proveio de
Copérnico, ao provar que a Terra não estava no centro do Universo e que os
17 Em referência ao mito de Narciso, jovem que morreu afogado ao apaixonar-se pela sua imagem refletida no espelho d’água. Narcisismo significa, então, o encantamento e a paixão que sentimos por nossa própria pessoa porque não conseguimos diferenciar o eu e o outro (Chauí, 2000, p. 166).
60
homens não eram o centro do mundo; a segunda foi causada por Darwin,
quando demonstra que não éramos uma exceção na criação da natureza, mas
parte contínua dela; e a terceira por Freud, “quando indica não sermos
senhores nem mesmo em nossa própria morada, uma vez que não estamos
totalmente no comando daquilo que pensamos” (VOLTOLINI, 2006, p. 37).
É bem verdade que o sujeito, pessoa na qual se origina uma pulsão18,
não foi mais o mesmo depois que Freud passou a investigar a dimensão
inconsciente, principalmente após a publicação de sua reconhecida e “valiosa”
obra (cf. o próprio afirmou após 30 anos) A interpretação dos sonhos (1900).
Nesta escreve Freud: A interpretação dos sonhos é a via real que leva ao
conhecimento das atividades inconscientes da mente, “e não apenas isso, mas
também é o melhor caminho para o estudo da neurose”, conforme Garcia-Roza
(in GARCIA-ROZA, 2005, p. 62).
Rompendo com o tratamento puramente neurológico o qual havia
atribuído em Projeto para uma psicologia científica (1895), Freud afirmou (em
A interpretação dos sonhos) que os sonhos, enquanto fenômenos psíquicos,
além de possuírem sentidos, são também realizações de desejos. E pelo fato
dos sonhos serem produções e comunicações do sujeito que sonha, além de
possuírem sentidos (oriundos de pensamentos oníricos latentes) passíveis de
interpretação, é que a psicanálise se articula com a linguagem (GARCIA-ROZA,
2005).
Importante observação: justifica-se o nosso interesse pelo campo de
investigação Psicanálise-Educação (escolar) pelo fato de ambas só ocorrerem
18 HANNS, Luiz Alberto (2004). Obras psicológicas de Sigmund Freud: escritos sobre a psicologia do inconsciente. Vol I. Rio de Janeiro: Imago Ed., p. 169.
61
por intermédio da linguagem. Contudo, não estamos propondo uma aplicação
terapêutica a este campo, apenas ressaltando as contribuições
metapsicológicas que nos levaram a um esclarecimento acerca das
vicissitudes decorrentes e ocorrentes nas relações de ensino-aprendizagem.
Em decorrência da necessidade em se saber mais sobre os primeiros
comentários freudianos acerca do conceito de inconsciente, nos reportaremos
a Garcia-Roza (2005) e sua afirmativa em relação à fundamental compreensão
sobre esta dimensão. Segundo o autor, o inconsciente suposto por Freud não é
uma coisa no interior da qual os pensamentos latentes são transformados e
distorcidos; tampouco algo comparável às “profundezas” do psiquismo de
cujas entranhas emergirá um material misterioso e inacessível ao pensamento
consciente. Mas sim, na realidade, é algo que fala à sua maneira, com sintaxe
particular. Relembrando Lacan, com sua famosa frase, o inconsciente é
estruturado como uma linguagem (MANNONI apud GARCIA-ROZA, idem, p. 65).
Sabe-se que, para Freud, a linguagem ocupa um lugar de ocultamento,
isto é, o sentido que ela representa e oculta um outro de maior relevância, e
essa mesma será tão maior quão grande for a articulação entre a linguagem e
o desejo. Nesse sentido, enquanto o discurso racionalista procurava afastar o
desejo para que a verdade pudesse aparecer na sua “pureza”, a psicanálise
vai procurar exatamente a verdade do desejo (GARCIA-ROZA, idem, p. 66).
Podemos conjeturar, pois, que essa seja uma grande contribuição da teoria
psicanalítica para o campo educativo, não com a intenção de sondar as
mentes das crianças com o objetivo de melhor educá-las (cf. nos alertou Freud,
62
1913), mas com a idéia de que possamos olhar para a nossa própria infância e
poder atribuir algum sentido ao que foi feito de nós.
Em 1909, na apresentação de Cinco lições de psicanálise, e sua
conseqüente publicação em 1910, Freud realizou a primeira exposição
sistemática de sua teoria, sendo considerada por muitos pesquisadores, dentre
eles Durval Marcondes (1931), a leitura mais apropriada para quem aborda
pela primeira vez a obra do mestre.
Sem intenções de prolongar ou repetir suas falas, achamos importante
relembrar, para um bom encaminhamento do nosso texto, o momento em que
Freud explana os princípios de suas pesquisas com pacientes histéricas, por
volta de 1882, e chega à conclusão no famoso trabalho Estudos sobre a
histeria (1895), ao lado de seu mentor Dr. Joseph Breuer, que “os histéricos
sofrem de reminiscências” (1910, p. 33). Em decorrência disso, suas primeiras
falas acerca da dimensão inconsciente advêm da época em que a prática
analítica vinculava-se à técnica da hipnose. Pela mesma, segundo suas
próprias palavras, “era possível, depois de considerável esforço, trazer cenas
patogênicas à memória” (p. 35). Entretanto, em um outro momento, indicou
que:
Pelo estudo dos fenômenos hipnóticos tornou-se habitual a concepção, a princípio estranhável, de que num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro, e que podem alternar entre si em sua emersão à consciência. [...] Quando nessa divisão da personalidade a consciência fica constantemente ligada a um desses dois estados, chama-se esse estado mental ‘conscience’ e o que dela permanece separado o ‘inconsciente’ (p. 35).
63
Uma vez decidindo por abandonar tal prática sugestiva, e adotando por
procedimento a livre associação, Freud pôde compreender em seus estudos
que, embora recordações penosas manifestem-se associativamente à
consciência de seus pacientes, permitindo-os certo apaziguamento, “o impulso
desejoso continua a existir no inconsciente, à espreita de oportunidade para se
revelar” (p. 42).
Ao se deparar com relatos de experiências intrigantes, envolvendo
relações primitivas fantasiadas (ou não), e suas demasiadas tentativas para
explicar a origem do recalque19, Freud escreve à Fliess em 1987 afirmando
“não acreditar mais em sua neurótica (enquanto teoria)”, principalmente pelo
fato de ter constatado naquelas experiências participação ativa não apenas
dos pais, mas também o envolvimento das crianças as quais não estavam sós,
e sim acompanhadas de fantasias perversas-polimorfas.
Após essa crise e a conseqüente nomeação de que “a interpretação dos
sonhos seria a base mais segura da psicanálise (1900)”, Freud estruturou o
psíquico enquanto um aparelho constituído de sistemas ou instâncias,
chamadas por ele de topos. Daí a constituição da 1ª tópica freudiana, à época
composta por inconsciente, pré-consciente e consciente.
Verdadeiramente, para Freud, não importa os topos ocupados por cada
uma dessas instâncias, mas sim a posição relativa que cada uma mantém com
as demais. Por exemplo, a dimensão inconsciente só pode ter acesso à
consciência através do sistema pré-consciente/consciente, sendo que nessa
19 Aquilo que afasta da consciência desejos, sentimentos e idéias relativos ao outro, mas que continuam a agir do inconsciente com intensidade e persistência (FREUD, 1910, p. 58).
64
passagem seus conteúdos latentes se submetem às exigências da última
dimensão. Portanto, qualquer que seja o conteúdo do inconsciente, ele só
poderá ser conhecido se transcrito (modificado e/ou distorcido) pela sintaxe do
pré-consciente/consciente (GARCIA-ROZA, 2005).
Sem dúvida, o fator de maior relevância neste momento proposto por
Freud concerne ao fato de que o termo “inconsciente” deixou de ser
empregado de modo meramente descritivo para um modo sistemático e
dinâmico (Idem, ibidem).
Um outro importante momento na retomada freudiana em relação a uma
conceituação do inconsciente na psicanálise está divulgado na publicação do
artigo Alguns comentários sobre o conceito de inconsciente na psicanálise, de
191220. Neste, pela primeira vez, ele forneceu uma longa e ponderada
exposição de sua hipótese sobre os processos mentais inconscientes e
especificou os diversos sentidos em que empregou o termo “inconsciente”
(enquanto descritivo, sistemático e dinâmico), chegando à compreensão de
que essa dimensão denomina não só as idéias latentes (prestes a emergir) em
geral, mas sobretudo àquelas que, apesar de sua intensidade e atividade, se
mantêm distantes da consciência (HANNS, 2004).
Assim afirma Freud:
[...] designemos como “consciente” apenas a representação que está sendo percebida e que está presente em nossa consciência. Portanto, estaremos atribuindo ao termo “consciente” unicamente esse sentido. Em contrapartida, todas as representações latentes que tenhamos motivos para supor que existam na dimensão psíquica como era o caso da
20 Esse artigo encontra-se na íntegra na referência HANNS, Luiz Alberto (2004). Obras psicológicas de Sigmund Freud, op. cit.
65
memória serão denominadas “inconscientes” (apud HANNS, idem, p. 83).
Configurado, pois, como relevante estudo preliminar da obra
metapsicológica O Inconsciente (1915), Freud evoca um dado cujo
conhecimento, afirma o próprio, devemos à psicanálise (Idem, p.86).
De modo análogo ao que ocorre com os sintomas neuróticos, também em indivíduos saudáveis encontramos com freqüência determinados distúrbios funcionais, como o ‘lapsus linguae’, os erros de memória e fala, o esquecimento de nomes, etc. [...] Como se pode demonstrar, esses distúrbios são dependentes de idéias inconscientes fortes (Idem, ibid.).
Nesse sentido, é possível perceber o quão é inevitável a ação do
inconsciente em nosso cotidiano, cujo sistema é regido por leis próprias,
impossível de ser manipulado. Em se pensando no campo da educação-
escolar, um esclarecimento que esse conceito freudiano pode nos fornecer,
principalmente à formação de professores, é que o sujeito do inconsciente não
deve desejar ocupar todo o espaço e reinar sozinho como mestre, mas sim ser
capaz de manter a diferença e a alteridade sem se deixar capturar pela
armadilha da verdade. Como nos inspira Cifali (2005), em seu texto sobre a
Psicanálise e escritura da história em Michel de Certeau21, ao afirmar que
“estamos condenados a não ter razão sozinhos, uma vez que interagimos com
um outro também possuidor de um inconsciente constituído por pulsões,
recalques e desejos” (p. 59, grifo nosso).
21 In: MRECH, Leny Magalhães (2005). O impacto da psicanálise na educação. São Paulo: Editora Avercamp.
66
Optamos, assim, pela nomeação “sujeito do inconsciente” em
concordância com a proposta da psicanalista Silvia Bleichmar (1994), quando
afirma que o sujeito com um aparelho psíquico clivado é provido de
inconsciente (p. 08). Sabe-se que, para Freud, o inconsciente não é dado desde
as origens, época em que o ego também não está constituído e em que ainda
não se estabeleceu uma clivagem no aparelho psíquico. Portanto, as primeiras
marcas/inscrições oriundas dos pais e/ou responsáveis submeterão a criança
ao recalque (originariamente sexual), possibilitando assim a constituição do
inconsciente e a estruturação da tópica psíquica (Idem, ibidem).
Dessa forma, graças ao estudo psicanalítico dos sonhos é que Freud
pôde avançar suas reflexões acerca da dimensão inconsciente, a qual, no
início, parecia-lhe apenas uma enigmática característica de determinado
processo psíquico e, na medida em que seus conhecimentos foram avançando,
essa passou a ter um valor de signo, de uma marca reveladora que
ultrapassara em muito a importância de seu significado como propriedade.
Assim, de acordo com sua própria fala:
À falta de uma expressão melhor e menos ambígua, daremos o nome de “o inconsciente” ao sistema que se revela por meio de um signo indicativo da inconsciência de cada um dos processos psíquicos que o compõem (FREUD, apud Hanns, 2004, p. 89).
Entretanto, apesar do reconhecido avanço, Freud se questiona em seu
texto metapsicológico de 1915 sobre como seria possível chegar a um
conhecimento do inconsciente, se só o conhecemos como algo consciente.
Logo adiante nos mostra que essa tradução é possível se a pessoa, sob
67
análise, superar certas resistências. No caso que estamos tratando neste
projeto de pesquisa ─ a formação do pedagogo da UnB que teve contato com
a teoria psicanalítica por meio da disciplina, como seria possível permitir uma
compreensão, por parte dos estudantes, acerca da atuação do inconsciente
em nossas vidas sem se cometer o deslize de realizar uma “análise selvagem”
em plena sala de aula?
Sucintamente, paralelo à teoria sustentada por Freud e seus sucessores
no campo de investigação Psicanálise-Educação, o questionamento proferido
acima é possível por meio de dispositivos como é o caso da ─ memória
educativa, indispensável para a disciplina Inconsciente e Educação e para esta
pesquisa que permitem uma enunciação do sujeito do inconsciente e um─
reconhecimento singular por parte do próprio aluno acerca desta dimensão,
seguindo o aforismo freudiano de que o “inconsciente é incognoscível em si
mesmo, mas é explorado por seus efeitos” (BLEICHMAR, 1994, p. 59).
Assim, a defesa de Freud para que a suposição da existência do
inconsciente seja reconhecida cientificamente enquanto necessária e legítima
discorre de dados que provam sua existência. Argumenta, primeiramente, que
manifestações conscientes apresentam um número muito grande de lacunas,
tanto em pessoas sadias quanto em doentes, e complementa, em 1915, que
suas experiências diárias o havia familiarizado com idéias que assomavam à
sua mente sem saber qual a procedência das mesmas. Para ele, portanto,
esses atos conscientes permaneceriam desligados e ininteligíveis se
insistíssemos em sustentar que todo ato mental que ocorre conosco
necessariamente deve também ser experimentado por nós através da
68
consciência; por outro lado, os próprios atos seriam passíveis de demonstração
se houvesse uma interpolação entre eles e os atos inconscientes sobre os
quais Freud conjeturava naquela época. Todavia, apesar de reivindicar um
reconhecimento científico em prol da teoria que ora sustentara, Freud é
conciso ao assegurar a impossibilidade de se exigir que tudo o que ocorra na
mente deva ser também conhecido pela consciência.
Em segundo lugar, o pai da psicanálise sustenta que a suposição de um
inconsciente é perfeitamente legítima por meio de uma justificativa lacônica.
Afirma que a consciência sugere a cada um de nós uma conscientização
apenas de nossos próprios atos mentais, já que inferimos, por analogia de
declarações e ações observáveis, que outras pessoas também a possuem. A
psicanálise, por sua vez, exige apenas que apliquemos esse processo de
inferência a nós mesmos procedimento que Freud acredita não estarmos─
naturalmente inclinados, a fim de que possamos perceber que atos e
manifestações oriundos de nossa pessoa, e que não são passíveis de
explicação, “ocorrem como se pertencessem a outrem” (FREUD, 1915, p. 44).
A que outrem Freud se refere? Ao outrem que está dentro de nós mesmos, ao
nosso inconsciente que enuncia, parcialmente, através de fenômenos
lacunares como chistes, lapsos e atos falhos, “atropelando” o sujeito que por
ora se intitula em estado de plena consciência (GARCIA-ROZA, 2005).
Nesse ínterim, Freud adverte que não tem outra opção senão afirmar
que os “processos mentais são inconscientes em si mesmos”, e “assemelhar a
percepção deles por meio da consciência à percepção do mundo externo por
meio dos órgãos sensoriais” seria um modo exíguo de sustentação teórico-
69
científica naquele momento (Idem, p. 46). Não deixa, pois, de fazer uma
alusão à advertência de Kant sobre a importância de não se desprezar o fato
de que as percepções são subjetivamente condicionadas, não devendo,
portanto, ser consideradas como idênticas. Da mesma forma a psicanálise
adverte aos sujeitos, para que não se estabeleça uma equivalência entre as
percepções adquiridas por meio da consciência e os processos mentais
inconscientes que constituem seu objeto. “Assim como o físico, o psíquico, na
realidade, não é necessariamente o que nos parece ser” (Idem, ibidem).
4.1.2 Da segunda tópica psíquica
Após fazer várias revisões relacionadas ao que já havia pensado,
experienciado e escrito, demonstrando mais uma vez que as idéias se
constituem por serem dinâmicas (e não se constroem pressupondo um fim),
Freud propôs uma substituição tópica ao que havia estruturado como
inconsciente – pré-consciente – consciente, nomeando id – ego – superego
como a segunda tópica de estruturação psíquica (concepção publicada em O
ego e o id, 1923).
Em seus escritos seguintes, tornou-se aparente que, tanto no que
concerne ao inconsciente quanto no que concerne ao ego, o critério de
consciência não era mais útil na construção de uma representação estrutural
da mente. Assim, Freud abandonou o uso da consciência nessa capacidade:
“estar consciente” deveria doravante ser encarado simplesmente como uma
qualidade que poderia ou não estar ligada a um estado mental. O antigo
70
sentido “descritivo” do termo foi, em verdade, tudo o que permaneceu. A nova
terminologia que Freud agora introduzira teve um efeito altamente
esclarecedor e, assim, tornou possíveis novos avanços clínicos. Em si mesma,
porém, não envolveu quaisquer alterações nas opiniões de Freud sobre a
estrutura e o funcionamento mentais (1923, p. 5).
O mesmo escreve, então, em uma nota introduzida numa edição
posterior de A interpretação dos sonhos: “o desenvolvimento posterior deste
esquema desdobrado linearmente [referindo-se à primeira tópica] deverá levar
em conta esta suposição de que o sistema que sucede ao pré-consciente é
aquele a que devemos atribuir à consciência” 22.
Não temos como objetivo, neste momento, detalhar o conteúdo que
compõe essa segunda estruturação, enquanto conjunto de elementos que
separadamente possui funções específicas, nem analisar a dinâmica existente
entre as dimensões que a constitui. Todavia não há como ignorar, nesta etapa
de compreensão teórica sobre o conceito de inconsciente elaborado por Freud,
o que quer dizer a segunda tópica e a sua importância para a compreensão de
fenômenos inconscientes enquanto enunciações em nosso cotidiano, em
particular, educativo.
De modo análogo à primeira, a segunda tópica foi estruturada por Freud
em caráter metafórico, não correspondendo exatamente a lugares anatômicos.
Apesar disso, o modo com que suas três instâncias operam não demonstra
neutralidade, impondo ao objeto, inevitavelmente, a sua marca de origem.
22 Informação obtida no site “Psicanálise freudiana”: http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html. Data: 15/02/2007.
71
Para designar o que fica a cargo da inconsciência na estruturação
psíquica, Freud usou inicialmente o termo em alemão Es (isso), sugerido pelo
psicanalista Georg Groddeck em 1921, e o conceituou em 1923 como Id (isso)
pelo fato desta instância abrigar um conjunto de conteúdos de natureza
pulsional e de ordem inconsciente. Escreve o próprio Freud: “chamamo-lo de
caos, um caldeirão repleto de fervilhantes excitações”, e acrescenta que o id,
“não conhece juízos de valor, nem o bem e o mal, nenhuma moralidade”
(1933, p. 94).
Buscando, pois, satisfação imediata, o id é considerado um reservatório
pulsional desorganizado, assimilado a um verdadeiro caos, sede de “paixões
indomadas” que, sem a intervenção do eu, caminharia inelutavelmente para a
perdição do sujeito. Age, portanto, de acordo com o que Freud denominou
princípio do prazer23, relacionado à redução da tensão (esta provocada pelo
aumento da libido) por meio da busca pelo prazer.
Já a segunda instância, o ego (eu), designada primeiramente como da
ordem da consciência, tornou-se na segunda tópica em grande parte
inconsciente, isto é, sua atuação não é vista de forma independente do id.
Operando de acordo com o que Freud denominou princípio da realidade, o ego
mantém em suspenso a energia advinda do id (pulsional) até que se encontre
um objeto “apropriado” no qual seja possível descarregar a tensão provocada
pelo acúmulo de energia, gerando, pois, prazer. 23 Os dois princípios do acontecer psíquico ─ princípio do prazer; princípio da realidade ─ foram ensaiados por Freud na obra Formulações sobre os dois princípios do acontecer psíquico (1911) e irão percorrer toda a sua teoria até a publicação de Além do princípio do prazer (1920), onde Freud estabelece de forma definitiva a sua clássica concepção do aparelho psíquico e se indaga se tal aparelho se submete a uma tendência mais radical, indo além do princípio do prazer, mas o antecedendo. Insere, neste contexto, o dualismo pulsão de vida X pulsão de morte.
72
E, por fim, a terceira instância psíquica, o superego24 (supereu),
representa para Freud todas as restrições morais que se impõem ao humano.
Não há como negar o fundamental papel da educação na estruturação do
superego de um sujeito, visto que, classicamente, o mesmo é definido como
herdeiro do complexo de Édipo25; constituindo-se por interiorização das
exigências e das interdições parentais. Ou seja, quando a criança renuncia à
satisfação edipiana (ocorrendo a dissolução do complexo), as proibições
externas são internalizadas. É importante salientar que a concepção freudiana
de superego não obteve unanimidade entre os psicanalistas contemporâneos e
pós-contemporâneos.
Desde a tenra infância as crianças são submetidas a regras de
convivência exigidas por determinada sociedade/cultura, e que passam a ser
ensinadas pelos pais mediante um sistema de recompensas e punições. Freud
sublinhou em 1923, porém, que o superego não se constrói segundo o modelo
dos pais, mas segundo o que é constituído pelo superego deles. A transmissão
dos valores e das tradições perpetua-se, dessa maneira, por intermédio dos
superegos, de uma geração para outra; isto é, pelo inconsciente dos pais.
Assim sendo, ao ingressar na escola a criança depara-se com um outro
que também, tal qual seu responsável, lhe incutirá certas regras em prol de
um convívio social. Desse modo, o comportamento infantil é “controlado”, de
início, por “regras” impostas pelos pais, professores; contudo, uma vez que
24 O termo de Freud para superego era uma palavra alemã cunhada como über-ich, significando, literalmente, sobre-eu. Fonte: http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html. Em 15/02/2007.25 Em referência ao mito grego no qual o herói tebano Édipo, filho de Laio e Jocasta, decifrou o enigma da Esfinge e, por infortúnio, matou o pai e se casou com a mãe.
73
tenha se dado a estruturação do superego, o mesmo é passível de
desempenhar funções de auto-observação, formação moral, de ideais e de
julgamentos (FREUD, 1923).
É possível compreender, por meio da leitura em Freud (1923; 1933), que
o superego, apesar de estar em contato direto com o id, tem a especial função
de inibir, por completo, sua realização pulsional enquanto um “defensor de um
impulso rumo à perfeição” (FREUD, 1933, p. 67). Assim, conforme Peter Gay
(1989), as pulsões advindas do id podem ser comparadas a “presidiários anti-
sociais” que devem ser “tratados com muito rigor e estreitamente vigiados”
pelo ego e superego (p. 128). Apesar de tudo, sempre haverá um “furo”, uma
passagem que possibilite um escape das tensões oportunizando a livre
manifestação do inconsciente a qual, muitas vezes, passa despercebida pelo
sujeito. E isto é o isso, aquilo que escapa ao sentido.
Procuramos, dessa forma, direcionar o que vem a ser, para nós, de
fundamental relevância em matéria de iniciação ao estudo do aporte
psicanalítico, dando ênfase ao que muitos psicanalistas e pesquisadores
consideram como fundamento da psicanálise: o conceito de inconsciente.
Optamos por ensaiar alguns comentários do conceito de inconsciente
em Freud visando capturar os estudantes de graduação em pedagogia (não só
da FE/UnB), os quais, em sua grande maioria, ingressam na disciplina
“Inconsciente e Educação” (ou outra de similar cunho teórico) sem uma noção
do significado de inconsciente. E para finalizar esse tópico, como pretexto para
outras idéias, aludiremos Laplanche e Pontalis com a afirmativa de que “se
fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra
74
seria incontestavelmente a de inconsciente” (citado por GARCIA-ROZA, 2005,
p. 168).
4.2 SOBRE O REPRESENTANTE DA EDUCAÇÃO PRIMORDIAL: O SUPEREGO
Muito certo, podemos dizer, temos nessa natureza mais alta (ideal do ego ou superego) o representante de nossas relações com nossos pais. Quando éramos criancinhas, conhecemos essas naturezas mais elevadas, admiramo-las e tememo-las, e, posteriormente, colocamo-las em nós mesmos.
(Sigmund Freud, 1923)
A divisão do psíquico “consciente e inconsciente” constitui a premissa
fundamental da psicanálise, embora esta não possa situar a essência do
psíquico na consciência. Ainda assim, aquela é obrigada a encarar esta como
uma qualidade do psíquico, que pode achar-se presente em acréscimo a outras
qualidades, ou estar ausente.
Em 1923, Freud acrescenta a idéia de que em cada sujeito existe uma
organização coerente (e particular) de processos mentais, e a isso chamou de
ego. É a esse ego que a consciência se acha ligada: o ego controla as
abordagens à motilidade — isto é, à descarga de excitações para o mundo
externo. Ele é a instância mental que supervisiona todos os seus próprios
processos constituintes e que vai dormir à noite, embora ainda exerça a
censura sobre os sonhos.
75
Já para a concepção freudiana de inconsciente, contudo, as
conseqüências de sua descoberta são ainda mais importantes. As
considerações dinâmicas o fizeram efetuar a primeira correção:
“Nossa compreensão interna (insight) da estrutura da mente conduz à segunda. Reconhecemos que o inconsciente não coincide com o reprimido; é ainda verdade que tudo o que é reprimido é inconsciente, mas nem tudo o que é inconsciente é reprimido. Também uma parte do ego — e sabem os Céus que parte tão importante - pode ser inconsciente, indubitavelmente é inconsciente” (FREUD, 1923, p. 11).
Cabe destacar, ainda, o que para Freud, a priori, configurou-se como um
fenômeno de ordem “estranha”. Em suas experiências analíticas, descobriu
que existem pessoas nas quais as faculdades de autocrítica são inconscientes
e, inconscientemente, produzem efeitos da maior importância. O exemplo da
resistência em análise é um deles, mas não o único.
A nova descoberta trouxe, portanto, outros problemas às elaborações
freudianas, especialmente quando este chegou a perceber que num grande
número de neuroses um “sentimento inconsciente de culpa” desempenhara
um papel econômico decisivo, colocando os obstáculos mais poderosos no
caminho do restabelecimento. Nesse ínterim, quando Freud retorna à escala de
valores estabelecida por ele na segunda tópica, compreende que não é apenas
o que é mais baixo, mas também o que é mais elevado no ego pode ser
inconsciente. De acordo com suas próprias palavras:
Se o ego fosse simplesmente a parte do id modificada pela influência do sistema perceptivo, o representante na mente do mundo externo real, teríamos um simples estado de coisas com que tratar. Mas há uma outra complicação. As considerações
76
que nos levaram a presumir a existência de uma gradação no ego, uma diferenciação dentro dele, que pode ser chamada de ‘ideal do ego’ ou ‘superego’, foram enunciadas em outro lugar. Elas ainda são válidas. O fato de que essa parte do ego está menos firmemente vinculada à consciência é a novidade que exige explicação (1923, p. 17).
Freud vai discorrer, em sua obra de 1923, a respeito da dita “novidade”
através da qual compreendeu que a gradação no ego é parte inconsciente.
Apesar de ser um assunto complicado, conforme palavras do próprio Freud, o
que ficou representado para nós como suma importância é que “os efeitos
gerados das primeiras identificações efetuadas na mais primitiva infância
serão gerais e duradouros” (p. 18). Isso nos conduz novamente à origem do
ideal do ego ou superego: por trás dele há de forma oculta a primeira e mais
importante identificação de um sujeito, a sua identificação com o pai em sua
própria pré-história pessoal. Mas isto não ocorre de forma tão corriqueira
assim. A complexidade do problema é, ainda, dirigida por dois fatores: o
caráter triangular da situação edipiana e a bissexualidade constitucional de
cada sujeito.
Segundo Freud, em uma idade muito precoce a criança desenvolve uma
catexia objetal pela mãe, originalmente relacionada ao seio materno. Em
relação ao pai há, em princípio, uma identificação. Durante certo tempo, esses
dois relacionamentos avançam lado a lado, até que os desejos sexuais, no
caso do menino, em relação à mãe se tornam mais intensos e o pai é
percebido como um obstáculo a eles; disso se origina o complexo de Édipo.
Sua identificação com o pai assume então uma coloração hostil e transforma-
se num desejo de livrar-se dele, a fim de ocupar o seu lugar junto à mãe.
77
Daí por diante a sua relação com o pai é ambivalente; como se a
ambivalência, inerente à identificação desde o início, houvesse se tornado
manifesta neste período. Uma atitude ambivalente para com o pai e uma
relação objetal de tipo unicamente afetuoso com a mãe constituem o conteúdo
do complexo de Édipo positivo simples num menino.
Nesta linha de raciocínio ainda há um evento subseqüente ao
supracitado que é tomado como referência central do pensamento freudiano e,
juntamente com o complexo de Édipo, constitui o arcabouço fundamental do
edifício da ciência psicanalítica: o complexo de castração. Não esqueçamos de
que, no drama edípico, o menino quer possuir a mãe, eliminando, para tanto, o
pai. Na fantasia inconsciente, o menino odeia o pai, quer assassiná-lo, castrá-
lo, reduzi-lo a nada. Não é surpreendente que, a partir de então, passe a temer
a vingança retaliatória do pai, o qual deseja puni-lo do mesmo modo (Cf.
PELEGRINO, 1978).
Na medida em que o menino percebe, na fase fálica, a ausência do pênis
(falo) na mãe e/ou irmã/amiga, imagina que elas o perderam26. Assim sendo,
passa a temer que a mesma coisa lhe aconteça (angústia de castração) por
obra do pai terrível e castrador. Ele pode vir a perder seu artefato fálico tão
necessário à plenitude do seu narcisismo: o pênis. E é esta ameaça brutal que,
segundo Freud, o faz desistir da paixão que o faz desejar a mãe e querer matar
o pai.26 A entrada da menina no complexo de Édipo ocorre de outra forma. A menina não experimenta a angústia de castração, pois já nasce castrada. Ao nascer, como no caso dos meninos, também tem a mãe como objeto de amor. Em suas primeiras descobertas, ao perceber que não é dotada de um pênis, enquanto falo, sente inveja por não tê-lo. Aqui ela entrará no complexo de Édipo em si, afastando-se da mãe com rancor pela falta de um pênis. Comportando-se diferentemente do menino, a menina faz seu juízo e toma sua decisão num instante. Ela viu o pênis, sabe que não o tem e quer tê-lo (FREUD, 1925[1976], p. 146).
78
Nesse ínterim, a angústia de castração, presente na fantasia
inconsciente do menino, é para Freud o ápice que leva à dissolução do
complexo de Édipo, implicando na internalização identificatória com as
interdições e prescrições da educação e da cultura (PELEGRINO, 1978). Ou
seja, as marcas deixadas pelo interdito paterno lhe proporcionarão a origem da
instância superego: lei interna do sujeito.
O superego, contudo, não é simplesmente um resíduo das primitivas
escolhas objetais do id; ele também representa uma formação reativa enérgica
contra essas escolhas. A sua relação com o ego não se exaure com o preceito:
“Você deveria ser assim (como o seu pai)”. Ela também compreende a
proibição: “Você não pode ser assim (como o seu pai), isto é, você não pode
fazer tudo o que ele faz; certas coisas são prerrogativas dele”. Esse aspecto
duplo do superego deriva do fato de que ele tem a missão de reprimir o
complexo de Édipo — em verdade, é a esse evento revolucionário que ele deve
a sua existência.
É claro que a repressão do complexo de Édipo não era tarefa fácil. Os pais da criança, e especialmente o pai, eram percebidos como obstáculo a uma realização dos desejos edipianos, de maneira que o ego infantil fortificou-se para a execução da repressão erguendo esse mesmo obstáculo dentro de si próprio. Para realizar isso, tomou emprestado, por assim dizer, força ao pai, e este empréstimo constituiu um ato extraordinariamente momentoso (FREUD, 1923[1976], p. 20).
Compreendemos, assim, que o superego retém o caráter do pai e quanto
mais poderoso o complexo de Édipo for, e mais rapidamente sucumbir à
repressão (sob a influência da autoridade do ensino religioso, da educação
79
escolar e da leitura), mais severa será posteriormente a dominação do
superego sobre o ego, sob a forma de consciência ou, talvez, de um
sentimento inconsciente de culpa. O superego, portanto, é, para Freud, o
herdeiro do complexo de Édipo, e, assim, constitui também a expressão dos
mais poderosos impulsos e das mais importantes vicissitudes libidinais do id.
Não podemos deixar de lado o âmbito de interesses de um professor
pelo legado deixado por Freud. Sabemos, pois, que o criador da psicanálise
não falou diretamente ao professor a respeito de seu papel frente à educação
e ao ensino de crianças. Todavia, sua auto-análise e outras experiências
clínicas relatadas em seus escritos nos permitem resgatar algumas idéias de
educação de outrora e tentar estabelecer analogias com as atuais,
reconhecendo a grande importância das mesmas para uma possível re-
significação do ato educativo.
Nesse contexto, para Freud, à medida que uma criança cresce, o papel
do pai é exercido pelos professores (enquanto função paterna) e outras
pessoas colocadas em posição de autoridade; suas injunções e proibições
permanecem poderosas no superego e continuam, sob a forma de consciência,
a exercer a censura moral. A tensão entre as exigências da consciência e os
desempenhos concretos do ego é experimentada como sentimento de culpa.
Os sentimentos sociais repousam em identificações com outras pessoas, com o
intuito de possuírem o mesmo ideal do ego.
Aqui, portanto, gostaríamos de ressaltar o fundamental papel do
professor, aliado a sua subjetividade, na educação de crianças. Se o mesmo
possui um superego por demais severo, poderá agir de modo bastante ríspido,
80
rígido e autoritário a dúvidas e/ou ações oriundas de seus alunos que são
encaradas de modo negativo pela própria instituição, comunidade e até
sociedade. Sem dúvida esse ato poderá influenciar na formação de conceitos
que a criança tende a estabelecer, desde a tenra infância, a partir dos “ideais”
de conceitos pertencentes aos seus educadores (pais e professores).
Contudo, a dissolução do complexo de Édipo (e a conseqüente formação
do superego enquanto representante da educação primordial) se faz não
apenas em nome do temor, mas também em nome do amor. A Lei do Pai é
internalizada, sem dúvida, no temor. Sem a ameaça de castração, que concede
à Lei da polis plena potência interditória, a dissolução do Édipo seria
impossível e, com isto, a criança jamais se desligaria da mãe para viver sua
própria aventura. Mas essa ameaça, conforme argumenta Pelegrino (1978),
não é o único elemento que confere à Lei o seu poder. A Lei não existe para
aniquilar o desejo — embora muitos pensem que este é o seu papel. Ao
contrário: “existe como gramática capaz de estabelecer uma articulação com o
circuito de intercâmbio social”, dando direitos, correspondente a um dever
social, “de o sujeito viver um processo fecundo e favorável de socialização, no
qual estejam inscritas as prerrogativas de alimentação, saúde, moradia e
educação” (Idem, p. 313-14).
CAPÍTULO 5
81
INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO: UM OLHAR TRANSDISCIPLINAR EM MATÉRIA DE EDUCAR
O conhecimento pode ser ensinado e comunicado, mas não a sabedoria.
(Hermann Hesse)
O que procura o graduando em pedagogia (ou em outra licenciatura)
quando opta pela matrícula na disciplina “Inconsciente e Educação”? Visa
apenas mais um somatório de créditos em seu histórico acadêmico; está em
busca de “novas receitas didáticas” para diversificar seu aparato
metodológico; não sabe o “porquê” da escolha; vai ver o que é “esse tal de
inconsciente” (já que Educação lhe soa mais familiar); ou, como poderíamos
arriscar, manifesta uma curiosidade pela aproximação entre dois campos
distintos?
Iniciemos nossas reflexões a partir de uma contextualização essencial
que possibilitará a compreensão do leitor em relação ao lugar que a disciplina
“Inconsciente e Educação” ocupa no curso de graduação em pedagogia da
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Em meados dos anos 80, a
psicóloga, psicanalista e professora Isabel Maria de Carvalho Vieira recebeu
um convite para lecionar na Faculdade de Educação/UnB e atuar em disciplinas
como Psicologia Educacional, Linguagem e Artes para início de escolarização.
Foi quando em 1991, percebendo a necessidade de constituição de um outro
“olhar” do pedagogo (em formação) acerca de suas experiências teórico-
práticas, teve a oportunidade de criar a cadeira de “Inconsciente e Educação”
82
e, segundo ela mesma afirmou em uma entrevista concedida ao Jornal da
Psicologia (2005)27,
transformar significativamente a proposta da disciplina de Artes (para início...) de forma que fosse possível acoplar a experiência de uma cadeira a outra, para que os universitários de Pedagogia pudessem constatar a importância dos processos inconscientes nas atividades escolares, especialmente nas atividades livres (p. 7)
Profunda admiradora da arte28, a professora Isabel de Carvalho deu o
pontapé inicial em relação à oferta de um ensino metapsicológico na
Faculdade de Educação/UnB e a possibilidade de fazer valer um aprendizado
fundamentado no aporte psicanalítico para a constituição de um outro “olhar”
do pedagogo diante das experiências vividas e observadas por ele no cenário
educativo, vinculando-as, no caso dela, às artes.
Historicamente, a educação nos deixou uma marca de que sua
funcionalidade só seria possível se soubéssemos separar e isolar as coisas,
obedecendo a uma lógica mecânica, clara e preditiva. Entretanto não podemos
negar que, à medida que o tempo passa, o conceito de uma educação
cartesiana vem deixando cada vez mais lacunas no complexo processo que
envolve a educação humana, predispondo, dessa forma, espaços para a
emersão de outros paradigmas que correspondam às exigências oriundas do
mundo atual.
A Pedagogia, por meio da organização curricular trazida por suas
Diretrizes Curriculares Nacionais, pode assumir uma posição interdisciplinar
27 Jornal da Psicologia (2005), Ano XV, Número 31, Jun/Jul/Ago, pp. 6-7. 28 Trabalhou na Escolinha de Arte do Brasil onde teve contato com alguns educadores, como Augusto Rodrigues, Maria Helena Novaes, Anísio Teixeira, e artistas eruditos e populares.
83
em seu método de formação, ultrapassando os limites de uma disciplina para
compreender determinado objeto de estudo.
Como é possível observar na proposta anteriormente citada pela
professora Isabel de Carvalho, sua intenção não se restringia a uma
transferência metodológica de investigação entre disciplinas para
compreensão de um fenômeno, mas ia a um além disso. Preocupara-se com a
importância dos processos inconscientes nas atividades escolares, os quais,
por meio de atividades livres, manifestam-se em lógicas que assumem sua
própria sintaxe, conforme o pensamento de Garcia-Roza (2005).
Não foi constatado em nossas pesquisas o exato período em que a
professora Isabel de Carvalho deixou de ministrar a disciplina “Inconsciente e
Educação” nos bancos escolares da FE/UnB. Sabe-se, porém, que depois de
algum tempo com esta lacuna no corpo de disciplinas oferecidas pelo curso de
pedagogia, a mesma teve sua oferta renovada em 2003 e permanece
compondo o status de uma das disciplinas optativas mais procuradas por
estudantes de pedagogia da UnB até os dias de hoje29.
Responsabilizando-se em manter a seriedade do enfoque
metapsicológico, vinculado a uma possível leitura daquilo que escapa à
educação, a professora Inês Maria30 assumiu um novo “desafio” no que se
refere à confecção da ementa e objetivos que subsidiam a nova proposta da
disciplina (vide em anexo a ementa utilizada atualmente), uma vez que,
29 Nos últimos semestres observados, foi possível estabelecer “uma média” em torno de 50 matrículas confirmadas na disciplina “Inconsciente e Educação” em cada semestre. Confirmo essa informação pelo fato de estar acompanhando-a desde que tive a oportunidade em ser sua aluna (2003), monitora (2004) e pesquisadora (2006/07). 30 Doutora em Psicologia pelo IP/UnB e autora da tese Re-significação do papel da Psicologia da Educação na formação continuada de professores de Ciências e Matemática, 2001.
84
reconhecendo seu lugar de educadora, saberia da impossibilidade em propor
qualquer prática analítica em sala de aula.
Em 1918, Freud questionou-se sobre o ensino da psicanálise nas
universidades: “deve a psicanálise ser ensinada na universidade?” (p. 188).
Neste texto, o próprio mostrou-se a favor do ensino da psicanálise no curso de
medicina, por meio de duas etapas: uma elementar a todos os estudantes de
medicina, onde se trataria detalhadamente das relações entre vida mental e
vida física, e a outra de aulas especializadas para psiquiatras.
Para além desse campo dos distúrbios psicológicos, Freud afirma,
também, a contribuição da psicanálise na solução de problemas da arte,
filosofia e religião. E no que se refere à psicanálise, o objetivo do ensino
universitário seria de que o estudante aprendesse “algo” sobre a psicanálise
[de cunho teórico] e que aprendesse “algo” a partir da psicanálise [enquanto
trabalho de tratamento] (1919 [1918] in MONTEIRO, 2005, grifo nosso). Como
disse Leandro de Lajonquière em uma Conferência proferida no VI Colóquio do
Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a
Infância (LEPSI), ocorrido na Universidade de São Paulo em novembro de 2006:
Relendo o “velho” Freud, O Ensino da Psicanálise na Universidade, pude constatar que o importante da transmissão da psicanálise é que se aprenda ALGO sobre ela. Algo? E o “resto”? Vem por acréscimo... Alguma coisa se mostra, se ensina, se passa nas entrelinhas... enfim, vai se “fagocitando”31.
Se Freud sublinhou a possibilidade supracitada, talvez na polêmica
“sobre o ensino da psicanálise” caiba uma diferenciação entre informação e
31 Fala transcrita assim como foi dita.
85
formação. Em se tratando da primeira, poder-se-ia questionar a possibilidade
de uma informação sobre a psicanálise na universidade, polêmica que leva em
consideração a sábia preocupação de Octave Mannoni de que “o ensino
enquanto informação não deveria causar certos efeitos particulares sobre os
discípulos, pois o ensino acadêmico [atrelado ao discurso cientificista] está
organizado para defender-se contra esses efeitos, o que poderia levar a uma
deformação da teoria psicanalítica...” (1982, p. 55-6). Já a segunda está
relacionada a formação de analistas, os quais devem passar por supervisões e
sessões de análise, e que não é o caso da formação de professores.
A formação de professores, atualmente, ainda se encontra envolta nos
limites dos saberes universitários e, de fato, conforme argumentação de
Monteiro (2005), se constitui num apanhado de discursos pretensamente
científicos, racionais, lineares, cujas leituras da realidade abrem possibilidades
de orientações para as práticas escolares e rejeitam a idéia do não saber. Isso
os conduz a uma crença de que há possibilidade de controle dos resultados, da
disciplina e do desenvolvimento.
O que a disciplina “Inconsciente e Educação” vem sugerir aos pedagogos
em formação é uma compreensão relativizada do que é pretensamente
idealizado, a priori, em matéria de educar, identificando-se com o discurso
psicanalítico (embora não esteja fazendo psicanálise!) o qual apregoa que o
não saber faz parte da relação do sujeito com o desejo.
Assim sendo, a disciplina “Inconsciente e Educação” procura transmitir
aos seus alunos a concepção psicanalítica de sujeito (dotado de desejo),
diferenciando-se da concepção pressuposta pela psicologia; busca argumentar
86
que a transmissão de conhecimentos ocorrente na prática pedagógica não
ocorre isoladamente da transmissão de “saberes”, chamando a atenção para o
fenômeno da transferência presente na relação professor-aluno; visa mostrar
que “uma” educação ocorre, segundo o aporte teórico da psicanálise, quando
o sujeito supõe a um outro o saber sobre seu desejo (sujeito suposto saber),
atribuindo, ao outro o poder de revelar-lhe aquilo que lhe falta; e, além de
outras coisas, sugere aos alunos uma reflexão em torno da afirmação
freudiana sobre a impossibilidade de educar (juntamente com as outras
profissões: governar e curar).
Portanto, conforme Monteiro (2005), a maneira psicanalítica de
compreender a educação está diretamente relacionada aos aspectos históricos
singulares da constituição subjetiva de cada um dos envolvidos no processo
ensinar-aprender, querendo dizer que o impacto proporcionado pelo ensino da
psicanálise, como qualquer outro, na formação do pedagogo, assume uma ou
outra configuração dependendo do sujeito para quem foi dirigido.
Nesse sentido, é possível pensar que a disciplina “Inconsciente e
Educação” interessa-se por aquilo que está entre as disciplinas, que atravessa
as diferentes disciplinas e está além de toda e qualquer disciplina,
identificando-se com uma postura transdisciplinar para compreender as
vicissitudes inerentes à educação.
De acordo com o Artigo 14 da Carta da Transdisciplinaridade, elaborada
por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu no Convento de Arrábida
(em Portugal, 1994),
87
o rigor, a abertura e a tolerância são características fundamentais da atitude e da visão transdisciplinar. O rigor na argumentação é a barreira às possíveis distorções. A abertura comporta a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível. A tolerância é o reconhecimento do direito às idéias e verdades contrárias às nossas32.
Sendo essas, portanto, características que podemos atribuir à disciplina
“Inconsciente e Educação” (o rigor de uma transmissão metapsicológica, a
abertura para o não saber e a tolerância para com outras verdades),
reafirmamos sua crença de que é impossível ensinar através de receitas e de
que é impossível prever os acontecimentos, pois como aprendemos com Freud:
não há controle do professor sobre aquilo que ensina, tampouco sobre o aluno
(MONTEIRO, 2005).
Conseqüentemente, nossas preocupações estão relacionadas justamente
com a “ilusão” de uma formação do professor permeada pelo discurso de que
é possível “contornar” àquilo que escapa ao seu controle por exemplo, uma─
dificuldade de aprendizagem de seu aluno se o mesmo estiver à par de─
receitas e métodos precisos e/ou se curvarem aos detentores de uma certa
cultura “psi”.
(...) a cena educativa é ocupada, cada vez mais, por aqueles que foram, no início, cogitados apenas como extras ou para-educativos. Como sabemos, esses especialistas, detentores de uma certa cultura ‘psi’, são, hoje, os que estão avaliando, prognosticando, justificando os insucessos educativos, roubando o papel do educador de outrora (LAJONQUIÈRE, 2002, p.161-162).
5.1 PARA ALÉM DA PSICOLOGIZAÇÃO DO ENSINO: E O EU COM O ISSO?
O sistema educacional, ao longo dos anos, passou por inúmeras
transformações, ajustes e rupturas de paradigmas. Dentre esses, cabe
destacar a verdadeira revolução pedagógica ocorrida com as experiências da
32 A Carta da Transdisciplinaridade encontra-se no site http://www.cetrans.futuro.usp.br
88
“Educação Nova” e da “Escola Ativa”, cujos pioneiros foram, entre outros,
Maria Montessori, Decroly, John Dewey e Freinet (VITAL DIDONET, s/d). Foi
graças a estes pedagogos que se criou pela primeira vez uma denominada
“Escola para a criança”, em vez de se ter a criança obrigada a adaptar-se a
uma escola feita por adultos. Esse passo incluiu, por um lado, amplas
transformações em nível dos métodos e das técnicas pedagógicas, mas por
outro, disseminou uma grande problematização em torno das conseqüências
inesperadas e/ou não planejadas que escapam à aplicação desses métodos no
campo das aprendizagens.
Por uma questão histórica e cultural, a nossa sociedade foi condicionada
a dominar as competências que lhe eram atribuídas no sentido de
desempenhar da melhor forma o seu papel, visando o reconhecimento e a
conquista do seu espaço. Para refletir mais sobre, basta abrir os livros de
História do Brasil e ler a respeito do processo de colonização em nosso
território, bem como nos anos conseguintes, em que os colonizados não
mediram esforços para a conquista de uma identidade própria de seu país,
culminando na idealizada independência do Brasil.
Podemos conjeturar que similar “espírito” de idealização preenche a
nossa sociedade também no campo educativo, o qual acredita que é possível
se estipular “o ideal de educação”. Por meio de planejamentos, é possível
organizar o trabalho a ser realizado. Porém, para muitos, se algo escapar pelo
caminho do ato educativo o mesmo pode deixar de corresponder à idealização
e configurar-se em um problema que necessita de reparo. Todavia, não há
89
garantias de que “tudo” o que foi planejado para o ato seja realizado de igual
forma.
A reflexão freudiana a respeito das três profissões impossíveis (governar,
curar e educar) trata da impossibilidade para o estabelecimento do ideal de
governo, cura e educação. No que diz respeito à última, isso pode levar a um
certo pessimismo em relação à finalidade da mesma. Entretanto, a
impossibilidade de que se trata diz respeito à falta de garantias, a priori, da
produção do conhecimento, como também do sentido e da qualidade do
mesmo (ALMEIDA, 2003).
Essa falta de garantias não provém de uma inadequada aquisição de
métodos ou técnicas pertinentes; muito menos da falta de um conjunto de
conhecimentos. Todavia essa condição humana, citada por Freud em suas
reflexões, não é reconhecida em muitas realidades educacionais,
particularmente as escolares, muitas das quais acreditam que podem seguir
algum modelo ou padrão instituído, pronto e acabado.
Dessa forma, os profissionais que compõem o cenário educativo-escolar
acabaram sentindo a necessidade de buscar respostas e soluções para o que,
de fato, escapava ao seu controle, sendo considerados problemas, dificuldades
ou distúrbios de aprendizagem, bem como o erro e o fracasso escolar, os
fantasmas que subvertem a ordem do que seria, no imaginário dos mesmos, o
processo ideal entre o ensino e a aprendizagem.
Com isso, o ponto de apoio até então encontrado pelos educadores para
as supostas soluções dos chamados problemas de aprendizagem ainda tem
sido na psicologia escolar. Assim como ela, algumas outras áreas inerentes à
90
mesma, como a cognitiva, a social, a do desenvolvimento, a da aprendizagem,
entre outras, têm como objeto principal o sujeito psicológico, isto é, o sujeito
da consciência, do eu, dos comportamentos (ALMEIDA, 1993, p. 21).
O processo de psicologização escolar acabou adquirindo dimensões
inusitadas dentro e fora das instituições educacionais. Muitas dessas, em
grande parte particulares, sentem-se onipotentes ao oferecerem como
merchandising uma equipe multidisciplinar especializada na prevenção e cura
para os chamados problemas de aprendizagem. Ainda assim, orgulham-se em
ostentar o título de que possuem “a melhor” orientação psicometodológica
responsável pela garantia de um bom aprendizado (LAJONQUIÈRE, 2002,
p.163).
Todavia, há algo que “escapa” até mesmo do controle e do cientificismo
(psico)pedagógico. Algo que não é palpável e muito menos atingível, que
transcende o ensino e a aprendizagem dentro e fora da sala de aula, recheado
de fantasias, desejos e marcas, extrapolando a ordem da consciência o
inconsciente. E, de acordo com uma reflexão feita por Lajonquière no VI
Colóquio do LEPSI (2006), o que é inconsciente? perguntariam os─
educadores. Responde o mesmo: é justamente aquilo que nos escapa [o
“isso”], e não cabe a nós controlar os “efeitos” dessa palavra33.
De acordo com o texto de Pontalis, ISSO em letras maiúsculas (1999),
Freud se surpreende, a partir de suas experiências com o trabalho de
psicanálise, com a inteligência inaudita do inconsciente, tanto por suas
astúcias e malícias quanto por suas produções. O que Freud descobrira acerca
33 Assim como foi dito; grifo nosso.
91
do inconsciente não foi sua existência essa já havia sido pressentida por─
Kant em 1798, mas sua lógica sui generis.
Conforme as próprias palavras de Pontalis,
Se o inconsciente é coisa em si, fora dos limites de nosso entendimento e de nossa intuição sensível, pelo menos podemos apreender suas ‘aparições’, os fenômenos, aquilo que dele emana. O inconsciente inteligente é aquele que emite signos que de direito, senão de fato, podemos entender, ler, interpretar (p. 9).
Entretanto, o autor expõe que, apesar do que foi citado anteriormente,
nos confrontamos (como o próprio Freud também o foi) a todo o momento com
o que chama de burrice do inconsciente (p. 9). Burrice essa que não significa o
antônimo de inteligência, mas um excesso, um exagero, reafirmando que:
A insondável burrice do inconsciente é aquilo que impede a inteligibilidade. A estranheza já não é apenas a de uma língua ou de uma terra. Vai mesmo além desta perturbação que se apodera de nós [...]. Eis-nos aqui frente a uma exigência sem medida, insaciável, que reclama o que lhe é devido, obstinadamente (idem).
Sendo assim, dizemos “isso” para aquilo que não sabemos mais nomear.
Mesmo quando, conforme as palavras de Pontalis, Freud diz o isso para tentar
inseri-lo em uma tópica, ainda que o próprio o qualifique enquanto “caos” e
lhe negue qualquer organização.
Em um processo educativo, muitas das vezes não é possível dar forma
nem figura a “isso” que se sente. As palavras que emergem para designá-lo
são afetadas por prefixo negativo: inominável, indescritível... “Tantas palavras
que exprimem a potência, assim negativa, do inconsciente” (PONTALIS, 1999,
92
p. 12). “Isso” está presente, portanto, tanto em professores quanto em alunos
como algo que escapa ao controle, causando dor e sofrimento ao devorar o
discurso da consciência. Por outro lado, “isso” é fonte do novo, da criação.
E para ilustrar a realização que supomos do o “eu” com o “isso”, faremos
uma breve analogia entre a prática marítima de Ulisses, de A Odisséia, e a
prática docente, tomando como referência a que Pontalis fez entre o primeiro e
um analista:
A inteligência de Ulisses, tal qual a de um professor, sua malícia, suas
astúcias e seus desvios, sua incansável curiosidade que o leva sempre para
outro lugar, sua arte inigualável no manejo das palavras, sua prudência
também frente à sedução encantadora das sereias (dos alunos), todas essas
qualidades perdem a eficácia quando se impõe a confrontação com o “isso”,
com o inconsciente que, tomando corpo e tomando o corpo, ganha em
intensidade e em mistério aquilo que perde em capacidade de intervenção e
de produção de enigmas, e que, deixando de ser inteligente, deixa de ser
inteligível.
Nesse sentido, é preciso que se compreenda a seguinte reflexão: por
mais que tentemos deter tudo aquilo que o discurso (psico)pedagógico
defende como conveniente na formação do professor, nosso ser estará sempre
colocado à prova do desconhecido, do “isso” que coloca em risco a inteireza de
uma postura consciente, demolindo aquilo que acreditamos, pelo menos por
algum tempo, termos como domínio em nossas mãos. E nós, educadores,
ainda não estamos “preparados” para lidar com o que escapa ao nosso
controle (e é possível um “preparo”?). Mas nunca é tarde para constituirmos
93
um outro olhar diante daquilo que escapa, tentando compreender que o não-
cogitado também pode fazer parte de todo um processo.
5.2 A TRANSMISSÃO DE UM SABER: O PAPEL DA PSICANÁLISE NA
FORMAÇÃO DO PEDAGOGO
...o trabalho da educação é algo sui generis: não deve ser confundido com a influência psicanalítica e não pode ser substituído por ela. A psicanálise pode ser convocada pela educação como meio auxiliar de lidar com uma criança, porém não constitui um substituto apropriado para a educação (FREUD – Prefácio à juventude desorientada de Aichhorn, Vol. XIX).
Em meio à concepção cristalizada da (trans)missão “do”, e não de “UM”,
saber, Freud inventa a psicanálise como um trabalho peculiar de se operar com
o saber e a verdade que habita cada um de nós, configurando-se, nesse
ínterim, como uma prática de escuta do discurso singular do sujeito feita pelo
analista. A emergência de sua invenção é oriunda da normatização
proporcionada pela Ciência Moderna, embora sua transmissão se dê,
essencialmente, pela suposição de saber. O que se verifica na psicanálise é
que a consciência, a razão e os sentidos deixam de ser pensados como
fiadores da verdade. E é aí que se esboça o corte maior com toda a história do
pensamento operada por Freud.
A verdade não está dada de antemão, ela não se dá a conhecer por si mesma, exigindo a produção de um saber que possa semi-dizê-la. Para tal, é necessária a experiência com um outro
94
a quem se supõe um saber. Tal é a aposta freudiana (PENNA, 2003, p. 41).
E a aposta freudiana rompeu as barreiras da clínica. Demonstrou
interesses por outros contextos: educação, sociedade, política, religião, arte;
capturando alguns sujeitos desejosos por um discurso que não o cartesiano.
Contudo, chega à Universidade em 1885 e se depara com algumas
vicissitudes, fazendo Freud afirmar em Conferências Introdutórias sobre a
Psicanálise (1915), que toda tendência da educação prévia e todos os hábitos
de pensamento determinam uma natural oposição à psicanálise, tendências e
hábitos que devem ser superados quando se quer aprender psicanálise.
Adverte os interessados, ainda, que somente através da exposição
metapsicológica vinculada ao ensino universitário é impossível que os mesmos
se tornem analistas.
E quando a intenção não é a de se tornar um analista, a priori? E quando
o ensino da teoria psicanalítica em um curso de formação superior destina-se a
“clarear” concepções de vida e formação anteriormente não pensadas? E se
esse ensino fizer sentido? Já dizia Lacan que a psicanálise não é mais do que
uma variante do discurso, entre os quatro possíveis: o do mestre, da histérica,
da universidade e do analista. Ela é um patrimônio do discurso social e não
mais propriedade particular de certo ofício ou profissão (Cf. JERUSALINSKY,
1999, p. 8).
5.2.1 Contradições e Desafios
95
Para o educador, ao ter seu trabalho tensionado a partir de um ideal pedagógico, é freqüente que o tome no lugar da impotência, ora sua, ora do Estado, ora dos pais dos alunos [...]. Daí ser mais ou menos inevitável que ao transitar por esta ordem discursiva a psicanálise seja demandada como um Freud explica! [...] Mas o mais característico da transmissão da psicanálise da melhor se inscreveria sob o mote do Freud implica! (RINALDO VOLTOLINI, 2001).
Não há como negar que psicanálise e educação são opostos que se
atraem. A primeira se interessa por aquilo que escapa à consciência da
segunda, seus atos falhos, chistes, lapsos. A segunda bebe na fonte da
primeira com o desejo de saber mais sobre aquilo que lhe escapa
insuportavelmente: o não-saber. Contudo, ambas tornam-se face da mesma
moeda quando a intenção é um olhar para o humano − no campo das
aprendizagens, pelo viés da educação; para o sujeito do inconsciente, pelo da
psicanálise.
O caráter “subversivo” da psicanálise, como bem aponta Filloux (1999),
opõe-se ao caráter adaptativo da educação, da pedagogia. Se retomarmos a
evolução histórica do saber pedagógico, fundamentada em Voltolini (2001),
podemos verificar que as idéias que se sucederam na composição das práticas
pedagógicas não mantiveram uma relação lógica de sucessão. Algo persistiu
em todas essas viradas e permanece vigente em todas as idéias que
marcaram época, impondo como premissa dessas práticas a promoção e a
sustentação de uma imagem ideal de homem e de educação (VOLTOLINI,
idem, p. 03, grifo nosso). E é a presença constante do dever-ser que o sujeito-
96
professor, bem como o sujeito-aluno, encontram em cenário educativo a marca
distintiva de seu discurso idealizado.
O pedagogo em formação está quase sempre imerso neste discurso –
seja pelo princípio, nos bancos escolares da infância; seja nos bancos
universitários, onde sua infância o levou – e não é de se estranhar que a
transmissão da psicanálise no ensino superior encontre o destino de qualquer
outra teoria que por aí passe: o da sustentação de uma imagem ideal de
homem (Idem, ibidem, p. 04). Aí reside o ponto principal de resistência ao
discurso analítico, uma vez que neste não há espaço de convivência pacífica
com a sustentação de ideal de homem.
Mas, e o pedagogo? O que estaria ele buscando ao se matricular em
uma disciplina de cunho metapsicológico? A priori muitos pensariam em mais
uma teorização pedagógica capaz de suportar sua angústia. Isto, de fato, não
é o propósito da psicanálise. Se assim o fosse estaríamos reduzindo todo o seu
legado à problemática do Freud explica!
Mas... e se o que foi ensinado ao aluno neste curso deixou como resto
um “algo” a mais do que fundamentos teórico-conceituais básicos; um saber
de efeito instigante, uma produção de sentido? Podemos arriscar que neste
caso ocorreu sim uma transmissão. Mas não uma transmissão psicanalítica que
requer a experiência em análise, supervisão e estudo da teoria do
inconsciente, como bem posto pelo próprio Freud em seu texto Sobre o ensino
da psicanálise nas universidades (1919). E sim uma transmissão de saber,
inerente ao ato de educar. Nesse ínterim, Voltolini (2001) nos alerta para o fato
de que nesta perspectiva de ensino corre-se o “risco” de que nada da
97
psicanálise seja transmitido, já que os conceitos analíticos estão
intrinsecamente ligados ao campo da experiência analítica e que quando
transportados para outro campo já não dizem mais a mesma coisa. Almeida
(2006) complementa afirmando que seu conteúdo, normalmente restrito aos
fundamentos teórico-conceituais básicos, poderá ser ensinado com maior ou
menor rigor conforme o grau de conhecimento e de exigência do professor
responsável pela mestria.
Claramente essa é uma preocupação válida, e mais que tudo ética, de
estudiosos que investem na interface psicanálise-educação. Porém não há
como deixar de lembrar que “educar é correr riscos” – dada a falta de
garantias para o sucesso de sua produção. Além do mais, é apostar em algo
que faz sentido para si – uma vez que a subjetividade do sujeito-professor faz
parte de todo processo educativo. Para assim poder e-ducere (latim de educar)
o outro, ou seja, conduzir o sujeito para fora de alguma coisa, que é da ordem
da alienação de si mesmo, para descobrir-se na sua verdade (FILLOUX, 1999,
p. 28).
Retomando a questão acima, de ordem complexa, e acreditando que não
cessaremos aqui toda sua efervescência, Almeida (2006) demonstra certa
preocupação (na sua condição de analista e educadora) ao distinguir ensino e
transmissão da psicanálise destinada à formação de educadores, ou seja,
àqueles que de antemão não pretendem se tornar analistas. Afirma que
estabelecer a distinção entre transmissão e ensino significa demarcar a
diferença radical entre a formação do analista, cujo dispositivo coloca em ato a
transmissão da psicanálise stricto sensu e a formação de educadores, mesmo
98
que esses se deixem afetar, transferencialmente, pela transmissão da
psicanálise em extensão34, na sua dimensão de ensino, em cursos de
formação, especialização ou outros. Ratifica, ainda, que esse detalhe marca
uma diferença entre o “saber psicanalítico e os outros saberes, uma vez que
designa a posição de quem transmite ou ensina; o lugar do outro, a quem se
dirige a fala; e o produto, enquanto resto” (p. 16).
A transmissão falada por Freud e outros autores psicanalistas remete a
uma concepção psicanalítica da transmissão como ato (a qual
necessariamente produz efeitos, implicando uma mudança, conforme
Monteiro, 2005). Nesse sentido, mesmo que a transmissão acadêmica da
psicanálise pretenda certo controle e prevenção de seus efeitos, perece essa
uma tarefa de difícil realização, quiçá, “totalmente contrária ao próprio
fundamento da teoria psicanalítica” (Idem, p. 123).
Segundo essa mesma autora, a necessidade de análise pessoal na
transmissão da psicanálise vincula-se ao fato de que sua compreensão está
necessariamente condicionada ao acesso ao inconsciente pelo aprendiz,
denominado por Freud pelo termo insight. Deparamos-nos, aí, com o paradoxo
da transmissão da psicanálise a educadores, conforme aponta Voltolini (2001):
“se a transmissão da psicanálise não pode se dar só pelo ensino conceitual
sem uma experiência com o inconsciente, como falar em transmissão da
34 Almeida utiliza o termo psicanálise em extensão, pré-seguido pelo conceito transmissão, por homologia estrutural e discursiva com a psicanálise stricu sensu, em intensão – neologismo lacaniano que enfatiza a dimensão de tensão permanente e inesgotável do inconsciente – na medida em que um analista ensina, pela transmissão de um estilo, a teoria psicanalítica e suas aplicações nos mais diversos campos (clínico, institucional, social...), além de suas conexões com outros saberes e conhecimentos. Afirma que essa é uma posição adotada pelo Programa de Pós-Graduação em Psicanálise, do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
99
psicanálise a sujeitos que não pretendem ser analistas e que na maioria das
vezes não passam por uma análise pessoal”? Parece-nos um tanto
contraditório propor (ou impor?) que os educadores sejam submetidos à
análise pessoal como fim para a ocorrência da “verdadeira” transmissão.
Por outro lado, não há como negar que a experiência analítica do
professor poderá proporcionar uma re-significação de sua angústia,
relativizando o mal-estar na educação e abrindo janelas para que algo de
novo, criativo, singular e até prazeroso, possa emergir no campo das relações
e das práticas educativas. Mas essa iniciativa tem que ser tomada de modo
particular, subjetivo, privilegiada pela relação transferencial de quem está
transmitindo um saber. Nesse mote, ressaltamos a indagação de Sandra
Almeida feita no artigo Transmissão da psicanálise a educadores: do ideal
pedagógico ao real da (trans)missão educativa (2006) se um dos destinos da
transmissão da psicanálise a educadores, privilegiados por uma relação
transferencial, seria suscitar a demanda de análise naquele que se interessa
pela educação de crianças, ratificando o sonho sonhado de Freud. A produção
desse efeito, assim como de outros, não há como prever, como bem coloca
Inês Almeida (2006):
Porventura no ato educativo, além da transmissão de conhecimentos metodologicamente propostos, não ocorre uma transmissão outra que escapa ao controle e alcança professor e aluno, de uma outra ordem, da ordem do sujeito do inconsciente? (p. 04).
E complementa afirmando que um espaço de transmissão não pode ser
controlado, mensurado e muito menos metodologicamente (re)produzido em
100
função da singularidade dos sujeitos, de sua condição existencial. Assim, cabe
na formação dos educadores o entendimento de que toda atividade humana,
em especial no cenário pedagógico, está respaldada pelo inconsciente, não
havendo, porém, como prever a repercussão de seu ensino atravessado por
um saber.
A intenção, portanto, não é a de entregar aos pedagogos um
comprimido35 de metapsicologia capaz de reduzir todo o legado deixado por
Freud a um mero Freud explica!. E mesmo estando neste estado reducionista,
as pessoas percebem que há na mensagem freudiana, transformada em
pílulas, algo de precioso, mesmo que de forma alienada/alienante. Trata-se,
pois, de sua própria alienação (LACAN, 2006, p. 115). É aí que Freud implica!
CAPÍTULO 6
PRESSUPOSTOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
Há os pianos. Há a música. Ambos são absolutamente reais.Ambos são absolutamente diferentes.
Os pianos moram no mundo das quantidades.Deles se diz: “Como são bem-feitos!”
A música mora no mundo das qualidades.Dela se diz: “Como é bela!”
(RUBEM ALVES)
35 Termo utilizado por Lacan em 1967 numa de suas conferências intitulada de “Lugar, origem e fim do meu ensino”, proferida em Lyon, para fazer uma analogia à ameaça reducionista que enfrentava (e enfrenta) a psicanálise. Diz ele, perante o público: “Não se sabe o que essa psicanálise se tornará. Quanto a mim, almejo que se torne alguma coisa, mas não é certo que tome esse caminho” (Conferência publicada no livro LACAN, J. (2006). Meu Ensino. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.).
101
6.1 COMO UMA PARTITURA: ABORDAGEM QUALITATIVA
Iniciar a dinâmica das idéias tendo como mote uma profunda reflexão do
filósofo e psicanalista Rubem Alves acerca da qualidade do pensar, do fazer,
do agir e do investigar é privilégio de quem não pretende edificar um
conhecimento tendo, em suas bases, estruturas mensuráveis, manipuláveis
e/ou objetáveis. A questão neste trabalho não é medir forças e nem exaltar a
supremacia epistemológica mais crédula pelo discurso científico, mas sim
valorizar a espinha dorsal do tema em questão, isto é, a singularidade do eixo
que sustenta o problema levantado a partir de observações reais oriundas do
cenário educativo: as vicissitudes36 que acometem a constituição da
identidade do professor37.
A proposta de uma orientação epistemológica qualitativa, dentro deste
eixo, converge-se, principalmente, pela natureza singular do problema que
está sendo investigado (qual o impacto da disciplina “Inconsciente e
Educação” na formação do pedagogo?), requerendo, sobremaneira, a ênfase
no processo investigativo; o acompanhamento junto aos sujeitos de pesquisa
durante a disciplina (da entrada à saída); a participação ativa dos mesmos
durante todo o processo; a implicação subjetiva do pesquisador para
compreender “quê” efeitos esse impacto pode causar no pedagogo em
formação; a flexibilidade para construir e reconstruir dispositivos de coleta de
36 Termo bastante utilizado ao longo dos textos de Leandro de Lajonquière para designar os “impasses” que escapam a uma previsibilidade e que são inerentes à realidade educativa. Ver mais em De Piaget a Freud – para repensar as aprendizagens (1993) e em Infância e ilusão (psico)pedagógica (2002).37 Eixo de pesquisa do mestrado em educação no qual estou inserida.
102
dados de acordo com a dinâmica da investigação; e, a principal delas,
particularmente, a idéia de se conquistar uma verdade não absoluta, mas
incompleta, inspiradora de novas vias, para que o processo de construção do
conhecimento continue com essa característica tão peculiar responsável pelo
“apaixonamento” de muitos pesquisadores por uma teoria específica: sua
natureza processual e infinita; a contínua abertura para o devir (SAFRA, 2001).
Dentro desta perspectiva, poderíamos citar alguns renomados
epistemólogos qualitativos responsáveis por teorias singulares. Entretanto, nos
ateremos à pertinência teórica freudiana e ao rigor (e não rigidez!)
estabelecido pelo “pai” da psicanálise durante todo o processo de construção
do conhecimento, no qual ele próprio encontrava-se profundamente implicado.
Ouvimos muitas vezes a opinião de que uma ciência deve se edificar sobre conceitos básicos claros e precisamente definidos, mas, na realidade, nenhuma ciência, nem mesmo a mais exata, começa com tais edificações. O verdadeiro início da atividade científica consiste muito mais na descrição de fenômenos que são em seguida agrupados, ordenados e correlacionados entre si. Além disso, é inevitável que, já ao descrever o material, apliquemos sobre ele algumas idéias abstratas obtidas não só a partir das novas experiências, mas também oriundas de outras fontes. Tais idéias iniciais – os futuros conceitos básicos da ciência – se tornam ainda mais indispensáveis quando mais tarde se trabalha sobre os dados observados. [...] Entretanto, é preciso que não tenham sido escolhidas arbitrariamente, e sim determinadas pelas relações significativas que mantêm com o material empírico.
(FREUD, 1915, apud HANNS, 2004, p.145)
Conforme a sustentação freudiana destinada às idéias iniciais e suas
relações significativas com o material empírico, além do sentido para abordar
a realidade singular que está sendo estudada, optou-se pela compreensão
qualitativa do problema em questão à luz do aporte teórico da psicanálise
103
(mais particularmente metapsicologia, conforme Celes, 2000). Não nos cabe,
neste caso, “desenvolver uma metodologia psicanalítica de investigação” com
a finalidade de analisar os sujeitos participantes da pesquisa. Não é desse
território que estamos falando! A idéia é investir no campo teórico psicanalítico
como uma forma de manter um diálogo entre, através e além do processo de
formação pedagógica, isto é, conservando sua natureza transdisciplinar.
A proposta de um estudo de caso pode ser fundamentada, sem maiores
pretensões, nos próprios processos de tematizações realizados por Freud em
estudos singulares com pacientes neuróticos (as). Apesar disso, nossa
proposta em nada se assemelha à finalidade analítica das investigações
freudianas. Apenas respalda-se na preocupação desse psicanalista em dar
profundidade aos casos, tentando esmiuçar cada experiência vivida,
respeitando suas singularidades e apropriando-se de um estilo para discutir
teoricamente fatos observados.
Para exemplificar a idéia freudiana acerca de estudo de caso, podemos
citar “Estudos sobre a Histeria – Caso Anna O. (1895)”; “Fragmento da Análise
de um Caso de Histeria – Caso Dora (1905)”; “Histórias de uma Neurose
Infantil – O homem dos lobos (1918)”; dentre tantos outros “imortalizados”, os
quais apresentavam o estilo mimético de sua narrativa de acordo com os fatos
observados em análise, além de toda a complexidade desenrolada nesta.
Nesse sentido, a proposta dessa pesquisa aponta para a delimitação do
caso a ser estudado (os cursistas da disciplina Inconsciente e Educação),
refletindo sobre seus contornos no decorrer da própria investigação. O
interesse, portanto, incide naquilo que este caso tem de único, de particular,
104
mesmo que posteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanças com
outras situações. [...] O caráter qualitativo destinado esse tipo de estudo
focaliza a realidade complexa e contextualizada [vivida pelos sujeitos-
graduandos na disciplina] (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p.17-18).
De acordo com o psicanalista Gilberto Safra (2001), o fato de uma
investigação não utilizar-se de uma metodologia tradicional, caracterizada pela
dicotomia sujeito-objeto e controle de variáveis, não a torna menos rigorosa se
for considerada a fidelidade aos princípios epistemológicos que norteiam a
prática de investigação, neste caso, atravessada pela psicanálise.
Os trabalhos produzidos a partir desses princípios, surgem como textos que se articulam em um determinado estilo, característico de seu autor. É interessante encontrarmos trabalhos feitos dessa maneira em que a própria forma do texto é fiel ao estilo e ao tema tratado no trabalho. São trabalhos que possuem uma coerência interna e uma organicidade que apontam o rigor de seus autores (SAFRA, 2001, p.3).
Os argumentos expostos até então não pressupõem a “reinvenção da
roda” em matéria de investigação no campo educativo, muito menos que se
tornem modelos a serem exatamente seguidos em realidades distintas. Por
outro lado, a questão da vulnerabilidade que acompanha o pesquisador
durante o processo de investigação qualitativa deve ser levada de um modo
responsável, sendo refletida constantemente por esse que conduz a pesquisa,
para que não tendencie suas compreensões visando ao atendimento imediato
das principais indagações.
105
6.2 SUJEITOS PARTICIPANTES: OS MÚSICOS DA MINHA ORQUESTRA
Quem és tu, que ressoa a melodia ora encantadora, ora perfurante, ludibriando meus sentidos a ponto de
querer-me fazer conhecer-te, para também conhecer-me? Quem és tu, que confiou-me saber por onde andas, o
que fazes, a quem amas, a ponto de dar voz ao desconhecido em ti, em mim, em nós?
Digo-te, do modo modesto de um aprendiz, és àquele por quem me interesso, músico da minha orquestra!
(Nastassja Silva Néto, 2006)
Esta foi uma forma bastante singela de homenagear os sujeitos que se
voluntariaram a participar deste projeto de pesquisa. Para tanto, os mesmos
tiveram que se corresponder a alguns critérios pensados, a priori, em
decorrência de uma característica peculiar exigida pelo estudo de caso:
profundidade na investigação. Nesse sentido, não seria possível aprofundar as
reflexões acerca do propósito da pesquisa caso todos os cursistas da disciplina
Inconsciente e Educação (atualmente 54 graduandos) se disponibilizassem a
realizar tal feito.
Portanto, alguns critérios citados abaixo, em comum acordo com a
orientadora, tornaram-se elementos indispensáveis para a composição do
grupo de participantes desta investigação:
Consentimento voluntário de participação;
Disponibilidade de tempo para atuar em atividades coordenadas
pela pesquisadora;
Formação pedagógica visando o exercício da docência;
Interesse pelo aporte teórico da psicanálise.
106
Dentro dessa perspectiva, podemos destacar a participação direta de 5
(cinco) sujeitos-graduandos que estiveram de acordo com os critérios
solicitados. Todavia, não pudemos ignorar a participação indireta dos demais
sujeitos presentes em sala de aula e suas colaborações, valendo ressaltar que
as mesmas foram compreendidas a níveis ilustrativos, podendo, futuramente,
ganhar maiores dimensões.
Em se pensando no foco da pesquisa, o qual nos destina à complexidade
de compreender os “efeitos” pessoais/profissionais da disciplina Inconsciente e
Educação na formação do pedagogo, faz-se necessária, também, a
participação de alguns alunos egressos da mesma.
Inserindo-os, portanto, nos mesmos critérios de escolha que os
ingressos, uma vez que já fizeram parte daquela, podemos destacar a
participação de 3 (três) sujeitos em acordo com tais critérios, sendo 2 (dois)
graduados em pedagogia, e 1 (um) em processo de formação. Caso fosse
necessário, ao longo da investigação, o número de sujeitos participantes
poderia ter sido repensado.
Por questão do estabelecimento de um compromisso com os mesmos,
suas identidades serão guardadas em sigilo, como consta nos termos de
“compromisso” e “responsabilidade” assinados por eles e por mim,
respectivamente, e que vêm representados por um exemplar em anexo (p.
76).
6.3 ESTRATÉGIAS DE LEVANTAMENTO DE DADOS E A BATUTA DO
MAESTRO
107
Nesta etapa do projeto, a organização das estratégias de levantamento
dos dados fez-se tão necessária quanto a apropriação da “batuta”, pelo
maestro, em prol da condução orquestral. Há uma grande preocupação em
situar o leitor, do modo mais claro possível, a respeito da especificidade de
cada uma dessas, a fim de que, ao longo do trabalho, se tornem
compreensíveis.
É importante salientar que o destino de cada uma não ocorreu, de igual
forma, ao grupo de ingressos e egressos, visto que os mesmos vivenciaram
realidades/contextos distintos. Dessa feita, é possível observar abaixo a idéia
de tais meios em correspondência aos seus objetivos:
Questionário semi-aberto inicial (sujeitos egressos) – identificar
aspectos considerados relevantes (ou não) na formação do sujeito
enquanto pedagogo, a partir de esclarecimentos proporcionados pelo
aporte psicanalítico (APÊNDICE A);
Memória educativa (sujeitos ingressos e egressos) – principal
dispositivo da pesquisa a ser elaborado pelos próprios participantes.
Não há um modelo padronizado em que os mesmos devam sustentar
suas enunciações, apenas orientações que podem ser tomadas como
sugestões para que as mesmas possam vir a ocorrer. Por meio de sua
leitura, buscou-se compreender traços da “verdade histórica” que
constitui cada sujeito participante (APÊNDICE B);
Entrevista semi-estruturada (sujeitos ingressos e egressos) – buscar,
junto aos participantes, a elucidação de aspectos implícitos e não-
108
diretivos levantados por meio de estratégias (e dispositivo) anteriores,
além de aprofundar pontos relevantes aplacados superficialmente
pelos mesmos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Vale ressaltar que a mesma está
respaldada na realidade singular de cada sujeito entrevistado;
Atividades avaliativas da disciplina (sujeitos ingressos) – avaliação
diagnóstica e avaliação final. A primeira consistiu em levantar quais as
perspectivas sobre a disciplina que traziam os sujeitos ingressos. A
segunda, em evidenciar se houve aspectos significativos que puderam
contribuir com a formação do educador (APÊNDICE C)38.
6.4 PROCEDIMENTO DA INVESTIGAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DO
CONCERTO
Chega o momento de apresentar a organização do concerto para
sinfonia! Como foi feito? A responsabilidade de conduzi-lo aumenta na medida
em que o maestro se depara com a realidade vivida por seus músicos; por
cada músico. A imprevisibilidade do acontecimento, quer seja o esperado ou o
surpreendido, não justifica o compromisso que o maestro deve ter ao planejar
sua regência. Analogicamente, em relação ao do pesquisador também não!
O planejamento de como ocorreram todas as inserções do pesquisador
em campo é bastante válido se esse não o obtiver enquanto um procedimento
rígido e inflexível, inacessível a possíveis imprevistos. Isto nos faz lembrar a
38 Inicialmente, não foi programada a inserção desses instrumentos para a coleta de dados. Entretanto, ao longo das análises, percebeu-se a importância em priorizá-los, uma vez que suas respostas se configuram como uma das possibilidades mais significativas para o objeto dessa pesquisa.
109
afirmativa freudiana a respeito da impossibilidade das três profissões
(governar, curar, educar), argumentada por Lajonquière em Infância e Ilusão
(Psico)Pedagógica (2002). Refletindo a partir dessa argumentação, explicitar o
procedimento de uma investigação, a priori, não garantirá que a produção do
acontecimento ocorrerá de modo satisfatório e repleto de sentido. Entretanto,
não exime a responsabilidade do pesquisador em ter uma orientação, por meio
de um planejamento, e fazer suas apostas.
Fundamentada nisso, inseri-me na disciplina Inconsciente e Educação no
dia 1º de Setembro de 2006 com o consentimento da minha orientadora, a
qual me apresentou à turma como mestranda e pesquisadora interessada em
acompanhar as experiências vividas por alguns estudantes desde a entrada à
saída da disciplina. Explicitei-lhes, superficialmente, o objetivo que me faria
presente ali naquele momento. A partir de então, passei a observar in loco a
apresentação dos alunos e suas colocações.
A inserção na disciplina enquanto pesquisadora me permitiu, a cada
aula, prestar uma atenção mais cuidadosa em relação à realidade enfrentada
pelo grupo; suas apreensões enquanto educadores que estão sendo
apresentados ao aporte psicanalítico; as vicissitudes enfrentadas em sala de
aula, em suas práticas; as dúvidas oriundas de um não saber e os debates
originados por meio de diversos dimensões: formação, sociedade, cultura.
Como meio auxiliar, além das anotações realizadas em um diário
específico, foi utilizado um gravador para registrar falas e/ou diálogos
possivelmente interessantes e que não puderam ser capturados nas
anotações. Vale ressaltar que as gravações foram submetidas a uma “escuta
110
sensível” todas as vezes que as notas tomadas em campo tiveram uma
conotação nebulosa e/ou contraditória.
Nos planejamentos iniciais acerca do primeiro dia de reunião entre
pesquisadora – pesquisados (sujeitos ingressos), realizamos o que havia
chamado de roda de debates inicial (22/09/2006)39. O principal objetivo
dessa foi discutir, primeiramente, a respeito de como eles se sentiam naquele
exato momento da formação, a matrícula na disciplina Inconsciente e
Educação e suas aspirações futuras, bem como apresentar a proposta da
pesquisa a ser realizada com a colaboração dos mesmos.
Assim também foi feito com os sujeitos egressos da disciplina. Ao marcar
uma reunião para a roda de debates inicial (7/10/2006), foi possível
perceber uma generosa colaboração por parte dos 3 (três) participantes, que
se licenciaram de seus outros compromissos para estar presentes no primeiro
encontro. Após discutir, brevemente, sobre a passagem deles pela disciplina e
a apresentação da proposta de pesquisa, os mesmos responderam a um
questionário semi-aberto produzido de acordo com a condição de sujeitos
egressos.
Desde o princípio dos encontros com os grupos de sujeitos, foi-lhes
solicitada a elaboração do principal dispositivo desta pesquisa, o qual seria
submetido, posteriormente, a uma análise de conteúdo [da enunciação]40: a
memória educativa.
Após o contato com esse material, foram realizadas leituras iniciais com
o objetivo de organizar alguns “traços” que provocaram curiosidades e/ou
39 Vide objetivos das estratégias no item 6.3 deste capítulo.40 Essa característica de análise terá uma melhor explicitação no próximo item.
111
deixaram dúvidas/lacunas para uma compreensão dita “fiel” dos fenômenos
ocorridos na experiência educativa dos sujeitos. Portanto, retomamos de modo
individual as questões mencionadas acima com a estratégia de entrevistas
semi-estruturadas, buscando atender a disponibilidade de tempo de cada
sujeito-participante, manter preservada sua intimidade e respeitar o seu
“momento” pessoal.
Dessa forma, houve uma sistematização elaborada, a priori, a partir de
alguns dados resgatados no conteúdo, principalmente, das memórias.
Entretanto, outras indagações surgiram em decorrência de uma “escuta
sensível” voltada para a fala do entrevistado, conforme nos inspira Barbier em
A Pesquisa-ação, cujo processo demandou uma sensibilidade à escuta, de
modo paciente e atencioso, visando resgatar e retornar às falas passadas
muitas vezes despercebidas pelos sujeitos entrevistados (in FAZENDA, 2005).
Ainda assim, tentamos manter uma “atenção flutuante” em nosso processo
interativo, não com o intuito de estabelecer uma relação psicanalítica, mas
com o cuidado que se deve ter ao observar diversas ações, gestos e
expressões que também fazem parte do corpo das informações e que não
devem estar isentos ao olhar do pesquisador.
Assim,
o entrevistador precisa estar atento não apenas ao roteiro preestabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação. Há toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não-verbais, hesitações, alterações de ritmo, enfim, toda uma comunicação não verbal cuja captação é muito importante para a compreensão e validação do que foi efetivamente dito (THIOLLENT, in LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 36).
112
Quando se trata da atuação de um educador nesta situação, há que se
tomar um cuidado redobrado para que, respaldando-se na “atenção flutuante”,
o mesmo não seja seduzido pela realização de uma “análise selvagem” ou
uma “interpretação leiga”. O educador deve reconhecer que fala de um
determinado lugar, e é a partir desse que construirá toda uma lógica de
pensamentos.
Por fim, realizamos um feedback com ambos os grupos de participantes
por meio do que chamamos de roda de debates final. Procuramos,
primeiramente, agradecer-lhes profundamente pela participação na pesquisa e
saber um pouco a respeito de como foi a experiência de cada um em ter sido
voluntário a colaborar para o processo de construção de um conhecimento. Em
segundo lugar, consideramos extremamente importante dar um retorno aos
mesmos sobre o percurso em que os dados foram levantados (com algumas
vicissitudes inerentes ao processo), a importância dos mesmos para as
reflexões que estarão em andamento e, minimamente, como eles serão
tratados.
A título de esclarecimento ao leitor, nossa permanência em campo (em
torno de quatro meses) está vinculada à natureza singular do problema que
está sendo estudado conquanto seu objetivo, na tentativa de afastar qualquer
espécie de aligeiramento conclusivo que possa comprometer a legitimidade da
pesquisa.
6.5 ANÁLISE DO CONTEÚDO [DA ENUNCIAÇÃO]: QUE RUFLEM OS
TAMBORES
113
Em direção a um trabalho de análise, pensamos que a intensa
participação do pesquisador no contexto investigativo, bem como o
investimento teórico e prático a que se submete, não lhe isenta de uma
postura subjetiva diante das informações obtidas. Não há como o pesquisador
afirmar sua inteira “neutralidade” em uma investigação mencionada
qualitativa, principalmente em se tratando de relações humanas.
Nossa proposta de análise consistiu em conceber as informações reunidas
como um processo interligado em várias formas de comunicação: escrita, fala,
desenho, gestos. Dessa forma, nos apoiamos na concepção da comunicação
como processo e não como dado (BARDIN, 2004, p. 169).
Constantemente citado na obra de Bardin, D’Unrug (1974) apresenta uma
proposta assente com a concepção acima, atribuindo-lhe vantagem por ser
acessível, sem a necessidade de formação específica em psicanálise ou
lingüística: a análise da enunciação. Enunciação vem do latim enuntiatione,
significando ato ou efeito de expressar-se, declarar-se, manifestar-se
(Dicionário Aurélio, século XXI). No caso desta pesquisa, chamamos nossa
“técnica” de análise do conteúdo [da enunciação], por estar investida dos
pensamentos eloqüentes de D’Unrug em relação à importância do trabalho
que é feito ao se produzir a palavra, a qual não é elaborada por si só, mas
acompanhada de uma carga de sentido e/ou transformações. Reiteramos o
mesmo com a idéia de que a escrita também passa pelo processo similar de
produção da fala: ela é expressa ou manifesta trazendo não somente um
código lingüístico formal, suscetível a decodificações, mas também investida
114
de uma carga de sentido que não pode ser passada despercebida por esse
processo de análise.
Conforme a autora, a análise da enunciação concebe o discurso como
sendo uma palavra em ato. Portanto, o discurso não é um produto acabado, e
sim um ato que ocorre em um momento de elaboração, comportando
contradições e incoerências. Isto é particularmente evidente nas entrevistas,
em que a produção é ao mesmo tempo espontânea e constrangida pela
situação (p. 170).
Observe-se a situação abaixo:
Na minha infância cada professora me marcou de maneira diferente. Eu gostava de
todas, mas ficava muito triste quando era chamada atenção... [pausa]... Porque era um
sentimento de decepção, né? Eu gostava da professora e queria um reconhecimento... Aí
quando você vê que não alcançou isso e que entristeceu a professora, atrapalhou a aula... Daí
geralmente a professora vem com uma ‘chantagenzinha’, né?... [sorri]... “Puxa, eu confiei em
você, pedi pra você ficar quieto”... [representa a fala da professora]... Aí isso pra mim é uma
decepção, é uma frustração... [pensativa]... Comigo mesma, né? Eu é quem tô errada.
(Trecho transcrito de entrevista realizada com um sujeito-participante da
pesquisa, assim como foi dito).
D’Unrug enriquece nossas idéias ao afirmar que em qualquer forma de
comunicação, e não apenas na prática psicanalítica ou na entrevista, um
“triângulo” estrutura a produção do acontecimento com três pólos
unificadores: o locutor, seu objeto de discurso (ou de referência), e um terceiro
(p. 170). Portanto o locutor exprime, com toda ambivalência, os seus conflitos
de base, a incoerência do seu inconsciente. Contudo, na presença de um
terceiro, sua fala busca “respeitar” ao máximo a exigência da lógica da
115
socialização (cf. D’Unrug). Porém há algo que escapa a esse domínio, deixando
lacunas que poderão fornecer ao analista elementos assegurados em
fundamentos teóricos que o permitam re-significar investimentos, atitudes e
representações, como é o caso do fundamento na teoria psicanalítica.
Desse modo, o discurso é, por um lado, uma atualização parcial de
processos na sua grande parte inconscientes, e por outro, a estruturação e as
transformações provocadas pela passagem pelo “fluxo” da linguagem e pelo
“outro” (D’UNRUG, citado por BARDIN, 2004, p. 170-1). Lacan e a Psicanálise
participam dessa idéia na concepção de um discurso em que a manifestação
formal esconde e estrutura a emergência de conflitos latentes (Idem, ibidem).
O interesse, portanto, pelos jogos de palavras, pelos lapsos e pelos silêncios
como indicadores privilegiados desta pesquisa, provém diretamente das
intuições de Freud em seus estudos subsidiados em casos clínicos.
[...] De modo análogo ao que ocorre com os sintomas neuróticos, também em indivíduos saudáveis encontramos com freqüência determinados distúrbios funcionais, como, por exemplo, o ‘lapsus linguae’, os erros de memória e fala, o esquecimento de nomes, etc., e, como se pode facilmente demonstrar, esses distúrbios são dependentes da ação de idéias inconscientes fortes (FREUD, 1912, apud HANNS, 2004, p. 86).
Vamos, então, à análise dos dados!
116
CAPÍTULO 7
ANÁLISE DOS DADOS
‘Se tentamos recordar-nos do que nos aconteceu nos primeiros anos da infância, muitas vezes confundimos aquilo que ouvimos de outros, com o que realmente nos pertence e que provém daquilo que nós próprios testemunhamos.’ Goethe sobre o relato de sua vida, que começou a escrever aos sessenta anos de idade (Apud Freud, 1917).
Freud afirma, em Uma recordação da infância de Goethe (1917), que
antes de haver psicanálise era possível ler o depoimento da epígrafe sem se
deparar com maiores surpresas; contudo, a consciência analítica tornou-se
ativa. Responsável por formar opiniões e expectativas definidas acerca das
lembranças da mais remota infância, Freud gostaria de reivindicar validade
universal para elas. Diz ele que não deveria ser uma questão indiferente ou
totalmente sem sentido todo detalhe da vida de uma criança que houvesse
escapado ao esquecimento geral. Poder-se-ia, ao contrário, prever que aquilo
que fora preservado pela memória, era o elemento mais significativo em todo
esse período da vida, quer houvesse tido tal importância na época, quer
117
tivesse adquirido importância subseqüente por influência de eventos
posteriores (p. 91).
O autor ainda esclarece que o elevado valor de tais recordações infantis,
na verdade, era óbvio apenas em alguns casos. Por ora, completa seu
raciocínio dizendo que antes que o significado do relato pudesse ser apreciado,
era necessário um certo trabalho de interpretação.
No aprofundamento de nossas análises reunimos algumas enunciações
(manifestas através da escrita e fala) da realidade educativa dos sujeitos de
pesquisa, as quais nos mostram os caminhos percorridos por eles em busca da
realização do desejo pela docência. No intuito de favorecer o sentido das
(re)velações a eles próprio legítimo, bem como o estilo de expressão de cada
um, a autenticidade dos discursos nos levou a perceber sutis “semelhanças”
experienciadas, sentidas e desejadas no decorrer do processo educativo dos
mesmos.
Assim, percorremos os depoimentos dos sujeitos-participantes através dos
distintos dispositivos que compõem esta pesquisa e nos deparamos com
enunciações comuns e incomuns durante essa dinâmica. Isto gerou uma
emergência para a organização das mesmas em “indicadores temáticos (ou
categorias)”, o que nos proporcionou um conseqüente aprofundamento em
significações segundas que as primeiras mensagens “escondem”. Segundo
Franco (2003), o processo de categorização é uma operação de classificação
de elementos constitutivos da mensagem analisada, implicando num jogo de
idas e vindas da teoria ao material de análise.
118
Na análise, portanto, tornou-se perceptível uma teia de significados (em
toda teia há lacunas) que nos permitiram uma aproximação com os objetivos
dessa pesquisa, reunidos em indicadores temáticos expressos por:
1) a falta nas teias da educação;
2) ambivalência no contexto educativo;
3) transmissão de um estilo;
4) desejo pela docência.
Ao percorrê-los, foi possível obtermos alguns resultados organizados na
disposição acerca da interface psicanálise-educação, possível reveladora
de efeitos.
Vale destacar, nesse sentido, que tais indicadores não se deram
constituídos a priori, mas foram emergindo em um contexto que reuniu um
entrelaçamento entre: minuciosas leituras feitas no material de análise;
observação sobre a constituição da identidade do pedagogo, apoiada no
referencial psicanalítico e o processo de formação do pedagogo, apoiada na
própria experiência da pesquisadora no âmbito de sua formação enquanto
educadora.
Levando em consideração a complexidade da leitura dos dados, por tratar-
se de uma lógica subjetiva das manifestações, a análise do conteúdo é
utilizada para produzir inferências acerca dos dados verbais e/ou simbólicos
(enunciações), considerando-se, necessariamente, o sentido da mensagem e
as condições contextuais de seus autores (FRANCO, 2003).
Seguindo este raciocínio, os dispositivos da entrevista e da memória
educativa que os sujeitos experienciaram fizeram-se de fundamental
119
importância para a compreensão de nossas questões iniciais de pesquisa, bem
como o conteúdo relativo à atividade avaliativa da disciplina Inconsciente
e Educação (não planejada inicialmente para esta investigação), ao qual, no
decorrer de nossas análises, foi-se atribuindo significativa importância por
revelar alguns possíveis “efeitos”, ou “restos”, proporcionados pelo ensino e
transmissão de um saber orientado pelo aporte psicanalítico.
7.1 INDICADORES TEMÁTICOS
• A falta nas teias da educação
Em toda investigação psicanalítica da história de uma vida, diz Freud
(1917), é possível compreender o significado das lembranças da primeira
infância ao longo de suas linhas. De fato acontece, habitualmente, que a
própria recordação à qual o paciente dá precedência, aquela que relata em
primeiro lugar, com a qual introduz a história da sua vida, vem a ser a mais
importante, a única que contém a chave das páginas secretas da sua mente.
Mais uma reformulação de experiências do que um simples narrar de fatos, esta
memória conta estórias muito significativas em minha formação pessoal. Como em todo
evento educativo, as primeiras vivências memoráveis foram marcadas por uma certa
ausência (M. C. S., 8º semestre de Letras).
120
Esse é o princípio da escrita de M. C. S., que atribui um significado muito
particular à sua memória: mais uma reformulação de experiências...que
conta estórias muito significativas. Poderíamos compreender, através
dessa fala, que se trata de mais um momento em sua vida em que se depara
com uma oportunidade de rever, reavaliar ou re-significar experiências que
fazem parte de sua constituição enquanto pessoa/profissional, e que somente
ele, mais do que qualquer outro sujeito, poderá atribuir um verdadeiro sentido,
por mais prazeroso e/ou doloroso que seja.
Este excerto também nos chama a atenção pela palavra utilizada por ele
para se referir às “estórias” de sua vida. De acordo com o dicionário Aurélio
(Séc. XXI), recomenda-se apenas a grafia história, tanto no sentido de ciência
histórica, quanto no de narrativa de ficção, conto popular, e demais acepções.
Mesmo que fantasias oriundas de um registro ─ imaginário possam─
preencher lacunas que tecem lembranças, as mesmas associam-se a um real
experienciado pelo sujeito em suas relações e fazem parte de sua verdade
histórica.
Freud, interessado na memória de seus pacientes, revela, ainda em
1899, que essas lembranças primárias, repletas de “ausências”, relacionam-se
com recordações, pensamentos e até impressões posteriores (de conteúdo
fantasístico) que podem ser chamadas, de acordo com a literatura
psicanalítica, de “lembranças encobridoras”. Observemos um excerto da
memória da profª A. C. F.41:
41 Devemos lembrar que os sujeitos participantes desta pesquisa são “ingressos” e “egressos” da disciplina Inconsciente e Educação. Dos ingressos, todos são estudantes. Dos egressos, apenas 1 (um) não exercia a docência na época das investigações. Os mencionados “professores”, já se encontram em exercício.
121
Exponho aqui algumas recordações e análises da minha trajetória como estudante nas
diferentes instituições que percorri. Procurei os fatos mais marcantes que tenho
lembrança, porém acredito que minha memória não funcione de forma cronológica. [...]
Da minha infância, lembro de poucos detalhes. Mas vi que, a medida que estes me
vêm à mente, desencadeiam outros fatos relacionados.
De acordo com Freud (1899), ninguém contesta o fato de que as
experiências dos primeiros anos de nossa infância deixam traços escritos nas
profundezas de nossa mente. Assim diz:
Ao procurarmos averiguar na memória quais as impressões que se destinaram a influenciar-nos até o fim da vida, o resultado é, ou absolutamente nada, ou um número relativamente pequeno de recordações isoladas, que são freqüentemente de importância duvidosa ou enigmática. É somente a partir do sexto ou sétimo ano - em muitos casos, só depois dos dez anos - que nossa vida pode ser reproduzida na memória como uma cadeia concatenada de eventos. Daí em diante, porém, há também uma relação direta entre a importância psíquica da experiência e sua retenção na memória. O que quer que pareça importante por seus efeitos imediatos ou diretamente subseqüentes é recordado; o que quer que seja julgado não essencial é esquecido (p. 176).
Vejamos um outro exemplo relatado pela estudante M. F. W.,
apresentando em suas lembranças um “atropelo inconsciente”:
Comecei meus estudos das primeiras letras na escola pública, [...], não me lembro das
minhas professoras, nem do que aprendi nestas séries, pois meu pai faleceu quando eu
tinha quatro anos e desde então minha memória ficou bloqueada, como se eu não
tivesse vivido nada depois disso. Lembro-me de muitos momentos com o meu pai e
minha família, lembro-me de coisas até meus quatro anos [...] O que estarei relatando
aqui são dados que estou tirando do meu histórico escolar e de ‘lapsos’ que me
recordo desta época .
122
Em Recordar, Repetir e Elaborar (1914), Freud revela que quando o
sujeito fala sobre coisas “esquecidas”, raramente deixa de acrescentar.
Freqüentemente expressa desapontamento por não lhe virem à cabeça coisas
que possa chamar de “esquecidas” - em que nunca pensou desde que
aconteceram. Neste caso, o “esquecer” torna-se ainda mais restrito quando se
avalia em seu verdadeiro valor as lembranças encobridoras que geralmente se
acham presentes, as quais, segundo Freud, representam os anos esquecidos
da infância.
Não temos dúvida da dor, provocada pela lembrança da ausência do pai,
que acometeu a estudante M. F. W. à época em que viveu a experiência da
escritura de sua memória. O pai, enquanto referência de educação primordial e
Lei que intervém nos desejos mais primitivos da infância (mesmo em se
tratando do sexo oposto), possivelmente deixou uma lacuna significativa ao se
ausentar, definitivamente, de sua relação cotidiana.
Freud diz, em Romances familiares (1909), que os pais constituem para
a criança pequena a autoridade única e a fonte de todos os conhecimentos.
Assim, o desejo mais intenso e mais importante da criança nesses primeiros
anos é igualar-se aos pais (isto é, identificando-se com o progenitor do mesmo
sexo para “ter” o sexo oposto), e ser grande como seu pai e sua mãe. E em
Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914), complementa este
raciocínio afirmando que de todas as imagens (imagos) de uma infância
nenhuma é mais importante para um jovem ou um homem que a do pai. “A
123
necessidade orgânica introduz na relação de um homem com o pai uma
ambivalência emocional que encontramos expressa de forma mais notável no
mito grego do rei Édipo” (p. 162).
Em entrevista, M. F. W. confirma o que já havia escrito anteriormente na
memória educativa e complementa: Não me lembro nada dessa época...
prefiro tentar não lembrar...Pensamos, assim, que oportunizar uma re-
significação da vida pessoal e profissional é apostar, principalmente, na
ressurreição de sentimentos ambivalentes vividos em especial na infância.
“Em geral, não há nenhuma garantia quanto aos dados produzidos por
nossa memória”, diz Freud em 1899. Todavia, compreendemos que a chamada
garantia não depende por si só da veracidade dos fatos, mas sim, e
principalmente, da autenticidade característica de cada marca do sujeito.
Dessa forma, o raciocínio freudiano aguça-nos a pensar sobre as
“falsificações”42 enquanto um tamponamento para a falta de algo, no sentido
de que, em si mesmas, elas não são feitas da matéria original, mas estão perto
de algo realmente legítimo. “É bem possível aplicar essa mesma comparação a
algumas das experiências infantis retidas na memória” (FREUD, 1899, p. 179).
Um outro possível representante para falta simbólica nas teias da
educação, observado nas memórias dos sujeitos de pesquisa, pode também
ser lido através da experiência de desamparo vivida por esses sujeitos ainda
na infância. Abaixo destacamos o relato do estudante R. L. V.:
42 Leia-se “substituições”, parafraseando Freud (1899): Há entre nós um dito corrente sobre as
falsificações, no sentido de que, em si mesmas, elas não são feitas de ouro, mas estiveram
perto de algo realmente feito de ouro.
124
Escrever sobre a vida dos outros é algo muito mais fácil do que fazer uma retrospectiva
ou uma biografia própria. Não me recordo muito do meu passado, porém tentarei
lembrar do máximo possível. [...] Tentarei falar do que mais marcou na minha vida
educativa...
Continua:
No segundo período da pré-escola eu estudei em escola particular (única vez). De lá eu
não me lembro muito, só sei que minhas “tias” (professoras) eram superlegais. No
terceiro período eu fui para a escola pública. Totalmente diferente da particular. No
primeiro dia de aula, ao ver minha mãe ir embora, eu comecei a chorar. Me senti
sozinho, desprotegido, naquele momento.
Para Freud, “a angústia é um produto do desamparo mental da criança
símile natural de seu desamparo biológico” (1926, p. 86). Em seu texto─
Inibição, sintoma e angústia, o mesmo relata que há, desde a criança de colo,
certo preparo para a angústia. Mas esse preparo, em vez de estar em seu
ápice logo após o nascimento e então lentamente decrescer, surge depois, à
medida que se processa o desenvolvimento mental, e permanece durante um
certo período da infância.
Em se pensando na experiência vivida na transição do segundo para o
terceiro período da Educação Infantil do estudante R. L. V., além de se deparar
com um outro contexto institucional (estranho), o mesmo se dava conta que a
não presença da mãe ao seu lado gerara uma sensação de desamparo,
solidão. Isto nos permite reconhecer a importância das análises freudianas a
respeito da experiência do carretel (for da) vivida por seu neto (ainda
enquanto criança de colo) ao simbolizar a ausência materna (1905).
125
Essa reflexão deve nos levar para além da questão da perda do objeto
de amor. Conforme Freud (1926), a razão pela qual a criança deseja a presença
materna é porque ela já sabe, por experiência, que esta satisfaz todas as suas
necessidades sem delongas. “A situação, portanto, que a criança considera
perigosa e contra a qual deseja ser protegida é a de não satisfação de suas
necessidades” e futuros desejos (p. 85; grifo nosso).
Vejamos também o que nos diz a profª E. M. S.:
Eu iniciei meus estudos em uma escola pública com cinco anos. A maior lembrança que
eu tenho da minha primeira escola é que eu chorava praticamente todos os dias
porque tinha medo de ser esquecida. No ano seguinte comecei a estudar em outra
escola mais próxima da minha casa. Lembro-me bem da professora carinhosa, dos
colegas, da sala [...], isso fazia com que eu me sentisse mais segura. O meu pai me
buscava de bicicleta. Eu adorava!
E ainda continua:
Nessa época meu pai sofreu um acidente, que o fez perder a mão esquerda. [...] A
família passou por momentos difíceis nessa época. Eu não tenho grandes lembranças,
pois era muito pequena e protegida pela família.
No caso da profª E. M. S., por exemplo, então com seus cinco anos de
idade (travessia do Édipo), percebemos que o aumento da tensão se dava por
ela se deparar com pessoas desconhecidas todos os dias em vez de
permanecer com as quais estava habituada - a mãe, o pai e os irmãos, com o
agravante: medo de ser esquecida. Medo de ser esquecida por quem? Pela
126
mãe, a grande “rival” pelo amor do pai? Ou pelo pai, sua principal alternativa
de uma possível completude?
Fundamentando-nos em Freud (1926), compreendemos neste relato que,
naquele momento, a angústia aparece como uma reação sentida à perda do
objeto. É necessário que enfatizemos a questão sobre a percepção da
diferença sexual que ronda esta fase da infância para prosseguirmos em
nossas reflexões.
Ao perceber a distinção anatômica entre os sexos, a menina se porta de
maneira diferente da do menino, que vive a experiência da angústia de
castração. Aquela não se engana pelo fato de não ter um pênis, que nunca
teve, mas deseja tê-lo e irá em busca dele, constituindo, assim, a inveja do
falo (FREUD, 1925).
Para Freud, o grande temor feminino é perder o AMOR (1931). No
momento em que sente a inveja do falo a menina se depara com a falta (real),
fazendo com que se afaste, com rancor, de seu primeiro objeto de amor: a
mãe. Isso a faz dirigir-se para o pai, na esperança que ele lhe devolva o objeto
que complete sua ferida narcísica. Assim, desejará do pai “um filho”, na
tentativa de substituir o falo (que não tem) como uma espécie de “curativo”
para esta ferida.
Pensemos, novamente, no relato apresentado. Ela repete,
simbolicamente, que houve um momento da relação com sua mãe que foi
bom, transferindo agora para a relação com a professora: lembro-me bem
da professora carinhosa... isso fazia com que eu me sentisse mais
segura. E se depara, mais à frente, com uma falta real diante do acidente
127
ocorrido com seu pai, causando prejuízos não só a ele, mas também a si
própria, por limitar-se ao “toque” das mãos que afagam.
Ao descobrir que o pai não pode lhe dar filhos reais, a menina sublima a
energia sexual que a move em direção a outras atividades socialmente
aceitas, na tentativa de encontrar algo valioso que seja capaz de lhe “dotar”
daquilo que falta: um falo (no sentido simbólico de poder)43. Eis aqui a
importância fundamental da educação para além do âmbito familiar, o escolar:
Na 2ª série, vivi uma situação marcante quando a professora estava ensinando adição
e subtração. Ela passava folhas com várias operações no estilo “arme e efetue” e eu
errava muitas. Logo a professora afirmou que eu não era boa em Matemática e pediu
que eu fosse a uma aula de reforço, onde passou mais operações para que eu e as
outras crianças fizéssemos, porém eu continuei errando, pois achava que o que eu
fazia tinha lógica e não entendia porque errava. As aulas de reforço em nada
ajudaram: o que resolveu a minha relação com as tais “continhas de mais e de menos”
foi o dia em que meu pai foi me ajudar no dever de casa e percebeu porque estava
errando e me mostrou qual era a falha na minha forma de pensar. Eu fiquei
extremamente feliz ao descobrir porque eu estava errando e mais feliz ainda porque
acertei todas as questões da prova, com direito aos “Parabéns” da professora escrito
nela (E. M. S.).
Como é possível perceber, os “erros” oportunizados por uma falta de
compreensão (singular em cada sujeito), tiveram uma feliz solução por meio
de uma orientação mais significativa vinda do pai, sujeito que, segundo E. M. S.,
cursou apenas até a 4ª série do ensino fundamental. Por outro lado, mesmo
43 No caso dos meninos, ao viverem a angústia de castração, eles abandonam a tentativa de incesto para não perderem o falo como pensam que a mãe perdeu, isto é, por temor à castração. Pensam que neste momento só o pai detém o falo e buscam uma identificação com ele. Ao perceberem que o pai também é incompleto, vão à busca do falo na cultura, sublimando a energia originariamente sexual. Ver mais em Freud, Além do princípio de prazer (1923).
128
não aprovando as aulas de reforço propostas pela professora (por não ir de
encontro ao seu desejo), o reconhecimento advindo desta apresenta-se de
fundamental importância para o investimento em novas aprendizagens. Isto
muito se assemelha à relação primordial das meninas com a mãe.
Segundo a psicanalista Rita Manso, para dar conta de uma falta as
palavras nos servem como linha de tricô, que tece em torno do vazio. E
prossegue: “o sujeito, e sobretudo a mulher, não nega a falta, ela a enfeita em
seus contornos” (MANSO DE BARROS, 2007, p. 174).
Assim, por mais original, específico e arcaico que seja o significante da
falta, não há como o sujeito não vivê-la e nem senti-la. Uma vez instalada por
interdição da “Lei paterna” (educação primordial), fará parte da eterna
incompletude que o acomete nos mais variados contextos, dentre eles o
escolar.
129
• Ambivalência no contexto educativo
Aprendi silêncio com os falantes, tolerância com os intolerantes, e gentileza com os rudes; ainda, estranho, sou ingrato a esses professores (Kalil Gibran).
Freud, em suas reminiscências estudantis, afirma que os alunos
encontram-se inclinados a amar e a odiar, a criticar e a respeitar seus
professores desde o contato inicial. “A psicanálise deu nome de ambivalência a
essa facilidade para atitudes contraditórias e não tem dificuldade em indicar a
fonte de sentimentos ambivalentes desse tipo” (1914b, p. 161).
Em uma idade muito precoce, a criança desenvolve uma catexia objetal
pela mãe originalmente relacionada ao seio materno. Em relação ao pai não
há, em princípio, sentimentos hostis. Durante certo tempo, esses dois
relacionamentos avançam lado a lado, até que os desejos sexuais, no caso do
menino em relação à mãe, se tornam mais intensos e o pai é percebido como
um obstáculo a eles, originando-se, disso, o complexo de Édipo. Sua
identificação com o pai assume então uma coloração hostil e transforma-se
num desejo de livrar-se dele, a fim de ocupar o seu lugar junto à mãe. Daí por
diante pode-se dizer que sua relação com o pai é ambivalente (sentimentos de
130
amor X ódio); como se a ambivalência, inerente à identificação desde o início,
houvesse se tornado manifesta neste período (FREUD, 1923). Isso se inicia
com os pais, ou outro responsável pela função; adiante é continuado pela
figura do professor.
A seguir podemos observar o relato de M. C. S., manifestando um
sentimento hostil em relação àquela que cumpria dupla função no seio
familiar:
Filho de pais separados, tive de aprender a me defender de quatro irmãos mais velhos
sozinho, pois minha mãe precisava trabalhar....Sempre salta-me à lembrança o
descontentamento comum a todos da família. Desolados, precisávamos de apoio e
ajuda o que pudemos encontrar nas escolas. Esta mesma instituição foi a que
empregou minha mãe. Professora, o seu único meio de realização era a escola. No
entanto, a mesma porta aberta ao crescimento intelectual fechava-se ao meu
mundo de afeições, deixando minha mãe do lado de fora.
A escrita de M. C. S. é rica em suas linhas e entrelinhas. Afirma que
precisava de apoio e ajuda e que os mesmos puderam ser encontrados em
ambiente educativo. Por outro lado, tinha a escola como uma “rival” por
afastar de si os “cuidados maternos” (ele precisava estudar e ela trabalhar) e
transferindo para a figura materna um sentimento de abandono. Podemos até
sugerir que a escola, neste momento, esteve cumprindo a função de um
terceiro na relação gozosa mãe-filho, já que o princípio de sua educação foi
marcado pela ausência de um pai.
Adiante, o mesmo continua seu relato apresentando uma causa para o
motivo de ter deixado sua mãe “de fora do seu mundo de afeições”:
131
Ela passava semanas inteiras longe de casa, trabalhando em Planaltina, enquanto eu
ficava com os irmãos na Ceilândia, com algum adulto cuidando de nós... Aquela
sensação de abandono ou falta de ajuda me deixava inseguro.
Vejamos, abaixo, a escrita da estudante M. V. S., sobre uma possível
experiência ambivalente na relação mãe-filha ocorrida em contexto educativo-
escolar:
Iniciei minha vida escolar aos seis anos de idade [...]. No ano seguinte fui para a escola
pública em que minha mãe lecionava. Confesso que não foi uma experiência muito
agradável, pois além do comportamento e notas exemplares que me era exigido por
ser filha da professora, ainda tinha que escutar chacota dos colegas de sala [...]. Tudo
isso ajudou a ter uma postura diferente na minha vida acadêmica, pois a partir disso eu
não permiti mais que minha mãe olhasse meus cadernos e nem me ajudasse a fazer
tarefas e trabalhos; isso porque eu queria provar que eu era capaz de tudo isso sem a
ajuda da minha “professora-mãe”.
E complementa:
Como se não bastasse isso tudo, minha mãe me dava aula uma vez por semana de
Educação Artística e Ensino Religioso. Nossa! Nem preciso falar... A aula que para os
outros alunos era considerada a mais legal e divertida, para mim não tinha o mesmo
sentido. Eu tinha um medo tão grande dela brigar comigo que eu parecia um robô na
sala de aula.
Neste caso é possível perceber que há, supostamente, uma idealização
de eu ensaiada pela mãe da estudante. Além do cumprimento da função
materna, o que já implica, inconscientemente, em possibilidade de realização
de desejo através do filho (a), a mãe ainda desempenhava o papel de
professora, acumulando, por assim dizer, uma dupla função do ato educativo:
132
“professora-mãe”. Podemos compreender, portanto, que a relação mãe-filha
vivida em contexto familiar, incluindo todas vicissitudes inerentes a esta, era,
inconscientemente, levada para a sala de aula para dar continuidade, agora,
em um outro cenário. Isto, de fato, tornou-se conflituoso porque a menina
repetia sentimentos ambivalentes com a mesma imago que tinha em casa. E,
portanto, percebemos em seus escritos que a desagradável experiência de ser
filha da professora na infância gerou, futuramente, certo afastamento entre
mãe e filha em relação aos interesses acadêmicos desta.
Freud afirma, em 1914, que as atitudes emocionais dos sujeitos para
com outras pessoas que são de extrema importância já estão estabelecidas
numa idade surpreendentemente precoce. A natureza e a qualidade das
relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo e do sexo oposto já foi
firmada nos primeiros seis anos de sua vida. Ela pode, posteriormente,
desenvolvê-las e transformá-las em certas direções, mas não pode mais livrar-
se delas. As pessoas a quem se acha assim ligada são os pais, irmãos e irmãs.
Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas desses
primeiros objetos de seus sentimentos. Essas mesmas podem classificar-se, do
ponto de vista da criança, conforme àquilo que a psicanálise chama de imagos
parentais.
Dessa forma, os relacionamentos posteriores são assim obrigados a
arcar com uma espécie de herança emocional, defrontando-se com simpatias e
antipatias para cuja produção esses próprios relacionamentos pouco
contribuíram. “Todas as escolhas posteriores de amizade e amor seguem a
base das lembranças deixadas por esses primeiros protótipos” (FREUD, 1914,
133
p. 162).
Vejamos o relato da estudante N. C. G.:
Dessa escola lembro-me que cada professora me marcou de maneira diferente. Na
realidade eu gostava de todas e ficava triste quando era chamada atenção.
[...]
Sempre gostei que os professores comprometidos com os alunos passassem tarefas.
Gostava de fazer para corrigir na sala ou receber nota depois, no interesse de receber
algum reconhecimento e participar melhor das aulas, ganhando respeito e admiração
dos professores.
Nos escritos acima podemos perceber a atuação do desejo em cenário
educativo escolar. É válido lembrar que tal desejo não é originário das
experiências vividas neste cenário (sua fonte é originariamente sexual), mas,
re-significado pelo contato com o outro, será o veículo (movido pela pulsão)
que induzirá o sujeito a chegar a algum lugar.
Ao observarmos a frase “eu gostava de todas (as professoras) e
ficava triste quando era chamada atenção”, percebemos que há
sentimentos ambivalentes nessas relações. Em nossa compreensão, sob o
olhar da teoria psicanalítica, ela gostava das professoras enquanto eram
aliadas ao seu desejo, ao corresponderem suas demandas e com a expectativa
de também estar correspondendo o desejo delas, na intenção de agir conforme
o desejo do outro. Ao afirmar que “ficava triste quando era chamada atenção”,
percebemos que “algo” não foi de encontro ao seu desejo. Em entrevista,
confessa que isso se dá porque:
“Eu estava em busca constante de reconhecimento né? E quando era chamada
134
atenção, isso gerava uma frustração, porque percebia que não estava correspondendo.
Era como se estivesse ‘quebrando o contrato’... Um sentimento de decepção comigo
mesma, pelo meu erro”...
Percebemos que a relação professor-aluno é uma “via de mão dupla”
trafegada pela transferência. A psicanálise traz à reflexão a questão do que é
ensinar (ensina-se por dever) e o que é aprender (aprende-se por amor), e
mostra que a relação entre o professor e o aluno, uma relação transferencial,
estaria no cerne do que proporciona o aprendizado (LAJONQUIÈRE, 2002). E é
graças à transferência aos professores dos sentimentos de submissão à
autoridade, carinho ou agressividade tidos pelos pais, que o aluno pode
acreditar no professor como autoridade que teria algo a lhe ensinar, ainda que
não se saiba o quê.
Já dizia Freud que:
É difícil dizer se o que exerceu mais influência sobre nós e teve importância maior foi a nossa preocupação pelas ciências que nos eram ensinadas, ou pela personalidade de nossos mestres. É verdade, no mínimo, que esta segunda preocupação constituía uma corrente oculta e constante em todos nós e, para muitos, os caminhos das ciências passavam apenas através de nossos professores. Alguns se detiveram a meio caminho dessa estrada e para uns poucos - porque não admitir outros tantos? - ela foi por causa disso definitivamente bloqueada (1914, p. 161).
Reputa-se válido observar que o aprendizado da estudante N. C. G.
atravessa a face da ciência e vai de encontro à pessoa do professor. A
comparação entre as distintas personalidades dos mestres é inevitável:
Na sexta série tive uma grande dificuldade em Matemática. O professor, quando eu
queria tirar minhas dúvidas, mandava eu correr atrás sozinha e acompanhar o ritmo da
135
turma. Diferente da professora da sétima série, que fazia sua tarefa ser compreendida
pelos alunos. Ela era muito bonita e elegante, queria ser igual a ela. Foi aí que me
interessei mais por batons e perfumes.
Percebe-se que a sedução que ocorre na relação pedagógica, como bem
diz Morgado (1995), permite com que os alunos, superando instituições
escolares opressoras, aprendam e pensem não só a respeito da ciência, mas
também do próprio espaço que ocupa na sociedade.
Monteiro (2000) compreende que a ação educativa se cumpre quando o
aluno, movido pelo desejo de saber, investe na figura do professor supondo
nele a posse do saber. O professor, por sua vez, para alimentar esse
investimento, deve sustentar a posição na qual é colocado. Todavia, mesmo
tendo de ocupar um patamar conferido pelo aluno, o professor nada sabe
sobre esse lugar onde a subjetividade do discente o coloca, pois é o desejo
inconsciente que o faz. Assim, não há modelo de prática pedagógica imune ao
imprevisto, nem que possa justificar cientificamente todos os seus efeitos.
Vejamos um exemplo disso com mais um excerto da memória de N. C. G.:
Por conta da minha dificuldade em Matemática na sexta série, entrei numa aula
particular com a professora Sandra. Ela era uma grande amiga! No final da oitava
série, até quando tive aulas com ela, a considerava minha segunda mãe.
Conversávamos sobre tudo [...]. Ela foi muito importante no meu processo escolar e
educativo.
[...]
Lembrei “agora” de um professor de História do 1º ano que não gostei. Tinha a
expressão do rosto muito fechada, era irônico e, dependendo da pergunta do aluno, ou
comentário, ele ria e até mesmo ignorava. Aconteceu comigo...
136
As reminiscências não estão arquivadas na memória dos sujeitos de
acordo com uma ordem cronológica. Ao contrário, o inconsciente, que está por
trás do processo de subjetivação da escrita, deixa escapar, à sua lógica, um
traço de verdade histórica que marcou o sujeito em determinada época, seja
positiva ou negativamente.
Vejamos outros relatos dos sujeitos da pesquisa que também
apresentam sentimentos ambivalentes, bem como a evidência da autoridade e
submissão, para com seus mestres:
Uma outra professora que me marcou bastante foi a Maria Aparecida, mais conhecida
como “Cida”, a professora mais “linha dura” da escola, temida por todas as crianças.
Em minha consciência, a imagem dela ficou associada a de um “General de Exército”,
pois ela realmente era muito rígida, apesar de excelente professora...
(Estudante E. T. D.)
As professoras desta fase sempre foram exemplos para mim. A da 1ª série era mais
séria, mas acostumei rápido com seu jeito. Acho que não eram todos que gostavam
dela. Ela percebia. Tanto que chegou a me dar uns coelhinhos de porcelana que tenho
até hoje. Talvez eu fosse um pouco “puxa-saco”.
(Professora A. C. F.)
Freud (1914) afirma que, passe o tempo que passar, nós, eternos alunos
de nossos professores, estaremos sempre dispostos a obedecer qualquer
chamado, reatualizando o respeito e atenção de outrora. Assim o diz:
Obedecemos automaticamente, como o velho soldado que, à voz de ‘Sentido!’, deixa cair o que tiver nas mãos e se surpreende com os dedos mínimos apertados de encontro às costuras das calças. É estranho como obedecemos às ordens prontamente, como se nada de particular houvesse acontecido no último meio-século (p. 160).
137
Vejamos este outro excerto da memória de uma participante:
[...] foi neste colégio que aprendi a gostar de Matemática. Tinha um professor muito
bom, o nome dele era Sebastião e todos o chamavam de “Seba”, claro que ele não
sabia, mas foi o melhor professor que eu já tive! Mas como nem tudo é perfeito neste
mundo, na 8ª série surge o famoso Inglês para atrapalhar a nossa vida. Nunca gostei
muito de Inglês, mas dava pra passar de ano. No início do semestre briguei com a
professora de Inglês... nunca vou me esquecer dela! Ela me marcou, como diziam
antigamente. Pegou no meu pé o ano todo, me deixou de recuperação, fiz prova final...
e ela me reprovou. Nunca odiei uma professora como detestei aquela [...].
E complementa:
No ano seguinte estava eu lá na 8ª série novamente, e, para o meu azar, peguei uma
turma que a professora Maria Lúcia dava aulas (a mesma do ano anterior), então
conversamos e tivemos que nos tolerar durante todo o ano. Resultado: até hoje tenho
abominação por Inglês [...].
(Estudante M. F. W.)
Segundo Freud (1914), nós, enquanto alunos, destinamos aos nossos
mestres os sentimentos mais contraditórios que se pode imaginar. Os
cortejamos ou lhes viramos as costas; imaginamos neles simpatias e antipatias
que provavelmente não existem; estudamos seus caracteres e sobre estes
formamos ou deformamos os nossos. Provocavam nossa mais enérgica
oposição e forçam-nos a uma submissão completa; bisbilhotamos suas
pequenas fraquezas e orgulhamos-nos de sua excelência, seu conhecimento e
sua justiça. No fundo, sentimos grande afeição por eles, se nos dão algum
fundamento para ela. Mas não se pode negar que nossa posição em relação a
138
eles é notável, uma posição que bem pode ter suas inconveniências para os
interessados.
O fato é que, lado a lado com as exigências da vida (impostas pelo real),
o amor é o grande educador, e é pelo amor daqueles que se encontram mais
próximos dele que o ser humano incompleto é induzido a respeitar os ditames
do desejo do outro e a poupar-se do castigo que sobrevém a qualquer infração
dos mesmos (FREUD, 1914).
139
• Transmissão de um estilo
Iniciemos refletindo sobre aquilo ou isso que se transmite em ato
educativo.
Em O interesse educacional da psicanálise (1913), Freud afirma que a
responsabilidade de um educador possa talvez exceder a de um analista. Esse
tem como regra lidar com estruturas psíquicas que já se tornaram rígidas e
encontrará na individualidade estabelecida do paciente um limite ao seu
próprio êxito, mas, ao mesmo tempo, uma garantia da capacidade do paciente
de resistir sozinho. O educador, contudo, trabalha com um material que é
plástico (até certa fase) e aberto a toda impressão, e tem de observar perante
si mesmo a obrigação de não moldar a jovem mente de acordo com suas
próprias idéias pessoais (idealizações), mas, antes, segundo as disposições e
possibilidades do educando.
Nesse ínterim, podemos dizer que todo educador corre grande risco em
sua atuação, afinal “educar é correr riscos” – dada a falta de garantias para o
sucesso de sua produção. Além do mais, aposta em algo que faz sentido para
si e age conforme seu estilo – uma vez que sua subjetividade faz parte de todo
processo educativo, para então poder e-ducere (latim de educar) o outro, ou
140
seja, conduzir o sujeito para fora de alguma coisa, que é da ordem da
alienação de si mesmo, para descobrir-se na sua verdade (FILLOUX, 1999, p.
28).
Segundo Almeida (2006), a transmissão de um estilo significa a
transmissão de marcas de desejo; a transmissão de uma herança, de uma
filiação, a partir de uma posição ética. Ao transferirmos o discurso iniciado por
Almeida, reportando-se à psicanálise stricto, também corroboramos com a
idéia de que o que se transmite na sala de aula, seja em séries iniciais ou
“finais” da educação escolar, nada mais é além que o estilo singular do
professor.
Ao ensinar por dever, o mesmo convoca um outro (no caso aluno) a vir a
ocupar esse lugar (de devedor), na medida em que esse outro esteja, ele
próprio, atravessado pelo desejo de saber. Assim se “completaria” a
transmissão de um saber na formação do educando (com particularidades que
configuram, em ato, um estilo próprio que é seu), como nos lembra Freud, em
Totem e tabu (1913), ao recorrer às palavras de Goethe: “Aquilo que herdaste
de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu” (p. 188).
Vejamos no relato da profª A. C. F.:
Com os professores a relação era normalmente muito boa. Não lembro dos professores
do Jardim I e II, mas na alfabetização, com a irmã Lina, freira doce e meiga, havia um
sentimento recíproco de carinho e afeição. [...]. Lembro que a irmã Lina era uma
pessoa flexível, não via mal na bagunça. Fazíamos muitos trabalhos em grupo, nada de
gritos, tudo era espontâneo e sem modelos a seguir. Será que, como se diz, minha
memória prefere lembrar dos melhores momentos? Não lembro de nenhum trauma ou
algo que verdadeiramente me chocou nesta época.
141
Em um outro trecho:
Gosto de professores decididos; que tenham conhecimento de diversas áreas (e da
sua, especificamente), que acreditam realmente na possibilidade de transformação da
educação; que queiram a promoção de diálogos em sala de aula; que vejam a
importância do que fazem e tenham objetivos...
Percebemos, assim, que a profª A. C. F. apresenta um estilo
particularmente seu, seguindo a ética de um desejo particular do que, para
ela, seria um bom desempenho da função docente. É necessário salientar,
todavia, que o compromisso e a responsabilidade que o professor deve ter
para com sua função não podem ser confundidos com idealizações formuladas
pela sociedade de um modo geral. Afinal o professor é, antes de qualquer
papel social, um sujeito que também deseja.
Em seu relato, a estudante N. C. G. escreveu:
Gostava muito da professora de Matemática, aprendi muito com ela [...]. Ela, em sala
de aula, desenhava estrelinhas nos cadernos dos alunos em cada exercício correto. Na
prova, somava as estrelinhas à nota. Era um incentivo para fazermos os deveres.
E continua:
Gostei muito das aulas de Geografia da 6ª série, pois o professor era muito dedicado.
[...]. Também me lembro da professora de Português, que me elogiava muito nas
redações, nos textos que eu produzia, mas não deixava de me ajudar a melhorar e a
me corrigir. Aprendi muito com ela e me convenci de que eu posso escrever bem, ser
criativa e ter boas idéias.
[...]
Na 7ª série tive outro professor que me lembro muito porque ele era muito engraçado.
Ele se aproximava muito dos alunos, andava pela sala, sabia o nome de todos.
Conseguia ter a simpatia de todos, em tudo era espontâneo e, quando queria dar o
142
conteúdo, falava: “atenção gente, agora é sério! Parou!”. Arrumava a calça, ia pro
quadro e todos ficavam atentos.
Evidenciamos nos escritos de N. C. G., atravessados por experiências
escolares distintas, que suas palavras falam por si sós. Compreende-se que um
espaço de transmissão não pode ser controlado, mensurado e, muito menos,
metodologicamente reproduzido em função da singularidade dos sujeitos, de
sua condição existencial. O que realmente importa neste espaço é que a
aprendizagem faça algum sentido para o educando (que lhe conceda um plus),
mesmo que esse sentido não esteja “previsto” pelos parâmetros da Educação
Nacional.
Ainda sobre a transmissão de um estilo pelo professor:
O 2º grau foi marcado por momentos de preocupações com os estudos. A pressão do
PAS (Programa de Avaliação Seriada) e do vestibular estavam presentes em cada aula.
Tive que fazer um enorme esforço e tomar a decisão de aproveitar meus anos de
colégio sem ceder às pressões. A professora de Física, do 1º ano (2º grau), me ajudou
nessa decisão. [...]. Para mim, Física se tornou uma matéria prazerosa, ela tirou todo
meu medo dessa matéria. Era muito simpática e valorizava cada comentário e
pergunta dos alunos.
[...]
Do 2º ano (2º grau) marcou-me uma professora de Literatura, que adorava ler e
conhecia todas as obras dos momentos literários que estávamos estudando. Falava
com entusiasmo dos livros... Diversificava muito as aulas. Trazia músicas, revistas,
passava trabalhos em grupo de dramatização, leitura e reflexão de trechos de obras
literárias, enfim, lembro que sempre me sentia interessada e motivada a realizar os
trabalhos, pois via sentido e coerência no andamento das aulas.
(Estudante N. C. G.)
143
Percebemos, dessa forma, o quanto a transmissão de um estilo pode
provocar marcas, as quais são, muitas vezes, apreendidas.
Kupfer (2001) nos ensina que o aprender necessariamente está ligado a
quem ensina, ainda que se aprenda por um livro. Aprender é, portanto, uma
relação: aprender com alguém. O importante no aprendizado é essa relação
que norteará os próximos aprendizados, mais do que o quê se aprendeu, pois o
conhecimento é dinâmico e circula pela cultura.
Vejamos na experiência do estudante E. T. D.:
Minha professora da 1ª série chamava-se Conceição ou “tia Conceição”, como era
tratada pelas crianças. Uma pessoa extremamente amorosa e que se preocupava
bastante com nosso aprendizado. No entanto, como havia muitos alunos, a professora
não conseguia acompanhar de perto o processo de alfabetização de cada um, o que
me fez recorrer ao auxílio extra de minha família para aprender a ler e a escrever as
primeiras palavras.
E continua seu relato, associando, agora, a uma outra professora da 3ª
série:
[...] Devo o sucesso de minha adaptação nessa nova escola, em parte, à professora
Domingas, uma senhora de muito boa vontade, atenciosa e uma profissional da
educação muito competente.
Ainda em outro trecho de sua memória:
Dadas as condições oferecidas pela escola, que eram pouco favoráveis a uma
aprendizagem significativa, na sétima série passei a elaborar minhas próprias
estratégias de estudo, meio que num “autodidatismo”, as quais, às vezes, desagradava
a alguns professores, principalmente os de matemática, pois, não raras vezes, eu
144
conseguia resolver problemas de forma diferente e chegar aos mesmos resultados, e
ainda ensinava aos outros alunos para que eles pudessem perceber que o que era
ensinado pelo professor não era a verdade única e absoluta.
Importante ressaltar que o papel da educação é transmitir, ao mesmo
tempo, um saber e um não-saber. No caso dos professores de matemática
apresentados, não poderia haver lacunas destinadas ao não-saber, pois,
certamente, estariam fadados ao estereótipo de “impotência”.
Lajonquière (2002) afirma que essa posição de “Ideal” por parte do
professor, ainda que involuntária, acaba impossibilitando uma autonomia real
do aluno, pois o inconsciente deste sempre acaba captando o conteúdo
inconsciente de seu mestre, que deseja algo do aluno, estando este disposto a
identificar-se com o professor em reforço a seu narcisismo (o qual promove
uma suposta completude), alienando-se de seu próprio desejo.
Isso, provavelmente, não aconteceu com E. T. D. O estudante deve ter
tomado conhecimento de que o professor sabe algo, porém não é este saber o
essencial, mas o não-saber sobre algo que lhe permitiu continuar buscando o
conhecimento o qual nunca o preencherá, a não ser momentaneamente. Isso
parece evidenciar que, apesar da impossibilidade da educação, a condição que
os sujeitos encontram para trilhar um caminho em busca daquilo que lhe falta
é o que interessa à psicanálise. Isto é, elaborar um contorno para a lacuna que
nos foi deixada por nossos pais na experiência edípica é o que permite ao
sujeito prosseguir no decurso natural da vida.
145
• Desejo pela docência
Optamos por inspirar esta análise com a passagem da professora E. M.
S.:
Foi na disciplina “Educação Matemática I” que de fato me apaixonei pela docência. No
146
primeiro dia de aula conheci aquele que seria minha maior referência como educador,
o professor C. A. M. Ele cativou um por um dos estudantes ali presentes com seu jeito
atencioso, divertido, educado, rigoroso em com grande experiência prática e teórica. O
C. me mostrou que a Matemática pode ser divertida, significativa e nem sempre difícil.
Uma vez que a dificuldade não está na Matemática em si, mas na forma como o
indivíduo se relaciona com ela, com o professor e consigo mesmo. [...]. Os conceitos
que construí na disciplina foram muito úteis na minha formação como educadora.
Em suas reflexões, Freud diz que somos levados à descoberta de que
todas as relações emocionais de simpatia, amizade, confiança e similares, das
quais podemos tirar bom proveito em nossas vidas, acham-se geneticamente
vinculadas à sexualidade e se desenvolveram a partir de desejos puramente
sexuais, através da suavização de seu objetivo sexual, por mais puros e não
sensuais que possam parecer à nossa autopercepção consciente.
Originalmente se conhece apenas objetos sexuais, e a psicanálise demonstra-
nos que pessoas que em nossa vida real são simplesmente admiradas ou
respeitadas podem ainda ser objetos sexuais para nosso inconsciente (FREUD,
1912, p. 63).
Voltemos à memória de E. M. S.:
No 2º ano do Ensino Médio, participei de um programa de orientação vocacional que
era organizado por uma pedagoga. Achei o trabalho dela bem interessante! [...]. Outro
evento que me chamou a atenção foi a palestra de uma psicóloga que falava sobre a
influência das ações dos adultos na formação da personalidade da criança, numa
abordagem psicanalítica. Simplesmente me apaixonei pela idéia de influenciar na
formação de outro ser humano. Esses eventos me levaram de encontro com a
Pedagogia...
O caminho percorrido pelo desejo...
147
Essa experiência e as aulas de “Educação Matemática” foram muito significativas e,
unidas, despertaram em mim uma imensa vontade de lecionar e verificar como as
questões abordadas se apresentavam na prática. No ano seguinte, comecei a trabalhar
em uma escola como professora auxiliar de uma turma de Jardim I. [...]. Aos poucos
descobri a complexidade que envolve uma instituição escolar e me apaixonei
completamente pela profissão, pelas crianças e pelas questões que envolvem a
docência.
Podemos perceber que mesmo na transmissão de um conhecimento
exato, objetivo, como é o caso da Matemática, a dimensão subjetiva que
investe cada sujeito envolvido no processo aparece como determinante para
que as insígnias sejam instaladas de modo significativo. Essas mesmas
poderão apresentar “traços de identificação” com a figura do mestre, levando
o sujeito a estabelecer o que Lajonquière (2002) chama de eterna dívida
simbólica. Ou seja, o mestre apresenta um caminho até então desconhecido
pelo aprendiz. O mesmo, uma vez atribuindo determinado sentido ao que lhe
foi ensinado, considerar-se-á eterno devedor.
No caso da professora E. M. S., percebemos que, inconscientemente, ela
fez associações entre desejo – pai – conhecimento – professor – docência. De
que forma? Segundo a psicanálise, pode-se chamar o desejo originariamente
sexual que move o ser humano e que é canalizado para outras atividades
socialmente aceitas, em virtude da regra imposta pela polis, por meio do ato
educativo, de sublimação. Em análise anterior, pensamos que a provável
solução para a dificuldade no conhecimento matemático que acometia a
menina E. M. S., na 2ª série, foi a mediação favorável de seu pai, vindo a
contribuir para a significação do aprendizado. Retomando:
148
[...] o que resolveu a minha relação com as tais “continhas de mais e de menos” foi o
dia em que meu pai foi me ajudar no dever de casa e percebeu porque estava errando
e me mostrou qual era a falha na minha forma de pensar. Eu fiquei extremamente
feliz...
Uma experiência similar a esta se repete quando a universitária E. M. S.
se depara, novamente, com o “fantasma” da Matemática. A reconciliação com
o conhecimento só é possível, supostamente, pela intervenção do professor
que considera, segundo sua própria “confissão” em entrevista (07-12-2006),
“o pai intelectual”. E complementa: “porque ele me inspira; porque ele
cativa seus alunos não só pelo conhecimento, mas principalmente
pela pessoa que ele é. Quero ser igual a ele...”.
Segundo Freud:
Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-los com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias, e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais em carne e osso (1914, p. 163).
E, assim, faz semblant de que um dia se apossará daquilo que está em
busca desde o traumático momento em que se percebe castrada: do falo. Falo
este que já esteve em posse de seu pai e que agora se transfere para a
imagem do professor.
Constituindo-se enquanto docente, portanto, mesmo que mascarada por
sua feminilidade (RIVIÈRE, 2005), terá mais chances de ir ao encontro deste
149
que é conhecido pela psicanálise como referência simbólica de poder.
Vejamos um outro relato, agora do estudante M. C. S.:
Não sabia eu e ninguém mais o que eu queria. Apanhava da mãe, brigava com os
colegas e desafiava os superiores. Mesmo assim, apresentava excelente rendimento
acadêmico (quis dizer “escolar”). Como ninguém, experimentei a hiperatividade,
ansiedade e déficit de atenção era tratado como louco e desequilibrado.
Esse “não saber”, expresso através da escrita de M. C. S., está
intimamente relacionado com aquilo que a psicanálise afirma ser um não-
saber sobre o desejo; sobre seu desejo, bem como o do outro. Podemos
observar que, mesmo apresentando um bom rendimento cognitivo, era
rotulado com jargões que há muito invadem o campo (psico)pedagógico:
hiperatividade, ansiedade e déficit de atenção.
Em nossa compreensão, esses rótulos impostos a alguns alunos só
dificultam a dinâmica de suas atividades e não dão abertura a uma escuta
sensível oportunizada por profissional competente (KUPFER, 2001), para que
os mesmos possam falar sobre suas angústias.
Pode-se dizer que, para a psicanálise, o desejo de saber do aluno só
poderá ser satisfeito com os objetos que este escolher para satisfazê-lo, sendo
esta escolha inconsciente. Logo, é necessário que o professor conceda uma
“liberdade”, fundamentada em regras, e ao mesmo tempo permita que seu
aluno vá atrás do conhecimento que satisfaça seu desejo, pois qualquer outro
conhecimento que não vá ao encontro desse desejo não será jamais
internalizado.
150
Sobre o disposto acima, fundamenta Freud (1933) que a educação tem
de escolher seu caminho entre “o Sila da não-interferência e o Caríbdis da
frustração. [...] Deve-se descobrir um ponto ótimo que possibilite à educação
atingir o máximo com o mínimo de dano” (p. 182). Será, portanto, uma
questão de o professor decidir quanto proibir, em que hora e por que meios.
Vejamos o relato da estudante N. C. G. e o caminho que seu desejo
trilhou em busca da docência:
Percebo um grande e bom resultado na valorização do reconhecimento e marcas
tristes da indiferença. Por isso, o professor deve pensar em como melhor atuar no
processo e não abrir mão do seu papel. A importância de provocar reações, interesses
e desejos a partir de uma dinâmica mais aproximada aluno-professor, está na minha
referência de educadora.
Ou seja, podemos supor que o que N. C. G. deseja, enquanto docente, é
atuar de modo semelhante aos professores com quem mais se identificou ao
longo de suas experiências escolares. Assim, percebemos que há uma marca
em suas palavras transmitida por um estilo de ensinar de seus mestres, na
qual, certamente, ocorrerá um plus propriamente seu no momento em que
experimentar a cena educativa, originando um estilo peculiar. Apesar dessas
enunciações, nada garante que isto ocorrerá como estamos supondo, dada as
evidências impostas pelo ISSO.
Vejamos o que nos diz M. V. S.:
No final do Ensino Médio eu ainda não sabia o que queria cursar. Foi então que, um dia
antes da inscrição do vestibular, peguei um guia de profissão, folheei por algumas
horas e decidi o que queria: Psicologia. Meus pais, de início, não ficaram satisfeitos
151
com a minha escolha, mas investiram na minha idéia.
E continua:
Um professor me orientou que eu me inscrevesse no PAS (Programa de Avaliação
Seriada) em um curso menos concorrido, então eu escolhi Pedagogia . Fiquei triste, não
era bem isso que eu queria. [...] Acabei cursando Psicologia (UniCEUB) e Pedagogia
juntos.
Por que, dentre outras opções para cursos menos concorridos à época,
escolheu justamente Pedagogia? Apesar de, inicialmente, a opção por
Pedagogia não implicar em realização de desejo, deve ser levado em
consideração que se tratou de uma “escolha”. E, em se tratando de escolhas,
há sempre uma intenção, mesmo que velada.
Relembrando sobre a “conflituosa” relação mãe-filha vivida por M. V. S.
em sala de aula, é válido ressaltar que este é o mesmo curso superior no qual
se graduou sua mãe. Será que, ao se deparar com o mesmo curso de sua mãe,
suas reminiscências se reatualizarão e lhe colocará à prova sentimentos
ambivalentes transferidos, agora, para uma nova relação professor-aluno?
No início tive muita dificuldade, era muita coisa para estudar, mas eu estava gostando
e não queira abrir mão de nenhum dos dois cursos. Em Pedagogia eu optei por Ensino
Especial, área que eu gosto muito. [...]. Também tive a oportunidade de cursar a
disciplina “Inconsciente e Educação”, disciplina esta que, embora a psicanálise não
seja a abordagem que eu mais goste, me identifiquei bastante44.
Os caminhos que o desejo nos impele a traçar são, muitas vezes,
44 Trataremos dessa identificação com a disciplina “Inconsciente e Educação” no tópico a seguir.
152
nebulosos e avessos ao que induz nossa consciência. Podemos supor, neste
caso, que M. V. S. teve uma chance de “cicatrizar” feridas causadas por
atitudes de sua mãe em sala de aula que iam a seu contragosto. Agora, mais
madura, possivelmente teria oportunidade de seguir seu caminho sem a
vigilância materna.
Acompanhemos o relato da profª A. C. F.:
A mudança do Ensino Médio para a faculdade foi impactante. [...]. Talvez pelo fato de
estudarmos educação, muitos exemplos de fatos e professores da nossa vida são
levados em consideração. Nossa primeira prática docente se deu quando éramos
discentes.
Aqui cabe a perfeita colocação freudiana de que “a psicanálise foi
obrigada a atribuir a origem da vida mental dos adultos à vida das crianças e
teve de levar a sério o velho ditado que diz que a criança é o pai do
homem” (1914, p. 127). Parafraseando Freud, pensamos que “o aluno é o
pai do professor” (ALMEIDA, 2003, p. 01).
Continua:
Cada professor é uma experiência diferente. Cada um nos ensina um pouco o que é ser
um bom ou um mal professor. [...]. Espero utilizar essas minhas críticas aos professores
em minha prática docente.
Ao elencar caracteres que enfatizam ou comprometem a qualidade dos
atos de seus (ex) professores (o que não vem ao caso neste momento), A. C. F.
se dá conta de que não pode afirmar, a priori, que jamais atuará desta ou
daquela forma. Não pode antever situações impostas pelo real. O julgamento
153
ao qual se dispõe a fazer desafia sua própria consciência em relação à
soberania do inconsciente: “espero agir assim, mas não sei se realmente
vou” (grifo nosso).
Concluiremos este tópico com o relato emblemático do estudante E. T.
D.:
O interesse na área veio por conta da vontade que sempre tive de entender certos
fenômenos educativos-escolares, como a deficiência do sistema público de ensino,
entre outros.
[...]
No decorrer dos semestres do curso de Pedagogia tenho obtido conhecimentos
significativos não só para a compreensão de questões especificamente pedagógicas,
mas também para um melhor entendimento da constituição do meu próprio processo
formativo e educativo.
...Que (des)revela:
Acredito que a força que tem me impulsionado a este empreendimento (a docência)
está enraizada muito mais em meu inconsciente do que em meu consciente, pois isso
não é algo que eu tenha racionalmente planejado ou programado, desde o início, muito
embora eu possa vislumbrar, agora, algumas possibilidades de aproveitamento desse
feito.
7.2 RESULTADOS OBTIDOS
• Interface psicanálise-educação: que efeitos?
Ao chegarmos ao final de nossas análises, acompanhada por certa
incompletude, reconhecemos algumas evidências acerca do impacto que um
ensino fundamentado na teoria psicanalítica pode proporcionar ao pedagogo
em formação acadêmica. Permitiu este a produção de efeitos? Não podemos
afirmar prontamente. Entretanto, se tomarmos as palavras dos sujeitos que
154
vivenciaram a disciplina Inconsciente e Educação como legítimas de um
discurso próprio, certamente teremos algumas revelações.
O ensino do conteúdo referente à interface psicanálise-educação se
fundamenta, principalmente, na existência de uma outra ordem que habita o
íntimo do ser, educando - educador, e que se mostra tão ou mais significativa
que a outra: o inconsciente.
Ao matricularem-se nesta disciplina, muitos dos alunos não têm idéia do
que seja “o inconsciente” e nem de como ele se manifesta. Alguns já ouviram
falar “algo” na expressão popular: Freud explica! Entretanto, a maioria deles
vem em busca de mais uma teorização pedagógica que possa sustentar suas
dúvidas e incertezas inerentes ao ato educativo.
Não tive maiores expectativas sobre a disciplina. Até mesmo porque eu desconhecia
esta área de conhecimento. Achava que seria algo novo e, portanto, diferente do que
já havia estudado.
(R. L. V.)
Eu queria conhecer o que a Psicanálise dizia sobre a Educação, pois ouvia muitas
pessoas falarem coisas positivas e negativas a respeito e gostaria de conhecer sem os
preconceitos do olhar das outras pessoas.
(Profª E. M. S)
Do estudante E. T. D.:
A perspectiva que tenho acerca da disciplina é tentar vislumbrar (compreender)
elementos estruturantes, ou não, em minha constituição, que não se apresentam
conscientemente. A partir disso, tentar projetar o conhecimento, o saber adquirido, em
contextos educativos amplos. [...]. Acho que a proposta de conteúdos da disciplina já
dá conta do processo.
155
Em entrevista sobre como se sentia no momento da formação em que
ingressou na disciplina “Inconsciente e Educação”, o mesmo respondeu:
Faço uma analogia com a questão do recalcamento, mas não necessariamente “o”
recalcamento... [confuso]. Seria mais uma barreira e a forma como eu tenho
conseguido transpor essa barreira... é como se fosse um som emitido pelo instrumento
musical e aquelas notas tivessem o poder de transpor essa barreira, interpenetrar
nessa barreira, de ultrapassar essa barreira... E aí prá chegar na felicidade, não
necessariamente “o” ideal de felicidade... [pausa]. É como a melodia musical... que
transpõe essas barreiras. Agora eu queria descobrir o que são essas melodias...
Acompanhemos o depoimento da estudante M. F. W.:
Minhas perspectivas são entender as situações do dia-a-dia, entender o que as crianças
falam, saber interpretar o que estão falando. Entender um pouco mais as questões do
inconsciente. [...]. A disciplina está superando todas as minhas expectativas, que era
entender essas questões de transferência, complexo de Édipo, inconsciente...
Lembramos Freud:
Somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais entendemos a nossa própria infância. Nossa amnésia infantil prova que nos tornamos estranhos à nossa infância (1914, p. 131).
Podemos perceber que, em ambas as falas, além de haver uma busca
pela “sua verdade”, há também uma preocupação em “como fazer” diante do
desejo do outro. Na primeira hipótese, argumentamos que a busca pela
verdade singular não será encontrada na disciplina, já que a mesma não é
156
voltada para a prática analítica. O que é possível que ocorra é uma re-
significação, por parte do aluno, a respeito de suas experiências educativo-
escolares que o encaminharam até a escolha profissional. Além disso, também
é possível que percebam, por meio da leitura freudiana, que somos sujeito de
um desejo inconsciente.
De outro modo, também não é possível que os estudantes saiam da
disciplina com um “vade mécum” elaborado. A psicanálise de Freud nos ensina
que, por mais que se tente “objetivar” a transmissão do conhecimento para
que os resultados sejam satisfatórios, esta sempre será uma tarefa impossível,
na medida em que o mesmo não está sob o controle nem do professor, nem do
aluno, mas depende do desejo do sujeito do inconsciente (LAJONQUIÈRE,
2002).
O estudante M. C. S. nos fala a respeito de suas expectativas:
Entrar em contato com uma área com a qual há muito estou familiarizado (em análise),
porém, agora, no ambiente acadêmico. Poder relacioná-la à experiência profissional e
pessoal. [...]. Gostaria que fosse abordado na disciplina a análise do papel do educador
no psicodrama escolar, seus mecanismos de defesa, dores e frustrações, reconhecendo
sua autoridade e compreendendo a dificuldade de aprendizagem de seus alunos.
É possível perceber que o que está grifado em sua escrita é uma
repetição (da ordem do desejo) de experiências que viveu em contexto
educativo (principalmente as “dores e frustrações”), como pudemos observar
em sua memória.
Vejamos o relato da estudante M. V. S.:
157
Sobre as minhas perspectivas, gostaria de aprimorar meus conhecimentos sobre o
pensamento de Freud e de outros estudiosos acerca do inconsciente, como também da
educação. [...]. Gostaria também de estudar tudo ou quase tudo sobre o inconsciente e
em que medida o inconsciente influencia na vida do educador e do educando.
Aqui percebemos, novamente, que a ilusão de uma “suposta
completude” fisga, por diversas vezes, o discurso do pedagogo (tudo).
Todavia, o mesmo é “atropelado” por um outro discurso que vem a “corrigir” a
impossibilidade do todo, completo. A instalação do quase supõe esta idéia.
A psicanálise de Freud trouxe para a cultura uma luz sobre a existência
de desejos, estruturas psíquicas e o tema da infância: “o complexo de Édipo, o
amor a si próprio (ou ‘narcisismo’), a disposição para as perversões, o erotismo
anal, a curiosidade sexual” (1913, p. 132). A natureza subjetiva do
conhecimento não permite que o mesmo seja quantificado, quiçá manipulado.
Portanto, não se deve falar em “medidas” quando se quer saber a respeito da
manifestação do inconsciente. Em uma instância bastante superficial, basta
observar “atos falhos” e “lapsos” cometidos, no cotidiano, por si próprio ou
pelo outro, os quais, muitas vezes, influenciam de forma constrangedora.
O relato de N. C. G. esclarece suas expectativas:
Conhecer melhor a psicanálise para acrescentar à minha formação os conhecimentos e
ferramentas que ela possa dar à minha prática como educadora. [...]. Bem como
estudar sobre mediações feitas na fase infantil para constituição do sujeito na fase
adulta de forma melhor .
Observamos que o desejo de saber da estudante, voltado para possíveis
mediações feitas na infância que contribuam para a formação de sujeitos
158
“mais saudáveis”, em muito se assemelha com a esperança freudiana: de que
a psicanálise poderia contribuir para que as crianças fossem menos neuróticas
do que seus antecessores (1913). Entretanto, é bem possível que os atuais
pedagogos, valendo-se de uma torção psicanalítica do discurso, mesmo sem
sabê-lo plenamente, estejam abrindo um bom caminho para que o sujeito do
inconsciente possa manifestar o que sabe sem tropeçar em educadores
reducionistas (JERUSALINKY, 1999).
Em entrevista sobre como estava se sentindo no momento da formação
em que ingressou na disciplina “Inconsciente e Educação”, N. C. G. responde:
Tava bem nublado em relação ao meu semestre que estava começando... [pensativa]...
Eu achei que não ia dar conta mesmo. Eu pensava ‘será que eu vou conseguir terminar
essa disciplina e as outras’? Porque... não depois eu conto! Mas eu tinha muita dúvida
se eu ia continuar, sabe? E... o que eu queria... assim... acho que ‘Inconsciente e
Educação’, pra mim, eu tinha uma idéia ligada à Psicologia também, né? Eu achei que
ia me ajudar nessa dificuldade que eu tenho de falar, de expressar o meu sentimento
que trago na alma e que precisa ser expressado [pensativa]... e na questão dos
estudos que eu tenho sempre na mente. Como eu coloquei também na memória
[educativa], que eu tenho essa dificuldade [discursar em público, expor um saber
acerca de um conhecimento].... acho que agora melhorou bastante, né? Mas eu tinha
essa coisa de que ‘eu é quem sou incompetente’ no meu falar. Não é a pessoa que não
está entendendo o que eu estou falando... eu é quem preciso melhorar... Mas agora
acho que são as duas coisas: eu acho que posso melhorar, como eu venho
desenvolvendo muito essa questão do falar, né? Porque eu senti que eu venho
desenvolvendo...
A partir deste momento, destacamos o que foi possível reunir em nossos
dados em termos de “resto” que a transmissão de um saber, fundamentado na
teoria psicanalítica, deixou ao professor. Chamaremos os relatos conseguintes
de testemunhos, pela ocasião da experiência vivida na disciplina.
159
De acordo com Felman (2000), testemunhar é “prestar juramento de
contar, prometer e produzir seu próprio discurso como evidência material da
verdade” (p. 18). O testemunho, portanto, não nos oferece um discurso
completo, ou um relato totalizador desse evento. A linguagem se encontra em
processo e em julgamento, não possuindo a si mesma como uma conclusão.
Assim, como um ato de fala performático e manifesto através da escrita,
os testemunhos dos sujeitos participantes desta pesquisa voltam-se para
aquilo que é ação que excede qualquer significado substancializado; é impacto
que explode dinamicamente qualquer reificação conceitual.
Dessa feita, após cursar a disciplina “Inconsciente e Educação”, os
sujeitos egressos testemunham:
Agora eu me sinto mais segura, mesmo não sabendo muito sobre a Psicanálise, para
falar e discutir com as pessoas sobre a abordagem educativa. E ainda pude conhecer
um outro olhar sobre a Educação. A principal contribuição foi a de que eu não terei
garantias, que o desejo não é educável, pois sempre existe algo que foge ao meu
controle, em outras palavras, não dou conta de tudo.
(Profª E. M. S.)
Ultrapassou as minhas expectativas, na medida em que, além de conhecer sobre
(algumas) experiências de Freud, com textos escritos por ele mesmo, estudei o
material proposto pela disciplina com o ponto de vista de outros autores. Acredito que
os conceitos de inconsciente, identificação, entre outros, fazem parte agora da minha
maneira de agir comigo mesma e nas relações entre as pessoas [...]. O que muda,
então, não são as relações em si, mas o significado que elas têm para mim a partir de
tais conceitos. Então, seja em práticas escolares, no trabalho, na família, as questões
do inconsciente estão mais “expostas”.
(Profª A. C. F.)
Ao mesmo tempo que a disciplina afirma algo, ela deixa uma abertura para a dúvida. O
mais importante é que além de trazer contribuições para minha formação acadêmica,
160
ela me ajudou na formação para a vida. Ela me ajudou a ser mais compreensivo com
os atos e comportamentos dos outros; a pensar que estes comportamentos não são
regidos e orientados somente pelo consciente...
(Profº R. L. V.)
A seguir, nos reportamos aos trechos retirados da “atividade avaliativa”
realizada ao final da disciplina de forma a apresentar a produção de algum
“resto”, ou “efeito”, provocado pelo impactante ensino da psicanálise a
educadores.
• Sobre as relações do papel do educador frente ao desejo de saber do
aluno:
Como vimos na disciplina, o aluno não chega à sala de aula sozinho, traz consigo
outras pessoas que de alguma forma o marcaram e o influenciaram na constituição
desse indivíduo. [...]. É preciso que o educador se aproxime do aluno de tal forma que
venha a conhecer suas demandas, os significados de suas ações. [...]. É preciso que o
educador tenha um olhar mais próximo, uma relação afetiva, no conceito psicanalítico
de afetar, de alguma forma, as necessidades desse aluno; deixando-o livre para se
expressar, ser reconhecido em seus desejos e anseios.
(N. C. G.)
Primeiramente, o educador não deve olhar o aluno como mais um aluno que tem
desejos, vontades e experiências iguais aos outros alunos [...]. Ao contrário, deve-se
olhar o aluno como um sujeito que tem desejos, vontades e experiências únicas; como
um indivíduo desejante de “algo”. Assim, o professor deve também perceber que o
aluno tem sua própria história, suas vivências, e muitas experiências que interferem
diretamente na ação dele enquanto aluno.
[...]
(P. A.)
Percebemos nas falas acima que, apesar do pouco tempo em que
estiveram em contato com a teoria psicanalítica, as pedagogas testemunham,
161
em um discurso singular, sobre aquilo que mais lhes chamou a atenção no que
diz respeito ao desejo de saber do aluno.
• Sobre aspectos mais significativos da psicanálise que, abordados na
disciplina, possam contribuir para a formação do educador:
1) Existência do inconsciente:
Sobre a existência do inconsciente é importante saber os limites que tem a ação
pedagógica. [...]. O educador pode assumir uma função paterna ao transmitir o
conhecimento acumulado e materna na questão do cuidado, atenção. Nisso também se
torna relevante a função castradora da escola.
[...]
É confortante saber que o professor não pode dar conta de tudo e que existe o
inconsciente como algo desconhecido que determina muito nas relações pedagógicas.
Não temos o controle total do que dizemos e de suas conseqüências, porém podemos
nos colocar como mediadoras, não numa posição de saber tudo, mas reconhecer as
diferenças.
(N. C. G.)
Acredito que o tema inconsciente agora contribuiu para a minha formação: entender e
“saber lidar” com ele, saber “interpretar” (ou melhor, compreender) o que está se
passando com a criança e saber como lidar em diversas situações (Aspas e grifo
nosso).
(M. F. W.)
Uma vez conhecendo os princípios de manifestação e funcionamento do inconsciente,
não se consegue mais olhar para a relação “eu-outro” com os mesmos olhos, isto é, de
forma pragmática e racional. Isso pode ajudar imensamente a minha atuação como
educador.
(E. T. D.)
A noção de inconsciente, objeto de estudo da psicanálise, auxilia na formação do
professor especialmente acerca da incompletude, ajudando na formação de aprendizes
162
pensantes e criativos, e não apenas receptores passivos do conhecimento
historicamente acumulado. [...]. O reconhecimento desse conceito, além da
compreensão de outros, orientam o professor na sua prática cotidiana.
(M. V. S.)
2) A transferência na ação educativa:
Uma outra questão importante para que eu entendesse melhor a relação professor-
aluno foi referente ao processo de transferência . O aluno pode transferir as relações
tanto de amor quanto de ódio que tem com os pais para o professor. É uma busca de
modelos que o aluno traz para a escola. [...]. Por isso é importante que o professor
trabalhe, como base, no campo do emocional do aluno e pensar no que há por trás,
para não julgá-lo de maneira equivocada.
(N. C. G.)
Coloco o fenômeno da transferência como aspecto significativo e importante para a
minha atuação de educador. Sempre me incomodou as posturas apáticas ou empáticas
de umas pessoas em relação às outras, no sentido de que sem nenhum motivo
aparente, consciente, uma pessoa pode gostar de outra ou odiá-la. Embora não tenha
percebido isso aqui na disciplina, já vivenciei em outros ambientes.
(E. T. D.)
3) Idealização da educação:
Nessa mesma referência de transferência está a idealização por parte do professor
com seus alunos. O professor procura se realizar na criança e a imagina ser um ideal,
não lida com a criança real.
(N. C. G.)
Como educador, pude assimilar na prática o quanto a escola contribui para fazer do
sujeito o que dele ela espera. Ao traçar seus objetivos curriculares, não indaga
diretamente seu público, ignorando a palavra deste – o que será comprovado pelo
sujeito no curso, onde sua voz não terá maior peso diante da do mestre. A escola,
então, forma indivíduos apenas para ouvir. Os professores são pessoas formadas
163
apenas para falar e controlar as idiossincrasias de seus alunos, pois no universo
“objetivo” não há lugar para o sujeito (Aspas nossas).
(M. C. S.)
4) Outros:
Penso que na minha formação de educadora uma importante contribuição da
psicanálise foi relacionada ao complexo de Édipo . Tinha muito preconceito com
relação a essa questão, pois a entendia como um exagerado enfoque da sexualidade
infantil que seria sem sentido. Porém, para entendermos as relações que se dão em
sala de aula da Educação Infantil, de fato percebi importantes contribuições de Freud.
Esse entendimento me leva a ter uma compreensão para as atividades a serem
adotadas em sala: de conhecimento do corpo da criança, desenvolvimento dos
sentidos, a socialização com outras crianças.
[...]
Vejo a grande influência e importância do educador em sala de aula, como suas
atitudes ensinam, reforçam, apóiam ou abafam e não potencializa o melhor do aluno.
Vejo que, como princípios, trago para mim a vontade, o entusiasmo de estar em sala
de aula, ciente de sua importância.
(N. C. G.)
O recalque , na medida certa, é salutar ao aparelho psíquico . Neste sentido, a filiação
às traduções existentes numa sociedade, operacionalizada pela educação, como afirma
Lajonquière, é necessária à formação dos sujeitos. Ter o conhecimento desse fato faz
com que o educador fique menos propenso a cair nas armadilhas de certas concepções
de educação excessivamente permissivas ou repressoras.
(E. T. D.)
Através da memória educativa podemos conhecer nossos alunos , saber como vem
sendo seu caminho dentro do universo escola. É um instrumento (dispositivo) que nos
possibilita detectar (compreender) certos conflitos existentes, até mesmo nossos (Grifo
nosso).
(M. F. W.)
164
As concepções psicanalíticas, portanto, se forem bem entendidas,
poderão “apaziguar” as preocupações dos professores, retirando a exigência
do controle excessivo e indesejável, permitindo-lhes adotar uma postura mais
“humilde” e “consciente” de seus limites no papel de ajudar o outro a se
tornar um sujeito livre e produtivo; ao propiciar uma relação humanizadora,
auxiliando seus alunos a se tornarem capazes de julgar, de pensar
criticamente, de estabelecer relações abstratas, enfim, de exercitar sua
autonomia.
A compreensão dos testemunhos apresentados nos remete às reflexões
de Kupfer (2001, p. 98-99):
O encontro entre o que foi ensinado e a subjetividade de cada um é que torna possível o pensamento renovado, a criação, a geração de novos conhecimentos. Esse mundo desejante, que habita diferentemente cada um de nós, estará sendo preservado cada vez que um professor renunciar ao controle, aos efeitos de seu poder sobre seus alunos. Estará preservado cada vez que um professor se dispuser a desocupar o lugar de poder em que um aluno o coloca necessariamente no início de uma relação pedagógica, sabendo que, se for atacado, nem por isso deverá reprimir tais manifestações agressivas. Ao contrário, saberá que estão em jogo forças que ele não conhece em profundidade, mas que são muito importantes para a superação do professor como figura de autoridade e indispensáveis para o surgimento do aluno como ser pensante. Matar o mestre para se tornar o mestre de si mesmo, esta é uma lição que pode ser extraída até mesmo da vida de Freud.
Bem sabemos que tais resultados não se esgotam por aqui. Devido à
riqueza enunciativa, ainda poderão proporcionar reflexões inúmeras, aliadas a
outras, a respeito das implicações proporcionadas pelo estudo da psicanálise
na formação de professores. Sem o propósito de atribuir um “ponto-final” aos
165
dados, nos comprometemos em continuar as ricas análises desses resultados
nos próximos trabalhos.
CAPÍTULO 8
CONSIDERAÇÕES FINAIS E (IN)CONCLUSÕES
O papel do professor não é levar respostas à criança, mas fornecer-lhe uma ferramenta útil de que a criança possa servir-se no dia em que tiver o desejo de aprender.
(Maud Mannoni, 1977)
Ao longo desta pesquisa buscamos compreender a produção (ou não) de
efeitos proporcionados pela transmissão de um saber fundamentado na teoria
psicanalítica. Por meio da elucidação da análise realizada, pudemos constatar
que o impacto da disciplina ‘Inconsciente e Educação’ na formação do
pedagogo da Faculdade de Educação da UnB parece estar relacionado ao
reconhecimento dado pelos próprios cursistas acerca da importância da
atuação do inconsciente na relação pedagógica e educativa.
166
Jerusalinsky (1999) contribui com este raciocínio argumentando que os
pedagogos de hoje reconhecem, independentemente de atribuir ou não à
psicanálise tal constatação, o valor do equívoco, do lapso, da formação lacunar
(incompleta) e da estratégia que rompe a lógica linear e racional do ensino,
como possíveis caminhos para a descoberta de novos conhecimentos. Isto
configura o fascínio da pesquisadora pela clareagem psicanalítica, por
proporcionar uma viragem em sua própria formação.
Contudo, não estamos propondo que a psicanálise seja “utilizada” pela
educação como mais uma estratégia ou método, tendo em vista que os fins
buscados por esta não se coadunam com os da ética psicanalítica.
Não há como construir um método pedagógico a partir do saber psicanalítico sobre o inconsciente, já que esse saber poderia ser formulado mais ou menos assim: “não há método de controle do inconsciente” (KUPFER 2001, p. 75).
Entretanto, a psicanálise pode lançar luz ao desejo pelo qual se dá a
possibilidade de aprender por meio da educação. É nesse sentido que a
psicanálise mostra como a educação é impossível sem o desejo inconsciente
de aprender.
Longe de se pressupor um “ponto final” a respeito desse estudo, dada a
complexidade de seu objeto, a pesquisa contribui neste momento com a
proposta de que o ensino da psicanálise a educadores abre-lhes possibilidades
para (re)pensar suas relações com o saber e com o exercício de educar de
forma distinta dos ideais cientificistas da pedagogia e da transmissão sem
efeitos da ilusão universitária.
167
Por outro lado, para além de manejo teórico, os efeitos da transmissão
de um saber apoiado na psicanálise produzem mudanças de posições, uma
outra forma de enxergar a si e ao outro se assim estiver condizente com
desejo do professor e do aluno.
No lugar de buscar garantias racionais e metodológicas, o educador atravessado pela psicanálise conhece e assume a responsabilidade pela transmissão, pois reconhece que não há transmissão ou educação sem implicações (MONTEIRO, 2005, p. 170).
Assim, cabe na formação dos educadores o entendimento de que em
toda atividade humana, em especial no cenário pedagógico, o inconsciente
está presente, existe e produz efeitos, não havendo, contudo, como conhecer,
a priori, as repercussões de seus ensinamentos, de seu estilo pessoal
(ALMEIDA, 2006).
Como pontua Kupfer (2000):
Quando um professor entra em contato com a psicanálise, ouve falar do sujeito. Continua sem saber como atingi-lo, como manipulá-lo, como enfiar em sua cabeça o que sua racionalidade supõe que ele deveria aprender. Continua sem métodos, e o sujeito do qual ouviu falar torna-se mais misterioso do que nunca. Mas esse professor aprende a levá-lo em conta, aprende que visa um alvo e acerta em outro, reaprende que visa à consciência de seu aluno mas atinge o sujeito (isto quando ele efetivamente aprende) (p. 121-122).
À guisa de (in)conclusões, lembramos o “velho” Freud (1911):
A educação pode ser descrita sem maiores hesitações como um estímulo à superação do princípio do prazer, à substituição deste pelo princípio da realidade. Ela se propõe a oferecer ajuda complementar ao processo de desenvolvimento que ocorre no
168
EU, utilizando-se para esse fim recompensas amorosas por parte dos educadores (In ALMEIDA, 2006, p. 03).
Temos, portanto, uma suposta clareza de que a transmissão da
psicanálise na universidade está para além do ensino de um saber teórico, que
poderia se desdobrar em suas dimensões clínicas, metodológicas e técnicas,
mas respaldada, principalmente, na singular experiência analítica inaugurada
pelo saber psicanalítico. Por outro lado, defendemos a idéia de que no curso de
formação de pedagogos da Faculdade de Educação da UnB há a transmissão
de um saber (à luz da teoria psicanalítica) que é suposto por inscrever-se na
ordem do incompleto, da falta e dos restos, e que se apóia (muito mais que em
preocupações didático-metodológicas) na noção da transferência sustentada
pela suposição de saber e mantida pelo compromisso com a educação.
Entretanto, ainda nos restam algumas questões, enquanto restos
proporcionados pela pesquisa de mestrado acadêmico: como os pedagogos,
que se valeram da oportunidade teórica da psicanálise em seu percurso
formativo, atuam em sua prática docente? Seria possível colocar em prática o
que foi compreendido pela teoria? Além disso, qual seria a postura do
professor que teve um mínimo contato com a teoria psicanalítica perante
aquilo que provém do aluno? Essas e outras questões fazem parte de um
roteiro inicial para novas e futuras investigações, demonstrando, pois, que o
final de um trabalho é apenas o pontapé inicial do próximo, na tentativa de
perseguir a seqüência ilusória em busca de um finito. Cada vez está mais
claro: isto é apenas o começo...
169
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Apêndices
176
APÊNCIE “A” - Questionário semi-aberto inicial (sujeitos egressos)
Prezados egressos da disciplina INCONSCIENTE E EDUCAÇÃO,Em se tratando do início das investigações acerca do problema de pesquisa que constitui meu projeto de Mestrado acadêmico, cujo enunciado é “qual o impacto da disciplina Inconsciente e Educação na formação do pedagogo?”, venho solicitar a vocês, gentilmente, o preenchimento deste questionário (semi-estruturado) visando levantar algumas questões iniciais de cunho subjetivo. Vale considerar que sua identidade permanecerá em sigilo.DESDE JÁ, AGRADEÇO A COLABORAÇÃO.
1) Você está exercendo, atualmente, a docência? ( ) SIM ( ) NÃOEm caso positivo, em que modalidade do ensino você atua? __________________________________________________________________________
2) Como está sendo sua experiência docente?________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
3) Ao ingressar na disciplina Inconsciente e Educação, ainda na academia, quais eram suas expectativas em relação à mesma?________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
4) A disciplina Inconsciente e Educação correspondeu suas expectativas? ( ) SIM ( ) NÃOPor que?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
5) A partir dos assuntos/conceitos abordados na disciplina Inconsciente e Educação, o que você pode observar atualmente em sua prática?____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
177
Muito obrigada!
APÊNCIE “B” - Memória Educativa (sujeitos ingressos e egressos)
Prezado participante,
A elaboração da memória educativa é um processo de construção e
(re) construção de sua identidade como professor. A proposta é a de que
você possa fazer uma volta ao passado com a intenção de resgatar pessoas,
episódios e ou situações das experiências vivenciadas em sua vida escolar.
Esta sugestão tem como objetivo considerar a sua dimensão histórica e as
vicissitudes do seu processo de formação. È importante ressaltar que isso é
uma sugestão! Não significa que, necessariamente, tenha que ser seguido
na íntegra. Não se atenha ao número de páginas do seu relato. Não existe
um limite pré-determinado. Sinta-se livre!
Salientamos, ainda, que a memória educativa é um essencial
dispositivo de coleta de dados desta pesquisa.
Desde já, agradecemos sua colaboração!
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APÊNCIE “C” – Atividades avaliativas da disciplina (sujeitos ingressos)
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__________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
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Anexos
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Universidade de BrasíliaFaculdade de EducaçãoDepartamento de Métodos e Técnicas ( MTC)Código: 192911Disciplina: Inconsciente e EducaçãoProf Drª Inês Maria M. Z. Pires de Almeida
Ementa: A disciplina pretende aprofundar os estudos sobre os elementos objetivos e subjetivos do processo de formação do professor subscrevendo a importância do lugar do inconsciente a partir da leitura psicanalítica. A Psicanálise não pode e não deve propor fins e meios educativos, mas pode elucidar sobre aquilo que não deve ser feito em matéria educativa, ou seja, colocar no eixo da ética a intervenção educativa do adulto no espaço escolar.
Objetivos específicos
. que a leitura psicanalítica do campo pedagógico e educativo possibilite e incite à interrogação da prática escolar pelo professor colocando-o ou (re) colocando-o na posição de criar.
. aprofundar estudos e reflexões sobre a questão relacional, encará-la de frente exorcizando fantasmas que povoaram a caminhada do professor, em especial, instalados no inconsciente individual e/ou coletivo.
. trabalhar com a identidade do professor como pessoa e profissional, resgatando a importância do inconsciente e da subjetividade na relação pedagógica, para isso as reflexões e análises da memória educativa assumem papel significativo e relevante.
Conteúdo Programático
1 - Psicanálise, Psicologia e Educação: objeto, natureza e métodos no trabalho do educador.
1.1 O sonho possível: Freud pensa a Educação
1.2 O Desejo de saber: uma teoria freudiana da aprendizagem
2 – Da paixão de formar: uma contribuição psicanalítica à formação de educadores.
2.1 Psicanálise e Educação: passado, presente, futuro e perspectivas.
3 - O Erro de renunciar à Educação.
186
4 – Memória educativa e as ferramentas conceituais da Psicanálise. 5 - A Transferência na Ação educativa
Atividades desenvolvidas no curso
Aulas expositivas, leituras, análises e discussões de textos, resenhas de livros e/ou artigos e análise crítica de filmes. Reflexões e análises da memória educativa dos estudantes referenciadas a partir do aporte psicanalítico.
Critérios de Avaliação
Através de provas (2) e elaboração de resenhas e/ou análise crítica de filmes (2) cuja somatória deverá ser expressa numericamente, dividida por 4 e transformada em conceitos como avaliação final do curso.
Referenciais Bibliográficos
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA-UnBFACULDADE DE EDUCAÇÃO-FE
MESTRANDA: NASTASSJA L. SILVA NÉTO
TERMO DE CONCORDÂNCIA
Eu, ___________________________________________________________, estudante do
_________ semestre do curso de _________________________ da Universidade de
Brasília, venho, por meio deste termo de concordância, formalizar minha
participação voluntária como sujeito de pesquisa do projeto da mestranda
Nastassja Lopes Silva Néto, cujo tema é Inconsciente e Educação: um
diálogo possível na formação do pedagogo.
________________________________________________________Assinatura
TERMO DE COMPROMISSO
Eu, Nastassja Lopes Silva Néto, mestranda do Programa de Pesquisa e Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, me comprometo a respeitar os participantes desta pesquisa, preservando suas
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identidades originais, e atribuir, quando necessário, um pseudônimo para dar voz à informação.
_________________________________________________________Assinatura
___________________________________________________________Profª Drª Inês Maria M. Z. P. de Almeida
Orientadora
Brasília, Outubro de 2006.
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