59
75 NAÇÃO DEFESA A Intervenção Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construção de uma Nova Ordem Internacional? Primavera 2001 Nº 97 – 2.ª Série pp. 75-134 Paulo Canelas de Castro Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

NeD097 PauloCanelasdeCastro Kosovo

  • Upload
    andrey

  • View
    15

  • Download
    2

Embed Size (px)

DESCRIPTION

sobre independência de kosovo

Citation preview

  • 75NAODEFESA

    A Interveno Armadae o Caso do Kosovo Novos Elementos

    para a Construo de umaNova Ordem Internacional?

    Primavera 2001N 97 2. Srie

    pp. 75-134

    Paulo Canelas de CastroAssistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

  • 77NAODEFESA

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

    INTRODUO: O PROBLEMA DE FUNDO

    Na sua contnua voracidade, a Histria, com o Caso da crise humani-tria no Kosovo1, provocada pela brutalidade do regime jugoslavo eque por isso mereceu a forte reaco internacional dramaticamenterepresentada na Operao area Fora Aliada2 da NATO, iniciadaem 24 de Maro de 1999 e suspensa em 10 de Junho do mesmo ano,veio reabrir a vexata quaestio da licitude das intervenes armadasno (directamente) onusinas3. Mais amplamente at, o Caso do Kosovoveio (re)colocar a Comunidade Internacional perante dilacerantesdilemas quanto ao caminho a percorrer na procura de uma (nova)Ordem Internacional fundada numa paz mais justa4.

    1 Sobre o desenrolar dos acontecimentos da crise, em geral, cfr. Kosovo: The Historical and PoliticalBackground, in .De entre o rol de atrocidades e horrores em que a crise humanitria, em especial, se traduziu(represso e violncia diversa sobre a comunidade tnica maioritria do Kosovo; expulso da terranatal, deslocaes foradas e em massa dos albaneses do Kosovo; destruio sistemtica dehabitaes e povoados; violaes sistemticas das mulheres albanesas; violncia variada sobrecrianas, jovens e velhos; assassnios em massa; supresso da identidade cultural de um povo)destaca-se a poltica de purificao ou de limpeza tnica prosseguida pelo regime de Belgrado.

    2 E depois, tambm, da Operao Porto Aliado que, diversamente da precedente, teve caracters-ticas exclusivamente humanitrias ou de apoio assistncia humanitria.

    3 Ainda que, porventura, como crescentemente acontece, autorizadas pela Organizao mundial, sejade forma expressa (Resolues 770, 787, 816, 836, 908, 1031, 1088, 1174, 1244, 1247 (relativas ex-Jugoslvia), 794 (Somlia), 875 e 940 (Haiti), 929 (Ruanda), 1080 (regio dos Grandes Lagos), 1101e 1114 (Albnia), 1125, 1136, 1152, 1155 e 1159 (Repblica Centro-Africana), 1132 (Serra Leoa), 1216(Guin-Bissau) e 1264 (Timor Leste)), seja de forma implcita. Cfr. a retoma do assunto infra n 71e p. 17.

    4 A doutrina jusinternacionalista portuguesa no tem deixado de dedicar ateno a esta problem-tica, como se documenta no s em passagens dos Manuais de Direito Internacional de refernciamais recentes, como tambm nos artigos de Marques Guedes, Moura Ramos, Azeredo Lopes e MeloRocha in Universidade Catlica Portuguesa, A Crise do Golfo e o Direito Internacional, Porto, 1993,respectivamente a pp. 37-59, 19-35, 61-137 e 187-205; ou de Gomes Canotilho e Francisco Ferreirade Almeida, in Instituto da Defesa Nacional, A Ingerncia e o Direito Internacional, Lisboa, 1996,respectivamente a pp. 9-33, 145-170; para alm dos contributos de J.M. Pureza, Da guerra justa guerra justificada?, Poltica Internacional, 1994-1995, n 10; M. Ramos Carmona, M. F.B. Silva, M.I.Alves Vieira, S. Vital de Figueiredo, Direito de Interveno Humanitria, Revista Jurdica daAAFDL, 1996, n 20, pp. 259-297 e Isabel Raimundo, Imperativo humanitrio e no-ingerncia, Lisboa,1998. Permita-se-nos, por fim, que relembremos alguns dos textos em que ns prprios nos fomosdebruando sobre esta matria: Mutaes e Constncias da Neutralidade, Coimbra, 1990, policopiado;Da no interveno interveno? O movimento do pndulo jurdico perante as necessidades dacomunidade internacional, BFDUC, 1995, vol. LXXI, pp. 287-345; tambm aparecido in Institutoda Defesa Nacional, A Ingerncia e o Direito Internacional, Lisboa, 1996, pp. 77-129; De quantasCartas se faz a paz internacional?, in Antunes Varela, Diogo Freitas do Amaral, Jorge Miranda,J.J. Gomes Canotilho (eds.), Ab Uno Ad Omnes. 75 Anos da Coimbra Editora. 1920-1995, Coimbra, 1998,pp. 1005-1060.

  • 78NAODEFESA

    Paulo Canelas de Castro

    Do ponto de vista do corpus iuris gentium, coloca-se um problema funda-mental: se se trata de, ex novu, pr em causa a, afinal j no to recente,Nova Ordem Internacional, proclamada por um Presidente americano noentusiasmo do fim da Guerra Fria5 (e que, embora sem correspondnciaabsoluta com o esquema da Carta das Naes Unidas6, envolve publici-zao ou colectivizao do emprego da fora armada nas relaes inter-nacionais; se no, directamente, pelo Conselho de Segurana, pelo menospor coligaes de Estados membros da ONU, capazes e dispostos a actuarem nome da Comunidade Internacional e como instrumento de (re)afir-mao sancionadora da sua legalidade e de interesses comuns), ou se,pelo contrrio, se trata de dar continuidade a formas de utilizaoprimacialmente unilateral de fora7, j muito antes concebidas, ainda que,eventualmente, aperfeioando-as, e nomeadamente pelo confronto comcircunstncias novas.O problema geral pode ainda analisar-se em trs questes particularesmais relevantes:

    1. uma questo, simultaneamente material e metdica, sobre a naturezae o papel do Direito Internacional, que nos leva a inquirir sobre o modoadequado da (re)construo do mesmo e se se h-de com ele lidar comrgido formalismo ou antes se impe dar prova de flexibilidade criati-va, especialmente tendo em ateno as peculiaridades do tempo coevo;

    2. uma questo sobre o significado institucional do Caso do Kosovo e dainterveno armada correspondente, no quadro da qual avulta a interro-gao complementar sobre se a situao constitui indcio de (admissvel)cooperao interorgnica ou antes de (questionvel, ou mesmo intole-rvel) concorrncia de estruturas, e quais os modelos de relao inter-ins-titucional (porventura alternativamente) concebveis ou desejveis8;

    5 Apesar de tudo, bem mais comedido do que o analista da mesma nacionalidade, que at o fim da His-tria vaticinou... Cfr. F. Fukuyama, The End of History?, The National Interest, 1989, n.16, pp. 3-18.

    6 Continua este a ser um dado estrutural da vida internacional. Decorre, nomeadamente, do facto depersistir a incapacidade da Sociedade Internacional para assegurar o preenchimento da condio decelebrao dos acordos especiais de disponibilizao ONU de foras armadas nacionais nostermos previstos pelo artigo 43 da Carta das Naes Unidas.

    7 Nesta linha, por exemplo, a excelente sistematizao de Linos-Alexandre Sicilianos, Les ractionsdcentralises lillicite. Des contre-mesures la lgitime dfense, Paris, 1990, LGDJ.

    8 O problema no novo, tanto num quadro terico, em que ainda hoje se destacam as reflexes deMichel Virally, LOrganisation mondiale, Paris, 1972, pp.295-297, como no prtico plano normativo,sendo que a esteve mesmo na base do equilbrio constitucional nsito na Carta das Naes Unidas.

  • 79NAODEFESA

    3. uma questo sobre o seu significado jurdico-material, no contexto daqual importa indagar se o Caso do Kosovo configura um precedentede derrogao da ordem estabelecida ou antes particularidade deconfirmao de mais funda tendncia normativa de reponderao dosvalores cimeiros de uma Comunidade Internacional em contnuo fieri.

    Poder-se-ia ainda, com certeza, configurar algumas outras indagaes,de alcance mais restrito, como a relativa ao papel e s (auto) limitaesda NATO num tal contexto; nomeadamente se, a montante, a Orga-nizao constitui uma Organizao regional, notius para efeitos do regi-me estatudo pelo Captulo VIII da Carta das Naes Unidas, e se a suanatureza, tradicional, de entidade de defesa colectiva, se transmudouj plenamente9, permitindo que hoje antes se trate a Organizao comoentidade de cooperao na regio euro-atlntica, especialmente nasensvel matria da paz e segurana internacionais10. Como se pode-ria perguntar se uma tal interveno, para ser lcita, luz do regimeautnomo da NATO, no supunha que a Organizao tivesse um outrodocumento constitucional, ou, pelo menos, um outro conceito estrat-

    9 Neste sentido constituem elementos inquestionavelmente importantes a instituio da Parceriapara a Paz (j vulgarmente conhecida pela sigla PPP), em 1994, e do Conselho de ParceriaEuro-Atlntica (CPEA), em 1997; a assumpo de funes no mbito temtico da gesto de crisesinternacionais e preveno de conflitos; a prtica de dilogo e consultas regulares com terceirosregionalmente relevantes, num sentido de cooperao, como a Rssia ou a Ucrnia (com a primeira,por intermdio do Conselho Conjunto Permanente NATO-Rssia; com a segunda, atravs daComisso NATO-Ucrnia e tambm de Cimeiras paralelas, como a que reuniu os Chefes deEstado e de governo da NATO com o Presidente da Ucrnia, aquando do encontro de 1999, emWashington), ou ainda os Estados mediterrnicos do Egipto, Israel, Jordnia, Mauritnia, Marrocos,Tunsia e Arglia (no quadro do Dilogo Mediterrnico).

    10 O problema, recondutvel complexa questo, mais abstracta, do contedo da noo de acordo ouorganismo regional do Captulo VIII da Carta das Naes Unidas, tem, justamente devido a estecaso, vindo a suscitar uma nova vaga de reflexo doutrinal a que infra se faz referncia (cfr. notas121 e 138). Entretanto, sobre o modo como tradicionalmente se perspectivava, no planojurdico-internacional, o modelo de relao de colaborao entre a instncia mundial e as Organi-zaes regionais, no domnio das tarefas de manuteno da paz e segurana internacionais e dasoluo pacfica dos conflitos internacionais, cfr. os nossos Direito Internacional Pblico II (Conti-nuao). Sumrios das lies ao 5 Ano Jurdico de 1988-1989, preleccionadas pelo Dr. Barbosa de Melo e peloDr. Paulo Canelas de Castro, Coimbra, s.d. (1989), policopiado, Parte III, pp. 1-31 e E.N. van Kleffens,Regionalism and Political Pacts: with Special Reference to the North Atlantic Treaty, AJIL, 1949,vol.43, pp. 668-669; H. Kelsen, Is the North Atlantic Treaty a Regional Arrangement?, AJIL, 1951,vol.45, pp. 162-165; H. Kelsen, The Law of the United Nations: A Critical Analysis of Its FundamentalProblems, 1966, pp. 319-320; M. Akehurst, Enforcement Action by Regional Agencies, with SpecialReference to the Organization of American States, BYBIL, 1967, vol.42, pp. 177-180; W. Hummere M. Schweitzer, Article 52, in B. Simma (ed.), The Charter of the United Nations: A Commentary,1994, pp. 689-691, 694, 699.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 80NAODEFESA

    gico11. Poder-se-ia mesmo interrogar, mais a jusante, se a intervenono devia ter implicado uma conduta diversa das operaes12. Contudo,razes de economia e a clara opo por um certo grau de generalidade

    11 A questo, cometida pela Cimeira de Madrid de 1997, e genericamente designada de adaptao daNATO aos desafios de segurana do sculo XXI, esteve no cerne dos debates da histrica 15Reunio Cimeira da Organizao, comemorativa do meio sculo da sua existncia, e realizada emWashington, de 23 a 25 de Abril de 1999. Cfr. Revue de lOTAN, 1999, N.2. O conceito estratgico daAliana foi efectivamente revisto no quadro da Cimeira. Cfr. texto in Revue de lOTAN, 1999, n. 2,pp.D7-D13 e a anlise respectiva de Anthony Gragg, Un nouveau Concept stratgique pour unere nouvelle, idem, pp.19-22. Esta reviso no constitui, contudo, um corte coperniciano; nomeada-mente porque no h abandono da vocao de defesa poltica e militar dos Estados da regioclaramente enunciada pelo art. 5 do Tratado do Atlntico Norte; texto in UNTS, vol. 34, pp. 243, ss..Antes se trata de uma evoluo na continuidade relativamente ao conceito estratgico de 1991. Naverdade, este j sufragava um conceito amplo de segurana, enunciador de um esforo fundamentalde cooperao bi-dimensional (poltica e militar). E, em conformidade, promovia uma arquitecturade segurana europeia fundada na cooperao e parceria com Estados vizinhos, em detrimento dovelho confronto poltico e militar dos tempos da guerra fria. Um dos desenvolvimentos maissignificativos a adjuno de uma terceira dimenso s duas dimenses, poltica e militar, doconceito de 1991. Esta novidade constituda pela previso de cooperao da NATO relativamentea planos de emergncia e de natureza cientfica e ambiental.

    12 Preocupados em particular, com a hiptese de a conduta da NATO ser dificilmente compaginvel como imprescindvel respeito do direito internacional humanitrio, maxime no que contende com o princpioda proporcionalidade das aces empreendidas, aventamo-lo na Mesa redonda em que, sobre o Caso doKosovo, comparticipmos e que se documenta in Forum Iustitiae, 1999, n.4, pp. 6-15, notius pp.10. Serem razo da mesma preocupao que o Tribunal Internacional de Justia entendeu chamar a ateno deambas as partes no conflito para o dever de respeito das regras do direito internacional humanitrio. Oque fez nas mesmas decises, proferidas no dia 2 de Junho de 1999, em que rejeitou as peties jugoslavasde medidas provisrias para que os Estados membros da NATO fossem conduzidos a cessar imedia-tamente os [seus] actos de uso da fora e a cessar qualquer acto de ameaa ou uso da fora (cfr.International Court of Justice, Legality of Use of Force Yugoslavia v. Belgium, N 105; Yugoslavia v. Canada,N 106; Yugoslavia v. France, N 107; Yugoslavia v. Germany, N 108; Yugoslavia v. Italy, N 109; Yugoslaviav. Netherlands, N 110; Yugoslavia v. Portugal, N 111;Yugoslavia v. Spain, N 112; Yugoslavia v. UnitedKingdom, N 113; Yugoslavia v. United States, N 114), in ).Aparenemente no mesmo sentido, leiam-se as advertncias do Procurador do Tribunal Penal Interna-cional para a ex-Jugoslvia, bem como da responsvel mxima da Comisso dos Direitos Humanos dasNaes Unidas, Mary Robinson (cfr. Report on the Human Rights Situation involving Kosovo, de30 de Abril de 1999, in ). Em tom espe-cialmente crtico, e mesmo peremptrio quanto qualificao devida, de crimes de guerra, dosfactos alegadamente tidos por certos, cfr. tambm Raju G.C.Thomas, NATO and InternationalLaw, ; e Robert Hayden, Humanitarian Hypocrisy,. A questo tanto mais relevante quanto parece impender sobre osEstados interventores um dever jurdico de especial cuidado na execuo da operao humanitria,traduzido, justamente, em obrigaes de necessidade e proporcionalidade, de fundamento consuetudi-nrio. Trata-se, alis, de um dever que corresponde a uma exigibilidade que se afigura natural no planomoral ou poltico, uma vez que relativa credibilidade ou coerncia de uma operao que se pretendefundada em imperativos to rigorosos. E que se refora pelo facto de os bombardeamentos se teremrealizado fora do quadro estrito da Carta das Naes Unidas e mesmo do tratado institutivo da NATO.E que, por fim, se sublima juridicamente no facto, paralelo, de tanto a teoria como a prtica convencionaldos direitos humanos, em que se busca a inspirao humanitria da interveno, no raro consagraremcorrespectivas responsabilidades ou deveres a cargo de Estados ou povos (cfr., por exemplo, o artigo32 da Conveno Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, in UNTS, vol. 1144, pp. 123, ss, ou os artigos27-29 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, de 1981, in ILM, 1982, vol. 21, pp. 59, ss.).

    Paulo Canelas de Castro

  • 81NAODEFESA

    induzem-nos a pouco mais fazer que superficial afloramento de taisproblemas, e sempre no quadro das questes principais consideradas13.

    1. QUESTO METDICA

    A questo do mtodo14 (de reconstruo) do Direito Internacional no ,com certeza, uma questo menor. Temos para ns que at indcio daqualidade superior e relevncia de um Caso que ele nos obrigue a afrontaro nvel, mais subterrneo, dir-se-ia, dos problemas desta natureza. ODireito Internacional sempre viveu um dilema essencial entre professar omtodo legalista, vincadamente favorecido pelo positivismo, que oagarra estreitamente letra dos compromissos estaduais assumidos e que,de alguma sorte, o parece aproximar da prtica tradicional de ordenamentosmais perfeitos, como os nacionais, e um outro, mais solto, que, emborao parea predispor s evolues que sempre se confirmam necessriasperante o dinamismo e a novidade das circunstncias da vida internacio-nal, tambm no pode ser acolhido sem peias, sob pena de se incorrer numinsuportvel arbtrio, prprio quer do pragmatismo realista15, quer, noextremo oposto, de um intelectualismo doutrinal ou de um moralismointernacionalmente no legitimado e mesmo esterilmente utpico16. Sob a

    13 Veja-se, contudo, o que infra se diz, in nota 138, bem como, na doutrina, Oliver Suhr, The NATOTreaty as a treaty on wheels, comentrio a artigo de Bruno Simma, NATO, the UN and the Useof Force: Legal Aspects, EJIL, 1999, Vol.10, n.1, pp. 1-22; Raju G.C. Thomas, NATO andInternational Law, ; Ivo H. Daalder, NATO, the UN,and the Use of Force, ; J.Kozyris, Delayed Learningfrom Kosovo: Any Chance of Common Understandings of Facts and Law?, ; Robert Hayden, Humanitarian Hypocrisy, .

    14 As aspas que oneram a epgrafe visam denotar o desconforto sentido perante a ambivalentenatureza do problema, afinal tambm de carcter substantivo, e prximo, entre outros, do domnio,fundamental e estruturante, das fontes prprias deste ordenamento jurdico.

    15 Claramente inflaccionada com a ecloso da Guerra Fria, esta teoria e tendncia , inquestionavelmente,a que mais extrema o dilogo tenso entre Direito Internacional e poltica internacional. F-lo a umponto tal que o primeiro se arrisca a perder autonomia ou consistncia.

    16 Vide Scott, International Law as Ideology: Theorizing the Relationship between International Law andInternational Politics, EJIL, 1994, vol. 5, pp. 313, ss.. tambm disto que se trata, ao nvel mais profundo,se bem vemos, nos interessantes artigos de Philip Alston, The Myopia of the Handmaidens: InternationalLawyers and Globalisation, EJIL, 1997, vol. 8, pp. 435, ss. e de Shirley V. Scott, International Lawyers:Handmaidens, Chefs, or Birth Attendants? A Response to Philip Alston, EJIL, 1998, vol. 9, n 4, pp.750-756. Eles tm ainda o mrito de, mais visivelmente, discutirem se o Direito Internacional ter sabidocaptar, integrar ou potenciar a era da globalizao que acompanhou o ocaso do velho milnio. Era R.-J.Dupuy que, muito apropriadamente, distinguia entre uma utopia criativa e conformadora, influente sobrea realidade, e uma outra que, de to divorciada desta, se torna estril.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 82NAODEFESA

    aparncia de um debate polarizado em duas vias exclusivas, pode, contu-do, aventamos, estar uma terceira senda terica na qual antes poderresidir a resposta que se deve ter por mais bondosa.A soluo positivista pode naturalmente louvar-se na estrutura relacionaldominante da Sociedade Internacional e na feio contratualista doprocesso gentico tradicional do Direito correspondente. Em contrapartida,levada ao extremo, acaba por redundar numa intolervel rigidez queapenas excepcionada em casos extremos e ainda de acordo com modosdemasiado formalizados. Em especial, ela parece particularmente desade-quada obteno de esclarecimentos normativos perante necessidadesnovas ou perante realidades no originariamente consideradas17. O quese afigura tanto mais grave quanto esta parece ser a condio do nossotempo. E o que tem a decepcionante consequncia de, perante momentose situaes de maior riqueza e originalidade, condies que, noutraleitura, antes se teriam por conformadoras, tal perspectiva surgir comoinescapavelmente abdicacionista e se ver mesmo repetidamente cons-trangida resignada fatalidade de, tabelionicamente, ter que proceder aodescorooante registo da ocorrncia de srias violaes do Direito.Diversamente, a via metodolgica construcionista18 antes chama a aten-o para a natureza procedimental do Direito Internacional19 e, em

    17 Como resume Martti Koskenniemi, From Apology to Utopia. The Structure of International LegalArgument, Helsinki, 1989, p. 155, em tal hiptese, o Direito normativamente forte mas de alcancerestrito.

    18 Rectius aquela corrente metodolgica emergente que, no quadro especfico do Direito Internacional,se aparenta com esta teoria de Relaes Internacionais (um exemplo prtico deste esforo constitudo por trabalhos recentes de Jutta Brunne e Stephen Toope, no domnio particular dodireito dos cursos de gua internacionais; cfr. The Changing Nile Basin Regime: Does LawMatter?, no prelo). Na linha de pensamento que, no quadro da Teoria das Relaes Internacionais,directamente merece esta designao, as normas particulares e valores comuns ou partilhadosassumem uma posio crucial no sistema das relaes internacionais prprias desta Sociedademundial, uma vez que as identidades e papis associados dos actores se geram e reproduzem porum processo de dinmica interaco mtua que envolve no s comportamentos mas tambmconcepes partilhadas e compreenses intersubjectivas, ou seja, em que o discurso tanto polticocomo cientfico tem papel primacial na construo da realidade. Assim, A. Wendt, CollectiveIdentify Formation and the International State, American Political Science Review, 1994, n.88,pp. 384-397; Peter J. Katzenstein (ed), The Culture of National Security, New York, 1996; A. Wendt eD. Friedheim, Hierarchy under Anarchy: Informal Empire and the East German State, in ThomasJ. Biersteker e C. Weber (eds.), State Sovereignty as a Social Construct, Cambridge, 1996, pp. 248-254;Strang, Contested Sovereignty: The Social Construction of Colonial Imperialism, idem, p. 22;Alexander B. Murphy, The Sovereign State System as Political Territorial Ideal: Historical andContemporary Considerations, ibidem, pp. 81-120; Thomas J. Bierstecker e Cynthia Weber, TheSocial Construction of State Sovereignty, ibidem, pp. 1-120; Radney Bruce Hall, Moral Authorityas a Power Resource, International Organization, 1997, n.51, p.359; e John Gerard Ruggie, What

    Paulo Canelas de Castro

  • 83NAODEFESA

    particular, para o valor que, no quadro dos processos genticos do DireitoInternacional, se devolve ao costume20. Assim , sobretudo, quando estaforma de criar ou revelar Direito, outrora to paulatina, j aparecedogmaticamente renovada; em especial, para se adequar celeridade davida coeva moderna21 e, em geral, s necessidades do tempo que corre. Eiso que se detecta e pretende evidenciar nas imagticas designaes decostume espontneo22, instantneo23 ou selvagem24. Por outro ngu-lo, e de modo diferente dos cnones da escola realista25 ou mesmo da escolaneo-realista, seja a que hiperboliza as rivalidades dos poderes-Estados26,

    Makes the World Hang Together? Neo-Utilitarianism and the Social Constructivist Challenge,International Organization, 1998, Vol.52, pp. 855-885. De notar ainda que, do ponto de vistaepistemolgico, esta corrente teortica no constitui um bloco monoltico. Antes nela se podedivisar um dissdio fundamental entre os construccionistas convencionais, que aceitam a possi-bilidade de realizao de investigaes sociolgicas objectivas, e os ps-modernistas (exemplar-mente, Jens Bartelson, A Genealogy of Sovereignty, Cambridge, 1995), que rejeitam a hiptese daexistncia de uma realidade objectiva, crentes de que o observador se insinua sempre no objecto daobservao.

    19 No sentido de um Direito Internacional que melhor se compreende se for visto como um procedi-mento de constantes decises ou intersubjectivo dilogo de representaes perante as interpelaesdas situaes da vida e as pretenses que os actores sociais colocam, e no tanto, como preferem asleituras positivistas, como uma rcita de regras estavelmente pr-estabelecidas. Vide,paradigmaticamente, Rosalyn Higgins, Problems and Process: International Law and How We Use It,London, 1994, p.2.

    20 Sobre o problema, em geral, Martti Koskenniemi, From Apology to Utopia. The Structure of InternationalLegal Argument, Helsinki, 1989, pp. 342-421.

    21 No cuidamos aqui de tomar posio no debate, igualmente prprio da hora que corre, sobre se acondio presente ps-moderna ou antes segundo- ou tardo-moderna (neste sentido, JesusBallesteros, Postmodernidad: Decadencia o Resistencia?, Madrid, 1989, pp. 85-87). Ele no , contudo,irrelevante, j que nele perpassa, pelo contrrio, um especial esforo de caracterizao das reali-dades, problemas, interrogaes e mesmo angstias que o Direito Internacional chamado aintegrar ou resolver. o caso da questo dos impactes neste ordenamento do fenmeno dito daglobalizao. Nesta senda, Rdiger Voigt (ed.), Globalisierung des Rechts, Baden-Baden, 1999/2000,Nomos.

    22 Cfr. R. Ago, Science juridique et droit international, RCADI, 1956, vol. 90, tomo II, pp. 932,ss..23 Cfr. Bin Cheng, United Nations Resolutions on Outer Space: Instant International Customary

    Law?, IJIL, 1965, vol. 5, pp. 23-48.24 R.-J. Dupuy, Droit dclaratoire et droit programmatoire: de la coutume sauvage la soft law,

    in SFDI, Llaboration du droit international public. Colloque SFDI, 1975, pp. 132, ss..25 Cfr. H. Kissinger, A World Restored: Metternich, Castlereagh and the Problems of Peace, 1812-1822,

    London, 1957 e H. Morgenthau, Politics Among Nations, 1978, 5 ed.26 K.N. Waltz, Theory of International Politics, 1979, pp. 113, ss. e The Emerging Structure of

    International Politics, International Security, 1993, vol. 18, pp. 44, ss.. Como diz Stephen D. Krasner,Sovereignty. Organized Hypocrisy, Princeton, 1999, p.45, o neo-realismo uma teoria orientada paraos actores, funcional e utilitarista, sendo que, nela, tais actores no caso Estados soberanos racionaise maximizadores de valores so tidos como um dado. Vide ainda a anlise crtica de AlexanderWendt, The Agent-Structure Problem in International Relations Theory, International Organization,1987, vol.41, pp. 336-370.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 84NAODEFESA

    seja a que lhe substitui o choque das civilizaes27 (o que igualmente se nosafigura importante, j que tambm esta linha de pensamento no conseguedeixar de ser unilateralmente claudicante, embora, desta feita, peranteinteresses, estruturalmente fugazes e, quase sempre, do mais forte), e quesempre pe uma particular nfase nas noes de auto-tutela (de poder oude interesses) e de autonomia, a linha metodolgica que tendemos afavorecer, antes se caracteriza, tal como a corrente positivista, por exaltaro valor e a centralidade dos cnones jurdicos. Contudo, e diversamente doque ex necessitate acontecia com aquela outra opo, definitivamente atanto condenada pelo colete de foras das suas auto-suficientes pre-missas metodolgicas e do seu contratualismo sem limites, esta outrasenda para que propendemos no se basta com a simples identificao deum monoltico corpo de regras jurdicas, de natureza e valor nicos equase sempre porosas e mal definidas. Isto , ela no se limita a detectarregras apenas e inevitavelmente conformadoras de um acidental, varivelou disponvel acervo jurdico; ou seja ainda, de um Direito afinal semprefrgil ou dependente da, tendencialmente irrestrita, vontade caprichosados Estados, e, por isso, de alcance precrio ou eminentemente lacunar.Antes tambm atenta na categoria diversa dos princpios cimeiros.Reconhece-lhes mesmo funes sistmicas que, depois, lhe permitemmesmo a todos conceber, regras e princpios, como constituintes de veraordem jurdica28. Expresso dos valores fundamentais ou das opes defim e sentido de uma Sociedade Internacional que, cada vez mais, apostaem perseguir a identificao de interesses comuns e em os prosseguir demodo jurdico-normativo, tais princpios jurdicos fundamentais ofere-cem a vantagem terica de permitirem, e efectivamente melhor se adequa-rem, evoluo da vida, e mesmo a propiciarem29; sem que isso se traduza,

    27 Cfr. S. Huntington, The Clash of Civilizations, Foreign Affairs, 1993, vol. 72, pp. 22, ss. e The Clashof Civilizations and the Remaking of World Order, 1996.

    28 Compreendendo assim o universo das regras jusinternacionalistas e chamando a ateno para opapel dos princpios gerais do Direito Internacional na garantia da sua coerncia sistemtica, vide,logo no primeiro quartel deste sculo, Alfred Verdross, Die Einheit des rechtlichen Weltbilde auf Grundlageder Vlkerrechtsverfassung,Tbingen, 1923, p.98, ss. e, ainda do Autor de Viena, Die Verfassung derVlkerrechtsgemeinschaft, Wien, 1926, pp. 1-12; bem como Viktor Bruns, Das Vlkerrecht alsRechtsordnung, ZaRV, 1929, pp. 1-56. O problema ainda exemplarmente abordado, mais prximode ns, por H. Mosler, Vlkerrecht als Rechtsordnung, ZaRV, 1976, vol. 36, pp. 6-49.

    29 Sobre as funes sistmicas dos princpios fundamentais do Direito Internacional, cfr., por todos, numplano global, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituio, Coimbra, 1998, pp. 1038,ss.. Tentando aplicar a lio a ramo particular do Direito Internacional, veja-se o que dizemos in PauloCanelas de Castro, Sinais de (nova) Modernidade no Direito Internacional da gua, Nao e Defesa,1998, n 86, pp. 125-126; e The Future of International Water Law, in FLAD, Shared Water Systems andTransboundary Issues, with special emphasis on the Iberian Peninsula, Lisboa, 2000, pp. 158-159.

    Paulo Canelas de Castro

  • 85NAODEFESA

    necessariamente, na renncia a referncias estruturantes globalmenteassumidas. Pelo contrrio, da sua prpria natureza antes resulta que taisprincpios funcionam como entidades normativas catalizadoras do seuprprio esclarecimento, em particular perante tipos de casos dotados decaractersticas inovadoras. A opo em anlise tende pois a acentuar aabertura heurstica aos momentos de desenvolvimento do Direito, o quefaz, justamente, atravs da densificao progressiva desses princpios edas demais normas, num processo simultaneamente acompanhado peladevoluo aos juristas da nobre tarefa de identificao das tendnciasportadoras de futuro30. E implica o reconhecimento de que, no seu proces-so evolutivo, a Ordem Jurdica Internacional se tem vindo a diversificar ea tornar normativamente mais complexa e ambiciosa31. Mas tambm queela se vai crescentemente organizando do ponto de vista interno; e queassim , at, num duplo sentido, material e sistemtico32. Os referidosprincpios fundamentais constituem por isso, justamente, sinal da maturi-

    30 Neste sentido, muito justamente, A. Cassese, no ltimo pargrafo do seu Ex iniuria ius oritur: AreWe Moving towards International Legitimation of Forcible Humanitarian Countermeasures in theWorld Community?, EJIL, 1999, vol. 10, n1, pp. 23-30. Refira-se, alis, que consideramos tal papelcomo o justo equilbrio entre a liberdade-criatividade e a limitao-descrio que poupa osjusinternacionalistas tentao-ratoeira de um voluntarismo to poltico-juridicamentedeslegitimado quo normativamente ilusrio e intil.

    31 Sinal disso , por exemplo, a progressiva abordagem de matrias, elas prprias intrinsecamente tocomplexas, como as do risco (cfr. entre ns e neste volume, o artigo de Gomes Canotilho, Inter-venes Humanitrias e Sociedade de Risco. Contributos para uma aproximao ao problema dorisco nas intervenes humanitrias e, em geral, as reflexes do filsofo de Munique Ulrich Beck,Weltrisikogesellschaft. Auf dem Weg in eine andere Moderne, Frankfurt am Main, 1986; desde h pouco,tambm, World Risk Society, Cambridge, 2000).

    32 Referindo estas duas notas, ainda que a propsito da evoluo do Direito dos cursos de gua,permita-se-nos o reenvio para os nossos The Judgement in the Case Concerning the Gabcikovo--Nagymaros Project: Positive Signs for the Evolution of International Water Law, YBIEL, 1997,vol. 88, pp. 24-26 e Sinais de (nova) Modernidade no Direito Internacional da gua, Nao eDefesa, n 86, 1998, pp. 122 e 127. Mas, sobretudo, atente-se nas magistrais observaes de ThomasFranck, logo no incio da sua monografia Fairness in International Law and Institutions, Oxford, 1997,pp. 4 e ss., em que, para alm de apontar a maturidade e complexidade de um Direito Interna-cional que apreende como um sistema jurdico completo ( por esta razo at que o Professor deNova Iorque entende no mais fazer sentido prtico a velha questo sobre a existncia e naturezada Ordem Jurdica Internacional, questo que, durante tanto tempo, consumiu algumas dasmelhores energias da mais fina doutrina jusinternacionalista pense-se, nomeadamente, entre ns,nas pginas admirveis que Afonso Queir dedicou ao assunto, quer in O fundamento do direitointernacional, BFDUC, 1948, vol. 24, pp. 294-321, quer in Direito Internacional Pblico, Coimbra,1960, policopiado, maxime pp. 15-54, antes se devendo presumir que ela d resposta aos problemasda vida internacional), identifica a questo da justia ou equidade (fairness), na dupla vertenteda legitimao ou justia formal (procedural fairness) e justia distributiva (distributive justice),como o problema da fase presente, que, to sugestivamente, denomina de ps-ontolgica.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 86NAODEFESA

    dade e da coerncia, neste sentido constitucionais33, de que o ordenamentoj d provas34. O que vale tambm por dizer que operam em detrimento deum Direito relativista e contratualista que, ao redundar na quase impos-

    33 Da tambm que seja cada vez mais cabido e oportuno perguntar pela hipottica Constituio destanvel Sociedade ou Comunidade Internacional. Tal como faz, tambm neste volume, supra, JooLoureiro, Desafios de Tmis, Trabalhos dos Homens (Constitucionalismo, Constituio Mundiale Sociedade de Risco), em especial no ponto III.2. Ainda assim, uns quantos Autores, como bemse espelha in R. St. J. Macdonald, The United Nations Charter: Constitution or Contract?, in R. St.J. Macdonald e D. M. Johnston (eds.), The Structure and Process of International Law, The Hague, 1983,pp. 889-912, entendem que o problema est j resolvido com a Carta das Naes Unidas. Seria aCarta, justamente, a Constituio da Sociedade Internacional. O que se pode duvidar que estaleitura, porventura sugestiva, seno mesmo adequada para o mundo da Guerra Fria, mas, afinal,redundante na rigidificao do status quo de uma ordem social efectivamente resistente evoluo,ainda possa surtir o efeito apontado ou pretendido, sem mais, para o mundo globalizado, e cadavez mais plural, que se segue queda do Muro; o problema est presente, em termos tericos maisgerais, in Niklas Luhmann, Verfassung als evolutionre Errungenschaft, Rechtshistorisches Journal,1990, pp. 176-220. ainda aquela mesma convico-demanda de uma constituio material daSociedade Internacional particular que se organiza na Unio Europeia que perpassa in FranciscoLucas Pires, Introduo ao Direito Constitucional Europeu (Seu sentido, problema e limites), Coimbra,1997. Tambm descobrindo uma vocao constitucional no direito internacional do comrcio,Miguel Poiares Maduro, International Trade and Constitutionalism: Friends or Enemies?, supraneste nmero da Nao e Defesa.

    34 A procura do segmento constitucional do Direito Internacional, sinal da sua maturidade, foi umvector dominante da obra, de marcada feio doutrinal, de Autores como o pioneiro C. vanVollenhoeven, Scope and Content of International Law, Bibliotheca Visseriana, vol. X, 1932, pp. 7,ss. e 39-107 e, mais tarde, sobretudo, Georg Schwarzenberger, quer in International Law and Order,London, 1971, quer in International Law, Volume III: International Constitutional Law, London, 1976.Como ela ainda que anima o labor de Georges Scelle, maxime in Prcis de droit des gens. Principeset systmatique. II Partie. Droit constitutionnel international, Paris, 1936, pp. 10-12 e a sua competen-cialista teoria do ddoublement fonctionnel dos Estados. Contudo, s com desenvolvimentos recen-tes parece pacfico dizer-se que o ordenamento internacional tende a aparecer estruturado emtermos que o aproximam do figurino tradicional das ordens jurdicas nacionais ps-iluministas.Para alm dos princpios, desempenham, neste contexto, um papel igualmente especial as novasestruturas de regras imperativas ou de ius cogens (cfr. G. Gaja, Ius Cogens beyond the ViennaConvention, RCADI, 1981, vol. 172, t. III, pp. 280-281; e, entre ns, Wladimir Brito, Contributo parao Estudo do Ius Cogens Internacional, Braga, 1996; e Eduardo Correia Baptista, Ius Cogens em DireitoInternacional, Lisboa, 1997),ou de obrigaes erga omnes (Annacker, The Legal Rgime of ErgaOmnes Obligations in International Law, AustrianJPIL, 1994, vol. 46, pp. 131, ss.; M. Ragazzi, TheConcept of International Obligations Erga Omnes, 1997; e, na doutrina nacional, Patrcia Galvo Teles,Obligations erga omnes in international law, Revista Jurdica da AAFDL, 1996, n 20, pp. 73-135)e at o controvertido conceito de crime internacional (G. Gaja, Obligations Erga Omnes, Interna-tional Crimes and Ius Cogens: A Tentative Analysis of Three Related Concepts, in J.H.H.H. Weiler,A. Cassese e M. Spinedi (eds.), International Crimes of States. A Critical Analysis of the ILCs DraftArticle 19 on State Responsibility, 1989, pp. 151, ss. e A. de Hoogh, Obligations Erga Omnes andInternational Crimes, 1996). Num outro plano, deve-se tambm relevar a cada vez mais certainstitucionalizao da Sociedade Internacional e da sua Ordem Jurdica. Cfr., neste sentido, asconstantes chamadas de ateno de R.-J. Dupuy, Le droit international, 7 ed., Paris, 1986, em todaa sua II Parte, bem como, do mesmo Autor, Communaut internationale et disparits dedveloppement, RCADI, 1979, vol. IV, t. 165, pp. 55-66 e 78-102, e, mais prximo no tempo, StephenD. Krasner, Sovereignty. Organized Hypocrisy, Princeton, 1999, pp. 56-60, 67-71.

    Paulo Canelas de Castro

  • 87NAODEFESA

    sibilidade terica da sua afirmao a um nvel global, na prtica ficariarefm de objectores persistentes (e, por vezes, bem isolados)35, ou seja, deEstados dados a Alleingnge ou a magnficos isolamentos eminentementecontraditrios com a pulso comunitria que, apesar de todas as inconse-quncias36, a Sociedade Internacional tende crescentemente a revelar37.Para alm do favor que tal orientao parece tender a merecer na doutri-na38, e no s a mais vincadamente jusinternacionalista39,40, ela parecedecisivamente cohonestada pela realidade presente do Direito Interna-

    35 Sobre o problema, cfr. P.-M. Dupuy, A propos de lopposabilit de la coutume gnrale: enqutebrve sur lobjecteur persistant, in Mlanges Michel Virally, Paris, 1991, pp. 257-273.

    36 Insistindo na sua denncia, Georges Abi-Saab, Whither the International Community?, EJIL,1998, vol. 9, n 2, 264.

    37 Veja-se o tratamento desta problemtica da amizade Ordem Jurdica Internacional, nadoutrina alem, por parte de Christian Tomuschat, Die staatsrechtliche Entscheidung fr dieinternationale Offenheit, in J. Isensee e P. Kirchhof (eds.), Handbuch des Staatsrechts derBundesrepublik Deutschland, Heidelberg, 1992, pp. 483-523 e, entre ns, por Gomes Canotilho,Offenheit vor dem Vlkerrecht und Vlkerrechtsfreundlichkeit des portugiesischen Rechts,AVR, 1996, vol.34, n1, pp. 47-71.

    38 Expresses desta propenso so, por exemplo, os j clssicos trabalhos de W. Friedmann, TheChanging Structure of International Law, London, 1964; H. Mosler, The International Society as aLegal Community, RCADI, 1974, vol. IV, pp. 1-320; Albert Bleckmann, Die Aufgaben einerMethodenlehre des Vlkerrechts. Probleme der Rechtsquellentheorie im Vlkerrecht, Heidelberg, 1978;R.-J. Dupuy, La Communaut internationale entre le mythe et lhistoire, Paris, Economica/Unesco, 1986,sobretudo pp. 145, ss.; e, de varivel modo, mais recentemente, Frederick Kratchowil, Rules, Norms,and Decisions, Cambridge, 1989; Jochen Frowein, Das Staatengemeinschaftsinteresse Problemebei Formulierung und Durchsetzung, in Festschrift fr K. Doehring zum 70. Geburtstag, 1989, pp. 219,ss.; Philip Allott, Eunomia: New Order for a New World, Oxford, 1990; Thomas Franck, The Power ofLegitimacy Among Nations, 1990; e, do mesmo Autor, Fairness in International Law and Institutions,Oxford, 1997, maxime pp. 10-13; M. Lachs, Quelques rflexions sur la communaut internationale,in Mlanges M. Virally, 1991, pp. 349, ss.; C. Tomuschat, Obligations Arising for States Without orAgainst their Will, RCADI, 1993, vol. 241, pp. 195, ss. e, do mesmo Autor, Die internationaleGemeinschaft, AVR, 1995, vol. 33, pp. 1, ss.; e ainda B. Simma, From Bilateralism to CommonInterest in International Law, RCADI, 1994, vol. VI, t. 250, pp. 217, ss..

    39 Veja-se, noutras reas de saber, ou em domnios tericos de difcil qualificao nos quadrostradicionais, porque assumidamente mistos, S. Burley, International Law and InternationalRelations Theory: A Dual Agenda, AJIL, 1993, vol. 87, pp. 205, ss.; A.M.Slaughter, A. Tulumello,S. Wood, International Law and International Relations Theory: A New Generation ofInterdisciplinary Scholarship, AJIL, 1998, vol. 92, pp. 367, ss.; e, entre ns tambm, J.M. Pureza, Olugar do direito num horizonte ps-positivista, Poltica Internacional, 1998, vol.2, n18, pp.79,ss..

    40 No plano mais tipicamente filosfico, ou de assumida radicao no universo da Teoria das RelaesInternacionais, cfr. Michael Walzer, Just and Unjust Wars, New York, 1977; Alan Donagan, TheTheory of Morality, Chicago, 1977; John Finnis, Natural Law and Natural Rights, Oxford, 1980; TerryNardin, Law, Morality and the Relations of States, Princeton, 1983; Joseph Boyle, Natural Law andInternational Ethics, in Terry Nardin e David R. Mapel (eds.), Traditions of international ethics,Cambridge, 1992 e Fernando Tesn, The Kantian Theory of International Law, ColLR, 1992,pp. 53-102.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 88NAODEFESA

    cional positivo. Assim no domnio dos sujeitos jurdicos41,42. Assim ainda no domnio das fontes43. Como assim , consequentemente, no

    41 Genericamente, a tendncia exprime-se no destacar da consolidao, no Direito positivo, de umplural conjunto de outros sujeitos de Direito Internacional (naturalmente, para alm dos tradicio-nais Estados que, no final da dcada de sessenta, ainda eram vistos pelo sbio Brierly como ossujeitos por excelncia desta ordem; cfr James Brierly, The Law of Nations, Oxford, 1967, 6 ed.,pp.1-16) e que transcende mesmo as leituras, no menos reducionistas ou unilaterais, quer de umG. Scelle, Prcis de droit des gens. Principes et systmatique. I Partie. Introduction. Le milieu intersocial,Paris, 1932, quer de um L. Duguit, Trait de droit constitutionnel, Paris, 1927, leituras onde seapresenta a Sociedade Internacional como uma sociedade de indivduos aos quais o DireitoInternacional se aplica directamente.

    42 De entre estes novos sujeitos, a doutrina tem-se concentrado, sobretudo, na consolidao da posiojurdica dos indivduos, titulares de, cada vez mais operacionais, direitos humanos (para alm deum status negativus, o Direito Internacional mais recente vai, pois, igualmente, consagrar um statusactivus e mesmo um status positivus) e tambm chamados a assumir, no plano internacional, asresponsabilidades individuais por crimes hediondos (status passivus), e das ONGs, relativamente squais se questiona, em especial, sobre o contedo, porventura varivel, e os confins do emergenteestatuto jurdico (assim, nomeadamente, Otto, NGOs in the United Nations System: the EmergingRole of International Civil Society, Human Rights Quarterly, 1996, vol. 18, pp. 107, ss. e Schulze,Nicht-Regierungs-organisationen und die Demokratisierung der Vereinten Nationen, in K.Hfner (ed.), Die Reform der Vereinten Nationen, 1994, pp. 119, ss.; e, entre ns, sem escamotear todasas dvidas que assaltam quem trilha estas sendas por desbravar da nova subjectividadejurdico-internacional, Ana Lusa Riquito, Variaes sobre a nova sociedade civil mundial: ONGsinternacionais: um sujeito sem personalidade...?, neste mesmo nmero da Nao e Defesa). Acresceainda a categoria povo, em especial pelo facto da sua titularidade do direito auto-determinao(sobre este outro novo sujeito, vide infra nota 46. Todos estes desenvolvimentos, por sua vez, e atendncia paralela para, crescentemente, se configurarem solues internacionais (ou no nacio-nais) para os problemas do presente, com a consequente habilitao de instituies internacionaispara assegurarem as funes jurdicas das comunidades humanas de referncia (em relao squais, contudo, se apresentam como cada vez mais distantes e autoritrias ou poderosas), tornamcada vez mais actual e premente a abordagem do problema da legitimidade e da democracia nanova Ordem Jurdica Internacional; ou seja, a questo da superao do deficit democrtico de tantasdestas novas formas de governao global (exemplarmente, Daniel Bodansky, The Legitimacyof International Governance: A Coming Challenge for International Environmental Law?, AJIL,1999, vol. 93, pp. 596-624; de notar, contudo, que estes apelos democratizao da Sociedade eOrdem Internacionais configuram um segundo sentido de democracia internacional ou uma novagerao de ideias de democracia, bem diferentes dos que primeiro protagonizou um Alvarez, Ledroit international nouveau dans ses rapports avec la vie actuelle des peuples, Paris, 1959, e que, porexemplo, encontram expresso, ainda que sob a forma de resposta desfavorvel e mesmo reprovadora,in Prosper Weil, Towards Relative Normativity in International Law, AJIL, 1983, vol. 77, pp. 413,ss., maxime p. 420: o que aqui est em causa apenas o problema da distribuio de poder entre osEstados, exclusivamente entre os Estados, e nomeadamente o poder do voto na adopo deresolues internacionais cfr., ainda, Cromwell Riches, Majority Rule in International Organization:A Study of the Trend from Unanimity to Majority Decision, 1940). Merecem destaque, neste quadro, asrespostas-propostas de Thomas Franck, que visionariamente contemplam no s a consagrao deum direito a governo democrtico (cfr. Thomas Franck, The Power of Legitimacy, 1990 e TheEmerging Right to Democratic Governance, AJIL, 1992, vol. 86, p. 46, ss.)como at a representaopoltica dos novos sujeitos de Direito Internacional, e dos povos, em particular, numa segundacmara da Assembleia Geral das Naes Unidas (cfr. Thomas Franck, Fairness in International Lawand Institutions, Oxford, 1997, p. 483; veja-se ainda, em sentido idntico, David Held, Democracy andthe Global Order: From the Modern State to Cosmopolitan Governance, 1995, pp. 269-274, que prope a

    Paulo Canelas de Castro

  • 89NAODEFESA

    domnio do Direito material e institucional44, em reas como as dosDireitos Humanos45, do Direito autodeterminao dos povos46, do Direi-to dos espaos, como o Direito do mar47, ou do Direito Internacional doambiente48. Tais evolues simbolizam, cada uma no segmento problem-tico a que respeita, a predisposio da Sociedade Internacional paraensaiar uma transio de paradigmas49, ainda quando lenta e nem sempre

    instituio, por eleio directa, de uma assembleia independente de povos democrticos; e, maismoderada, Hilary French, Strenghening International Governance, Journal of Environment andDevelopment, 1995, n 3, p. 50, ao apontar para a constituio de um rgo internacional compostopor representantes de parlamentos nacionais; mas veja-se tambm o cepticismo oposto a taispropostas por S. Marks, The End of History? Reflections on some Legal Theses, EJIL, 1997, vol.9, pp. 449, ss.; O. Schachter, The Decline of the Nation-State and its Implications for InternationalLaw, ColJTL, 1997, vol. 36, pp. 7, ss. e Daniel Bodansky, The Legitimacy of International Gover-nance: A Coming Challenge for International Environmental Law?, AJIL, 1999, vol. 93, p. 615).

    43 Avulta ento, por um lado, dentro do elenco tradicional de fontes, a descoberta de um costumerenovado na sua feio e processo constitutivo (entre ns, neste mesmo nmero, Mrio JooFernandes, Uma nova ordem jurdica internacional ? Novas do sistema de fontes. Contributos dodireito internacional do ambiente) e, por outro lado, a ateno prestada problemtica da soft law(assim, paradigmaticamente, Dinah Shelton (ed.), Commitment and Compliance. The Role of Non-BindingNorms in the International Legal System, Oxford, 2000), mesmo quando nem todos partilham daopinio de que se deva inscrever o fenmeno no selecto elenco das fontes tpicas de obrigaesjurdicas: neste sentido, Prosper Weil, Vers une normativit relative en droit international?,RGDIP, 1982, n1 [separata].

    44 desde logo importante o despertar para esta outra dimenso do Direito. De entre os mais notveise pioneiros trabalhos neste sentido tem que se destacar, para l dos j mencionados trabalhos deR.-J.Dupuy (cfr. supra nota 34), Abi-Saab, Cours gnral de droit international public, RCADI,1987, v. 207, p. 452, que, referindo-se ONU, fala mesmo de papel estruturante.

    45 Por exemplo, Hurst Hannum, Human Rights, in Oscar Schachter e Christopher C.Joyner (eds.),United Nations Legal Order, vol.1, Cambridge, 1995, pp. 319, ss..

    46 Cfr. C. Tomuschat, Modern Law of Self-Determination, Dordrecht, 1983; A. Cassese, Self-Determinationof Peoples, Oxford, 1996; Hurst Hannum, Autonomy, Sovereignty, and Self-Determination. TheAccommodation of Conflicting Rights, ed. rev., Philadelphia, 1996; e, em particular sobre o multifacetadocontributo portugus para o desenvolvimento deste Direito, Miguel Galvo Teles e Paulo Canelasde Castro, Portugal and the Right of Peoples to Self-Determination, AVR, 1996, vol. 34, n 1,pp. 3-46, bem como a bibliografia a indicada.

    47 Entre ns, A. Marques Guedes, Direito do Mar, Lisboa, 2 ed., Coimbra, 1998 e Paulo Canelas deCastro, Do Mare Clausum ao Mare Commune? As viosas mutaes do Direito Internacional doMar, Revista Jurdica da AAFDL, 2001, no prelo; bem como, mais amplamente, Do Mare Clausumao Mare Commune. Em busca do fio de Ariadne atravs de cinco sculos de regulao jurdica doMar, texto preparado para o Colquio Portugal-Brasil, Ano 2000, realizado em Coimbra em1999, no prelo.

    48 Permita-se-nos o reenvio para o nosso ensaio-sntese Mutaes e Constncias do Direito Interna-cional do Ambiente, RJUA, 1994, n2, pp. 145-183.

    49 No sentido que lhe dado por Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 2 ed.,Chicago, 1970. Utilizando mesmo tal expresso, ainda que referida ao Direito dos cursos de gua,domnio resistente em que tais evolues se tm feito sentir de forma mais tmida e tardia, cfr.A. Nollkaemper, The Legal Regime for Transboundary Water Pollution: Between Discretion and Constraint,Dordrecht, 1993; E. Hey, Sustainable Use of Shared Water Resources: the Need for a ParadigmaticShift in International Watercourses Law, in Gerald Blake et al. (eds.), The Peaceful Management ofTransboundary Resources, London, 1995, pp. 128-130.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 90NAODEFESA

    com irrepreensvel consequncia, mas genericamente orientada no senti-do da busca de um Direito mais cosmopolita e com laivos de comunitarismo.Ou seja, da demanda de um Direito que traduza e conforte a prpriapropenso da Sociedade Internacional para se conceber como mais solid-ria50 Comunidade Internacional51,52. Neste vero corte epistmico, ressalta atendncia para que a estrutura, ainda e sempre persistente53, e mesmo,ainda, central, da soberania54 deixe de ser concebida como um espessomanto desculpabilizador de desmandos, uma insondvel caixa preta queomite as mais inconfessveis barbries, para antes tender a aparecer comoum instrumento funcional de respirao de indivduos55 e povos56, num

    50 Neste sentido, Macdonald, The Principle of Solidarity in Public International Law, in C. Dominic,R. Patry e C. Reymond (eds.), tudes de droit international en lhonneur de Pierre Lalive, 1993, pp. 275,ss. e, entre ns, Jos Manuel Pureza, O Patrimnio Comum da Humanidade: Rumo a um direitointernacional da solidariedade?, Porto, 1998.

    51 Ao utilizar o clebre tandem conceptual introduzido por Ferdinand Tnnies (na sua obra Gemeinschaftund Gesellshaft, de 1887) e, em geral, disseminado pela sociologia, emprestamos ao termo comu-nidade, e ao adjectivo nele fundado, o contedo e sentido de interesses, valores, instituies eprocessos comuns, intimamente partilhados pelos sujeitos de um grupo e que os fazem sentir-seenvolvidamente integrantes desse grupo; que no, portanto, o de opes ou interesses individuais,racionalmente determinados, antes determinantes da realidade societria. Ou seja, a comunidade uma realidade que transcende e faz transcender a mera interdependncia, factual, contratual oucomunicacional (a propsito da Sociedade mundial, esta ltima acepo essencialmente relevadapor N. Luhmann; cfr. as suas obras Das Recht der Gesellschaft, 1993, pp. 571, ss e Die Gesellschaft derGesellschaft, 1997, pp. 148, ss.). Tambm no sentido aqui proposto, Bruno Simma e Andreas L.Paulus, The International Community: Facing the Challenge of Globalization, EJIL, 1998,vol. 9, n 2, pp. 266-277.

    52 O termo Comunidade Internacional tambm abundantemente utilizado, nas respectivas Reso-lues, pelas mais conhecidas instncias internacionais. Assim , nomeadamente, pela AssembleiaGeral das Naes Unidas e pelo Conselho de Segurana. Daqui no se pode, contudo, extrair umqualquer sentido normativo, porquanto as acepes so notoriamente variadas. O mesmo se podedizer, genericamente, do uso que do termo faz o Tribunal Internacional de Justia, embora apropenso deste orgo parea ser a de empregar tal expresso no sentido de todos os Estados daSociedade Internacional.

    53 Apesar das no menos notrias tenses a que se encontra sujeito. Foram essas tenses que levarammesmo uma Autora a, sugestivamente, resumir que a autonomia do Estado derramou-se, paracima, para o lado, para baixo e, em alguns assuntos (...) evaporou-se. Cfr. Susan Strange, TheDefective State, Daedalus, 1995, v. 24, p. 56.

    54 Cfr. Silvrio da Rocha e Cunha, A paradoxal estabilidade: sobre a persistncia do Estado-Naonas relaes internacionais, Economia e Sociologia, 1990, n 49, pp. 169-178. Constatando-o tambm,mesmo no quadro, aparentemente mais difuso, da crescente Ordem globalizada, e explicando-opelo papel que, mesmo nela, ele a continua a jogar, Lind, The Catalytic State, The National Interest,1992, pp. 3, ss. ou L. Weiss, The Myth of the Powerless State: Governing the Economy in a Global Era,1998.

    55 Neste sentido, o apelo neo-kantiano de Tesn, The Kantian Theory of International Law, ColLR,1992, pp. 53, ss. e, mais recentemente, A Philosophy of International Law.

    56 Inclusive, o que s numa leitura apressada poder parecer paradoxal, perante as desigualdadesque o mundo globalizado no fez desaparecer e, em certos casos, at potencia. Neste sentido,B. Kingsbury, Sovereignty and Inequality, EJIL, 1998, v. 9, n4, pp. 599-625.

    Paulo Canelas de Castro

  • 91NAODEFESA

    Mundo mais complexo57 mas tambm mais finito58, seguramente rico emdesafios-oportunidades59 internacionais60, um espao de sntese aindaque no nico entre a escala global e o particularismo individual ou local.Confirma-o ainda a inegvel apetncia do Direito do novo milnio paraabordar, com insistente determinao, a dimenso problemtica da suaaplicao61,62; isto , para, tambm normativamente, passar aco,assim deixando de aparecer como mero voto pio ou estril exortao63 e

    57 Complexo, desde logo, porque feito de novos actores e porventura mesmo inovadoras subjectividadesjurdicas. Neste sentido, cfr. o que supra se refere in p. 88, no texto e nas notas 41 e 42.

    58 No sentido de Valry, quanto ao clube de Estados. Mas a constatao no deixa de ter a implicao,sartriana, de simultneos problemas advindos do outro-prximo. Mas tambm o potencial; sendoque este propiciado pelas interdependncias. Naturalmente, se positivamente geridas (que nobelicisticamente), ou seja, numa lgica de cooperao, que sublime as hipteses de conflito ou,simplesmente, de aptica e divorciada coexistncia.

    59 Importamos o conceito da literatura abundante que, nos ltimos anos, tem procurado identificaros desafios, mas tambm as oportunidades, que se tm colocado em cada sector da vida interna-cional e no seu correspondente tratamento jurdico. Cfr., por exemplo, a propsito da ordemcomercial mundial, Renato Ruggiero, Chancen und Ausforderungen. Neue Aufgaben fr dieWelthandelsorganisation, Internationale Politik, 1996/7, pp. 39-46.

    60 Que esta nova viso crtica ou funcionalista do Estado, no implica a morte deste, seno a revisoda sua compreenso e utilidade (cfr. D.M.Johnston, Functionalism in the Theory of InternationalLaw, CYBIL, 1988, vol.26, pp. 3-60), o que se evidencia, de forma que quase se diria especialmentedramtica, na recente reflexo sobre o lugar da estrutura estadual na dinmica e, por vezes,revolucionria rea das Relaes e do Direito Internacionais em matria de proteco ambiental.Neste sentido, nomeadamente, R.-J. Dupuy, Humanity and the Environment, CJIELP, 1991, n2,pp. 201-204 e Karen T. Liftin (ed.), The Greening of Sovereignty in World Politics, Cambridge,Massachusetts, 1998.

    61 Para uma boa anlise, mesmo se muito sinttica, das razes, modos e problemas que coloca estanova deriva do Direito Internacional, no caso particular do direito do ambiente, cfr. o comentriode Layla A. Hughes, Foreword: the Role of International Environmental Law in the ChangingStructure of International Law, GIELR, 1998, vol. 10, pp. 250-254.

    62 Neste sentido tambm, toda a reflexo em curso, no contexto da Comisso de Direito Internacionale no s, sobre o instituto da responsabilidade internacional (cfr., os vrios artigos constantes deSymposium: State Responsibility, EJIL, 1999, vol. 10, n 2, pp. 339, ss.; o relato sobre o andamentodos trabalhos da CDI in J. Crawford, P. Bodeau e J. Peel, La seconde lecture du projet darticles surla responsabilit des Etats et de la Commission du Droit International, RGDIP, 2000, n4, t. 104,pp. 911-938; bem como, na doutrina portuguesa, supra, nesta mesma obra, o contributo de AzeredoLopes, A Responsabilidade Internacional do Estado: entre Codificao e Realidade) ou sobre asinstncias jurisdicionais penais e ainda, num ramo especial de Direito de tanta actualidade como o direito dos conflitos armados, as perguntas sobre como aumentar a sua eficcia (exemplarmente,European Commission, Law in Humanitarian Crises, How can international humanitarian law be madeeffective in armed conflicts?, vol. I, Brussels, 1995).

    63 Acusam-na desta irremedivel condio quer os que, como Austin (The Province of JurisprudenceDetermined, London, 1954), creiam que Direito sem comando soberano capaz de o traduzir se nopode diferenciar de avulsa opinio, j que se tornaria impossvel assegurar a obedincia, querainda, no plano da filosofia do Direito, os que, como Soml (Juristische Grundlehre, Leipzig, 1917,pp. 153-178) ou Hayek (The Road to Serfdom, London, 1946, p.173), exijam uma autoridade objectivaexterior, capaz de, pelo uso do poder de coero, impor a disciplina comum aos Estados recalci-trantes.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 92NAODEFESA

    antes se revelar fundamente empenhado no cumprimento da sua missode regulao social e da vida.

    2. QUESTO INSTITUCIONAL

    A nvel institucional, a questo que a crise do Kosovo e a gesto que delafez a Comunidade Internacional sobretudo parecem colocar a do tipo egrau de relao entre a ONU e outras Organizaes internacionais einstncias colectivas de segurana, como a NATO.Certo que j parece volvida a pgina eufrica que sucedeu ao termo domega-conflito Este-Oeste64 e ao desmoronamento da Unio Sovitica eque levara mesmo o Presidente americano George Bush (pai), entusias-mado com as perspectivas de uma intensa cooperao entre os dois, porento ainda, Tits da cena pblica mundial, a vaticinar a instituio deuma Nova Ordem Internacional65, especialmente caracterizada pela suacolocao sob o imprio do Direito66. No fundo, o conceito recorda, comproximidade, o esquema de manuteno e restaurao da paz e seguran-a internacional que, embora previsto na Carta das Naes Unidas, aindanunca foi realmente experimentado. Pelo contrrio, a uma fase de anima-o e real intervencionismo colectivo da Organizao mundial67,68 e, emespecial, do rgo ao qual o artigo 25 da Carta devolve a responsabili-

    64 A expresso de Victor-Yves Ghbali, La scurit internationale lre de laprs-guerre froide.Le rle des Nations Unies, GYBIL, 1994, vol. 34, p.108.

    65 Cfr. United States Department of State, Dispatch, 1991, vol. 2, n3, p.38.66 Estas elevadas esperanas eram partilhadas por outros Estados, como se veio a verificar na Cimeira

    dos Chefes de Estado dos Membros do Conselho de Segurana, simbolicamente realizada parasublinhar a excepcionalmente fasta ocasio. Reflectiram-se no compromisso, ento assumido, defazer a ONU mais forte e eficaz na proteco dos Direitos Humanos, na salvaguarda da paz esegurana de todos e na dissuaso da agresso. Cfr. Le Monde, de 18 de Julho de 1991.

    67 Alguns dados bastam para representar o fundamento de tal assero: durante exactamente quatrodcadas, a ONU realizou ou interveio em 49 operaes de manuteno da paz, sendo porm que36 ocorreram nos dois ltimos lustros. No glorioso ano de 1989, em particular, estavam em curso17 operaes, envolvendo uma quantidade de meios e custos nunca sonhados nas anterioresdcadas de experincia do fenmeno. Cfr. . E, s em1993, para relembrar um outro ano de glria, as operaes de manuteno da paz da ONUenvolveram a utilizao de 70.000 homens e mulheres, entre pessoal civil e militar, e tiveram custosa rondar os 4 milhes de dlares americanos. Cfr. Boutros-Ghali, Report of the Secretary-General onthe Work of the Organization: 1993, pargrafos 108 e 296, bem como Agenda for Peace: PreventiveDiplomacy, Peacemaking and Peacekeeping, pargrafo 47.

    68 P.-M. Dupuy fala de uma espcie de requentamento do sistema de segurana colectiva. Cfr.Scurit collective et organisation de la paix, RGDIP, 1991, vol.95, n3, p. 617.

    Paulo Canelas de Castro

  • 93NAODEFESA

    dade principal na manuteno da paz e segurana internacional, oConselho de Segurana69,70, fase sobretudo vivida na primeira metade dadcada de noventa71,72, parece agora suceder o perodo da anmica apa-tia73. Acresce que ela aparenta at ir determinada pela retoma da perspec-tiva de nova paralisia do rgo; de novo pelo exerccio do veto, e, se noj de forma igualmente sistemtica, pelo menos ainda muito recorrente74.E que, para alm disso, h ainda, em todo o caso, uma inegvel e gravecrise de confiana e de meios na Organizao mundial, em que a evidenteinaco sintoma, afinal, de mais comprometedora e profunda impotn-cia75. Est pois reunido todo um conjunto de factores aparentemente

    69 Merece ser lembrado que a reactivao prtica do Conselho de Segurana, ainda que informal epouco visvel para a opinio pblica global, mesmo anterior ao termo da Guerra Fria, de algumasorte, alis, tendo servido como prenncio desta. De facto, em 1986, o ento Secretrio-Geral, Perezde Cuellar, em visionria apreenso do sentido dos tempos, j indelevelmente marcados pelapoltica de glasnost e perestroika de Gorbatchov, interpela os Cinco grandes para os questionar sobrea sua disponibilidade para cuidar do conflito entre o Iro e o Iraque. O desafio foi relevado, j queento se encetou uma prtica regular de consultas entre os membros permanentes do Conselho deSegurana, em reunies ento realizadas na residncia particular do representante permanente doReino Unido, longe pois dos olhares indiscretos do pblico. Cfr. a descrio de Cesareo GutierrezEspada, Apuntes sobre las funciones del derecho internacional contemporaneo, Murcia, 1995, p. 150.

    70 Questionando-se, com toda a pertinncia, sobre se esse novo poder do Conselho de Seguranajustifica ou impe uma reviso do equilbrio inter-orgnico das Naes Unidas, e, em especial, umreforo dos meios de controlo jurisdicional de exerccio dos poderes do Conselho de Segurana,vide, neste nmero, Ins Folhadela, A Nova Ordem Mundial e o Conselho de Segurana das NaesUnidas: A Caminho de um controlo da Legalidade?.

    71 Este activismo, formalmente diverso daquele para o qual o texto da Carta das Naes Unidasaponta, espelha-se ainda numa pletora de Resolues autorizadoras de operaes internacionais,num importante fenmeno que, at h bem pouco, carecia de um estudo sistemtico esclarecedor,mas que, recentemente, foi proposto por Niels Blokker, Is the Authorization Authorized? Powersand Practice of the UN Security Council to Authorize the Use of Force by Coalitions of the Ableand Willing, EJIL, 2000, vol. 11, n.3, pp. 541-568.

    72 Uma outra manifestao desta nova dinmica a criao de Tribunais Penais ad hoc. Sobre atendncia e os problemas jurdicos insuspeitados que veio a colocar, vide Flavia Lattanzi e ElenaSciso (eds.), Dai Tribunali Penali Internazionali Ad Hoc A Una Corte Permanente, Napoli, 1996, e, entrens, as reflexes de Wladimir Brito, Tribunais Penais Internacionais Da Arbitragem aos TribunaisInternacionais ad hoc, Lisboa, 2000, bem como de Diogo Feio, Jurisdio Penal Internacional: a suaevoluo, neste mesmo nmero da Nao e Defesa.

    73 Assim, por exemplo, Modesto Seara Vsquez (ed.), Las Naciones Unidas a los cinquenta aos, Mxico,1950, pp. 21-22.

    74 Os dissdios com o mundo ocidental tendem, agora, a ser protagonizados pelo menos tanto pelogigante Chins, cada vez menos alheado do curso dos acontecimentos mundiais, quanto pelaFederao Russa.

    75 o que se ilustra, por exemplo, com o facto de, em 1994, o Secretrio-Geral das Naes Unidas ter indicadoque necessitaria de 35.000 militares para assegurar os santurios, na Bsnia-Herzegovina, que o prprioConselho de Segurana havia criado e os Estados membros da ONU apenas terem posto disposio cercade 1/5 das foras pedidas; e, mesmo assim, j aps ter transcorrido um ano. Cfr. . Para outros exemplos, na rea das finanas da ONU, cfr. Modesto Seara Vsquez (ed.),Las Naciones Unidas a los cinquenta aos, Mxico, 1950, pp. 36-38.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 94NAODEFESA

    confluentes para, no curto prazo, pelo menos, tornar muito remotaqualquer veleidade de recuperao e reactivao dos mecanismos dainterveno estatudos pela Constituio mundial, seja por intermdiodo Captulo VII, seja at por rigorosa aplicao do Captulo VIII, atravsdo qual se prev e regula a relao da instncia mundial de seguranacom as suas congneres regionais76. certo tambm que, nem mesmo nessa fase entusistica do primeirolustro da dcada de noventa, alguma vez o activismo do Conselho deSegurana verdadeiramente se configurou como uma retoma estritado modelo da Carta. Antes aconteceu que, ao abrigo desse novo nimo,se foi desenhando uma tendncia para o reconhecimento de um descen-trado direito de interveno armada. Ele apresentava contudoalgumas diferenas relativamente ao modelo que, normalmente, seexperimentara na fase anterior, ou da Guerra Fria, e que antes se poderiaqualificar de laxista, uma vez que se caracterizava por permi-tir direitos amplos de interveno tendencialmente individual77,78.

    76 Pusemos a hiptese da acrescida importncia desta relao de desconcentrao ou descentra-lizao, configurada, ora como habilitao, ora como sub-contratao, in Paulo Canelas deCastro, Da no interveno interveno? O movimento do pndulo jurdico perante as necessi-dades da Comunidade Internacional, in Instituto da Defesa Nacional, A Ingerncia e o DireitoInternacional, Lisboa, 1996, pp. 120-121. Movidos pela mesma preocupao com a identificao destatendncia, compulsem-se ainda T. Franck, The United Nations as Guarantor of InternationalPeace and Security: Past, Present and Future, in C. Tomuschat (ed.), The United Nations at Age Fifty A Legal Perspective, 1995, pp. 25-38, onde antes se compara o fenmeno com o contrato defranchising, e Quigley, The Privatization of Security Council Enforcement Action: A Threat toMultilateralism, Michigan Journal of International Law, 1996, pp. 249-283, em que antes se fala deprivatizao. Na mesma linha, e at mais concretamente, j que lamentando que a soluoregional no tenha sido preferida no histrico caso da operao da Somlia, cfr. Walzer, ThePolitics of Rescue, Social Research, 1995, vol. 62, n 1, p. 55. A passividade da OUA e da comunidadeinternacional perante a tragdia somali vale, contudo, precisamente, como sria advertnciaperante uma abordagem da problemtica segundo um modo exclusivamente formalista e de todoimpermevel, ou resistente, integrao na equao do elemento, (ainda) muito relevante, davontade estadual.

    77 Cfr. Paulo Canelas de Castro, De quantas Cartas se faz a paz internacional?, in Antunes Varela,Diogo Freitas do Amaral, Jorge Miranda, J.J. Gomes Canotilho (eds.), Ab Uno Ad Omnes. 75 Anos daCoimbra Editora. 1920-1995, Coimbra, 1998, pp. 1028-1043.

    78 Deixamos para este efeito de fora a nica forma de aco multilateral ou colectiva comum na poca,aquela que era constituda pelas operaes de manuteno da paz tradicionais. Fazemo-lo, justa-mente porque estas operaes de manuteno da paz eram tipicamente conformadas por foras deinterposio entre os beligerantes (os capacetes azuis) ou de observao dos mesmos (os barretesazuis). Da que, normalmente, e por isso tambm muito diversamente das intervenes antesreferidas, no estivessem armadas ou estivessem ligeiramente armadas. Acresce que elas deviamrealizar-se num quadro de paz, simbolizado quer no acordo de cessar-fogo entre beligerantes, e que

    Paulo Canelas de Castro

  • 95NAODEFESA

    Antes apareceu como uma soluo mais robusta79 e organizada.Assim era, quer porque envolve operaes tendencialmente colectivasou multilaterais, quer porque supe alguma relao, de cooperao,entre a instncia mundial e as coligaes de Estados intervenientes,na maior parte dos casos representada, em especial, pela adopo deresolues de viabilizao de tais operaes80, como onusinas ouno81. Mas, para alm destas caractersticas comuns, modelares, a expe-rincia recente da ltima dcada, observada de mais perto e numolhar mais circunstanciado e cuidadoso (embora nem por isso compreocupaes de exaustividade), revela uma abundncia de formasde relacionamento entre instncias internacionais que no deixa desurpreender e que chega mesmo a desafiar qualquer esforo taxon-

    normalmente precedeu a sua instituio, quer no consentimento sua realizao, quer ainda na suacomposio tpica, assegurada por pequenas ou mdias potncias, justamente desprovidas develeidades blicas. E eram colocadas sob as insgnias da ONU. Cfr. a caracterizao do instituto dasoperaes de manuteno da paz que fazemos in Paulo Canelas de Castro, Mutaes e Constnciasda Neutralidade, Coimbra, 1990, policopiado, pp. 198-212. Vide ainda a caracterizao jurisprudencialfeita pelo Tribunal Internacional de Justia in Certaines dpenses des Nations Unies (article 17,paragraphe 2, de la Charte), Avis consultatif du 20 juillet 1962, C.I.J. Recueil 1962, pp. 151, 170-171, 177.

    79 Em contraste com o modelo das operaes de manuteno da paz, por exemplo simbolizado naoperao ainda em curso na dividida ilha cipriota, estas operaes nem sempre presumiam apaz, ou mesmo, sequer, o cessar fogo entre os contendores, e muitas vezes antes chegaram a visara imposio da paz (peace enforcement). Esta reviso das funes e princpios das operaes demanuteno de paz, determinante da constituio de uma segunda gerao, ou mesmo terceira,das mesmas (como bem observa Niels Blokker, Is the Authorization Authorized? Powers andPractice of the UN Security Council to Authorize the Use of Force by Coalitions of the Able andWilling, EJIL, 2000, vol. 11, n.3, p. 542), apreendida e relevada, desde cedo, ainda que no semalgumas apreenses relativamente sua conceptualizao ou rigorosa caracterizao, por Autorescomo Nikolai B. Krylov, International Peacekeeping and Enforcement Actions After the ColdWar, in Lori Fisler Damrosch e David J. Scheffer (eds.), Law and Order in the New International Order,Boulder, 1991, pp. 94-100; Hilaire McCoubrey e Nigel D. White, International Law and Armed Conflict,Aldershot, 1992, pp. 173-182; N.D. White, Keeping the Peace. The United Nations and the Maintenanceof International Peace and Security, Manchester, 1995, pp. 198-211. Certamente demonstrativas dassrias dificuldades de tipificao desta prtica, como que a meio caminho entre consensualismoe autoritarismo, entre soluo pacfica e imposio armada, entre a evocao do regime correspon-dente ao Captulo VI da Carta e o do Captulo VII, mesmo reformado pela prtica anterior, doperodo da Guerra Fria, cfr. as nossas reflexes interrogativas in De quantas Cartas se faz a pazinternacional?, in Antunes Varela, Diogo Freitas do Amaral, Jorge Miranda, J.J. Gomes Canotilho(eds.), Ab Uno Ad Omnes. 75 Anos da Coimbra Editora. 1920-1995, Coimbra, 1998, pp. 1043-1059, notiusnota 145 (onde, por exemplo, se questiona a possvel emergncia do que se poderia chamar umcaptulo 6 e meio, 7 menos um quarto, ou algo prximo).

    80 Em fenmeno ao qual j aludimos na nota 71.81 Um elemento fundamental da diferenciao deste novo modelo emergente reside, contudo, no facto

    de este carcter organizado, no ser directa ou completamente determinado pela direco ou tutelado Conselho de Segurana.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 96NAODEFESA

    mico82, sendo, contudo, que este se reputa de fundamental para quempretenda despistar os sinais normativos que tal prtica convola.

    Nove Tipos de Interveno Armada

    Tanto assim que parece mesmo possvel destrinar nove (!) tipos derelao, em funo de critrios determinantes como os do grau deenvolvimento das Naes Unidas, o tipo de controle exercido, a cadeia decomando das operaes, a composio das foras, a sucesso deprotagonismos, o papel das operaes, a responsabilizao pelos custosenvolvidos.Assim:

    1. Em primeiro lugar, podemos despistar o que poderamos chamar deverso alargada das clssicas operaes de manuteno da paz daONU. O melhor exemplo desta forma de interveno constitudo pelaoperao na Nambia, em 198983, tida como um dos maiores sucessos dahistria das intervenes onusinas. Para alm das atribuies deinterposio ou observao, que se haviam tornado normais nas dca-das anteriores84, ela ainda envolveu tarefas civis e administrativas,relacionadas com o desarmamento dos contendores e a superviso doprocesso de consulta da vontade da populao. Como as operaes demanuteno da paz tradicionais, foi sempre assegurada, quer na fasedecisria quer na fase operacional (onde, certo, no houve confrontosassinalveis), sob o signo da ONU, que para o efeito disps de forascedidas ad hoc por Estados de mdia ou fraca potncia. E, no planoeconmico-financeiro, tal como as operaes de manuteno da paz

    82 De notar que o modelo robusto j na Guerra Fria conhecera alguns precedentes, nomeadamentenas foras multilaterais lideradas pelos EUA, Frana e Itlia a quem coube manter a paz no Lbanonos anos de 1983 e 1984.Cfr. J.-C. Martinez, La Force multinationale des Nations Unies au Liban,AFDI, 1978, pp. 479-511; A. Brouillet, La Force multinationale dinterposition Beyrouth, AFDI,1982, pp. 293-336; L. Lucchini, La Force internationale du Sina: le maintien de la paix sans lONU,AFDI, 1983, pp. 121-136 e B.L. Zimbler, Peacekeeping without the UN: the multinational force inLebanon and International Law, Yale Journal of International Law, 1984, vol. 10, pp. 222, ss..

    83 A UNTAG (UN Transitional Group). Cfr. o breve sumrio dos acontecimentos in Anthony Parsons,From Cold War to Hot Peace. UN Interventions 1947-1994, London, 1995, pp. 118-120.

    84 Cfr. Robert C. R. Siekmann, Basic Documents on United Nations and Related Peace-keeping Forces,Dordrecht, 1989, 2 ed..

    Paulo Canelas de Castro

  • 97NAODEFESA

    clssicas, os custos foram suportados por todos os membros da Orga-nizao, de acordo com o esquema de repartio previamente definido.

    2. Uma variante deste modelo, ainda caracterizada, como no primeirocaso, por um forte envolvimento onusino, o tipo de operao discer-nvel nos Casos do Cambodja e da Eslavnia Oriental85. Em ambos oscasos, e tal como acontecia no tipo anterior, o objectivo de desarma-mento de uma faco e a preparao para uma vivncia pacficaconstitui elemento fundamental da operao. Por outro lado, tambmaqui as Naes Unidas tiveram controle formal da operao. A diferen-a especfica relativamente ao tipo previamente arrolado reside nofacto de se ter concebido a possibilidade de uso da fora, ainda quelimitada.

    3. Em terceiro lugar, pode-se identificar o que se designar de operaomultilateral militar autorizada pelas Naes Unidas. O exemplo maisperfeito o daquela que alguns qualificaram de guerra pelo Direito,a Operao Tempestade no Deserto, realizada no Iraque86. Como dca-das antes acontecera com a operao na Coreia87, este exerccio, defacto, foi assegurado por uma fora internacional constituda ad hoc edirigida pelos EUA, que detiveram o comando operacional militarprincipal. Esta sua supremacia manteve-se mesmo a partir do momen-to em que, aos contingentes de provenincia de Membros da NATO, sejuntou um contingente rabe. A suposta autonomia de funcionamentodeste ltimo era nominal, pois que tambm ele relatava ao comandoamericano. No estdio decisrio que a precedeu houve, contudo,distinto protagonismo da ONU88. O modelo manteve-se mesmo quan-

    85 Sobre a operao das Naes Unidas no Cambodja e as aces da UNTAC (UN TransitionalAuthority in Cambodia), vide Anthony Parsons, From Cold War to Hot Peace. UN Interventions1947-1994, London, 1995, pp. 162-166.

    86 Cfr. E. Lauterpacht et al. (eds.), The Kuwait Crisis: Basic Documents, Grotius, 1991; E.V. Rostow, UntilWhat? Enforcement Action or Collective Self-Defence?, in Agora: The Gulf Crisis in Internationaland Foreign Relations Law, Continued, AJIL, 1991, vol. 85, pp. 506, ss.; C. Greenwood, NewWorld Order or Old? The Invasion of Kuwait and the Rule of Law, MLR, 1992, vol. 55, pp. 153, ss.;K. H. Kaikobad, Self-Defence, Enforcement Action and the Gulf Wars, 1980-88 and 1990-91,BYBIL, 1992, vol. LXIII, pp. 299, ss.; P. Rowe, The Gulf War 1990-91 in International and English Law,London, 1993.

    87 Cfr. Paulo Canelas de Castro, Mutaes e Constncias da Neutralidade, Coimbra, 1990, policopiado,pp. 193-197.

    88 Pense-se, desde logo, no conjunto de Resolues adoptadas at Resoluo 688. Veja-se tambmN.D.White, Keeping the Peace. The United Nations and the Maintenance of International Peace andSecurity, Manchester, 1995, p. 108.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 98NAODEFESA

    do a operao mudou de natureza e se reduziu, nomeadamente con-centrando-se em patrulhas do espao areo iraquiano89. Os custos daoperao foram suportados, quase integralmente, pelos intervenientes,sendo, ainda assim, de assinalar a singular condio dos EUA, cujoesforo de guerra foi fortemente mitigado, no plano econmico-finan-ceiro, pelos generosos contributos de alguns Estados rabes90.

    4. Em quarto lugar, podemos falar de um tipo que se poderia dizer dasoperaes paralelas. Esta parece ser a frmula adequada para qua-lificar uma ocorrncia como aquela que se viveu na Somlia, em que,em Junho de 1993, aps se ter tomado a deciso de converter amisso das Naes Unidas, de uma tpica operao de manutenode paz (peace-keeping)91, numa operao de imposio (peace-making)ou execuo do valor paz (peace-enforcement)92, em especial contrauma faco que havia resistido ao desarmamento, se assistiu colocao no terreno, por parte dos EUA, de uma fora paralela dafora multilateral dirigida pelas Naes Unidas. A experincia ficouassinalada por dificuldades insuperveis de coordenao93 que, emboa medida, ditaram a (m) sorte comum aos dois esforos: a rpidaeroso do apoio pblico, perante a catica agressividade doscontendores, levou sua abrupta dissoluo, num processo iniciadoem Outubro de 1993, quando a operao entrou pela rea, at entoinexplorada e seguramente muito ambiciosa, da heternoma pro-cura da construo de nao (nation-building) em falta (failed State)94,redundando mesmo no denominado sndroma da Somlia, tidopor parcialmente responsvel por alguma da inaco ou hesitaoposterior da Comunidade Internacional95,96. O paralelismo apon-

    89 Cfr., tambm, N.D. White, Keeping the Peace. The United Nations and the Maintenance of InternationalPeace and Security, Manchester, 1995, p. 230.

    90 Cfr. Tesn, Collective Humanitarian Intervention, Michigan Journal of International Law, 1996,vol. 17, n 2, pp. 345-346.

    91 Assim ainda com as Resolues 733 e, em parte, 794, ambas de 1992, mas, em especial, com aResoluo 814, j de Abril de 1993, pela qual se decide criar a UNOSOM II.

    92 Resoluo 837.93 Ainda representativa da busca desta coordenao, cfr. a Resoluo 897, do Conselho de Segurana.94 Cfr. Mutharika, The Role of the United Nations Security Council in African Peace Management:

    Some Proposals, Michigan Journal of International Law, 1996, vol. 17, n 2, pp. 537, ss..95 Assim, Weiss, Military Civilian Humanitarianism: The Age of Innocence is Over, International

    Peacekeeping, 1995, vol. 2, n 2, pp. 158-174, e, do mesmo Autor, Overcoming the Somalia Syndrome Operation Rekindle Hope?,Global Governance: A Review of Multilateralism and InternationalOrganizations, 1995, vol. 1, p. 171.

    Paulo Canelas de Castro

  • 99NAODEFESA

    tado, de aces e sujeitos, verificou-se tambm no domnio do cus-teamento das operaes97,98.

    5. Como que a meio caminho entre as tradicionais operaes de manuten-o da paz e as mais musculadas operaes de imposio, comgrande mescla de objectivos e natureza, o tipo de operao, de duplochapu, que se pode detectar na primeira fase da interveno naBsnia e que se pode talvez qualificar de operao de proteco daONU num quadro de guerra. Partindo de uma fora de proteco emcurso de actuao na Crocia, o Conselho de Segurana, quandoconfrontado com os intensos e complexos confrontos poltico-tnicos,as hediondas prticas de limpeza tnica, assentes em programas degenocdio e evacuaes foradas, e os largos milhares de mortos,estendeu-a ao Estado da Bsnia-Herzegovina, pouco antes interna-cionalmente reconhecido99. A aco foi uma das mais problemticasintervenes no historial das operaes das Naes Unidas100. Retros-pectivamente caracterizada por sucessivas extenses do mandato ini-cial101, tambm ficou assinalada por uma gritante e contraditria escas-

    96 Esteve tambm na origem da doutrina militar americana, dita doutrina Powell, do nome do seuAutor, doutrina que traduz uma grande desconfiana relativamente ideia de intervenesmilitares americanas. Nela se advoga que uma qualquer interveno militar dos Estados Unidosapenas ocorra se, e to s se, o sucesso militar estiver antecipadamente garantido. O que s podeacontecer atravs de um emprego de fora tido por esmagador e o que se medir, em especialpor um nmero de baixas mnimo. Cfr. Lewy, The Case for Humanitarian Intervention, Orbis,1993, p. 623.

    97 Cfr. John L. Hirsch e Robert B. Oakley, Somalia and Operation Restoration Hope. Reflections onPeacemaking and Peacekeeping, Washington, D.C., 1995 e Francis Kofi Abiew, The Evolution of theDoctrine and Practice of Humanitarian Intervention, 1999, pp. 163-166.

    98 Tambm neste tipo, pelo menos quanto a alguns elementos, e nomeadamente quanto ao paralelismode intervenes de identidade diversa, parece caber a hiptese de operao onusina a par da deorganizao tipicamente regional, como aquela que se verificou na Libria nos primeiros anos dadcada de noventa. Cfr. M. Weller (ed.), Regional Peace-keeping and International Enforcement: TheLiberian Crisis, Cambridge, 1994; G. Nolte, Combined Peace-keeping: ECOMOG and UNOMIL inLiberia, International Peacekeeping, 1994, n 2, p. 42; e M. Basnett, Partners in peace? The UN,regional organizations, and peace-keeping, Review of International Studies, 1995, vol. 21, p. 411.Noutros elementos, a operao na Libria antes est mais prxima do oitavo tipo que abaixo figurado.

    99 Na sequncia de iniciativa da Comunidade Europeia, pressionada pela posio pr-activa daAlemanha. Para a histria do processo, em geral, vide Francis Kofi Abiew, The Evolution of theDoctrine and Practice of Humanitarian Intervention, 1999, pp. 175-179.

    100 Cfr. o Relatrio do Secretrio-Geral, elaborado de acordo com as Resolues 982 (1995) e 997 (1995)do Conselho de Segurana, UN Doc. S/1995/444, de 30 de Maio de 1995. Vide tambm S. Jacobi,UNPROFOR Mission impossible, International Peacekeeping, 1995, ns 2/3, p. 39.

    101 Cfr. Resolues 713, 743, 752, 757, 770, 776 e 781.

    A Interveno Armada e o Caso do Kosovo Novos Elementos para a Construo de uma Nova Ordem Internacional?

  • 100NAODEFESA

    sez dos meios humanos (tropas) e recursos materiais necessrios suaboa realizao102. O esquema operacional assentava numa dualidade depapis, devolvidos quer s Naes Unidas, por intermdio daUNPROFOR103, entidade da qual se esperava que conseguisse a limita-o da violncia do conflito em curso por mero recurso sua alegadaautoridade moral104, quer NATO, cuja cooperao com a Organizaouniversal se traduziria em ocasionais ameaas de utilizao do seupoderio areo ou efectivo recurso fora105. Foi este tambm um dosprimeiros exemplos de uma emergente poltica de desafeio dos EUArelativamente Organizao mundial, tendo aquele Estado vriasvezes insistido que a ONU cedesse o lugar NATO106. Quanto aoscustos da UNPROFOR, foram arcados pelos Estados membros daONU, embora a parte dos EUA, em boa medida, tenha ficado porsolver. Por seu turno, os custos das operaes areas empreendidas porcertos Estados membros da NATO, em suposta cooperao com aUNPROFOR, foram exclusivamente assumidos por esses Estados.

    6. O sexto tipo que se configura o da franca devoluo da intervenomilitar poderosa organizao militar que a NATO, embora comabertura desta, no plano operativo, a unidades de outros Estados, comoa Rssia. Tal atribuio , contudo, mitigada pelo facto de a funda-mentao da aco residir numa deciso da ONU107. O exemploilustrativo deste tipo de prtica constitudo pela experincia da

    102 Para estes e outros alegados erros, cfr. R. Siekmann, The five main mistakes regarding Bosnia inretrospect, International Peacekeeping, 1994, n 4, p. 118.

    103 Cfr. Resolues 743, 752, 757, 770, 776 e 781.104 Em especial, apontava-se o seu mandato humanitrio, despido de qualquer apoio militar. E,

    mesmo quando a Resoluo 776 autorizou a UNPROFOR a apoiar os esforos do Alto Comissariadodas Naes Unidas para os Refugiados na oferta de assistncia humanitria, ainda a se teve o usoda fora por politicamente indesejvel; embora j a tambm Kofi Annan, por ento aindaSecretrio-geral adjunto para as operaes de manuteno da paz, advertisse que h situaes emque se no pode assistir pessoas sem se estar preparado para adoptar certas medidas militares.Cfr. Weiss, UN Responses in the Former Yugoslavia: Moral and Operational Choices, Ethics andInternational Affairs, 1994, vol. 8, p. 443.

    105 Cfr. Resoluo 816. Diversamente das Resolues relativas ao Iraque, instrumentos que tantosdesacordos de interpretao causaram, desta feita o Conselho de Segurana aprovou expressa-mente a garantia das zonas de segurana por avies de combate da NATO.

    106 As operaes desta Organizao estiveram na origem da suspenso da prtica de atrocidades e doincio de negociaes que acabaram por pr termo ao conflito vivido nesse Estado, bem como aoAcordo de Paz de Dayton, de Novembro de 1995.

    107 Cfr. a histria prvia in N.D. White, Keeping the Peace. The United Nations and the Maintenance ofInternational Peace and Security, Manchester, 1995, pp. 254-255.

    Paulo Canelas de Castro

  • 101NAODEFESA

    Bsnia aps a celebrao do acordo de paz de Dayton108. De notar,contudo, que a participao das Naes Unidas, que estaria mal descri-ta se se pretendesse qualific-la como de direco, se resumiu a essaautorizao, no conhecendo, nomeadamente, qualquer refraco noplano operacional (em que intervieram a Fora de Implementao IFOR e a sua sucessora, a Fora de Estabilizao SFOR). As questesde interpretao ou execuo dos termos do acordo, j de si, sintoma-ticamente, no celebrado sob os auspcios da Organizao mundial109,nunca foram decididas seno pela NATO, ou mesmo, to s, pelosEUA. Os custos foram comportados pelos Estados participantes, tendosido celebrados acordos especiais para acorrer a situaes financeirasdifceis de alguns Estados, como a da Federao Russa.

    7. O Caso do Haiti110 pode ter-se como constitutivo de um stimo tipo.Diversamente da experincia da Bsnia, comea com uma intervenoessencialmente assegurada por uma coligao ad hoc (baseada nosmembros da Organizao, regional, dos Estados Americanos, mas, naprtica, com clara predominncia dos EUA111), ainda que autorizadapelo Conselho de Segurana112, que depois devolveu as responsabili-dades no domnio da segurana a uma fora de manuteno da paz daONU113. Tambm na situao vivida na Somlia, entre Novembro de1992 e Maro de 1993, se assistiu a similar forma de cooperao, bemcomo a idntica sequncia de intervenes. O custeamento das opera-es, no caso do Haiti, evoluiu com a sucesso histrica das mesmasoperaes: primeiro assegurado pelos EUA, veio depois a ser supor-tado por todos os Estados membros da ONU, aps esta Organizaoter assumido a conduo das operaes.

    108 Evocao histrica in Francis Kofi Abiew, The Evolution of the Doctrine and Practice of HumanitarianIntervention, 1999, pp. 181-186.

    109 Cfr. Gaeta, The Dayton Peace Agreements and International Law, EJIL, 1996, vol. 7, n 2, p. 147e Talamanca, The Role of NATO in the Peace Agreement for Bosnia and Herzegovina, EJIL,vol. 7, n 2, p. 164.

    110 Em geral, M. Bothe e R. Siekmann, Restoring democracy and human rights in Haiti: Whosepeace?, International Peacekeeping, 1994, vol. 1, n 3, p. 101.

    111 Trata-se da Fora Multinacional no Haiti, ou MNF, no acrnimo resultante da sua designao nalngua inglesa.

    112 Na sequncia das Resolues 841 e 873, de