Nicola Abbagnano - História Da Filosofia Vol. 4

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    Histria da FilosofiaQuarto volumeNicola Abbagnano

    DIGITALIZAO E ARRANJO:NGELO MIGUEL ABRANTES.

    HISTRIA DA FILOSOFIA

    VOLUME IV

    TRADUO DE:JOS GARCIA ABREU

    CAPA DE: J. C.

    COMPOSIO E IMPRESSO

    TIPOGRAFIA NUNES R. Jos Falco, 57-Porto

    EDITORIAL PRESENA . Lisboa 1970

    TITULO ORIGINAL STORIA DELLA FILOSOFIA

    Copyright by NICOLA ABBAGNANO

    Reservados todos os direitos para a lngua portuguesa EDITORIAL PRESENA,LDA. - R. Augusto Gil, 2 cIE. - Lisboa

    XIV

    ALBERTO MAGNO

    267. A OBRA DE ALBERTO MAGNO

    Chegada ao ocidente latino atravs das especulaes rabe e judaica, a obrade Aristteles pareceu, primeira vista, estranha tradio originria daescolstica. O primeiro resultado do seu aparecimento foi, como vimos, oentrincheiramento da tradio escolstica na sua posio fundamental, o

    ,regresso doutrina autntica daquele que fora at ento o inspirador e oguia da investigao escolstica, Santo Agostinho. Este regresso provoca umtrabalho de reviso crtica e de sistematizao das doutrinas escolsticasfundamentais, o qual alcana a sua mxima expresso na obra de S. Boaventura.So utilizadas neste trabalho doutrinas particulares e sugestesespeculativas do aristotelismo, sem que se faa a mnima concesso aos pontosbsicos do prprio aristotelismo e ao esprito que os anima. Paralelamente,

    as autoridades eclesisticas advertem o perigo contido na nova corrente eprocuram interromper-lhe o caminho com proibies e limitaes frequentementerepetidas 1.

    Mas esta situao modifica-se quando o aristotelismo encontra o homem que lhesaber dar o direito de cidadania na escolstica latina. Este homem AlbertoMagno. Aquilo que Bocio fizera para o mundo latino do sculo VI, dando-lheapossibilidade de se acercar de Plato e Aristteles; aquilo que Avicenafizera para os muulmanos do sculo XI oferecendo-lhes o pensamento de

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    Aristteles e dos Gregos, f-lo Alberto Magno para a escolstica latina dosculo XIII, oferecendo-lhe a completa enciclopdia cientfica deAristteles, numa exposio que faz com que o pensamento do Estagirita percaaquele carcter de estranheza que o revestia aos olhos dos escolsticoslatinos. Atravs da imensa e paciente obra de Alberto Magno, abre-se apossibilidade para que o aristotelismo se insira como um ramo vital do troncoda escolstica latina, tal como havia vivido e prosperado nas escolsticas

    muulmana e judaica. Alberto Magno descobre e explora pela primeira vez ocaminho mediante o qual os pontos bsicos do pensamento aristotlico

    :L Esta proibio foi estabelecida por quatro vezes durante a primeira metadedo sculo XIII. Em 121.O aparece no Conclio provincial de Paris a primeiraproibio das obras de Aristteles e seus comentrios. Em 1215, Roberto deCouron legado pontifcio, renova as proibies. Em 1231, Gregrio XI probea Fsica e a Metafsica de Aristteles e nomeia uma comisso -composta porGuilherme de Auxerre, Simo d'Authie e Estvo de Provins para reviso dostextos. Em 1245 esta proibio passou a vigorar tambm na Universidade deToulouse. Porm j em 1252 se tornou obrigatrio para os candidatos denacionalidade inglesa o conhecimento de De anima, e em 1255 tal obrigao foiimposta a todos os candidatos e para todas as obras de Aristteles. DENIFLE-

    CI-1ATELAIN, Chartularium Universitatis Parisiensis, 1, 70, 78-79, 138, 227.

    podero servir para uma sistematizao da doutrina escolstica, sem atraioarnem abandonar os resultados fundamentais da tradio. Torna-se claro, comAlberto Magno, que o aristotelismo no s no torna impossvel a investigaoescolstica, isto , a compreenso filosfica da verdade revelada, masconstitui o fundamento seguro de tal investigao e oferece o fio condutorque permitir ligar entre si as doutrinas fundamentais da tradioescolstica.

    Com a sua obra, Alberto Magno anunciou esta possibilidade; mas s a realizouparcialmente. sua sistematizao, falta a clareza e a profundidade de umresultado definitivo. Um dos mais perspicazes dos seus crticoscontemporneos, Roger Bacon (Opus minus, ed. Brewer, p. 325), acertadamenteassinalava j, falando do enorme sucesso de Alberto Magno, a deficinciafilosfica da sua obra. "Os escritos deste autor esto cheios de erros econtm uma iinfinidade de coisas inteis. Entrou muito jovem na ordem dospregadores; nunca ensinou filosofia, nunca pretendeu ensin-la em nenhumaescola; nunca frequentou nenhuma Universidade antes de se tornar telogo;nem teve possibilidade de ser instrudo no seio da sua ordem, j que ele ,de entre os seus irmos, o primeiro mestre de filosofia". Na realidade,oaristotelismo apresenta-se-lhe como um todo confuso, no qual no sabedistinguir o pensamento original do mestre daquilo que lhe foi acrescentadopelos intrpretes muulmanos. Os erros histricos de Alberto Magno sofrequentes: considera Pitgoras como um Estico, cr que Scrates eraMacednio, que Anaxgoras e EmpdocIeseram oriundos da Itlia, chama a Plato

    "prnceps stoicorum", e assim sucessivamente. Por outro lado, no chegou aseparar-se completamente do neoplatonismo agustiniano, do qual admite umadoutrina tpica: a concepo da matria, no como simples potencialidade ouprivao de forma,

    mas como dotada duma certa actualidade consistente na inchoatio formae: aqual, como ele diz, "no a coisa nem parte da coisa, mas semelhante aoponto, que no a linha nem parte da linha mas sim o seu princpioincoativo" (De natura et origine aninwe, 1, 2). Finalmente, e isto aindamais grave, Alberto Magno no fixou claramente o centro especulativo da sua

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    investigao, no sublinhou com vigor suficiente o princpio segundo o qualoaristotelismo deve ser reformado para servir de fundamento sistematizaofilosfica da revelao crist. Por todas estas razes, a sua obra teriaficado como uma simples tentativa, no fora ter sido retomada e completadapor S. Toms de Aquino.

    268. ALBERTO MAGNO: VIDA E OBRA

    Alberto, denominado Magno, pertencia famlia dos condes de BolIstdt enasceu em Lavingen, na Subia em 1193, ou, segundo outros, em 1206 ou 1207.Estudou em Pdua, onde conheceu o geral dos dominicanos, Giordano o Saxo,por influncia do qual ingressou naquela ordem. As palavras de Roger Baconacima mencionadas, excluem a hiptese de ele ter seguido estudos regulares.Entre 1228 e 1245 ensinou em vrios conventos dominicanos. Em 1245 torna-semestre de teologia, em Paris; e foi neste perodo que teve como aluno S.Toms de Aquino. Em 1248 foi chamado a Colnia, para ensinar na Universidadeque acabava de ser fundada, e para a o seguiu S. Toms. Entre 1254 e1257 ocupou o cargo de provincial dos dominicanos. Em 1256, numa viagem corte papal de Alexandre IV em Anagni, na Itlia, conheceu o livro de

    Guilherme de Santo Amor contra as ordens mendicantes e a doutrina de Averrissobre a unidade do intelecto. De 1258 a 1260 voltou a ensinar em Colnia,aps o que, durante algum tempo, foi bispo de Ratisbona e desempenhounumerosas misses da sua ordem e da Igreja. Em1269 ou 1270 voltou para Colnia, onde morreu em 15 de Novembro de 1280.

    A obra de Alberto Magno vastssima: abrange21 volumes in folio na edio Jammy e 38 volumes in-4. na edio Borgnet.Dizia expressamente, em todas as ocasies, que s queria expor a opinio deAristteles; de facto, a sua obra segue fielmente os ttulos e as divisesda obra aristotlica, da qual, embora no citando o texto, faz uma exposiointercalada de comentrios e digresses. Alberto Magno divide afilosofia em trs partes: filosofia racional ou lgica, filosofia real, quetem por objecto aquilo que no for obra humana, e filosofia moral, que tempor objecto as aces humanas. Os seus escritos de lgica consistem naexposio dos escritos de Aristteles, dos qus tambm utilizam os ttulos.Divide a filosofia real em fsica (e tambm aqui utiliza os ttulos e a ordemdas obras aristotlicas); matemtica (a cujo grupo pertence uma s obra,Speculum astronomiae, de autenticidade duvidosa); e metafsica, qualpertencem a Metafsica e uma ampla parfrase do Liber de causis. filosofiamoral pertencem os dois Comentrios tica e Poltica.

    Alm destas obras que repetem o traado da obra aristotlica, Alberto Magnofoi ainda autor de escritos teolgicos: um comentrio s Sentenas de PedroLombardo, uma Sumina de creaturis, uma Summa theologiae, um comentrio aoPseudo-Dionsio, um Comentrio ao Antigo e Novo Testamento. Contra a doutrinaaverrostica, comps ainda a obra De unitate intellectus. Este ltimo e a

    Metafsica pertencem provvelmente aos anos 1270-1275. Todo o comentrioaristotlico foi composto por

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    Alberto Magno entre o seu quinquagsimo e septuagsimo ano de idade.

    Dissemos j que Alberto Magno no distingue, ou distingue mal, entre opensamento de Aristteles e o dos seus intrpretes muulmanos. Destesintrpretes, Avicena aquele que mais o influencia; serve-se tambm

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    amplamente da obra de Maimnides para a crtica e a correco das tesesmuulmanas.

    269. ALBERTO MAGNO: FILOSOFIA E TEOLOGIA

    O trabalho a que Alberto Magno se dedica o de expor o pensamento deAristteles. "Tudo aquilo que eu disse, disse-o como concluso da Metafsica,

    e de acordo com as opinies dos peripatticos: quem quiser discutir o que eudisse leia atentamente os seus livros e dirija-lhes, no a mim, os louvoresou as crticas que meream". E no final do livro Acerca dos animais: Eis ofim do livro sobre os animais; com ele termina toda a nossa obra de cincianatural. Limitei-me nesta obra a expor, o melhor que mo foi possvel, aquiloque os peripatticos disseram; e ningum poder nela encontrar o que euprprio penso em matria de filosofia natural" . Que esconderverdadeiramente esta fidelidade de Alberto Magno ao aristotelismo, toenergicamente proclamada e frequentemente repetida? Evidentemente, que aconvico de que o aristotelismo no somente uma filosofia, mas afilosofia, a obra perfeita da razo, o termo ltimo do saber humano. Estaadmirao por Aristteles, que Averris ( 241) explicitamente proclamava nasua obra, o pressuposto subentendido na posio de Alberto Magno. Este

    pressuposto leva-o precisamente a separar com nitidez o domnio da filosofiado da teologia. "H quem pense, diz ele

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    ((Met., XI, 3, 7), seguir o caminho da filosofia e, na realidade, confundeafilosofia com a teologia. Mas as doutrinas teolgicas no coincidem, nos seusprincpios, com as da filosofia: a teologia fundamenta-se, no na razo,mas na revelao e na inspirao. No podemos pois discutir sobre questesteolgicas na filosofia" . E ainda, no De unitate (cap. l. ): " necessrioverificar com razes e silogismos qual a opinio que devemos aceitar edefender. No falaremos portanto daquilo que ensina a nossa religio, nemadmitiremos nada que no possa ser demonstrado por intermdio dum silogismo".

    Deste modo, o reconhecimento do aristotelismo como a autntica filosofia,leva Alberto Magno a separar nitidamente a filosofia, que procede por razese silogismos, da teologia, que se fundamenta na f. Servindo-se, por ummomento, da linguagem de Santo Agostinho, afirma serem dois os modos darevelao de Deus ao homem. O primeiro o de uma iluminao geral, isto ,comum a todos os homens, e deste modo que Ele se revela aos filsofos. Osegundo o de uma iluminao superior destinada a fazer intuir as coisassobrenaturais; e nesta iluminao que se baseia a teologia. A primeira luztransparece nas verdades conhecidas por si mesmas, a segunda, nos artigos def (Sum. theol., 1, 1, q. 4, 12). A teologia a f que, segundo as palavrasde Santo Anselmo, vai em busca do intelecto e da razo (lb., 1, 1, q. 5). Oseu impulso reside na piedade religiosa, e tem, com efeito, por objecto tudo

    aquilo que se relaciona com a salvao da alma (lb., 1, 1. q. 2). Mas a f,que no domnio religioso implica adeso e anuncia e a via que conduz cincia das verdades divinas, , no domnio filosfico, pura credulidadealheia a qualquer cincia. E isto porque a cincia se baseia na demonstraocausal e no em razes provveis, e a f s

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    pode ter o valor de uma opinio provvel (Ib., 1,3, q. 15, 3).

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    Era a primeira vez, na escolstica latina, que se estabelecia to nitidamentea separao entre filosofia, e teologia. O domnio da filosofia fica reduzidoao da demonstrao necessria. Para alm dele existir tambm uma cincia,mas uma cincia baseada nos princpios admitidos pela f, e que por issoobtm a sua validade da adeso e da anuncia do homem verdade revelada. Oaparecimento da autonomia da investigao filosfica coincide em Alberto

    Magno com a exigncia duma investigao naturalista baseada na experincia."Das coisas que aqui expomos, diz ele numa obra sobre botnica (Devegetalibus, ed. Jessen, 339), algumas delas foram por ns comprovadas comaexperincia (experimento), enquanto que outras so mencionadas nas obrasdaqueles que, no tendo delas falado com ligeireza, antes as comprovaramtambm com a experincia. E de facto, s a experincia concede a certeza emtais assuntos, pois que, acerca de fenmenos to particulares o silogismonada vale".

    270. ALBERTO MAGNO: METAFSICA

    Aceitando o princpio de Aristteles segundo o qual aquilo que primeiro em

    si no primeiro para ns, Alberto Magno considera que a existncia de Deuspode e deve ser demonstrada, mas que tal demonstrao ter de ser feita apartir da experincia em vez de ser a priori. Reproduz, pois, as provascosmolgicas e causais que a traduo escolstica. havia elaborado (S.theol., 1, 3, q. 18). Deus o intelecto agente universal que est peranteascoisas na mesma relao em que o intelecto do artfice est para a coisaproduzida, desde que este ltimo produza as coisas por si prprio e no por

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    uma disposio proporcionada pela arte (De causis,1, 2, 1). Como intelecto, Deus tem em si mesmo as ideias, isto , as espciesou razes de todas as coisas criadas, mas essas ideias no so distintasdele, ainda que se diferenciem em relao s prprias coisas; j que ele sse conhece a si prprio e duma forma imediata, sem nenhuma ideia ou espcieintermediria (Summa theol., 1, 13, q. 55,2, a. 1-2). Daqui resulta que sejam trs os gneros das formas: o primeiroo das formas que existem antes das coisas existirem, isto , no intelectodivino como causa formativa delas; o segundo o das formas que flutuam namatria; o terceiro o das formas que o intelecto, atravs da sua aco,separa das coisas (De nat. et or. animae, 1, 2). Estes trs gneros de formasconstituem os trs tipos de universais anie rem, in re e post rem,solidamente admitidos pelo realismo escolstico. Mas Alberto Magno acrescentauma limitao importante: o universal, enquanto universal, s existe nointelecto. Na realidade, est sempre unido s coisas individuais que so as

    nicas que existem. Na realidade, o universal s existe enquanto forma queconstitui com a matria as coisas individuais. a essncia da coisa,essncia individual ou comunicvel a outras coisas. ainda o fim da geraoou composio da substncia que a matria deseja realizar, e quem d o sere a perfeio (o acto) aquilo em que se encontra. O universal pois, tambm,a quididade, isto , a essncia substancial da coisa, que sempredeterminada, particularizada e prpria. Neste ltimo sentido de quididade,ouniversal a forma, que o intelecto separa da matria e considera na suapura universalidade, abstraindo-a das condies individualizadoras (De

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    intellectu et intellegibili, 1, 2, 2).

    Estas condies individualizadoras residem no quod est, que a existncia,osubstrato ou sujeito

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    do ser. Com efeito, Alberto Magno aceita a doutrina da distino real entreaessncia e a existncia. Todas as criaturas so compostas por uma qudidadeou essncia (quod est) e por um sujeito ou sustentculo de tal quid~ "0 quodest a forma total; o quod est o prprio todo a que pertence a forma"(Sum. de creat., 1, 1, q. 2, a. 5). Esta composio tambm prpria dascriaturas espirituais, s quais Alberto Magno nega por vezes a composio dematria e forma, opondo-se a Avicebro e aos escolsticos agustinianos. Oraoprincpio da individuao precisamente o quod est, o sujeito da essncia;aqual, pelo contrrio, participvel e comum a outras coisas. E, dado que nas

    coisas corpreas o quod est a matria, pode dizer-se que nelas o princpioindividualizante a matria, ainda que no enquanto matria, mas enquantoque, precisamente, sustentculo da essncia, substracto real da coisa (S.th., 11, 1, q. 4, a.1-2).

    Mas o ponto no qual o aristotelismo parecia inconcilivel com a revelaocrist era a eternidade do mundo. Os peripatticos muulmanos haviamelaborado rigorosamente o conceito da necessidade absoluta do ser enquantoser; e deste princpio tinham deduzido, em primeiro lugar, a necessidade daprpria criao pela parte de Deus, enquanto inerente sua essnciaautocognoscente, e em segundo lugar e por consequncia, a eternidade do sercriado. O nico que, de certa maneira, havia conseguido justificar acontingncia do acto criador e do ser criado, e portanto o incio temporaldomundo, embora mantendo intactos os pontos bsicos do aristotelismo, tinhasido Moiss Maimnides. precisamente a ele (a quem chama Rabi Moiss ouMoiss Egpcio) que se refere explicitamente Alberto Magno, seguindo-lhecuidadosamente as pegadas. Maimnides tinha justificado o incio do mundo no

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    ALBERTO MAGNO

    tempo mostrando a contingncia do acto criador e, portanto, a no necessidadedo ser criado. A mesma via seguida por Alberto Magno. A prova fundamentalpor ele aduzida a da diversidade dos efeitos que derivam de uma nica

    causa criadora: impossvel explicar esta diversidade a no ser recorrendolivre vontade divina. "Se se admite que a totalidade dos corpos foi trazidaao ser mediante escolha e vontade, torna-se, possvel a grande diversidadeque ela apresenta. Demonstrmos j que o ser que actua por liberdade livrepara produzir diversas aces. A diversidade que notamos nas rbitas dos cusno ter, portanto, outra causa que no seja a Sabedoria que ordenou e pr-constituiu esta diversidade segundo uma razo ideal" (Phys., VIII, 1, 13).Aeste argumento tirado de Maimnides, acrescenta Alberto Magno o que deriva

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    daconsiderao da diversidade do ser criado em relao ao ser de Deus, Nopodemos aqui utilizar a mesma escala de medida. Se a eternidade a medidadeDeus, o tempo deve ser a medida do mundo. Se Deus precede o mundo enquantoa sua causa, o mundo no pode ter a mesma durao de Deus. Esta -razo

    parece-lhe ser suficientemente forte para justificar a opinio de que o mundotenha sido criado, mais forte do que as razes aduzidas por Aristteles paradefender as teses opostas; embora no suficientemente fortes para valeremcomo demonstrao. A concluso que "o incio do mundo pela criao no uma proposio fsica e no pode ser demonstrada fisicamente" (Phys., VIII,1, 14). todavia certa a no necessidade do ser criado. A criao de Deusabsolutamente livre, e um acto de vontade cuja nica causa ele prprio(S. th., 1, 20, q- 79, 2, a. 1, 1-2). O acto criador no implica uma relaonecessria de Deus com a coisa criada, mas somente uma dependncia da coisacriada para

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    com Deus, a qual coisa criada comea a ser a partir do nada (1b., a. 4).

    271. ALBERTO MAGNO: A ANTROPOLOGIA

    Alberto Magno negou a composio hilomrfica das substncias espirituais: noconsidera que a alma seja composta de matria e forma. Reconhece, porm, acomposio, prpria de todas as criaturas, de existncia e de essncia, dequod est e quo est.O homem, que tal como todos os outros seres sublunares, participa na naturezacorprea, distingue-se dos outros seres pela forma que anima o seu corpo,isto , pela alma. Pela sua funo de determinar e individuar no homem amatria corprea, a alma a forma substancial do corpo (S. th., 11, 12, q.68). Como acto primeiro do corpo, a alma conduz o corpo ao ser; como actosegundo, condu-lo a agir (S. de creat., 11, 1, q. 2, a. 3). As trs potnciasda alma, vegetativa, sensitiva e racional, constituem uma nica forma e umanica actividade (lb., H,1, q. 7, a. 1). Alberto Magno recusa a doutrina da pluralidade das formas,aqual, pelo contrrio, era admitida pelos agustinianos da sua poca.

    Mas o problema fundamental da antropologia de Alberto Magno continua a seromesmo do aristotelismo, isto , o problema do intelecto. Alberto Magno, temde combater a teoria tpica do aristotelismo muulmano, a da unidade dointelecto humano, teoria que exclui a multiplicidade das almas depois damorte e, por consequncia, a imortalidade individual. O principal argumento

    afavor desta tese era, como vimos ( 242), que as almas eram individuadaspelos corpos aos quais se uniam e que, portanto, toda a individuao cessacom a dissoluo do corpo. Admitindo com Avicebro uma matria espiritualindividuadora da alma, en-

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    quanto tal, os contemporneos de Alberto Magno (Alexandre de Hales, RobertoGrosseteste) conseguem evitar o argumento averrostico. Mas Alberto Magno

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    nega a existncia de uma matria espiritual; no pode, portanto, recorrer matria para justificar a individualidade da alma separada. Tem de recorrerao quod est, ao substrato da essncia: o quod est desempenha nos seresespirituais a mesma funo ndividualizante que a matria desempenha nosseres corpreos. "0 princpio, que faz subsistir a natureza comum e adetermina ao indivduo (ad hoc aliquid), tem a propriedade de um princpiomaterial (principium hyleale); pelo que muitos filsofos lhe do o nome de

    hyliathis, derivado da palavra hyle-" (De causis, 11, 2, 118. A palavrahyliathis encontra-se adoptada no Liber de causis, cap. 9). Alberto Magnoafirma o princpio segundo o qual " excepo do ser primeiro, tudo o queexiste composto por quo est e quod est". Pode assim admitir aindividualidade da alma como tal, uma individualidade conexa com a prpriaessncia da alma, inseparvel, portanto, dela mesmo para alm da morte. Osintelectos que Alberto Magno distingue, seguindo sobretudo Avicena, sopartes da alma humana. O intelecto agente deriva do quo est, isto , daessncia da alma, que acto; a inteligncia possvel deriva do quod est,isto , da existncia da alma, que potncia (Sum. de creat.,11, 1, q. 52, a. 4, 1). O princpio de individuao do intelecto portantoointelecto em potncia, o qual individualiza o intelecto agente. Este ltimo

    como que uma luz, imagem e semelhana da Causa primeira. Em virtude do que,aalma abstrai as formas inteligveis das condies materiais e redu-las ao seuser simples (S. Th., 11, 15, q. 93, 2).O intelecto agente e o intelecto potencial esto unidos atravs delas.Constituem o intelecto formal que, por sua vez, simples ou composto. Ointe-

    .19

    lecto composto ou tem por objecto os primeiros princpios, e ento ditoinato, ou intelecto adquirido, intellectus adeptus, enquanto se adquireatravs da investigao, da doutrina e do estudo (S. th.,11, 15, q. 93, 2). Chama tambm especulativo ao intelecto adquirido (De unit.intel. contra Aver., 6).O mesmo intelecto formal, quando dedica a sua luz aco, em vez de ser especulao, e ao bem, em vez de ser verdade, o intelecto prtico (Suni.de creat., 11, 1, q. 61, a. 4). pelo intelecto adquirido ou especulativoque o homem se torna, de certa maneira, semelhante a Deus, porque realiza aconjuno mais estricta com o intelecto agente: no qual j no existe adiferena entre o acto de comprender e a coisa compreendida, e onde a cinciase identifica com a coisa conhecida (De an., 111, 2,18). Dado o carcter espiritual e divino da sua funo intelectual, a almano depende do corpo; pelo que no perece com ele. Na sua actividadeintelectual, ela a causa de si mesma'e os seus prprios objectos soincorruptveis: portanto, a morte do corpo no a afecta (De nat. et orig.

    animae, 11, 8). Deste modo, Alberto Magno, embora aceitando alguns pontosbsicos do aristotelismo, cr haver conseguido garantir, contra as doutrinaserradas do prprio aristotelismo, a verdade fundamental do cristianismo.

    Os outros aspectos da sua antropologia carecem de originalidade. Atribui aohomem o livre arbtrio como uma potncia especial que lhe pertence pornatureza; e coloca a essncia do livre arbtrio na capacidade de escolherentre as alternativas que a razo apresenta ao homem (Sum. de creat., 11, 1,q. 68, a, 2). Aproveita de Alexandre de Hales a teoria da conscincia e dasindrese. A conscincia a lei racional que obriga o homem a actuar ou a

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    no

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    actuar. A sindrese a disposio moral determinada por essa lei, o habitusque conduz o homem ao bem e lhe d o remorso do mal. s quatro virtudescardeais que, com Pedro Lombardo, chama adquiridas, Alberto Magno junta as

    trs virtudes infusas, f, esperana e caridade (Summ. theol., 11, 16, q.103, 2).

    NOTA BIBLIOGRFICA

    268. A data de nascimento de Alberto Magno situad-i em 1193 por MICHAEL,Geschichte der dentschen Volkes vom 13 Jahrh. bis zum Ausgang desMittelalters, 111, 1903, p. 69 e ss.; e por PELSTER, Kritische Studien zuLeben und zu den Shriften, AIberts der Grosse, 1920. 2 situada em 1206 ou1207 por MANDONET, Siger de Brabante et Paverroisme latin au XIII.c sicle,I, Lovaina, 1911, p. 36-39; e por ENDRES, in "Historisches Jahrbuch",1910, p. 293-304. Existem duas edies completas da obra de AlbertoMagno: a de P. Jammy, Lyon, 1651 e a de Borgnet, Paris, 1890-1899, em

    38 vol. in-4.1.

    Saram j alguns volumes duma edio crtica organizada pelos PadresDGminicanos, Mnster, 1951 e - .; outras edi5es: De vegetalibus, ed. Jessen,Berlin, 1867; Commentari in Librum Boethii De divisione, ed. De Lo, Bonn,1913; De animalibus, ed. StadIer, Mnster, 1916-1920; Suma de creaturis, ed.Grabmann, Leipzig, 1919; Liber sex principiorum, ed. SuIzbacher, Viena, 1955.

    DuHEM, Systme du monde, V, p. 418-468; WILMS, Albert der Grosse, Mnaco,1930; SCHEEBEN, Albertus Magnus, Colnia, 1955; NARDI, Studi di filosofiamedioevale, Roma, 1960, p. 69-150.

    269. Sobre as relaes entre filosofia e teologia: HEITZ, in "Revue desSeiences phil. et thol.",1908, 661-673.

    270. Sobre a metafsica: DANIELS, in "Beitrge", VIIII, 1, 2, 1909, 36-37,onde se examina a atitude vacilante de Alberto, Magno perante a provaontolgica; ROHNER, in "Beitrge", XI, 5, 1913, 45-92;

    21

    PELSTER, Kritische Studien zu Leben und zuden Schriften A. s. d. Gr, 1920.Sobre as relaes com Plato: GAUL, in "Beitrge", XII, 1, 1913. Sobre asrelaes com Maimnides: JO2L, Das Verhltnis A.& d. Gr. zu Moses Maimonides,1863.

    271 . Sobre a psicologia: SCI1NEIDER, in "Beitrge", IV, 5-66, 1903, 1906.

    22

    XV

    S. TOMS DE AQUINO

    272. A FIGURA DE S. TOMS DE AQUINO

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    A obra de S. Toms marca uma etapa decisiva da Escolstica. ele quecontinua e leva ao seu termo o trabalho iniciado por Alberto Magno. Atravsda explicao tomista, o aristotelismo torna-se flexvel e dcil a todas asexigncias da explicao dogmtica; e no por meio de expedientes ocasionaisou de adaptaes artificiosas (segundo o mtodo daquele), mas em virtude deuma reforma radical, devida a um princpio nico e simples situado no prpriocorao do sistema, e desenvolvido com lgica rigorosa em todas as suas

    partes. Se Alberto Magno necessitava ainda de corrigir o aristotelismopartindo de doutrinas que lhe eram estranhas, aproveitando motivos esugestes da prpria corrente agustiniana contra a qual polemizava, S. Tomsencontra na prpria lgica do seu aristotelismo a maneira de situar osresultados fundamentais da tradio escolstica num sistema harmonioso ecompleto no seu conjunto, preciso e

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    claro nos seus detalhes. Neste trabalho especulativo, S. Toms ajudado porum talento filolgico nada comum: para ele, o aristotelismo j no , comoera para Alberto Magno, um todo confuso formado pelas doutrinas originais epelas diversas interpretaes dos filsofos muulmanos. Ele procura

    estabelecer o significado autntico do aristotelismo, deduzindo-o dos textosde Aristteles, vale-se dos textos rabes como fontes independentes, cujafidelidade ao Estagirita analisa criticamente. Aristteles aparece a S. Tomscomo o termo final da investigao filosfica. Ele foi at onde a razohumana pode ir. Para alm desse ponto s existe a verdade sobrenatural da f.Integrar a filosofia e a f, a obra de Aristteles e a verdade revelada porDeus ao homem e de que a Igreja depositria, - a tarefa que S. Toms seprope.

    A realizao desta tarefa supe duas condies fundamentais. A primeira aseparao ntida entre a filosofia e a teologia, entre a investigaoracional, unicamente guiada e sustentada por princpios evidentes, e acincia que tem por pressuposto a revelao divina. Com efeito, s em virtudedesta separao ntida pode a teologia valer como completamento dafilosofia, e a filosofia pode valer como preparao e auxiliar da teologia.A segunda condio que, no prprio seio da investigao filosfica, sefaa valer como critrio directivo e normativo, um princpio que exprima a

    disparidade e a separao entre o objecto da filosofia e o objecto dateologia, entre o ser das criaturas e o ser de Deus. Estas duas condiesesto liga-das entre si: dado que filosofia e teologia no podem serseparadas uma da outra, se no se separarem e distinguirem os seus objectosrespectivos; nem a filosofia pode servir de preparao e auxiliar dateologia, que o seu verdadeiro coroamento, se no inclui e faz valer em simesma o princpio que

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    justifica precisamente esta sua funo preparatria e subordinada: adiversidade entre o ser criado e o ser de Deus.

    Este princpio pois, a chave da abbada do sistema tomista. ele que guiaS. Toms na determinao das relaes entre razo e f e no estabelecimentopela razo da regula fidei; no centrar a funo cognoscitiva do homem voltada funo da abstraco; na formulao das provas da existncia de Deus; noaclarar os dogmas fundamentais da f. S. Toms formulou este princpio na suaprimeira obra, De ente et essentia, como distino real entre essncia eexistncia; mas tambm expresso na frmula da analogicidade do ser, da qual

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    tambm se utiliza muitas vezes.

    Esta forma talvez a mais adequada para exprimir o princpio da reformaradical trazida ao aristotelismo por S. Toms. Um o ser de Deus, outro oser das criaturas. Os dois significados da palavra ser no so nem idnticosnem totalmente distintos; antes se correspondem proporcionalmente, de tal

    modo que o ser divino implica tudo aquilo que a causa implica em relao aoefeito. S. Toms exprime-o dizendo que o ser no unvoco nem equvoco, masanlogo, isto , que implica propores diversas. A proporo neste casouma relao de causa e efeito: o ser divino causa do ser finito (S. th.,1, q. 13, a. 5). S. Toms relaciona este princpio com a analogicidade do serafirmado por Aristteles acerca das vrias categorias. Mas em Aristteles,inconcebvel uma distino entre o ser divino e o ser das outras coisas; oser aristotlico verdadeiramente uno, o seu significado primrio reside nasubstncia ( 73). Para S. Toms, o ser no uno. O criador est separadodacriatura; as determinaes finitas da criatura nada tm a ver com asdeterminaes infinitas de Deus, unicamente as reproduzem de modo imperfeito

    e

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    demonstram a sua aco criadora. S. Toms orientou verdadeiramente oaristotelismo numa via oposta quela para a qual a filosofia muulmana otinha orientado. Esta conclui na necessidade e eternidade do ser, de todo oser, inclusiv do mundo. S. Toms conclui na contingncia do ser do mundo ena sua dependncia da criao divina.

    273. S. TOMS: VIDA E OBRA

    Toms, pertencente famlia dos condes de Aquino, nasceu em Roccasecca(prximo de Cassino) em 1225 ou 1226. Iniciou a sua educao na abadia deMontecassino. Em 1243, em Npoles, ingressou na ordem dos dominicanos, foidepois enviado para Paris, onde foi aluno de Alberto Magno. Em 1248, quandoAlberto Magno passou a ensinar em Colnia, S. Toms seguiu-o e s voltou aParis em 1252; comentou ento a Bblia e as Sentenas. O sucesso do seuensino rapidamente se delineou. Mas entretanto, os mestres seculares daUniversidade de Paris tinham iniciado a luta contra os frades mendicantes,"falsos apstolos precursores do anticristo", e pretendiam que lhes fossenegada a faculdade de ensinar. Contra o seu libelo, Sobre os perigos dosltimos tempos, e contra o seu organizador, Guilherme de Santo Amor, S. Tomsescreveu o opsculo Contra impugnantes Dei cultum et religionem. A princpio,pareceu que o Papa dava razo aos mestres seculares; porm, no ano seguinte,decidiu a disputa a favor das ordens mendicantes. S. Toms foi ento nomeado,assim como o seu amigo S. Boaventura, mestre da Universidade de Paris (1257).

    O livro de Guilherme de Santo Amor foi condenado e queimado em Roma, e o seuautor foi expulso de Frana pelo rei S. Lus.

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    Em 1259, S. Toms deixou Paris e regressou a Itlia, onde foi hspede deUrbano IV em Orvieto e Viterbo de 1261 a 1264. Em 1265 foi-lhe dado o encargode organizar os estudos da sua ordem em Roma. A este perodo de permannciaem Itlia pertencem as obras principais: a Summa contra Gentiles, o segundoComentrio s Sentenas, a 1 e a 11 partes da Summa theologiae. Em 1269

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    voltou para Paris, ocupando durante trs anos a sua ctedra de mestre deteologia. Novas lutas o ocuparam nesta poca. Os professores seculares, comGerardo de Abeville e Nicolau de Lisieux, haviam retomado a luta contra asordens mendicantes, e ele escreve ento o De perfectione vitae spiritualiscontra o tratado de Gerardo Contra adversarium perfectionis christianae; eoContra retrahentes a religionis ingressu, contra o De perfectione et

    excellentia status clericorum de Nicolau. de Lisicux. Escreveu ainda, contraa difuso do aristotelismo averrosta, principalmente por obra de Siger deBrabante ( 283), o De unitate intellectus contra averrostas. As quaestionesquodlibetales pertencem igualmente a este perodo, demonstrando a actividadepolmica de S. Toms tambm contra a outra corrente da Escolstica, oagustinianismo. Em 1272, perante a insistncia de Carlos da Siclia, irmodeLus IX de Frana, voltou a Itlia para ensinar na Universidade de Npoles.Mas em Janeiro de 1274, designado por Gregrio X, partia para o Conclio deLio. Adoeceu durante a viagem, em casa da sobrinha Francisca de Aquino. Fez-se conduzir abadia cistercience de Fossanova (prximo de Terracina) ondemorreu em 7 de Maro de 1274.

    Conservam-se trs antigas biografias de S. Toms: as de Guilherme de Tocco,Bernardo Guidone e Pedro Calo. Da sua vida se ocupa amplamente o seu alunoBartolomeu de Lucca na sua Historia ecclesiastica nova (22. , 20-24, 39;23. , 8-15); e

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    conservamos tambm as actas do processo de canonizao de 18 de Julho de 1323que contm testemunhos sobre o carcter e a vida do santo. S. Toms era alto,moreno, gordo, um tanto calvo, e tinha o ar pacfico e doce do estudiososedentrio. Devido ao seu carcter fechado e silencioso os condiscpulos deParis chamavam-lhe o boi mudo. Vir miro modo conte,-mplativus, chama-lheGuilherme de Tocco, e efectivamente dedicou toda a sua vida actividadeintelectual. A prpria vida mstica, testemunhada nas actas do processo desantificao, reflecte a sua investigao e as suas meditaes. Os apstolosPedro e Paulo vm ilumin-lo a propsito do seu comentrio sobre Isaas;vozes sobrenaturais incitam-no e louvam-no pela sua obra especulativa; a suaprece tende a obter de Deus a soluo dos problemas que lhe agitam a mente.Aprerrogativa de S. Toms foi ter levado toda a vida religiosa do homem paraoplano da inteligncia esclarecedora.

    Na data da sua morte, S. Toms tinha somente48 ou 49 anos; mas a sua obra era j vastssima. As actas do processo decanonizao (contidas nos manuscritos 3112 e 3113 da Biblioteca Nacional deParis) do-nos um catlogo dos seus escritos que enumera 36 obras e 25

    opsculos; mas muito provvel que este catlogo seja incompleto. Ao perododa sua primeira permanncia em Paris pertencem: De ente et essentia (1252-53), provavelmente a sua primeira obra, o Comentrio s Sentenas (1254-56),as Quaestiones disputatae de veritate e outros escritos menores.

    Mas a actividade principal a que ele desenvolve nos anos do seu regressoaItlia e da segunda permanncia em Paris (1259-72). A este perodo pertencem:o Comentrio a Aristteles, o Commentario al Liber de causis (no qual S.Toms pode reconhecer a traduo dos Elementos de teologia de Proclo, de que

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    Guilherme de Moerbecke lhe tinha

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    comunicado a traduo); o Comentrio a Bocio e ao De divinis nonzinibus doPseudo-Dionsio; e, finalmente, as suas obras principais: a Sunima deveritate fidei catholicae contra Gentiles (1259-64), o segundo Comentrio s

    Sentenas e a Summa theologiae, a sua obra-prima, cujas duas primeiras partesforam escritas em 1265-71, enquanto a terceira, at questo 90, foicomposta entre 1271 e 1273. A morte impediu-o de completar esta obra, cujoSuplemento foi acrescentado por Reginaldo de Piperno.

    Acrescentem-se ainda as Quaestiones disputatae e quodIffietales, quereflectem especialmente a activIdade polmica de S. Toms contra osaverroistas e os telogos agustinianos. Dos numerosos opsculos, os maisfamosos so o De unitate intellectus contra Averrostas e o De regimineprincipum. O primeiro, escrito durante a sua segunda estada em Paris (porvolta de 1270) dirigido contra os averrostas latinos ( 283). Do segundo,s podem ser-lhe atribudos o livro 1 e os 4 primeiros captulos do livro 11:o restante obra de Bartolomeu de Lucca.

    274. S. TOMS: RAZO E F

    O sistema tomista baseia-se na determinao rigorosa das relaes entre arazo e a revelao. Ao homem, cujo fim ltimo Deus, o qual excede acompreenso da razo, no basta a investigao filosfica baseada na razo.Mesmo aquelas verdades que a razo pode alcanar sozinha, no dado a todosalcan-las, e no est liberto de erros o caminho que a elas conduz. Foiportanto necessrio que o homem fosse instrudo convenientemente o com maiscerteza pela revelao divina. Mas a revelao nem anula nem torna intil arazo: "a graa no elimina a natureza, antes a aperfeioa". A razo

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    natural subordina-se f, tal como no campo prtico as inclinaes naturaisse subordinam caridade. evidente que a razo no pode demonstrar o quepertence ao mbito da f, porque ento a f perderia todo o mrito. Mas podeservir a f de trs modos diferentes. Em primeiro lugar, demonstrando osprembulos da f, ou seja aquelas verdades cuja demonstrao necessria prpria f. No se pode crer naquilo que Deus revelou, se no se sabe queDeus existe. A razo natural demonstra que Deus existe, que uno, que temascaractersticas e os atributos que podem inferir-se da considerao dascoisas por ele criadas. Em segundo lugar, a filosofia pode ser utilizada paraaclarar as verdades da f mediante comparaes. Em terceiro lugar, poderebater as objeces contra a f, demonstrando que so falsas ou, pelo menos,que no tm fora demonstrativa (In Boet. De trinit., a. 3).

    Por outro lado, porm, a razo tem a sua prpria verdade. Os princpios quelhe so intrnsecos e que so certssimos sendo impossvel pensar que sofalsos, foram infundidos pelo prprio Deus, que o autor da natureza humana.Estes princpios derivam portanto da Sapincia divina e fazem parte dela. Averdade de razo nunca pode ser contrria verdade revelada: a verdade nopode contradizer a verdade. Quando surge uma contradio, sinal de que nose trata de uma verdade racional, mas de concluses falsas ou, pelo menos,no necessrias: a f a regra do recto proceder da razo (Contra Gent., 1,7).

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    O princpio aristotlico segundo o qual "todo o conhecimento comea pelossentidos" utilizado por S. Tom s para limitar a capacidade e as pretensesda razo. A razo humana pode, certo, elevar-se at Deus, mas somente,partindo das coisas sensveis. "Mediante a razo natural, o homem no podealcanar o conhecimento de Deus seno atravs

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    das criaturas. As criaturas conduzem ao conhecimento de Deus, como o efeitoconduz sua causa. Portanto, com a razo natural s se pode conhecer de Deusaquilo que necessariamente lhe compete enquanto o princpio de todas ascoisas existentes" (S. th., 1, q. 32, a. 1). Das duas demonstraes possveis razo, a a priori ou propter quid, que parte da essncia de uma causa paradescer aos seus efeitos, e a powteriori ou quia, que parte do efeito pararemontar causa, s a segunda pode ser utilizada para o conhecimento de Deus(Ib., 1, q. 2, a. 2). Mas essa, se leva a reconhecer com necessidade aexistncia de Deus como causa primeira, nada diz acerca da essncia de Deus.Portanto, a fora da razo no consegue demonstrar a Trindade e a Encarnao,nem todos os mistrios que com esses se relacionam. Tais mistrios constituem

    os verdadeiros " artigos de f" que a razo pode dilucidar e defender, masno demonstrar; enquanto que a existncia de Deus, e tudo o que acerca deDeus a fora da razo consegue alcanar e demonstrar, constitui os prembulosda f.

    Esclarecidos assim os respectivos domnios da f e da razo, S. Toms passaaesclarecer os correspondentes actos. Aceitando uma definio de SantoAgostinho (De praedest. Sanctorum, 2), S. Toms define o acto da f, o crer,como um "pensar com anuncia" (cogitare cum assensu) entendendo por "pensar"a "considerao indagadora do intelecto e o consentimento da vontade". Opensar que prprio da f um acto intelectual que continua a indagarporque no chegou ainda perfeio da viso certa. Ora, a anuncia noacompanha todos os actos intelectuais desta espcie: o duvidar consiste nono nos inclinarmos nem para o sim nem para o no; o suspeitar consiste emnos inclinarmos para um lado, mas sendo tentados ou movidos por todos ospequenos sinais da outra parte; o opinar na

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    aderncia a uma coisa, com receio que a contrria seja verdadeira. "Mas esteacto que o crer, diz S. Toms (S. th., 11, 2, q. 2, a. 1), inclui a adesofirme a uma das partes; no que o crente se assemelha ao que tem cincia ouinteligncia; o seu conhecimento, todavia, no perfeito como o do que temuma viso evidente; no que ele se assemelha ao que duvida, suspeita ou opina.E assim, prprio do crente pensar com anuncia". O assentimento implcitona f, se semelhante pela sua firmeza ao que implcito na inteligncia

    ena cincia, diferente pelo seu mbil: dado que no produzido peloobjecto, mas por uma escolha voluntria que inclina o homem para um lado eno para o outro. Com efeito, o objecto da f no "visto" nem pelossentidos nem pela inteligncia, dado que a f, como disse S. Paulo(Ebrei, XI, 1), "a prova das coisas que se no vem" (S. th., 11, 2,q. 7, a. 4). Deste modo S. Toms, embora -reconhecendo f uma certezasuperior do saber cientfico, funda essa certeza na vontade, reservandosomente cincia a

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    certeza objectiva.

    275. S. TOMS: TEORIA DO CONHECIMENTO

    A teoria tomista do conhecimento decalcada sobre a aristotlica. A suacaracterstica mais original o relevo que nela toma o carcter abstractivodo processo do conhecimento e, consequentemente, a

    teoria da abstraco. Comentando a passagem do De anima (111, 8, 431b) ondese afirma que "a alma , de certo modo, todas as coisas" (porque as conhecetodas), diz S. Toms: "Se a alma todas as coisas, necessrio que ela ouseja as prprias coisas, sensveis ou inteligveis-no sentido em queEmpdocles afirmou que n s conhecemos a terra com a terra, a gua com agua, etc. -ou ento

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    S. TOMAS DE AQUINO

    seja as espcies das prprias coisas. Porm a alma no as coisas, porque,

    por exemplo, na alma no est a pedra mas a espcie da pedra". Ora a espcie(eidos) a forma da coisa. Por conseguinte, "o intelecto uma potnciareceptora de todas as formas inteligveis e o sentido uma potnciareceptora de todas as formas sensveis". Deste modo, o princpio geral doconhecimento "cognitum est in cognoscente per modum cognoscentis" (oobjecto conhecido est no sujeito cognoscente em conformidade com a naturezado sujeito cognoscente).O processo atravs do qual o sujeito cognoscente recebe o objecto aabstraco.

    O intelecto humano ocupa uma posio intermediria entre os sentidoscorpreos, que conhecem a forma unida matria das coisas particulares, eosintelectos anglicos, que conhecem a forma separada da matria. Isto umavirtude da alma que forma do corpo: portanto, pode conhecer as formas dascoisas s enquanto esto unidas aos corpos e no (como queria Plato)enquanto esto separadas deles. Mas no acto de conhecer, abstrai-as doscorpos; o conhecer portanto um abstrair a forma da matria individual, e,assim, extrair o universal do particular, a espcie inteligvel das imagenssingulares (fan-

    pTIUNIMIRO = C414 Mas podemos considerar

    a cor dum fruto, prescindindo do fruto, sem que por tal afirmemos que existaseparada do fruto; tambm podemos conhecer as formas ou espcies universaisdo homem, do cavalo, da pedra, prescindindo dos princpios individuais a queesto unidas; mas sem pretender que elas existam separadas destes. Portanto,

    a abstraco no falsifica a realidade. Ela no afirma a separao real daforma em relao matria individual: permite unicamente a consideraoseparada da forma; e tal considerao o conhecimento intelectual humano.de notar que esta considerao separa a forma no da matria

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    em geral mas da matria individual; pois, de contrrio, no poderamosentender que o homem, a pedra ou o cavalo tambm so constitudos por

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    matria. "A matria dplice, diz S. Toms (S. th., [ q. 85, a. 1), isto ,comum e signata ou individual; comum, como a carne e os ossos, signata comoesta carne e estes ossos. O intelecto abstrai a espcie da coisa natural damatria sensvel individual, mas no da matria sensvel comum. Por exemplo,abstrai a espcie do homem desta carne e destes ossos que no pertencem natureza da espcie mas fazem parte do indivduo, e das quais, portanto,podemos prescindir. Mas a espcie do homem no pode ser abstrada pelo

    intelecto, da carne e dos ossos em geral".

    Donde resulta que, para S. Toms, o principium individuationis, o quedetermina a natureza prpria de cada indivduo e portanto o que o diferenciados outros, no a matria comum (e de facto todos os homens tm carne eossos, no se diferenciando portanto nesta medida); mas sim a matria signataou, como ele tambm diz (De ente et essentia, 2), a "matria consideradasobre determinadas dimenses". Assim, um homem distinto de outro no porqueest unido a um determinado corpo, distinto do dos outros homens pordimenses, isto , pela sua situao no espao e no tempo. Resulta aindadesta doutrina que o universal no subsiste fora das coisas individuais, massomente nelas real (Contra Gent.,1, 65). De modo que ele in re (como forma das coisas) e post rem (no

    intelecto); ante rem, s na mente divina, como princpio ou modelo (ideia)das coisas criadas Un Sent., 11, dist. 111, q. 2, a. 2).

    O universal objecto prprio e directo do intelecto. Pelo seu prpriofuncionamento, o intelecto humano no pode conhecer directamente as coisasindividuais. Com efeito, ele procede abstraindo da matria individual aespcie inteligvel; e a espcie,

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    que o produto de tal abstraco, o prprio universal. A coisa individualno pode portanto ser conhecida pelo intelecto seno indirectamente, por umaespcie de reflexo. Dado que o intelecto abstrai o universal das imagensparticulares e nada pode entender seno voltando-se para as prprias imagens(convertendo se ad phantasmata), ele tambm s indirectamente conhece ascoisas particulares, s quais as imagens pertencem (S. th., 1, q. 86, a. 1).

    O intelecto que abstrai as formas da matria individual o intelecto agente.O intelecto humano um intelecto finito, que, ao contrrio do intelectoanglico, no conhece em acto todos os inteligveis, mas tem somente apotncia (ou possibilidade) de os conhecer; , portanto, um intelectopossvel. Mas como "nada passa da potncia ao acto seno por obra do que jest em acto", a possibilidade de conhecer, prprio do nosso intelecto,torna-se conhecimento efectivo por aco dum intelecto agente, o qual faz comque os inteligveis passem a acto, abstraindo-os das condies materiais, eactuando (segundo a comparao aristotlica) como a luz sobre as cores Ub.,1, q. 79, especialmente a. 3). Contra Averris e seus seguidores, S. Toms

    afirma explicitamente a unidade deste intelecto com a alma humana. Se ointelecto agente estivesse separado do homem, no seria o homem a entender,mas sim o pretenso intelecto separado a entender o homem e as imagens queesto nele: o intelecto deve, portanto, fazer parte essencial da alma humana(Ib., 1, q. 76, a. 1; Contra Gerd., 11, 76). Por isso tambm o intelectoactivo no um s, mas h tantos intelectos activos quantas as almashumanas: contra a tese da unicidade do intelecto, a qual era sustentada pelosaverrostas, dirigido o opsculo famoso de S. Toms, De unitate intellectuscontra Averrostas ( 284).

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    O procedimento abstractivo do intelecto garante a verdade do conhecimentointelectual, porque

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    garante que a espcie existente no intelecto a prpria forma da coisa.Retomando a definio dada por Isaac ( 245) no seu Liber de definitionibus,

    S. Toms define a verdade como "a adequao do intelecto e da coisa" (S. th.,1, q. 16, a. 2; Contra Gent. 1, 59; De ver., q. 1, a 1). As coisasnaturais, das quais o nosso intelecto recebe o saber, so a sua medida: jque ele possui a verdade s enquanto se conforma s coisas. Estas so, porsua vez, medidas pelo intelecto divino, no qual subsistem as suas formas domesmo modo que as formas das coisas artificiais subsistem no intelecto doartfice. "0 intelecto divino medidor, mas no medido; * coisa natural medidora (em relao ao homem) * medida (em relao a Deus); o nossointelecto medido, e no mede as coisas naturais mas somente as artificiais"(De ver., q. 1, a. 1). Portanto, Deus a verdade suprema, enquanto o -seuentender a medida do todo que existe e de qualquer outro entender (S.th., 1, q. 16, a. 5). Por isso, a cincia que ele tem das coisas a causadelas, do mesmo modo que a cincia que o artfice tem a coisa artificial

    causa dessa coisa. Em Deus, o ser e o entender coincidem: entender as coisassignifica, em Deus, comunicar-lhes o ser, desde que ao entender se una avontade criadora (Ib., I, q. 14, a. 9).

    Isto estabelece uma diferena radical entre o intelecto divino e ohumano, entre a cincia divina e a humana. Deus entende todas as coisasmediante a simples inteligncia da prpria coisa: com um s acto Deuscapta (e, querendo, cria) a essncia total e completa da coisa, ouantes, de todas as coisas na sua totalidade e plenitude. Pelo contrrio, onosso intelecto no consegue com um s acto o conhecimento perfeito de umacoisa; mas primeiro apreende-lhe um qualquer, dos seus elementos, porexemplo, a essncia, que o objecto primeiro e prprio do intelecto, edepois passa a entender a

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    propriedade, os acidentes e todas as disposies ou comportamentos que soprprios da coisa. Daqui deriva que o conhecimento intelectual humano sedesdobra em actos sucessivos, segundo uma sequncia temporal; actos decomposio ou de diviso, isto , afirmaes ou negaes, que exprimemmediante proposies aquilo que o intelecto vai sucessivamente conhecendo daprpria coisa. O proceder do intelecto, de uma composio ou

    diviso a outras sucessivas composies ou dlivises, isto , de umaproposio a outra, o raciocnio; e a cincia que assim se vai constituindopor sucessivos e conexos actos de afirmao ou de negao a cinciadiscursiva. O conhecimento humano , portanto, conhecimento racional, e a

    cincia humana, cincia discursiva: caractersticas que no se podem atribuirao conhecimento e cincia de Deus, o qual entende tudo e simultaneamenteem si prprio, mediante um acto simples e

    perfeito de inteligncia (lb., 1, q. 14, a. 7, 8, 14; q. 85, a. 5; ContraGent., 1, 57-58). Isto estabelece tambm uma diferena radical entro aautoconscincia divina e a humana. Deus no s se conhece a si prprio, mastambm a todas as coisas, atravs da sua essncia que acto puro e perfeito,e portanto, perfeitamente inteligvel por si mesmo. O anjo, cuja essncia acto, mas no acto puro porque essncia criada, conhece-se a si mesmo por

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    essncia, mas no conhece as outras coisas seno atravs das suassemelhanas. O intelecto humano, pelo contrrio, no acto mas sim potncia;s passa a acto atravs das espcies abstradas das coisas sensveis emvirtude do intelecto agente: no pode, portanto, conhecer-se seno no actodefazer esta abstraco. Este conhecimento pode verificar-se de dois modos:singularmente, como quando

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    Scrates ou Plato tm conscincia (percipit) de ter uma alma ntelectivapelo facto de terem conscincia de entender; geralmente, como quandoconsideramos a natureza da mente humana com base na actividade do intelecto.Este segundo conhecimento depende da luz que o nosso intelecto recebe daverdade divina, na qual residem as razes de todas as coisas, e exige umainvestigao diligente o subtil, enquanto que o primeiro imediato (S. th.,1, q. 87, a. 1).

    A possibilidade do erro est no carcter raciocinador do conhecimento humano.O sentido no se engana acerca do objecto que lhe prprio (por exemplo, a

    vista acerca das cores), a menos que haja uma perturbao acidental do rgo.O intelecto tambm no pode enganar-se acerca do objecto que lhe prprio.Ora o objecto prprio do intelecto a essncia ou quididade da coisa; noseengana, portanto, acerca da essncia, mas pode enganar-se acerca dasparticularidades que acompanham a essncia e que ele consegue conhecercompondo e dividindo (ou seja) mediante o juzo) ou atravs do raciocnio.Ointelecto pode tambm incorrer em erro acerca da essncia das coisascompostas, ao formular a definio que deve resultar de diferentes elementos:isto ocorre quando refere a uma coisa a definio (em si mesma verdadeira)deuma outra coisa, por exemplo, a do crculo ao tringulo; ou quando reneelementos opostos, numa definio que por isso resulta ser falsa, porexemplo, se define o homem como "animal racional alado". No que se refere scoisas simples, em cuja definio no intervm nenhuma composio, ointelecto no pode enganar-se; s pode ser imperfeito, permanecendo naignorncia da sua definio Ub., 1, q, 85, a. 6).

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    276. S. TOMS: METAFSICA

    No De ente et asseiaia, que a sua primeira obra e como que o seu Discursodomtodo, S. Toms estabelece o princpio fundamental que, reformando ametafsica aristotlica, a adapta s exigncias do dogma cristo: a distino

    real entre essncia e existncia. Este princpio, de que mostrmos aprogressiva afirmao na filosofia medieval, aceite por S. Toms na formaque recebera de Avicena 1. Mas este princpio servira a Avicena para fixarnaforma ms rigorosa a necessidade do ser, de todo o ser, inclusiv do serfinito. Com efeito, a diferena entre o ser cuja essncia implica aexistncia (Deus) e o ser cuja essncia no implica a existncia (o serfinito) consiste, segundo Avicena, em que o primeiro necessrio por si, osegundo necessrio por outro, e, portanto, deriva desse outro (do sernecessrio) quanto sua existncia actual. Na interpretao de Avicena, o

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    princpio exclui a criao, implicando somente a derivao causal enecessria das coisas finitas em relao a Deus. Na doutrina tomista, pelocontrrio, tem a funo de levar a exigncia da criao pr priaconstituio das coisas finitas, e por isso o princpio reformador que S.Toms utiliza para adaptar plenamente o aristotelismo tarefa dainterpretao dogmtica.

    O primeiro resultado deste principio na doutrina tomista de separar adistino entre potncia e acto da distino entre matria e forma, conver-

    1 Met., 11, tract. V, 1. De Avicena o principio passou a Maimnides, que omodificou, reduzindo a existncia a um simples eMente da essncia (Guide desgars, traduo Munk, p. 230-233). S Toms nega que a existncia seja umacidente (Quodl., q. 12, a. 5) e retoma o princpio tal como o haviaenunciado Avicena.

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    tendo-a numa distino parte. Para Aristteles, potncia e actoidentificam-se, respectivamente, com matria e forma: no h potncia que

    no seja matria, nem acto que no seja forma, e reciprocamente. S. Tomsconsidera que no s a matria e a forma, mas tambm a essncia e aexistncia esto entre sina relao de potncia e acto. A essncia, que eletambm denomina quididade ou natureza, compreende no s a forma mas tambmamatria das coisas compostas; dado que compreende tudo o que expresso nadefinio da coisa. Por exemplo, a essncia do homem, que definido como"animal racional", compreende no s a "racionalidade." (forma) mas tambma"animalidade" (matria). A essncia, assim entendida, distingue-se do ser ouexistncia das prprias coisas; podemos entender, por exemplo, o que (quid)o homem ou a fnix (essncia), sem saber se o homem ou a fnix existem (esse)(De e. et ess., 3). Portanto, substncias como o homem e a fnix estocompostas por essncia (matria e forma) e existncia, separveis entre si:nelas, a essncia e a existncia esto entre si como a potncia e o acto; aessncia est em potncia em relao existncia, a existncia o acto daessncia; e a unio da essncia com a existncia, isto , a passagem depotncia a acto, requer a interveno criadora de Deus. Ora, nas substnciasque so forma pura sem matria (os anjos, como inteligncias puras) faltaevidentemente a composio de matria e forma, mas no falta a de essnciaeexistncia: tambm neles, com efeito, a essncia somente potncia emrelao existncia e tambm a sua existncia requer, por isso, o actocriador de Deus. S em Deus a essncia a prpria existncia, porque Deuspor essncia e, portanto, por definio; portanto, em Deus no h uma

    essncia que seja potncia; ele acto puro (S. th., 1, q. 50, a. 2). Porconse-

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    ,guinte, a essncia pode, estar na substncia, de trs modos diferentes. 1.oNa ltima substncia divina a essncia idntica existncia: por isso Deus necessrio e eterno. 2.o Nas substncias anglicas, privadas de matria,aexistncia diferente da essncia: o seu ser no , portanto, absoluto, mas

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    sim criado e, finito. 3. Nas substncias compostas de matria e forma o ser-lhes acrescentado do exterior e , portanto, criado e finito. Estas ltimassubstncias, dado que incluem matria que o princpio de individuao,multiplicam-se, em vrios indivduos: o que no acontece nas substnciasanglicas, as quais carecem de matria.

    Com esta reforma radical da metafsica aristotlica, S. Toms faz com que a

    prpria constituio das substncias finitas exija a criao divina.Aristteles, identificando com a forma a existncia em acto, estabelece queonde h forma h realidade em acto, e que por isso a forma por si mesmaindestrutvel e incrivel, portanto, necessria e eterna como Deus. Garanteassim a eternidade da estrutura formal do universo (gneros, espcies,formas e, duma maneira geral, substncias). Do seu universo excluda acriao, assim como toda a interveno activa de Deus na constituio, dascoisas. E precisamente por isto, o seu sistema parecia (e era)irredutivelmente contrrio ao cristianismo, e pouco adequado para lheexprimir as verdades fundamentais. A reforma tomista altera radicalmente ametafsica aristotlica, transformando-a de estudo do ser necessrio emestudo do ser criado.

    Por consequncia, o termo "ser" aplicado criatura tem um significado noidntico, mas s semelhante ou correspondente ao ser de Deus. este oprincpio da analogicidade do ser que S. Toms extrai de Aristteles, mas aoqual d um valor completamente diferente. Evidentemente que Aristteles haviadistinguido vrios significados do ser,

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    mas s em relao s vrias categorias, e os tinha referido todos ao nicosignificado fundamental que o de substncia (ousia), o ser enquanto ser,oobjecto da metafsica ( 72), Por isso, no distinguia, nem podia distinguir,entre o ser de Deus e o ser das outras coisas; por exemplo, Deus e a menteso substncias precisamente no mesmo sentido (Et. Nic., 1, 4, 1096 a). Porsua vez, S. Toms, em virtude da distino real entre essncia e existncia,distinguiria o ser das criaturas, separvel da essncia e, portanto criado,do ser de Deus, idntico essncia e, portanto, necessrio, Estes doissignificados do ser no so unvocos, isto , idnticos, mas tambm no soequvocos, isto , simplesmente diferentes; -so anlogos, isto ,semelhantes, porm de propores diferentes. S Deus ser por essncia, ascriaturas tm o ser por participao; as criaturas enquanto so, sosemelhantes a Deus, que o primeiro princpio universal de todo o ser, masDeus no semelhante a elas: esta relao a analogia (S. th., 1, q. 4, a.3). A relao analgica estende-se, a todos os predicados que se atribuem aomesmo tempo a Deus e s criaturas; porque evidente que na Causa agentedevem subsistir de modo indivisvel e simples aqueles caracteres que nosefeitos so divididos e mltiplos; do mesmo modo que o sol na unidade da sua

    fora produz no mundo terreno formas mltiplas e diferentes. Por exemplo, otermo "sapiente" referido ao homem significa uma perfeio distinta daessncia e da existncia, do homem, enquanto que referido a Deussignifica uma perfeio que idntica sua essncia e ao seu ser. Porisso, referido ao homem, faz compreender aquilo que quer significar;referido a Deus, deixa fora de si a coisa simplificada, a qual transcendeoslimites do entendimento humano (S, th., 1, q 13, a. 5). A analogicidade doser torna evidente-

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    mente impossvel uma nica cincia do ser, como o era a filosofia primeirade Aristteles, A cincia que trata das substncias criadas e serve deprincpios evidentes razo humana a metafsica. Mas a cincia que, tratado Ser necessrio, a teologia, tem uma certeza superior e utiliza princpiosque procedem directamente da revelao divina; por isso superior em

    dignidade a todas as outras cincias (inclusiv a metafsica) que lhe sosubordinadas e servas (1b., 1, q. 1, a. 5).

    Dado que o ser de todas as coisas (excepto Deus) sempre um ser criado, acriao, se verdade de f como incio das coisas no tempo, alm dissoverdade demonstrada como produo das coisas do nada e como derivao, deDeus, de todo o ser. De facto, e tal como vimos, Deus o nico ser que talpela sua prpria essncia, isto , que existe necessariamente e por si mesmo:as outras coisas obtm dele o seu ser, por participao; tal como o ferro setorna ardente pelo fogo. Tambm a matria-prima criada. E todas as coisasdo mundo formam uma hierarquia ordenada segundo a sua maior ou menorparticipao no ser de Deus. Deus o termo e o fim supremo desta hierarquia.Nele residem as ideias, ou seja, as formas exemplares das coisas criadas,

    formas que, porm, no esto separadas da prpria sapincia divina: logo,deve dizer-se que Deus o nico exemplar de tudo (lb., 1, q. 44, aa. 1, 2,4, 3).

    A separao entre o ser criado e o ser eterno de Deus, prpria de uma talmetafsica, permite que S. Toms salve a absoluta transcendncia de Deus emrelao ao mundo e torne impossvel qualquer forma de pantesmo que queiraidentificar de algum modo o ser de Deus com o ser do mundo. S. Toms aludeexplicitamente, para as refutar, as duas formas de pantesmo aparecidas nosfinais do sculo XII, A prmeira a de AmaIrco de Bene

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    ( 219) o qual considera Deus como "o princpio formal de todas as coisas",ou seja, a essncia ou natureza de todos os seres criados. A segunda a deDavid de Dinant ( 219) que identificou Deus com a matria-prima. Contra estaforma de pantesmo, assim como contra a de origem estica (mas que S. Tomsconhecia por meio duma tese de Terncio Varro citada por Santo Agostinho,Deciv. Dei, VII, 6) segundo a qual Deus a alma do mundo, S. Toms ope oprincpio de que Deus no pode ser de nenhum modo um elemento componente dascoisas do mundo. Como causa eficiente, Deus no se identifica nem com a formanem com a matria das coisas de que causa, o seu ser e a sua aco soabsolutamente primeiros, isto , transcendentes, em relao a tais coisas (S.th., 1, q. 3, a. 8).

    277. S. TOMS: AS PROVAS DA EXISTNCIA DE DEUS

    A distino metodolgica feita por Aristteles (An. post., 1, 2) entre o que primeiro "por si" ou "por natureza" e o que primeiro "para ns", foiseguida e sempre respeitada por S. Toms. Ora se Deus primeiro na ordem doser, no o na ordem dos conhecimentos humanos, os quais comeam pelossentidos. portanto necessrio uma demonstrao da existncia de Deus; edeve partir daquilo que primeiro para ns, isto , dos efeitos sensveis,eser a posteriori (demonstra-lio quia). Recusa, portanto, explicitamente aprova ontolgica de Santo Anselmo: ainda que se entenda Deus como "aquilo

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    sobre o qual no se pode pensar nada de maior", no se segue que ele existana realidade (in rerum natura) e no s no intelecto.

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    S. Toms enumera cinco vias para passar dos efeitos sensveis at existncia de Deus, Estas vias j expostas na Summa contra Gentiles (1, 12,

    13) encontram a sua formulao clssica na Summa theologiae (1, q. 2, a.3.

    A primeira via a prova cosmolgica, extrada da Fsica (VIII, 1) e daMetafsica (XII, 7) de Aristteles. Parte do princpio de que "tudo o que semove movido por outro". Ora se o que o move tambm por sua vez semove, preciso que seja movido por outra coisa; e esta por outra. Mas impossvel continuar at ao infinito; porque ento no haveria um primeiromotor nem os outros se moveriam, como, por exemplo, o pau no se move se no movido pela mo. Por conseguinte, necessrio chegar a um primeiro motorque no seja movido por nenhum outro; e todos consideram esse motor comosendo Deus. Este argumento tinha sido -retomado pela primeira vez naescolstica latina por Abelardo de Bath ( 215); depois, insistiram nele

    Maimnides e Alberto Magno.

    A segunda via a prova causal. Na srie das causas eficientes no podemosremontar at ao infinito, porque ento no haveria uma causa primeira e,portanto, nem uma causa ltima nem causas intermedirias: deve, porconseguinte, haver uma causa eficiente primeira, que Deus. Esta prova,extrada de Aristteles (Met., 11, 2) tinha recebido de Avicena uma novaexposio.

    A terceira via extrada da relao entre possvel e necessrio. As coisaspossveis existem somente em virtude das coisas necessrias: mas estas tmacausa da sua necessidade ou em si ou em outro. As que tm a causa noutro,remetem a esse outro, e dado que no possvel continuar at ao infinito,preciso chegar a algo que seja necessrio por si e seja causa da necessidadedaquilo que necess-

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    rio por outro; e isso Deus. Esta prova extrada de Avicena.

    A quarta via a dos graus. Encontra-se nas coisas mais ou menos de verdade,de bem e de todas as outras perfeies: por conseguinte, tambm haver omximo grau de tais perfeies e ser ele a causa dos graus menores, como ofogo, que maximamente quente, a causa de todas as coisas quentes. Ora acausa do ser, da bondade e de todas as perfeies Deus. Esta prova, de

    origem platnica, extrada de Aristteles (Met., li, 1).

    A quinta via a que se infere do governo das coisas. As coisas naturais,privadas de inteligncia, esto todavia dirigidas para um fim; e isto noseria possvel se no fossem governadas por um Ser dotado de Inteligncia,como a flecha no pode dirigir-se ao alvo seno por obra do arqueiro. Porconseguinte, h um Ser inteligente que ordena todas as coisas naturais paraum fim; e este Ser Deus. Nesta prova que a mais antiga e venervel detodas, a exposio tomista segue, provavelmente, S. Joo Damasceno eAverris.

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    O primeiro destes argumentos, o cosmolgico, tinha sido utilizado porAristteles para demonstrar no s a existncia de Deus como primeiro motor,mas a existncia de tantos intelectos motores quantas so as rbitas dos cus( 78). Para S. Toms, pelo contrrio, o primeiro motor um s e Deus; es para Deus vlida a prova. Quanto ao movimento dos cus, parece, comefeito, supor uma substncia inteligente que o produza, porque, ao contrrio

    dos outros movimentos naturais, no tende para um s ponto, no qual devacessar; mas muito possvel que se -ia produzido directamente por Deus. Dequalquer modo, se quisermos admitir, como fizeram vrios filsofos e santos,inteligncias anglicas como motores dos cus, temos de

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    notar que no esto unidas aos cus como as almas dos animais e das plantasesto unidas aos corpos (que so formas dos prprios corpos): mas estounidas aos cus s com o fim de os mover, para lhes transmitir o impulso (percontactum virtutis [S. th., I, q. 70, a. 3]). S. Toms chega por isso existncia das inteligncias anglicas, separadas dos corpos, no atravs daconsiderao do movimento dos cus (dado que pode ser directamente produzido

    por Deus), mas atravs da considerao da perfeio do mundo, a qual requeraexistncia de algumas criaturas incorpreas. Efectivamente, estas criaturasso, no mundo, as mais semelhantes a Deus, que puro esprito, e atravsdelas o mundo, que efeito de Deus, se assimila maximamente sua Causa(lb., 1, q. 50, a. 1).

    278. S. TOMS: TEOLOGIA

    Os dogmas fundamentais do cristianismo, a trindade, a encarnao, a criaoso, segundo S. Toms, artigos de f, no susceptveis de tratamentodemonstrativo; perante eles, a tarefa da razo limita-se, primeiro, aesclarec-los e depois a resolver as objeces. Os esclarecimentos de S.Toms tm uma tal lucidez e elegincia dialctica, que constituem uma daspartes mais importantes de todo o seu sistema.

    Acerca do dogma da Trindade, a dificuldade consiste em entender de que modoa unidade da substncia divina se concilia com a trindade das pessoas. Paramostrar como se conciliam, S. Toms serve-se do conceito de relao. Arelao, por um lado, constitui as pessoas divinas na sua distino; poroutro lado, identifica-se com a nica essncia divina. Com efeito, as pessoasdivinas so constitudas pelas suas relaes de origem: o Pai

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    pela paternidade, isto , pela relao com o Filho; o Filho pela filiao ougerao, isto , pela relao com o Pai; o Esprito Santo pelo amor, isto ,

    pela relao recproca de Pai e Filho. Ora estas relaes em Deus no s oacidentais (nada pode haver de acidental em Deus) mas reais; subsistemrealmente na essncia divina. Por conseguinte, a prpria essncia divina nasua unidade, implicando a relao, implica a diversidade das pessoas (S. th.,1, q. 27-32, e em especial q. 29, a. 4 c). Segundo S. Toms, basta esteesclarecimento para mostrar que "o que a f revela no impossvel". Istotudo quanto deve fazer-se nestes assuntos; nos quais toda a tentativa dedemonstrao mais nociva que meritria, porque induz os incrdulos asuporem que os cristos se baseiam, para crer, em razes carentes de valor

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    necessrio (1b., 1, q.32, a. 1).

    Quanto encarnao a dificuldade consiste em poder entender a presena, nanica pessoa de Cristo, de duas naturezas, a divina e a humana. A Igrejacondenara j, no sculo V, duas interpretaes opostas deste dogma,interpretao s quais S. Toms reduz todas as outras para as refutar. A

    heresia de utiques ( 154), insistindo sobre a unidade da pessoa de Cristo,reduzia as duas naturezas a uma s: a divina. A heresia de Nestro ( 154),pelo contrrio, insistindo sobre a dualidade de naturezas, admitia em Cristoduas pessoas simultaneamente coexistentes, sendo a pessoa humana como queinstrumento ou revestimento da divina. A distino real entre essncia eexistncia nas criaturas, e a sua unidade em Deus, fornecem a S. Toms achave da interpretao. A essncia ou natureza divina identifica-se com o serde Deus; Portanto, Cristo, que tem uma natureza divina, Deus, subsiste comoDeus, isto , como pessoa divina; , portanto, uma s pessoa, a divina. Por

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    outro lado, dado que a natureza humana separvel da existncia, ele pode

    perfeitamente assumir a natureza humana (que alma racional e corpo) sem seruma pessoa humana (Contra Gent., IV, 49). Assim se compreende como a naturezahumana pde ser assumida por Cristo, que, revestindo-se dela, a enobreceu,elevou e tomou novamente digna da graa divina (S. th., 111, q. 2, a. 5-,6).

    Quanto criao, para S. Toms, ela s artigo de f no sentido de inciono tempo, no o sendo no sentido de produo a partir do nada. Pode admitir-se, diz ele, que o mundo tenha sido produzido do nada e, por conseguinte,falar de criao sem admitir que ela venha depois do nada; assim fez Avicenana sua Metafsica (IX, 4). Pode dizer-se que se houvesse um p impresso nopda eternidade, ningum duvidaria que a pegada fora produzida pelo p; mas comisso no se admitiria um incio no tempo da prpria pegada (Santo Agostinho,De civ. Dei, XI, 4). Do mesmo modo, os argumentos que se podem aduzir emfavor de um incio do mundo no tempo no levam a concluses necessrias. Poroutro lado, tambm no concluem necessariamente os que pretendem demonstrara eternidade do mundo. Dentre estes ltimos, o mais famoso dosaristotlicos, era o que baseava na eternidade da matria-prima, Se o mundocomeou a existir com a criao, quer dizer que antes da criao podiaexistir, isto , que era uma possibilidade. Mas toda a possibilidade matria, que depois passa a acto ao receber a forma. Antes da criao,existia portanto a matria do mundo. Porm, no pode haver matria sem forma;e matria e forma, em conjunto, constituem o mundo; por conseguinte,admitindo a criao no tempo, o mundo existiria antes de comear a existir,oque impossvel. A este argumento responde S. Toms que antes da criao omundo era possvel s

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    porque Deus podia cri-lo e porque a sua criao no era impossvel; no sepode daqui deduzir a existncia de uma matria. Aos outros argumentos tambmtirados de Aristteles, segundo os quais os cus so formados por umasubstncia incrivel e incorruptvel e que, portanto, so eternos, respondeS. Toms que a incriabilidade e a incorruptibilidade dos cus e, portanto,domundo, se entende per modum naturalem, isto , em relao aos processos

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    naturais de formao das coisas, e no em relao criao. De modo que osargumentos que tendem a demonstrar a eternidade do mundo tambm no tm valornecessrio. A concluso que se no pode demonstrar nem o incio no temponem a eternidade do mundo; e isto deixa livre o caminho para crer na criaono tempo: id credere maxme expedit (S. th., 1, q. 46, a.

    279. S. TOMS: PSICOLOGIA

    Segundo S. Toms, a natureza do homem constituda por alma e corpo. O homemno s alma; o corpo faz tambm parte da sua essncia, visto que ele almde entender, sente, e o sentir no uma operao da alma sozinha. A alma (segundo a doutrina de Aristteles) o acto do corpo: a forma, o princpiovital que faz com que o homem conhea e se mova: como tal substncia, isto, subsiste por sua conta. S Toms rejeita a doutrina do neoplatonismojudaico-muulmano aceite pelos franciscanos, segundo a qual a alma compostapor matria e forma. No h uma matria da alma: se houvesse, estaria forada alma que pura forma. Nem o intelecto poderia conhecer a forma pura dascoisas, se tivesse em si matria: nesse caso, conheceria as coisas na suamateriali-

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    dade, isto , na sua individualidade, e, o universal escapar-se-lhe-ia (S.th., 1, q. 45, a. 4).

    No homem s subsiste a forma intelectiva da alma, a qual desempenha tambmasfunes sensitiva e vegetativa. Duma maneira: geral, a forma superior podesempre desempenhar as funes das formas inferiores; e assim, nos animais,aalma sensitiva desempenha tambm a funo vegetativa, enquanto que nasplantas s subsiste a alma vegetativa. S. Toms rejeita deste modo oprincpio estabelecido por Avicena, e seguido pelo agustinianismo, segundooqual num composto permanecem as formas dos vrios elementos que o compem;eque, por isso, na alma humana subsistem tambm as outras formas em conjuntocom a forma intelectiva. Segundo S. Toms, formas diversas s podem coexistirem diversas partes do espao; porm, assim ficam justapostas, e no fundidas;no constituem um verdadeiro composto, o qual resulta sempre da fuso dosseus elementos. Por consequncia h uma nica forma na alma humana, a formasuperior intelectiva que tambm desempenha as funes inferiores.

    Como forma pura, a alma imortal. A matria pode corromper-se, porque aforma (que acto, isto , existncia) pode separar-se dela. Mas impossvelque a forma se separe de si prpria; e portanto impossvel que se corrompa.Neste argumento tomista reaparece a prova platnica do Fedon, segundo a qual

    a alma, tendo em si a prpria ideia da vida, no pode morrer. Por outro lado,segundo S. Toms, mesmo admitindo a alma humana como sendo composta dematria e forma, tambm necessrio admitir a sua incorruptibilidade. Defacto, s pode corromper-se o que tenha um contrrio; ora a alma intelectivano tem contrrios, porque o prprio conhecimento dos contrrios constituinaalma humana uma -nica cincia,

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    Finalmente, o prprio desejo que a alma humana tem de existir um ndice(signum) de imortalidade.O intelecto que conhece o ser absolutamente, deseja naturalmente ser sempre;e um desejo natural no pode ser vo (S. th., q. 75, a. 6). Mas como possvel que a alma conserve, aps a separao do corpo, a individualidadeque lhe vem precisamente do corpo? S. Toms responde que a alma intelectivaest unida ao corpo pelo seu prprio ser (esse); destrudo o corpo, este ser

    permanece, precisamente como era na sua unio com o corpo, individual oparticular (1b., 1, q. 76, a. 2 a 2 um). A persistncia da individualidadenaalma separada permitir ainda que, no dia da ressurreio dos corpos, todasas almas retornem a matria nas dimenses determinadas que lhes eram prpriasreconstituindo assim o prprio corpo (De natura materiae, 7; Quodl., XI, a.5).

    280. S. TOMS: TICA

    Da quinta prova da existncia de Deus resulta que Deus ordena todas as coisaspara o seu fim supremo, que Ele mesmo, enquanto Sumo Bem.O governo divino do mundo que ordena o mundo para o seu fim a providncia.

    Todas as coisas, inclusiv: o homem, esto sujeitas providncia divina. Masisto no implica que tudo acontea necessariamente e que o desgnioprovidencial exclua a liberdade do homem. Aquele desgnio no s estabeleceque as coisas sucedem, mas ainda o modo como elas sucedem. Por isso ordenapreviamente as causas necessrias para as coisas que devem sucedernecessariamente, e as causas contingentes para as coisas que devem sucedercontingentemente. Deste modo, a aco livre do homem faz parte da providnciadivina (S. th., 1, q. 22, a, 4). E a liberdade do homem tambm no

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    anulada pela predestinao beatitude eterna. Com as suas foras naturaisohomem no pode alcanar esta beatitude que consiste na viso de Deus, e deveser portanto guiado pelo prprio Deus. Mas com isto Deus no obriga, comnecessidade, o homem: porque faz parte da predestinao, que um aspecto daprovidncia, que o homem atinja livremente a beatitude para a qual Deuslivremente o escolheu (1b., 1, q. 23, a. 6). Providncia e predestinaopressupem a pr-cincia divina, com a qual Deus prev os futuroscontingentes, isto , as aces cuja causa a liberdade humana.A pr-cincia divina certa e infalvel, porque at as coisas futurasesto nela presentes; pelo que v desenvolverem-se em acto aquelas aceslivres que, no sendo enquanto tais determinadas necessariamente pelas suascausas, so imprevisveis para o homem. Em Deus, que a prpria eternidade,todo o tempo est presente e esto portanto tambm presentes as acesfuturas dos homens. Ele v-as, mas ao v-Ias no lhes tolhe a liberdade, comono lha tolhe c) que assiste no momento em que elas se cumprem (1b., 1, q.

    14, a. 13).

    Por conseguinte, a vontade humana um livre arbtrio que no eliminado nem diminudo pelo ordenamento finalista do mundo nempela pr-cincia divina, nem sequer pela graa que umaajuda extraordinria de Deus, gratuitamente concedida. "Deus, diz S.Toms (1b., 1, 2, q. 113, a. 3), move todas as coisas no modo que prpriode cada uma delas. Assim, no mundo natural, move dum modo os corpos leves,doutro modo os corpos pesados, segundo a sua diferente natureza. Por issomove o homem para a justia segundo a condio prpria da natureza humana.

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    Pela sua prpria natureza, o homem tem livre arbtrio. E, enquanto tem livrearbtrio, a tendncia para a justia no produzida por Deusindependentemente desse livre

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    arbtrio: e Deus infunde o dom da graa justificante de modo a mover, em

    conjunto com ele, o livre arbtrio a aceitar o dom da graa".

    A presena do mal no mundo deve-se ao livre arbtrio do homem. S. Tomsadmite a doutrina platnico-agustiniana da no-substancialidade do mal: o malno seno ausncia de bem. Ora tudo o que existe bem, e bem no grau ena medida em que existe; mas dado que a ordem do mundo requer tambm arealidade dos graus inferiores do ser e do bem, os quais parecem (e so)deficientes e, portanto, maus em relao aos graus superiores, pode dizer-se que a prpria ordem do mundo requer o mal. O mal de duas espcies: penae culpa. A pena deficincia da forma (realidade ou acto) ou de uma dassuas partes, necessria para a integridade de uma coisa: por exemplo, acegueira a falta de vista. A culpa a deficincia de uma aco, que nofoi feita ou no foi feita do modo devido. Dado que no mundo tudo est

    sujeito providncia divina, o mal, como ausncia ou deficincia deintegridade, sempre pena. Mas o mal maior a culpa, que a providnciatenta eliminar ou corrigir com a pena (1b., 1, q. 48, a. 5-6).

    Ora a culpa (o pecado) o acto humano de escolha deliberada do mal, isto ,a actuao discordante com a ordem da razo e com a lei divina (11, 1, q. 21,a. 1). o homem dotado da capacidade de distinguir o bem e de tender paraele. Com efeito, tal como h nele a disposio (habitus) natural paraentender os princpios especulativos, dos quais dependem to-das as cincias,tambm nele existe a disposio (habitus) natural para entender princpiosprticos, dos quais dependem todas as boas aces. Este habitus naturalprtico a sindrese, que nos dirige para o bem e nos afasta do mal; o actoque deriva desta disposio, que consiste no aplicar os princpios geraisda aco

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    a uma aco particular, a conscincia (S. th., 1, q.79, a. 12-13).

    As virtudes esto baseadas neste habitus geral do intelecto prtico. A estepropsito, S. Toms aclara o carcter de indeterminao e de liberdade queso prprios do habitus. As potncias (ou faculdades) naturais estodeterminadas a agir dum nico modo: no tm possibilidade de escolha nemliberdade, agem dum modo constante e infalvel. Pelo contrrio, as potnciasracionais, que so prprias do homem, no esto determinadas num s sentido;podem agir em vrios sentidos, segundo a sua livre escolha; e por isso a

    escolha que fazem do sentido em que agem produz uma disposioconstante, mas no necessria nem infalvel, que o habitus (11, 1, q. 55,a. 1). Neste sentido, as virtudes so habitus, disposies prticas paraviver rectamente e para fugir do mal. S. Toms aceita a distino deAristteles entre as virtudes intelectuais e as virtudes morais; destasltimas, as principais ou cardeais, a que todas as outras se reduzem, so:justia, temperana prudncia e fortaleza. As virtudes intelectuais e moraisso virtudes humanas: conduzem felicidade que o homem pode conseguir nestavida com as suas prprias foras naturais. Mas estas virtudes no bastam paraconseguir a beatitude eterna: so necessrias as virtudes teologais,

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    directamente infundidas por Deus no Homem: f, esperana e caridade.

    281. S. TOMS: POLTICA

    O fundamento da teoria poltica de S. Toms a teoria do direito natural,uma das maiores heranas que o estoicismo deixou ao mundo antigo e modernoe

    que, na poca de S. Toms, era considerada como fundamento do prprio direitocan-

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    nico. Segundo S. Toms, h uma lei eterna, isto , uma razo que governa todoo universo e que existe na mente divina; a lei natural, que existe no homem, um reflexo ou uma "participao" dessa lei eterna (S. th., 11, 1, q. 91,a.1-2). Esta lei natural concretiza-se em trs inclinaes fundamentais: 1.a-a inclinao para o bem natural, que o homem tem em comum com qualquersubstncia, a qual, enquanto tal, deseja a sua prpria conservao; 2.a-ainclinao especial para determinados actos, que so os que a natureza

    ensinou a todos os animais, como a unio do macho e da fmea, a educao dosfilhos e outros semelhantes;3 a-a inclinao para o bem segundo a natureza racional que prpria dohomem, como o a inclinao para conhecer a verdade, a de viver emsociedade, etc. (S. th., 11 1, q. 94, a. 2).

    Alm desta lei eterna, que para o homem lei natural, existem duas outrasespcies de leis: a humana, "inventada pelos homens e pela qual se dispemdemodo particular as coisas a que a lei natural j se refere" (1b., 11, 1, q.91, a. 3); e a divina, que necessria para dirigir o homem aos finssobrenaturais (lb., a. 4). S. Toms afirma, de acordo com a teoria do direitonatural, que no lei aquela que no justa, e que, portanto, "da leinatural, que a primeira regra da razo, devem ser derivadas todas as leishumanas" (1b., q. 95, a. 2).

    Segundo S. Toms, pertence colectividade ditar as leis. "A lei, diz ele(11, 1, q. 90, a. 3), tem como o seu fim primeiro e fundamental o dirigirpara o bem comum. Ora ordenar algo com vista ao bem comum prprio de todaacolectividade (multitudo) ou de quem faz as vezes de toda a colectividade.Estabelecer as leis pertence portanto a toda a colectividade ou pessoapblica que cuida de toda a colectividade; porque em todas as coisas s podedirigir para um fim aquele a quem pertence

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    o prprio fim". Deste modo, S. Toms afirmou explicitamente a origem populardas leis. Todavia considera que entre as formas de governo enunciadas porAristteles, a melhor a monarquia: como aquela que melhor garante a ordemea unidade do estado, e a mais parecida com o prprio governo divino do mundo(De regimine princ., 1, 2). Mas embora o estado possa dirigir os homens para* virtude, no pode, pelo contrrio, dirigi-los para* fruio de Deus que o seu fim ltimo. Um tal governo espiritual pertences quele rei, que no s homem mas tambm Deus, isto , a Cristo. E comoo fim menos alto se subordina ao fim mais alto e supremo, assim o governo

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    civil se deve subordinar ao governo religioso que prprio de Cristo, e quepor Cristo foi confiado no aos reis terrenos mas ao papa. "A ele, como aoprprio Senhor Jesus Cristo, devem estar sujeitos todos os reis do povocristo. Pois quele a quem pertence velar pelo fim ltimo devem estarsujeitos aqueles aos quais pertence velar pelos fins subordinados; estesdevem estar sob o comando daquele" (De reg. princ., 1, 14).

    282. S. TOMS: ESTTICA

    Ocasionalmente, S. Toms exps tambm um ncleo de doutrinas estticas,extradas do Pseudo-Dionsio, e tambm com inspirao neoplatnica.O belo, segundo S. Toms, um aspecto do bem. idntico ao bem, enquantoobem aquilo que todos desejam e, portanto, o fim; tambm o belo desejadoe, portanto, tem valor de fim. Mas o que se deseja do belo a viso(aspectus) ou a conscincia: ao contrrio do bem, o belo est portanto emrelao com a faculdade cognoscitiva. Por isso a beleza s se refere aossentidos que tm maior valor cognoscitivo, ou seja, a vista e o ou-

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    Vido, que servem a razo; chamamos belas s coisas oisveis e aos sons, masno aos sabores e aos dores. O que agrada, na beleza, no o objecto mas aapreenso (apprehellsio) do objecto (s. th., i, q_ 5, a. 4; 11, 1, q- 27 ,a.1).

    Seguindo o Pseudo-DionsiO (De div, noin., cap.4, 1), S- Toms atribui ao belo trs caractersticas: perfeio, porque o quereduzido ou incompleto ou cas OU condies fundamentais: aintegridade to e feio; a proporo ou congruncia das partes- a clareza.Estas caractersticas encontram-se no s nas coisas sensveis, iriastambm nas espirituais; as quais, portanto, tambm tm a sua beleza. Sechamamos belo a um corpo quando os seus membros so proporcionados e tem acor devida, tambm chamamos belo a um discurso ou a uma aco que bemproporcionada e tem 90

    a clareza espiritual da razo. E bela a virtude porque modera, com arazo, as aces humanas (S. th., 11, 2, q.2, a, 1).

    Finalmente, chamamos bela a uma **inia- se ela representaperfeitamente o seu objecto, -'em

    mesmo que eJe seja feio. E neste sentido, S. Toms- se- ,guindo SantoAgostinho (De trin., VI, 10), v a beleza perfeita no Verbo d e Deus que

    a imagem perfeita do Pai (S. th., 1, q. 39, a, 8).

    NOTA BIBLIOGRFICA 273. As antigas biografias de S. Toms (Pedro Calo,Guilherme de Toeco, Bernardo Guidone) foram novamente editadas por PRUMMER,Pontes vita