Upload
karlinharapha
View
7
Download
5
Embed Size (px)
DESCRIPTION
Artigo. Uso liberado desde que com referencia de autoria.
Citation preview
NO LO SABEN, PERO LO HACEN: A ARTE A PARTIR DE UMA LEITURA
PRELIMINAR DO PRÓLOGO DA ESTÉTICA DE LUKÁCS
Frederico Jorge Ferreira Costa (PPGE/UECE)
Karla Raphaella Costa Pereira (PPGE/UECE)
RESUMO:
Este artigo é resultado dos estudos desenvolvidos acerca na gênese, natureza e função
social da arte na sociedade humana, como elemento ontológico de formação humana.
Objetiva sistematizar a leitura do prólogo da obra de Lukács, a Estética I, apresentando três
categorias, a saber: método, arte e reflexo. A complexidade da análise do autor fica clara
dada à densidade do texto de apresentação de sua obra. Os estudos futuros encaminham-se
no sentido de contribuir com o debate em torno das conexões entre arte e educação. Para
este texto, tomou-se como referências, pelo caráter sinóptico do artigo, apenas o prólogo da
Estética I de Lukács (1982) e o texto de Marx (2010), Propriedade privada e comunismo,
presente nos Manuscritos econômico-filosóficos, de 1844.
PALAVRAS-CHAVE: Arte. Estética. Educação. Lukács.
ABSTRACT:
This article is the result of studies conducted about the genesis, nature and social function
of art in human society, as an ontological element of human development. Systematize the
objective reading of the prologue of the work of Lukács, Aesthetics I, presenting three
categories, namely: method, art and reflection. The complexity of the author's analysis is
clear given the density of the text presentation of his work. Future studies are heading to
contribute to the debate about the connections between art and education. For this text, was
taken as references, the synoptic character of the article, just the prologue of Aesthetics I
Lukács (1982) and the text of Marx (2010), Private Property and Communism, present in
the Economic and Philosophical Manuscripts, 1844 .
KEYWORDS: Art. Aesthetics. Education. Lukács.
INTRODUÇÃO
O presente artigo sintetiza estudo realizado que teve como metodologia a
leitura imanente do prólogo da Estética I de György Lukács (1982). O estudo da Estética é
parte constitutiva de pesquisa por ora intitulada Arte e Literatura como elevação do
cotidiano: elementos ontológicos de formação humana que visa compreender o papel da
arte e da literatura na constituição do ser social.
O referencial teórico encontra-se dentro das coordenadas teóricas do marxismo,
na ontologia do ser social, recuperada por Lukács a partir da obra de Marx. A ontologia do
ser social compreende a realidade como uma totalidade social como um complexo de
2
complexos, que tem como fundamento último o trabalho, atividade vital responsável pela
antropogênese e pelo crescente afastamento histórico das barreiras naturais.
A arte, para Lukács, é um complexo que, como outras esferas sociais, possui
uma relação fundado-fundante com o trabalho. Sua natureza só pode ser compreendida no
processo de autoconstrução humana, portanto deve ser apreendida em estreita relação com
o mundo dos homens que criou não apenas a arte como objetivação, mas o sentido da
beleza e os sentidos humanos para a fruição estética. Nessa perspectiva, o método marxista
é, para o pensador húngaro, indispensável à análise da arte e da criação estética, pois
somente ele é capaz de recuperar o processo histórico de separação da arte dos demais
reflexos da realidade.
Embora trate detidamente da questão estética, a obra possui uma evidente
impostação ontológico-materialista. Na Estética, Lukács aponta – e é importante dizer que
esta obra foi finalizada pelo autor –, elementos categoriais importantes que serão
futuramente desenvolvidos em Para uma ontologia do ser social.
O presente texto divide-se em três momentos, que possuem um caráter de
apresentação e de sinopse do Prólogo de Lukács. No primeiro momento, discute-se a
apresentação do método utilizado pelo autor. Depois, em linhas gerais, indicam-se as
aproximações e delineamentos do autor sobre o que é arte. Por último, são levantadas
algumas considerações de Lukács sobre os reflexos da realidade.
Como referências, pelo caráter sinóptico do artigo, utilizou-se apenas o prólogo
da Estética I1 de Lukács (1982) e o texto de Marx (2010), Propriedade privada e
comunismo, presente nos Manuscritos econômico-filosóficos, de 1844. Os Manuscritos de
1844 de Marx foram fundamentais para a compreensão de Lukács sobre o marxismo, por
isso são indispensáveis ao leitor hodierno da obra do marxista húngaro. Destaque-se a
natureza profícua de questões e possibilidades postas no Prólogo que, em 21 páginas,
apresenta sinteticamente o lugar da arte no mundo dos homens.
1 UMA QUESTÃO DE MÉTODO
Lukács, ao concluir seu Prólogo, expõe uma questão de princípio: o método.
Pede licença ao leitor para aludir a sua trajetória teórico-metodológica, destacando que,
1 Optou-se aqui por apresentar as citações da Estética I em espanhol – obra a que se teve acesso – e uma tradução livre
em notas de rodapé.
3
quando na Estética, desfere críticas ao idealismo filosófico, o faz, inclusive, às suas
próprias tendências metodológicas de juventude.
O autor, entre 1911 e 1912, ainda com 26 anos, elaborou um esboço do que
seria um estudo sistemático acerca de questões estéticas. Com o começo da guerra, não
pôde dar cabo ao empreendimento. Retomou o interesse em escrever sobre problemas
artísticos em 1930 e, duas décadas depois, concluiu seu desejo de juventude, mas já com
uma perspectiva diferente.
Finalmente, dos decenios más tarde, a principios de los años cincuenta, pude
pensar en volver, con una concepción del mundo y un método completamente
distintos, a la realización de mi sueño juvenil, y realizarlo con contenidos
completamente distintos y con métodos totalmente contrapuestos (LUKÁCS,
1982, p. 30-31)2.
Lukács começara sua carreira, buscando apoio teórico primeiramente na
estética de Kant, em seguida na de Hegel, mais tarde, entretanto, como afirma no trecho
supracitado, foi com o encontro com o marxismo que foi capaz de consolidar uma
concepção de mundo distinta e de métodos contrapostos às suas tendências de juventude,
que Lukács deu vida à sua Estética.
Para o idealismo, de acordo com o autor, há uma potência que ordena e cria as
formas de objetividade e as relações entre os objetos; tais potências se organizam de forma
hierárquica. A arte se correlaciona à intuição, a religião à representação e a filosofia ao
conceito de forma que, para Hegel, seriam regidas hierarquicamente por essas formas de
consciência.
Isso se dá porque, na leitura de Lukács do idealismo, toda forma de consciência
importante para a vida humana possui uma essência “supratemporal”, eterna, pois estas
formas de consciência têm sua origem na conexão de um mundo ideal. “En la medida en
que sean susceptibles de tratamiento histórico, esas formas se considerán en el marco meta-
histórico de un ser o un valer ‘atemporal’” (LUKÁCS, 1982, p. 23)3.
No marxismo, entretanto,
La verdad profunda del marxismo, que ni los ataques ni el silencio pueden
resquebrajar, consiste entre otras cosas en que con su ayuda pueden manifestarse
2 Finalmente, duas décadas depois, no começo dos anos cinquenta, pude pensar em voltar, com uma concepção de mundo
e um método completamente diferentes, a realização de meu sonho de juventude, e realizá-lo com conteúdos
completamente distintos e com métodos totalmente contrapostos. 3 Na medida em que sejam suscetíveis de tratamento histórico, essas formas são consideradas no marco meta-histórico de
um ser ou um valor atemporal.
4
los hechos básicos, antes ocultos, de la realidad de la vida humana, y hacerse
contenido de la consciencia de los hombres (LUKÁCS, 1982, p. 17)4.
Assim, o materialismo vê nas formas de consciência uma realidade objetiva
que existe independentemente da consciência do homem, cabendo, portanto, ao método
revelar essa realidade. Lukács adverte que a prioridade do ser sobre a consciência não pode
ser tomada de forma hierárquica ou mecânica, pois: “Para el materialismo, la prioridad del
ser es ante todo una cuestión de hecho: hay ser sin conciencia, pero no hay consciencia sin
ser” (LUKÁCS, 1982, p. 19)5. Essa não-hierarquia só pode ser entendida no trabalho.
A relação ser-consciência, no trabalho, manifesta-se numa dialética. O exemplo
de Lukács sobre isso é ilustrativo:
Cuando una barquilla sucumbe ante una tempestad que una poderosa nave de
motor superaría sin dificultades, se manifiesta la superioridad real del ser o la
limitación de la consciencia, propia de la sociedad de que se trate, respecto del
ser pero no una relación jerárquica entre el hombre y las fuerzas naturales – y,
con él, el creciente conocimiento de la verdadera naturaleza del ser – produce un
constante aumento de las posibilidades de dominio del ser por la consciencia
(LUKÁCS, 1982, p. 20)6.
No embate natureza versus barco se expressa uma limitação histórica própria
da sociedade de que se trata, pois não alcançara ainda o desenvolvimento de uma “nave de
motor” impossibilitando a superação da tempestade. Isso não significa que as forças
naturais exercem um domínio superior ao homem, mas que, naquele momento e naquele
lugar, ainda não haviam desenvolvido objetivações capazes de vencer os limites da
natureza.
A consciência caminha para dominar a realidade externa a ela e se aperfeiçoa
nesse processo dialético. O reflexo da realidade na consciência tem papel fundamental na
compreensão dos meios e dos fins das objetivações humanas. Adiante, tratar-se-á da
apresentação feita por Lukács acerca do reflexo da realidade, no prólogo da Estética.
No que tange à compreensão da realidade e ao método, Lukács diz que o
marxismo corrigiu a rigidez hierárquica hegeliana.
4 A verdade profunda do marxismo, que nem os ataques nem os silêncios podem rachar, consite, entre outras coisas, em
que, com sua ajuda, podem manifestar-se os feitos básicos, antes ocultos, da realidade da vida humana e fazer-se
conteúdo da consciência dos homens. 5 Para o materialismo, a prioridade do ser é, antes de tudo, uma questão de fato: há ser sem consciência, mas não há
consciência sem ser. 6 Quando uma barquilla sucumbe frente a uma tempestade que um podereo navio a motor speraria sem dificuldades,
manifesta-se a superioridade real do ser o a limitação da cosnciencia, própria da sociedade de que se trata, em relação ao
ser, mas não uma relação hierárquica entre o homem e as forças naturais; - e, com ela, o crescente conhecimento da
verdadeira natureza do ser - produzem um constante aumento das possibilidades de dominío do ser pela consciência.
5
La unidad de determinaciones teoréticas (en este caso estéticas) e históricas se
realiza, en última instancia, de un modo sumamente contradictorio y,
consiguientemente, no puede aclararse, ni en el terreno de los principios ni en el
de los casos concretos, sino mediante una colaboración ininterrumpida del
materialismo dialéctico con el materialismo histórico (LUKÁCS, 1982, p. 14)7.
A arte, portanto, não pode, para Lukács, ser compreendida como proveniente
de um mundo ideal “suprahistórico”, uma inspiração transcendente. A arte é produto da
evolução histórica do homem que como fundamento de sua atividade vital, ou seja, a
atividade na qual o homem transforma conscientemente a natureza para suprir suas
necessidades, transformando o mundo e a si mesmo, gerando novas necessidades e novas
possibilidades que não se restringem a essa relação primordial.
2 A ARTE NUMA LEITURA PRELIMINAR DO PRÓLOGO DA ESTÉTICA DE
LUKÁCS
Para compreender as reflexões estéticas de Lukács é preciso ter o pressuposto
de que ele parte da análise marxista da realidade e, portanto, a arte é entendida como um
complexo social. O filósofo magiar nega quaisquer tendências que tendam a centrar o
problema da arte seja no campo da forma, da estrutura da obra ou no interesse pela beleza,
como fez o criticismo kantiano que se limitou às questões metodológicas e de juízo
estético; e o idealismo hegeliano que estabeleceu a arte em critérios de universalidade
filosófica.
A arte, na análise de Lukács, é um modo peculiar de expressão do reflexo da
realidade: “[…] concebimos el arte como un peculiar modo de manifestarse el reflejo de la
realidad, modo que no es más que un género de las universales relaciones del hombre con
la realidad, en las que aquél refleja a ésta” (LUKÁCS, 1982, p. 21)8.
Nessa perspectiva materialista, a atividade artística só pode pertencer ao
mundo humano, pois ela insere-se no desenvolvimento social do homem, que se faz
homem por meio de um processo de autocriação alicerçada na práxis produtiva.
Para Lukács, a atividade estética parte do mundo cotidiano e a ele retorna num
movimento similar ao movimento do rio. Isso ocorre porque no cotidiano se desenvolvem
7 A unidade de determinações teóricas (neste caso estéticas) e históricas realiza-se, em última instância, de um modo
sumariamente contraditório e, consequentemente, não pode clarear-se, nem no terreno dos princípios nem no dos casos
concretos, senão mediante uma colaboração ininterrupta do materialismo dialético com o materialismo histórico. 8 Concebemos a arte como um modo peculiar de manifestar o reflexo da realidade, modo que não é mais que um gênero
das relações universais do homem com a realidade, em que aquela reflexa esta.
6
formas superiores de recepção e reprodução da realidade, atingindo uma forma pura de
acordo com sua especificidade, retornando, em seguida, ao cotidiano, enriquecendo-o.
El comportamiento cotidiano del hombre es comienzo y final al mismo tiempo
de toda actividad humana. Si nos representamos La cotidianidad como un gran
rio, puede decirse que de él se desprenden, en formas superiores de recepción y
reproducción de la realidad, la ciencia y el arte, se diferencian se constituyen de
acuerdo con sus finalidades específicas, alcanzan su forma pura en esa
especificidad – que nace de las necesidades de la vida social – para luego, a
consecuencia de sus efectos, de su influencia en la vida de los hombres,
desembocar de nuevo en la corriente de la vida cotidiana. Ésta se enriquece pues
constantemente con los supremos resultados del espíritu humano, los asimila a
sus cotidianas necesidades prácticas y así da luego lugar, como cuestiones y
como exigencias, a nuevas ramificaciones de las formas superiores de
objetivación (LUKÁCS, 1982, p. 11-12)9.
Indispensável assinalar aqui que Marx, nos Manuscritos de Paris de 1844, com
os quais Lukács entrou em contato, na década de 1930, já assinalara que o gosto para a arte
só poderia ser proveniente do ser social, visto que, inclusive, os sentidos humanos foram
historicamente desenvolvidos. Assim, os sentidos “rudes” não podem fruir como os
sentidos “sociais”. “Compreende-se que o olho humano frui de forma diversa da que o
olho rude, não humano [frui]; o ouvido humano diferentemente da do ouvido rude etc.”
(MARX, 2010, p. 109) (itálico do autor).
Na página seguinte, Marx arremata, com o caráter histórico [e, por isso,
educativo] da arte:
A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda a história do mundo até
aqui. O sentido constrangido à carência prática rude também tem apenas um
sentido tacanho. Para o homem faminto não existe a forma humana da comida,
mas somente a sua existência abstrata como alimento; poderia ela justamente
existir muito bem na forma mais rudimentar, e não há como dizer em que esta
atividade de se alimentar se distingue da atividade animal de alimentar-se. O
homem carente, cheio de preocupações, não tem nenhum sentido para o mais
belo espetáculo; o comerciante de minerais vê apenas o valor mercantil, mas não
a beleza e a natureza peculiar do mineral; ele não tem sentido mineralógico
algum; portanto a objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista
teórico quanto prático, é necessária tanto para fazer humanos os sentidos do
homem quanto criar sentido humano correspondente à riqueza inteira do
ser humano e natural (MARX, 2010, p. 110) (itálico do autor) (negrito nosso).
A consequência disto, que é retomada e reafirmada por Lukács, é que o sentido
estético é um sentido humano, ou seja, ele é apreendido social e historicamente. Assim, por
9 O comportamento cotidiano do homem é começo e fim ao mesmo tempo de toda atividade humana. Se nós
representarmos a cotidianidade como um grande rio, pode-se dizer que dele se desprendem, em formas superiores de
recepção e reprodução da realidade, a ciência e a arte, se diferenciam, se constituem de acordo com suas finalidades
específicas, alcançam sua forma pura nessa especificidade – que nasce das necessidades da vida social – para logo, a
consequência de seus efeitos, de sua influencia na vida dos homens, desembocar de novo na corrente da vida cotidiana.
Esta se enriquece constantemente com os supremos resultados do espírito humano, o assimila a suas cotidianas
necessidades práticas e, assim, dá logo lugar, como questões e como exigências, a novas ramificações das formas
superiores de objetivação.
7
exemplo, na sociabilidade capitalista, o gosto e o juízo estéticos estão submetidos às
determinações do trabalho estranhado. Os juízos de gosto ou de belo, por mais que se
queira vinculá-los apenas às determinações subjetivas, tem um caráter educativo em
sentido lato: só podem se manifestar, de acordo com Marx, se forem desenvolvidos
socialmente. Veja-se o caso do mercador que alienado pelo valor abstrato do mineral não é
capaz de perceber sua beleza. Ele se iguala ao homem faminto no que tange à percepção
artística. Se a beleza fosse inerente ao objeto, ele a perceberia. Neste sentido, Lukács, não
limita o estético à beleza. Na esteira de Marx, a beleza é social.
Lukács dá indícios da elevação e especificação da arte, indicando o fato de que
o homem primitivo possuía uma natural e consciente vinculação com a transcendência e
que foi, aos poucos, ganhando independência no que diz respeito ao reflexo da realidade,
devido à sua peculiaridade de elaboração do reflexo estético. Lukács explica o mote de sua
estética: “No lo saben, pero lo hacen”, emprestada de Marx. Essa frase representa o fato de
que os indivíduos, mesmo não “sabendo” o desenrolar da arte, fizeram-no.
La estructura categorial objetiva de la obra de arte hace que todo movimento de
laconscienciahacialotrancendente, tan natural y frecuenteenla historia del género
humano, se transforme de nuevoeninmanenci al obrigarle a aparecer como lo que
es, como elemento de vida humana, de vida inmanente, como sintoma de suser-
así de cada momento (LUKÁCS, 1982, p. 28)10
.
Há que se fazer menção à atenção de Lukács à discussão acerca da existência
ou não de uma estética própria do marxismo. Segundo o autor, a dificuldade em aceitar
essa tese se deve aos estudos marxistas terem se voltado quase completamente ao
materialismo histórico. Somente depois de Lenin, o marxismo se voltou para o
materialismo dialético. No entanto, aponta que, desde o estudo de Mikhail Lifschitz11
, esta
situação está resolvida, não deixando dúvidas. Hodiernamente, os estudos de estética
marxista são férteis e variados.
Passados os momentos do método e da explicitação, em linhas gerais, da
natureza da arte, o próximo item deste texto recupera a categoria do reflexo, indispensável
à reprodução do ser social, como ela é discutida no já apresentado prólogo da Estética.
3 OS REFLEXOS DE UMA MESMA REALIDADE
10 A estrutura categorial objetiva da obra de arte faz com que todo o movimento da consciência até o transcendente, tão
natural e frequente na história do gênero humano, transforme-se de novo em imanência ao obrigá-lo a aparecer como o
que é, como elemento da vida humana, de vida imanente, como sintoma de seu ser-assim de cada momento. 11Autor de The Philosophy of Art of Karl Marx, publicado em 1980. Nasceu em 1905 na Crimea e faleceu em Moscou,
em 1983. Trabalhou no Instituto Marx-Engels de Moscou, onde conheceu e desenvolveu estudos com Lukács. É intenção
da pesquisa dos autores deste artigo estudar o que for possível acerca de Lifschitz.
8
Se como dito anteriormente, o homem realiza uma mudança qualitativa na
natureza e nele mesmo, ao mesmo tempo, prevendo, antecipando na mente os resultados de
suas ações, é necessário que ele seja capaz de apreender aproximativamente na consciência
essa realidade. O reflexo não é, e não pode ser, como adverte Lukács, fotográfico e
mecânico, pois isso impossibilitaria a apreensão da realidade pelo homem.
Si tal fuera el fundamento sobre el cual crecieranlas diferencias, entonces todas
las formas específicas deberían ser deformaciones subjetivas de esa única
reprodución “auténtica” de la realidade, o bien la diferenciación sería de un
carácter secundário en absoluto espontâneo, sino consciente e intencionado
(LUKÁCS, 1982, p. 21)12
.
O mundo objetivo, segundo Lukács, o qual é intensivo e extensivo, impõe aos
seres vivos uma adaptação, uma seleção inconsciente no reflexo. O reflexo possibilita, por
exemplo, que, no homem, as ações sejam testadas na consciência e direcionadas a seu
interesse antes de serem executadas. Desta forma, como muitas outras mediações, o
homem foi capaz não somente de adaptar-se à realidade, mas de transformá-la segundo
suas necessidades.
No reflexo científico da realidade objetiva-se despojar, de acordo com Lukács,
todas as determinações antropológicas derivadas da sensibilidade ou da natureza intelectual
para refletir o objeto como ele realmente é, sem a interferência da subjetividade, da
consciência. Despojada dessas determinações o reflexo científico possibilita uma
compreensão da realidade o mais verdadeira possível.
Quanto ao reflexo estético, Lukács adverte que ele não é um puro subjetivismo.
Afirma que a objetividade está presente, entretanto, contendo as referências típicas da vida
humana. A objetividade refletida está determinada materialmente pelo lugar onde se
realiza. “Esto significa que toda conformación estética incluye em sí y se inserta en el hic
et nunc histórico de su genésis, como momento esencial de su objetividade decisiva”
(LUKÁCS, 1982, p. 25)13
.
As obras de arte nascem das aspirações da época em que se originam,
expressam conteúdo e forma do momento histórico de onde se originam. A possibilidade
de criação de uma obra que atinja os anseios mais profundos da humanidade se dá pela
proximidade da obra de arte com o gênero humano. A obra de arte responde a seu
12 Se tal fosse o fundamento sobre o qual cresceram as diferenças, então todas as formas específicas deveriam ser
deformações subjetivas dessa única reprodução “autêntica” da realidade, o bem a diferenciação seria de um caráter
secundário em absoluto espontâneo, mas consciente e intencionado. 13 Isto significa que toda conformação estética inclue em si e se insere no aqui e agora histórico de sua gênese, como
momento essencial de sua objetvidade decisiva.
9
momento histórico. “La historicidade de la realidade objetiva cobra precisamente em las
obras del arte su forma subjetiva y objetiva” (LUKÁCS, 1982, p. 25)14
.
Lukács assevera que a essência histórica da realidade conduz a uma
problemática de natureza metodológica15
, de concepção de mundo: a imanência.
Desde el punto de vista puramentente metodológico, ele inmanentismo es uma
exigencia insoslayable del conocimiento científico y de la conformación
artística. Um complejo de fenómenos no puede considerar-se cientificamente
conocido sino cuando aparece totalmente conceptuado a partir de sus
propriedades inmanentes, de las legalidades inmanentes que obran em él
(LUKÁCS, 1982, p. 26)16
.
No caso do conhecimento científico, não é possível conhecer os fenômenos
sem que eles sejam totalmente conceituados a partir de suas propriedades e legalidades
imanentes. Claro que nenhum conhecimento é absoluto, há o que ainda não foi descoberto.
O filósofo marxista explica que este “aún no” tem sido interpretado, desde a magia, como
transcendência. O “aún no” é característico do domínio científico da realidade.
Quanto à estética, o autor antecipa o que será desenvolvido no texto:
Pero, para no silenciar la actitud del autor, tampoco en él prólogo, diremos
brevemente que la inmanente cerrazón, el descansar-en-sí-misma de toda
auténtica obra de arte – espécie de reflejo que no tiene nada análogo en las
demás clases de reacciones humanas al mundo externo – es siempre por su
contenido, se quiera o no se quiera, testimonio de la inmanencia (LUKÁCS,
1982, p. 28)17
.
Por isso é necessário para Lukács deixar claro como a arte foi abrindo-se
lentamente até sua independência do reflexo da realidade, libertando-se da transcendência
religiosa. Lembre-se “No lo saben, pero lo hacen”. A estética, portanto, “[...] registra
sencillamente esas luchas necessárias, sino que toma resulta posición em ellas: por el arte,
contra la religión18
” (LUKÁCS, 1982, p. 28).
A Estética de Lukács já demonstra sua complexidade e sua vinculação ao
método materialista histórico-diáletico em seu prólogo. Para a compreensão verdadeira da
14 A historicidade da realidade objetiva cobra precisamente nas obras de arte sua forma subjetiva e objetiva. 15Neste ponto, retorna-se a uma discussão que poderia ter sido feita no primeiro ponto do presente texto, mas optou-se
por fazê-la aqui, devido à importância da relação imanência-transcendência para a compreensão do reflexo estético. 16 A partir de um ponto de vista puramente metodológico, o imanentismo é uma exigência incontornável do
conhecimento científico e da conformação artística. Um complexo de fenômenos não pode considerar-se cientificamente
conhecido a não ser quando aparece totalmente conceituado a partir de suas propriedades imanentes, das legalidades
imanentes que atuam nele. 17 Mas, para não silenciar a atitude do autor, tão pouco no prólogo, diremos brevemente que o imanente fechamento, o
descansar-em-si-mesma de toda autêntica obra de arte – espécie de reflexo que não possui nada análogo nas demais
classes de reações humanas ao mundo externo – é sempre por seu conteúdo, queira-se ou não, testemunho da imanência. 18 [...] registra simplesmente essas lutas necessárias, mas toma posição resolvida nelas: pela arte, contra a religião.
10
arte e da estética não se pode abrir mão da análise séria das categorias do real. A questão
do método é, antes de tudo, um compromisso com a realidade.
CONCLUSÃO
A necessidade de sistematizar as leituras feitas no decurso da pesquisa é um
imperativo, visto que organiza as fontes, facilita a compreensão do pensamento do autor e
sumaria as referências utilizadas, bem como é dada uma visão do caminho que se está
fazendo no desenvolvimento da pesquisa.
A leitura do prólogo da Estética I faz perceber a importância dada por Lukács à
correta apreensão do método utilizado na tentativa de desvelar o objeto em estudo. Na
opinião dele, o marxismo é aquele que melhor desvela a realidade e que possui um
compromisso com a aproximação da verdade do objeto, pois o despoja das determinações
que o mistifica.
O reflexo científico da realidade visa permitir que se conceba na consciência
um objeto o mais próximo da realidade. Não é o caso da estética que possui uma
objetividade diferente, ligada às determinações do momento em que a obra foi concebida.
Notou-se que objetivando compreender como se dá o reflexo estético, o olhar do
pesquisador deve adotar o reflexo científico. Parece complexo – e, de certa forma, o é -,
mas entendeu-se aqui que Lukács quer dizer que é preciso apreender as determinações, as
contradições, a origem, o desprendimento do estético, aproximando-se do que ele é na
realidade.
Tal tarefa não foi simples, ao contrário, demandou a Lukács uma reflexão
profunda, um mergulho no objeto. Atitude igual deve ter aquele que deseja seguir os
passos do esteta húngaro. Tarefa esta que é assumida nesta pesquisa.
Lukács é enfático ao negar o caráter de inspiração ideal da arte, não é também
mera contemplação da beleza, uma questão de forma ou estrutura. Neste ponto, Lukács
retoma Marx para dizer que a própria beleza percebida pelos sentidos é histórica e que os
sentidos humanos são fruto do desenvolvimento do homem. O sentido para a beleza, então,
só pode ser histórico, social.
A grandeza da obra de Lukács é percebida já no prólogo que apresenta, em
linhas gerais, mas nem por isso generalista, toda a problemática de compreensão do
11
desenvolvimento estético. Esse, no entender da presente análise, deve ser o ponto de
partida para a compreensão dos nexos entre arte e educação.
REFERÊNCIAS
LUKÁCS, György. Prólogo. In: ______.Estética I: la peculiaridade de lo estético. Vol. 1.
Cuestiones preliminares y de principio. Tradução para o espanhol deManuel Sacristan.
Barcelona: Grijalbo, 1982. P. 10-31.
MARX, Karl. Propriedade privada e comunismo. In: ______. Manuscritos econômico-
filosóficos. Tradução de Jesus Raniere. São Paulo: Boitempo, 2010. P. 103-114.