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1 NOTA TÉCNICA PRESI/ANPR/JR Nº 021/2016 Proposição: Substitutivo ao PLS nº 280/2016 Ementa: Define os crimes de autoridade e dá outras providências. Autoria: Roberto Requião – PMDB/PR Senhores Senadores, A Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR apresenta Nota Técnica quanto ao Substitutivo ao Projeto de Lei do Senado nº 280/2016, divulgado publicamente pelo Senador Roberto Requião1, em seu sítio eletrônico em 05.12.201. I. INTRODUÇÃO Preliminarmente, há que se considerar que, a legislação que ora rege a matéria - Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965 -, é, de fato, atécnica, e, sem dúvida necessita de aperfeiçoamentos, e que os debates que ora ocorrem 1 http://linkis.com/com.br/hLKnn

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NOTA TÉCNICA PRESI/ANPR/JR Nº 021/2016

Proposição: Substitutivo ao PLS nº 280/2016

Ementa: Define os crimes de autoridade e dá outras providências.

Autoria: Roberto Requião – PMDB/PR

Senhores Senadores,

A Associação Nacional dos Procuradores da República –

ANPR apresenta Nota Técnica quanto ao Substitutivo ao Projeto de Lei do

Senado nº 280/2016, divulgado publicamente pelo Senador Roberto Requião1,

em seu sítio eletrônico em 05.12.201.

I. INTRODUÇÃO

Preliminarmente, há que se considerar que, a legislação que ora

rege a matéria - Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965 -, é, de fato, atécnica, e,

sem dúvida necessita de aperfeiçoamentos, e que os debates que ora ocorrem

1 http://linkis.com/com.br/hLKnn

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são pertinentes, para que a legislação possa ser aprimorada devidamente, sem

as urgências anteriormente verificadas.

Contudo, é imperativo ressaltar que, em que pese os esforços do

relator – e exatamente por conta da complexidade da matéria –, o texto tem

ainda falhas gravíssimas, pelas quais se impõe sua não aprovação, ou

preferência para substitutivo. Em particular, não se pode criminalizar a livre –

embora sempre técnica e justificada – interpretação jurídica dos fatos e do

direito, sob pena de simplesmente se solapar as bases da atuação do Estado em

defesa da Lei, e ferir de morte o Estado de Direito.

Instituições como o Ministério Público, Poder Judiciário e

Polícias vêm funcionando bem, aplaudidas por todo o País, mormente no

combate à corrupção, razão pela qual, ausente explicação racional ou calcada

na realidade fática, torna-se forçoso refletir se esta matéria, a alteração de uma

Lei de 51 anos de idade, não entra em uma pauta – e com dispositivos que

exigem rejeição, pois prejudicam as instituições e o interesse público – como

forma de coibir e inibir a ação do Estado no controle e persecução penal da

corrupção, vale dizer, o exato oposto do que espera a população, e do que

necessita o País.

Isto já aconteceu em outros momentos, no Brasil (v.g., a assim

chamada “lei da Mordaça”), e em outros Países. Em reação a iniciativas

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(investigações; processos) das instituições de Estado que atingem de alguma

forma forças e o sistema político – e no Brasil de hoje as investigações atingem

enormemente o sistema e autoridades políticas –, seguem-se propostas

legislativas mal colocadas que, ainda que imbuídas de aparente boa intenção,

e/ou tratando de temas que são efetivamente relevantes – e, já se o disse, não

existem dúvidas acerca da inadequação da legislação sobre abuso de

autoridade –, objetivam, ao fim e ao cabo, limitar, inibir ou prejudicar o

andamento do controle social e jurídico sobre a corrupção e a tomada de

Estado por grupos privados.

A atribuição legislativa é a mais nobre na construção de

qualquer democracia. Não se discute – e o Ministério Público, defensor da

democracia e da constituição, será o primeiro a reagir se isto ocorrer – a

legitimidade e a autonomia desta Alta Casa para abordar qualquer matéria

que julgar oportuna.

Porém, justamente por se tratar de matérias das mais sensíveis e

complexas, abrangendo o Direito Penal e o Processual Penal, é necessário que

o abuso de autoridade seja tratado com a devida cautela, pois tem importantes

implicações em direitos e garantias individuais, funcionais, como também

sobre o exercício do poder punitivo do Estado.

Apresentado o contexto, passa esta Associação a expor seus

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comentários quanto ao Substitutivo ora apresentado pelo Exmo. Senador.

II. DO MÉRITO

II.1. DO ARTIGO 1º

Inicialmente, o Substitutivo acrescenta um parágrafo único ao

art. 1º, visando, em tese, excluir da criminalização as meras divergências de

entendimento interpretativo, e avaliação aceitável e razoável de fatos e

circunstâncias. Em um Projeto de Lei que, como um todo, traz tipos penais

excessivamente abertos, a intenção certamente seria louvável. Contudo, a

redação falha e também excessivamente aberta deste dispositivo não permite

que o artigo atinja sua finalidade. Pelo contrário: clara e insofismavelmente

criminaliza a hermenêutica, e atenta contra as garantias constitucional da

independência da magistratura judicial e do Ministério Público, que são

cláusulas pétreas.

“Art. 1º (...)

Parágrafo único. Não constitui crime de abuso de autoridade o

ato amparado em interpretação, precedente ou jurisprudência

divergentes, bem assim o praticado de acordo com avaliação

aceitável e razoável de fatos e circunstâncias determinantes,

desde que, em qualquer caso, não contrarie a literalidade desta

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lei.

Em primeiro lugar, a redação engessa principalmente o juiz e o

membro do Ministério Público, que só poderão basear sua interpretação em

jurisprudência existente, impedindo-os de inovar, sob pena de crime! Se

estivesse em vigor, estaríamos hoje aplicando os mesmos conceitos e soluções

jurídicas do século XIX. As garantias e os direitos que foram reconhecidos

pelos tribunais ao longo das últimas décadas, e que tiveram seu início em

decisões inéditas, desbravadoras ou pioneiras de juízes de primeiro grau, não

existiriam.

Em segundo lugar, ao condicionar a isenção de crime a que o

juiz tenha adotado avaliação razoável e aceitável, o substitutivo apela para o

subjetivismo. Deixa por completo indefinida a ressalva e – pior -, por leitura

inversa orienta a que o que não venha a ser interpretação “razoável” e

“aceitável” por contraste seja abuso de autoridade. E, afinal, o que seria uma

avaliação razoável ou aceitável dos fatos? Quem irá dizê-lo?

Em terceiro lugar, o substitutivo ainda coloca outra camisa de

força na autoridade, obrigando-a a adotar apenas a modalidade literal de

interpretação da lei. Qualquer outra interpretação vai o deixar sujeito a

punições.

Ora, a interpretação gramatical é apenas um dos métodos

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internacionalmente consagrados de hermenêutica. E nem é a melhor ou mais

festejada. Ao lado dela temos, ainda, a interpretação lógica, a interpretação

sistemática, a interpretação histórica, a interpretação sociológica, a

interpretação teleológica e a interpretação axiológica. Ao lado da interpretação

literal, temos ainda a interpretação restritiva (em geral aplicável às exceções à

norma) e a interpretação extensiva.

Apenas a guisa do erro e absurdo do exemplo, perceba-se que,

se tal dispositivo estivesse em vigor, os senadores – os quais estavam então em

função judicante - que votaram pelo impeachment da presidente Dilma, mas a

isentaram da pena de inabilitação para o exercício de cargo público, teriam

cometido abuso de autoridade, por haverem adotado interpretação que fugiu

de forma absoluta literalidade da lei.

Até mesmo a declaração incidental da inconstitucionalidade da

lei, modalidade de controle difuso, estaria vedada. Voltaríamos aos tempos em

que juízes eram condenados por abuso de autoridade por recusarem-se a

aplicar uma lei ofensiva à Constituição, com a desvantagem de não termos

mais Rui Barbosa para defendê-los, como fizera outrora.

O substitutivo reluta, assim, em abandonar a técnica da

elaboração de tipos penais abertos, verdadeiros curinga hermenêutico, de

conteúdo vago e impreciso, que pode encontrar preenchimento naquilo que o

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interessado quiser, técnica não admitida no âmbito penal. Ao assim agir e

propor, fica contaminado todo o projeto e vários de seus artigos

especificamente, por serem vagos e imprecisos. Tipos penais indefinidos

tornam inconstitucional qualquer lei penal. Indo mais além, contudo, ainda

que declaradamente não seja esta a intenção do excelentíssimo Senhor Relator,

os tipos abertos permitem a vingança privada contra comportamentos não

apenas normais mas obrigatórios das magistraturas nacionais, ao aplicar o

direito.

Com efeito, o fato de órgãos distintos do Ministério Público e

da Justiça, e ademais se em momentos distintos do processo, terem e

pronunciarem interpretações jurídicas divergentes, sejam elas sobre o direito

ou as provas, é fato absolutamente normal e corriqueiro, derivado do

contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Pretender que

exista abuso qualquer pelo só fato de haver uma acusação, investigação e

processo que depois é considerada indevida é atentar não contra desmandos e

sim contra a esperada atuação independente e técnica do Estado, do Ministério

Público e da Justiça.

É urgente a exclusão deste dispositivo, portanto.

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II.2. DO ARTIGO 32

Merece destaque também o art. 32, no qual se verifica a questão

mais temerária do Substitutivo.

Sem embargo, o artigo tipifica como abuso de autoridade

proceder à persecução penal, civil ou administrativa com abuso de

autoridade.

Ora, com a devida e máxima vênia, semelhante tipificação é

uma aberração na sistemática penal, que exige clara tipificação dos crimes,

pois traz uma definição circular, sem parâmetros objetivos de interpretação

para a definição da conduta. O que seria abuso de autoridade para fins deste

artigo? É impossível saber. Pode ser tudo e qualquer coisa, já que é definido

como abuso abrir investigação com abuso!

O tipo é aberto, indefinido e, claramente findaria por inibir e

amordaçar os órgãos persecutórios do Estado, prejudicando a ação técnica e

autônoma do Ministério Público, e dos órgãos de controle do Estado.

Com a devida vênia, a redação ficou ainda pior que aquela

prevista no projeto original2, e não pode de forma alguma subsistir. Imperativo

que o artigo seja suprimido, ou, então, que a expressão “abuso de autoridade”

seja suprimida por conceitos de conduta mais objetivos, tais como: “em 2 Já criticada nas notas técnicas 008/2016 e 020/2016, anteriormente apresentadas.

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manifesta violação à legislação”, ou “com o manifesto intuito de prejudicar o

investigado ou acusado”.

II.3. DO ARTIGO 3º

De outra banda, o artigo 3º inova em relação ao PL original,

estabelecendo tratar-se de crimes de ação pública incondicionada, isto é, de

titularidade exclusiva e autônoma do Ministério Público. A mudança é bem

vinda em razão das características inerentes ao órgão, quais sejam: poder

autônomo, técnico, neutro e independente. Assim, mantendo-se, inclusive, a

sistemática já adotada hoje, garante-se maior proteção ao cidadão vítima do

abuso de autoridade, uma vez que a ação fica menos sujeita a eventuais

pressões por parte da autoridade sobre o cidadão.

II.4. DOS ARTIGOS 4º e 5º

Os artigos 4º e 5º também merecem reparo, pois, ao mesmo

tempo em que o art. 4º estabelece como efeito (necessário, vale dizer, em todos

os casos infere-se) da condenação a perda do cargo, mandato ou função

pública, o art. 5º, ao disciplinar as penas restritivas de direitos, estabelece a

possibilidade de suspensão de exercício do cargo, mandato ou função pelo

prazo de 1 a 6 meses. Há, assim, contradição em seus dispositivos, merecendo

ser discriminada em quais situações haverá perda do cargo e em quais

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situações haverá sua suspensão.

É de se ter em mente que o Código Penal ao tratar dos efeitos da

condenação determina a perda do cargo sempre que aplicada pena privativa de

liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de

poder ou violação de dever para com a Administração Pública (art. 92, I). Já há, assim,

disciplina que se aplica aos casos de abuso de autoridade, sendo preferível que

uma lei específica não trate do tema, deixando a disciplina à regra já prevista

no Código Penal, ou estabeleça os critérios diferenciadores da situação de

perda e de suspensão do cargo, mandato ou função.

De se notar, por fim, que estes efeitos da condenação não são

automáticos, conforme previsão expressa do parágrafo único do art. 92 do

Código Penal. Isto em nada dificulta a punição, senão que, ao inverso, obriga a

que seja devidamente justificado em sentença.

II.5. DO ARTIGO 15

O artigo 15, por sua vez, incrimina quem deixa de advertir o

investigado ou indiciado de seu direito ao silêncio e do direito de ser assistido

por advogado ou defensor.

Ora, a obrigação de advertir é uma construção da Suprema

Corte dos Estados Unidos – Miranda Vs Arizona, de 1966 -, mas sequer

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naquele País o descumprimento implica em sanção penal, senão que em

nulidades processuais, mormente de eventual confissão.

No Brasil NÃO há fixado na legislação, ou determinada por

qualquer decisão judicial, a obrigação do aviso dos direitos, nos moldes de

Miranda. Pode até ser uma medida interessante, mas por enquanto inexiste na

legislação processual penal.

Assim sendo, o que ao artigo 15 propõe é alçar a crime o

cumprimento de uma obrigação legal inexistente, o que demonstra claramente,

desde logo, a inadequação e inconstitucionalidade. E com tratamento

absolutamente desproporcional, pois o que ocorre em outros Países é a

nulidade da confissão e de eventuais provas que dela derivarem, e não a

criminalização dos agentes.

Nesse sentido, deve o artigo ser suprimido.

II.6. DO ARTIGO 16

No mesmo sentido o artigo 16, mas de forma ainda mais

gritante. Deixar de identificar-se ao preso é infração administrativa, e deve

ensejar punição, mas não pode assumir a gravidade de um crime, posto que

isso enseja real intenção de cometer um ato ilícito.

A criminalização de quaisquer lapsos na atuação das

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autoridades passa a deixar a sua atuação profissional temerária, inibindo-os a

cumprir o seu dever, por medo de represálias. Pergunta-se novamente: a quem

interessa que sejam completamente enfraquecidos o Ministério Público, o

Judiciário, as Polícias...? Por isso, o artigo deve ser suprimido, não merecendo

tratamento criminal.

II.7. DO ARTIGO 21

Já no artigo 21 pune-se o constrangimento ilegal do preso, com

o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Nesse caso, a gravidade

do fato justifica, acima de qualquer dúvida, a sua tipificação como crime.

No entanto, de forma absolutamente injustificável, alçou-se a

conduta certamente ainda mais hedionda de constranger a favores sexuais

quem está sob custódia a uma espécie de estupro privilegiado, pois sua pena é

menor do que a do crime básico de estupro. Pela sua gravidade, por ser

praticado por autoridade, o correto seria uma pena superior.

O caso deste dispositivo claramente demonstra o erro grave que

consiste em tratar apressadamente uma legislação desta espécie (penal e

tratando do comportamento de autoridades do estado): uma análise ordinária,

com avaliação pelas comissões e prazo para emendas certamente teria

apontado estes e outros problemas e inconsistências graves.

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II.8. DO ARTIGO 27

O artigo 27 criminaliza a obtenção de provas por meios ilícitos.

Criminaliza-se o que pode ser uma mera atuação de ofício dos

agentes de Estado. Note-se que o meio de obtenção de provas estará sujeito à

apreciação jurisdicional, onde será realizado o controle de sua licitude. Tanto é

que diversas operações são anuladas com a alegação de ilicitude das provas,

sendo temerário que ainda por cima se criminalize o agente que está agindo no

cumprimento de seu dever! O tipo aberto e indefinido deixará desprotegidas

as autoridades que atuam em particular contra o crime organizado. O

dispositivo deve, portanto, ser excluído.

II.10. DO ARTIGO 33

O artigo 33 prevê como crime estender a investigação sem

justificativa.

Novamente, a criminalização desse tipo de conduta é aberta,

indefinida e perigosa. Órgãos de investigação, acusação e Poder Judiciário

realizam de ordinário o controle do outro, imediato ou diferido. Se um órgão

posterior ou tribunal superior, contudo, interpreta de forma diferente fatos e

provas e tranca a investigação ou processo por abuso de tempo, não é possível

ou razoável extrair daí crime.

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Ademais, em regra as investigações se prolongam quando são

complexas e assim o exigem, sendo o conceito de “sem justificativa”

completamente vago e aberto, estando sujeito às mais diversas interpretações.

Deve, assim, ser o tipo suprimido.

Alternativamente, caso assim não se entenda, sugere-se a

seguinte redação:

“Art. 33 – Manter investigação criminal em curso, além do

prazo legal ou regulamentar, sem que exista diligência

investigatória pendente ou possível, com a finalidade de

constranger ou expor ao constrangimento o investigado.

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

II.11. DO ARTIGO 35

No artigo 35 novamente se observa uma tentativa de intimidar

as autoridades em suas atribuições normais, visando estabelecer um estado de

medo no agir dessas autoridades. O Poder Judiciário já existe para controlar a

atuação das autoridades, de forma que eventuais ordens ou requisições que

não tenham amparo legal podem ser objeto de impugnação judicial pelo

acusado ou investigado. Com esse tipo, criminaliza-se o mero agir irregular,

sem que necessariamente haja o dolo de prejudicar ou de infringir a lei. Veja-se

a diferença com o artigo 36, que, com maior razoabilidade, estabelece como

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crime o deixar de corrigir irregularidades quando delas ciente. O tipo do art.

35 deve, portanto, ser suprimido.

II.12. DO ARTIGO 37

Finalmente, o artigo 37, assim como diversos outros artigos

acima citados, criminaliza a mera divergência interpretativa (“deixar de

determinar a instauração de procedimento investigatório”).

Ora, o Ministério Público e a polícia agem a partir de um dado

contexto fático, e a percepção deste contexto pode levar a interpretações

diversas. Isto é absolutamente inerente às diversas carreiras, faz parte da

margem de discricionariedade que lhes é necessária para o bom desempenho

de suas funções.

Criminaliza-se, portanto, aqui, uma conduta que deve ser objeto

de punição administrativa e não criminal.

Até porque em diversos casos – na maioria deles certmente - é o

próprio excesso de trabalho, ou ausência de recursos materiais e humanos, o

que impede o agente estatal de uma pronta atuação. A conduta, portanto, não

pode simplesmente ser criminalizada.

Existem órgãos de controle para a atuação negligente destas

autoridades, como as corregedorias, o CNJ, o CNMP, que estão, inclusive,

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abertos a representação por parte dos cidadãos.

III. DO SUBSTITUTIVO APRESENTADO PELO SENADOR RANDOLFE

RODRIGUES

Concomitantemente à análise do Substitutivo apresentado pelo

Senado Roberto Requião, foi também apresentado pelo Senado Randolphe

Rodrigues, e pelos Senadores Ana Amélia, Lasier Martins, Reguffe, João

Capiberibe, Elmano Férrer, Cristovam Buarque um Substitutivo ao PLS

280/2016. Trata-se de projetos que muito se assemelham, razão pela qual

apresentaremos apenas alguns breves comentários identificando os pontos de

convergência.

O Substitutivo do Senador Randolphe não apresenta o

parágrafo único do art. 1º, mudança com a qual concordamos.

No art. 3º, também incorpora o fato de ser a ação penal pública

incondicionada, mantendo-se a sistemática atual, o que deve ser aplaudido.

Também melhora a redação com relação ao PLS original, ao

prever que o prazo para ajuizamento da ação subsidiária se dá quando não

adotada providência legal, e não apenas a ação penal. A mudança é positiva

pois Ministério Público, conforme o seu livre convencimento motivado, tem as

seguintes alternativas, ao receber o inquérito ou a notícia de infração penal: (i)

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requerer novas investigações; (ii) requerer o arquivamento do inquérito; ou (iii)

oferecer a denúncia. Ocorrendo qualquer destas hipóteses, o Ministério

Público avaliou e agiu, NÃO há inércia do Estado, e, portanto, descabe a

vítima se valer da ação penal subsidiária. Esta somente tem cabimento quando

houver desídia (atraso na avaliação e na atuação) do Ministério Público, e,

ainda assim, caberá ao órgão do Estado encarregado da iniciativa penal

intervir, aditar e fiscalizar o processo (art. 29, CPP).

Contudo, ao disciplinar o prazo para ajuizamento da ação

subsidiária, a lei cria um novo procedimento, o que é desnecessário, uma vez

que a matéria já é tratada no Código de Processo Penal, e aplicável aos crimes

de abuso de autoridade, sendo que a previsão em outro dispositivo apenas

cria confusão quanto aos ritos.

No que tange aos artigos 4º e 5º, aplicam-se os comentários

tecidos para o Substitutivo do Senador Roberto Requião.

No artigo 10, inciso VI, o Substitutivo traz redação semelhante

ao artigo 15 do Substitutivo do Senador Roberto Requião, aplicando-se os

mesmos comentários.

No mesmo sentido o artigo 14, que corresponde ao artigo 16 do

Substitutivo do Senador Roberto Requião; o artigo 19, que corresponde ao

artigo 21 daquele; o artigo 32, que corresponde ao artigo 35 daquele, e o artigo

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35, que corresponde ao artigo 37 daquele.

IV. DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, recomenda-se prementemente que

seja retirada a urgência do PLS 280/2016, uma vez que é necessário maior

debate e amadurecimento acerca da redação almejada. Nesse sentido, deve o

PLS ser encaminhado às comissões, permitindo o devido debate acerca da

matéria.

Ainda que o texto estivesse pronto e maduro – o que

claramente não está, em qualquer de suas versões -, o momento, com a

população nas ruas exigindo medidas de combate a corrupção, não poderia ser

mais inadequado para um debate técnico e isento de matéria tão complexa,

vez que se trata de cingir a atuação dos órgãos do Estado que combatem a

corrupção. A aparência e a intenção de alguns de coibir as investigações não

poderia ser afastada.

Caso assim não se entenda, requer-se, nos termos dos

comentários ora expostos, que seja aprovado o substitutivo apresentado pelo

Exmos. Senadores Randolphe Rodrigues e outros (acima citados), por estar

mui mais consentâneo com o que se espera de uma legislação da espécie.

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Por fim, em ultimo caso, requer-se a aprovação do Substitutivo

apresentado pelo Senador Roberto Requião, desde que com as alterações

mínimas ora destacadas:

a) Exclusão do parágrafo único do art. 1º; e dos artigos 15, 16,

27, 32, 33, 35 e 37, em especial, note-se, quanto ao artigo 1º e

32.

b) Alterações propostas quanto à pena do art. 21, art. 33

(alternativamente à supressão), e quanto à compatibilização

da redação dos artigos 4º e 5º.

Sendo o que havia para o momento, permanecemos à

disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários. Recebam

Vossas Excelências nossos protestos de estima e consideração.

Brasília, 5 de dezembro de 2016.

José Robalinho Cavalcanti

Presidente da ANPR