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NOTAS FEMININAS NO SEMANÁRIO O PALADINO (1919-1939)
Vanessa Nascimento Souza
1
Mariana Emanuelle Barreto de Gois2
GT3: Gênero, raça e classe social
RESUMO
O presente artigo analisa a idealização feminina nas primeiras décadas do século XX em
Paripiranga, no estado da Bahia, entre 1919 a 1939. Busca contribuir para a escrita da história
local, tendo em vista que não há estudos na cidade sobre a temática. A fonte utilizada foi o
semanário O Paladino, como meio de resgatar informações sobre os estereótipos acerca da
condição feminina na década de 1920 e 1930 propagandeados no discurso jornalístico.
Contudo, o periódico buscava divulgar e seguir modelos de centros urbanos, sendo abordado
muitas vezes caracaterísticas que nada tinha a haver com a realidade da referida cidade,
baseada essencialmente na agricultura e com a maioria da população rural. Além disso, não
havia preocupação com o que as mulheres pensavam, apenas buscava reforçar os valores
considerados aceitáveis. Desse modo, a mulher de elite era supervalorizada pelo discurso
jornalístico, o qual ajudou a reafirmar o que se esperava da mesma no meio social.
PALAVRAS-CHAVE: discurso jornalístico; estereótipo; mulher de elite.
1. INTRODUÇÃO
Escrever a história das mulheres em suas diversas relações, seja na vida familiar ou no
trabalho, não é tarefa fácil, pois ainda há muitas barreiras a se enfrentar com esse tipo de
pesquisa. Primeiro pelo fato de que muitas mulheres não se identificam como sujeitos
1 Licenciada em História pelo UniAGES. Pós-granduanda em Biblioteconomia pela FAVENI.
2 Doutoranda pela UFRRJ. Professora do curso de História do UniAGES.
históricos, capazes de produzir relações e interferir de forma significativa na realidade social
em que vivem. Segundo, por não haver na cidade estudo historiográfico para se investigar
com mais precisão a trajetória das muitas mulheres paripiranguenses ao longo das
transformações cotidianas e também com os novos hábitos decorrentes da inserção de
tecnologias renovadas.
Além disso, as mulheres sempre foram voltadas aos afazeres domésticos e ao
cumprimento do seu papel de mãe e de esposa dedicada ao lar; costurando, remendando ou
cozinhando, oras limpando a casa, era a figura feminina veiculada em pinturas e telas da
época, como pregavam os valores éticos e morais predominantes no século XIX. A figura
feminina era idealizada e intimamente associada à elementos da natureza: fogo (ardente,
devastadora, das “paixões românticas”...), água (frescor, pacificidade, submissa, doce...), terra
(fecunda, “se deixa moldar”...). (PERROT, 2007, p. 16)
Daí então, o século XX inicia-se para as mulheres impregnado das concepções, valores
culturais, éticos e morais do século XIX; estas não poderiam frequentar todos os lugares e
sempre estavam acompanhadas de alguém de confiança dos pais ou marido. Neste período,
até mesmo a educação oferecida versava por reforçar esses ideais de uma sociedade patriarcal.
Numa época em que os pais contratavam o destino matrimonial da filha para esta não se
desvirtuar-se e desonrar a família. As moças estavam submersas ao silêncio, não somente o da
fala, mas também dos gestos e do corpo, não era aceitável para meninas, principalmente
damas da elite se mostrassem deselegantes, ou seja, estas seguiam manuais de boas maneiras,
cujo único objetivo era despertar o interesse de um bom partido para o casamento, embora
existissem muitas mulheres as quais burlavam essas regras.
Esses valores eram perceptíveis na Vila de Patrocínio do Coité3 nas primeiras décadas
do século XX, buscava-se por meio do discurso jornalístico vender um ideal feminino pautado
em evidenciar características, tais como: “sexo frágil”, “elegante e educada”, “predestinada à
maternidade”, “perigosa e sedutora”, “bela e recatada” e, por ser “boa mãe”, tinha a “vocação
para o magistério”, sendo a única profissão exercida entre as damas de elite, estereótipos
numa sociedade tradicionalista e patriarcal que visava fortalecer a supremacia masculina.
Além disso, em meados do século XX, Paripiranga era uma cidadela essencialmente
agrícola e tendo sua maior parte da população morando na zona rural e ainda hoje se verifica
esse fato. Desse modo o periódico buscava atingir os leitores da alta sociedade, pois grande
parte dos moradores era analfabeta. Segundo a pesquisa realizada pelo historiador e
3 Até a década de 1930, a cidade de Paripiranga – BA era denominada Vila de Patrocínio do Coité.
conterrâneo Cândido da Costa e Silva (1982, p. 12) nos censos do Ministério da Agricultura e
Comércio sobre, em meados do século XX era essencialmente rural, vejamos a seguir:
Patrocínio do Coité (Paripiranga)
1920 1940 1950
População urbana 694 1.597 1.658
População suburbana - 2.327 2.572
População rural 15.334 16.373 21.846
Total 16.028 20.297 26.076
TABELA 1: Censo de Patrocínio do Coite entre 1972-1892
Fonte: Ministério da Agricultura Indústria e Comércio/IBGE.
Diante disso, pressupõe-se que somente os fazendeiros e comerciantes locais eram
alfabetizados e assinavam o jornal para terem acesso às notícias do progresso local e também
notícias em nível nacional e internacional, pois no período os únicos meios de comunicação
na vila era o semanário e a radiola (rádio). Sendo assim, a pesquisa está voltada para
compreensão e conhecimento da história das mulheres, mas não das mulheres do povo, pois o
jornal era da elite e publicava somente notas de valorização às damas da alta sociedade.
O referido artigo intitulado Notas de idealização feminina no semanário o Paladino
(1919-1939), objetiva conhecer os estereótipos femininos veiculado pelo períodico em
questão. Uma das justificativas para a proposição desta pesquisa é o atual cenário da
historiografia regional, mais precisamente na cidade de Paripiranga/BA, que é lacunar,
existindo apenas o livro do historiador baiano Cândido da Costa e Silva, o qual intitula-se
Roteiro da vida e da morte: um estudo sobre o catolicismo no sertão da Bahia, também o de
Eratóstenes Fraga Lima, Histórias e Estórias de Paripiranga - um resgate da memória de
Paripiranga, contendo também um caráter religioso que leva o leitor a uma reflexão”, e o
de Sebastião Araújo de Santana Júnior, Meus passos pela vida e outras estórias, sendo os dois
últimos memorialistas.
Metodologicamente, baseia-se em análise de edições do semanário O Paladino entre os
anos 1919-1939, e busca apoio téorico nos estudos realizados por renomadas historiadoras do
campo da História das Mulheres, a exemplo de Michelle Perrot, com seu artigo intitulado os
silêncios do corpo da mulher (2003) e o livro Minha história das mulheres (2007), Joana
Maria Pedro (1994) com seu livro Mulheres honestas, mulheres faladas, Carla Bassanezi
Pinsky (2014) com sua obra Mulheres dos anos dourados, Silvia Fávero Arend (2013) com
seu artigo intitulado Trabalho, escola e lazer, dentro outros autores.
A partir dos referenciais aqui discutidos, busca-se analisar a representação feminina no
jornal O Paladino através das notas que abordam a mulher em suas diversas facetas, seja no
mundo criminal, amoroso ou profissional, além de edições que enfatizavam a busca por quase
total perfeição e delicadeza, imagem idealizada pelo público elitizado e masculino.
De um modo geral, os estudos no plano da História das mulheres traz uma inovação
historiográfica, o qual não mais as mulheres de elite como rainhas e princesas, mas sim as
mulheres do povo, operárias, violentadas, submissas ao pai e ao marido ao longo da história,
que seguem as regras de uma boa moça, para serem integradas e aceitas no meio social como
dignas de respeito e construtoras de sua própria identidade.
Desse modo, o presente artigo levará o leitor a uma análise do mundo feminino,
desvendando os silêncios que impossibilitaram por muito tempo a escrita da história das
mulheres, permeando as mais sublimes e desejadas características de uma dama elitizada, a
qual desperta o interesse apenas por um olhar, e até mesmo muito perigosa por se mostrar
tímida e discreta, o que muitas vezes sempre esconde a sua verdadeira essência. O caminho
aqui percorrido traz uma análise que possibilita a compreensão da representatividade de um
modelo ideal, o qual versava por: boa mãe, mulher casada, a profissional e moça de família,
propagandeados no discurso jornalístico, em especial pelo jornal O Paladino, o qual era
influenciado por padrões cariocas e também europeus.
2. IDEAL FEMININO NO SEMANÁRIO O PALADINO
No século XX há uma nova noção de fonte histórica, pois com a Escola dos
Annales começa a despertar novos interesses de estudos, que se deixa de lado a história
política e com a aproximação da sociologia e a antropologia se volta o interesse pelo
cotidiano, pelas emoções, pelas pessoas comuns, uma história vista de baixo, dos excluídos e
neste cenário de novos objetos de investigação onde começam a surgir trabalhos voltados
para a história das mulheres, é a chamada história em “migalhas4”, que busca explicar
as transformações a partir de novas perspectivas históricas. Segundo Jacques Le Goff:
O documento não é inócuo. É antes de mais nada, o resultado de uma montagem,
consciente ou inconsciente, da história, da época, das sociedades que o produzem,
mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez
4 A partir da década de 60 e 70 os Annales buscam aumentar seu público, sendo assim, surge o interesse em
escrever sobre questões relacionadas ao quotidiano das pessoas, sua forma de se relacionar, seus sentimentos,
emoções, cultura, algo que é mais encantador na visão dos historiadores desse período. Há nesta fase chamada de
3ª geração dos Annales uma nova preocupação com questões que envolve a antropologia e uma história
narrativa, entendida por DOSSE como fragmentação do campo do saber histórico. Ver mais em: DOSSE,
François. A história em migalhas: dos Annales à nova história. São Paulo: UNICAMP, 1992.
esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O
documento é uma coisa que fica, que dura, é o testemunho, o ensinamento (para
evocar a etimologia) que ele traz deve ser em primeiro lugar analisado
desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é um monumento.
Resulta do esforço das sociedades históricas pra impor ao futuro - voluntária ou
involuntariamente determinada imagem de si próprio. (1990, p. 548)
Diante disso, o jornal é uma fonte histórica rica em informações sobre o passado,
o n d e é necessário um olhar desconfiado acerca dos dados contidos no mesmo, sendo
capaz de perceber o que está oculto nas entrelinhas das notícias, indispensável em algumas
pesquisas através do confronto com outras fontes, sejam elas escritas, visuais, orais ou
audiovisuais, para que não cometa o erro de reproduzir um discurso estereotipado.
De acordo com os historiadores Leandro Karnal e Flavia Galli Tatsch (2013), o
documento é um meio pelo qual o historiador busca resgatar e reconstruir aspectos do
passado, sem esquecer que todo documento é fruto de construções históricas, diante disso, o
pesquisador deve analisar e confrontar com outras fontes de informação, para não cair no erro
de apenas transcrever aquilo que está explícito nas entrelinhas, pois:
[...]o documento não é um documento em si, mas um diálogo claro entre o
presente e o documento. Resgatar o passado é transformá-lo pela simples
evocação. Em decorrência da ideia anterior, todo documento histórico é uma
construção permanente. (KARNAL, 2013, p. 12)
Diante do que foi exposto, o pesquisador, ao analisar determinada fonte histórica,
deve fazer a relação e ligação da mesma com outras peças fundamentais. Segundo Ginzburg5,
o historiador é uma espécie de detetive, é como se fosse um médico, o qual busca extrair
coisas que só aparecem de forma indireta e não seria possível detectar em uma primeira
análise, é preciso buscar interpretar os silêncios e possa fazer com que o documento fale
aquilo que ele busca investigar.
[...] O documento histórico é raramente “dócil”, “aberto” ou “fácil”. Como escreveu
o já citado Ginzburg, o método histórico aproxima-se muito do método de um
detetive ou de um médico que, à força de esforços titânicos, deve extrair coisas que
só aparecem de forma indireta. [...]. (KARNAL, 2013, p. 17)
Desse modo, as manchetes divulgadas no jornal O Paladino versavam por editais de
casamento, noivados, viajantes, festas juninas, natalinas, festa de Nossa Senhora do
Patrocínio, bailes dançantes, bloco carnavalesco, panorama da cidade, nascimentos,
falecimentos, aniversários, além de noticiar acontecimentos nacionais e internacionais. Os
concursos de beleza ganhavam lugar a cada edição, pois traziam os resultados da semana, a
5 Ver mais: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
mais bem votada e até mesmo apareciam outros nomes que tiveram seu lugar no concurso.
Sendo “órgão independente, noticioso, literário, commercial e agrícola”6, divulgava os
eventos sociais do cotidiano, trazia informações acerca do progresso municipal, o qual estava
progredindo e ampliando as lojas comerciais, além da instrução educacional que chegava a
atender também os povoados. Além disso, notas sobre educação e elegância das mulheres,
padrão feminino a ser alcançado pela elite e as diferenciava das mulheres da classe
popular, por seus hábitos e suas vestes sofisticadas apesar da época, além do espaço que
frequentavam. De acordo com a análise da historiadora Maria Aparecida Prazeres Sanches
(1998), o discurso jornalístico buscava atender aos interesses de um público leitor de classe
privilegiada, que determinava a conduta socialmente desejada:
[...] É bem verdade que o discurso jornalístico revela a opinião que a elite letrada possui sobre esses segmentos, mas ao descrever situações e emitir opiniões sobre a vida e a conduta de variados grupos sociais torna possível ao historiador chegar, mesmo que de forma indireta, aos segmentos populares, [...]. (SANCHES, 1998, p. 13).
Desse modo, é notável por que a imagem feminina é oculta das notícias diárias do
jornal O Paladino, somente fotos e comentários sobre homens, enfatizando os politicos e
proprietários de terras ou de casas comerciais, por esse motivo que os mesmos têm
relevância e prestígio nas publicações do semanário, a mulher só aparece com o advento do
concurso7, no qual de certa forma aumenta o número de assinantes para poder prestigiar as
mais belas mulheres da alta sociedade coiteense na década 1920. A seguir a nota “De que é
feita a mulher?” chama atenção pelas características abordadas:
A verdadeira origem da mulher, segundo uma lenda indiana, é a seguinte: Twashtri,
o deus Vulcano da mytologia hindú, creou o mundo e, ao querer fazer a
mulher, reconheceu que tinha exgotado na creação do homem todos os materiaes
creadores, e que lhe não restava nenhum elemento solido. Cheio de perplexidade, o deus poz-se a meditar profundamente, e, quando afinal encontrou a solução, foi tomando: a redondeza da lua; a curva ondulosa da serpente; os graciosos contorcidos das plantas trepadeiras; o ligeiro estremecimento da herva e a delicadeza do caniço; o avelludado das flores; a levesa da penna; o olhar gentio do gamo; a vivesa do raio do sol; as lagrimas da nuvem; a inconstância do vento; a timidez da lebre; a vaidade do pavão real; a duresa do diamante; a crueldade do tigre; a astucia da raposa; o frio da neve; a tagarelice do papagaio; o arrulho da pomba; e com tudo isso formou a mulher. (ABREU, 1925, p. 2)
Percebe-se que o jornal buscava enaltecer a figura de mulher delicada, bela, frágil,
inconstante, tagarela, dentre outras características que torna a mesma de alguma forma
6 O Paladino. Patrocínio do Coité, anno I, nº 46. 5 de setembro de 1920. Acervo do Laboratório de Ensino e
Pesquisa em História do UniAGES. 7 Concurso realizado em todos os estados brasileiros na década de 1920, com o intuito de escolher a mais bela
moça brasileira.
inferior ao homem, e fortalecendo o poder masculino na sociedade, seja no trabalho ou em
casa. Além disso, o semanário O Paladino traz algumas notas interessantes que buscam
caracterizar a mulher, vejamos a transcrição da matéria intitulada “A mulher”, escrita pelo
Conego Alves Mendesa:
A mulher é na vida o que é a flor no campo e o aroma na flor, o oasis no deserto, o desenho na pintura e o colorido no desenho; o trinado na música e a melodia no trinado; o balsamo na ferida e a suavidade no balsamo; a lagrima no martyrio e a poesia na lagrima; a escola na indigência e a modéstia na escola; é a luz branca da estrella e o calor ardentíssimo do sol; o mamavioso sorriso da aurora e a lava refervente do volcão; a deusa da consciência humana e a musa do humano sofrimento, é a fé e a esperança em toda parte; é o milagre dos milagres – o amor. (MENDESA, 1923, p. 1)
Desse modo, pode-se observar que nas notas do periódico não há a apresentação
constante da figura feminina, sendo às vezes divulgado casos de mulheres que cometeram
crimes, seja contra o esposo ou infanticídio a nível nacional e internacional. Além desse fato,
só percebemos menção à mulher nos editais de casamento ou noivados e também de
aniversários, enaltecendo sempre a figura do homem (pai, noivo ou marido). N e s s e
s e n t i d o busca enaltecer somente o ideal feminino esperado no momento, para exercer o
papel de uma boa esposa. Vejamos a transcrição da nota intitulada As elegantes:
As meninas elegantes têm todo o interesse em ser extremamente delicadas e sem
nenhuma affectação, porque se o não forem, perderão o seu melhor adorno.
A delicadeza deve ser tão natural nas meninas elegantes que, se alguma por acaso se
afastar das regras do bom tom, não dizemos que é pouco delicada, mas sim – que
mal educada...
A formosura sem a educação, não realça. (ABREU, 1925, p. 2)
Observa-se que o periódico era uma forma de manipular as leitoras acerca de como se
comportar perante a sociedade, realça o idealismo para ser elegante, dando foco que a dama
deve ser delicada e seguir as regras de boas maneiras, além de fornecer uma imagem de
formosa, o jornal trazia para o público o ideal que as moças precisavam se mostrar sempre
bem educadas. Em outra nota, percebemos que sempre busca reforçar esse ideal de
comportamento feminino moldado pelos desejos masculinos:
As meninas dever ser sóbrias de demonstrações. Cumprimentar discretamente, quase
imperceptível, por uma leve inclinação de cabeça.
O cumprimento deve ser expressivo, acompanhado de ligeiro sorriso. Não se admitte
nunca menina elegante e o gesto secco e impessoal.
Quando cumprimentar andando, baixar apenas a cabeça na direção da pessoa a quem
é dirigido o cumprimento. Não gesticular, não atrazar nem apreçar o passo.
Na dúvida, quando tiver de corresponder a um cumprimento de pessoa que não
conheça, inclinar-se-á sumariamente, sem dar a perceber que lhe esqueceu o
nome.
A timidez é o maior encanto duma menina elegante. (ABREU, 1925, p. 2)
Diante disso, a historiadora Michelle Perrot (2003), ressalta que ao longo da história
foram impostas regras às mulheres para serem reconhecidas como elegantes e decentes:
[...] A mulher decente “tal como deve ser”, principalmente a jovem casadoura, deve mostrar comedimento nos gestos, nos olhares, na expressão das emoções, as quais não deixará transparecer senão com plena consciência. A mulher decente não deve erguer a voz. O riso lhe é proibido. Ela se limitará a esboçar um sorriso. Pode - em certas ocasiões deve deixar rolar as lágrimas, coisa proibida à virilidade, demonstrando, assim, que é acessível ao sentimento e à dor, cujo “ministério”, segundo Michelet (historiador Francês do século XIX), lhe pertence. (2003, p. 15)
Analisando as edições do periódico, percebemos que até as datas natalícias dos
homens, políticos e comerciantes importantes da época eram comemoradas com muito fervor
e causa de orgulho (ABREU, 1925, p. 2). Geralmente nas colunas “Datas íntimas”, sempre
vinham fotos de algum político local, onde apenas mencionava o nome de algumas
mulheres sempre realçando o nome do pai ou do esposo, porém não trazia fotos, talvez por
ser uma questão de respeito aos chefes de família.
De acordo com a análise da historiadora Joana Maria Pedro (1994), os homens ao
longo da história eram considerados únicos responsáveis por ocupar cargos políticos, que
podiam trabalhar fora, escolher o tipo de educação para as mulheres:
Eram os homens que compunham o judiciário, que chefiavam a polícia, decidiam sobre a educação, faziam sermões religiosos, votavam e eram eleitos, aqueles que participavam dos órgãos político-administrativos, eram também, os redatores e os leitores dos principais jornais da cidade. Eles prescreviam as formas de ser “distinto” e “civilizado”, que incluíam modelos idealizados para as mulheres, segundo os quais estas deveriam restringir-se aos papéis familiares. (1994, p. 31)
Embora se trata de uma realidade diferente, pode-se usar esta citação para descrever
as notas propagadas no jornal O Paladino, o qual se restringe a realçar o papel masculino
como essência de um bom funcionamento sócio-político, veiculando imagem feminina
restrita a expressar o ideal de delicadeza, boa educação e acima de tudo digna de toda
graça e beleza, cheia de formosura, para encher os olhos do público votante
essencialmente masculino. Ainda de acordo com Joana Maria Pedro:
[...] a preocupação com o comportamento das mulheres, explicitado em forma de
imagens idealizadas, acompanhou, nas páginas dos jornais como notícias que
chegavam do Rio de Janeiro, dando conta dos acontecimentos a nível nacional.
(1994, p. 58)
Não era diferente no caso do periódico coiteense, também sofria influência de
jornais cariocas, com idealização do padrão de beleza feminino desejado. Há uma relação
muito próxima com essa realidade de Desterro descrita pela historiadora Joana Maria Pedro
(1994), pois o jornal O Paladino também seguia esse modelo, trazendo notícias a nível local,
nacional e internacional, além de abordar a cada edição a apuração do concurso de beleza
que seguia os ideais propagandeados pelo Rio de Janeiro, o qual prezava por divulgar o
padrão de beleza desejado, além de demonstrar a mulher como sexo frágil predestinada a ser
regida por normas masculinas, valores conservadores de que a mulher deve ser educada para
cuidar do lar e dos filhos.
Além disso, o semanário buscava divulgar o que era publicado em outros jornais
como também em revistas e servia para afirmar o papel social da mulher. Nesta perspectiva, a
historiadora Carla Bassanezi Pinsky (2014), em sua obra Mulheres dos anos douradorados
ressalta que:
[...] as revistas são capazes de formar gostos, opiniões, padrões de consumo e de
conduta. Para suas leitoras fiéis, acabam servindo como companheiras de lazer, mas
também como guias de ações e conselheiras persuasivas. (2014, p. 10)
Ou seja, as revistas têm o poder de guiar e convencer as leitoras sobre como se
comportarem, o que devem consumir e qual padrão ideal de corpo e beleza, além disso, as
mulheres da classe média brasileira tinham as revistas femininas como fontes de informação.
A autora afirma ainda que:
[...] a leitura das revistas traz à tona a “natureza dos sexos” e nos apresenta, entre
outras, as figuras da “boa esposa”, da “moça de família”, da “jovem rebelde”, do
“bom partido”, do “marido ideal”, da “outra” e da “leviana”, com quem os rapazes
namoram, mas não se casam. Também revela concepções de “harmonia conjugal”,
“jeitinho feminino”, “felicidade”, tais como eram divulgadas à época. (PINSKY,
2014, p. 10)
Diante dessa abordagem, podemos analisar a matéria intitulada “A mulher perfeita”
percebe-se fortemente o ideal feminino esperado fora do país e que influenciava de modo
significativo nos padrões brasileiros, vizando uma mulher “perfeita”. Vejamos transcrição da
nota:
Uma revista dinamarqueza dirigiu aos seus leitores esta pergunta: Qual é a mulher
perfeita?
Das respostas recebidas foram aproveitadas as seguintes, que compõe e completam
na mulher o ideal de perfeição:
1ª – Que lê um jornal sem inverter a ordem das páginas;
2ª – Que lê o artigo de fundo dos jornaes;
3ª – Que não faz questão de ter a ultima palavra quando discute;
4ª –Que diz bem das amigas ausentes;
5ª – Que não faz caso dos mexericos dos visinhos; 6ª – Que não acode ao chamariz dos “soldados” dos grandes armazéns;
7ª – Que nunca se lamenta de não ser homem. (ABREU, 1927, p. 5)
Nesta perspectiva, pode ser notada a maneira de propagação das características que
deveriam ter as mulheres, cuja perfeição era desejada, onde o discurso jornalístico ajudava a
divulgar dando dicas de boas maneiras, bem como a essência de beleza interligada à
educação e elegância fazia do ser mulher, pessoas ainda mais cobiçadas e disputadas para
serem esposas e mães de família. Mesmo não trazendo muitos casos que se referem à moça
coiteense em seu cotidiano, apenas abordando quando fala do concurso ou das moças que são
nomeadas para cadeira de professora, as publicações com mais destaques são aquelas que
trazem o descumprimento das regras socialmente impostas, pois causa grande tumulto e
comentários.
Além disso, na edição do ano de 1939 traz um poema, o qual deixa transparecer que o
homem tem sonhos com sua bela amada, aquela que com seu meigo sorriso a encanta e faz
sua vida fluir. Vejamos a matéria intitulada “E na alma de teu sorriso...”:
E’s bella, meiga e morena
De lábios risonhos e serenos
Como um’a rosa, ao abrir;
Teus olhos mais reverberam,
Que no Céo a “Sirius” bella
Com o seu brilho a luzir;
Teu sorriso é como uma seta
Que oh! Virgem, minh’alma penetra
E até a dôr, faz remir!
Não és musa do antanho...
E’s a mulher dos meus sonhos
E na alma de teu sorriso – sinto Minha vida fuir! (MUSICO, 1927, p. 5)
Fica notável neste poema, a forma de idealização da figura feminina, vista com
características de meiguice, serenidade, capaz de apaziguar a dor e acalentar a alma do seu
amado, desejada pelo sorriso, pelo olhar ardente e tímido, brilhante. Sua beleza é o sonho dos
homens, mas não somente a beleza física, mas sim um conjunto de qualidades as quais se
completam para formar a mulher perfeita, aquela que aparece nos sonhos de seus
admiradores.
Desse modo, a análise dessas edições possibilitou traçar os principais estereótipos
voltados ao papel social da mulher durante as primeiras décadas do século XX, o discurso
jornalístico buscava propagar o lugar que deveria ser ocupado pela menina-moça-mulher em
variadas etapas da vida: na infância os brinquedos (boneca) já afirmavam o seu destino
“natural” – a maternidade, na adolescência deveria preservar a virgindade e se manter
recatada, para conquistar um bom partido, cujo fim era o casamento, na vida adulta a mulher
casada era idealizada como guardiã do lar e boa esposa.
De acordo com a historiadora Silvia Fávero Arend (2013, p.70), as brincadeiras das
crianças no início do século XX chamavam atenção devido ao novo significado atribuído à
infância “momento fundamental dos processos de socialização para o ingresso no mundo
adulto e estaria balizada, sobretudo, pelo saber escolar”. Segundo a autora, essas brincadeiras
já deixavam explícito o que se esperava das crianças na vida adulta, ou seja, a mulher devia
ser meiga, doce, serena, valores e práticas que aprenderia a partir de então no ambiente
escolar com a aceitação das mulheres terem acesso à educação, muito embora fosse uma
educação diferenciada entre homens e mulheres.
[...] as meninas foram desaconselhadas a subir em árvores, correr com cavalinho de
pau entre as pernas, nadar em lagos e rios e brincar de esconde-esconde com os
meninos em lugar ermos após os 6 anos de idade. De acordo com os manuais de
educação infantil publicados na primeira metade do século XX, as brincadeiras
saudáveis eram as que não colocavam em risco a integridade do corpo da menina.
Para elas, agora, apenas as bonecas, as panelinhas, os ferros de passar, as imitações
de tanques de lavar roupa; e, para os meninos, os carinhos, os barcos, as ferrovias, as
bolas e as raquetes. (AREND, 2013, p. 71)
Diante disso, pode-se notar que, mesmo em meio a tantas regras e imposições sociais
de boas maneiras para a dama, muitas mulheres fizeram mudanças, as quais contribuíram
muito para uma nova concepção do ensino voltado para o sexo feminino e também o que pode
ou não na sala de aula, como deve se portar uma professora e qual sua relação com a
sociedade, ou seja, com os pais.
3. CONCLUSÃO
O semanário abordava a mulher como um ser cujo destino era seguir o matrimônio,
por conseguinte a maternidade, valores que elevavam a dama ao grau de elegância, aquela
que, sendo intelectual, se mantinha nos padrões de conduta desejados por seu pai ou marido.
Quando apareciam nas edições do periódico, sempre estavam acompanhadas do chefe da
família, seja em “datas íntimas”, “noivados”, até mesmo notas sobre o falecimento estas
vinham em segundo plano, enaltecendo-se a figura masculina.
Muito embora alguns estereótipos tenham sido reconstruídos, no qual as mulheres por
meio das lutas feministas vêm conquistando o seu espaço na sociedade, ainda há muita
confusão acerca da causa de tais lutas, pois são vistas com um olhar machista, que de certa
forma busca sempre reafirmar a superioridade masculina em todas as áreas da vida humana,
principalmente na área da política, tentando reduzir a figura feminina em um padrão
estabelecido que a deixa à “sombra” de um grande homem. As principais críticas do
movimento feminista estão intimamente relacionadas aos lugares onde elas frequentam e
gostariam de frequentar, sem ter que se sobrepor a esse tipo de imposição de qual espaço é do
homem e qual é da mulher, pois estas querem liberdade para decidir onde entrar, com quem
andar, e como se vestir sem julgamentos estereotipados.
Nas edições analisadas, o que mais chama atenção são os estereótipos que buscavam
enaltecer um padrão ideal de mulher, cujo modelo estava inteiramente ligado ao molde
Europeu, o qual influenciava fortemente os discursos acerca da condição feminina,
principalmente em centros urbanos. Consequentemente, as cidades interioranas começam a se
apropriar dessa idealização feminina tão divulgada nos meios de comunicação, e não foi
diferente em Paripiranga nas primeiras décadas do século XX, que sempre publicava notícias
de outros jornais nacionais e internacionais, além de reportagens de revista que traziam uma
regra a ser seguida pela boa moça, aceitável socialmente.
Desse modo, a pesquisa realizada possibilitou um estudo mais aprofundado sobre a
trajetória de alguns estereótipos que ainda se faz muito presentes até hoje, porém, com
denominações diferentes, porém mantém o mesmo sentido. Contudo, o discurso jornalístico
era pautado em ideologias de um determinado grupo social e buscava atender aos anseios de
sua época, no caso do semanário O Paladino visava atingir os ilustres cavalheiros da Vila de
Patrocínio do Coité, divulgando notas que reforçavam o ideal de mulher desejado.
REFERÊNCIAS
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ABREU, Francisco de Paula. A mulher perfeita. O Paladino. Patrocínio de Coité, anno VIII,
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MUSICO. E na alma de teu sorriso... O Paladino. Patrocínio de Coité, anno XI, nº 13, p.4, 24
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