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A FGV Energia é o centro de estudos dedicado à área de energia da Fundação Getúlio Vargas, criado com o
objetivo de posicionar a FGV como protagonista na pesquisa e discussão sobre política pública em energia no
país. O centro busca formular estudos, políticas e diretrizes de energia, e estabelecer parcerias para auxiliar
empresas e governo nas tomadas de decisão.
SOBRE A FGV ENERGIA
Diretor
Carlos Otavio de Vasconcellos Quintella
SuperintenDente De relaçõeS inStitucionaiS e reSponSabiliDaDe Social
Luiz Roberto Bezerra
SuperintenDente comercial
Simone C. Lecques de Magalhães
analiSta De negócioSRaquel Dias de Oliveira
aSSiStente aDminiStrativaAna Paula Raymundo da Silva
eStagiáriaLarissa Schueler Tavernese
SuperintenDente De enSino e p&DFelipe Gonçalves
coorDenaDora De peSquiSa Fernanda Delgado
peSquiSaDoreS
André Lawson Pedral Sampaio Guilherme Armando de Almeida PereiraJúlia Febraro França G. da SilvaLarissa de Oliveira ResendeMariana Weiss de AbreuTamar RoitmanTatiana de Fátima Bruce da Silva
conSultoreS eSpeciaiSIeda Gomes Yell Magda Chambriard Milas Evangelista de Souza Nelson Narciso Filho Paulo César Fernandes da Cunha
CADERNO OPINIÃO DEZEMBRO • 2017
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OPINIÃO
O ALVORECER DA ENERGIA DO HIDROGÊNIO
Paulo Emílio V. de Miranda, Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ
Nós vivemos nesse início do Século XXI uma transição
energética em nível global, que levará à descarbonização
do sistema energético mundial. Isso requererá a
integração de quantidades significativas de energia
renovável intermitente e o controle adequado do estoque
sazonal de armazenamento de energia.
O hidrogênio e as tecnologias de pilhas a combustível
têm grande potencial para proporcionar essa transição
para um sistema energético ambientalmente sustentável.
O mundo despertou para a preocupação com o meio
ambiente de forma integrada quando da realização da
ECO92, a Conferência Mundial para o Desenvolvimento
e o Meio Ambiente, realizada no Rio de Janeiro em
1992 no âmbito das Nações Unidas. Uma análise da
situação ambiental mundial antes dessa data e desta até
o presente mostra resultados alarmantes [1]. Embora o
uso de produtos que são fontes de gases halogênicos
estratosféricos sob ação de radiação solar ultravioleta
e que atuam como destruidores da camada de ozônio
tenha reduzido cerca de 68%, permitindo o prognóstico
de que haja recuperação significativa da camada de
ozônio até a metade desse século, outros resultados
apresentaram piora marcante. A disponibilidade per
capita mundial de recursos de água fresca decresceu
no período 26%, principalmente devido ao acréscimo
populacional de 35,5%. Além disso, houve um aumento
de 75,3% na quantidade de zonas marinhas litorâneas
consideradas mortas, sobretudo por causa do vazamento
de fertilizantes e do uso de combustíveis fósseis, o que
associado a um aumento anual das emissões de CO2 em
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62,1% e a uma redução de 2,8% na área total de florestas,
afetou drasticamente a biodiversidade ao diminuir
em 28,9% a abundância de espécies de vertebrados.
Acrescente-se a isso o fato de que houve desde 1992
um aumento de 167,6% na temperatura global e que os
10 anos mais quentes em cômputo feito nos últimos 136
anos ocorreram desde 1998 e, dentre, esses, o ano mais
quente da série foi 2016.
Como já havia sido previsto, a era do petróleo não
terminará por falta dele, mas por causa dos efeitos
deletérios do uso de combustíveis fósseis. Contudo,
é curioso constatar a evolução no uso de combustíveis
experimentado pela nossa sociedade e que há uma
descarbonização progressiva em curso, desde o uso
intensivo da madeira, depois do carvão, do petróleo
e do gás natural [2], sendo ainda hoje todos usados
simultaneamente. Além disso, há também uma agregação
crescente de densidade energética ao se passar de
um a outro combustível e, principalmente, o acréscimo
contínuo do teor de hidrogênio. A transição para a era da
Energia do Hidrogênio é considerada inexorável e ela se
fará com participação marcante das energias renováveis.
O hidrogênio é um vetor energético. Trata-se de um
portador de energia versátil, limpo e seguro, que pode ser
usado para produzir eletricidade, calor, potência e ainda
encontra aplicação como matéria prima na indústria. O
hidrogênio pode ser armazenado e transportado com
alta densidade energética nos estados líquido ou gasoso
e deve ser produzido a partir de matérias primas que o
contêm e uma fonte energética. A quase totalidade das 60
milhões de toneladas de hidrogênio usadas anualmente
no mundo, ainda como um produto químico, nas
indústrias química, petroquímica, siderúrgica, alimentícia
e mecânica, é produzida a partir da reforma a vapor
do metano, que, por isso, constitui o seu método mais
econômico de produção. Consequências diretas desse
conhecimento acumulado incluem agregar técnicas de
captura e armazenamento ou de reutilização do CO2
gerado ou ainda do uso de bio-metano para zerar as
emissões de carbono na produção de hidrogênio. Isso
também pode ser alcançado através da produção de
hidrogênio por eletrólise da água usando energias
renováveis ou através da gaseificação de biomassas, o
que abre uma imensa perspectiva para o Brasil.
81,7% da energia elétrica gerada no Brasil em 2016 teve
origem renovável, sendo 68,1% produzida em usinas
hidrelétricas [3]. Elas oferecem as possibilidades de utilizar
energia vertida turbinável e o excesso de geração em
relação à demanda resultante da operação das turbinas em
regime permanente com alta potência para a produção de
hidrogênio por eletrólise da água. Além disso, as energias
eólica, principalmente, e solar experimentam crescimento
significativo no país e o uso de energias do mar representam
um potencial adicional a ser explorado para aplicação da
eletrólise. No último ano, houve um aumento de 55% na
geração eólica do país. Fortuitamente, o período de secas,
no inverno, que prejudica a disponibilidade hidrelétrica,
coincide com a maior disponibilidade eólica e com a
safra da cana de açúcar, a qual oferta grandes tonelagens
de biomassa. Considerando ainda a importância do
agronegócio no país, tem-se admirável disponibilidade
adicional de biomassas e o potencial de geração solar do
país é marcante durante o ano.
Estes fatos habilitam o Brasil a produzir hidrogênio para
fins diversos e também para utilizá-lo como forma de gerar
e armazenar energia. A Figura 1 mostra uma comparação
entre diferentes formas de armazenamento de energia
sem emissões de carbono, levando em conta a potência
armazenada em função do tempo para descarregá-la. Os
supercapacitores e volantes de inércia têm capacidade
de pequena a média, com tempos muito pequenos para
o descarregamento. As baterias armazenam potências
maiores, desde que não seja por tempos elevados. Ainda
podem-se realizar armazenamentos de energia com ar
comprimido e através do bombeamento hídrico com
potências elevadas, por tempo de descarregamento da
ordem de grandeza de semanas. Mas, como se observa,
somente o hidrogênio é capaz de armazenar elevadas
potências por tempos prolongados, que atingem
temporadas entre estações do ano, e o caracteriza como
o portador de energia que é capaz de armazenar grandes
quantidades de energia.
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Uma vez produzido e armazenado em tanques
pressurizados ou até em cavernas salíferas ou aquelas total
ou parcialmente exauridas de combustíveis fósseis, existem
várias opções para o transporte seguro do hidrogênio.
Estas incluem aquelas já utilizadas para o transporte de
combustíveis fósseis, tais como sob formas gasosa ou
líquida em caminhões ou navios e o bombeamento de
hidrogênio gasoso em tubulações próprias para tal ou por
compartilhamento com a infraestrutura existente para o
transporte do gás natural. Além disso, há a alternativa do
uso de carreadores orgânicos líquidos de hidrogênio para
armazenamento e transporte, tal como a amônia.
O uso energético do hidrogênio é baseado nas pilhas a
combustível, dispositivo que provavelmente representará
para o Século XXI importância análoga a que tiveram os
computadores no Século XX. Tratam-se de conversores
de energia de alta eficiência, por fazerem a conversão
da energia química do combustível em energia elétrica
e calor através de reações eletroquímicas, por isso, não
limitadas pelo Ciclo de Carnot, como o são as máquinas
térmicas. Dentre os diversos tipos de pilhas a combustível
existentes, duas tecnologias se destacam em nichos de
aplicação atualmente. Uma delas é a pilha a combustível
com eletrólito de membrana polimérica, PEM, e a outra é
a pilha a combustível de óxido sólido, PaCOS. Para ambas
o hidrogênio é o melhor combustível, sendo que a PEM
é muito sensível à presença de monóxido de carbono
como contaminante, o qual prejudica progressivamente
a atividade eletrocatalítica do seu anodo. A PaCOS,
que funciona em altas temperaturas, é muito versátil na
opção de combustíveis, possibilitando o uso direto do
Figura 1 – Comparação entre métodos de armazenamento de energia sem emissões de carbono.
Adaptado da ref. 4.
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etanol [4], do metano [5] e até do monóxido de carbono,
sendo, entretanto, sensível à presença de enxofre. Uma
parceria público-privada criada no Japão implantou,
usando a sua rede de distribuição de gás natural, a
geração distribuída de eletricidade e calor com sistemas
PEM e PaCOS de baixa potência em mais de 200.000
residências. Há perspectivas de que até 2020 os subsídios
hoje existentes já sejam significativamente reduzidos ou
retirados e que a rede se expanda para 1,4 milhão de
residências, coincidindo com as primeiras Olimpíadas da
Era do Hidrogênio naquele país, quando automóveis e
ônibus comporão mobilidade urbana elétrica com uso
de hidrogênio. A eletrificação do transporte com uso de
hidrogênio é uma tendência mundial. Embora todas as
grandes empresas automobilísticas tenham atualmente
veículos a hidrogênio, alguns já comerciais, e que a rede de
estações de abastecimento de hidrogênio existente hoje
no mundo supere 300 unidades e deverá ultrapassar 1.000
em 2020, são os ônibus o principal foco das aplicações
atuais. Estes são silenciosos, não poluentes, com elevada
taxa de disponibilidade para o uso, confortáveis para o
motorista e passageiros, constituem transporte de massa
e têm a vantagem de realizar abastecimento centralizado,
na garagem, o que simplifica a infraestrutura requerida.
A União Europeia lançou edital de compra de mais de
600, a China busca adquirir 2.000 e o Brasil desenvolveu
a sua própria tecnologia para o setor [5]. Este poderá
ser um fator importante para o combate à poluição
urbana em grandes metrópoles brasileiras, onde o seu
uso é intenso. Cerca de 18.000 ônibus rodam na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro. Facilita esta investida o
fato de o Brasil ser um grande produtor de ônibus, com
fábricas nacionais. Fato que não ocorre no âmbito dos
automóveis, já que o amplo espectro de fábricas aqui
instaladas é constituído por empresas estrangeiras. O
Brasil tem hoje vantagem relativa a outros países por ter
sido o único país do mundo a já ter feito uma transição
de combustível automobilístico em larga escala e com
sucesso, mas seus fabricantes de veículos com motores
flexfuel são transnacionais e poderão, eles próprios,
migrar para outra tecnologia não dominada no país.
O passo a ser dado agora no mundo e no Brasil é a
descarbonização do transporte, em todos os níveis. Isso
deverá ser feito com o uso de veículos de emissão nula
com motorização a hidrogênio, tais como os veículos
elétricos com pilhas a combustível, assim como com os
veículos elétricos a baterias e ainda com as combinações
híbridas daí resultantes. A Figura 2 explora estas opções
para diferentes modos de transporte, considerando a
capacidade de carga a ser transportada e a autonomia
diária ou por viagem. Os veículos de frotas empresariais,
tais como os veículos comerciais leves e os ônibus,
representam nichos atuais de aplicação da mobilidade
elétrica com hidrogênio, pela decrescente diferença
financeira com os convencionais, as facilidades em termos
de infraestrutura requerida para reabastecimento e
manutenção e, principalmente, pelas imensas vantagens
ambientais. Em algumas cidades, como em Stuttgart, na
Alemanha, a população decidiu acionar judicialmente a
prefeitura por não lhe prover ambiente urbano despoluído.
A Parceria Internacional para o Hidrogênio e Pilhas
a Combustível na Economia – IPHE (www.iphe.net),
que congrega vários países, dentre os quais o Brasil,
incentiva o estabelecimento de políticas públicas
nacionais e regionais sobre energia do hidrogênio.
A Agência Internacional de Energia estabeleceu um
roteiro tecnológico para a adoção do uso do hidrogênio
e de pilhas a combustível para fins energéticos (http://
www.iea.org/publications/freepublications/publication/
TechnologyRoadmapHydrogenandFuelCells.pdf), e o
Hydrogen Council (http://hydrogencouncil.com) tomou
a decisão de investir pelo menos 2 bilhões de Euros nos
próximos 5 anos para implantar a energia do hidrogênio
no mundo. Em nível nacional, foi recentemente criada
a Associação Brasileira do Hidrogênio, a qual participa
da organização da Conferência Mundial de Energia do
Hidrogênio (www.whec2018.com), que ocorrerá no Rio
de Janeiro de 17 a 22 de junho de 2018, 26 anos depois
da realização da ECO 92. Estes fatos demonstram de
forma contundente a inexorabilidade do uso energético
do hidrogênio no futuro próximo. Isso contribuirá para a
descarbonização do atual sistema de energia e envolverá
o aumento da eficiência energética, o decréscimo no
uso de combustíveis fósseis, o maior uso de energias
renováveis intermitentes, a diminuição da emissão de
poluentes, que trará efeitos positivos sobre o clima
através do aumento no uso de portadores de energia com
emissão nula, tais como a eletricidade e o hidrogênio.
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Figura 2 – Comparação entre métodos de armazenamento de energia sem emissões de carbono.
Adaptado da ref. 4.
O autor agradece Maurício Tolmasquim e Rômulo Orrico pela gentil revisão dos originais.
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REFERÊNCIAS
1. William J. Ripple, Christopher Wolf, Mauro Galetti,
Thomas M Newsome, Mohammed Alamgir, Eileen Crist,
Mahmoud I. Mahmoud, William F. Laurance, “World
Scientists’ Warning to Humanity: A Second Notice”,
BioScience, in-press, 2017.
2. P. E. V. de Miranda, “Combustíveis – materiais essenciais
para prover energia à nossa sociedade”, Matéria, Vol. 18,
No.3, 2013.
3. Balanço Energético Nacional, Empresa de Pesquisa
Energética, Ministério de Minas e Energia, https://ben.epe.
gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_2017.pdf, 2017.
4. “How Hydrogen Empowers the Hydrogen Transition”,
Hydrogen Council, http://hydrogencouncil.com/
wp-content/uploads/2017/06/Hydrogen-Council-Vision-
Document.pdf, 2017.
5. P.E.V. de Miranda, S.A. Venâncio, H.V. de Miranda,
“Method for the direct oxidation and/or internal reforming
of ethanol, solid oxide fuel cell for direct oxidation and/or
internal reforming of ethanol, catalyst and multifunctional
electrocatalytic anode for direct oxidation and/or internal
reforming of ethanol”. US Patent 9,431,663 B2, August
30, 2016.
6. P.E.V. de Miranda et al., “Method for the production of
light hydrocarbons from gas with high methane content,
a solid oxide fuel cell used for the production of light
hydrocarbons from gas, with high methane content, and
a catalyst for the production of light hydrocarbons from
gas with high methane content”. US Patent 9,281,525 B2,
March 8, 2016.
7. P.E.V. de Miranda, E.S. Carreira, U.A. Icardi, G.S. Nunes,
“Brazilian hybrid electric-hydrogen fuel cell bus: Improved
on-board energy management system”, International
Journal of Hydrogen Energy, Vol. 42, pp. 13949 – 3959, 2017.
Paulo Emílio V. de Miranda. Possui Graduação, Mestrado e Doutorado em Engenharia
Metalúrgica e de Materiais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-
doutoramentos na École Centrale de Paris e na Université de Paris-Sud, França. É
Professor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, onde atua nos
Programas de Engenharia Metalúrgica e de Materiais e de Engenharia de Transportes,
do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós Graduação e Pesquisa em Engenharia, COPPE/
UFRJ, e da Escola Politécnica, onde dirige o Laboratório de Hidrogênio. Realiza trabalhos
de pesquisa e desenvolvimento em áreas relacionadas ao uso energético do hidrogênio,
tais como: pilhas a combustível de óxido sólido; desenvolvimento de ônibus e
embarcações com tração/propulsão elétrica em sistema híbrido com pilha a combustível;
barreiras de difusão para o hidrogênio através de nitretação iônica por plasma pulsado e
inovação tecnológica. Possui 15 patentes depositadas, sendo 7 concedidas. É Presidente
da Associação Brasileira do Hidrogênio; Representante brasileiro na Parceria Internacional
para o Hidrogênio e Pilhas a Combustível na Economia, IPHE; Membro do Corpo de
Diretores da Associação Internacional de Energia do Hidrogênio, IAHE; Membro do
Comitê Consultivo do Fórum Europeu de Pilhas a Combustível, EFCF; Presidente da
Conferência Mundial de Energia do Hidrogênio, WHEC 2018; Editor da revista Matéria.
Este texto foi extraído do Boletim de Conjuntura do Setor Energético - Dezembro/2017.
Veja a publicação completa no nosso site: fgvenergia.fgv.br
Este texto é de inteira responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha programática e ideológica da FGV.