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O BARREIRO e a REVOLUÇÃO REPUBLICANA O Barreiro Operário e a Revolução Republicana A Revolução Republicana encontra na Margem Sul, nomeadamente no Barreiro, uma sociedade pre- parada e empenhada na realização dos ideais re- publicanos. A este empenhamento não é alheio o precoce des- tino industrial da vila, no todo nacional. O proces- so de industrialização dá origem a um desenvolvi- mento urbanístico e demográfico vertiginoso. Segundo o jornal Avante de 9 de Janeiro de 1910 a par de professores, médicos, advogados, engen- heiros e homens de letras, “não menos úteis do que aqueles, para aqui vieram também, de todo o lado, os trabalhadores de profissão diferenciada, operários da construção civil, da indústria, do co- mércio e outros ofícios. A todos eles se devem, na verdade, os progressos que aos poucos se foram verificando nesta terra. Pelo comboio chegam con- tinuamente centenas de trabalhadores vindos dos mais diversos lugares, mas com predomínio das Beiras, do Alentejo e do Algarve”. Por vagas, vinda de todo o País chega mão-de-obra que, nos Caminhos-de-ferro, nas Corticeiras e na Companhia União Fabril, procura realizar o sonho de um futuro melhor. No Barreiro, o salário a troco do trabalho manual na fábrica era a única fonte de rendimento destes trabalhadores. Surge, desta forma. Uma classe ope- rária que entre 1861 e 1911 atinge 44% da popu- lação activa. Os ferroviários e os corticeiros são os primeiros a criar associações de classe, mais tarde sindicatos, demonstrando uma capacidade organizativa e mo- bilizadora, uma clara consciência política da sua realidade económica, social, cultural, laboral e as- sistencial. E as lutas, então encetadas, reforçar-se- ão com o operariado da Companhia União Fabril. Quadro: Crescimento do Número de Habitantes e e Fogos. Anos Concelho Vila do Barreiro Habitantes Fogos Habitantes Fogos 1890 5 436 1 423 3 682 936 1911 12 203 2 612 8 355 1 776 O Barreiro Associativo De meados do séc. XIX em diante no Barreiro as- siste à constituição de um número significativo de Associações de carácter diverso. Naturalmente, estes pontos de convívio e protecção dos associados desempenharam papel importante como redes de esclarecimento e organização reivin- dicativa. In “Um Olhar sobre o Barreiro” nº. 1 – II Série, Junho/1989 As Associações Políticas O Barreiro, pelas suas características industriais e urbanas relativamente ao todo nacional; pela com- posição social, na qual sobressai o operariado; pela proximidade à capital, absorve e difunde os ide- ais republicanos, socialistas, anarco-sindicalistas e maçónicos. Exemplos desta fervilhante actividade política são os Centros Republicanos e os Centros Socialistas. Centros Republicanos O Directório do Partido Republicano foi fundado em 1876. Entre os seus fundadores, destaca-se Teófilo Braga. A partir de 1880 passou a ser o partido mais forte da Oposição. Congregava intelectuais, comerciantes, industriais, profissionais liberais, funcionários e proletários urbanos. Defendia o fim da Monarquia e os ideais de progresso, liberdade e justiça. Quadro dos Centros Republicanos no Barreiro Centros Presidentes Centro Escolar Republicano “Dr. Estêvão de Vasconcelos” Leandro Augusto de Cas- tro, Teodoro Luiz de Castro, Caetano Francisco da Silva, João Guilherme, João da Luz, Dr. Júlio Velez Caroço, José Teixeira de Sousa, João Ana- cleto da Silva, Joaquim Pedro Ferreira Júnior. Centro Republicano Português José Luiz da Costa, Caetano Francisco da Silva Centro Republicano Evolucio- nista do Barreiro José João dos Santos, Miguel P. dos Santos. Centro Republicano Unionista Manuel Marques de Oliveira, Joaquim da Silva Simplício Centro Republicano Liberal Joaquim Vicente Lobo, Manu- el Afonso de Sousa. Centro Republicano de Re- constituição Nacional João dos Santos Firmo. Centro Republicano Naciona- lista “Dr. António Granjo” Manuel Afonso de Sousa. Centro Radical “José Manuel Marmelada” Custódio Joaquim. In “Olhar sobre o Barreiro”, nº. 1 – II Série, Junho/1989 Os Centros Socialistas Nos seus estatutos visavam cumprir os ideais dos movimentos socialistas internacionais, promoven- do a instrução das classes proletárias, auxiliando as associações de classe nas suas lutas. O primeiro centro foi fundado por Joaquim Marques, maquinista dos vapores do Sul e Sueste, em 1890. A este sucederam-se mais quatro: 1897, 1909, 1913, 1920. No 3º Centro Socialista, por iniciativa de Ladislau Batalha é fundado, em 1909, o Jornal “Avante”. É significativo que na inauguração do 3º Centro te- nham sido convidados para oradores uma costurei- ra, um canalizador de gás, um padeiro, um tipógrafo, um apontador e um jornalista. O Centro criou uma biblioteca de empréstimo domi- ciliário, designada “Livraria Popular” e na sua sede davam-se cursos de Desenho Industrial e Francês. Foi também iniciativa deste Centro a fundação da União Fraternal das Mulheres que defendia a mater- nidade, a criação de creches a 300 metros da fábri- ca, quatro semanas de pós parto e licença de ama- mentação. As Associações de Classe De entre as várias associações de classe destacam- se, pelo poder reivindicativo e resultados obtidos, as ligadas à classe dos Corticeiros e à classe dos Ferroviários. Desde a década de 1890 que estas participam nos movimentos grevistas nacionais. As questões labo- rais e sociais são o fulcro da sua acção, combatendo as injustiças a que estava sujeito o operariado. Os contratos de trabalho, horários, salários, forma- ção, descanso, protecção na saúde eram na altu- ra os grandes temas de luta, que continuam, ainda hoje, cem anos depois, a ter uma grande actuali- dade, merecendo a nossa maior atenção e preocu- pação. A Revolução Republicana no Barreiro A noite de 3 de Outubro de 1910 e a madrugada do dia 4 foram muito movimentadas na nossa terra. Tendo como fontes o jornal Avante (20/10/1919) e o livro ” O Barreiro que eu vi” de Jorge Teixeira, aqui vos deixamos um breve relato dos aconteci- mentos. Segundo o jornal havia grande reboliço na rua e no início da madrugada o sino de Santa Cruz toca a rebate. A população acorre à rua, desfraldando a bandeira bicolor da república e dando vivas de en- tusiasmo. A multidão entra nos Paços do Concelho e, “…por entre aclamações de glória à República Portugue- sa…”, constituem ali, a Junta Revolucionária, has- teando a bandeira verde e vermelha. A Junta reúne de imediato e toma as medidas necessárias ao triunfo da revolução “…com o aplau- so unânime de todo o povo alvoratado…”. Ainda nesta madrugada, e de acordo com a mesma fon- te, são interrompidas as comunicações, “…são le- vantados os rails do Caminho de Ferro e cortadas as linhas telegráficas…os próprios vapores do mar fazem poucas e irregularíssimas carreiras para Lis- boa.” Na manhã de dia 4 a Junta continua reunida, as ruas repletas de gente, os serviços públicos encer- rados, as fábricas paradas. A noite é passada em sobressaltos, todos estavam ansiosos por saber o resultado da revolução, cujos tiros e bombardea- mentos se ouviam do lado de Lisboa. No dia 5 continuam todos alerta, não há jornais nem correspondência. As fábricas tocam a buzina, porém, nenhum operário comparece ao trabalho. Entretanto e citando o Avante “…a Junta, reunida nos Paços do Concelho, delega uma Comissão de que faz parte o Sr. José Luís da Costa, para ir no rebocador Vitória em missão a bordo do cruzador S. Rafael que içara a bandeira bicolor, a fim de lhes perguntar se precisariam de carvão ou mantimen- tos. São bem recebidos. O S. Rafael fornece-lhes alguns marinheiros e armamentos e enviam-nos a bordo do Adamastor, onde receberam uma comunicação para que em Vale de Zebro, o depósito de torpe- deiros, aderisse e fornecesse mais armas…aí se pro- duz uma ruidosa manifestação. Junta-se mais povo e todos em número grandioso se põem em marcha a caminho de Vale de Zebro. Era meio-dia.” Damos agora voz a Jorge Teixeira para descrever a situação vivida nesta escola de torpedeiros “…tor- nei a ver-me, entre o povoléu de mulheres resolu- tas e homens irados…a cantar A Portuguesa atrás da força de marinheiros do Vasco da Gama que Lis- boa Republicana mandara a submeter a guarnição da escola, refractária ao novo regime. No alto da estrada, fronteiro à escola, os marinheiros man- daram afastar o povo e dispuseram-se ao combate. O tenente que os comandava quis antes, parlamen- tar…Após meia hora de espera, de sofrimento, re- gressava compungido. Acabara de ver suicidar-se o colega comandante da escola. Esta rendia-se sem combate.” À tarde chega à Junta Revolucionária a notícia de que há problemas perto do Pinhal Novo com as tropas de cavalaria afectas à Monarquia. Então, o povo em alvoroço corre a armar-se e vai ao seu en- contro. A notícia do Triunfo da Revolução é recebida da for- ma que se segue e citando o Jornal Avante: “Muito a tempo regressa o Vitória, trazendo notícias de que a Revolução vingara, e estava implantada a República em Portugal. Há grande regozijo em toda a Vila. Estaleja no ar abundante fogueteria. Imediatamente vai o povo buscar a Filarmónica Marcial Capricho Barreirense e, com ela à frente e a bandeira do Centro Republicano desfraldada leva os marinheiros e o povo a percorrer as ruas…até aos Paços do Concelho…parece-me ouvir discursos entusiásticos pronunciados da janela para a rua. O povo ficara felizmente satisfeito com a realização do seu almejado ideal, e nós também que vimos despontar a hora em que as classes trabalhadoras vão principiar a trabalhar para elas, já que até aqui tinham trabalhado para a Burguesia Capitalista. E com este comentário nos fomos deitar satis- feitos, por não termos de perder mais uma noite sem dormir.”.

O Barreio e a Revolução Republicana

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A Revolução Republicana encontra na Margem Sul, nomeadamente no Barreiro, uma sociedade preparada e empenhada na realização dos ideais republicanos.

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Page 1: O Barreio e a Revolução Republicana

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O BARREIRO e a REVOLUÇÃO REPUBLICANAO Barreiro Operário e a Revolução

Republicana

A Revolução Republicana encontra na Margem Sul, nomeadamente no Barreiro, uma sociedade pre-parada e empenhada na realização dos ideais re-publicanos.A este empenhamento não é alheio o precoce des-tino industrial da vila, no todo nacional. O proces-so de industrialização dá origem a um desenvolvi-mento urbanístico e demográfico vertiginoso.Segundo o jornal Avante de 9 de Janeiro de 1910 a par de professores, médicos, advogados, engen-heiros e homens de letras, “não menos úteis do que aqueles, para aqui vieram também, de todo o lado, os trabalhadores de profissão diferenciada, operários da construção civil, da indústria, do co-mércio e outros ofícios. A todos eles se devem, na verdade, os progressos que aos poucos se foram verificando nesta terra. Pelo comboio chegam con-tinuamente centenas de trabalhadores vindos dos mais diversos lugares, mas com predomínio das Beiras, do Alentejo e do Algarve”.Por vagas, vinda de todo o País chega mão-de-obra que, nos Caminhos-de-ferro, nas Corticeiras e na Companhia União Fabril, procura realizar o sonho de um futuro melhor.No Barreiro, o salário a troco do trabalho manual na fábrica era a única fonte de rendimento destes trabalhadores. Surge, desta forma. Uma classe ope-rária que entre 1861 e 1911 atinge 44% da popu-lação activa.Os ferroviários e os corticeiros são os primeiros a criar associações de classe, mais tarde sindicatos, demonstrando uma capacidade organizativa e mo-bilizadora, uma clara consciência política da sua realidade económica, social, cultural, laboral e as-sistencial. E as lutas, então encetadas, reforçar-se-ão com o operariado da Companhia União Fabril.

Quadro: Crescimento do Número de Habitantes ee Fogos.

Anos Concelho Vila do Barreiro

Habitantes Fogos Habitantes Fogos

1890 5 436 1 423 3 682 9361911 12 203 2 612 8 355 1 776

O Barreiro Associativo

De meados do séc. XIX em diante no Barreiro as-siste à constituição de um número significativo de Associações de carácter diverso.Naturalmente, estes pontos de convívio e protecção dos associados desempenharam papel importante como redes de esclarecimento e organização reivin-dicativa.

In “Um Olhar sobre o Barreiro” nº. 1 – II Série, Junho/1989

As Associações Políticas

O Barreiro, pelas suas características industriais e urbanas relativamente ao todo nacional; pela com-posição social, na qual sobressai o operariado; pela proximidade à capital, absorve e difunde os ide-ais republicanos, socialistas, anarco-sindicalistas e maçónicos.Exemplos desta fervilhante actividade política são os Centros Republicanos e os Centros Socialistas.

Centros Republicanos

O Directório do Partido Republicano foi fundado em 1876. Entre os seus fundadores, destaca-se Teófilo Braga.A partir de 1880 passou a ser o partido mais forte da Oposição. Congregava intelectuais, comerciantes, industriais, profissionais liberais, funcionários e proletários urbanos. Defendia o fim da Monarquia e os ideais de progresso, liberdade e justiça.

Quadro dos Centros Republicanos no Barreiro

Centros Presidentes

Centro Escolar Republicano

“Dr. Estêvão de Vasconcelos”

Leandro Augusto de Cas-tro, Teodoro Luiz de Castro, Caetano Francisco da Silva, João Guilherme, João da Luz, Dr. Júlio Velez Caroço, José Teixeira de Sousa, João Ana-cleto da Silva, Joaquim Pedro Ferreira Júnior.

Centro Republicano Português José Luiz da Costa, Caetano Francisco da Silva

Centro Republicano Evolucio-nista do Barreiro

José João dos Santos, Miguel P. dos Santos.

Centro Republicano Unionista Manuel Marques de Oliveira, Joaquim da Silva Simplício

Centro Republicano Liberal Joaquim Vicente Lobo, Manu-el Afonso de Sousa.

Centro Republicano de Re-constituição Nacional

João dos Santos Firmo.

Centro Republicano Naciona-lista “Dr. António Granjo”

Manuel Afonso de Sousa.

Centro Radical “José Manuel Marmelada”

Custódio Joaquim.

In “Olhar sobre o Barreiro”, nº. 1 – II Série, Junho/1989

Os Centros Socialistas

Nos seus estatutos visavam cumprir os ideais dos movimentos socialistas internacionais, promoven-do a instrução das classes proletárias, auxiliando as associações de classe nas suas lutas.O primeiro centro foi fundado por Joaquim Marques, maquinista dos vapores do Sul e Sueste, em 1890.A este sucederam-se mais quatro: 1897, 1909, 1913, 1920.No 3º Centro Socialista, por iniciativa de Ladislau Batalha é fundado, em 1909, o Jornal “Avante”.É significativo que na inauguração do 3º Centro te-nham sido convidados para oradores uma costurei-ra, um canalizador de gás, um padeiro, um tipógrafo, um apontador e um jornalista.O Centro criou uma biblioteca de empréstimo domi-ciliário, designada “Livraria Popular” e na sua sede davam-se cursos de Desenho Industrial e Francês.Foi também iniciativa deste Centro a fundação da União Fraternal das Mulheres que defendia a mater-nidade, a criação de creches a 300 metros da fábri-ca, quatro semanas de pós parto e licença de ama-mentação.

As Associações de Classe

De entre as várias associações de classe destacam-se, pelo poder reivindicativo e resultados obtidos, as ligadas à classe dos Corticeiros e à classe dos Ferroviários.Desde a década de 1890 que estas participam nos movimentos grevistas nacionais. As questões labo-rais e sociais são o fulcro da sua acção, combatendo as injustiças a que estava sujeito o operariado.Os contratos de trabalho, horários, salários, forma-ção, descanso, protecção na saúde eram na altu-ra os grandes temas de luta, que continuam, ainda hoje, cem anos depois, a ter uma grande actuali-dade, merecendo a nossa maior atenção e preocu-pação.

A Revolução Republicana no Barreiro

A noite de 3 de Outubro de 1910 e a madrugada do dia 4 foram muito movimentadas na nossa terra.Tendo como fontes o jornal Avante (20/10/1919) e o livro ” O Barreiro que eu vi” de Jorge Teixeira, aqui vos deixamos um breve relato dos aconteci-mentos.

Segundo o jornal havia grande reboliço na rua e no início da madrugada o sino de Santa Cruz toca a rebate. A população acorre à rua, desfraldando a bandeira bicolor da república e dando vivas de en-tusiasmo.

A multidão entra nos Paços do Concelho e, “…por entre aclamações de glória à República Portugue-sa…”, constituem ali, a Junta Revolucionária, has-teando a bandeira verde e vermelha.

A Junta reúne de imediato e toma as medidas necessárias ao triunfo da revolução “…com o aplau-so unânime de todo o povo alvoratado…”. Ainda nesta madrugada, e de acordo com a mesma fon-te, são interrompidas as comunicações, “…são le-vantados os rails do Caminho de Ferro e cortadas as linhas telegráficas…os próprios vapores do mar fazem poucas e irregularíssimas carreiras para Lis-boa.”

Na manhã de dia 4 a Junta continua reunida, as ruas repletas de gente, os serviços públicos encer-rados, as fábricas paradas. A noite é passada em sobressaltos, todos estavam ansiosos por saber o resultado da revolução, cujos tiros e bombardea-mentos se ouviam do lado de Lisboa.

No dia 5 continuam todos alerta, não há jornais nem correspondência. As fábricas tocam a buzina, porém, nenhum operário comparece ao trabalho. Entretanto e citando o Avante “…a Junta, reunida nos Paços do Concelho, delega uma Comissão de que faz parte o Sr. José Luís da Costa, para ir no rebocador Vitória em missão a bordo do cruzador S. Rafael que içara a bandeira bicolor, a fim de lhes perguntar se precisariam de carvão ou mantimen-tos.

São bem recebidos. O S. Rafael fornece-lhes alguns marinheiros e armamentos e enviam-nos a bordo

do Adamastor, onde receberam uma comunicação para que em Vale de Zebro, o depósito de torpe-deiros, aderisse e fornecesse mais armas…aí se pro-duz uma ruidosa manifestação. Junta-se mais povo e todos em número grandioso se põem em marcha a caminho de Vale de Zebro. Era meio-dia.”

Damos agora voz a Jorge Teixeira para descrever a situação vivida nesta escola de torpedeiros “…tor-nei a ver-me, entre o povoléu de mulheres resolu-tas e homens irados…a cantar A Portuguesa atrás da força de marinheiros do Vasco da Gama que Lis-boa Republicana mandara a submeter a guarnição da escola, refractária ao novo regime. No alto da estrada, fronteiro à escola, os marinheiros man-daram afastar o povo e dispuseram-se ao combate. O tenente que os comandava quis antes, parlamen-tar…Após meia hora de espera, de sofrimento, re-gressava compungido. Acabara de ver suicidar-se o colega comandante da escola. Esta rendia-se sem combate.”

À tarde chega à Junta Revolucionária a notícia de que há problemas perto do Pinhal Novo com as tropas de cavalaria afectas à Monarquia. Então, o povo em alvoroço corre a armar-se e vai ao seu en-contro.

A notícia do Triunfo da Revolução é recebida da for-ma que se segue e citando o Jornal Avante: “Muito a tempo regressa o Vitória, trazendo notícias de que a Revolução vingara, e estava implantada a República em Portugal.

Há grande regozijo em toda a Vila. Estaleja no ar abundante fogueteria.

Imediatamente vai o povo buscar a Filarmónica Marcial Capricho Barreirense e, com ela à frente e a bandeira do Centro Republicano desfraldada leva os marinheiros e o povo a percorrer as ruas…até aos Paços do Concelho…parece-me ouvir discursos entusiásticos pronunciados da janela para a rua.

O povo ficara felizmente satisfeito com a realização do seu almejado ideal, e nós também que vimos despontar a hora em que as classes trabalhadoras vão principiar a trabalhar para elas, já que até aqui tinham trabalhado para a Burguesia Capitalista.

E com este comentário nos fomos deitar satis-feitos, por não termos de perder mais uma noite sem dormir.”.

Page 2: O Barreio e a Revolução Republicana

Dia 4 de Outubro de 1910e os 1ºs dias da República no Barreiro

4 de Outubro é o dia em que no Barreiro, no edifí-cio da Câmara Municipal é hasteada a bandeira re-publicana e constituída a Junta Revolucionária do Barreiro.

A Junta Revolucionária do Barreiro foi substituí-da pela Comissão Municipal Republicana (12/10 a 17/11/1910), formada pelos cidadãos: Manuel Marques de Oliveira (presidente), Leandro Augusto de Castro, Franklin Marques Firmino, João Gregório Ferreira e Armando Azevedo da Silva, vereadores.

Dec. 8/10/1910, Minist. Interior (Dr. António José de Almeida): «Hei-de por bem decretar que nos concelhos onde houver Câmaras Municipais Repu-blicanas, essas Câmaras sejam mantidas; naquelas onde não as houver, sejam substituídas as Câmaras existentes pelas Comissões Municipais electivas republicanas, e nos concelhos onde não houver es-sas Comissões, as Câmaras sejam indicadas pelo Povo.»

In“Um Olhar Sobre o Barreiro”

A 17 de Outubro é empossado Manuel Marques de Oliveira, o 1º. Administrador Local do Regime Re-publicano.

CRONOLOGIA DOS PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS (I REPÚBLICA)

INÍCIO DO SÉCULO XX - O Barreiro é uma terra progressiva, na margem do Tejo calmo e rico, frente à capital do império, interface ferroviária com o Sul desde 1861,com mais de uma dezena de importantes fábricas de cortiça, contando a partir de 1907 com o complexo químico da Companhia União Fabril.

1909 - Regista-se o primeiro movimento grevista no Barreiro, na fábrica de cortiça Herold, proprie-dade de alemães, contra a exportação de cortiça em bruto.

Nos princípios de Dezembro é publicado o primeiro número do jornal Avante!, editado pelo 3º Centro Socialista do Barreiro, fundado em Maio desse ano por Ladislau Batalha e sua mulher, Ernestina Cos-ta.

No dia 10 de Dezembro, realiza-se um comício de propaganda republicana, no Centro Dr. Estevão de Vasconcelos. Participam Cupertino Ribeiro e António José de Almeida.

1910 - Em Setembro, realiza-se uma greve de cor-ticeiros a nível nacional, contra a exportação da cor-tiça não transformada, com grande adesão a nível local e o apoio solidário dos descarregadores, dos ferroviários e dos operários da CUF, no que terá sido o seu primeiro movimento grevista.

Na madrugada do dia 4 de Outubro foi hasteada a bandeira bicolor republicana nos paços do Con-celho, sendo constituída a Junta Revolucionária do Barreiro, em antecipação aos acontecimentos históricos do dia seguinte em Lisboa.

No dia 5 paralisa a circulação ferroviária e fluvial, param as fábricas e oficinas, o povo está na rua entre vivas e foguetes. Viva a República!

Publicaram-se 25 números do Avante!, até Novem-bro de 1910, sempre com o ideário socialista, num período de grande euforia republicana e de forte

Junta Revolucionária do Barreiro(5 a 8 Out. 1910*)

Foto de João dos Santos Pimenta - Chalet Albers

Sentados: José Tavares Veloso, Joaquim Lopes Ferreira, José Luiz da Costa e Caetano Francisco da Silva.De pé: José Bento Esteves, Ricardo Rosa y Alberty e João dos Santos Pimenta.

adesão ao Partido Republicano Português.

1911 - Na fábrica Herold, onde chegam a trabalhar mais de 700 pessoas, os corticeiros fazem greve por melhores salários durante onze dias e saem vi-toriosos. Esta é verdadeiramente a primeira grande luta de carácter reivindicativo no Barreiro.

Os ferroviários, uma classe muito «republicaniza-da», desenvolvem uma greve nacional durante seis dias, por melhores retribuições e condições soci-ais. Os comboios paralisam em quase todo o país, com forte adesão na região Sul, e os trabalhadores conseguem obter a maioria das reivindicações. A primeira greve reivindicativa na CUF, é por me-lhores remunerações e contra as más condições de trabalho (têm jornadas duríssimas de 12e 14 ho-ras, ambientes de gasearias medonhas ). Ao fim de alguns dias de luta as exigências são parcialmente satisfeitas.

1912 - Apesar do esforço de desenvolvimento e descentralização da Instrução Primária, feito pelo Governo da República, a situação manteve-se muito deficitária na falta de salas de aula, devido ao fluxo migratório e à elevada taxa de natalidade. Ainda assim existe um índice de analfabetismo abaixo da média.

1914 - Criada em Novembro a Associação de Classe dos Ferroviários do Sul Sueste, por extinção da As-sociação dos Metalúrgicos fundada em 1903. Deno-tando uma crescente influência anarcosindicalista (havia três correntes políticas operárias: republi-canos, socialistas e sindicalistas libertários ), a Associação orientará a participação dos homens das ferro vias do Sul, nas greves rijas de 1914, que serão duramente reprimidas em Lisboa pelo poder republicano.

1915 - Publicado o primeiro jornal ferroviário bar-reirense, O Rail, fundado por Jerónimo de Paiva, que teve existência efémera. Aquele animador do sindi-calismo paralelo, estará ligado em 1919 ao Grémio Ferroviário do Sul e Sueste (amarelo), e acabará como dirigente do Sindicato Corporativo no tempo da ditadura do «Estado Novo».

1917 - Acentua-se a corrente sindicalista revo-lucionária na Associação dos Ferroviários, dirigida por Miguel Correia e António José Piloto. Em 1919, irá promover a edição do «Sul e Sueste», o seu órgão de imprensa, «…sem pretensões literárias, um jornal de combate e de solidariedade operária, um jornal das grandes lutas de classe».Publicar-se-á ininterruptamente até à proibição salazarista em 1933.

1918 -Nova greve dos ferroviários de âmbito na-cional, contra a carestia de vida e por melhores vencimentos, com grande apoio nos Caminhos de Ferro do Sul, devido à acção dinâmica dos dirigentes sindicais que percorrem toda a linha em acções de mobilização. O governo republicano manda uma vez mais reprimir violentamente com o Batalhão de Sa-padores e o célebre «vagão fantasma»,efectuando dezenas de prisões e despedimentos.

1919 - Novamente os ferroviários em greve, pe-los mesmos motivos nunca equacionados devida-mente pela República (salários, condições de tra-balho), mas também pela readmissão das dezenas de despedidos no ano anterior. Mais intimidações e pressões governamentais, mas uma vitória ao fim de 12 dias.

Em Julho é desencada uma grande greve na CUF, de protesto contra despedimentos arbitrários e pela aplicação da lei das 8 horas de trabalho diário, decretada pela República recentemente, e que Al-fredo da Silva não quer aplicar. O grande patrão impõe o «lock-out» (que a chamada «lei burla», também permitia) e manda avançar a repressão armada que faz dois mortos e muitos feridos. Com o apoio da sua Associação de Classe formada em Abril desse ano, os trabalhadores aguentam e evi-tam mais despedimentos, mas não conseguem as 8 horas!

1920 - Greve nacional de protesto contra o au-mento do pão, com forte adesão de corticeiros e ferroviários. A nível local, as mulheres e os jovens corticeiros lutam contra a discriminação salarial e saem parcialmente vitoriosos.

Os ferroviários voltam à luta rija e fazem greve du-rante 70 dias! pela desmilitarização da empresa es-tatal, sujeita à sanha do coronel Raul Esteves (fu-turo golpista no 28 de Maio), sempre que recorrem à paralisação. A luta acabará numa grande derrota que marcará profundamente os trabalhadores e a sua orientação radical.

O 5º Centro Socialista, último a ser fundado no Bar-reiro, integrando todos os que se encontravam de-siludidos com a governação republicana, esteve na base da espantosa vitória, a primeira no País, dos socialistas nas eleições municipais para a Câmara Municipal do Barreiro (1920-1922 ). 1921 - O « Sul e Sueste », informa que dois sindi-calistas, Leopoldo Calapez e Manuel D. Júnior, foram presos por possuírem exemplares do «Bandeira Vermelha», órgão da Federação Maximalista Por-tuguesa - uma das raízes da fundação nesse ano do Partido Comunista Português. Os ventos da Re-volução Russa de 1917 chegavam a Portugal e os trabalhadores barreirenses compreendiam a men-sagem.

No número 46 do «Sul e Sueste», de 1/8/1921, escreve-se: «Em dez meses, em pleno regime re-publicano, tem havido mais opressão e tirania do que em dezenas de anos de monarquia». Tal era o estado de ânimo da classe ferroviária e dos seus dirigentes.

1922 - Em Junho, os trabalhadores dos caminhos de ferro do Estado estão em festa com a inauguração da Casa dos Ferroviários, local de instrução e con-vívio das famílias ferroviárias. Passa a ser a sede do Sindicato do Pessoal dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste, criado no ano transacto na continuação da Associação respectiva, sobrevivendo durante a longa ditadura corporativa, até ser demolida, sem pena e com agravo, no início deste ano.

A atenção dada pelos sindicalistas libertários às questões da solidariedade e da educação e ins-trução, materializou-se sobretudo pela criação de escolas nos sindicatos, mas também pela difusão do Esperanto, a língua da fraternidade universal. O «Sul e Sueste» comunica em Outubro, que o Grupo

Ferroviário de Educação Social, decidiu fundar na sua sede uma escola de Esperanto.

1923 - A última greve dos ferroviários do Sul antes do golpe militar reaccionário, teve lugar no ano de 1923, durante três dias e novamente com violên-cia repressiva e acções de sabotagem como res-posta por parte doa trabalhadores. Mais uma vez foi detido o telegrafista Miguel Correia, dirigente do Sindicato e da CGT anarquista, e …«o maior agitador ferroviário que houve em Portugal».

Em plena República, a deficiente formação dos re-cursos humanos, continuava a constituir um dos obstáculos à industrialização do País. Agravada pela persistência de elevadas taxas de analfabetis-mo -cerca de 66% em 1926 - e pelo baixo nível do poder de compra da população, que permanecia maioritariamente rural e analfabeta.

1925 - Os corticeiros travam uma poderosa bata-lha por melhores salários, durante 42 dias, sem êxito! Como refere um cronista coevo, imagine-se os trabalhadores grevistas, depois de tantas privações,…«obrigados a vergar e a entrarem ao portão de cabeça baixa».

Na Companhia União Fabril são anos de grande expansão, proporcionada pela fusão do capital in-dustrial de Alfredo da Silva (entretanto exilado em Espanha, depois do apoio a Sidónio Pais em 1919) com o capital financeiro da Casa Bancária José Ro-drigues Totta. Cumpre-se assim a lei da concen-tração capitalista, com o beneplácito do regime re-publicano.

1926 - Quando surge o golpe militar reaccionário de 28 de Maio de 1926, o líder dos ferroviários do Sul negoceia um compromisso com os rebelados, prometendo-lhes a paralisação do tráfego normal e todas as facilidades para o transporte das tropas revoltosas. Terão os sindicalistas libertários pen-sado que a situação política republicana era tão má que para pior já não era possível mudar?

A CGT anarquista como a CIS de influência comu-nista (tal como o PCP a realizar o seu segundo con-gresso ), apressaram-se a condenar o golpe.

Esperanças vãs, desilusão amarga, terão sido os sentimentos dos ferroviários do Barreiro em rela-ção à ditadura militar, quando o «Sul e Sueste» ficou sujeito a censura prévia (como todos os jor-nais sindicais ) e Miguel Correia foi novamente pre-so em Setembro de 1926 e deportado para Moçambique, donde não mais voltaria.

“Mas celebrar a República - tal como o 25 de Abril - deverá transpor o domínio da retórica fácil das evocações nostálgicas. Portugal con-fronta-se, neste momento, com problemas de extrema gravidade nos sectores, da Justiça, da Saúde, da Educação, do Trabalho e da Segu-rança. Ou seja: nos fundamentos da Democracia e da República.”

In: António Valdemar, Editorial , Jornal nº1“O Centenario” ed, FNAC

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