O brinquedo em à arte, à arquitetura e ao design: o caso de Charles e Ray Eames

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    o brinquedo em meio à arte, à arquitetura e ao designo caso de Charles e Ray Eames

    À Fundação de Amparo à Pesquisa - FAPESP

    Relatório Científico Final - Pesquisa de Iniciação Científica

    Bolsista: Bruna Keese dos Santos

    Orientador: Prof. Dr. Agnaldo Aricê Caldas Farias

    agosto de 2012

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    introdução

    1˚ capítulo

    a importância do jogo e do brincaro brinquedo e a brincadeira no contexto sócio-culturalo brinquedo na educação

    2˚ capítuloos brinquedos educativos que influenciaram movimentos artísticosvanguardistas

    o olhar infantil e o brinquedo como parte da produção artística

    3˚ capítuloo escritório de Charles e Ray Eames e seus brinquedoslevantamento de brinquedos e obras relacionadas de Charles e Ray Eamestrês brinquedos

    4˚ capítuloum projeto práticoreferências no desenho do brinquedo educativoduas ideias de brinquedos educativosprocesso de desenvolvimento

    conslusão da etapa prática

    considerações finais

    notas e referências

    bibliografia

    5

    91315

    19

    24

    354051

    5961656974

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    observações sobre o relatório final

    As atividades realizadas no segundo semestre da pesquisa se concentraram na etapaprática, e em suas leituras específicas, e na elaboração do texto apresentado nesserelatório, que discorre acerca do conteúdo estudado durante todo ano. Além disso,participou-se do curso de extensão da Faculdade de Educação da Universidade de SãoPaulo, “A Formação do Educador Lúdico”, sob a responsabilidade da Profa. Dra.Tizuko Morchida Kishimoto.

    Com o objetivo de apresentar o conteúdo pesquisado de forma coerente ao trabalho,optou-se pela realização de um caderno ilustrado, no qual o texto é complementadopelas imagens levantadas durante a pesquisa.

    Além disso, considerando-se a relevância da etapa prática para o trabalho, o relatóriofoi estruturado e diagramado de modo que as imagens dos produtos práticos fossemexpostas com clareza e evidência e ao mesmo tempo embasadas pelo texto.

    O formato escolhido, menor que o padrão A4, reflete a intenção de expor de maneira

    clara e organizada todos os âmbitos do trabalho, de forma que a pesquisa teórica, olevantamento de brinquedos, o levantamento de imagens e a etapa prática pudessemse complementar mutuamente. Além disso, o formato justifica-se pela intenção de seimprimir o produto final. A diagramação propõe um diálogo com o próprio tema,criando um caderno de fácil manipulação e com um jogo dinâmico entre imagens etextos.

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    resumo

    O foco da seguinte pesquisa constitui o estudo dos brinquedos educativos projetadospelo casal de designers norte-americano Charles e Ray Eames. O casal tem extremaimportância no panorama do design americano e mundial do século XX e, apesar

    de suas obras mais conhecidas e comentadas serem os mobiliários, eles tiveramuma ampla atuação, produzindo móveis, projetos arquitetônicos, projetos dedesign gráfico, exibições, palestras, filmes e brinquedos. Embora pouco estudado,o brinquedo tem grande importância como elemento cultural e social e, no casoparticular dos brinquedos educativos de Charles e Ray Eames, possui estreitasrelações com a arte, arquitetura e, naturalmente, com o design que eles praticavam.Assim, além de repassar algumas teorias acerca do valor do brinquedo, suaspotencialidades pedagógicas e suas relações com movimentos artísticos, esse estudopropõe-se a levantar e analisar os brinquedos educativos projetados pela dupla de

    designers, evidenciando suas relações com seus outros trabalhos, com o método deprodução utilizado em seu escritório e, ainda, com sua concepção de design. Além dapesquisa teórica, o trabalho conta com uma fase prática, na qual estuda-se o desenhode brinquedos educativos de maneira experimental, propondo-se dois projetos.

    introdução

    Partindo dos elementos centrais do trabalho, os brinquedos educativos criados pelocasal de designers Charles e Ray Eames, considerou-se como recorte as relações entrebrinquedo, arte, arquitetura e design. Para tanto, foi necessário entrar em contatocom uma série de disciplinas que, por um lado, justificavam a relevância do tema epor outro permitem sua compreensão. Embora as abordagens partissem de pontos devista divergentes e caminhassem para objetivos distintos, todas elas giravam em tornodo ponto de gravidade formado pelo brinquedo. Ainda que de extrema importânciapara a pesquisa, as referências que extrapolam o campo da arte e da arquitetura, noqual essa pesquisa se insere, foram estudadas de modo sumário, tendo em mente ofoco do trabalho.

    O objetivo principal da pesquisa é investigar os possíveis pontos de convergência entreo brinquedo e os movimentos artísticos a partir do caso específico dos brinquedosproduzidos pelo casal Eames. Além disso, evidencia-se o valor do brinquedo como

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    elemento sócio-cultural e pedagógico e do próprio brincar em si, que, por sua vez,conecta-se à noção de processo criativo.

    O primeiro capítulo dedica-se à importância do jogo e do brincar, a partir de análisesteóricas de nomes de campos como a filosofia, a antropologia e a psicologia. Ademais,

    de modo a aproximar-se do foco do trabalho, pesquisa-se a respeito do brinquedocomo elemento educativo, apontando seu potencial pedagógico. Nomes como JohanHuizinga, Walter Benjamin, Friedrich Fröbel, entre outros, consolidam a base doreferente capítulo, que tem como finalidade analisar diferentes teorias acerca do valordo brinquedo.

    O segundo capítulo, por sua vez, analisa pontos de conexão entre o brinquedo emovimentos artísticos. Além de apontar exemplos de preceitos pedagógicos ebrinquedos educativos que influenciaram diferentes artistas, o capítulo discorre,

    brevemente, a respeito da influência da arte infantil no processo criativo de artistasmodernos. Em seguida, cita-se uma série de exemplos de nomes do campo artísticoque se dedicaram à criação de brinquedos, evidenciando a relação desses elementoscom o restante de suas produções. Porém, os exemplos não são análises aprofundadasde tal relações, uma vez que eles têm o intuito de ilustrar o tema, apontando parapossíveis caminhos em pesquisas posteriores.

    O terceiro capítulo alcança o foco da pesquisa. Após análises do valor do brinquedo,de suas funções educativas e de suas relações com movimentos artísticos, feitas

    nos capítulos anteriores, é possível encontrar o elemento central do trabalho: osbrinquedos educativos de Charles e Ray Eames. Em um primeiro momento, faz-seum breve histórico da trajetória desses profissionais, descrevendo suas formações emétodos de produção. Assim, relaciona-se a criação de brinquedos com o restante desua obra, seu processo produtivo e sua concepção de design. Em seguida, apresenta-se um levantamento de todos os brinquedos e obras relacionadas (filmes cujo temacentral são os brinquedos, móveis infantis, entre outros) de Charles e Ray Eames. Olevantamento conta com uma breve descrição de cada obra e imagens. Por fim, elege-se três brinquedos do casal, tidos como os mais significativos, que são analisados

    de modo mais aprofundado, relacionando-os com teorias discutidas no restante dapesquisa. O objetivo é analisar três dos brinquedos levantados a partir dos preceitosestudados e relacioná-los com o contexto no qual foram desenvolvidos.

    O quarto e último capítulo é reservado à etapa prática da pesquisa. Consideradade extrema importância para o presente estudo, a etapa prática tem como objetivo

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    investigar questões acerca do brinquedo educativo partindo de outra perspectiva.Com base em leituras específicas sobre o desenho de brinquedos educativos, foramfeitas uma série de experimentações que resultaram em dois protótipos de estudo. Aintenção da etapa prática, no entanto, não era apresentar um resultado fechado e simampliar a discussão presente na pesquisa. Além disso, foi de extrema importância

    observar de que maneira a formação em andamento na Faculdade de Arquitetura eUrbanismo pode influenciar na criação dos brinquedos e, inversamente, como essaexperiência pode enriquecer o estudo acadêmico.

    Assim, a pesquisa conforma duas etapas que se complementam na compreensãoda relevância do brinquedo educativo em meio à arte, à arquitetura e ao design.Considerando-se a todo momento os elementos centrais do estudo, os brinquedos deCharles e Ray Eames, investiga-se diferentes abordagens acerca do tema, caminhando-se em direção de uma análise que percebe os brinquedos como pontos centrais no

    trabalho da dupla.

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    01. 2˚ dom de Fröbel, (cada elemento emmdeira possuia elementos metálicos internosque permitiam sua rotação e balanço.Produzido por J. W. Schermerhorn & Co.,New York, c. 1870.

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    No presente capítulo pretende-se discorrer, sumariamente, a respeito de teorias queversam, a partir de diferentes abordagens, a relevância do jogo, do brincar e dobrinquedo1. Enumera-se diversos nomes que se debruçaram sobre o tema, dividindo-

    os segundo seus respectivos focos de pesquisa.Partindo de análises mais abrangentes que tratam a importância do jogar no contextosócio-cultural, caminha-se para o valor do brinquedo em si, elemento central dessapesquisa. Para tanto, estuda-se o lugar do brincar em campos como a psicologia ea pedagogia, alcançando-se as características principais dos brinquedos educativos.

    É importante ressaltar que o foco da pesquisa não é uma análise teórica acerca dobrinquedo educativo e sim suas relações com movimentos artísticos e arquitetônicosa partir de brinquedos específicos produzidos por Charles e Ray Eames. Porém,considerou-se de extrema importância pesquisar tais conceitos, ainda que coma profundidade permitida pelo distância às diferentes disciplinas (antropologia,psicologia, pedagogia, entre outras) e pelo tempo de pesquisa, de forma a embasar otrabalho e a análise de seus elementos centrais.

    a importância do jogo e do brincar

    “Brincar, essencialmente, satisfaz”2.

    Os primeiros escritos teóricos ocidentais que abordam a questão da importância dojogo como elemento sócio-cultural datam do século XVIII. Embora teorias anteriorescitem o tema, é a partir dessa data que o jogo é tratado dentro de um sentido moderno,que diferencia trabalho e prazer3.

    Segundo Medea Hoch, em seu texto “Toys and Art. Interdependency in the ModernAge [Brinquedos e Arte. Interdependência da Era Moderna]”, o filósofo ImmanuelKant (1724 – 1804) definiu o jogo em contraste com o trabalho em seus escritos

    intitulados “Über Pädagogik [Da Pegadogia]” (1776 – 77), no qual alega que o jogodeve perseguir, exclusivamente, o prazer, sem outros propósitos4. Poucos anos emseguida, Friedrich Schiller (1759 – 1805), poeta, historiador e filósofo alemão, emsua obra A Educação Estética do Homem numa série de cartas (1794), aprofunda otema, afirmando que “o homem joga somente quando é homem no pleno sentido dapalavra, e somente é homem quando joga”5. O autor alega, justificando-se diante da

    1˚ capítulo

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    ideia comum de que o jogo é um mero exercício não sério, que “de todos os estadosdo homem, é o jogo e somente ele que o torna completo e desdobra de uma só vez suanatureza dupla”6. Em seus escritos, Schiller atinge a questão do jogo com o intuitode relacioná-lo à estética e constrói o discurso de que a arte é o objeto do impulsolúdico. A relevância do autor para com o tema é considerável, uma vez que ele é o

    primeiro teórico ocidental a exaltar o valor do jogo, definindo-o como a essência danatureza humana7.

    Pouco menos de cento e cinqüenta anos depois, Johan Huizinga (1872-1945) ampliaainda mais o conceito de Schiller de que o jogo é essencial à existência humana.Professor e historiador neerlandês, publicou em 1938 o livro Homo Ludens , no qualprocura integrar o conceito de jogo no de cultura. Embora outros nomes tenham sereverenciado à importância do jogo no período entre Schiller e Huizinga eles serãocitados mais adiante, possibilitando o agrupamento de pontos de vista, uma vez

    que tratam-se de focos mais específicos. A relevância e abrangência dos escritos deHuizinga, no entanto, permitem uma análise mais extensa de sua obra, que serviucomo base estruturadora e referência principal para o entendimento do valor do jogoe suas características para presente pesquisa.

    Estudando o jogo em uma perspectiva histórica, como fenômeno cultural, o autorestrutura sua forte convicção de que “é no jogo e pelo jogo que a civilização surge ese desenvolve”8. Huizinga não define o lugar do jogo entre as diversas manifestaçõesculturais mas sim determina até que ponto a própria cultura possuí um caráter lúdico.

    No primeiro capítulo de Homo Ludens, “Natureza e significado do jogo comofenômeno cultural”, Huizinga estabelece alguns parâmetros que guiaram sua análise.Inicialmente, aponta para o fato de que o jogo ultrapassa a esfera humana sendo,portanto, mais antigo que a própria cultura. Reconhecendo esse princípio, de queos animais brincam como homens, outras teorias procuram explicar o jogo atravésde uma finalidade biológica, como uma atividade com funções específicas. Segundoo autor, essas teorias, porém, deixam de lado a intensidade do jogo e seu poder defascinação.

    E, contudo, é nessa intensidade, nessa fascinação, nessa capacidade deexcitar que reside a própria essência e a característica primordial do jogo.O mais simples raciocínio nos indica que a natureza poderia igualmente teroferecido a suas criaturas todas essas úteis funções de descarga de energiaexcessiva, de distensão após um esforço, de preparação para feitos etc., sob

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    a forma de exercícios e reações puramente mecânicos. Mas não, ela nosdeu a tensão, a alegria e o divertimento do jogo.9

    Quanto a relação entre jogo e estética, base da análise de Schiller, o autor evidenciaque, embora a beleza não seja atributo inseparável do jogo enquanto tal, este temtendência a assumir acentuados elementos estéticos. Em muitas formas de jogo épossível perceber a grande presença da graça, da harmonia e do ritmo.

    A partir da afirmação de que o jogo não pode ser definido exatamente em termoslógicos, biológicos ou estéticos, Huizinga indica a necessidade de limitar suascaracterísticas. Uma das características fundamentais do jogo é o fato de ser umaatividade voluntária e, portanto, possuir um caráter de liberdade. Outra importantecaracterística, intimamente ligada ao fato de ser livre, é que o jogo se dá fora da vidareal, constituindo um intervalo do cotidiano, com limites de tempo e espaço. “O jogotrata-se de uma evasão da vida real, para uma esfera temporária de atividade comorientação própria”10. Todos os lugares reservados ao jogo são “mundos temporáriosdentro de um mundo habitual, dedicados à prática de uma atividade especial”11.Outras características levantadas por Huizinga são: a ordem, garantida muitas vezespor regras, a presença do mistério e do segredo e a instabilidade, uma vez que aqualquer momento um impacto exterior do mundo real pode invadir o espaço dojogo.

    Em sua obra, Huizinga identifica a presença do fator lúdico em diferentes processos

    culturais de diversas épocas. Seu objetivo é demonstrar que a cultura “surge no jogo,e enquanto jogo, para nunca mais perder esse caráter”12. Além de localizar o caráterlúdico no Direito, na Guerra, na Filosofia, na Política, na Poesia, na Filosofia e naArte, o autor discute sua presença na cultura contemporânea, concluindo que oelemento lúdico na cultura se encontra em decadência desde o século XVIII. Por fim,Huizinga afirma:

    a verdadeira civilização não pode existir sem um certo elemento lúdico,porque a civilização implica a limitação e o domínio de si próprio, a

    capacidade de não tomar suas próprias tendências pelo fim último dahumanidade, compreendendo que se está encerrado dentro de certoslimites livremente aceites.13

    A análise de Huizinga é, portanto, de extrema importância para a compreensão dovalor do jogo, uma vez que estabelece laços estreitos não apenas entre o elemento

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    lúdico e inúmeras manifestações culturais de diferentes épocas, como à construção dacivilização em si. Considerando-se tal análise base estruturadora para o entendimentoda importância do jogo, estuda-se outras abordagens ao tema, organizadas a partirde seus pontos de vista.

    A relevância do jogo é, diversas vezes, evidenciada no campo da psicologia. Um dosprimeiros psicólogos a apontar a importância dessa atividade foi Karl Groos (1861-1946). A partir de uma abordagem biológica ele estuda e compara as brincadeirase jogos dos animais e dos humanos, concluindo que o jogo possui um importantepapel no desenvolvimento da inteligência14. Essa atividade constitui, segundo oautor, uma preparação para a vida adulta, desenvolvendo habilidades e competênciasfundamentais.

    Influenciado por Groos, Sigmund Freud (1853 – 1939) escreve em diversas obrasa respeito do papel central do jogo na natureza humana. Segundo Liane Lefaivre,co-autora da obra Ground-up city: Play as a Design Tool, Freud, em seus escritosintitulados “O papel do jogo e o sonhar acordado na imaginação poética” (The Roleof Play and Daydreaming in the Poetic Imagination), de 1908, afirma “que o jogoinfantil é a fonte do pensar criativo no adulto”15.

    Assim como Freud, o psicanalista Donald Winnicott (1896 – 1971) acreditava nacapacidade de criação presente no jogo. Segundo ele, “é no brincar, e talvez apenas nobrincar, que a criança ou o adulto fruem sua liberdade de criação” 16. Tendo dedicado

    grande parte de seus estudos à criança, Winnicott escreve, em 1971, o livro O Brincare a Realidade, no qual localiza o brincar no campo da psicanálise. O autor descreveo brincar como uma atividade na qual a criança penetra um estado de “quasealheamento, aparentado à concentração das crianças mais velhas e dos adultos” 17.Além disso, assim como Huizinga, ele afirma que o brincar possui um lugar e umtempo definido. Winnicott chama atenção para a importância da experiência presenteno ato de brincar que, segundo ele, é, em si, uma terapia: “a característica essencialdo que desejo comunicar refere-se ao brincar como uma experiência, sempre umaexperiência criativa, uma experiência na continuidade espaço-tempo, uma forma

    básica de viver”18.

    As teorias citadas acima exemplificam diferentes abordagens que consideram o jogoe o brincar como uma atividade de extrema relevância. Embora tais análises sejamfeitas de pontos de vistas diferentes, abrangendo mais ou menos a questão, todas elasevidenciam o valor da experiência lúdica. De modo a aproximar-se mais do objeto

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    central da presente pesquisa estuda-se, num segundo momento, teorias que envolvemo elemento brinquedo em si, a partir de suas funções sócio-culturais.

    o brinquedo e a brincadeira no contexto sócio-cultural

    Com um enfoque centralizado no valor do brinquedo, e da brincadeira, e em seufuncionamento social e simbólico, Gilles Brougère escreve, já no século XXI, o livroBrinquedo e Cultura. Antropólogo e filósofo francês, o autor é pesquisador na área debrinquedos e jogos e suas relações com a pedagogia. Na obra citada, Brougère analisao brinquedo e a brincadeira a partir uma perspectiva sócio-cultural, considerando-oum produto de uma sociedade dotada de traços culturais específicos.

    Por um lado, o brinquedo merece ser estudado por si mesmo, transformando-se em objeto importante naquilo que se revela de uma cultura. De outrolado, antes de ter efeitos sobre o desenvolvimento infantil, é preciso aceitaro fato de que ele está inserido em um sistema social e suporta funçõessociais que lhe conferem razão de ser.19

    Além disso, segundo o autor, o brinquedo é rico em significados que permitemcompreender determinada sociedade e cultura, uma vez que ele remete a elementoslegíveis do real ou do imaginário das crianças. O fato do brinquedo revelar diversosaspectos da sociedade na qual ele está inserido já havia sido evidenciado por Walter

    Benjamin (1892 – 1940) em muitos de seus escritos. Colecionador de livros infantise com interesse especial pelos aspectos culturais e históricos do brinquedo, Benjaminescreve diversos textos sobre o tema, reunidos no livro Reflexões sobre a criança,o brinquedo e a educação. No texto “Brinquedos e Jogos – Observações marginaissobre uma obra monumental”, de 1928, o autor chama atenção para o fato de que “obrinquedo é condicionado pela cultura econômica e, muito em especial, pela culturatécnica das coletividades”20, revelando que, a partir da técnica, um traço característicode toda arte popular pode ser nitidamente acompanhado no brinquedo.

    Nesse sentido, Benjamin explicita em outro de seus textos, “História Cultural doBrinquedo”, de mesmo ano, que não é possível compreender plenamente o conceitodo brinquedo somente a partir do espírito infantil, uma vez que as crianças fazem partede uma sociedade, de um povo, de uma classe, e não constituem uma comunidadeisolada. O autor, então, conclui: “da mesma forma, os seus brinquedos não dão

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    testemunho de uma vida autônoma e segregada, mas são um mudo diálogo de sinaisentre a criança e o povo”21.

    Segundo Brougère, a socialização da criança pressupõe a apropriação de uma culturae isso se dá através da confrontação com imagens, com representações, com formasdiversas e variadas22. E é através dessas imagens que a criança vai ser capaz de seexpressar, sendo o brinquedo uma das diversas fontes de representação. A brincadeira,por sua vez, “trata-se de um processo dinâmico de inserção cultural sendo, ao mesmotempo, imersão em conteúdos preexistentes e apropriação ativa”23.

    A relação ativa introduzida pela criança é, segundo Brougère, a especificidadedo brinquedo quando comparado a outros suportes culturais. Muitas vezes, asmanipulações infantis anulam significações anteriores de um brinquedo, dando lugara interesses profundamente enraizados na vida cotidiana da criança. Essa impregnaçãocultural por meio do brinquedo não se trata, porém, de um condicionamento. “Aaprendizagem é ativa no sentido de que não se submete às imagens, mas aprende amanipulá-las, transformá-las, e até mesmo, praticamente, a negá-las”24.

    O mesmo raciocínio pode ser encontrado no texto já citado acima, “HistóriaCultural do Brinquedo” , de Benjamin. Segundo o autor, não se deve acreditar que abrincadeira da criança é determinada pelo conteúdo imaginário do brinquedo, maspelo contrário, a imaginação da criança é o que determina a brincadeira. Benjaminprossegue observando que os brinquedos ganham em autenticidade a medida que se

    afastam do mundo dos adultos, “pois quanto mais atraentes, no sentido corrente,são os brinquedos, mais se distanciam dos instrumentos de brincar; quanto maisilimitadamente a imitação se manifesta neles, tanto mais se desviam da brincadeiraviva”25.

    O autor finaliza seu raciocínio a respeito da inserção do lúdico no cotidiano com aseguinte pergunta: “Mas quando um poeta moderno diz que para cada um existeuma imagem em cuja contemplação o mundo inteiro submerge, para quantas pessoasessa imagem não se levanta de uma velha caixa de brinquedos?”26.

    A partir das referências citadas, observa-se que o brinquedo constitui um elemento queagrega diversos aspectos sócio-culturais. Através dele é possível compreender traçosde uma determinada comunidade, além de servir como suporte de comunicação entrea criança e o mundo ao seu redor. A partir de um determinado momento, o brinquedopassa a ser valorizado também como um elemento educativo para, em meados doséculo XIX, ser de fato utilizado como material pedagógico.

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    o brinquedo na educação

    Muitos teóricos reconheceram o valor educativo do jogo e do brinquedo. No texto“Fröbel e a Concepção do Jogo Infantil” (2008), a pedagoga Tizuko Kishimoto cita,de forma cronológica, nomes que investigaram a relevância do jogo na pedagogia.Segundo a autora, Platão já havia destacado a importância de aprender brincando,

    “em oposição à utilização de violência e repressão”27. Tizuko afirma que o uso dojogo para favorecer o ensino de conteúdos escolares, aparece com o Renascimento,época na qual a brincadeira é vista como conduta livre, favorecendo o aprendizado.

    O novo conceito de infância que começa a constituir-se no Renascimento, no qual,segundo Tizuko, a criança agrega um valor positivo, expressado espontaneamenteatravés do jogo, é ampliado com os movimentos Iluminista e Romântico. Forteinfluência no campo da educação, Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) foiresponsável por traduzir conceitos iluministas para o âmbito da pedagogia, buscando

    estruturar a base de uma nova sociedade. Em 1762 publica a obra Emílio, ou DaEducação, na qual delimita conceitos de educação, afirmando que o ensino não deveimpor conhecimento e sim estimular e cultivar faculdades inerentes28.

    03. Dons lineares: 8˚ (gravetos coloridos), 9˚(anéis metálicos), 16˚ (palitos conectados portachinhas). Produzidos por Milton Bradley Co.,Springfield, Massachusetts, c. 1880-1900.

    02. 7˚ dom de Fröbel (papéis geométricos paracolagens). Produzido por Milton Bradley Co.,Springfield, Massachusetts, c. 1870.

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    Os conceitos de Rousseau foram concretizados através do pedagogo suíço HeinrichPestalozzi (1746 – 1827) e sua concepção de educação sensorial. Pestalozzi criouum novo método de educação que influenciou movimentos pedagógicos no mundotodo. Em oposição às vertentes tradicionais com aulas intermináveis e avaliaçõesobjetivas, o educador apostou em uma pedagogia na qual a criança tivesse uma

    participação ativa, encorajando a curiosidade natural e as experiências particularesde cada aluno29. No texto “Pestalozzi em Yverdon” (1932), Walter Benjamin escreveuma resenha crítica a respeito de uma obra dedicada ao instituto educacional dePestalozzi, o Instituto Yverdon. Com extremo apreço tanto à obra como ao educador,reconhecendo seu valor para pedagogia, Benjamin escreve:

    O que ele dava para as crianças, sem as quais não podia viver, não era seuexemplo, mas sim a sua mão: a mão estendida, para falar com uma de suasexpressões favoritas. Essa mão estava sempre pronta, seja quando ajudava

    em um jogo ou trabalho, seja quando acariciava de repente a fronte de umacriança que passava.30

    Heinrich Pestalozzi foi a maior influência de Friedrich Fröbel (1782 – 1852), educadoralemão e o primeiro a inserir de fato o jogo como parte essencial do trabalhopedagógico. Idealizador do conceito de Jardim de Infância (Kindergarten), estagiouno Instituto Yverdon, onde pode assimilar conceitos difundidos por Pestalozzi. Emsua obra, A Educação do Homem (1826), Fröbel aponta para a importância dos jogosque “devem ser o descobrimento da faculdade vital, do impulso da vida, produtos da

    plenitude da vida, da alegria de viver que existe nos meninos”31. Para Fröbel, o jogotem o caráter essencial explicitado por Huizinga, ou até mesmo por Winnicott, sendoassim a forma mais pura da atividade intelectual da criança, sua linguagem vital. Abrincadeira é igualmente relevante. De acordo com Fröbel, “brincar é a fase maisimportante da infância (...) por ser a auto-ativa representação do interno (...) o brincarem qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação”32.

    Partindo de uma filosofia educacional baseada no uso de jogos infantis, Fröbel define ametodologia dos “Dons e Ocupações” (Spielgaben und Beschäftigungsmittel). Os dons 

    constituíam objetos lúdicos como bolas, blocos geométricos, varetas e as ocupações diferentes exercícios artesanais. Embora muitos autores proponham uma distinçãoclara e rígida entre os dons e as ocupações, Norman Brosterman em seu livro InventingKingergarten , afirma que Fröbel não enfatizava essa separação, tratando-os comomateriais complementares que, juntos, somam cerca de vinte atividades diferentes.

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    “Fröbel propõe que cada dom seja estudado em três aspectos: como forma de vida(objetos do mundo natural), como forma de beleza (formas estéticas, de simetria) ecomo forma de conhecimento (conceitos de Matemática, de Geometria)”33. Os donse ocupações eram introduzidos a partir dos dois meses de idade e sua complexidadeaumentava a medida que a criança crescia, sendo a seqüência concluída aos seis

    anos de idade. Além disso, o sistema progredia do sólido ao ponto, passando pelalinha e pelo plano, e em seguida fazia o caminho inverso, através de estruturastridimensionais. O objetivo era que a criança apreendesse as diferentes formas e suasrelações, articulando-as entre si e com o espaço a sua volta, compreendido a partirdesse diálogo.

    Através desse material, tecnicamente simples, Fröbel cria um rico repertório, coma qual a criança era capaz de investigar, interagir, criar e se expressar. Seu métododidático inovador inspirou uma série de educadores, como Maria Montessori (1870

    – 1952), que ficou conhecida por ampliar o uso de jogos e brinquedos para aplicaçõesdo aprendizado matemático, através do chamado Material Dourado. Além disso,os dons e ocupações de Fröbel influenciaram a produção de inúmeros brinquedoseducativos, tangenciando a formação de crianças até os dias de hoje.

     04. Blocos construitvos do 4˚ (inferior) e 6˚(superior) dons de Fröbel. Produzidos por J.W. Schermerhorn & Co., New York e MiltonBradley Co., Springfield, Massachusetts,c.1880-1900.

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    01. Cidade Brinquedo, Lyonel Feininger, 1925-55.

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    O presente capítulo tem como objetivo apresentar alguns pontos de relação entre obrinquedo, a arte e a arquitetura. Em um primeiro momento descreve-se brevementeos brinquedos educativos que influenciaram movimentos artísticos vanguardistas,

    uma vez que fizeram parte da formação de diversos artistas e arquitetos. Em seguida,discorre-se, ainda que sumariamente, a respeito do olhar infantil na produçãoartística e por fim, enumera-se artistas e arquitetos que se dedicaram à produção debrinquedos, relacionando-os ao restante de suas obras.

    Considerando-se que o lugar do brincar na arte e na arquitetura trata-se de umtema amplo, o capítulo tem como foco os brinquedos produzidos por artistas demovimentos vanguardistas que foram influenciados por preceitos pedagógicos ebrinquedos educativos analisados anteriormente. A partir desse ponto de vista,

    elegeu-se os exemplos tidos como mais significativos.

    os brinquedos educativos que influenciaram movimentos artísticosvanguardistas

    O material didático proposto por Fröbel, difundido por seus seguidores e ampliadopor outros educadores que apostaram no uso do jogo para fins educativos, inspirouuma série de brinquedos e jogos educativos comercializados em grande escala.

    Diversos teóricos, como Norman Brosterman e Juan Bordes, apontam para ideiade que esses brinquedos, e o sistema educacional que os difundiu, influenciarammovimentos vanguardistas, artísticos e arquitetônicos de forma estrutural.

    De modo a exemplificar alguns dos brinquedos em questão propõe-se uma divisãoem dois grandes grupos, baseada na classificação indicada por Bordes em seu texto“Building the Avant-garde through Play: Nineteenth-century Commercial Toysderived from Educational Programms”, (2010).

    O primeiro grande grupo engloba brinquedos de caráter bidimensional comodiagramas de pontos, mosaicos e caixas com diferentes formas a partir das quaiscriavam-se desenhos. São brinquedos derivados de alguns dos dons de Fröbel (comoo 7˚, 8˚, 9˚ e 14˚), e constituídos de elementos geométricos diversos e coloridos,que permitiam uma série de composições bidimensionais. Os desenhos podiam tantoseguir sugestões pré-estabelecidas ou ser criações novas e inusitadas, dando liberdade

    2˚ capítulo

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    à criança. Segundo Brosterman, através desses brinquedos ensina-se não apenaspercepção visual, relações entre parte e todo e conceitos de geometria básica, como“a viabilidade de abstração e fragmentação na criação de figuras, desenvolvendo ummodo de percepção totalmente novo”1.

    Ao segundo grande grupo pertencem os brinquedos construtivos ou as chamadas

    “caixas arquitetônicas”2. Pestalozzi já apontava para o potencial educativo dessestipos de brinquedos, que estimulam o impulso construtivo presente na infância.Blocos de construir foram usados em diversos sistemas pedagógicos, tanto para acriação de formas como para o raciocínio matemático, como era o caso do materialdesenvolvido por Maria Montessori. Segundo Bordes, as influências dos dons deFröbel (3˚ ao 6˚) impulsionaram uma produção de grande escala de brinquedosconstrutivos a partir da segunda metade do século XIX3. Os brinquedos apresentadosnesse grupo, acrescentam a materialidade da terceira dimensão, estimulando relações

    entre as diferentes partes que compõe o volume, além de repassar conceitos deequilíbrio, simetria e decomposição formal, a partir de sólidos geométricos básicos.Além disso, com “o uso de tábuas, pauzinhos e anéis (...) trabalho com ervilhas emodelagem, os poderes artísticos do homem são postos na brincadeira e ligam entresi o arquiteto, pintor, desenhista e escultor”4.

    Segundo Brosterman, a primeira geração a entrar em contato com muitos dessesbrinquedos, a partir da pedagogia fröbeliana, era constituída de nomes que anos maistarde seriam reconhecidos no campo da arte e arquitetura modernas. O autor afirma

    que Piet Mondrian (1872 – 1944), Paul Klee (1879 – 1940), Wassily Kandinsky(1866 – 1944), Frank Lloyd Wrigh (1876 – 1959), Le Corbusier (1887 – 1965), entreoutros, foram educados em kindergarten, onde tiveram a oportunidade de se exercitarcom os dons de Fröbel. Embora tal afirmação seja mais certa para alguns nomes doque para outros, Brosterman, assim como Bordes, acredita que os brinquedos citadosacima formaram uma base para o movimento vanguardista, através de “um cursointrodutório dos mecanismos de arte e arquitetura”5.

    Dentre os exemplo citados acima, o arquiteto Frank Lloyd Wright é quem estabeleceu

    a conexão mais clara entre o método didático de sua educação infantil e o seudesenvolvimento profissional. Além dos escritos do próprio arquiteto, contidos noslivros A Testament (1957) e An Autobiography (1943), que descrevem elementos doensino dos kindergarten decisivos para sua formação, o livro Frank Lloyd Wright –Graphic Artist (2002), de Penny Flower, traça paralelos entre a pedagogia fröbeliana

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    e aspectos das obras de Wright.

    Flower discorre a respeito de como Anna e William Wright, pais de Frank LloydWrigth, foram apresentados à pedagogia de Fröbel, em 1876, e entraram em contatocom os conceitos revolucionários do pedagogo, assim como seus dons e ocupações,descritos anteriormente. Anna realizou um treinamento para professoras e FrankLloyd iniciou seus estudos em um escola kindergarten. Durante sua vida, Frank LloydWrigth reconheceu a profunda influência da pedagogia apreendida por sua mãe emsua sensibilidade para o design. Segundo Flower, o contato de Wrigth com os jogoseducativos de Fröbel, o permitiu explorar figuras básicas, aflorando no arquitetouma capacidade de interpretar formas naturais como composições geométricas. “(...)Minha mãe encontrou os dons. E dons eles eram. Junto com os dons estava o sistema,como uma base de design e geometria elementar por trás de todas as formas”6.

    Durante seus primeiros anos da infância, Wrigth já era capaz de compor figuras e,segundo ele, produzir design utilizando triângulos de cartolina e blocos de madeira.“Na terceira dimensão, os blocos lisos de madeira se transformavam no cubo, naesfera e no tetraedro; todos meus para ‘brincar’”7. O arquiteto descreve ainda comosua mãe aprendeu com Fröbel que a criança não deveria ser incentivada a desenhar

    02. Dom 19˚ (material para construção comervilha). Produzido por A. N. Myers & Co.,Londres, c.1860. Abaixo, uma variação inglesado brinquedo. Joseph, Myers & Co., Londres,c.1855.

    03. Exemplos de brinquedos de mosaicos

    inspirados nos dons de Fröbel, produzidos naAlemanha e Inglaterra, c. 1850-1860.

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    aparências casuais da natureza sem antes compreender as formas básicas que estãopor trás de tudo.

    Para Wright, a virtude dos dons estava no despertar da mente infantil para a estruturarítmica da natureza, dando à criança um senso inato de causa e efeito, que de outramaneira estaria longe da compreensão infantil. Ele rapidamente se viu suscetível à

    padrões construtivos envolvidos em tudo que via. Ele aprendeu a ver e, quando via,não queria desenhar incidentes casuais da natureza. “Eu queria projetar”8.

    Embora o número de artistas e arquitetos que, de fato, entraram em contato comos brinquedos educativos propostos pelos novos métodos pedagógicos seja incerto,tais preceitos influenciaram diversos movimentos artísticos a partir do século XX. Aseguir, apresenta-se pontos de convergência entre tais movimentos e o mundo infantil.

    o olhar infantil e o brinquedo como parte da produção artística

    “O artista deve olhar tudo como se visse pela primeira vez: ele deve olhar a vida comoele o fazia quando era uma criança e se ele perder essa habilidade, ele não pode seexpressar de um modo original, isto é, pessoal”9.

    Além dos métodos pedagógicos, e seus instrumentos, que influenciaram a formaçãode artistas e arquitetos modernos, a partir do final do século XIX e início do séculoXX a infância começa a se relacionar com o mundo artístico de forma mais direta. Na

    busca de uma forma de expressão verdadeira, sensível e imediata, artistas passam autilizar como fonte de inspiração a arte primitiva e o olhar infantil. A espontaneidadee a vitalidade presentes na arte infantil passam a ser valorizadas como um caminhopara o inconsciente, como os sonhos, resultando em obras livres dos preconceitos davida adulta10. Charles Baudelaire (1821 – 1867), em sua obra The Painter of ModernArt (1863), já apontava para a importância do olhar infantil: “genialidade não é nadamais nada menos que infância recuperada por vontade”11, indicando um valor quemais tarde muitos artistas perseguiriam.

    A relevância do olhar infantil no mundo artístico foi evidenciada e ampliada pelaBauhaus, a mais influente e conhecida escola de Arquitetura e Design do século XX.Seu projeto pedagógico incentivava o fazer experimental e criativo e, em muitossentidos, se conectava com os preceitos educacionais de Fröbel12. Fundada em1919, na cidade de Weimar, uma das maiores heranças deixadas pela escola foi seu

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    Curso Básico, concebido por Johannes Itten (1888 – 1967). Com apoio de outrosprofessores como Paul Klee e Wassily Kandinsky, o Curso Básico introduzia, nachegada dos alunos à escola, conceitos de composição, cor, diferentes materiais eformas tridimensionais, investigando as formas básicas como explorações primárias.Itten, que tinha experiência anterior como professor primário, adaptou uma série

    de técnicas baseadas na pedagogia infantil para o treinamento dos estudantes daBauhaus, estimulando a criatividade dos alunos através de um retorno à infância ede exercícios que encorajavam explorações elementares das formas e dos materiais,convergindo com preceitos do kindergarten.

    Além de estabelecer relações com o olhar infantil e com o método didático fröbeliano,a Bauhaus teve como parte da produção estudantil o desenho de brinquedos. Aprimeira iniciativa na referida atividade partiu de Johannes Itten, que, em umapalestra em 28 de novembro de 1919, estimulou os alunos a se dedicarem à criação

    de brinquedos. Em uma carta à artista vienense Anna Höllering, Itten descreve seudiscurso, que recebeu o título de “Nosso jogo – nossa festa – nosso trabalho” (UnserSpiel – unser Fest – unsere Arbeit), assim como as ideias que o motivaram.

    Nosso jogo – nossa festa – nosso trabalho

    Mestres – trabalhadores – aprendizes. Construam a Bauhaus – estabeleçam– juntem – diferentes forças – unam diferentes forças – organizem diferentesforças – organizem diferentes forças num só organismo – adicionem o jogode forças para a harmonia, para a festa.

     Jogar torna-se festa – festa torna-se trabalho – trabalho torna-se jogo. Quenosso jogo torne-se trabalho e nosso trabalho torne-se festa e nossa festatorne-se jogo – isso me parece a perfeição da atividade humana.

    Mobilizar o jogo de forças dentro de nós – fora de nós – em um trabalhoalheio a tudo, como um ato festivo – significa criar à moda das crianças. [...]Vamos transformar as grandes salas de retratos da alta sociedade em oficinaspara as pessoas. Vamos construir brinquedos para a festa em trabalho

    perfeito. Vamos construir árvores – casas – animais – pastores – anjos –estrelas – como crianças para crianças.

    Vamos construir nossa casa.13

    Em outras cartas, Itten narra o decorrer dos dias na Bauhaus voltados à produção debrinquedos e seus objetivos com essa atividade:

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    Eu tive a Bauhaus inteira sobre mim por uma semana, pois sugeri quedevíamos fazer brinquedos pelas próximas semanas. Então, eu dei um golpena velha tradição acadêmica do nu e do desenho de natureza e estou levandotoda atividade criativa de volta às suas raízes, ao jogar.14

    Os brinquedos que resultaram da experiência foram vendidos em um bazar público

    de natal em Weimar e o lucro doado a alguns estudantes. Alguns deles, porém, setornaram ícones da produção bauhausiana e a prática de criação de brinquedosinfluenciou projetos pedagógicos de outras escolas de design e arquitetura alemãs15.

    Embora Itten não tenha criado nenhum brinquedo em si, apenas uma cama para seufilho em 1920, segundo Medea Hoch, algumas de suas obras tem como tema principalas questões do mundo infantil, como é o caso de Children’e Picture, de 1921. Muitosoutros artistas da Bauhaus desenharam brinquedos para os seus filhos ou para filhosde amigos. A autora cita alguns desses exemplos como Paul Klee (1879 – 1940), que

    fez uma série de fantoches para o seu filho, e outros que acabaram sendo produzidosem série, como os brinquedos da ex-aluna Alma Siedhoff-Buscher (1899 – 1944).

    Esses e outros exemplos de artistas que passaram a dedicar parte de sua produçãoprincipalmente à crianças serão abordados de forma mais cuidadosa a seguir. Agrande maioria dessas obras, focadas no mundo infantil, tratavam-se de brinquedos,capazes de transmitir a ideia de que a expressão espontânea e o brincar tinham umpapel central na arte. A partir deles, os artistas refletiam a respeito dos conceitosque perseguiam no olhar infantil, além de estabelecer um diálogo com a própria

    infância16.

    Ainda no caso da Bauhaus, os nomes citados anteriormente, Paul Klee e AlmaSiedhoff-Buscher referem-se a dois importantes exemplos quanto ao desenho debrinquedos no meio artístico. Klee dava enorme valor à arte infantil, a ponto dedescrever seus desenhos quando criança como os mais significativos de sua vida 17.Quando seu filho, Felix, nasceu, em 1907, o artista passou a se relacionar ainda maiscom o mundo infantil, produzindo inúmeros brinquedos, como navios, uma estaçãode trem de papelão e cerca de cinqüenta fantoches. Alguns dos fantoches foramcriados simultaneamente às suas primeiras esculturas, revelando que do mesmo modoque sua obra influenciava à criação dos brinquedos, o contrário também acontecia.

    Alma Siedhoff-Buscher, ex-aluna da Bauhaus, tem uma posição relevante dentreos artistas da vanguarda que se dedicaram ao brincar. Entre 1923 e 1928 a artista

    04. Sem título (Fantasma Elétrico), Paul Klee,1923 (réplica de 2006-8).

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    se dedicou quase que exclusivamente ao tema, através da produção de uma sériede brinquedos e da publicação de alguns artigos a respeito da importância dojogo18. Siedhoff-Buscher criou, por exemplo, os chamados brinquedos livres, queem oposição aos brinquedos puramente educacionais tinham uma maior presençade cor e permitiam montagens mais figurativas, e suas famosas bonecas jogáveis (Wurfpuppen), que vão de encontro com o padrão de bonecas perfeitas e intocáveis,utilizando um rico contraste de materiais. Ainda como aluna, a artista e arquitetadesenhou uma série de móveis infantis cujo conceito principal era criar estruturas

    multifuncionais e flexíveis, como blocos de montar em grande escala. Já na Bauhausde Dessau seus trabalhos se voltaram mais para as artes gráficas, mas ainda soba temática infantil. Os móveis e brinquedos de Alma Siedhoff-Buscher, que foramprimeiramente exibidos na exposição da Bauhaus Arte e Técnica – uma nova unidade(Kunst und Technik – eine neue Einheit) em 1923, estão entre os produtos mais bemsucedidos da Bauhaus e podem ser encontrados em diversos catálogos do trabalhorealizado na escola e até mesmo em livros da Bauhaus. Um de seus brinquedos, tidocom um clássico moderno, é produzido até hoje pela companhia Naef .

    Assim como Paul Klee, Pablo Picasso (1881 – 1973) se envolveu com objetos infantisa partir da relação com crianças de seu convívio. Sua fascinação pela arte infantil,no entanto, sempre foi algo latente. Segundo Christopher Turner, em seu texto“Childhood Regained: Art Toys for Children”, Picasso acreditava que havia entradoem contato com a arte acadêmica prematuramente, perdendo a visão instintiva

    05. Duas bonecas de madeira de AlmaSiedhoff-Buscher, 1924.

    06. Crianças brincando com os armáriosde brinquedo projetados por Alma Siedhoff-Buscher, 1923-24.

    07. Brinquedo construtivo de AlmaSiedhoff-Buscher, 1923 (relançado em1977).

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    da criança19. Nesse sentido, em 1956, durante uma visita à uma exposição de arteinfantil, o artista confessa: “quando eu tinha a idade dessas crianças, eu desenhavacomo Rafael. Demorei muitos anos para aprender a desenhar como essas crianças”20.Além de sua admiração pelos desenhos de crianças, Picasso entrava em contato como mundo infantil recorrentemente, fazendo desenhos, bonecas e outros brinquedospara seus filhos e até netos. Para sua filha Paloma, por exemplo, ele talhou umasérie de bonecas de madeira a partir de blocos de montar e para seu neto Bernard,Picasso transformou uma pequena mesa em um cavalinho de brinquedo21. Todosesses objetos carregam as marcas de um artista como Picasso, que, por outro lado,algumas vezes incorporou brinquedos em sua obra.

    Um dos mais relevantes exemplos de artistas envolvidos com o universo infantil é ogrande escultor e pintor Alexander Calder (1898 – 1938). Em muitos de seus trabalhoso limite entre arte e jogo é incerto e os dois campos se influenciam mutuamente.Diferentemente de artistas como Picasso e Klee, que criavam brinquedos para criançasda própria família, Calder produziu brinquedos comercialmente. Por volta de 1927,época em que a escultura ainda não fazia parte de seu trabalho, o artista percebeuque a criação e venda de brinquedos poderia gerar uma renda mais significativa que

    08. Cavalo, Pablo Picasso, Vallauris, 1960.

    09. Figure, Pablo Picasso, 1935.

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    seus desenhos. Relacionando sua mais nova produção com sua formação anteriorde engenheiro, Calder abriu espaço em seu ateliê para arames, canivetes e outrasferramentas e colocou em prática noções de física e cinética22.

    Mas parece que durante todo esse tempo eu não pude esquecer meutreinamento na Stevens  [Stevens Institute of Technology em New Jersey,

    onde recebeu seu bacharelado em engenharia em 1919] pois eu comecei aexperimentar com brinquedos de um modo mecânico.23

    Segundo Joan Marter, em seu livro Alexander Calder (1991), os brinquedos de Calderinfluenciaram fortemente sua produção artística.

    Eles [os brinquedos] são também um importante passo no desenvolvimentode sua escultura. Através desses projetos, que eram essencialmente caricaturasde animais articulados em madeira e arame, ele isolou as características

    essenciais dos animais a serem representadas.24

     Os brinquedos se encaixavam na tentativa de Calder de trabalhar com diversosmateriais de modo a criar novas sensações e efeitos. O artista iniciava uma discussão

    10. Circus, Alexander Calder, 1926-31.

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    acerca de objetos táteis que suscitassem àquele que os tocasse uma série de experiênciassensoriais. Além disso, seus brinquedos foram um precedente imediato para seuprimeiro trabalho artístico de grande escala, o Circus. O trabalho Circus, 1926-1931

    constitui uma composição cinética e espacial que antecipa anos de experimentaçãocom elementos cinéticos. “As pequenas figuras articuladas interagem umas comas outras ou fazem performances independentes, mudando as relações espaciaisconstantemente. (...) O uso da possibilidade, da surpresa e do suspense, inerente emperformances circenses, é encontrado também em seus móbiles movidos a vento”25.Circus  foi o primeiro trabalho de Calder a atrair considerável atenção da crítica,que passou a se interessar também por outras obras do artista. Em uma filmagemperformática de 1961 Calder interage com a obra, brincando com os elementos deseu circo como uma criança e dando vida aos diferentes personagens a sua volta26.

    No texto “Calder e a Alquimia do equilíbrio” de Ferreira Gullar, presente na obraCalder no Brasil: crônica de uma amizade (2006), o escritor inicia seu discursocriticando pessoas incapazes de apreciar a obra de Calder da devida maneira. E,como resposta ao argumento corrente de que a obra de Calder “parece brinquedo,coisa de criança”, perdendo assim sua relevância como escultura, Gullar rebate:

    11. Desenhos para o Circus (Domador deLeão, Apresentador, Trapezista e Vaqueiro),Alexander Calder, 1926-32.

    12. Homem em pernas-de-pau, figura doCircus de Alexander Calder, Martin W.Schwartz, 1937.

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    A quantidade de preconceito implícita nessa resposta é fantástica. A pessoaque assim fala está presa a palavras vazias. Nunca se indagou, de fato, quesignifica a palavra escultura e que função tem essa palavra para a apreciaçãode uma obra de arte. Nunca procurou ver, no brinquedo da criança, osentido que transcende a aparente puerilidade. [...] É o caso de dizer-se queas crianças não são tão pueris assim e que, mais do que nós, marmanjos,maravilham-se com os fatos aparentemente insignificantes do mundo, coma gratuidade das formas e dos movimentos. Estão mais perto que nós dessaexperiência primeira que é a fonte do toda arte.27

    O pintor germano-americano Lyonel Feininger (1871 – 1956) constitui outroexemplo de artista que se dedicou à experiência de criar brinquedos. Sua maiorcriação, “Cidade de Brinquedo” (Toy Town), foi feita como presente para seus trêsfilhos. Trata-se de um conjunto de diversas casinhas e pequenos prédios estreitos com

    chaminés e telhados íngremes habitados por criaturas com características peculiares ecom traços de expressão significativos e precisos. Todos os elementos foram esculpidosde maneira rústica e pintados de diversas cores, gerando um pequeno cenárioExpressionista28. Segundo Turner, as investidas do artista no mundo dos brinquedosnão apenas oferecia ferramentas para imaginação de seus filhos como alimentavasua própria obra, servindo como experimentos de geometria, cor e espaço29. O autorevidencia ainda que o próprio caso da “Cidade de Brinquedo” parece uma versãotridimensional de um dos quadros do artista, atestando os dizeres de um dos filhosde Feininger, que escreveu que “os brinquedos que um artista cria podem servir como

    uma introspecção para compreender as ideias formais do seu criador”30.

    Outro grande representante do movimento da vanguarda que se dedicou de maneiraintensa ao mundo infantil foi Ladislav Sutnar (1897 – 1976). No texto “MentalVitamins for the future – Ladislva Stunar Toys” Iva Knobloch descreve a produçãodo versátil artista, arquiteto e designer tcheco-americano voltada para crianças que,segundo a autora, sintetiza a atitude vanguardista do trabalho de Sutnar31. Seusbrinquedos se inserem plenamente em sua visão da vida moderna, assim como emseu ideal para o futuro da sociedade. Sutnar considerava os trabalhos para crianças

    os mais benéficos socialmente, uma vez que se dirigia ao futuro da humanidade.

    Com o objetivo de refletirem questões de Sutnar acerca da modernidade, osbrinquedos eram concebidos de maneira a reduzir os custos de produção, facilitandoa comercialização em massa. Além disso, o artista acreditava no estímulo ao

    13. Rolo compressor e trenzinho a vapor,Ladislav Sutnar, 1827.

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    brincar ativo e no desenvolvimento da capacidade intelectual, da imaginação e dashabilidades sensoriais através de seus brinquedos, “vitaminas mentais necessáriaspara o desenvolvimento adequado de uma criança... infância feliz = autoconfiança”32.Durante toda sua carreira e particularmente na década de vinte, Sutnar se dedicou àcriação de teatros de fantoches, brinquedos móveis, conjuntos construtivos de blocos

    arquitetônicos, entre outros.Entre os brinquedos mais reconhecidos de Ladislav Sutnar estão os conjuntos de blocosconstrutivos. O conjunto “Cidade Fábrica” (Factory Town) foi desenvolvido em duasversões, durante a segunda metade da década de vinte. Criado para a produção emlarga escala, o conjunto incorporava o conceito moderno de casas fabricadas atravésde blocos modulares que permitiam inúmeras combinações, exercitando noçõesespaciais. “Cidade Fábrica” é considerado um dos mais importantes conjuntosconstrutivos criados por artistas, arquitetos e designers do século vinte33. Anos mais

    tarde, no período em que passou a viver em Nova York, o artista trabalhou noconjunto construtivo chamado “Construir a Cidade” (Build the Town). Embora nãotenha passado da fase de protótipos, os inúmeros desenhos e experimentos de seusestudos ampliaram ainda mais o repertório desenvolvido para “Cidade Fábrica”,dando enorme reconhecimento aos conjuntos construtivos de Sutnar.

    Assim como Sutnar e Calder, o artista uruguaio Joaquín Torres-Garcia (1874 – 1949)desenhou brinquedos que foram produzidos e comercializados em grande escala.Embora sua produção voltada às crianças não tenha tido particular reconhecimento,

    14. Projetos de Ladislav Sutnar paraconjuntos construtivos.

    15. “Construir a Cidade”, Ladislav Sutnar,1943.

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    comprando-se com o restante de sua obra, Torres-Garcia não diferenciava-os de seusoutros trabalhos, apontando para a influência mútua das diferentes áreas de suaobra. “Em algumas ocasiões é difícil estabelecer se foi uma pintura que determinou

    a estrutura final de um brinquedo ou se foi um brinquedo que evoluiu para umaescultura ou sugeriu uma tela”34.

    O artista começou a criar brinquedos no início da década de vinte, observando seuspróprios filhos e seus alunos de arte em Barcelona. Através de suas experiências comoprofessor, Torres-García se aproximou dos conceitos de Fröbel, desenvolvendo seusbrinquedos com tais preceitos pedagógicos em mente. A partir de suas observações,o artista percebeu que o brinquedo constituía um interessante suporte de estudo ecriação. E, embora a possibilidade econômica tenha o impulsionado a criar maisbrinquedos, seu entusiasmo com a prática era algo certamente presente. Em umacarta a uma amigo, Torres-García escreve: “Finalmente eu acredito ter encontradoalgo que, apesar do fato de pagar – quando paga – vai me fazer feliz em produzir”35.

    O objetivo do artista era criar brinquedos que funcionassem como ferramentas depercepção às crianças. Ou seja, a partir deles elas poderiam se apropriar do mundo

    16. Possibilidades de montagens do brinquedode cachorro (1924-1925) e folha de instruçõespara o brinquedo (c. 1928), Joaquín Torres-García.

    17. Pássaros (caixa original ao lado), JoaquínTorres-García, 1927-28.

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    ao seu redor. Seus chamados “brinquedos transformáveis” constituem criaturasdivididas em pedaços que podem ser recombinados, permitindo que a criançarecrie seu brinquedo, percebendo seu funcionamento. Apesar de serem brinquedoseducativos mais figurativos que outros exemplos, sua possibilidade de desconstruçãoe interação faziam com que a figuração não limitasse a imaginação infantil. Graças asua enorme relevância, os brinquedos de Torres-García foram elementos centrais deexposições acerca da obra do artista e réplicas são vendidas até os dias de hoje.

    Embora trate-se de um exemplo de um contexto deslocado dos demais, considerou-sede extrema importância apontar para a relação entre o brinquedo e a obra da artistaLygia Clark (1920 – 1988), pintora e escultora brasileira que integrou o movimentoneoconcreta a partir do final da década de sessenta. Sugere-se que o ponto deconvergência entre os brinquedos e a obra de Clark pode ser encontrado na inserçãoda participação ativa do público em suas obras, que depende dessa ação. A artista

    escreve:Nós somos os propositores 

    Somos os propositores: somos o molde; a vocês cabo o sopro, no interiordesse molde: o sentido de nossa existência.

    Somos os propositores: nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos;estamos a vosso dispor.

    Somos os propositores: enterramos a ‘obra de arte’ como tal e solicitamos a

    vocês para que o pensamento viva pela ação.

    Somos os propositores: não lhes propomos nem o passado nem o futuro,mas “o agora”.36

    A citação acima poderia facilmente ser aplicada ao caso de um brinquedo, suportedependente da ação lúdica da criança. O artista Torres-García já havia apontadopara a característica infantil de se conectar com o tempo presente, justificando queo brinquedo deve dialogar com o que lhe atual, pois assim como escreve Clark, para

    a criança, o passado não interessa. Quanto a importância da figura agente, que trazsentido à sua obra, a artista revela:

    Qual é, então, o papel do artista? Dar ao participante o objeto que emsi mesmo não tem importância, e que só vira a ter na medida em que o

    18. Crianças interagindo com obras de LygiaClark na exposição do Paço Imperial, Rio de Janeiro, 1986.

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    participante agir. É como um ovo que só revela sua substância quando oabrimos.37

    Mais uma vez seus dizeres condizem com a função do brinquedo. Essa possibilidadede relação, no entanto, trata-se apenas de uma sugestão, que abre uma discussão queextrapola os limites da presente pesquisa. Enquanto, de uma maneira isolada, suas

    obras e citações, possam ser comparadas ao brinquedo, o trabalho posterior de Clarka qualifica, porém, para outro patamar. Em outras palavras, quando analisada emconjunto aos seus estudos e produção anteriores o caráter da obra ganha uma nova emais ampla compreensão, que depende de uma análise exterior à ela.

    As relações entre o brinquedo, a arte e a arquitetura podem ser encontradas em diversosoutros exemplo. Embora o presente capítulo tenha como foco artistas, arquitetos edesigners que tiveram parte de sua produção voltada a criação de brinquedos, em suamaioria, educativos, o mundo infantil pode ser conectado à essas disciplinas através

    de outros pontos de vista. O lugar do brincar na arte e na arquitetura é um campoconsideravelmente amplo, com inúmeros recortes possíveis, como, por exemplo, aprodução de brinquedos na escala urbana; a relação entre os brinquedos construtivose estudos volumétricos arquitetônicos; os pontos de convergência entre o brinquedoe as obras de arte interativas; entre outros.

    Os exemplos citados acima constituem alguns casos que ilustram o valor do brinquedono meio artístico. Esse universo, no entanto, possibilitaria diversas outras pesquisas,com diferentes abordagens e objetivos. Em se tratando de um estudo com tempo

    relativamente restrito, a intenção do presente capítulo era fornecer repertório paraa compreensão da importância da criação de brinquedos educativos e suas relaçõescom outros tipos de produções artísticas, de modo a se aproximar aos brinquedosproduzidos por Charles e Ray Eames, centro da pesquisa.

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    01. Algumas das cartas do Picture Deck, dobrinquedo House of Cards (1952).

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    Com o objetivo de se alcançar o foco da pesquisa, o presente capítulo discorre arespeito da produção dos designers Charles e Ray Eames, a partir dos brinquedoscriados pelo casal. Embora os brinquedos não estejam entre suas obras maisreconhecidas, é possível relacioná-los não apenas com outras obras da dupla, como

    com sua formação, seu método de produção e sua concepção de arte e design. Assim,a partir desses objetos específicos, procura-se compreender aspectos relevantes dotrabalho de Charles e Ray Eames, identificando a importância de seus projetos debrinquedos educativos. Após uma breve descrição da trajetória do casal e de aspectosrelevantes do seu método de produção, apresenta-se um levantamento de todos osbrinquedos e obras relacionadas produzidas por Charles e Ray Eames, além de umaanálise centralizada em três brinquedos da dupla.

    o escritório de Charles e Ray Eames e seus brinquedos

    O casal Charles Eames e Ray Kaiser tem uma posição central na história do designamericano. Considerados dois dos mais importantes designers americanos do séculoXX, a dupla manteve um escritório ativo de 1941 a 1978. Nutridos pela era do pós-guerra, a produção do casal se inseria em um novo modelo de vida, não apenas nosEstados Unidos, mas na Califórnia, local onde estabeleceram o Eames Office. Lá,podiam unir moradia e trabalho, combinar espaços internos e externos, tecnologia

    contemporânea com artesanato tradicional. Dentro desse contexto histórico,conceitos como flexibilidade e rápida construção influenciaram estruturalmente aconcepção de design do casal, um modelo moderno, com qualidade, industrializávele de baixo custo.

    Embora o trabalho de Charles e Ray Eames tenha sido reconhecido principalmentepor sua atuação na área de mobiliário, seu escritório produziu uma vasta obra queinclui, além dos móveis, projetos arquitetônicos, projetos de design gráfico, palestras,exibições, filmes e brinquedos.

    A variedade de sua produção se justifica, em parte, pela formação distinta do casal.Charles cursou arquitetura na Universidade de Washington, onde não se sentiaperfeitamente adequado, devido ao fato de não concordar com o currículo restritivobaseado na escola de Belas-Artes. Já formado, Charles montou mais de um escritóriocom diferentes sócios e projetou diversos prédios. Em 1938, recebeu ma bolsa de

    3 capítulo

    estudo para o programa de Arquitetura e Planejamento Urbano na Cranbrook

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    estudo para o programa de Arquitetura e Planejamento Urbano na CranbrookAcademy of Art   em Michigan do diretor da instituição, Eliel Saarinen, arquitetofinlandês que havia se impressionado com o trabalho de Charles1. Em Cranbrook,em 1940, Charles conheceu Ray Kaiser. Na época, Charles era o novo coordenadordo departamento de Design Industrial, e Ray, por sua vez, estava interessada em tudoque fosse relacionado a design. Antes de chegar a Cranbrook, Ray teve uma formaçãoartística que começou na May Friend Bennett School  em Millbrook, Nova York, e seintensificou em Manhattan com as aulas com o artista alemão Hans Hoffmann. Em1936, Ray se tornou um membro do grupo American Abstract Artists (AAA), queexibiu em exposições anuais trabalhos de, entre outros, Josef Albers, Piet Mondriane Fernand Léger. Em Cranbrook, a relação entre Charles e Ray de professor-aluna sedesenvolveu em algo colaborativo e em 1941 os dois se casaram e se mudaram paraCalifórnia, onde abriram o Eames Office.

    A complexidade e ambigüidade no trabalho do casal resultava de uma intersecçãodessas respectivas formações. Seus talentos, mesmo em direções distintas,caminhavam para o mesmo ponto2. Assim, o caráter colaborativo da produção dadupla era enriquecido pela adição de disciplinas, que se complementavam. A noçãode modernismo de Ray, enraizada na abstração artística, se misturava com a noçãode modernismo de Charles, que estava baseada em seus conhecimentos de desenhoindustrial.

    Como disse o seu neto, Eames Demetrios, “Charles via tudo como uma

    extensão da arquitetura e Ray via tudo como uma extensão da pintura.”Ele estava interessado em sistemas e estruturas, e enquanto ele estruturavao problema (e até mesmo a estrutura), ela tornava a estrutura espacial,trazendo-a para fora da frieza da razão e dentro do espaço tátil do espectador.3

    Além do caráter multidisciplinar de sua produção, propiciado pela fusão citadaacima, outro fator que contribui para o entendimento do brinquedo como parte

    02. Quatro imagens de algumas das muitasformas que se encontrava a sala da casa docasal Eames durante a década de cinquenta.

    significativa da obra dos Eames é o modo como eles produziam Os dois acreditavam

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    significativa da obra dos Eames, é o modo como eles produziam. Os dois acreditavamnum intenso ritmo de produção que se mesclava, porém, a um clima de festividade,fazendo com que os limites entre trabalho e prazer não fossem bem definidos4. A éticatrabalhar/brincar contaminava tudo o que era produzido, tornando famosa a frasede Charles: “We have to take pleasure seriously” [É preciso levar o prazer a sério]5.

    Embora houvesse uma linha tênue que dividia a brincadeira do trabalho dentrodo escritório, sua equipe trabalhava freneticamente. Charles e Ray pensavam emtrabalho o tempo todo, relacionando experimentos da vida cotidiana aos projetos.Além disso, os designers procuravam não manter divisões formais entre os diferentestrabalhos, de maneira a promover relações enriquecedoras dentro do escritório.

    No Eames Office, a experimentação era um modo comum de se chegar ao resultadoe, muitas vezes, o aprendizado acontecia através de uma prática de tentativa e erro.Segundo Pat Kirkham, autora do livro Charles and Ray Eames: designers of the

    twentieth century (1995), a base do escritório estava formada sobre esse método deabordagem dos problemas, do aprender-fazendo, que por sua vez concordava comas idéias do arquiteto inglês William Lethaby (1857 – 1931), que argumentava afavor da prática no aprendizado de design6. A autora relaciona ainda o escritório deCharles e Ray com a noção de escola do educador John Dewey (1859 – 1952), umacomunidade onde o aprender se dá através da prática da tentativa e erro7.

    Estrutural para a compreensão do método de produção do Eames Office  e suarelação com os brinquedos, a obra An Eames Primer, publicada em 2001 pelo neto de

    Charles Eames, Eames Demtrios, constrói um discurso acerca do modo de trabalho ede vida dos designers, a partir de memórias de pessoas próximas ao casal. Repleto depeculiaridades que traduzem a atmosfera do escritório, o livro cita exemplos comoa prática de Charles e Ray em colecionar “coisas boas”. Gavetas e gavetas eramrepletas de objetos surpreendentes que eram usados como fonte para diversos tiposde trabalhos, filmes, exposições, fotografias. Tais objetos não eram necessariamentecaros ou baratos e, embora ecléticos, não eram aleatórios, podiam ser amostras depapéis, canetas, conchas, miçangas e um milhão de outras coisas8. Essas coleções

    representavam um repertório que o escritório conectava com sua própria história eprodução.

    O valor dado a pequenos objetos do cotidiano conecta-se com o processo criativodo escritório, que somado à experimentação e à festividade constituem a base dodesenvolvimento projetual do Eames Office. Dentro desse contexto, compreende-se

    03. Árvore decorada na frente da casa deCharles e Ray Eames.

    a relevância dada ao brinquedo, que constitui um suporte estrutural para uma das

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    a e evâ c a dada ao b quedo, que co st tu u supo te est utu a pa a u a dasprincipais funções de Charles e Ray Eames. Segundo Kirkham, os designers assumem,sobretudo, o papel de educadores, extremamente dedicados a comunicar ideias.

    A criação de brinquedos torna-se, portanto, algo coerente na produção do casal dedesigners. Demetrios aponta para o fato de que brinquedos surgiam a todo momento

    no trabalho dos Eames. E a partir da citação de Charles, “brinquedos não são tãoinocentes como parecem. Brinquedos e jogos são prelúdios para ideias sérias” 9, elejustifica a fascinação do casal pelos brinquedos. Charles e Ray os colecionavam,usavam em projetos e filmes e muitas vezes gostavam de ter brinquedos no escritório,como forma de inspiração. O casal tinha uma profunda admiração por tudo que,através de um intenso trabalho e disciplina do criador, possibilitasse ao usuário umaexperiência espontânea e natural.

    O prazer da dupla pelos brinquedos era relacionado com o seu senso de divertimento

    e com uma crença no aprendizado através da brincadeira. Segundo Kirkham, osbrinquedos de Charles e Ray Eames encorajavam a expansão dos poderes imaginativose mentais das crianças, além de suas habilidades práticas10. Eles tinham o objetivode estimular a criatividade, através da descoberta de materiais e das inúmeraspossibilidades de montagem, exigindo uma criança ativa, participativa e responsávelpela forma final. Seguindo preceitos de Pestalozzi e Fröbel, familiares aos Eames,os brinquedos instigam a participação individual uma vez que não apresentam umproduto acabado, mas sim um ponto de partida, conformando um suporte para

    criação.Além da função comunicativa presente no brinquedo, ele se encaixa na ideia do casalEames de que design é o rearranjo ilimitado de diferentes partes11. Sobretudo, os

    04. Ray Eames experimentando blocos demontar, 1953.

    05. Capas da revista Arts & Architecture, RayEames, 1942-44.

    06. Padrão de tecido criado por Ray Eames,1945.

    brinquedos representavam a maneira como o casal abordava não apenas o modo de

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    q p pproduzir, mas também o problema em si.

    Eames disse em uma ocasião que no “mundo dos brinquedos ele via umaatitude ideal para encarar os problemas do design, pois no mundo da criançanão há preocupação com a própria imagem nem vergonha.” Na arquitetura

    dos Eames tudo é um brinquedo, e todos são crianças.  12

    Os brinquedos evidenciam, portanto, uma série de aspectos relevantes da obra deCharles e Ray Eames. Apesar de não ser foco da atenção em torno do casal, tais objetos,assim como o brincar, então no centro de seu processo criativo. O levantamentoapresentado a seguir descreve, em ordem cronológica, todos os brinquedos eprojetos relacionados produzidos pelo Eames Office. A fonte principal usada parao levantamento foi a obra Eames design: the work of the Office of Charles and RayEames (1989) escrita por John e Marilyn Neuhart e Ray Eames. Com o objetivo de

    examinar alguns dos brinquedos mais significativos de forma aprofundada, foi feitauma análise de três deles, descrita em seqüência.

    levantamento de brinquedos e obras relacionadas de Charles e Ray Eames

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    NOME DA OBRA ANO DOPROJETO

    SITUAÇÃO FINAL

    1. Móveis para crianças (p.41) 1945 5 mil peças produzidas e vendidas até 1947. Alguns exemplares

    fizeram parte de exposições.2. Animais em madeira laminada (p.41) 1945 Foram produzidos apenas 5 protótipos em madeira. Alguns

    exemplares fizeram parte de exposições.

    3. Toy Masks (p.42) 1950 Fase de protótipos. Não foram produzidas em grande escala.

    4. The Toy (p.43) 1951 Produzido e comercializado no mercado pela Tigrett Enterprisesaté 1961.

    5. The Little Toy (p.44) 1952 Produzido e comercializado no mercado pela Tigrett Enterprises

    até 1961.

    6. House of Cards (p.45) 1952 Impresso pela American Playing Card  e comercializado pelaTigrett Enterprises até 1961.

    7. Giant House of Cards (p.46) 1953 Produzido e comercializado no mercado pela Tigrett Enterprisesaté 1961.

    8. The Coloring Toy (p.46) 1955 Produzido e comercializado no mercado pela Tigrett Enterprisesaté 1961.

    9. Alcoa Solar Do-Nothing Machine (p.47) 1957 Não foi produzido em grande escala nem comercializado.Utilizado nas campanhas publicitárias da Alcoa entre 1957 e1958.

    10. Filme: Toccata for Toy Trains (p.48) 1957 O filme ganhou uma série de prêmios em festivais e continua emcirculação aberta até os dias de hoje.

    11. Revell Toy House (p.48) 1959 Fase de protótipo. A Herman Miller Furniture Company produziu seu próprio kit em uma diferente escala.

    12. Filme: Tops (p.49) 1969 O filme está em circulação aberta até os dias de hoje.

    13. Computer House of Cards (p.49) 1970 Impresso pela American Playing Card  e distribuidogratuitamente pela IBM.

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    1. Móveis para crianças (1945)

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    Charles e Ray Eames produziram uma série de móveis infantis, bancos, cadeiras emesas, de madeira laminada. As cadeiras eram compostas de duas peças, o assento eo encosto, e suas pernas foram projetadas com uma dupla curvatura, com o objetivode fortalecer o móvel. Os bancos e as mesas foram feitos a partir de uma única peça

    de laminado. Os móveis foram produzidos na cor natural da madeira e em outrascores, como vermelho, amarelo, azul, preto e magenta.

    Cerca de cinco mil cadeiras e bancos foram produzidos pela Molded Plywood Divisionof Evans Products. As peças foram vendidas em algumas lojas entre 1946 e 1947porém, sua produção foi descontinuada devido a dificuldade de comercialização.Alguns exemplares entraram na exposição de móveis dos Eameses no Museu de ArteModerna de Nova York em 1946.

    2. Animais moldados em laminado de madeira (1945)

    Parte dos experimentos com madeira laminada moldada, os animais serviam comobrinquedos ou móveis para crianças. As técnicas utilizada nos outros móveis delaminado podiam facilmente serem adaptadas a animais quadrúpedes, aumentando aspossibilidades de experimentação do material e das máquinas. As crianças poderiamsubir em cima dos animais, carregá-los e empilhá-los facilmente. O sapo, o urso, ocavalo e a foca forma moldados primeiramente em metal e o elefante em papelão.

    Foram produzidos dois protótipos de madeira do elefante e três do cavalo. O elefantefez parte da exposição de móveis dos Eameses no Museu de Arte Moderna de NovaYork em 1946, mas os animais originais nunca foram produzidos em grande escalaou comercializados.

    07. Cadeiras do mobiliário infantil.

    08. Modelo do elefante em laminado de madeira.

    09. Protótipos metálicos de urso.

    3. Toy Mask (1950)

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    As máscaras foram os primeiros brinquedos desenhados pelo escritório para produçãoem massa. Do final dos anos quarenta até começo dos cinqüenta o casal Eamesexperimentou uma série de mascaras em exibições, fotografias e montagens teatraiscom amigos. Outro trabalho de experimentação feito nesses anos foi a projeção de

    desenhos (inclusive desenhos do artista Saul Steinberg) em transparências nos rostosde pessoas, com o objetivo de criar uma mistura da imagem bidimensional com aforma tridimensional, como uma máscara.

    As máscaras eram feitas de papel e papelão, representavam animais bastante coloridose muitas vezes a cabeça se estendia suficientemente para se formar uma fantasiainteira. Outros elementos de papel em cores vibrantes eram adicionados ao modelobásico de papelão.

    O objetivo era produzir as máscaras em grande escala e vendê-las como kits quepoderiam ser coloridos e montados pelo comprador através da Tigrett Enterprises,uma indústria de brinquedos. Porém, as máscaras estacionaram em estágio dedesenvolvimento.

    10. Protótipos das máscaras de galo e águia.

    11. Estudos coloridos para o projeto dasmáscaras.12. Criança vestindo uma máscara de pássaro.

    13. Criança vestindo uma máscara de sapo.

    4. The Toy (1951) 

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    The Toy [O brinquedo] foi desenvolvido para adultos, adolescentes e crianças criaremdiferentes objetos, fechados ou abertos, cenários, elementos de decoração, tendas,casas e etc. O brinquedo era composto de painéis geométricos (quatro quadrados equatro triângulos) que, segundo o rótulo, eram “Large-Colorful-Easy to Assemble –

    For Creating A Light, Bright Expandable World Large Enough to Play In and Around[Grandes, coloridos, de fácil montagem - Para crianção de um mundo leve, brilhante,expandível e grande o bastante para se brincar dentro e a sua volta]”. Além dospainéis quadrados e triangulares de cores vibrantes (amarelo, vermelho, verde, azul,magenta e preto) a embalagem incluía varetas de madeira com furos nas extremidadese pequenos conectores, que eram passados pelos buracos das extremidades e torcidosde modo a juntar os painéis. Os painéis eram feitos de um papel plastificado resistentea água, e tinham dobras em suas extremidades por onde se passavam as varetasde madeira. Os componentes do The Toy poderiam ser montados facilmente dediferentes maneiras de modo a criar ambientes arquitetônicos, fechados ou abertos.

    Em um primeiro momento a embalagem constituía uma caixa plana e grande, demodo a abrigar os grandes painéis rígidos. Depois de uma mudança, a embalagemse transformou em um tubo hexagonal de papelão e os painéis, agora flexíveis, eramenrolados para serem embalados. The Toy foi produzido pela Tigrett Enterprises até1961 e recebeu uma crítica de destaque em artigo da revista Life, em julho de 1951.Esse foi o segundo projeto de brinquedo dos Eameses e o primeiro a ser industrializadoe vendido no mercado.

    14. O brinquedo montado como um cenário.15. A embalagem e o conteúdo do brinquedo.

    16. Montagem do brinquedo.

    5. The Little Toy (1952)

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    The Little Toy [O pequeno brinquedo] era uma variação menor do The Toy. Enquantoseu antecessor foi desenhado como um brinquedo construtivo feito para crianças eadultos brincarem dentro dele, The Little Toy foi desenvolvido para brincarem comele, construindo pequenas casas, tendas etc., que podiam ser usadas em conjunto com

    outros brinquedos. The Little Toy era composto por painéis geométricos de papelãorígido quadrados e triangulares, com furos nas extremidades, molduras tambémquadradas e triangulares de metal e conectores coloridos. As molduras e os painéispoderiam ser unidos através dos conectores formando uma série de estruturas e objetos.Os painéis vinham em diversas cores, alguns tinham uma impressão geométrica eoutros eram furados. O brinquedo foi produzido pela Tigrett Enterprises até 1961.

    The Little Toy  era uma expressão do interesse do casal em estruturas e espaçosmodulares e na adaptação de materiais facilmente disponíveis para novos e diferentes

    usos. Além disso, o brinquedo exprime a proximidade dos Eameses com as formas ecom os grafismos do circo.

    17. Componentes do brinquedo.

    18. Montagem do brinquedo.

    19. Interação das construções com outrosbrinquedos.

    6. House of Cards (1952) 

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    O mais famoso brinquedo dos Eameses consiste em dois conjuntos de 54 cartas dotamanho de cartas de baralho. Um dos conjuntos tem, em uma de suas faces, umpadrão, uma textura, fotografado de uma superfície texturizada ou colorida, comopapéis com padrões, tecidos, papéis japoneses, etc. Chamado “Pattern Deck” esse

    foi o primeiro conjunto produzido. No segundo, “Picture Deck”, foram impressasimagens de “coisas boas”, coletadas de inúmeras fontes, tais como: “objetos familiarese nostálgicos do reino animal, mineral e vegetal”, incluindo brinquedos, utensílioscaseiros (tesouras, botões), moedas, jóias, etc. No outro lado dos dois conjuntosforam impressos os asteriscos, logo do escritório. No primeiro caso o asterisco foiimpresso em preto e no segundo em verde.

    Todas as cartas tinham um corte em cada um de seus lados menores e dois cortesem cada um de seus lados maiores, de modo que eles podiam ser encaixados criando

    estruturas tridimensionais de diversos tamanhos e formatos.Os objetos e padrões fotografados foram escolhidos a partir de inúmeras opções.Ray, a equipe do escritório e o artista Alexandre Girard faziam as seleções. A escolhafinal ficou nas mãos de Girard.

    House of Cards  [Casa de Cartas] foi impresso pela American Playing Cards  edistribuído pela Tigrett Enterprises. As cartas originais, que eventualmente formavendidas com os dois conjuntos juntos, em uma caixa desenhada pelo escritório,foram produzidas até 1961. A companhia alemã, Otto Maier, produziu uma seleçãode 32 cartas, maiores que as originais e que misturavam os dois conjuntos.

    Obs.: O livro Eames Design: the work of the office of Charles and Ray Eames contém a

    descrição completa das imagens de todas as cartas.

    20. Algumas das cartas do Pattern Deck.

    21. Diversas possibilidades demontagem do House of Cards.

    7. Giant House of Cards (1953)

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    O Giant House of Cards [Casa de Cartas Gigante]é uma escala maior do brinquedoHouse of Cards. Nesse caso, tratam-se de 20 cartas (18 cm X 28 cm) feitas depapelão. Por serem maiores e mais rígidas, essas cartas permitem construções maiselaboradas. Cada carta tem uma impressão de uma imagem gráfica, desenho ou

    fotografia. “Colofur panels to buid with; Each with a graphic design taken from thearts; The sciences; The world around us. [Painéis coloridos para construir; Cada umcom um desenho gráfico tirado da arte, da ciência, do mundo ao nosso redor.]” Dooutro lado das cartas foram impressos quadrados de cores brilhantes, escolhidos porAlexandre Girard. Seu tamanho permite também que outros brinquedos e objetossejam usados nas construções.