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1. Enquadramento dos Trabalhos A pós os trabalhos arqueológicos que António Dias de Deus e Abel Viana realizaram em monumentos megalíticos de Elvas, entre os anos trinta e cinquenta do século passado, a que se seguiram outros da responsabilidade do casal Leisner, no âmbito do seu profundo inventário e estudo do Megalitismo peninsular, decorreram perto de trinta anos até que um novo impulso ocorresse na investigação das populações que ocuparam a região no decorrer do 4.º e 3º milénio a.C. Efectivamente, a partir de 1989, arrancaram processos de salvaguarda e valorização daquele conjunto megalítico 3 , no sentido da implementação do actual Circuito Arqueológico das Antas de Elvas, sob tutela do IPPAR, e, a partir de 1994, desencadeámos um projecto de investigação que decorreu até 1997 4 . Para além do início do estudo sistemático e integrado dos dados já conhecidos, procedeu-se a uma prospecção exaustiva de áreas seleccionadas do território em análise, Intervenções }Cabeço do Torrão (Elvas) 39 1 Arqueólogo. Era-Arqueologia, S.A. [email protected]. 2 Arqueólogo. Era-Arqueologia, S.A. [email protected]. 3 Inventário e proposta de circuito turístico das Antas de Elvas; Prospecções arqueológicas; Levantamento de plantas e alçados de algumas antas do roteiro turístico; Limpeza das antas do roteiro turístico. 4 Projecto "Megalitismo da região de Elvas – Entre o Caia e o Guadiana", aprovado pelo IPPAR (PNTA) e financiado pelo IPPAR, Era-Arqueologia, Lda., Junta de Freguesia de Vila Fernando, Colégio de Vila Fernando, Governo Civil de Portalegre, C.M. de Elvas. Em 1998, foi elaborado um novo projecto intitulado "Monumentalização e domesticação da paisagem na região de Elvas entre o 5.º e 3.º milénio a.C.: entre o Caia e o Guadiana, exemplos e particularismos na Herdade do Torrão". Apesar de aprovado (IPA/PNTA – 1988-2001), a sua concretização foi inviabilizada por total ausência de financiamentos. O Cabeço do Torrão (Elvas): Contextos e interpretações prévias de um lugar do Neolítico alentejano MIGUEL LAGO 1 JOÃO ALBERGARIA 2

O Cabeço do Torrão (Elvas) · 2021. 5. 4. · 2. O Complexo do Cabeço do Torrão e o seu contexto envolvente Aregião de Elvas situa-se no Nordeste alentejano, na fronteira com

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1. Enquadramento dos Trabalhos

Após os trabalhos arqueológicosque António Dias de Deus eAbel Viana realizaram em

monumentos megalíticos de Elvas,entre os anos trinta e cinquenta doséculo passado, a que se seguiramoutros da responsabilidade do casalLeisner, no âmbito do seu profundoinventário e estudo do Megalitismopeninsular, decorreram perto de trintaanos até que um novo impulso ocorressena investigação das populações queocuparam a região no decorrer do 4.º e3º milénio a.C.

Efectivamente, a partir de 1989,arrancaram processos de salvaguarda evalorização daquele conjuntomegalítico3, no sentido daimplementação do actual CircuitoArqueológico das Antas de Elvas, sobtutela do IPPAR, e, a partir de 1994,desencadeámos um projecto deinvestigação que decorreu até 19974.Para além do início do estudosistemático e integrado dos dados jáconhecidos, procedeu-se a umaprospecção exaustiva de áreasseleccionadas do território em análise,

Intervenções }Cabeço do Torrão (Elvas)

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1 Arqueólogo. Era-Arqueologia, S.A. [email protected].

2 Arqueólogo. Era-Arqueologia, S.A. [email protected].

3 Inventário e proposta de circuito turístico das Antas de Elvas;Prospecções arqueológicas; Levantamento de plantas e alçados dealgumas antas do roteiro turístico; Limpeza das antas do roteiro turístico.

4 Projecto "Megalitismo da região de Elvas – Entre o Caia e o Guadiana",aprovado pelo IPPAR (PNTA) e financiado pelo IPPAR, Era-Arqueologia,Lda., Junta de Freguesia de Vila Fernando, Colégio de Vila Fernando,Governo Civil de Portalegre, C.M. de Elvas. Em 1998, foi elaborado umnovo projecto intitulado "Monumentalização e domesticação da paisagemna região de Elvas entre o 5.º e 3.º milénio a.C.: entre o Caia e oGuadiana, exemplos e particularismos na Herdade do Torrão". Apesar deaprovado (IPA/PNTA – 1988-2001), a sua concretização foi inviabilizadapor total ausência de financiamentos.

O Cabeço do Torrão (Elvas):Contextos einterpretaçõesprévias de umlugar do NeolíticoalentejanoMIGUEL LAGO1

JOÃO ALBERGARIA2

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2. O Complexo do Cabeço do Torrãoe o seu contexto envolvente

Aregião de Elvas situa-se noNordeste alentejano, na fronteiracom a Estremadura espanhola.

Geograficamente, o território é marcadopor vastas planícies aluviais do RioGuadiana, que aqui se alarga e descreveuma curva, abandonando o seu percursoEste-Oeste, passando a dirigir-se paraSul. Neste troço, o Guadiana é bastanteaberto, largo entre margens, depassagem acessível ou, em certos casos,muito fácil. As terras aplanadasprolongam-se até à Serra de S. Mamede,limite Sudoeste dos Montes de Toledo.Devido às suas característicasgeomorfológicas, esta região terá sido,desde há muito, um importante pontode passagem entre o Ocidentepeninsular e o seu interior, motivando ocruzamento de populações e produtos,com tudo aquilo que lhe está inerente.

O Sul-Sudoeste da região de Elvas égeologicamente constituído por xistos.O terreno vai-se tornando maisacidentado para Sul, já no actualconcelho do Alandroal, onde arugosidade é claramente superior e comterras potencialmente mais pobres. Osector Centro-Norte do concelho émarcado pelos calcários e pelos granitosque se prolongam para Norte, para lá daSerra de S. Mamede. Nesta área, asterras são mais férteis e a agriculturafavorecida. Estes condicionalismosgeológicos forneceram ao homemdiversificadas matérias-primas,aproveitadas na construção demonumentos megalíticos, em Elvas,representados por sepulturas e menires.

Até 1994, ano em que se realizou aprimeira campanha de prospecçõessistemáticas na região de Elvas, a áreada Herdade do Torrão, situada aSudeste de Barbacena, apresentavaapenas um monumento relacionadocom o megalitismo da região, a Anta 1do Torrão, permanecendo praticamenteausentes do registo arqueológico os

dados referentes ao povoamento que lheestaria inerente.

Esta área específica, a Nascente dogrande núcleo megalítico de VilaFernando e de Barbacena, marca apassagem dos terrenos abertos para apaisagem de Santa Eulália, claramentecaracterizada por um vasto polvilhadode blocos e afloramentos graníticos.Face aos dados então disponíveis, a áreada actual Herdade do Torrão seria jálimítrofe àquele núcleo monumental,hipótese que, em nosso entender,reflectia sobretudo as limitações dosanteriores processos de investigação.Esta questão levou-nos a prestarparticular atenção aos territóriosespecialmente vazios de informação,tendo casos como os observados nestaHerdade e proximidades confirmado aopção tomada, já que foramidentificados,contextos culturaisfundamentais para conhecimento daocupação desta zona, coeva dofenómeno megalítico.

Intervenções }Cabeço do Torrão (Elvas)

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de que resultou a identificação dediversos povoados e monumentosmegalíticos ainda desconhecidos. Destenovo conjunto, destacou-se logo ocomplexo arqueológico do Cabeço doTorrão, porque reunia contextosdiversificados e potenciadores de largaproblematização ao nível da suainterpretação, já que integravamelementos de cariz ritual, a par deoutros que sugeriam uma origemdoméstica.

Embora o estudo dos fenómenosrelacionados com o Megalitismo deElvas se tenha iniciado no final doséculo XIX, ainda conhecemos poucosobre a sua génese, evolução,cronologia, tipos de arquitecturas,rituais funerários ou enquadramentocultural dos seus construtores eutilizadores. Apesar disso e mesmo queinsuficientemente tratados, um vastoconjunto de dados está disponível: umalargado inventário de monumentos erespectivas descrições, um excepcionalconjunto artefactual e algumas notaspessoais realizadas pelos diversosinvestigadores que trabalharam naregião, imprescindíveis para arecuperação de informação.

Com o tempo, muitos dos sepulcrosmegalíticos de Elvas desapareceram eoutros foram completamente pilhados;no entanto, graças ao esforço de alguns,particularmente de António Dias deDeus, Abel Viana, Georg e Vera Leisner,dispomos de dados arqueológicosfundamentais. Saliente-se que estesinvestigadores realizaram poucasescavações arqueológicas nosmonumentos, sendo a maioria dos dadosresultantes de intervenções realizadas àmargem da comunidade arqueológicapor António Dias de Deus, funcionáriodo Instituto de Vila Fernando e umapaixonado pela arqueologia. Algunsanos após o início das suas "explorações"e estimulado por Abel Viana,publicaram em conjunto as informaçõesmemorizadas no decorrer das escavaçõesque Dias de Deus havia realizado.

O trabalho posterior dos Leisner,integrando escassas intervenções aonível da escavação, foi sobretudorealizado ao nível do inventário, dolevantamento gráfico de monumentos edo estudo de determinadas colecções demateriais, globalmente disponibilizandodados seguros, muito particularmenteno que respeita à localização de sítios ede desenho de materiais.

Face a este esboço retrospectivo, oscontextos a que se refere o presente textoganham significado, já que deles existeum vasto conjunto de dadossistematicamente registados a partir daaplicação de metodologias que reflectema forma de abordar problemáticas queactualmente nos preocupam5. O actualprocesso de investigação é fundamentalpara o conhecimento do processo deconsolidação das sociedades agrárias no4.º e 3.º milénios a.C. na Bacia Média doGuadiana, mais precisamente na área deElvas e Campo Maior, enquadrada numeixo fundamental de circulação entre ointerior peninsular e o seu litoralocidental.

405 Em termos de escavação arqueológica, os trabalhosassentaram nos pressupostos metodológicos avançados porBarker (Barker, 1989) e Harris (Harris, 1991), procedendo-seà remoção dos depósitos por níveis naturais – em situaçõesespecíficas por pequenas camadas artificiais – e em áreaaberta, de forma a obter uma visão alargada sobre a relaçãoentre os diferentes contextos a detectar. Simultaneamente,fez-se um registo de unidades estratigráficas, no qual seintegrou o espólio, comum às diferentes realidades inseridasno Cabeço do Torrão. O registo incluiu levantamentosplanimétricos e de cortes estratigráficos, para além defotografia em negativo a cores e preto e branco.

Embora o estudo dosfenómenos relacionados como Megalitismo de Elvas setenha iniciado no final doséculo XIX, ainda conhecemospouco sobre a sua génese,evolução, cronologia, tipos dearquitecturas, rituaisfunerários ou enquadramentocultural dos seus construtorese utilizadores

Com o tempo, muitos dossepulcros megalíticos de Elvasdesapareceram e outros foramcompletamente pilhados; no entanto, graças ao esforçode alguns, particularmente de António Dias de Deus, AbelViana, Georg e Vera Leisner,dispomos de dadosarqueológicos fundamentais

O actual processo deinvestigação é fundamentalpara o conhecimento doprocesso de consolidação das sociedades agrárias no 4.º e 3.º milénios a.C. na Bacia Média do Guadiana

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De facto, as prospecções ali realizadaspermitiram a identificação de quatronovos monumentos megalíticos,nomeadamente, um recintoincorporando diversos menires e trêssepulcros de pequenas dimensões, paraalém da descoberta de três locais dehabitat cujos dados superficiaispermitiam, desde logo, sugerir umarelação cronológica genericamentecompatível com aqueles ambientes. Deforma breve, podemos caracterizar taissítios da seguinte maneira:

CCaabbeeççoo ddoo TToorrrrããooElevação pouco destacada na paisagem,mas com excelente domínio visual dasua envolvência, particularmente paraNordeste. É formada por diversasplataformas, nas quais se incluem aAnta 2 do Torrão, o recinto megalíticodo Torrão, um núcleo de rochasgravadas com covinhas e um recintocercado por um fosso com indícios depráticas eventualmente relacionadascom a vida quotidiana.

AAnnttaa 33 ddoo TToorrrrããooSepultura megalítica de pequenasdimensões. Situada numa árealigeiramente sobrelevada na paisagemque se estende para Norte do Cabeço doTorrão. São visíveis, superficialmente,cinco esteios que definem uma câmarafunerária sem corredor de acesso.

AAnnttaa ddaa CCeeggoonnhhaaSepultura megalítica de pequenasdimensões, de que restam quatro esteiose vestígios da mamoa. Localiza-se numaárea aplanada, na base de diversaselevações.

PPoovvooaaddoo ddoo CChhããoo ddee PPiiccõõeessLocalizado numa elevação com umaplataforma alargada e aplanada, situadaa Nordeste do Cabeço do Torrão. A áreade dispersão dos materiais arqueológicos(elementos de moagem, fragmentos decerâmica manual, produtos dedebitagem lítica) é bastante considerávele cronologicamente pode ser enquadradono Neolítico Final – Calcolítico.

PPoovvooaaddoo ddaa SSeerrrraa ddaa MMoouurraaLocalizado numa destacada elevaçãosituada sobre a Ribeira do Torrão. Aárea é coberta por mato, tornandodifícil a detecção de materiais,recolhidos em pouca quantidade eincaracterísticos, mas remetendo paracontextos da Pré-História recente.

Estes sítios devem ser enquadrados noâmbito daqueles que previamente seconheciam na área envolvente:

AAnnttaa 11 ddoo TToorrrrããooLocalizada num ponto elevado, nãoapresenta vestígios claros de corredore mamoa; apresenta uma câmara de2,60 mX3,00 m, constituída por seteesteios. Trata-se de um sepulcro degrandes dimensões e em razoável estadode conservação que, apesar de nuncaintervencionado arqueologicamente, foicertamente sujeito de diversos actos depilhagem. (Viana e Deus, 1955: 12;Leisner, 1959: 63).

PPoovvooaaddoo ddee FFoonnttaallvvaaIdentificado por Afonso do Paço, nasequência da sua afectação portrabalhos de construção civil,permanece desde então malcaracterizado. Apesar da ausência dedados relacionados com os contextosarqueológicos, parece-nos que deverátratar-se de um povoado enquadrado noâmbito cronológico correspondente aoNeolítico Final / Calcolítico (Paço,Ferreira, Viana, 1957).

AAnnttaa ddoo OOlliivvaall ddoo MMoonnttee VVeellhhooMonumento identificado por Afonso doPaço e que se encontra em mau estadode conservação. Mal caracterizado,nunca foi objecto de intervençãoarqueológica programada.

AAnnttaa ddoo PPooççoo PPeerreeiirraaMonumento de média dimensão,constituído por uma câmara de dezesteios, identificado e escavado porAfonso do Paço. Posteriormente, deveráter sido destruído.

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Figura 1Vista geral do Cabeço do Torrão, a partir de Oeste.Em primeiro plano, núcleo de rochas gravadas.

Figura 2Planta geral do Cabeço do Torrão, com indicaçãodos principais contextos identificados.

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assinalado por um plano inclinado, deforma a criar uma ligeira rampa deacesso ao sepulcro. No seu interior,identificaram-se quatro esteios,implantados em alvéolos específicos,que definiam, grosso modo, os cantos deuma câmara funerária. O espaçoexistente entre os esteios, ou seja, orestante revestimento pétreo interno dafossa foi preenchido pela construção demuretes, integrando blocos de pedra oulajes verticalizadas; o processo deconstrução implicou a utilização decalços de apoio e de argamassas debarro, como ligante, entre os diversoselementos. A cabeceira da câmarafunerária foi demarcada por umdaqueles muretes que, no entanto, não

2.1 Cabeço do Torrão: Um sítio ouvários sítios6 ?

A imagem superficial deste local,verdadeiramente estimulante pelasdiversas facetas que consecutivamenteforam sendo detectadas, condensava,desde logo, parte dos problemas que osubsolo encerra. No topo do Cabeço,foram recolhidas dezenas de elementosde mós manuais, em associação aescassos fragmentos de cerâmica deprodução manual e a dois instrumentosde pedra polida. No lado Sudeste da suaplataforma de topo, foi identificadauma concentração de menires,globalmente de pequenas dimensões. Asua dispersão abrangia encostas anexase uma plataforma secundária, na qualum estranho conjunto de blocossugeriu, desde logo, a possibilidade deintegrarem uma arquitectura funerária(Albergaria e Lago, 1998).

Mais a Sul, sensivelmente cinquentametros na direcção da Ribeira daMurteira, já na base do Cabeço e nasequência da mencionada plataforma,foi identificado um núcleo de grandes esalientes blocos de granito, no topo dosquais se apresentavam diversascovinhas claramente gravadas por acçãohumana. Nas imediações das rochasgravadas, foram recolhidos, à superfíciedo terreno, diversos fragmentos decerâmica de produção manual. Já dooutro lado da Ribeira da Murteira, numafloramento rochoso, foi identificadooutro conjunto de covinhas gravadas.

Se, em traços gerais, antes da realização detrabalhos de escavação arqueológica, estaera a nossa visão, após a sua realização, a

complexidade inicial multiplicou-se, jáque não só foi confirmada a existência deuma pequena sepultura, como foiidentificado, no topo da plataformaprincipal do sítio, um recinto cercado porum fosso.

A presença, numa área tão restrita comoa deste cabeço, de contextos remetendopara espaços e arquitecturas específicasem que as dimensões do sagrado e doprofano pareciam coexistir, implicou,desde logo, a sua problematização, emfunção da área envolvente e do âmbitocronológico pouco claro, potenciador dedúvidas sobre eventuaiscontemporaneidades existentes entre si.Efectivamente, como relacionar asdiferentes facetas de utilização evivência do espaço do Cabeço semdados seguros sobre a sua articulação?Quanto tempo teria decorrido entre aimplantação do primeiro e do últimodos espaços? Que significado individualteriam? E em conjunto, como seriamencarados? O Cabeço do Torrão é umsítio acumulador de referências ou sãovários sítios distintos, temporalmenteseparados por processos de abandono?

2.1.1 Anta 2 do TorrãoLocalizada numa pequena plataformasecundária do Cabeço, esta sepultura,que podemos considerar de pequenasdimensões, foi escavada em 1995 e 1996

Sem corredor, a sua arquitecturacaracteriza-se pela incorporação dediversos elementos a uma larga fossaaberta na rocha. De aproximadamente2,70 m por 1,70 m, apresenta paredesverticais em todos os lados excepto noorientado a Este, cujo limite foi

Intervenções }Cabeço do Torrão (Elvas)

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A imagem superficial deste local,verdadeiramente estimulantepelas diversas facetas queconsecutivamente foram sendodetectadas, condensava, desdelogo, parte dos problemas que osubsolo encerra

A presença, numa área tãorestrita como a deste cabeço,de contextos remetendo paraespaços e arquitecturasespecíficas em que asdimensões do sagrado e doprofano pareciam coexistir,implicou desde logo a suaproblematização

Figura 3Anta 3 do Torrão antes doinício da escavaçãoarqueológica. Vista de Oestepara Este.

Figura 4Alçado interno da cabeceirada Anta 3 do Torrão.

Figura 5Anta 3 do Torrão. Vista gerala partir da cabeceira.

6 O Cabeço do Torrão localiza-se na freguesia deBarbacena, concelho de Elvas, distrito de Portalegre. Ascoordenadas geodésicas de um ponto aproximadamentecentral são: M - 274.35 / P- 224.05 (GAUSS) / Z - 335 m(CMP 1:25 000, folha 399, Santa Eulália – Elvas. ServiçosCartográficos do Exército, 1966). A realização dolevantamento topográfico revelou que a cota de Z indicadana carta militar é aproximada, situando-se o ponto mais altodo cabeço no topo do menir 4, aos 337,52 m.Geologicamente, o Cabeço do Torrão insere-se numcontexto de granitos rosas alterados, muito friáveis e degrão grosso, que contaminaram fortemente todos ossedimentos.

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De forma sintética, a escavação destapequena anta permitiu o registo de umenchimento em que predominavamcontextos específicos relacionados comum entulhamento, ao nível do seu topo,e integrando dois menires, comderrubes de elementos pétreospertencentes à própria estrutura,particularmente aos muretes internos ecom a função inicial de deposiçãofunerária de restos humanos. Osvestígios de tal utilização, identificadossob aqueles derrubes e entulhamentos,surgiam integrados em contextos dedepósitos assentes na base da câmara.

A utilização sepulcral, efectivamentecomprovada pela presença de um sófragmento de osso longo humano e deum conjunto artefactual genericamentecoerente do ponto de vistaestratigráfico, pode apontar para umasó deposição funerária, como, aliás,pode indiciar a dimensão do espaçointerno da câmara, com menos de 2 m2.

O mobiliário funerário presenteintegrava os seguintes elementos:

• fragmento de lâmina de sílex não retocada;

• enxó de pedra polida;• machado de pedra polida;• geométrico trapezoidal de sílex não

retocado.

De características arquitectónicasespecíficas pouco comuns, masenquadrável numa tradição construtivade pequenos sepulcros e integrando umconjunto artefactual que poderemosconsiderar de largo espectrocronológico, apesar de certamenteNeolítico, o conhecimento deste

Intervenções }Cabeço do Torrão (Elvas)

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foi adossado à parede da fossa, pelo quea sua presença criou um estreito espaçoou nicho entre a câmara propriamentedita e a superfície rochosa da fossadefinidora da cabeceira do sepulcro7.

A existência de dois buracos de posteabertos na base da câmara, muitoprovavelmente no decorrer do seuprocesso de construção, pode serrelacionada com a necessidade de criar,durante aqueles trabalhos, apoios parasuster alguns dos elementos estruturaispétreos.

Os dados arqueológicos referentes aomencionado espaço, designado pornicho, não permitem leiturasconclusivas. Os depósitos de terra que opreenchiam eram bastante homogéneos,não tendo sido definido se ali estariamintegrados por acção natural, ouhumana, tal como eram praticamenteestéreis do ponto de vista de elementosartefactuais, tendo sido apenasrecolhidos, em contexto de base, doispequenos fragmentos cerâmicos. Apesardisso, foram por nós avançadas duashipóteses interpretativas, sem quedados conclusivos permitam por si sóinterpretações seguras:

a) espaço criado com vista a facilitar aimplantação de um monólito desinalização da estrutura monumental,eventualmente o menir 11, registado àsuperfície a cerca de vinte metros dosepulcro, de que um segundo segmento,correspondente a metade da suatotalidade, foi posteriormenteidentificado no seio de um derruberegistado no interior da câmara. Dequalquer forma, estratigraficamente,nada foi detectado no enchimento donicho que permita comprovar estahipótese.

b) espaço criado de raiz para colocaçãode elementos rituais, particularmenteoferendas que acompanhariam oindivíduo ou indivíduos sepultados nolocal. Nada desse tipo foi efectivamentedetectado, sendo os mencionados

fragmentos de cerâmica um escassoindício, podendo inclusivamente alisurgir por integração prévia nas terrascolocadas no nicho.

Da cobertura do monumento nadaconhecemos. Poderia ser constituída poruma ou várias lajes de pedra, porelementos de madeira ou de outrosmateriais perecíveis de que nãorestaram vestígios. Da mesma forma,nenhum elemento disponível apontapara a incorporação na arquitectura deuma mamoa, qualquer que fosse a suafunção. Refira-se, a este propósito, queas características da construção, de carizpreponderantemente subterrâneo, nãoimplicariam a necessidade técnica dasua existência enquanto elemento decontrafortagem da estrutura geral,sendo tal função naturalmentecumprida pela própria rocha escavada.46

As característicasmorfológicas desta sepulturade pequenas dimensõessugerem um eventualenquadramento no designadoProto-Megalitismo, conceitorelativamente ao qualpermanecem dúvidas

Figura 6Anta 3 do Torrão. Vista geral a partir da entrada.

Figura 7Vista geral da plataforma de topo do Cabeço do Torrão,no início da escavação arqueológica.

7 A escavação prévia da fossa de implantação do sepulcroimplicou, desde logo, a demarcação desse espaçoespecífico pelo aprofundamento da área escavada na zonada cabeceira, tornando-se, dessa forma, evidente umdesnível na base da rocha; posteriormente, seriam criadoso nicho e a câmara funerária propriamente dita.

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preservados, exceptuando os menires 3,4, e 14, que se apresentam fragmentados.Do ponto de vista morfológico,caracterizam-se, globalmente, pelas suaspequenas dimensões8 e por algumadiversidade de formas9.

Na plataforma de topo do Cabeço e àexcepção do menir 4, todos os restantesmonólitos foram encontrados tombadosà superfície do terreno e, consequentemente,deslocados da sua posição original.Apesar de já ter sido intervencionadaarqueologicamente uma área bastantesignificativa (cerca de 460 m2), aindanão foram identificados alvéolos deimplantação destes menires, nem foramregistados vestígios de outras estruturasque possam ser claramente relacionadascom a utilização do recinto megalítico,definido pela sua disposição noterreno10. Refira-se que as característicasda estratigrafia identificada, integrandouma camada de terra assenteimediatamente sobre a rocha e com umaespessura de aproximadamente 30 cm,não favoreceu a preservação de antigosdepósitos, pelo que as realidadesdetectadas sobre a rocha são,maioritariamente, resultado deprocessos de revolvimentos recentes.A quase ausência de estruturasassociadas aos menires do Torrão nãodeve ser considerada como uma situação

insólita, dado que a verticalização dospequenos monólitos poderia não implicara construção de verdadeiras estruturas deimplantação e de sustentação, masapenas a sua colocação em pequenascovas abertas na terra, de quedificilmente teriam restado vestígiospassíveis de registo arqueológico.

De todos os menires identificados,apenas o menir 4 permanecia erguido11,aparentemente em associação contextualaos restos de uma estrutura12 formada porblocos pétreos, dispostos horizontalmentee assentes sobre uma concavidade abertana rocha. Tal como no Menir 9 do Padrão(Gomes, 1997a: 166) ou no Menir 5 dosPerdigões (Gomes, 1994: 327-329), aexistência de uma estrutura pétrea juntoa este menir do Torrão pode demonstrara intenção de criar um ambienteindividualizado para a prática de certotipo de rituais.

A ausência de materiais associados e dedados sobre a localização original daquase totalidade dos menires

Intervenções }Cabeço do Torrão (Elvas)

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monumento funerário desenquadradode datações absolutas não fornecerespostas a inúmeras questões relativasao megalitismo da região, nem podeesclarecer os problemas suscitados peloseu enquadramento espacial com outrasrealidades arqueológicas com quepoderá ter estado articulado nesta área.

Por outro lado, e apesar das dúvidasrelativas ao âmbito cronológicoespecífico dos contextos e arquitecturadetectados e as incertezas quecontinuam a pautar os nossosconhecimentos relativos à emergência eevolução do Megalitismo no nossoterritório, devemos assinalar que ascaracterísticas morfológicas destasepultura de pequenas dimensõessugerem um eventual enquadramentono designado Proto-Megalitismo,conceito relativamente ao qualpermanecem dúvidas, sendo o próprioconjunto artefactual detectadocompatível com tal proposta.Infelizmente, o registo arqueológicodisponível para este caso não nospermite contribuir para oesclarecimento destas questões, já queas incertezas não nos permitem umenquadramento temporal seguro.

2.1.2 Os menires e o Recinto Megalítico do TorrãoNo Cabeço do Torrão foramidentificados quinze menires. Dozedeles encontram-se dispersos pelo sectorSul da plataforma de topo e pelas suasvertentes nascente e poente, enquantoque os restantes três foram identificadosà superfície, nas proximidades dasepultura ou em contextos integradosno seu enchimento interior (Albergaria,Lago: 1995: 55; Lago, Albergaria, 1996) .Todos estes menires foram obtidos apartir de rochas granitóides,encontrando-se relativamente bem

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A quase ausência deestruturas associadas aosmenires do Torrão não deveser considerada como umasituação insólita, dado que averticalização dos pequenosmonólitos poderia não implicara construção de verdadeirasestruturas de implantação e desustentação

8 Os menires 9 e 10 distinguem-se do conjunto pela suamaior dimensão (o menir 9 mede 1,02 m de comprimento etem 0,5 m de largura máxima, enquanto que o menir 10mede 1,63 m de comprimento e 0,68 m de largura máxima).Os restantes menires variam em comprimento entre os 0,82 mdo menir 15 e os 1,22 m do menir 1; a largura da baseoscila entre os 0,28 m do menir 8 e os 0,54 m do menir 6.O menir 11, provavelmente por estar associado à sepultura,distingue-se de todos os outros por ter 1,50 m decomprimento e uma largura média de 0,30 m.

9 No conjunto do Torrão existem três grupos de menires: deforma subcilíndrica (menires 1, 8 e 11); de forma ovóide(menires 7, 9, 10 e 12); de forma subparalelipipédica(menires 2, 5 e 6).

10 Contudo, não podemos deixar de referir a existência deduas concavidades, localizadas no exterior do recintocercado pelo fosso (fossas 7 e 9), que, devido às suasreduzidas dimensões podem ser interpretadas como sendoo fundo de alvéolos de implantação de menires. No entanto,perante o tipo de contextos arqueológicos identificados, nãoé possível comprovar esta hipótese, nem valorizá-la emdetrimento de outras leituras.

11A existência de uma grande laje de granito encostada auma das faces do menir pode ter contribuído para impedir acirculação de máquinas agrícolas junto ao bloco erguido,contribuindo para a sua preservação in situ.

12 Por dois motivos, não nos parece que o menir tenha tidouma coroa pétrea de apoio à sua sustentação: 1) as pedrasnão estavam dispostas de forma a funcionarem comocalços; 2) as pedras só preenchiam um dos lados da fossa.Quanto à funcionalidade da concavidade, não nos pareceter servido como alvéolo de implantação, já que os seuslimites ultrapassavam largamente as dimensões da base domenir. Refira-se que, nos depósitos associados a estaestrutura, não foram identificados materiais arqueológicos.

Figura 8Menir 4, durante o processode escavação.

A ausência de materiaisassociados e de dados sobre a localização original daquase totalidade dos meniresrelacionados com o recintomegalítico, por deslocaçãodos menires e pela ausênciados respectivos alvéolos deimplantação, impossibilita areconstituição da sua plantaou a definição de diferentesmomentos relacionados com a sua construção e utilização

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relacionados com o recinto megalítico,por deslocação dos menires e pelaausência dos respectivos alvéolos deimplantação, impossibilita areconstituição da sua planta ou adefinição de diferentes momentosrelacionados com a sua construção eutilização. Dessa forma, são reduzidasas possibilidades de definir ereconstituir eventuais acções que alitenham decorrido13.

No entanto, devem ser realçados doisfactos que podem ser particularmentesignificativos:

— a actual disposição dos menires,localizados no exterior do recintocercado pelo fosso, sugerindo aexistência de dois ambientes bemdelimitados espacialmente (o recintomegalítico e o recinto cercado);

— a dispersão dos menires ao longo deum eixo global Noroeste-Sudeste,compatível com a orientação centralverificada em outros monumentosmegalíticos alentejanos, como, porexemplo, o Cromeleque dos Almendres(Gomes, 1994: 335), o Cromeleque daPortela de Mogos (Gomes, 1997b: 36),ou mesmo com um número significativode sepulcros (Calado, 1993: 297;(Hoskin, 1998).

No que diz respeito aos dois meniresencontrados à superfície, junto dasepultura do Torrão, e ao menirrecolhido durante a escavação do seuinterior, as questões que se colocam sãoem maior número que as respostas.Qual a razão de ser dos menires aquiidentificados? Terão sido arrastadosdesde o topo da elevação principal? Seráque estavam implantados na estruturada sepultura, hipótese já avançada parao caso do menir 11, ou estariam a elaassociados de forma a materializarrelações intencionais com o própriorecinto megalítico?

Foram identificados doissegmentos de vala escavada na rocha, localizadossensivelmente a meio daplataforma principal do Cabeço,para lá da qual foramidentificadas outras realidades,entre as quais quatro fossas

Figura 9Planta da plataforma de topo do Cabeço do Torrão, incluindo os principais elementos estruturais do recinto megalítico e do recinto cercado por fosso.

Figura 10Vista geral de troço de fosso, durante os trabalhos de escavação.

13 Contrariamente, nas áreas espacialmente associadas aorecinto cercado pelo fosso, registou-se uma maior densidadede materiais arqueológicos nos depósitos superficiais.

O facto de a sepultura edificadanuma plataforma secundáriasurgir em associação a menires pode implicar a presença de dispositivos de teor simbólico

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Face aos dados disponíveis, éinequívoca a existência de vestígios deum recinto de carácter ritual,originalmente demarcado por umconjunto de menires implantados deforma planificada num sector específicodo topo do Cabeço. O facto de asepultura edificada numa plataformasecundária surgir em associação amenires pode implicar a presença dedispositivos de teor simbólico, cujaespecificidade ainda não é possíveldeterminar.

2.1.3 O recinto cercadoQuando os menires do Torrão foramdescobertos, recolheram-se à superfíciemateriais arqueológicos que nos levarama colocar a hipótese da existência devestígios de um povoado neolítico noCabeço: um conjunto de 12 fragmentosde mó, alguns fragmentos de cerâmicamanual e dois artefactos de pedra polida(Albergaria, Lago, 1995: 54).

A primeira campanha de escavações,realizada em 1995, tinha como principaisobjectivos "detectar os contextos defundação e utilização do recinto;perceber o significado da presençaabundante de elementos de dormente(...)" (Lago, Albergaria, 1996: 4), peloque foi com alguma surpresa que,durante a escavação da área que poderiaconstituir o limite Nordeste do núcleocentral do recinto megalítico, foramidentificados dois segmentos de valaescavada na rocha, localizadossensivelmente a meio da plataformaprincipal do Cabeço, para lá da qualforam identificadas outras realidades,entre as quais quatro fossas igualmenteescavadas na rocha.

No final da última campanha deescavações arqueológicos14, a informaçãoacumulada relativamente a esta área doCabeço do Torrão fora substancialmenteenriquecida, potenciando leituras demaior interesse. Efectivamente, acontinuação dos trabalhos permitiuestabelecer a ligação entre os doissegmentos de vala, identificar dois

novos troços do que parece ser a mesmaestrutura (um situado a meio davertente Nascente e o outro localizadono limite superior da encosta Nordeste),bem como detectar catorze fossas, dezdelas escavadas no interior do cercado.

No topo do Cabeço, a nossa intervençãorevelou uma camada de aterro sobre arocha, com escassa presença demateriais arqueológicos, enquanto que,nos depósitos associados ao topo doenchimento de estruturas escavadas, foi

registada uma maior abundância demateriais. Nos contextos associados aessas estruturas, recolheu-se umagrande quantidade de fragmentos decerâmica de construção, por vezes, comclaríssimas marcas de caules e com assuperfícies contrárias alisadas, algumaspedras de pequenas e médias dimensõesespalhadas ao longo do topo dosdepósitos, um elevado número defragmentos de recipientes cerâmicos, deque se destacam as formas esféricas, porvezes mamiladas, as taças de bordo

espessado e as taças carenadas, os pesosde tear de secção sub-rectangular, osfragmentos de mós e elementos demicro-utensilagem lítica.

Do ponto de vista arquitectónico, aplataforma de topo do Cabeço do Torrãoé marcada pela presença de duasrealidades concretas, especificamenteconcebidas e espacialmente concretizadas:

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14 A segunda e terceira campanha realizaram-se em 1996 e1997, respectivamente.

Figura 11 a / bCorte estratigráfico do fosso delimitador do recinto cercado doTorrão.

Figura 12Vista geral de fossas do interior do recinto cercado do Torrão.

Figura 13Fossas do interior do recinto cercado do Torrão.

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na sua metade Sudeste, um recintomegalítico definido por menires, e nasua metade Nordeste, um recintocercado por um fosso que cortatransversalmente a plataforma,dividindo-a no centro e que se prolongapelas vertentes Norte e Nascente daelevação.

Este fosso tem uma morfologia muitoprópria, com um perfil de interface decorte da rocha genericamente em V, umaprofundidade15 máxima de 1 m e larguramáxima 1,5 m, distinguindo-se de casossimilares pelas suas reduzidas dimensões.De facto, em outros recintos cercadosexistentes no Sudoeste Peninsular, comoPerdigões (Lago et alli, 1998: 71),St.ª Vitória (Dias, 1996), Papa Uvas(Martin de la Cruz, 1985), ou mesmoJuromenha 1 (Calado, 2000a), os fossosdelimitadores de recintos apresentamoutra amplitude, por vezes monumental.

A recolha de blocos de rocha integradosnos depósitos removidos do fosso e aelevada granulosidade dos sedimentosacumulados no seu fundo permitemsugerir a hipótese dos construtores docercado terem erguido, ao longo do topoda parede do fosso, uma lombaresultante da acumulação de terra erocha removidas durante a sua préviaescavação. No entanto, taiscaracterísticas do registo arqueológicopodem resultar de processos de erosão

local, nomeadamente, da desagregaçãoprogressiva das paredes das estruturasescavadas, com a consequenteconcentração de grão de rocha no seuinterior, e da acumulação de terrassedimentadas no interior de estruturas,muito particularmente das quepermanecessem expostas ao ar. Defacto, no Cabeço do Torrão, as terrasque constituem o nível de aterro sobre arocha16 apresentam uma constituiçãofortemente arenosa, com incorporaçãomuito abundante de elementosresultantes da alteração e desagregaçãoda rocha local. Foi, aliás, este facto quefacilitou a escavação das estruturasnegativas e terá potenciado processostendencialmente rápidos desedimentação no interior das estruturas.

A constituição dos depósitosidentificados nos troços de fosso parecedemonstrar que terá ocorrido umprocesso de enchimento progressivo.

Devido à sua reduzida dimensão, é desupor que tal processo, pelo menos emmomentos finais do seu uso, pode terdecorrido de forma relativamenterápida, eventualmente, durante algunsanos. Tal dimensão também deve terconduzido à necessidade de realizar,

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Figura 14Principais formas de recipientes cerâmicospresentes na Fossa 1.

15 Este valor é calculado a partir do topo da rocha até aolimite inferior da área escavada.

16 Este aterro apresenta uma espessura média de 30 cm.

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frequentes, mas muito fragmentados, eenquadrando-se em depósitos quetambém incorporavam grandequantidade de pedras, entre as quaisalguns elementos de moagem.

A diversidade verificada na composiçãodos contextos acumulados no interior dasfossas parece reflectir diferentesprocessos de formação e pode demonstrara multifuncionalidade destas estruturas.Em determinados casos, em cujo interiorforam encontrados recipientes quasecompletos, estamos perante depósitosprimários; noutros casos, em que os

contextos revelam fragmentos demateriais ou potenciais indícios deentulhamentos ou derrubes, estamos facea depósitos secundários. Ou seja, emdeterminados casos, registam-se vestígiosde uma utilização específica e intencional,nomeadamente a colocação de vasos,enquanto noutros casos são notórios osvestígios de ocorrências pós-utilização,relativos ao preenchimento natural ouintencionalmente de espaços vazios.O recinto cercado do Torrão parece tertido uma ocupação contínua até ao seuabandono, provavelmente no NeolíticoFinal. A progressiva sedimentação das

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com alguma regularidade, limpezas nasestruturas, particularmente do fosso; atéao momento, não foram registadosindícios de tais acções, provavelmenteporque a estratigrafia é constituída porelementos muito homogéneos.

Conforme já mencionado, este sítio éainda composto por fossas escavadas,predominantemente, na rocha.Globalmente, as catorze unidadesidentificadas até ao momentoapresentam dimensões muito variadas,embora nenhuma delas ultrapasse 0,70 mde profundidade e 1,40 m de diâmetro

máximo. Assim, podemos considerardois grupos, um de concavidades detamanho reduzido e outro enquadrandoelementos com dimensões médias.

Os depósitos que preenchiam estas fossasapresentavam características muitodiferentes entre si. Em certos casos, oscontextos identificados integravamrecipientes cerâmicos praticamentecompletos; noutros casos, registou-se apresença de escassos vestígios demateriais arqueológicos, muitofragmentados, existindo ainda situaçõesem que os materiais presentes eram

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Figura 15Artefactos polidos recolhidos norecinto cercado do Torrão.

Figura 16Pontas de seta e fragmentos delâminas recolhidos no recinto cercadodo Torrão.

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estruturas escavadas, particularmente dofosso, paralelamente à permanência douso do espaço cercado, está bem patentenuma fossa aberta nas terras quecolmatavam parcialmente o fosso e numderrube, que a cobria, formando umagrande quantidade de cerâmica deconstrução, por vezes com marcas decaules. Estes dois elementos conjugadosdemonstram que, num espaço emreadaptação, ocorreu uma sucessivaedificação de estruturas.

Existem dados que demonstram aevolução da organização arquitectónicado cercado, mas os materiaisarqueológicos recolhidos, essencialmenteno interior das estruturas negativas, têmuma homogeneidade que, pelo menos demomento, não nos permite distinguirconjuntos específicos que caracterizemdiferentes fases culturais. Perante osdados disponíveis, a cultura materialpresente em contextos relacionados como cercado pode ser perfeitamenteenquadrada nos ambientes conhecidospara o Neolítico Final, devido à presençaclaramente dominante de recipientescerâmicos, como as taças carenadas, astaças em calote, os globulares ouesféricos, bem como a presença deoutros elementos, como pesos de tear dotipo placa com secção rectangular,elementos de moagem (81 exemplaresde mós manuais), ou artefactos empedra polida (a maioria das peçasrecolhidas consistia em machados ouem enxós reutilizados como percutores),pontas de seta em quartzo leitoso ou emxisto, de base recta ou côncava,fragmentos de lâmina ou geométricos.Este conjunto material temsemelhanças com os conjuntosrecolhidos em locais como Sala n.º1(Gonçalves, 1987), Torre do Esporão(Gonçalves, 1991), Vale Pincel II (Silva;Soares, 1981), Caramujeira (Gomes;Monteiro; Serrão, 1978), ou Foz doEnxoé (Dinis, 1999), ou seja, emcontextos relacionados com locais dehabitat, tradicionalmente integrados noNeolítico Final.

3. Conclusões

No actual momento do processode investigação relativo aopovoamento entre o 4.º e 3.º

milénio a.C. na região de Elvas, muitoparticularmente no espaço envolvente àactual Herdade do Torrão, é sobretudopossível disponibilizar alguns dadosobjectivos, colocar problemas, suscitardúvidas e propor modelos passíveis deverificação posterior.

Os dados disponíveis relativamente aoespaço tratado neste texto, assente eminformações muito genéricas, desuperfície ou provenientes de trabalhosantigos, claramente insuficientes face àsactuais exigências, são actualmentecomplementados por elementosrecentemente recolhidos a partir de umprojecto implementado de formasistemática.

Tais dados, provenientes essencialmentede contextos específicos detectados emescavação e de uma análise parcial dosmateriais arqueológicos nelesintegrados, apresentam, desde logo, umainsuficiência significativa, já que não épossível dispor de datações absolutas eos dados passíveis de fornecerenquadramentos temporais relativos sãode uma abrangência excessiva, apesar declaramente Neolítica. As leiturasinterpretativas, referentes à estruturaçãodo povoamento e à contemporaneidadehipotética entre os diversos elementosdetectados na área, quer ao nívelespecífico do Cabeço do Torrão, quer aonível das realidades envolventes quecom ele interactuaram, não são assimsuficientemente seguras.

Relativamente ao Cabeço do Torrão, quepoderemos encarar como um cenárioimportante no seio de uma paisagemmais alargada, e no qual sedesenrolaram múltiplas acções humanasao longo de um período que terádecorrido, muito genericamente, até aoNeolítico Final, como interpretar osvestígios de que dispomos, distribuídos

por diversas arquitecturas funerárias,religiosas e hipoteticamente domésticas,associadas neste espaço restrito adispositivos de carácter simbólico ousagrado como são as rochas gravadascom covinhas?

É, precisamente, a complexidaderesultante da multiplicidade decontextos, com diversos significados eenquadrados num espaço tão restrito,que torna este sítio muito particularenquanto elemento representativo deum determinado processo detransformações na organização culturaldas territorialidades, durante o Neolíticono Sul de Portugal.

Este lugar condensa um conjunto deelementos que manifestam uma clarafixação num espaço específico de quenos chegaram alguns indíciosarquitectónicos relevantes. Este factotem que ser destacado, já que parecedenunciar especificidades norelacionamento com o território quemotivou, tanto quanto sabemos, paraesta região, de forma inédita,necessidades de edificaçãomultifuncionais num espaço tãolimitado como é este cabeço.

Apesar das inúmeras lacunas deinvestigação que persistem para estaregião e para a generalidade do Sul dePortugal, no que respeita aos contextosdo 4.º milénio a.C., os dados apontampara a consolidação de sociedades

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É, precisamente, acomplexidade resultante damultiplicidade de contextoscom diversos significados eenquadrados num espaço tãorestrito, que torna este sítiomuito particular enquantoelemento representativo de umdeterminado processo detransformações naorganização cultural dasterritorialidades,durante oNeolítico no Sul de Portugal

Numa certa fase da históriadeste pedaço de paisagemnatural e social, parece-nosque foram realizadas eposteriormente reproduzidasacções que remetem para aidentidade de uma comunidadee para a sua relação ourelações concretas com talpedaço

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ausentes do registo disponível.Numa certa fase da história destepedaço de paisagem natural e social,parece-nos que foram realizadas eposteriormente reproduzidas acções queremetem para a identidade de umacomunidade e para a sua relação ourelações concretas com tal pedaço.Neste caso do Torrão, a inter-relaçãoentre a comunidade, o local e osantepassados deverá ser considerada, jáque, face ao peso dos contextos rituais, acarga simbólica seria marcante narevisitação ao sítio, que seriamsucessivos sítios, ou então umpalimpsesto expresso na globalidade doCabeço do Torrão.

Os processos de identificação econhecimento de ambos os tipos derecintos identificados neste local sãorelativamente recentes em Portugal. Nocaso dos recintos megalíticos,globalmente identificados a partir dosanos sessenta do século passado,assinalam-se avanços na investigação eproblematização dos contextosdetectados, a partir de escavaçõesrecentes (Calado, 2000b; Gomes, 2000).No entanto, em nossa opinião, os dadosde que dispomos relativamente a eles eaos contextos culturais em que seenquadrariam continuam a serexcessivamente inconclusivos,permanecendo por esclarecer questõesessenciais relativas aos processos queconduziram à sua emergência e aoquadro temporal em que se inseriram.Dessa forma, os modelos explicativospropostos (Gomes, 1994; Calado, 1997)

deverão continuar a ser testados,podendo o Torrão, apesar das limitaçõesjá enunciadas, contribuir para aproblematização de determinadosaspectos, nomeadamente no que toca àrelação entre espaços deste tipo e outrosde cariz funerário, ritual ou doméstico.

O processo de conhecimento dofenómeno dos recintos cercados porfossos integrados em cronologias do 4.ºe 3.º milénio a.C. no território português,iniciou-se a partir de 1986, com aidentificação no sítio de St.a Vitória, emCampo Maior, de um complexo sistemaestrutural, centrado num recinto comapenas uma entrada e no qual foramregistadas diversas estruturas em fossa(Dias, 1996). Desde então outros locaisforam identificados, sendo o caso dosPerdigões, em Reguengos de Monsaraz(Lago, et alli, 1998), o maisparadigmático.

Em ambos os tipos de recintos éevidente o seu enquadramento no seiode processos de grande abrangênciaespacial, já que se dispersam peloregisto arqueológico de vastas áreaseuropeias, sendo este factoparticularmente evidente no caso dosrecintos cercados por fossos (Burgess,1988; Thomas, 2001). Esta abrangênciaaponta para fenómenos de diversostipos, em que os contactos entrecomunidades e a circulação de ideias seespraiam por domínios que vão damentalidade profana ou religiosa àsmeras soluções técnicas de construção.Monumentos megalíticos e recintoscercados com fossos ou estruturas dealvenaria incorporam concepções quedenunciam importantes tradiçõesconstrutivas e necessidadesfundamentais da organização social dosindivíduos.

As semelhanças nas técnicas deconstrução e nas arquitecturas dosrecintos cercados tem vindo a serdemonstrada ao longo do processo deconhecimento dessa realidadeabrangente e afinal tão diversificada de

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agrárias empenhando-sesignificativamente na construção demonumentos megalíticos dispersos porterritórios específicos. Neste âmbito, aassociação entre espaços funerários erituais, como seriam os recintosmegalíticos definidos e delimitados pormenires, é muito significativa, talcomo a sua relação com um cercadodelimitado por um fosso complexificao contexto global de forma relevante.

Não sendo objectivas as relações entreos diversos ambientes detectados, desdeas rochas gravadas ao recinto cercado,nenhum elemento se sobrepõeespacialmente, existindo umacontinuidade de realidades, desde abase até ao topo do Cabeço do Torrão,que em conjunto nos possibilitamdiversificadas interpretações. Esteaspecto é fundamental; os contextosdetectados, independentemente da suanatureza arquitectónica ou sedimentar,permitem leituras diversificadas, pelofacto de existirem espacialmenteassociados. A natureza tendencialmentesimbólica ou religiosa das rochasgravadas, da sepultura e do recintomegalítico, é inegável; o recinto cercado,pela ligação espacial aos restanteselementos, adquire outros contornosinterpretativos que, sem essa relação,não nos ocorreriam (Edmonds, 1993).

Numa leitura tradicional dos dadosobjectivos disponíveis para o recintocercado, e considerando a acumulaçãode indícios relacionáveis com antigasactividades quotidianas de naturezadoméstica, seria pacífica a suainterpretação como povoado. Contudo,pela relação que se estabeleceespacialmente entre este cercado e orecinto megalítico, esses mesmoscontextos específicos e essas mesmasrealidades materiais assumemdiferenciadas potencialidades, podendoconduzir a distintas interpretações.Aqui, os problemas relativos àsdimensões diacrónica e sincrónica,óbvios nas aproximações às paisagenshumanizadas ao longo do tempo,

acrescentam factores de perturbaçãolimitadores: o que existiu antes e o quese seguiu depois? o que é que sendoanterior perdurou de forma evidente esignificativamente? como pensarvestígios de um santuário em associaçãoa vestígios de um habitat?

Sendo as primeiras questõesactualmente de resposta impossível,atendamos às seguintes hipótesesrelativas à última delas:

• existência de um povoado, definido por um recinto cercado por um fosso,contemporâneo de um recinto sagrado megalítico; ou seja, espaços doméstico e religioso convivendo espacial e temporalmente;

• existência de um povoado no topo do Cabeço em que antes existira um recinto sagrado do qual restavam os menires; face à ausência de sobreposição de contextos, a organização deste habitat teria respeitado a memória desse espaço anterior;

• existência simultânea de um recinto sagrado megalítico e de um espaço complementar, um recinto cercado por um fosso, no qual decorreriam acções que condensariam no registo arqueológico vestígios potencialmenteassociáveis a um habitat.

Ou seja, e assumindo-o com clareza,parece-nos que o processo interpretativodo Cabeço do Torrão atingiu umimpasse porque no actual momento dosnossos conhecimentos não é possível,com seriedade, optar por uma daquelashipóteses. A acumulação de contextossem relação física directa e aimpossibilidade de desenhar um quadrodo processo diacrónico no local, não nosimpede de considerar umacomplementaridade ou, pelo menos,uma progressiva incorporação designificados inter-relacionáveis. Osindícios de rupturas ou destruiçõesestão, pelo menos até ao momento,

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Monumentos megalíticos erecintos cercados com fossosou estruturas de alvenariaincorporam concepções quedenunciam importantestradições construtivas enecessidades fundamentais daorganização social dosindivíduos

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soluções e abundantemente dispersapela Europa, a partir do Neolítico(Burgess, 1988; Whittle, 1996), sendo nafaixa atlântica que mais recentementetêm surgido dados inovadores.

Com a consolidação do modo de vidadas sociedades Neolíticas, a questão danecessidade de demarcar espaços elugares parece ser central à questão dasua criação numa paisagemcategorizada, sendo também clara adiversidade de significados que lhes sãoinerentes, face às especificidades dediferentes soluções obtidas (Burgess,1988; Joussaume, 1989; Whittle, 1996;Darvill, 2001). A estruturação doslugares nasce da materialização físicade espaços mentais gerados em relaçõessociais, pelo que, "(...) o espaço épercebido através da transformação deáreas físicas indiferenciadas em lugares, quecorrespondem à categorização econceptualizacão do meio físico envolventee aos quais é possível associar nomes ehistórias que dão aos locais sentidos,tornando-os depósitos de memórias esignificados.(...)" (Valera, 2000: 114).Neste sentido, continuará a serexplorada futuramente a questão dosrecintos cercados; no caso do Torrão emparticular, enquanto não for possívelprosseguir processos de investigaçãorelativos ao local e ao seu contextoenvolvente, integrando nas estruturasde povoamento os diversos sítios que asreferenciariam, ao nível da organizaçãodos territórios, desde habitats amonumentos megalíticos, dificilmenteserá possível avançar nas temáticas quenos preocupam, particularmente nadevida compreensão das motivações quecondicionaram a emergência do lugar.

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O recinto cercado do Torrãoparece ter tido uma ocupaçãocontínua até ao seu abandono,provavelmente no NeolíticoFinal