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5/22/2018 OCapitalismoFinanceiro_NelsonPrado-CrticaMarxistav5-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/o-capitalismo-financeironelson-prado-critica-marxista-v5 1 CRÍTICA MARXISTA •

O Capitalismo Financeiro_Nelson Prado - Crítica Marxista v5

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  • 1CRTICA MARXISTA

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO2

    Caio Navarro de Toledo, Dcio Saes e

    Joo Quartim de Moraes

    Edio e projeto grfico: Expedito Correia

    Capa: Expedito Correia (sobre foto de Che Guevara)

    Reviso: Werbster G. Bravo

    Editorao Eletrnica: Xam Editora

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Crtica marxista : v. 1, tomo 5 / reviso Werbster G. Bravo. -- So Paulo : Xam, 1997.

    ISBN 85-85833-34-3

    Vrios autores.Vrios colaboradores.

    1. Crtica marxista I. Bravo, Werbster Gomes.

    97-4628 CDD-335.4

    Indices para catlogo sistemtico:

    1. Crtica marxista 335.4

    Xam VM Editora e Grfica Ltda.

    Rua Loefgreen, 943 - Vila Mariana

    CEP 04040-030 - So Paulo - SP

    Tel./Fax: 575-9075

    Impresso no Brasil

    outubro - 1997

  • 3CRTICA MARXISTA

    n 5

    Comit editorial

    Joo Quartim de Moraes - Universidade Esta-dual de Campinas / Joo Roberto Martins Filho- Universidade Federal de So Carlos / JorgeMiglioli - Universidade Estadual Paulista /Ricardo Antunes - Universidade Estadual deCampinas / Srgio Lessa - Universidade Federalde Alagoas

    Armando Boito Jr. - Universidade Estadual deCampinas / Caio Navarro de Toledo - Universi-dade Estadual de Campinas / Celso Frederico -Universidade de So Paulo / Dcio Saes - Uni-versidade Estadual de Campinas / Hector Benoit- Universidade Estadual de Campinas / IsabelMaria Loureiro - Universidade Estadual Paulista /

    Conselho de colaboradores

    Adalberto Paranhos - Universidade Federal deUberlndia / Adelaide Gonalves - UniversidadeFederal do Cear / Adilson Marques Gennari -Universidade Estadual Paulista / Afrnio MendesCatani - Universidade de So Paulo / AltamiroBorges - jornalista / Aluzio Lins Gal - Universida-de Federal do Par / Ana Lcia da Silva - Universi-dade Federal de Gois / ngela Tude de Souza -Universidade Estadual de Campinas / AntoninaSilveira - sociloga / Antonio Roberto Bertelli -socilogo / Ariovaldo de Oliveira Santos - Univer-sidade Estadual de Londrina / Arlete MoissRodrigues - Universidade Estadual de Campinas /Artur Scavone - jornalista / Bernadete WrublevskiAued - Universidade Federal de Santa Catarina /Carlos Alberto Ferreira Lima - Universidade Fede-ral do Par / Carlos Berriel - Universidade Estadualde Campinas / Carlos Simes - Pontifcia Universi-dade Catlica de So Paulo / Celestino Alves -Universidade Estadual Paulista / Csar Nunes -Pontifcia Universidade Catlica de Campinas /Ciro Flamarion Cardoso - Universidade FederalFluminense / Clovis Moura - historiador / DuartePereira - jornalista / Edgard Carone - UniversidadeEstadual de So Paulo / Edna Mascarenhas Dias -Universidade Federal do Amazonas / EduardoAlbuquerque - economista / Eduardo Ferreira Cha-gas - Universidade Federal do Cear / ElisirioAndrade - Universidade Estadual da Bahia / EliezerPacheco - Universidade de Iju / Emir Sader - Uni-versidade de So Paulo / Enid Y. Frederico - Uni-versidade Estadual de Campinas / Ernesto RenanMelo de Freitas Pinto - Universidade Federal doAmazonas / Fernando Loureno - UniversidadeEstadual de Campinas / Fernando Novais - Univer-sidade Estadual de Campinas / Fernando Ponte deSousa - Universidade Federal de Santa Catarina /Franklin Oliveira - historiador / Florestan Fernandes- in memorian / Francisco Antnio de Andrade

    Filho - Universidade Federal de Alagoas / Francis-co Auto Filho - Universidade Estadual do Cear /Francisco Foot Hardman - Universidade Estadualde Campinas / Francisco Jos da Costa Alves -Universidade Federal de So Carlos / FranciscoJos Teixeira - Universidade Estadual do Cear /Genildo Ferreira da Silva - Universidade Federalda Bahia / Gilberto Nascimento - UniversidadeFederal de Minas Gerais / Giovani Alves - Univer-sidade Estadual Paulista / Hector Saint-Pierre - Uni-versidade Estadual Paulista / Igns Navarro - Uni-versidade Federal da Paraba / In Camargo - Uni-versidade de So Paulo / Isaac Akcelrud - inmemorian / Ivan de Almeida - Universidade Fede-ral de Ouro Preto / Ivo Tonet - Universidade Fede-ral de Alagoas / Jacob Gorender - historiador /Jayme Gasparoto - Universidade Estadual Paulista/ Jesus Jos Ranieri - socilogo / Joo Antnio dePaula - Universidade Federal de Minas Gerais /Joo Francisco Tidei de Lima - Universidade Esta-dual Paulista / Joo Machado - Pontifcia Univer-sidade Catlica de So Paulo / Jorge Novoa -Universidade Federal da Bahia / Jos BenevidesQueirs - Universidade Federal de Sergipe / JosCarlos Rui - jornalista / Jos Corra Leite - jornalis-ta / Jos nio Casalecchi - Universidade EstadualPaulista / Jos Damio de Lima Trindade - advoga-do / Jos Flvio Bertero - Universidade EstadualPaulista / Jos Hamatari - Universidade Estadualdo Cear / Jos Lus Soares - socilogo / JosMeneleu Neto - Universidade Estadual do Cear /Jos Paulo Neto - Universidade Federal Fluminense/ Jos Prata de Arajo - economista / Jos RobertoZan - Universidade Estadual de Campinas / JuarezGuimares - socilogo / Jlio Turra Filho - soci-logo / Kleber Carneiro Amora - Universidade Esta-dual do Cear / Leonel Itaussu de Mello - Univer-sidade de So Paulo / Leonor Abreu - Universida-de Federal da Bahia / Ldia Maria de Souza da

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO4

    Silveira - Universidade Federal Fluminense / LgiaMaria Osrio - Universidade Estadual de Campi-nas / Luciano Martorano - socilogo / Lus Bicalho- Universidade Federal de Minas Gerais / MarceloRidenti - Universidade Estadual Paulista / MarcosDel Roio - Universidade Estadual Paulista / Mar-cos Nobre - Universidade Estadual de Campinas /Maria Elisa Cevasco - Universidade de So Paulo/ Maria Lygia Quartim de Moraes - UniversidadeEstadual de Campinas / Maria Orlanda Pinassi -Universidade Estadual Paulista / Marilena Corrada Silva - Universidade Federal do Amazonas /Mario Jos de Lima - Universidade Federal deUberlndia / Marisa Lajolo - Universidade Estadu-al de Campinas / Marly Vianna - UniversidadeFederal de So Carlos / Maurcio Chalfin Coutinho- Universidade Estadual de Campinas / MaurcioTragtenberg - Universidade Estadual de Campinas/ Nelson Prado Alves Pinto - Universidade Estadu-al de Campinas / Nelson Werneck Sodr - histori-ador / Noela Invernizzi - sociloga / Olival Freire- Universidade Federal da Bahia / Osvaldo Coggiola- Universidade de So Paulo / Patrcia Trpia -Pontifcia Universidade Catlica de Campinas /Paulo Alves de Lima Filho - Universidade Estadu-al Paulista / Paulo Alves Pinto - Universidade Es-tadual de Campinas / Paulo Balanco - Universida-de Federal da Bahia / Paulo Davidoff - Universida-de Estadual de Campinas / Paulo Martinez - Esco-la de Sociologia e Poltica de So Paulo / PauloPinto Monte - Universidade Federal do Amazonas/ Paulo Tumolo - Universidade Federal de SantaCatarina / Paulo Skromov - sindicalista / PedroRoberto Ferreira - Universidade Estadual de Londri-

    na / Pedro Vicente da Costa Sobrinho - Universi-dade Federal do Rio Grande do Norte / RaimundoJorge Nascimento de Jesus - Universidade Fede-ral do Par / Renato Monseff Perissinotto - Uni-versidade Federal do Paran / Robert Ponge -Universidade Federal do Rio Grande do Sul /Roberto Aguiar - diretor de teatro / RomualdoPortela de Oliveira - Universidade de So Paulo/ Ronald Rocha - socilogo / Ronaldo Coutinho- Universidade Federal Fluminense / Rosa MariaMarques - Pontifcia Universidade Catlica deSo Paulo / Rosa Maria Vieira - Fundao Get-lio Vargas-SP / Rubem Murilo Leo Rego - Univer-sidade Estadual de Campinas / Rubens RogrioSawaya - Pontifcia Universidade Catlica de SoPaulo / Rui Moreira - Universidade FederalFluminense / Salete Cara - Universidade de SoPaulo / Sedi Hirano - Universidade de So Paulo/ Srgio Braga - Universidade Federal do Paran /Slvio Costa - Universidade Catlica de Gois /Slvio Frank Alem - in memorian / Sonia Laranjei-ra - Universidade Federal do Rio Grande do Sul /Tania Pellegrini - Universidade Estadual Paulista/ Tania Tonezzer - historiadora / Terrie Groth -Universidade Federal de So Carlos / UbirajaraRebouas - Universidade Federal da Bahia /Valerio Arcary - historiador / Valquria Leo Rego- Universidade Estadual de Campinas / VictorMeier - Universidade Federal da Bahia / VitoGiannotti - sindicalista / Vito Letizia - PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo / WanderleyScatolin e Silva - historiador / Wolfgang Leo Maar -Universidade Federal de So Carlos / Zilda MrciaGricoli Iokoi - Universidade de So Paulo

    ENDEREOS PARA CORRESPONDNCIA

    REVISTA CRTICA MARXISTADepto. de Cincias Sociais UFSCar13565-905 So Carlos (SP) Brasil

    Fax (0162) 74-8353A/C Joo Roberto Martins Filho

    XAM VM EDITORA E GRFICA LTDA.04040-030 Rua Loefgreen, 943 So Paulo (SP)

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    Comit de colaboradores internacionais

    Antonino Infranca - Itlia / Atlio Born - Argen-tina / Boaventura de Souza Santos - Portugal /Enzo Santarelli - Itlia / Fredric Jameson - EstadosUnidos / Georg Gugelberger - Estados Unidos /Gianfranco La Grassa - Itlia / Giuseppe Prestipino- Itlia / Guido Oldrini - Itlia / Guillermo Foladori- Uruguai / Istvn Mszros - Inglaterra / James

    Petras - Estados Unidos / Joo Bernardo - Portu-gal / Maria Turchetto - Itlia / Michael Lwy -Frana / Michel Ralle - Frana / Mimo Porccaro -Itlia / Nicolas Tertulian - Frana / Pierre Brou -Frana / Ronald Chilcote - Estados Unidos / SergeWolikow - Frana / Timothy Harding - EstadosUnidos

  • 5CRTICA MARXISTA

    Sumrio

    Apresentao ........................................................................................................ 7

    A R T I G O S

    O capitalismo financeiro Nelson Prado Alves Pinto .............................................................................. 9

    Alemanha oriental: sete anos de unificao Gilbert Badia .................................................................................................... 27

    A dialtica como mtodo e filosofia no ltimo Engels Ricardo Musse ................................................................................................. 40

    O significado histrico da Revoluo de Outubro, parte II Domenico Losurdo ......................................................................................... 55

    Entrevista com Joo Pedro Stdile Luiz Antonio Cabello Norder ........................................................................ 81

    D O S S I S

    O impacto da Revoluo Russa no movimento operrio brasileiro

    Seis textos em defesa da Revoluo de Outubro Astrojildo Pereira ............................................................................................. 98

    A revoluo socialista na Russia e a origem do marxismo no Brasil Marcos Del Roio ............................................................................................. 117

    A influncia da Revoluo Russa no movimento libertrio brasileiro Jos Antonio Segatto ....................................................................................... 124

    Che Guevara

    Che Guevara: o antiimperialismo em atos Joo Quartim de Moraes ................................................................................ 129

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO6

    Os Estados Unidos e a guerrilha Joo Roberto Martins Filho ............................................................................. 144

    R E S E N H A S

    Giovanni Arrighi (O longo sculo XX dinheiro, podere as origem de nosso tempo),por Reginaldo Corra de Moraes ...................................................................... 151

    Paulo Arantes (O ressentimento da dialtica),por Wolfgang Leo Maar ........................................................................................ 154

    James Petras e Morris Morley (Empire or republic?American global power and domestic decay),por Joo Roberto Martins Filho ............................................................................ 165

    Ruy Braga (A restaurao do capital: um estudo sobrea crise contempornea),por Hector Benoit .................................................................................................. 168

    Perry Anderson e Patrick Camiller (Um mapa da esquerdana Europa ocidental),por Jos Roberto Cabrera ..................................................................................... 172

  • 7CRTICA MARXISTA

    Apresentao

    Dos artigos elaborados por autores estrangeiros, o de Gilbert Badiafoi especialmente escrito para Crtica Marxista. Com satisfaopublicamos este texto de um dos mais renomados e combativosintelectuais socialistas contemporneos. Em nota de rodap, Badiaesclarece o sentido deste seu trabalho em que procede a uma lcidaavaliao crtica da atual realidade social e cultural da antiga AlemanhaOriental, decorridos sete anos de reunificao. O artigo de DomenicoLosurdo constitui-se na segunda parte de seu excelente ensaio Osignificado histrico da Revoluo de Outubro.

    Uma discusso sobre o conceito e o significado do capitalismofinanceiro, atravs do exame da literatura marxista, feita no artigo deNelson Prado A. Pinto. A dialtica como mtodo e filosofia no ltimo Engelstem como autor Ricardo Musse, professor de filosofia e um dos editoresde Praga revista de estudos marxistas.

    Joo Pedro Stdile, destacado militante e dirigente intelectual do MST,concedeu a Luiz Antonio Cabello Norder uma entrevista sobre o sentidopoltico e social da luta pela reforma agrria protagonizada pelo Movimentodos Trabalhadores Sem-Terra.

    Publicamos dois breves dossis que tematizam importantesacontecimentos na histria do socialismo e na luta contra o imperialismo,sobre os 80 anos da Revoluo Russa e sobre o trigsimo aniversrio damorte de Che Guevara.

    Textos inditos de Astrojildo Pereira, alm dos artigos de Marcos delRoio e Jos A. Segatto compem o dossi sobre o impacto da RevoluoRussa sobre o movimento operrio brasileiro. Os textos de AstrojildoPereira, foram colocados nossa disposio pelo Instituto Astrojildo Pereiraanexo ao Centro de Documentao e Memria da Unesp, So Paulo.

    O dossi sobre Che Guevara apresenta dois artigos. Em seu trabalho,Joo Quartim de Moraes destaca o herico compromisso revolucionriode Che inimigo insubornvel e irreconcilivel da barbrie imperial-capitalista , e analisa tambm a ambigidade estratgica da concepo

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO8

    e prtica da luta armada presente nos escritos e na ao de Guevara. Nooutro artigo, Joo Roberto Martins Filho examina a poltica norte-americanaaps a Revoluo Cubana e suas iniciativas militares de contra-inssurreiona Amrica Latina.

    A seo de resenhas, ampliada neste nmero da revista, discutepublicaes recentemente editadas, que abordam temas e questesrelevantes para o pensamento socialista e marxista contemporneos.

    Por ltimo, tambm com satisfao que com a edio deste segundonmero em 1997 retomamos nosso projeto inicial de publicar CrticaMarxista semestralmente.

    Os editores

  • 9CRTICA MARXISTA

    O capitalismo

    financeiro*

    NELSON PRADO ALVES PINTO**

    I

    O surgimento e a expanso da grande empresa particularmente soba forma de sociedade por aes so geralmente aceitos como um doselementos decisivos para a explicao das transformaes econmicasocorridas ao longo da segunda metade do sculo XIX. No caso da histrianorte-americana possvel afirmar que essas grandes companhias atuando no setor de transporte ferrovirio, nas atividades petrolfera,siderrgica, comercial, alimentcia etc. constituram o motor docapitalismo gerencial-monopolista que substituiu a fase empresarial-competitiva do perodo anterior.1

    Para os estudiosos das questes institucionais vinculadas a essatransformao nos Estados Unidos (the corporate revolution), acrescente separao (tambm descrita como o divrcio) entre apropriedade e a gesto dos recursos produtivos teve uma importnciafundamental. A noo de que as administraes empresariais tinhamassumido um papel de independncia em relao aos acionistas-proprietrios foi praticamente consagrada num trabalho que setransformou numa referncia obrigatria: A moderna sociedade por

    * Este artigo uma verso, modificada, do original em Ingls apresentado conferncia sobreMarxian economics: a centenary appraisal, organizada pela Universit degli Studi di Bergamoem colaborao com a Universit di Teramo e do The European Journal of the History ofEconomic Thought, em dezembro de 1994, Bergamo, Itlia.

    ** Professor do Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas.

    1. Esta linha de raciocnio foi exaustivamente desenvolvida por Alfred Chandler numconjunto de estudos de profundo impacto na historiografia econmica norte-americana.Veja-se por exemplo sua afirmao de que: De todas as modificaes institucionais queacompanharam a transformao de uma economia rural, agrria e comercial numaeconomia urbana e industrial, nenhuma foi mais significativa do que o surgimento e aevoluo da grande empresa, Alfred D. Chandler Jr., Rise and evolution of big business.In: Glenn Porter (ed.), The encyclopedia of american economic history. New York,Scribners. 1980, vol. II, p. 619.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO10

    aes e a propriedade privada de autoria de Adolf A. Berle e GardinerC. Means, publicada em 1932.2 E esse no foi o caso apenas doseconomistas associados direta ou indiretamente chamada EscolaNeoclssica,3 mas estendeu-se tambm a uma significativa parcela doscientistas sociais em geral. O verbete sobre Sociedade por aes(Corporation) de autoria de Edward Mason na edio de 1968 daInternational encyclopedia of the social sciences4 afirma que: Acrescente separao entre a propriedade e o controle da grandesociedade por aes foi claramente descrita no estudo clssico de Berlee Means. (...) Desde ento, no surgiu nada que negasse essa tese e,pelo contrrio, muito que a confirmasse. Mais radical ainda, RobertA. Dahl (1970) declarou que: Hoje em dia, qualquer pessoaalfabetizada toma como estabelecido aquilo que Berle e Meansafirmaram quatro dcadas atrs no seu famoso estudo.5

    Muitos dos trabalhos que se seguiram publicao desse livro adotarame desenvolveram essa tese a autonomia gerencial freqentementeconcluindo implcita ou explicitamente que o capitalismocontemporneo havia-se transformado num sistema em que os capitalistastm pouca ou nenhuma influncia sobre a alocao dos recursosprodutivos.6 Em 1967, Galbraith afirmava que o poder decisrio nasociedade industrial moderna era exercido no pelo capital e peloscapitalistas mas pela organizao e seus burocratas.7 Levada ao extremo,

    2. Berle and Adolf A. Means, and Gardiner C. The modern corporation and private Property,New York: The Macmillan Company, 1932. Traduo brasileira da edio revisada de 1968, Amoderna sociedade annima e a propriedade privada. Coleo Os economistas, 2 ed., SoPaulo, Nova Cultural, 1987.

    3. Refiro-me aqui, fundamentalmente, tradio marginalista que se iniciou no ltimo quarteldo sculo XIX com Leon Walras, William Jevons e Carl Menger, foi desenvolvida por Wicksell,Bhm-Bawerk, Marshall, Pareto e Fisher e aperfeioada pelos seus inmeros seguidores aolongo do sculo XX.

    4. Edward S. Mason, Corporation. In: David L. Sills, (editor) International Encyclopedia of theSocial Sciences, New York, The Macmillan Company & The Free Press, 1968, p. 396-403.

    5. Robert A. Dahl, After the Revolution?. In: Zeitlin M., Corporate Ownership and Control: TheLarge Corporation and the Capitalist Class American Journal of Sociology Vol. 79, n 5, 1970,1974,p. 1107.

    6. Veja-se, por exemplo, John K. Galbraith, The new industrial state. New York, Harper &Row, 1967; e Robin Marris, The economic theory of managerial capitalism. New York,Free Press, 1964.

    7. John K. Galbraith, The new industrial state. 1967, 1978; Traduo brasileira da terceira ediorevista; O novo estado industrial, So Paulo, Abril Cultural, 1982, p. 11.

  • 11CRTICA MARXISTA

    como Berle o fez em seu The twentieth century capitalist revolution, issosignificava que O capital estava presente, assim como o capitalismo, ofator que desaparecia era o capitalista.8

    Isso certamente pareceria bastante estranho a qualquer observador quefolheasse as pginas do New York Times, Business Week, Fortune ou TheWall Street Journal. O mundo de negcios que a se retrata est repleto decapitalistas (acionistas) extremamente ativos e influentes nas decisesempresariais. Ao contrrio do que afirmaram Berle e Galbraith eleconstataria que no se passa uma semana sem que investidores individuais ou grupos restritos de capitalistas, operando atravs do seus veculosde investimento9 promovam vultosas operaes de compra e vendade lotes de aes/ttulos. Na maior parte das vezes essas operaes tmum impacto drstico no destino daqueles que Galbraith descreveu comouma burocracia (gerncia) estvel e independente. Nesse sentido, essemesmo leitor encontraria inmeras situaes nas quais os resultadosfinanceiros negativos ou o declnio das cotaes na Bolsa de Valoresdesencadeou aquilo que foi descrito como uma revolta do conselho deadministrao (board revolt).10 Ou seja, a administrao superior e/ou assuas estratgias foram inteiramente reestruturadas ou sumariamentedemitidas/eliminadas. interessante observar que o descontentamento dosacionistas foi responsvel pela alterao da administrao em pelo menosquatro das maiores empresas norte-americanas nos anos de 1992-93:General Motors, IBM, Digital e American Express.11

    Mesmo que se guarde uma prudente distncia do acirrado debate sobrea eficcia dos conselhos de administrao na sua funo de representaodos interesses dos acionistas, no parece possvel ignorar as atividades de

    8. Adolph Berle Jr., The twentieth century capitalist revolution, New York, Harcourt Brace,1954, p. 39.

    9. Por veculo de investimento (investment vehicle) entenda-se uma holding (empresacontroladora) ou mesmo uma companhia produtiva que tambm exera a funo de acionista/investidora em outras empresas fora do seu ramo especfico. Um exemplo deste gnero depessoa jurdica que tem ocupado o noticirio recente a Tracinda Co. de propriedade do Sr. KirkKerkorian, cuja fortuna pessoal est estimada em alguns bilhes de dlares e inclui investimentosnas atividades de lazer/entretenimento (cassinos e produo cinematogrfica) alm de umaparticipao equivalente a quase 10% do capital votante da Chrysler Co. (veja-se a nota 11).

    10. The board revolt. Business Week International, New York, McGraw Hill, n 3251-581. 20/4/92, p. 20.

    11. Veja-se BWI de 8/2/93 n 3292-622 p. 49 para a American Express; BWI de 3/8/92 n 3266-596 p. 46-48 para a Digital; BWI de 8/2/93 n 3292-622 p. 24-26, BWI de 5/4/93 n 3300-630 p.28 e BWI de 4/10/93 n 3326-656 p. 44 para a IBM.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO12

    bilionrios como os irmos Bass, Kirk Kerkorian ou Warren Buffet para mencionar apenas alguns dos mais conspcuos capitalistas norte-americanos nas suas notrias operaes financeiras.12 Seria difcil, senoimpossvel, argumentar que as suas aes no tm impacto direto sobre aalocao dos recursos produtivos ou sobre as decises empresariais. E,no entanto, esses capitalistas raramente assumem postos gerenciais nascompanhias cujas aes e ttulos eles negociam. Tampouco agem em seusnomes pessoais quando compram ou vendem esses papis. Dessa maneira,um observador desatento poderia concluir que o controle sobre o capital aqui compreendido como mquinas, instalaes fabris etc. exercidode forma independente e exclusiva pelos gerentes assalariados no-proprietrios. A noo neoclssica de fatores de produo terra,trabalho e capital refora essa crena de que o capital um elementomaterial recursos produtivos ao invs de uma relao social. Assimsendo, a ausncia de um controle direto sobre os recursos produtivos imediatamente associada perda de controle sobre o capital. Disso sededuz o capitalismo sem capitalistas sugerido por Berle.

    II

    O objetivo deste artigo o de sugerir que uma abordagem marxista dachamada revoluo empresarial (corporate revolution) pode apresentar umainterpretao mais consistente de uma sociedade na qual os capitalistas parecemter mantido um papel dominante nas decises de alocao dos recursosprodutivos. A literatura econmica marxista sobre esse assunto produziu pelomenos um estudo notvel Das finanzkapital,(O capital financeiro), 1910,de Rudolf Hilferding que rapidamente se transformou numa refernciaobrigatria durante as primeiras dcadas deste sculo. No seu livro, Hilferding13

    12. Entre as dezenas de notcias que se publicam cotidianamente em qualquer peridico denegcios, pode-se lembrar que em 1988 o sr. Robert Bass tornou-se proprietrio da maiorinstituio de poupana e crdito imobilirio da Califrnia. Essa aquisio foi o resultado deuma longa e delicada negociao com o Federal Home Loan Bank, uma instituiogovernamental envolvida no esforo de recuperao do sistema de crdito imobilirio norte-americano. Um artigo interessante sobre essa operao e sobre o modus operandi do sr. Basspode ser encontrado no BWI de 3/10/88, n 3068-398, p. 50-55.O sr. Kirk Kerkorian detinha 9,8% do capital votante da Chrysler Corp. quando, em abril de1995, numa parceria com o sr. L. Iaccoca (ex-executivo da prpria Chrysler), fez uma propostade aquisio do total das aes desta empresa pelo valor de US$ 20,5 bilhes. BWI de 6/4/92,n 3249-579, p. 41 e de 24/4/95, n 3405-735, p. 30.Ao sr. W. Buffet foi atribuda a responsabilidade pela defesa da administrao da GilletteCorp. em 1989 quando esta companhia foi assediada por uma oferta hostil de compra de suasaes, segundo o BWI de 7/8/89, n 3112-442, p. 42.

  • 13CRTICA MARXISTA

    pretendeu desenvolver uma compreenso cientfica das caratersticaseconmicas da ltima fase do desenvolvimento capitalista.14

    Ao descrever esta ltima fase, o autor afirmou que:Os aspectos mais caractersticos do capitalismo moderno so os seus pro-cessos de concentrao que, por um lado, eliminam a livre concorrnciaatravs da formao de cartis e trustes e, por outro, envolvem os capitaisbancrio e industrial numa estreita relao. Atravs dessa vinculao, comoser demonstrado mais adiante, o capital assume a forma de capital financeiro,a sua expresso suprema e mais abstrata.15

    O capital financeiro, por sua vez, foi definido como:...o capital bancrio, isto , capital em forma de dinheiro, que deste modo setransforma em capital industrial. Frente aos proprietrios mantm sempre aforma de dinheiro, investido por eles sob a forma de capital monetrio, decapital produtor de juros, e pode sempre ser retirado sob a forma de dinheiro.16

    De acordo com Hilferding, a transformao dos depsitos bancriosem capital produtivo acabou por concentrar a maior parte dos fundosemprestveis e dos ttulos (aes e debntures) nas mos dasinstituies financeiras. Em conseqncia disso, os grandes bancosassumiram uma posio dominante nos empreendimentos no-financeiros.No lugar do capitalismo sem capitalistas de Berle, o autor encontrou umcapitalismo bancrio ou, em suas palavras, um capitalismo financeiro.

    Muito se escreveu acerca desta noo capitalismo financeiro/bancrio e ela certamente exerceu e ainda exerce uma influenciaimportante na literatura econmica que a sucedeu. Lenin e Bukharin17

    13. Embora o livro de Hilferding desenvolva uma anlise integrada, tratando da origem dodinheiro, do crdito e das questes polticas do capitalismo financeiro, este artigo vai se ocuparapenas da sua noo bsica de capital financeiro. Para uma viso crtica de alguns dos temasabordados em O capital financeiro, veja-se G. Pietranera, Il pensiero economico di Hilferding eil dramma della socialdemocrazia tedesca. In: R. Hilferding, Il capitale finanziario. Milano,Feltrinelli Editore. 1961, p. IX-LXXIII; A. Hussain, Hilferdings finance capital. In: Bulletin of theconference of socialists economists. London, march/1976, vol. V 1, (13), p. 1-18; and J. Tomlison,Finance capital. In: The new palgrave a dictionary of economics, edited by J. Eatwell, M.Millgate and P. Newman; London, The Macmillan Press Limited. 1987, p. 337-339.

    14. R. Hilferding, Finance capital: A study of the latest phase of capitalist development.London, Routledge & Kegan Paul Ltd. 1981 (1910), p. 21.

    15. Idem, ibidem.

    16. Idem, p. 225.

    17. Vladimir I. Lenin, Imperialism, the highest stage of capitalism: a popular outline. NewYork, International Publishers. 1985(1916) e Nikolai I. Bukharin, Lconomie mondiale etlimprialisme. 1917.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO14

    estiveram entre os seus propositores mais conhecidos e pode-se dizer queo trabalho de Hilferding ficou profundamente associado idia dedominao bancria sobre as empresas industriais. Freqentemente, noentanto, essa noo de capitalismo financeiro foi criticada como umatentativa inadequada de generalizar uma peculiaridade do desenvolvimentoeconmico alemo do final do sculo XIX. Paul Sweezy, por exemplo, foibastante explcito quando afirmou que:

    Os financistas desempenharam um papel dominante na promoo financeira edesta maneira alcanaram uma posio importante e, por um perodo, mesmodominante na estrutura empresarial. Foi com base neste fenmeno queHilferding intitulou o seu trabalho de Capital financeiro. Veremos mais adi-ante, porm, que ele errou ao superestimar a importncia do predomnio finan-ceiro na ltima fase do desenvolvimento capitalista.18

    Numa passagem subseqente, Sweezy apontou para a dimensotransitria dessa preeminncia bancria, sugerindo que a nfase atribudapor Lenin ao carter monopolista do capital financeiro era mais adequadapara descrever a essncia do capitalismo moderno: O capital bancrio,que j teve seus dias de glria, volta novamente a uma posio subsidiriaem relao ao capital industrial, restabelecendo dessa forma a relao queexistia antes do movimento de combinao.19

    No obstante, de duvidar que a expresso capital financeiro possaser afastada do sentido de domnio dos banqueiros que Hilferding lheatribui. Se assim for, ser prefervel abandon-la inteiramente e substitu-la pela expresso capital monopolizador, que indica claramente o que essencial ao conceito de Lenin de capital financeiro e no leva o leitorincauto a uma deduo errnea.20

    III

    Ao contrrio do que Sweezy sugeriu, parece possvel ampliar a noode capital financeiro tal como formulada por Hilferding para muitoalm do sentido estrito de dominao bancria, sem que seja necessrionegar a transitoriedade da sua referncia histrica mais bvia aAlemanha do final do sculo XIX. Neste sentido importante destacarque o termo capital bancrio foi fundamental e adequadamente

    18. Paul M. Sweezy, The theory of capitalist development 1942B. Londres, Dennis DobsonLimited, Reimpresso de 1949 (1946), p. 260, edio inglesa.

    19. Idem, p. 268.

    20. Idem, p. 269.

  • 15CRTICA MARXISTA

    definido como uma forma de capital, isto , capital sob a forma dedinheiro... que pode sempre ser resgatado.... como capital-dinheiro. Emoutras palavras, o capital se transforma em capital financeiro quandocombina os atributos do capital-dinheiro e do capital industrial, ou seja,quando se torna lquido (prontamente conversvel no seu equivalentemonetrio) e produtivo: dinheiro e mquina ao mesmo tempo. Assim,ttulos regularmente negociados em bolsas de valores tais como aese debntures constituem capital financeiro da mesma forma como osdepsitos bancrios. Hilferding referiu-se de maneira explcita a essatrajetria alternativa ao descrever o sistema bancrio da Inglaterra:

    Com efeito, isso ocorreu, em parte, na Inglaterra, onde os bancos de depsitosgerenciam somente crdito de circulao e, por isso, o juro pelos depsitos mnimo. Da a permanente evaso dos depsitos para as reas industriaispela compra de aes. A o pblico faz diretamente aquilo que faz o banco na

    unio do banco industrial e do banco de depsitos. Para o pblico o resulta-do o mesmo, j que, de modo algum, lhe toca o lucro de fundador. Mas paraa indstria, significa uma dependncia menor com relao ao capital bancriona Inglaterra, em comparao com a Alemanha.21

    Embora esse caminho alternativo possa ter-se traduzido num setorprodutivo menos dependente do capital bancrio (aqui compreendidocomo um setor e no como uma forma de capital), isso no deve serinterpretado como tendo impedido o desenvolvimento do capital financeiroem seu sentido mais amplo. O arcabouo institucional foi certamentedistinto mas as suas caratersticas essenciais estavam igualmente presentes:a centralizao do comando sobre os recursos produtivos combinada coma transformao da riqueza privada em capital financeiro (mquinas emttulos). O que se est sugerindo que ao utilizar a evoluo institucionalalem como um modelo generalizvel, Hilferding enfraqueceu o poderexplicativo da sua viso mais abrangente.

    Deve-se ressaltar, como Sweezy o fez, que mesmo no caso alemoseria difcil encontrar evidncia emprica que sustentasse a noo de umcapitalismo dominado pelos banqueiros depois das primeiras dcadas dessesculo. Mas, por outro lado, tambm verdade que uma crescenteproporo dos meios de produo utilizados nos pases industrializadospassaram a se organizar sob a forma de sociedades por aes, enquanto ariqueza privada se transformava em ttulos prontamente negociveis. Valedizer que assim como no pode haver uma sociedade por aes semacionistas tambm no possvel expandir a propriedade acionria sem

    21. Hilferding. Op. cit., p. 225. O grifo meu.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO16

    que se desenvolva um mercado ativo para estes ttulos. Esta, alis, arazo pela qual as bolsas de valores assumiram um papel crucial na literaturaeconmica do final do sculo XIX. Observando o carter crescentementefinanceiro do capitalismo de ento, autores no-ortodoxos como Hobsone Veblen partilhavam das mesmas restries que Marx e Hilferding dirigirams operaes financeiras. Manipulao de preos, administraoirresponsvel e mesmo a simples fraude pareciam caratersticas inevitveisdessa que foi descrita como a ltima fase do desenvolvimento capitalista.

    Neste particular as coisas no eram muito diversas na literaturaeconmica dominante, de corte neoclssico. Os artigos de Berle duranteos anos vinte, assim como o seu principal trabalho em conjunto comMeans, apresentavam um extensa lista de recomendaes institucionaiscom o objetivo de proteger a riqueza privada contra os homens denegcios inescrupulosos. Na verdade, muitas dessas propostas vieram aser adotadas durante o New Deal do presidente F. D. Roosevelt, sob atutela de uma organizao governamental a Comisso de ValoresMobilirios e de sua legislao subseqente.

    O que importa para a linha de raciocnio que aqui se desenvolve aevidncia de que esta forma de riqueza capitalista assumiu uma crescenteimportncia mesmo onde ou quando os bancos no ocuparam umaposio de domnio sobre a atividade econmica. Assim que a riquezaprivada enquanto expresso do comando individual sobre os recursosprodutivos passou a se materializar em:

    ...papis que na verdade representam nada mais do que direitos acumulados,ou ttulos legais sobre a produo futura cuja expresso monetria representanenhum capital, como no caso das dvidas governamentais, ou regulada demaneira independente do valor do capital real que eles representam.

    Em todos os pases capitalistas, existe uma enorme quantidade do assim cha-mado capital produtor de juros ou capital monetizado. A acumulao destecapital-dinheiro significa, fundamentalmente, nada mais do que a acumula-o destes direitos sobre a produo, a acumulao de valores-capital ilusri-os pois que baseados nos preos de mercado destes ttulos.22

    Neste sentido, a riqueza privada tornou-se crescentemente dissociadado capital produtivo na medida em que a determinao do seu valor passoua seguir um movimento relativamente independente da atividade industrial.Do ponto de vista do capitalista individual isso significou que uma parcelacrescente dos seus haveres passou a subordinar-se as oscilaes das Bolsasde Valores.

    22. Karl Marx, Capital, a critique of political economy. Volume III. Moscow, Progress Publishers.1978 (1894), Ch. XXIX, p. 468.

  • 17CRTICA MARXISTA

    IV

    No que diz respeito ao setor industrial, o desenvolvimento do capitalfinanceiro correspondeu a uma crescente centralizao dos recursosprodutivos sob o comando de grandes sociedades por aes. Isso constituiu e ainda constitui um ponto confuso na literatura marxista,provavelmente porque o prprio Marx foi pouco claro em alguns de seuscomentrios sobre o tema. Embora atribusse sociedade por aes opapel de instrumento importante no processo de centralizao do capital,Marx tambm apontou para o carter destrutivo da concorrnciaintercapitalista, atravs da qual os empreendedores bem-sucedidoseliminavam os capitalistas de menor porte ou menos competitivos. A nfaseno aspecto predatrio deste processo acabou por induzir alguns autores afundir aquilo que deveria ser tratado como dois movimentos distintos: acentralizao do controle sobre os recursos produtivos e a centralizaoda propriedade capitalista. Esta questo talvez fique mais ntida nasseguintes passagens do primeiro volume de O Capital:

    O mundo ainda estaria sem estradas de ferro, caso ficasse esperando at que aacumulao de alguns capitais individuais alcanasse o tamanho requeridopara a construo de uma estrada de ferro. No entanto, a centralizao median-te as sociedades por aes chegou a esse resultado num piscar de olhos.23

    Essa disperso do capital global da sociedade em muitos capitais individuais,ou repulso recproca entre suas fraes, oposta por sua atrao. Esta j no concentrao simples, idntica acumulao, de meios de produo e decomando sobre o trabalho. concentrao de capitais j constitudos, supres-so de sua autonomia individual, expropriao de capitalista por capitalista,transformao de muitos capitais menores em poucos capitais maiores. Esseprocesso se distingue do primeiro porque pressupe apenas diviso alteradados capitais j existentes e em funcionamento, (...) O capital se expande aquinuma nica mo, at atingir grandes massas, porque acol ele perdido pormuitas mos. a centralizao propriamente dita, distinguindo-se da acumu-lao e da concentrao.24

    Embora a distino entre concentrao e centralizao parea bastanteevidente, necessrio que se proceda com cuidado ao interpretar aexpropriao do capitalista pelo capitalista ou o crescimento do capitalnuma nica mo em conseqncia das perdas de vrias outras. O queest em questo aqui a expropriao ou perda do controle sobre osrecursos produtivos j que a centralizao pode ser promovida e o foi

    23. Karl Marx, A lei geral da acumulao capitalista. O Capital. Livro I. 2 ed., Coleo Oseconomistas. So Paulo, Ed. Nova Cultural. 1985 (1867), vol. I, Cap. XXIII: p. 198.

    24. Idem, p. 196.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO18

    muitas vezes atravs da associao de capitalistas, fuses voluntrias,aquisies etc. sem que se concentrasse a propriedade capitalista.25

    A redao cuidadosa de Hilferding apresenta uma distino mais claraentre estes dois processos:

    O crescimento dos empreendimentos sob a forma de sociedades por aestornou o curso do desenvolvimento econmico independente dos eventosque influenciam o movimento da propriedade, este ltimo se refletindo nodestino das aes no mercado e no no destino da prpria empresa. Por conse-qncia a concentrao das empresas pode ocorrer de forma mais acelerada doque a centralizao da propriedade. Cada um destes processos segue as suasprprias leis, embora a tendncia concentrao seja comum a ambos; parece,no entanto, ser mais fortuita e menos poderosa no movimento da propriedadee na prtica freqentemente interrompida por fatores acidentais. esta apa-rncia superficial que leva algumas pessoas a falar na democratizao da pro-priedade atravs das aes. A separao da tendncia da concentrao indus-trial do movimento da propriedade importante porque ela permite s empre-sas serem guiadas apenas pelas determinaes tecnolgicas e econmicas,desconsiderando os limites impostos pela propriedade individual.26

    Neste sentido, a ausncia de evidncia emprica que substancie umapossvel tendncia centralizao da propriedade capitalista, especialmenteaps os anos trinta, nos Estados Unidos, no parece afetar a argumentaomais geral de Hilferding. Na sua abordagem, a centralizao do controlesobre os recursos produtivos, promovida pela expanso das sociedadespor aes, no se traduz, necessariamente, na concentrao da riquezaprivada. Hilferding parece ter sido bastante cauteloso ao qualificar omovimento da propriedade como mais fortuito e menos poderoso.

    V

    O cuidado com que se tratou essa distino entre os recursos produtivose a propriedade capitalista reflete as complicaes que usualmente vm tona quando se discutem as diferentes representaes do capital nocapitalismo financeiro. No seria difcil argumentar, seguindo a tradiomarxista, que o capital deve ser visto como uma relao social. Qualquer

    25. Um exemplo da noo que associa a centralizao da propriedade capitalista concentrao dos recursos produtivos pode ser encontrado no verbete de autoria de AnwarShaikh, Centralizao e concentrao do Capital. In: A dictionary of marxist thought. TomBottomore. 1983; traduo brasileira Dicionrio do pensamento marxista, Rio de Janeiro,Jorge Zahar Editor Ltda, 1988.

    26. Hilferding. Op. cit., p. 126 e 127.

  • 19CRTICA MARXISTA

    das diversas passagens em que Marx discute esse assunto seria plenamentesatisfatria. Tomando uma delas no Captulo XLVIII, A frmula trinitria,do terceiro volume:

    Capital, terra e trabalho! E, no entanto, o capital no uma coisa, mas determi-nada relao de produo, social, pertencente a determinada formao scio-histrica que se representa numa coisa e d um carter especificamente sociala essa coisa (...) So os meios de produo monopolizados por determinadaparte da sociedade, os produtos autonomizados em relao fora de trabalhoviva e s condies de atividade exatamente dessa fora de trabalho, que sopersonificados no capital por meio dessa oposio.27

    A dificuldade surge quando, no capitalismo financeiro, a riquezaprivada passa a materializar-se, crescentemente, em aes (ou ttulos emgeral) ao invs de em ativos produtivos (mquinas, equipamentos etc.).Seria possvel falar, como o fizeram Berle e seus seguidores, de um capitalque fugiu ao controle do capitalista? De forma alguma, pois no se podecompreender o termo capital como uma simples denominao alternativapara os recursos produtivos. A mesma relao social capital queconfere um atributo especificamente capitalista aos meios de produopassa a se manifestar no carter das aes (ttulos). Assim como umamquina, no sistema capitalista, avaliada em termos da sua capacidadede prover um fluxo de rendimento lquido, uma ao (ou ttulo em geral)somente se transforma num haver (ativo capitalista) na medida em que ocontexto institucional permite garantir o seu potencial gerador de lucro. Amera existncia de um ttulo negocivel implica uma relao socialespecfica na qual a riqueza privada diferentemente do talento gerencial,do prestgio social, da influncia religiosa etc. exerce um poder decomando sobre os recursos produtivos. Nestas circunstncias, para ocapitalista individual, um ttulo/ao to capital quanto o seu equivalenteem mquinas industriais. Ele pode vender as suas aes a qualquer momentoe aplicar o resultado dessa operao numa atividade produtiva. Podeutiliz-las como garantia para a obteno de crdito bancrio ou leg-lasaos seus herdeiros. Pode ainda votar numa assemblia de acionistas ounum acordo de credores. Enfim, no h como falar em perda do controlesobre o seu capital.

    A transformao de um empreendimento econmico familiar numasociedade por aes no pode ser vista como um rompimento do monopliode um parte da sociedade sobre os meios de produo. O trabalho humanomantm-se to alienado quanto antes e a acumulao privada continua

    27. Karl Marx, A frmula trinitria. In: O Capital. Livro III. 2 ed., Coleo Os economistas. SoPaulo, Ed. Nova Cultural, 1986(1894), vol. V, Cap. XLVIII: p. 269.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO20

    sendo a raison dtre da atividade produtiva. Os mecanismos desubordinao da atividade produtiva aos interesses privados se tornamcertamente mais complexos e menos transparentes, quando comparadosao controle pessoal exercido pelo antigo gerente-proprietrio. Mas a menosque se esteja convencido de que os administradores assalariados sejamresponsveis por uma farsa generalizada (e bem sucedida!) naquilo quediz respeito maximizao dos ganhos dos acionistas, no h porqueassumir que o seu comportamento seja fundamentalmente distinto dosgerentes-proprietrios que os precederam.28

    VI

    Afirmar que uma ao equivalente a um equipamento industrial nosignifica, porm, que uma sociedade possa se tornar mais rica atravs damultiplicao de ttulos. A simples emisso de uma ao, que Marxdenominou de capital fictcio, no afeta os meios de produo ou o capitalreal. Segundo suas palavras:

    As aes de companhias ferrovirias, de minerao, de navegao etc...representam capital real, a saber, o capital investido e que funciona nessasempresas, ou a soma de dinheiro que adiantada pelos scios para serdespendida em tais empresas como capital. Do que no se exclui, de modoalgum, a possibilidade de que representem mera fraude. Mas esse capitalno existe duplamente, uma vez como valor-capital dos ttulos de propri-edade, das aes, e outra vez como capital realmente investido ou a inves-tir naquelas empresas. Ele existe apenas nesta ltima forma, e a ao nadamais que um ttulo de propriedade, pro rata, sobre a mais-valia a realizarpor aquele capital.29

    Mas sem excluir a possibilidade de um golpe ou de uma falcatruafinanceira, a organizao regular de uma empresa por aes no deve servista como uma fraude no contexto institucional de uma economiacapitalista. Em circunstncias usuais, o ttulo acionrio substitui o haverprodutivo (mquinas, edifcios, etc.). O acionista no pode reivindicar, ao

    28. Esta afirmao no pretende minimizar a importncia da extensa literatura sobre a relaoentre o proprietrio e seu representante (Principal-Agent Theory), nem tampouco das questessuscitadas pelas teorias que tratam dos aspectos comportamentais da atuao dos administradoresassalariados. Rejeita-se, no entanto, a noo de que tais qualificaes possam subverter adinmica de uma economia capitalista. Ou seja, que se possa afastar a acumulao privadacomo o objetivo fundamental da atividade produtiva. Para uma avaliao interessante do carterinconclusivo dessa literatura veja-se: F. M. Scherer, Corporate Ownership and Control. In:Meyer e John R. Gustafson, and James M. (editores) The US business corporation. Cambridge,Mass. Ballinger Publishing Company. 1988, p. 43-66.

    29. Karl Marx, Partes constitutivas do capital bancrio. Op. cit. 1894, Vol. V, cap. XXIV: p. 11.

  • 21CRTICA MARXISTA

    mesmo tempo, a posse do ttulo (capital fictcio) e a do equipamentoindustrial (capital real). A propriedade dos haveres produtivos efetiva eintegralmente transferida firma, cuja existncia independente se consolidana figura da pessoa jurdica (corporation). Trata-se, em outros termos, doaprofundamento de um arcabouo institucional no qual a apropriao daproduo se afasta ainda mais dos trabalhadores e dos gerentes que delaparticipam diretamente. Aos detentores de aes cabem os frutos (lucros/valorizao, dividendos) do empreendimento e o direito de se fazerrepresentar no processo de definio dos objetivos mais gerais dos negciosempresariais. Note-se, entretanto, que tais privilgios no se confundem enem se sobrepem aqueles exercidos pela pessoa jurdica (propriedade,posse e gesto dos meios de produo). No h como falar na multiplicaode haveres ou de proprietrios j que a sociedade por aes e o acionistano se confundem. Tampouco se deve interpretar a noo de capital fictciocomo o valor dos ttulos que porventura exceda a soma despendida comos haveres produtivos controlados pela sociedade por aes. O resultadodessa segunda hiptese bastante freqente em alguns crculos marxistas30

    o de duplicar (mquinas + ttulos) a parcela que no excede o custodos meios de produo.

    Do ponto de vista crtico de um observador externo ao sistemacapitalista, a encomenda de uma nova mquina pode e deve serqualificada como uma contribuio superior ou real para a ampliao dariqueza material, enquanto a aquisio de uma ao representa a meratransferncia de um direito sobre um rendimento futuro. E, no entanto,para o capitalista individual o critrio que orienta a estimativa do valor decada um destes dois ativos precisamente o mesmo. Neste sentido, quandoMarx ilustra o processo de criao do capital fictcio ele est, ao mesmotempo, descrevendo o mtodo de avaliao dos ativos produtivos:

    A formao do capital fictcio chama-se capitalizao. Cada receita que serepete regularmente capitalizada em se a calculando na base da taxa mdiade juros, como importncia que um capital, emprestado a essa taxa de juros,proporcionaria; se, por exemplo, a receita anual = 100 libras esterlinas e a taxade juros = 5%, ento as 100 libras esterlinas seriam o juro anual de 2.000 librasesterlinas, e essas 2.000 libras esterlinas so agora consideradas o valor-capi-tal do ttulo jurdico de propriedade sobre as 100 libras esterlinas anuais.31

    30. Este tipo de interpretao pode ser encontrado, entre outros locais, no verbete de autoria deDuncan Foley, O crdito e o capital fictcio. In: A dictionary of marxist thought. Tom Bottomore,1983, traduo brasileira Dicionrio do pensamento marxista, Rio de Janeiro, Jorge Zahar EditorLtda, 1988, p. 82.

    31. Karl Marx, Partes constitutivas do capital bancrio. Op. cit. 1894, vol. V, cap. XXIV: p. 11.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO22

    O preo de demanda de um equipamento industrial e, portanto, adeciso de investir neste haver segue um processo absolutamenteidntico ao descrito acima. O que se alterou no capitalismo financeirono foram os critrios de avaliao dos ativos mas a sua conexo como processo de expanso real do capital. A interposio de um novoelemento entre o capitalista e os meios de produo (seja um depsitobancrio ou um ttulo acionrio) expandiu o capital financeiro(fictcio)32 a ponto de transform-lo no veculo dominante daacumulao privada de riqueza. Os haveres produtivos foramgradualmente excludos das carteiras de investimento privado sem noentanto perder o seu carter capitalista, isto , sua subordinao a umarelao social na qual os meios produo (so) monopolizados pordeterminada parte da sociedade.

    Hilferding parecia atento a estes desdobramentos institucionais emborasua anlise seja pouco clara naquilo que deveria ser visto como o objetivobsico da atividade capitalista. Ao descrever as funes da Bolsa de Valoresele aparentemente considerou que o novo capitalista (o acionista quesucedeu ao gerente-proprietrio) teria sido privado de alguns dos seusprivilgios essenciais (ou de seus direitos de propriedade):

    A bolsa de valores tornou possvel a mobilizao do capital. Sob o ponto devista legal esta mobilizao envolve a transformao e, ao mesmo tempo, aduplicao dos direitos de propriedade. A propriedade dos meios de produo transferida dos indivduos para uma entidade legal que , com efeito, cons-tituda pela totalidade desses indivduos mas na qual o indivduo enquantotal no tem direito sobre os bens. O indivduo possui apenas um direito sobreo rendimento; sua propriedade que outrora significava um controle ilimitadoe irrestrito sobre os recursos produtivos e, desta maneira, sobre gerncia dosmeios de produo, foi transformada num mero direito sobre o rendimento,subtraindo-lhe o controle sobre a produo.33

    A idia de que haja uma subtrao ou mesmo uma perda quando ocapitalista-investidor transfere a gerncia para um profissional assalariadonunca foi aprofundada, embora seja possvel considerar que Hilferdingtenha apenas desenvolvido algumas das sugestes esboadas por Marxno captulo XXVII do terceiro volume (O papel do crdito na produocapitalista). Neste texto, ao analisar os mecanismos de criao do crdito,

    32. importante destacar que o capital fictcio somente se transforma em capital financeiro nos termos propostos por Hilferding quando ele desenvolve um mercado onde estes papispossam ser prontamente convertidos em dinheiro (Hilferding, p. 128). Neste sentido, um ttulo dedvida ou uma ao inegocivel no se constitui em capital financeiro.

    33. Hilferding. Op. cit., p. 140.

  • 23CRTICA MARXISTA

    Marx apontou para a sociedade por aes afirmando que nessa forma deorganizao:

    O capital, que em si repousa sobre um modo social de produo e pressupeuma concentrao social de meios de produo e fora de trabalho, recebeaqui diretamente a forma de capital social (capital de indivduos diretamenteassociados) em anttese ao capital privado, e suas empresas se apresentamcomo empresas sociais em anttese s empresas privadas. a superao docapital como propriedade privada, dentro dos limites do prprio modo deproduo capitalista.34

    Neste sentido, se a superao do capital como propriedade privadanuma economia dominada pelas grandes sociedades por aes podeparecer semelhante ao capitalismo sem capitalistas de Berle, isto sedeve apenas dificuldade em exprimir o significado preciso (hegeliano)do termo original em Alemo, aufheben. Ou seja, no se trata de umasimples abolio/superao como querem alguns dos intrpretes/tradutores da obra marxista, mas de um processo de transcendnciaatravs do qual o capitalismo supera algumas de suas contradies a acumulao individual versus a produo associada sem perderas suas caractersticas essenciais. verdade que, ainda no mesmocaptulo, Marx discorreu sobre o carter transitrio desse capitalismofinanceiro que deveria ser sucedido por uma fase na qual os meios deproduo seriam reconvertidos ao domnio dos produtores.35 Convmressaltar, no entanto, que enquanto tal reconverso no ocorre, oempreendimento por aes deve ser visto como um mecanismoacelerador do processo de acumulao privado de capital dentro doslimites do prprio modo de produo capitalista.

    O que importante ressaltar nestas observaes o fato de que nocapitalismo financeiro, quando a maior parte dos meios de produo est

    34. Karl Marx,O papel do crdito na produo capitalista. Op. cit. 1894, vol. IV, Cap.XXVII: p.332. Nesta citao de Marx, a edio brasileira que se est utilizando empregou o termoabolio como o equivalente mais prximo de Aufhebung. Os tradutores, entretanto,acrescentaram uma nota explicativa esclarecendo que a interpretao dessa palavra deveseguir o seu sentido dialtico que exprime um duplo movimento concomitante de supresso epreservao. Outro termo possvel e talvez menos drstico seria superao (aqui adotado)embora sua utilizao tampouco esteja isenta de ambigidade. A respeito da definio hegelianadeste conceito o Worterbuch der philosophischen begriffe, 2 edio, Hamburg, Verlag vonFelix Meiner, 1955, p. 92, apresenta uma citao do prprio Hegel, nos seguintes termos: Parao raciocnio especulativo conveniente encontrar na linguagem palavras que contenham em simesmas um sentido especulativo. Desta maneira, a transcendncia no pensamento umasuperao [abolio/Aufgehobene] que elimina apenas o que mais imediato tratando, aomesmo tempo, da sua preservao (Hegel, Gr. Log. I 93 ff.).

    35. Karl Marx, O papel do crdito na produo capitalista. Op. cit.,1894, vol. IV, Cap.XXVII: p. 333.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO24

    organizada sob a forma de sociedades por aes, o controle individualsobre os recursos produtivos se torna absolutamente desnecessrio.36 Valedizer que o moderno empreendimento societrio, que nasce precisamentedo conflito entre o carter social da produo e o carter privado da suaapropriao, vai resultar num quadro institucional onde se aprofunda aalienao do trabalho sem que se requeira o comando direto do capitode indstria do sculo XIX.

    VII

    Essa noo de capital financeiro, reconstruda a partir das sugestesde Marx e Hilferding, parece muito mais adequada para compreender oque h de essencial no capitalismo moderno: a transformao da riquezaprivada de haveres produtivos em ttulos negociveis e acentralizao do controle sobre os meios de produo atravs daexpanso da grande sociedade por aes em substituio empresa familiar.Isto significa que uma ao (ou ttulo financeiro) no um simples direitosobre um rendimento futuro como querem alguns dos estudiosos(neoclssicos) da economia contempornea. Trata-se, na verdade, daexpresso institucional de um mecanismo de apropriao cujodesenvolvimento pressupe a organizao capitalista da produo. Nessanova etapa no na firma (enquanto unidade produtiva) que se deve buscaro centro decisrio do processo de alocao dos recursos produtivos. nomercado financeiro onde se negociam os ttulos/aes que compem amaior parte da riqueza privada que se situa o fulcro das decises deinvestimento e, portanto, de acumulao de capital. Dessa mesma forma,no cabe ao administrador (no-proprietrio) a deciso final sobre aconduo dos negcios empresariais. A sua sujeio ao mercado financeiroest determinada pelo mesmo mecanismo que o fez gerente desta maneiraparticular capitalista de organizao da produo. Para questionar asubordinao da administrao empresarial aos interesses do capitalista-acionista, o observador deveria admitir e demonstrar que no hnada de especificamente capitalista na sociedade por aes. Ou seja, deque se trata de uma instituio neutra, a-histrica, que pode se reproduzirfavorecendo, indistintamente, os seus gerentes, o consumidor, os

    36. Marx indicou a superfluidade do capitalista moderno ao apontar para o fato de que os seusprivilgios no tinham mais vnculos com a atividade produtiva do que aqueles dos senhoresfeudais numa sociedade crescentemente burguesa. Karl Marx, Theorien ber den Mehrwert1905-1910; Traduo Italiana Teorie sul Plusvalore III. In: Opere complete di Marx ed Engels.vol. XXXVI, Roma, Editori Riuniti, 1979, p. 335.

  • 25CRTICA MARXISTA

    trabalhadores, a comunidade onde est localizada, ou qualquer outrogrupo, s expensas dos seus acionistas. Nesta hiptese, ter-se-ia umaeconomia dominada por uma casta gerencial, nos termos apresentadospor Berle e Means, Galbraith, etc. o que parece divergir radicalmente daprtica do capitalismo contemporneo.

    No que diz respeito s interpretaes marxistas, na linha crtica adotadapor Sweezy, convm ressaltar que a noo de capitalismo financeiro nodeve ser associada a uma economia dominada por banqueiros. Essaassociao impe limites excessivamente estreitos a um conceito muitomais abrangente, que pretende refletir a subordinao da riqueza privadaaos mercados financeiros em geral. Na verdade, tais mercados ondeatuam indivduos, empresas industriais e, mas no apenas, entidadesfinanceiras transformam-se no principal mecanismo de redistribuiodo excedente apropriado na atividade produtiva. Vale dizer que o capitalista(o acionista moderno por oposio ao industrial do sculo XIX) no setorna mais rico ou mais pobre quando a companhia da qual elepossui aes anuncia um lucro ou uma perda. o movimento da Bolsade Valores isto , a reao a esses anncios que determina se os seushaveres tero se valorizado ou desvalorizado. Esse resultado, por suavez, vai nortear a sua conduta subseqente, ou seja, a deciso de vender,comprar ou mesmo a de fazer-se representar numa eventual assembliade acionistas. Em outros termos, este conjunto de decises vai definir atrajetria do processo de acumulao.

    O desenvolvimento em direo a um capitalismo financeiro de cartermais geral, diferentemente de um capitalismo dominado por banqueiros, claramente indicado pelo prprio Hilferding:

    Se a tendncia inerente ao capitalismo, sua necessidade de colocar toda ariqueza social existente disposio da classe capitalista sob a forma de capi-tal, assegurando o mesmo rendimento para cada unidade de capital, o obrigaa mobilizar o capital e ento avali-lo como simples capital portador de juros,constitui funo da Bolsa de Valores facilitar essa mobilizao provendo osmecanismos para a transferncia do capital.37

    Nesse contexto, possvel afirmar que a longo prazo nenhumadministrador de empresa seja ela industrial, bancria ou de servios independente do mercado de aes pois a, em ltima instncia,que se concretiza o processo de acumulao privada de capital. importante destacar, no entanto, que essa relao de dependncia no sesujeita como querem os partidrios do chamado capitalismo gerencial

    37. Hilferding. Op. cit., p. 141.

  • O CAPITALISMO FINANCEIRO26

    identificao de um investidor (ou grupo coordenado de investidores)capaz de comandar um volume significativo de votos nas assemblias deacionistas.38 Essa personalizao indevida do capital financeiro umaparente resqucio do antigo capito de indstria desconsidera oprincipal trao dessa nova etapa capitalista: a flexibilidade e a mobilidadeda riqueza financeirizada. Em outras palavras, a possibilidade, semprepresente, de que grandes massas de capital financeiro sejam combinadas,fracionadas e redirecionadas de sorte a determinar o sucesso/insucesso deuma estratgia empresarial sem que seja necessrio ratific-la ou rejeit-lanuma rotineira assemblia de acionistas. Vale dizer como a maior partedos executivos norte-americanos estaria pronta a confirmar que acompanhia moderna s pode ser administrada com um olho na linha deproduo e o outro na Bolsa de Valores (Wall Street).

    38. Desde, pelo menos, a publicao do trabalho de Berle e Means a posse individual (ou deum grupo coordenado de indivduos) de um nmero substancial de aes parece ter-setransformado numa medida padro para o debate sobre as formas de controle das sociedadespor aes. Para uma reviso das suas projees iniciais com dados dos anos de 1960 veja-se o estudo de Robert J. Larner, Management control and the large corporation. NewYork, Dunellen, 1970.