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O CAPITÃO GRISAM e o AMOR R - planeta.pt · disposta a deslocar -te para reinos distantes. Talvez tenhas ouvido falar do Vale de Verde plano e da aldeia do Carvalho Encantado:

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O CAPITÃO GRISAM e o AMOR

R

TraduçãoJosé Colaço Barreiros

Projecto gráfi co: Elisabetta GnoneCor e efeitos especiais: Barbara BargiggiaIlustrações (personagens): Alessia Martusciello e Roberta TedeschiAguarelas do extratexto Encanto do Amor: Corinne GiampagliaExtratexto Rondine Nera: Angela DomeniciAdaptação de logo: Francesco GemelliCapa e sobrecapa: Elisabetta Gnone

Agradecimento: Tim Bruno (consultoria editorial)

Visita a aldeia do carvalho em:www.fairyoak.com

PLANETA MANUSCRITO

Rua do Loreto, n.º 16 – 1.º Direito1200 -242 Lisboa • Portugal

Título original: Fairy Oak – Captan Grisam e L’ Amore

© 2008 I Libr i della Quercia Elisabetta Gnone© Texto e ilustrações: 2008, Elisabetta Gnone© 2008, Istituto Geografi co De Agostini S.p.A., Novara© 2010, Planeta Manuscrito

Tradução: José Colaço BarreirosRevisão: Eulália PyrraitPaginação da edição portuguesa: Guidesign

1.ª edição: Abril de 2011Depósito legal n.º 325 856/10Impresso em EspanhaISBN: 978-989-657-185-6

www.planeta.pt

Não é permitida a reprodução total ou parcial do livro, nem o seu tratamento informático, nem a transmissão por qualquer forma ou meio, quer seja electrónico, mecânico, por fotocópia, por digitalização, por registo ou por qualquer outro método, sem autorização prévia e por escrito dos titulares do Copyright.Todos os direitos reservados, incluindo o direito de venda, aluguer e empréstimo ou qualquer outra forma de cessão do uso do exemplar. A infracção dos direitos referidos pode constituir delito contra a propriedade intelectual.

Querida Fadazinha do nome

impronunciável,

mas que com algum exercício aprenderei a

dizer, o meu nome é Lalla Tomelilla e sou

uma Feiticeira da luz.

Soube o teu nome pelo Grande Conselho,

ao qual envio outra carta para que ta

entregue quanto antes (como deves saber,

a nenhum ser humano é permitido escrever

directamente a uma Criatura Mágica).

Li na tua óptima ficha que, além de seres

muito boa, embora muito jovem, estás

disposta a deslocar -te para reinos distantes.

Talvez tenhas ouvido falar do Vale de Verde

plano e da aldeia do Carvalho Encantado:

eu vivo lá.

Portanto, é muito longe do Reino das

Geadas de Prata. Todavia, posso garantir -te

que o lugar é agradável e apropriado para

as fadas. Com efeito, muitas de vós vivem

aqui connosco e tomam conta das nossas

crianças em serenidade.

Daqui a poucos meses, a minha irmã Dália

vai dar à luz dois gémeos que, dadas as tuas

faculdades, queria confiar -te na qualidade

de ama. Naturalmente viverás connosco e

receberás uma compensação adequada pelo

teu empenho que, digo desde já, será a tempo

inteiro, sete dias por semana.

Envio -te algumas fotos da nossa família

e da casa, para que o encontro já te seja de

alguma forma familiar e possas começar a

habituar -te à tua nova vida. De facto, estou

certa de que vais aceitar o encargo.

E a propósito, peço -te que me respondas já.

O tempo aperta e para mim é muito

importante que os meus sobrinhos tenham

uma fada baby -sitter que os tenha visto

nascer.

Se aceitares, o teu encargo com a nossa

família durará quinze anos, findos os quais

serás de novo livre para te ocupares de

outras crianças.

Dando -te os parabéns pelas tuas óptimas

classificações e na esperança de ter em breve

notícias tuas, cordialmente te cumprimento

Feiticeira Lalla Tomelilla

O CAPITÃO GRISAM e o AMOR

Elisabetta Gnone

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O PRIMEIRO SERÃO…

Adeus Fairy OakREGRESSO ÀS GEADAS DE PRATA

– Felí voltou! Felí voltou! – Já passaram quinze anos! – Oh, que emoção! – Ela cresceu? – Está mais bonita? – Onde está? Onde está?

Eis -me de novo em casa.

Enquanto voava ao encontro das minhas companheiras, fiz um jogo. Um jogo um pouco disparatado, na verdade, que fazem as jovens fadazinhas, quando ainda se tem muito tempo à frente e nenhuma preocupação. Chama -se «Jogar com a sombra no chão». Eu fizera -o muitas vezes e por isso já sabia onde iria encontrá -la naquela manhã de Verão. E de facto ali estava ela, a minha sombra! Esperava -me na erva fresca de geada, pronta a seguir -me.

Recomecei a voar e ela deslizou atrás de mim por entre as flores e as espigas perladas. Uma manchinha castanha, ale-gre e impertinente, tão pequena que os coelhinhos e os esqui-los mal davam por ela.

O CAPITÃO GRISAM e o AMOR

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Bem diferente seria a reacção delas se sobre o prado com-parecesse a sombra da águia ou do falcão. Então, assentes nas patas posteriores lançariam o alarme. Os adultos viriam correndo em busca das crias para as deixarem abrigadas nas tocas, enquanto nos ares ecoava o agudo grito de caça. Mas agora… Os melros saudavam o dia com o seu canto melo-dioso enquanto grupos de jovens estorninhos se abrigavam no meio das ramagens. A sombra aparecia e desaparecia, dentro e fora das árvores, sobre o manto verde das escarpas, para cima pela colina ainda dourada pelo sol e para baixo até à água da torrente. Brincava com as borboletas em torno dos ramos de hortelã ou no meio das flores lilases da buddleja… Nada tinha mudado.

Estava em casa. No entanto, quando a argêntea lagoa apareceu por debaixo

de mim, o coração bateu -me dentro do peito: era a época das colheitas, tinha -me esquecido? As minhas companheiras andavam a trabalhar! Por entre as papoilas e as altas esporei-ras, no meio das folhas de erva -cidreira perfumadas de limão, em volta das salvas e das lavandas em flor, entre as brilhantes cores das ervas -formigueiras e dos alegres canteiros de moran-gos, entre as altas maçarocas de digitalis, de um cor -de -rosa lindíssimo, a ainda mais alta malvarrosa, entre as altivas flores -de -lis… trabalham as fadas, colhendo folhas, flores e sementes para a cozinha, para os medicamentos e também para os passatempos: sem o azul das flores -de -lis, as aguare-las das fadas nunca seriam a mesma coisa! Eu sabia -o bem porque adorava pintar quando era uma jovem fada.

Mas é delas que vos quero falar, das minhas amigas, das minhas irmãs, do meu povo. Trabalhavam asa com asa.

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Adeus Fairy Oak

Quando me viram, umas gritaram, outras agitaram as mãos em sinal de saudação, e outras ainda, as mais jovens, voaram a anunciar o meu regresso.

– Feli voltou! – Feli voltou! Estava em casa. – Não receberam a minha carta? – perguntei espantada

por tão viva recepção. – Por que parecem tão surpreendidas por me verem?

– Surpreendidas não, felizes! Oh, estávamos à tua espera, sim, e de que maneira!

– Desde há dias que andamos a tentar conter a emoção, nem imaginas…

– Deves ter tantas coisas para nos contares, eh, Feli? – Na verdade, eu… – Está tudo pronto, sabes? Organizámos uma festa em tua

honra! – Oh, obrigada, não deviam, eu… – Mostra -te lá… Ah, como estás crescida! – Tens fome? – Tens sede? – Como estás? Estás emocionada, e é por isso que choras,

Feli? Estava em casa e chorava. – Deixem -na descansar – interveio Gotaprateadadegentil-

sapiência, a fada mais idosa de todas nós –, daqui a pouco já se sentirá melhor e então responderá a todas as vossas per-guntas.

Abracei -a e ela consolou -me em voz baixinha. – Já vai passar – disse -me –, passa sempre.

O CAPITÃO GRISAM e o AMOR

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Agradeci -lhe e dirigi -me sozinha para a magnólia que me tinha visto nascer. A minha casa, casa minha! Contudo…

Enquanto tinha vindo em viagem, um fio mantinha -me ligada à aldeia do Carvalho Encantado e durante esse tempo todo consolara -me a ideia de que na outra extremidade estava Tomelilla, de modo que se eu puxasse, Tomelilla sentiria, e se fosse ela a puxar, eu senti -la -ia e com ela sentiria todos os que eu tinha amado e amava ainda em Fairy Oak. Eu sabia, durante a viagem, que se a dor me vencesse poderia dar meia volta e tornar. Bastava seguir o fio.

Enquanto eu penetrava através das doces ramas, ilumi-nando as grandes folhas brilhantes, o ruído subtil e pene-trante do fio a quebrar -se ribombava no meu coração como uma ponte a ruir. Acabava de me despedir de Fairy Oak.

O Sol pôs -se dez vezes antes que as lágrimas parassem de me molhar o rosto. Nesse dia, Gotaprateadadegentilsapiên-cia tornou para me levar consigo.

– Tens a cara enxuta, muito bem – disse, pegando -me nas mãos –, está o reino todo à tua espera. Não ouves a música e os cânticos de júbilo? Sabem que já estás pronta e querem que sejas a rainha da festa. Tens alguma resposta para elas?

Anuí. – Muito bem – disse então ela sorrindo. – Vem comigo,

Feli. Era assim que te chamavam em Fairy Oak, não era? – Sim – respondi baixinho. – Depois de lermos as tuas cartas começámos também a

chamar -te Feli. E algumas pediram que as tratassem por um diminutivo, precisamente como tu, e assim vais ter muitos nomes novos para aprender.

Sorri.

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Muitos séculos antes que eu brilhasse no mundo, os nomes compridos tinham salvado as fadas da crueldade dos homens. Num primeiro momento, de facto, o povo lumi-noso, por natureza alegre e confiante, tinha -se deixado atrair pela voz dos homens. Curioso, deixara as sombrosas clarei-ras e aproximara -se das suas modestas cabanas, entrara nos sumptuosos castelos, nas lojas, e uma ou outra tinha mesmo enfrentado o mar ventoso para conhecer quem vivia nos gran-des navios que sulcavam as ondas.

Assombrados com as criaturinhas luminosas, os homens logo se demonstraram gentis e quase seus adoradores e durante alguns anos os dois povos viveram juntos numa idí-lica convivência.

Depois, a surpresa deu lugar ao hábito. Os homens souberam que as fadas obedeciam sem hesitar

sempre que se pronunciava o seu nome completo e assim o que antes era pedido delicadamente passou a ser ordenado e imposto, e as pequenas magias voadoras, como haviam sido alcunhadas, começaram a ser usadas para os trabalhos mais difíceis e humilhantes.

À sua própria custa, as fadas ficaram a saber como era curta a memória dos homens rudes, e como era fácil de se enganar a sua mente. Nenhum conhecimento, nenhuma amizade salvou as fadas.

Até que um dia uma delas congeminou um plano simples e astuto: as fadas iriam apresentar -se com nomes compridos e complicados, os mais complicados que fosse possível.

Funcionou, e as fadas tornaram a ser livres. Eram raros os que conseguiam repetir os intricados jogos

de sílabas e rimas que o povo luminoso, com hábil arte, com-

Adeus Fairy Oak

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binava criando cantilenas e estribilhos, que à maioria dos homens pareciam não ter sentido. Só os sábios e os justos e quem prestava atenção ao seu som e compreendia o seu sentido é que conseguia pronunciar nomes como Assoprodo-zessoprossuavesdevento ou Nopeitoquatropetalastenhoparati sem que a língua se atrapalhasse. Em suma, quem com-preendia que dar ordens é uma responsabilidade, sendo pre-ciso pensar bem e concentrar -se muito antes de o fazer.

Os nomes compridos tinham -nas protegido durante séculos. Agora, segundo as palavras da que havia sido minha guia e mestra, vim a saber que o povo luminoso continuava a confiar…

– Estou pronta a contar a minha viagem – disse eu. Pegando -me pela mão, Gotaprateadadegentilsapiência

levou -me até ao meio da clareira e falou: – Quefelizseràelavolodirá voltou para junto de nós – anun-

ciou com voz solene. Das árvores e do prado ergueu -se um «Oooh» e o clarão das fadas acendeu de reflexos a calma lagoa.

«Como sabemos, ela foi muito paciente, muito corajosa e muito sensata. Teve uma conduta honrosa e deu honra ao nosso povo. Sofreu, é normal. Mas agora está melhor e ainda melhor ficará se vós a amardes e a ajudardes a recordar.

Então insinuou -se uma leve harmonia por entre os fios de erva. Uma melodia que crescendo de intensidade e de riqueza deslizou pelas folhas e encheu o ar perfumado de flores e de musgo. As fadas cantavam e as suas vozes convidavam -me ao conto.

Eu sabia como eram importantes as histórias para as fadas e por isso, durante os meus dias em Fairy Oak, tinha escrito

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Adeus Fairy Oak

muitas vezes para casa, informando as minhas companhei-ras dos últimos acontecimentos e novidades. E como tinha sempre muito que contar, escrevera com regularidade. Pen-sando nisto nesse momento, com todos aqueles olhos postos em mim, fui tomada de pânico: já tinha contado tudo, que mais podia acrescentar?

Como demorava a falar, levantou -se um sussurro do público, que durou alguns minutos, até que uma voz jovem se destacou das outras e me interpelou directamente.

– Vá lá, Feli – exclamou. – Diz -nos o que estava dentro do baú do capitão. E Baunilha, depois apaixonou -se por Jim?

Juntaram -se -lhe mais vozes. – Escreveste -nos muitas cartas – disse uma fada bastante

idosa – e fizeste -nos participar em muitos acontecimentos incríveis, como o nascimento das meninas, esse foi muito interessante. Agora continua.

– Continuo? – perguntei. – Duas irmãs que nascem à distância de doze horas uma

da outra é um facto bizarro, Feli, mesmo no reino das fadas – comentou a fada que estava a seu lado. – Obrigada por no -lo teres escrito, agora continua.

– Continuo? – não estava mesmo a perceber nada. – Contaste -nos que as pequenas são idênticas e belas como

as flores de que têm os nomes, Baunilha e Pervinca, e que todos os Mágicos da região têm nomes de flores. Mas agora, Feli, continua…

– Escreveste que Fairy Oak é uma aldeia de pedra e de flo-res, à beira -mar e rodeada de bosques num vale verde e luxu-riante… E depois?

– Depois?

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– Graças às tuas cartas ficámos a saber que foi construída pelo povo dos Mágicos e pelos Não -Mágicos há muitos milé-nios em torno a um carvalho falante, e…

– E?… – Foi bom sabermos que os Mágicos da Luz e os Mágicos

das Trevas vivem finalmente em serenidade – interveio Gota-prateadadegentilsapiência. – E que inclusivamente aceita-ram conviver com os Não -Mágicos. Mas decerto não se ficará por aí…

– Não se fica por aí? – É verdade que já quase não se distinguem uns dos outros,

Feli? Anuí um tanto confusa. – Conta -nos mais coisas, Feli, de Lalla Tomelilla, da

aldeia… Nós todas sonhamos ir para um lugar assim tão sereno e harmonioso – suspirou uma vozinha jovem. – E tra-balhar para uma feiticeira sábia e honorável que goste de nós como Tomelilla gostou de ti.

Suspirei. – Bem, isto é o que sabemos – tornou a insistir a fada que

tinha sido a primeira a falar. – Como vês, tens de acrescentar muita coisa. Recomeça a partir de onde tinhas ficado e con-tinua, Feli.

Continuar? Mas continuar o quê? Acabavam de demons-trar que já sabiam tudo!

– Eu… nunca imaginei que vos importassem tanto Fairy Oak e os seus habitantes – disse eu. – No fundo nunca os conhecestes. Posso dizer -vos que depois de o Inimigo ter dei-xado o Vale não aconteceu mais nada de impressionante, felizmente. Já vos escrevi, casaram -se alguns, outros parti-

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Adeus Fairy Oak

ram, outros chegaram… Mas são histórias banais, do dia--a -dia. O que tinham para vos apaixonarem? – perguntei. – É realmente assim tão importante para vós, dir -se -ia quase fundamental, saber o que aconteceu depois?

E sabem o que me responderam? Que não, não era fun-damental, mas certamente seria doce e confortável como é receber notícias de velhos amigos de quem se gosta mesmo quando vivem longe. E acrescentaram que se se tinham afei-çoado tanto a Tomelilla, Baunilha, Pervinca, a Grisam… a culpa era minha, que lhos tinha apresentado.

Poderia eu dizer que não? Decidi nesse momento que revelaria às minhas companhei-

ras quatro mistérios de Fairy Oak que ainda não conheciam. Uma história por cada serão em quatro noites, e depois nunca mais falaria do passado.

No primeiro serão falei de amor no segundo de estrepitosos encantos no terceiro de amizade no quarto serão contei uma despedida.

O primeiro serão…

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UM

A Gruta de GrisamUMA HISTÓRIA AINDA POR CONTAR

«Como tinha explicado Tomelilla? Luz e Trevas, um poder cria, o outro destrói. Unidos e opostos, são inseparáveis, nem bons nem maus, ambos necessá-rios, como o dia e a noite…»

Enquanto lá fora recomeçava a nevar, Grisam e Pervinca arrastaram o baú do capitão para o meio da gruta, onde seria mais cómodo abri -lo. Entre todos os objectos que enchiam o refúgio secreto do jovem mago até ao tecto, o baú era sem dúvida o mais atraente e o mais mágico. Baunilha e Shirley observavam sem respirar, enquanto o ratinho de Shirley, o senhor Berry, descera do ombro da rapa-riga e se aproximara para ver melhor. Do outro lado, a vivíssima Flox não parava de tamborilar os dedos no caixote onde estava sentada: que momento esta-vam prestes a viver!

O que iriam ver?Aquele baú pertencera à pessoa mais extraordiná-

ria que eles haviam conhecido. Um herói que tinha

A Gruta de Grisam

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sulcado as ondas de todos os mares, avistado costas desconhecidas dos homens, caminhado em praias de reflexos ocres, pescado lulas gigantes, combatido piratas e tempestades oceânicas… Nos seus nume-rosos cadernos tinha descrito criaturas que pareciam pertencer a outro mundo, bichos mais estranhos e assustadores que os dragões, peixes com cornos, pássaros de mil e mil cores e homens escuros, altíssi-mos uns, minúsculos outros… O que poderia conter a bagagem de semelhante homem?

– Agora é a tua vez – disse Grisam dirigindo -se a Baunilha. – O capitão não deixou chaves!

Baunilha estremeceu: – Porquê logo eu? – Porque és uma Feiticeira da Luz! – responderam

os pequenos em coro. – Tens o poder de abrir o que está fechado, certo? Enquanto nós só poderemos fechá -lo.

– Ou pior, destruí -lo. – Não é verdade, Shirley também tem esse poder

e é melhor do que eu – replicou Babu. – Não receiam que eu possa enganar -me?

– Por que havias de te enganar? – perguntou -lhe a sua irmã Pervinca. – Já o fizeste uma vez.

Babu torceu o nariz. – O cofre do capitão, lembras -te? – Sim, mas era diferente. O cofre do capitão era

muito mais pequeno e também menos… – Babu ia a dizer «menos precioso», mas talvez não fossem

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estas as palavras certas, porque o cofre que Baunilha recebera em herança de Talbooth continha um livro muito raro e antigo e por isso era precioso, e de que maneira! O problema era outro. O cofre tinha -lhe sido deixado a ela, e portanto, no momento de o abrir, Babu era a única responsável por ele: o baú, pelo contrário, pertencia a Grisam e todos sabiam como o jovem estava cioso do seu conteúdo. Dentro daquele baú estava a vida do capitão, os seus segre-dos, talvez toda a história! No lugar de Baunilha eu também não gostaria de ter uma responsabilidade destas.

– E se me confundo e transformo tudo num pastel de nata? – sussurrou a tremer.

– Não digas isso nem a brincar! – respondeu Gri-sam muito sério.

Flox, em contrapartida, fez um pensamento e lam-beu os bigodes.

– Não, não, não – disse por fim Babu recuando. – É melhor que o deixem fazer a Shirley ou então experimentem vocês, Mágicos das Trevas, quebrar a fechadura, com os vossos poderes destruidores.

Pervinca não conseguia acreditar nos seus próprios ouvidos e fulminou a irmã com o olhar.

– O que mais terei eu de ouvir??? Uma Periwinkle a renunciar? Nunca! Deixa -te de lamúrias e abre este baú, já! – exclamou.

Tinham sido sempre assim, Baunilha e Pervinca, iguais e opostas em tudo. Opostos poderes e opostos

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feitios, emtudocontráriosopostossempre. Se Bauni-lha era solar, doce e ajuizada, Pervinca era sombria, sagaz e rebelde. Duas faces da mesma moeda, como se dizia agora na aldeia, que ninguém seria alguma vez capaz de separar, mas que o destino dividira desde o primeiro dia. E que as tornara especiais.

– Tenta lembrar -te do que fizeste para abrir o cofre – tentou sugerir Grisam, fazendo os maiores esforços para se manter calmo. – Deves ter dito uma palavra mágica, imagino. Basta que a repitas e…

– Oh, não servem de nada palavras mágicas – expli-cou Baunilha. – Isso sei eu, basta dizer: «Abre -te!» Pelo menos, com o cofre foi assim que aconteceu. Feli, tu estavas comigo, lembras -te se eu disse mais alguma coisa?

– Não, não, diria mesmo que não… – respondi. – Tinhas o cofre no colo e olhavas para ele, enquanto nos tentávamos imaginar qual poderia ser a palavra certa. Não a conhecendo, experimentámos com a mais fácil, e assim tu disseste: «Abre -te!» e o cofre abriu -se.

– Bem, parece realmente fácil – disse Grisam. – Vá, então coragem…

Baunilha desceu da cadeira e aproximou -se do baú. Séria e concentrada, deteve -se diante da fecha-dura. E diria a palavra fatídica se Flox não tivesse intervindo a dar cabo de tudo.

– Espera, eu sei do que tu precisas! – exclamou, sal-tando do caixote para o chão. – Vou chamar Jim…

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– FLOX! – gritaram os outros em coro. – Achas que é a altura de dizer esse nome?

Tarde de mais. Baunilha já estava vermelha como um tomate.

– Não sabes que quando fica agitada deixa de controlar os seus poderes? – censurou -a Pervinca. – Agora vai transformar tudo em morangos e mel.

Jim era o jovem estrangeiro que, uma noite, o tio de Grisam e o senhor Cícero, pensando que seria um espião do Inimigo, tinham capturado e de acordo com a aldeia inteira encerraram numa cela à prova de Mágico. O pobre jovem passara deste modo os seus primeiros dias em Fairy Oak, até que a tia de Flox, Hortênsia, descobriu que não era nenhum espião, e ainda menos um Mágico. Era afinal um inventor vindo de longe.

– O que tem Jim a ver? – perguntou Babu, fingindo ser totalmente indiferente àquele nome. – Se me enganar no encantamento não será decerto por culpa dele. Por que pensam que me importo alguma coisa com ele?

Flox arregalou os olhos. – O quê? – exclamou arquissurpreendida. – Se ainda

ontem mesmo na escola me dizias quant… – ABRE -TE! – ordenou Baunilha ao baú, antes que a

amiga pudesse acabar a frase. Na gruta tombou um silêncio de gelo. Grisam, Pervinca e Flox bloquearam -se como está-

tuas e de respiração suspensa esperaram pelo clack! da fechadura a abrir -se.

A Gruta de Grisam

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Nada. Lentamente, viraram -se para o baú. Baunilha

observava -o imóvel em busca de um sinal: a fecha-dura não se abrira, mas talvez alguma coisa se tivesse mexido.

– Acham que mudou alguma coisa? – perguntou. – N… não – respondeu Grisam cauteloso. – Cá fora

parece tudo igual a dantes. – Mas não sabemos o que aconteceu lá dentro –

arriscou de novo aquela inconsciente da Flox. – Agora poderia estar cheio de espuma de café.

Pervinca tapou os olhos e Grisam escorregou aba-tido para o chão. A Baunilha só restou olhar para mim e para Shirley de modo a conseguir alguma compreensão. E obteve -a. Shirley sorriu -lhe tran-quila, mal movendo a cabeça em sinal de consenso. Eu, contudo, tive uma iluminação.

– Tocaste -o! – disse eu cintilando. – O cofre! Quando lhe ordenaste que se abrisse, tinha -lo ao colo!

Sem hesitar, Baunilha agarrou a fechadura e repe-tiu a palavra mágica:

– Abre -te! Um instante depois sorriu. Os pequenos, porém, aguardaram antes de exultar. – O que se vê? – perguntaram -lhe a ela, que estava

mais perto. – Fizeste algum desastre? Está mesmo cheio de espuma de café?

Baunilha mal abriu um pouco o baú e logo a seguir afastou -se para que todos vissem.

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– Eu diria que não! E vocês? – Pelas barbas da minha tia! – exclamou Flox. Grisam ficou de repente de boca muito aberta,

Shirley meteu a cara entre as mãos e Vi repuxou um dos lados da boca como fazia sempre que não con-seguia acreditar nos sues próprios olhos.

– A farda dele! – exclamou. E não era só essa, a verdadeira surpresa ainda

estava para vir.