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Universidade de Brasília Departamento de Economia Programa Especial de Treinamento O Caráter Humano e Social da Economia Aluno: Gustavo Jacinto Caldas Bolsista do Programa Especial de Treinamento

O Caráter Humano e Social da Economia · pretensão de desqualificar a definição geral dada por Samuelson e Nordhaus, vai além, buscando na realidade do que vem a ser o homem

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Universidade de Brasília Departamento de Economia Programa Especial de Treinamento

O Caráter Humano e Social da Economia

Aluno: Gustavo Jacinto Caldas Bolsista do Programa Especial de Treinamento

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ÍNDICE

CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO 3

CAPÍTULO II - A NATUREZA DA DISCIPLINA ECONÔMICA 4

O QUE É O HOMEM E O QUE É A ECONOMIA COM BASE NO HOMEM 5

CAPÍTULO III - METODOLOGIA DA ECONOMIA E O PENSAMENTO DE KUHN. 11

PENSAMENTO CIENTÍFICO TRADICIONAL 12 EPISTEMOLOGIA BABILÔNICA 14 THOMAS KUHN E A ECONOMIA 16 APLICAÇÕES À ECONOMIA 20

CAPÍTULO IV - CONCLUSÃO 23

BIBLIOGRAFIA 25

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Capítulo I - Introdução

A ciência econômica tem sempre sido objeto de discussões acerca de sua natureza

como disciplina. Questiona-se, principalmente por não especialistas e por estudantes recém

ingressos na universidade, se a economia é realmente uma ciência social e o quão próxima

ela está das ciências exatas. Esse tipo de discussão acontece pela própria peculiaridade da

economia como objeto de estudo. Não há dúvida de que as ciências econômicas fazem

parte das ciências humanas e das ciências sociais. Com o passar dos anos e conseqüente

desenvolvimento que experimentou o conhecimento humano como um todo, a

argumentação econômica ficou mais complexa e fez uso gradativamente do instrumental

matemático em suas análises. Não somente o maior uso de instrumental matemático

influenciou na configuração do que se entende por economia hoje, o uso indiscriminado de

uma epistemologia assentada em axiomas e deduções lógicas, mais aplicáveis ao âmbito

das ciências naturais e da matemática, fez com que certas correntes de pensamento

econômico perdessem, pelo menos a primeira vista, o caráter de ciência humana, ética e

social da economia.

O presente trabalho procura discutir a natureza da ciência econômica, enfatizando

seu caráter humano e social. Propõe-se uma definição de economia que está centrada no

homem e no sentido teleológico da vida humana. Em um segundo momento, faremos uma

análise da racionalidade que se pode encontrar na economia, dando um enfoque especial à

filosofia da ciência de Thomas Kuhn e suas aplicações à economia. É importante ressaltar

que os capítulos não estão necessariamente associados entre si, são discussões que em seu

conjunto servem ao propósito inicial do trabalho.

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Capítulo II - A natureza da disciplina econômica

Ao longo de sua história, a economia recebeu diversas definições. O que se entendia

por economia na época dos fisiocratas não era o mesmo que entendiam os industriais da

revolução industrial inglesa e não é o mesmo que um dono de empresa virtual pensa hoje.

O desenvolvimento da sociedade e os descobrimentos científicos permitiram que

acontecesse uma contínua mudança nos mecanismos de produção, troca e armazenamento

de bens. À medida que a realidade social se tornava mais complexa, as necessidades

humanas cresciam e isso impulsionava o desenvolvimento de uma economia que pudesse

suprir as novas necessidades que surgiam.

O pensamento econômico evidentemente cresceu junto com as demandas sociais

justamente na tentativa de entender a realidade social em que a economia estava inserida e

propor as soluções adequadas para resolver os problemas. Não obstante todas as teorizações

feitas ao longo dos anos, ainda hoje existem definições de economia muito distintas.

Samuelson e Nordhaus (1988) apresentam diversas definições de economia que segundo

eles ainda são freqüentes, mas propõem uma definição geral que dizem ser aceita por

grande parte dos economistas. A definição é a seguinte: “A economia é o estudo de como

as pessoas e a sociedade decidem empregar recursos escassos, que poderia ter utilizações

alternativas, para produzir bens variados e para distribuir para consumo, agora ou no

futuro, entre as várias pessoas ou grupos da sociedade”.

Dentre as diversas definições que existem de economia, as mais acertadas são

aquelas que colocam em foco o ser humano e o fato da economia estar a serviço do homem

e da sociedade. Com o objetivo de ressaltar o caráter humano e social da economia, como

proposto no início do trabalho, procuraremos uma definição de economia que, sem ter

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pretensão de desqualificar a definição geral dada por Samuelson e Nordhaus, vai além,

buscando na realidade do que vem a ser o homem uma resposta adequada do que podemos

entender por economia.

O que é o homem e o que é a economia com base no homem

A economia, como o direito e a sociologia, é uma disciplina que está inserida num

contexto e numa realidade social que se superpõem à própria economia. Essa realidade

social mais ampla, quando submetida à análise, pode ser devidamente entendida se se usa

como unidade básica de análise o ser humano. Deste modo, o entendimento do que venha a

ser a economia está subordinada ao que vem a ser o homem.1

Messner (1949) escreve no início de sua monumental obra sobre ética social: “To

the question, What is man? social philosophy must, therefore, in any case find a clear and

unambiguous answer which it must take as its basis if it is to comprehend the nature and

laws of social life”. Em seu livro, Messner discute diversas concepções de humanismo que

conduzem a visões de mundo muitas vezes distintas e contraditórias. Não é nosso objetivo

aqui discutir todas as concepções do que vem a ser o homem apresentadas por Messner,

mas para poder levar a cabo nosso argumento devemos nos ater a alguma definição e nela

basear o restante da discussão.

Perguntar o que é o homem é inquirir sobre o que todos os homens têm em comum,

sua essência ou natureza. Muitas das tentativas de definir o homem caem no erro de serem

dualistas. Por um lado adotam a perspectiva científica e axiomática e tentam encaixar o

homem nos moldes de sua argumentação, sendo geralmente incapazes de um resultado

1 É importante ressaltar que a definição que buscamos de economia fundamentalmente diz respeito ao dever-ser da economia. Poder-se-ia argumentar que a mais precisa definição de economia é aquela que descreve a economia tal como ela é hoje. Buscamos, por outro lado, o que seria o ideal da economia.

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satisfatório pois só consideram aspectos que se enquadram na sua lógica argumentativa

deixando de lado aspectos importantes acerca do homem. Num outro extremo está o

historicismo e relativismo que advogam a impossibilidade de conhecer o homem em sua

natureza porque o homem é fruto de sua história e das circunstâncias sociais que o

circundam. Fugindo destes dois extremos, procuramos no conceito de natureza humana as

notas específicas que nos permitem conhecer o homem tal como ele é em sua totalidade.

Os seres vivos em geral têm a tendência a crescer e desenvolver-se até um fim.

Podemos perceber isto nas plantas e nos animais em geral e também no homem. No

homem, esta tendência a um fim está muito mais especializada do que nos outros animais,

isto se deve à complexidade própria do ser humano. O fim, tanto no homem como nos

demais seres, se identifica com um bem ou uma perfeição. Uma árvore, pois, quando busca

a luz do sol, busca algo que é imprescindível para a consecução de seu fim como árvore, ou

seja, está à procura de sua perfeição. O mesmo acontece nos animais em geral, em que tais

atividades que levam a seu fim são mais complexas, mas estão direcionadas à mesma meta.

No homem acontece o mesmo. Segundo escreve Yepes(1996): “la naturaleza del hombre

es precisamente el despliegue de su ser hasta alcanzar ese bien final que constituye su

perfección”. O próprio do homem é então desenvolver suas capacidades e, como aponta

Yepes(1996), a pergunta o que é o homem? acaba por se transformar na pergunta o que o

homem é capaz de chegar a ser? Esta concepção futurista do homem, que entende nas

possibilidades do homem a natureza de seu ser, implica considerar o homem como um ser

além do meramente material, que é próprio dos animais. O homem é pois um ser com uma

parte material (animal), dotado de razão (inteligência e vontade) e uma parte espiritual, ou

seja, uma realidade que transcende o puramente empírico que se costuma chamar alma. Os

fins próprios do ser humano estão ligados tanto ao aspecto material como espiritual de sua

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vida, sendo que essas duas realidades são inseparáveis na unidade do ser humano. Messner

(versão em português) argumenta que é o modo de agir que pode determinar a natureza das

coisas. Segundo tal princípio, ele argumenta que para se conhecer em que consiste a

natureza humana, é preciso “examinar as forças, os instintos e impulsos que vemos

atuarem no homem”. Tendo isto em consideração, Messner identifica os seguintes

instintos, impulsos e forças: “instinto de conservação, necessidade de nutrição, o instinto

para garantir a subsistência, a provisão do futuro, o instinto sexual, o amor dos pais para

com os filhos, o instinto da vida de família, o instinto social, o de alargar o campo da

experiência e do saber, o da atração para o belo,o desejo de ser considerado pelos outros,

a tendência para uma relação ordenada com o ser supremo, e de todos os outros fins

instintivos compreendidos no instinto de felicidade”. Alguns dos instintos mencionados

acima são comuns aos homens e aos animais, entretanto, somente o homem tem razão

capaz de orientar tais instintos e ter consciência deles.

Na introdução do trabalho, foi dito que a definição de economia que se procura está

centrada no homem e no sentido teleológico da vida humana. Podemos entender melhor

esse sentido teleológico usando o conceito apresentado por Messner (versão em português)

de fins existenciais. Segundo Messner, os instintos corporais e espirituais do homem como

algo que o homem faz no exercício de sua liberdade configuram por si a existência humana.

Desta maneira, inerente ao conceito de homem está o conceito de fins existenciais e como

foi dito que é sobre o conceito de homem que procuramos estruturar o que entendemos por

economia, os fins existenciais são importantes na conceituação de economia.2

2 Os fins existenciais não são fins desvinculados da experiência comum que podemos observar. Para tornar mais claro o conceito, apresentamos o que Messner aponta como sendo fins naturais humanos de acordo com a experiência humana mais geral e mais segura, não são uma mera repetição dos instintos mencionados, vão além: “a autoconservação, incluindo a integridade física e consideração social(honra pessoal); a realização perfeita de si mesmo, abrangendo o desenvolvimento da capacidade humana em ordem à elevação das condições de vida, assim como ao bem-estar econômico, com as devidas garantias de propriedade e dos

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As ciências econômicas são o estudo de como as pessoas e a sociedade

empregam seus recursos limitados, que poderiam ter utilizações alternativas, para criar as

condições necessárias para que todos os membros da sociedade pudessem alcançar seus fins

existenciais e a sociedade como um todo o bem comum. Propositadamente escolhemos

termos e forma semelhante à definição dada por Samuelson e Nordhaus (1988). Poder-se-ia

argumentar que nossa definição não difere muito da definição de Samuelson e Nordhaus, o

que é verdade, no entanto, a consideração dos fins existenciais enriquece a definição,

mostrando que o esforço da economia não se limita a alocação de bens e serviços, mas à

promoção de um padrão de vida que proporcione o cumprimento dos fins existenciais para

cada membro da sociedade. Na prática, certos raciocínios que são consideramos como

economicamente racionais pois promovem maior fluxo de negócios, maior circulação de

dinheiro, maior nível de produção e conseqüente mais facilidade que as pessoas adquiram

tais bens podem, sob o ponto de vista dos fins existenciais, serem irracionais. Por exemplo,

a comercialização de livros, filmes e jogos eletrônicos violentos movimentam uma grande

quantidade de dinheiro e criam emprego pois existe um mercado consumidor para estes

bens. Sendo assim, um aumento no consumo traria mais empregos ao setor e maior

quantidade de dinheiro em circulação na economia. Entretanto, o incentivo deste tipo de

comércio tem uma repercussão negativa na sociedade como um todo, pois é um estímulo à

violência e a delinqüência.

necessários rendimentos;o alargamento do saber e da aptidão para apreciar a beleza; a procriação através da união dos sexos e da união dos filhos dela decorrentes; a participação voluntária no bem-estar espiritual e material dos outros homens, como ser humano de dignidade igual à deles; a união social em ordem à promoção da utilidade geral, que consiste na segurança, na paz, na ordem e na possibilidade de todos os membros da sociedade chegarem à perfeita realização do seu ser humano, participando proporcionalmente no acervo de bens disponíveis; o conhecimento e o culto de Deus e o definitivo cumprimento do destino humano mediante sua união com Ele”. Messner diz que salvo o último, tais fins existenciais tem uma aceitação geral. Pois é considerando tais fins existenciais que apresentaremos nossa visão sobre a natureza da ciência econômica.

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Portanto, mesmo tendo como resultado imediato a queda no nível de empregos e a

diminuição do consumo e circulação de dinheiro na economia, banir tal tipo de comércio

seria uma atitude racional pois o que se tem em vista são os fins existenciais e o bem

comum da sociedade. Em alguns aspectos esse raciocínio já vinha sendo adotado em alguns

setores, por exemplo, no combate às drogas. No entanto, em muitos outros a consideração

dos fins existenciais e do bem comum passa desapercebido. A milionária industria do sexo

é um exemplo. Se considerarmos o aumento no número de abortos, de gravidezes precoces,

de filhos com mães solteiras, na disseminação de doenças sexualmente transmissíveis,

como a AIDS, na prostituição e na criminalidade associada, na pedofilia e em outras

“mazelas” sociais relacionadas com a industria do sexo, perceberíamos que o

comportamento econômico racional, pensando nos fins existenciais e no bem comum, seria

banir alguns setores e regular mais intensivamente outros. Evidentemente tais ações teriam

um impacto econômico e seriam objeto de crítica por algumas parcelas da sociedade. Não

se pode, no entanto, em nome de uma falsa liberdade liberar para alguns algo que é

prejudicial para o conjunto da sociedade. Messner (1949) diz algo a esse respeito que é

muito elucidativo e pode servir de resumo para nossa argumentação: “Thus it may be

inferred that financial success, for instance, is not in itself a proof of economic sound

trading. Financial success does not necessarily imply that needs are being satisfied in

accordance with sound reason or that the consequent due respect for the human and social

elements is being maintained. These elements are ultimately dependent on the existential

ends of man. Hence the conclusion that economy is linked with the order of ends and is

true economy only so far as it remains in accord with that order”.

A visão de economia como ciência social e humana que apresentamos, não implica

uma simplificação dos métodos de investigação econômica ou negação dos avanços que o

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pensamento econômico experimentou nos últimos anos. Antes é impulso para o

desenvolvimento de novas técnicas e teorias que consigam maximizar a utilização dos bens

escassos para as pessoas e para a sociedade, tendo em vista os fins existenciais da pessoa e

o bem comum da sociedade.

No próximo capítulo trataremos das características da investigação científica na

economia tendo em vista a aplicação do trabalho de Thomas Kuhn. Esta discussão também

será uma boa oportunidade para salientar alguns aspectos da economia que não nos permite

enquadra-la como ciência exata mas como ciência humana.

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Capítulo III - Metodologia da Economia e o pensamento de Kuhn.

Com o desenvolvimento e especialização das disciplinas, é possível trabalhar hoje

com ciência social sem estar se questionando continuamente sobre os pressupostos

filosóficos que regem o estudo. Isto fica muito evidente na economia, em que a

especialização do conhecimento e o uso de outras disciplinas e diversas técnicas de

pesquisa permitem que um economista tenha muito conhecimento sobre um determinado

assunto sem que conheça toda a argumentação teórica que levou à especialização do

conhecimento. Este é um processo natural pois a sociedade necessita desta especialização

para poder cumprir com as distintas demandas e necessidades que a vida moderna trás

consigo. Não se pode mais querer estar bem entendido, no “state-of-the-art”, de todas as

sub-áreas da disciplina que se estuda. A competência exige antes de tudo uma escolha, que

consiste na negação de diversas possibilidades para a afirmação de uma só, que irá nortear

todo o trabalho do pesquisador por anos.

Neste panorama, os economistas que trabalham com a filosofia subjacente à

economia são uma minoria que se dá ao luxo de concentrar seus esforços mesmo com a

grande quantidade de trabalho prático para a solução de inúmeros problemas que existe na

sociedade. No entanto, sempre será imprescindível para qualquer disciplina que haja

discussões teórico-filosóficas que sejam a base do desenvolvimento posterior da disciplina.

Tendo isso em conta, procuramos neste capítulo apresentar algumas discussões

epistemológicas que tem aplicação para a economia. Analisaremos, primeiramente o ideal

científico tradicional, em seguida o pensamento babilônico, na terminologia de Dow

(1985)’’ e por fim a filosofia da ciência de Kuhn e suas aplicações às diversas teorias

econômicas.

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Pensamento científico tradicional

O desenvolvimento de um pensamento científico requer a construção e a

apresentação de argumentos verdadeiros que em seu conjunto apresentem um

conhecimento válido da realidade. Quando se procura provar a coerência interna de um

grupo de argumentos, faz-se uso de uma estrutura lógica e de uma retórica que permitam

deixar claro a verdade e validade de tudo quanto está sendo dito. Podemos identificar

distintas escolas e pensadores de filosofia da ciência que em geral buscam a racionalidade

na investigação científica. Seguindo os passos de Dow (1985), analisaremos as duas

principais correntes de pensamento que marcaram e ainda tem muita influência na história

do pensamento Ocidental. Nesta secção indicamos as principais características da chamada

epistemologia cartesiana/euclidiana e na secção seguinte a epistemologia babilônica.

Terminamos com discussões epistemológicas modernas, principalmente Kuhn.

Euclides (330-277 a.C.) e René Descartes (1596-1650) foram dois matemáticos que

entraram para a história por suas importantes contribuições. Descartes foi também um

filósofo importante, ele deu novos rumos ao pensamento filosófico de sua época e

influenciou muito o desenvolvimento filosófico posterior, principalmente no que se entende

por filosofia idealista e imanentista. A epistemologia euclidiana/cartesiana não tem esse

nome por acaso. Euclides ficou conhecido pela estruturação de sua geometria em termos de

postulados (afirmações de base, de caráter intuitivo e não demonstrável; axiomas). O que

chamamos epistemologia euclidiana/cartesiana tem justamente estas características. Como

aponta Dow (1985): “The method involves establishing basic axioms, which are either true

by definition or ‘self-evident’, and using deductive logic to derive theorems, which are not

self-evident”. Este método de investigação é muito atraente pois possibilita o

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desenvolvimento e a aplicação de todo uma lógica ao seu funcionamento. Entretanto,

somente na matemática é possível admitir axiomas inquestionáveis, o que restringe a

aplicação dessa epistemologia no âmbito das demais ciências. Considera-se que a pureza do

pensamento científico está justamente neste método. A certeza da verdade e da validade dos

argumentos derivados dos axiomas iniciais é total, desde que esses axiomas sejam

efetivamente verdadeiros. Isso impulsionou que diversas disciplinas, inclusive a economia,

fizessem uso deste método, mesmo sabendo que dificilmente determinar-se-ia axiomas

totalmente verdadeiros. Nas ciências físicas, por exemplo, os axiomas deveriam surgir da

observação. Tendo em conta a precariedade de métodos de observação que possuímos em

algumas áreas, entende-se a dificuldades de determinar axiomas. A astrofísica é um

exemplo clássico de como melhores métodos de observação mudam nossa visão de mundo.

Desde de Ptolomeu (100-170), passando por Copérnico (1473-1543) e Newton (1642-1727)

até Einstein (1879-1955), a visão do homem sobre o espaço e as leis que regem o

movimento dos os corpos celestes mudou radicalmente.

O ponto de vista da epistemologia euclidiana/cartesiana, como aponta Dow (1985),

distingue claramente o que é ciência do que não é ciência. Um conhecimento científico

seria aquele fruto de dedução lógica a partir de axiomas evidentes em si mesmos. Por

contar com uma lógica interna, a linguagem científica não possuiria termos com mais de

um significado. Além disso, o conhecimento científico seria acumulativo e todas as ciências

faziam parte de uma única estrutura científica. 3

Na economia, faz-se um amplo uso desta metodologia tradicional na determinação

de conceitos e teorias. A partir do axioma de maximização da utilidade pessoal, são tiradas

3 Para um debate mais profundo sobre o método euclidiano/cartesiano, ver Dow (1985), págs. 16-25.

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muitas conseqüências microeconômicas. O grande emprego de matemática na

microeconomia clássica deve-se em parte ao emprego da metodologia tradicional. Alguns

axiomas iniciais, base do desenvolvimento posterior, são passíveis de matematização.

Usando o raciocínio matemático, parte-se de umas equações e chegam-se a outras que são

posteriormente referidas ao axioma inicial e tem em si um significado econômico distinto.

Este resultado por sua vez pode ser usado como axioma e daí derivar outros argumentos e

implicações que terão também significado econômico. O grande perigo do uso deste

método é a determinação dos axiomas que impulsionarão a dedução lógica. Se os axiomas

são falsos ou somente parcialmente verdadeiros, os resultados serão falsos ou mostrarão a

verdade de uma forma restrita e simplificada.

Epistemologia babilônica4

Considera-se como epistemologia babilônica o método o não euclidiano/cartesiano.

Muitas de suas características podem ser determinadas em contraposição com as

características apresentadas da metodologia tradicional. As origens deste do método

babilônico não estão claramente definidas, nem seu desenvolvimento e suas características.

Isso se deve ao fato de que são distintas as correntes da filosofia da ciência que se

opuseram ao método tradicional. Provavelmente, os primeiros pensadores surgiram já na

raiz do pensamento tradicional, entretanto, somente no século XIX que a discussão

começou a ganhar relevância e se estruturou uma filosofia da ciência que procurava

resolver os problemas que surgiam com o desenvolvimento das ciências humanas e naturais

que o método tradicional ficava aquém em determinados aspectos.

4 Tomamos emprestado e termo usado por Dow (1985). Ela emprega o “babilonian mode of thought” em contraposição com “tradicional scientific ideal”.

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O ponto de partida do método babilônico é a negação da possibilidade de determinar

axiomas evidentes em si mesmos fora do âmbito da matemática. Nega-se, por conseguinte,

a possibilidade de fazer ciência unicamente através da dedução lógica a partir de axiomas

iniciais. Este método consegue lidar com os erros devidos não a defeitos na lógica, mas

aqueles inerentes à construção do conhecimento em geral, por exemplo, dificuldades de

observação. Dow (1985), aponta que “the alternative approach is to employ several

strands of argument which have different starting points and which, in a successful theory,

reinforce each other; any argument, therefore, does not stand or fall on the acceptability of

any one set of axioms. Knowledge is generated by practical applications of theories as

examples, using a variety of methods”. As discussões sobre o conceito de incerteza,

popularizado por Keynes, mostram o uso dos dois métodos apresentados no âmbito da

economia. Os marginalistas usam mais o método axiomático-dedutivo enquanto que os

keynesianos e pós-keynesianos estão mais ligados à tradição babilônica, pela própria

natureza das críticas que eles apresentam contra os marginalistas. À primeira vista, a

epistemologia babilônica consegue lidar com mais problemas que a tradicional. Sua análise

da realidade é mais abrangente e pode envolver aspectos históricos, sociais e psicológicos,

o que é particularmente importante para as ciências humanas. No entanto, os resultados não

são tão “atrativos” como aqueles do método tradicional. Como se trabalha com incerteza e

bases de argumentação não totalmente confiáveis, os resultados naturalmente não são

totalmente verdadeiros. Os adeptos desta metodologia argumentam que apesar de não se

estar trabalhando com resultados completamente confiáveis, está-se aproximando da

realidade do que esta sendo tratado mais do que no método tradicional. Segundo eles, com

o método tradicional pode-se chegar a uma conclusão logicamente verdadeira mas que na

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prática não tem nenhuma aplicação e foge totalmente à realidade efetiva da natureza ou da

relação social estudada.

Na próxima secção apresentamos as principais características na filosofia da ciência

de Thomas Kuhn e suas aplicações na economia. De antemão, podemos dizer que Kuhn

está ligado à tradição babilônica e que, apesar de algumas incoerências internas na sua

argumentação, poderemos discutir alguns aspectos importantes na caracterização da

economia como ciência humana e social.

Thomas Kuhn e a economia

Thomas Kuhn (1922-1996) foi professor de Filosofia e História da Ciência do

“Massachusetts Institute of Technology” , ele ficou conhecido por sua obra “A Estrutura

das Revoluções Científicas” (1963). Esta obra de Kuhn desencadeou uma verdadeira

revolução e segue tendo implicações ainda hoje. Seu enfoque é fundamentalmente

histórico-sociológico, ou seja, não segue o método tradicional, tendo antes características,

na terminologia de Dow, babilônicas.

O surgimento de novas metodologias em contraposição com a tradicional, deve-se

em grande parte aos desenvolvimentos que a matemática e a física experimentaram na

início do séc. XX. A geometria não-euclidiana de Riemann, a física quântica de Planck e a

relatividade de Einstein colocaram em cheque conceitos e teorias científicas já

estabelecidas como verdades inquestionáveis e, por conseguinte, balançou toda a estrutura

da filosofia da ciência, pois questões sobre como teorias são criadas e refutadas foram

levantadas e o conceito de relativismo ganhou mais atenção.

A economia também sofreu mudanças importantes neste período e fez o uso das

metodologias que então surgiam para poder explicar seu próprio desenvolvimento como

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ciência. Foi de especial importância os trabalhos de John Maynard Keynes (1883-1946)

pois ele questionou o marginalismo, escola dominante na época e ainda de grande

influencia hoje, colocando no debate questões que antes haviam passado despercebidas,

muitas conseqüências das próprias mudanças que experimentava a sociedade, o que exigiu

uma metodologia que fosse além dos moldes do método tradicional e conseguisse

incorporar, por exemplo, conceitos como o de incerteza.

Fazer o uso da epistemologia kuhniana na economia significa buscar num conjunto

de idéias já desenvolvido uma explicação para a evolução da investigação científica na

economia, ou seja, como as idéias surgem, como são superadas e como se dá um progresso

no conhecimento. Tomar como base Kuhn neste trabalho não significa que se aceite suas

idéias sem nenhuma crítica. Kuhn não consegue resolver todos os problemas de filosofia da

ciência e suas idéias se aplicam mais ao âmbito das ciências naturais pois sua formação

inicial era de físico. Não obstante, podemos compreender aspectos importantes da

economia com seu trabalho e dar um passo no objetivo primeiro de caracterizar a economia

como ciência humana e social.

Dois conceitos importantes na filosofia da ciência de Kuhn são os de ciência normal

e ciência extraordinária. Entretanto, o conceito mais discutido que Kuhn propõe é o de

paradigma. Artigas (1994) interpreta o conceito de paradigma de Kuhn dizendo que é usado

para “expresar el marco conceptual admitido por los científicos en esa actividad, o sea, las

teorías básicas que no se someten a discusión y que marcan la pauta de las investigaciones

científicas ‘normales’” . As investigações científicas normais são, por sua vez, aquelas

empreendidas pelos cientistas tentando resolver problemas envolvidos no paradigma que

rege a investigação. Não se questiona a validação das teorias envolvidas no paradigma, o

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trabalho científico consiste numa espécie de resolução de “quebra-cabeças” internos ao

paradigma.

Com o desenvolver da atividade científica, argumenta Kuhn, começam a surgir

problemas que não tem solução. A reação inicial é reconhecer a incapacidade do cientista

em resolver problemas propostos, mas pode acontecer da falha estar na própria teoria e no

paradigma que “sustenta” a investigação. Desta maneira, o trabalho científico entra em

crise e desenvolvimentos que coloquem em jogo as teorias e o paradigma aceitos no

momento são precisos para tirar a ciência da crise. Uma vez superada a crise, estabelecidas

novas teorias e um novo paradigma entrar em voga, dá-se novamente a ciência normal, que

o papel é resolver os problemas internos envolvidos até que venha acontecer uma nova

crise. Esse período de crise e da atuação científica que questiona as teorias vigentes é

chamado de ciência extraordinária. Dá a impressão de que a ciência extraordinária que é a

responsável pelo progresso científico, no entanto, a ciência normal desempenha também

um importante papel pois sem ela não haveria ciência extraordinária. Podemos dizer então

que as revoluções científicas são provocadas pela ciência normal.

A questão da mudança de paradigma, ou de saber como certas teorias dão lugar a

outras, é uma importante matéria da filosofia da ciência. A escola positivista argumenta que

novas teorias são verificadas, ou ao menos confirmadas, pela experiência. Karl Popper

(1902-1994), por sua vez, propõe o critério da falseabilidade. Como afirma Marins Filho

(2000), “como basta que uma vez o fenômeno não ocorra para se dizer que a teoria é falsa

(assimetria lógica entre confirmação e desmentido), o caminho do método científico não

deveria ser o de tentar provar a teoria pela indução das observações feitas, mas tentar

falseá-la (grifo do autor), propondo e testando hipóteses em que ela não ocorra (a teoria

falseada, no entanto, não deve ser abandonada enquanto não se tiver outra melhor)”. A

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resposta de Kuhn difere bastante destas duas. Segundo ele, quando se pensa na mudança de

paradigmas, nem sempre são argumentos lógicos que justificam que um paradigma seja

substituído por outro. O termo em questão é a incomensurabilidade dos paradigmas, ou

seja, a impossibilidade de compara-los mediante um critério comum. Kuhn diz que a

mudança de um paradigma para outro não necessariamente significa um progresso

científico uma vez que essa mudança pode ser devida simplesmente a uma “conversão”dos

pesquisadores, que abandonam um paradigma e adotam outro por mera conveniência. Pode

acontecer também de um paradigma vir a ser predominante por que um grupo de cientistas

jovens que iniciaram suas pesquisas tomaram este paradigma como sua base, não entrando

em contato com o paradigma anterior e involuntariamente levando ao seu esquecimento.

Como falamos anteriormente, a filosofia de Kuhn apresenta inúmeros problemas.

Kuhn, como Popper, não chegou ao fundo dos problemas que tratou, seja a questão da

racionalidade, seja a do progresso científico, porque não teve como fundamento conceitos

filosóficos que lhe permitissem dizer, por exemplo, o que era a verdade do conhecimento.

Kuhn também caiu num cientificismo pois considera que a ciência é a única fonte de

racionalidade. Artigas (2000) identifica também um grande pragmatismo no pensamento de

Kuhn. Segundo ele, o pragmatismo de Kuhn está presente no que ele chama de “metáfora

evolutiva”, ou seja, “el desarrollo de la ciencia no tiende a ningún fin y, por tanto, deberá

admitirse que las teorías científicas son, en definitiva, sólo herramientas útiles para

conseguir determinados objetivos prácticos”. Não obstante essas críticas, Kuhn

desempenhou um papel importante na filosofia da ciência ao colocar em questão, quando se

pensa no estudo do desenvolvimento da ciência, a influencia de fatores sociológicos em

contraposição às idéias que se centravam na lógica da ciência. O próprio conceito de

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filosofia da ciência que se vinha usando foi colocado em cheque e os trabalhos de Kuhn

impulsionaram muitos trabalhos posteriores.

Aplicações à economia

A filosofia da ciência de Kuhn enfatiza, como falamos anteriormente, aspectos

sociológicos no progresso da ciência. Quando se pensa na economia, ou qualquer outra

ciência social, a consideração destes aspectos é de suma importância para captar bem a

natureza da disciplina e como seu progresso ou desenvolvimento não pode ser descrito

tendo como base unicamente axiomas e raciocínio lógico. Toda essa argumentação vem ao

encontro do nosso trabalho, pois mostra uma outra maneira de ver a economia como ciência

social e humana.

A aplicação da metodologia euclidiana/cartesiana na economia começou

provavelmente com Adam Smith (1723-1790). A metodologia da escola marginalista foi

também basicamente axiomático-dedutiva. Keynes, ao apresentar uma alternativa à Ricardo

e aos neoclássicos, deveria adotar uma metodologia que diferisse da axiomático-dedutiva.

Efetivamente, já no seu trabalho sobre probabilidade, “Treatise on Probability” , Keynes

começa a investigar as motivações individuais para agir e o papel da incerteza na tomada de

decisões. Keynes introduz conceitos antes ignorados na argumentação econômica que

levam mais em conta o homem e a realidade que o circunda. A escola marginalista quando

fala da racionalidade tem, em geral, uma atitude voltada para as conseqüências da ação. Já

Keynes, segundo Henriques (2000), quando pensa em racionalidade “ultrapassa a

referência estrita à avaliação das conseqüências”. Segundo Henriques “esse olhar

anticonseqüencialista de Keynes permite reconhecer que o homo economicus é

necessariamente racional, mas sua racionalidade depende, de modo determinado, dos

hábitos, dos instintos, das preferências, dos desejos e das vontades”. Como podemos

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perceber, Keynes toma como fatores econômicos aspectos psicológicos e sociológicos. Não

é possível explicar o desenvolvimento de uma ciência com tais características tendo como

base a metodologia axiomático-dedutiva. A filosofia da ciência de Kuhn, mesmo com suas

limitações, consegue lidar com tal problema mais eficazmente que a filosofia da ciência

tradicional. Como aponta Dow (1985), “the observational problems in economics and the

pervasiveness of its moral or normative content, pose particular problems if economists

insist on striving for the traditional scientific ideal”. O fato dos pós-keynesianos e ‘neo-

austrians’ se preocuparem com o papel do tempo histórico, com os problemas com

informação e a influencia das instituições na tomada de decisões, ou seja, não se pautarem

pela metodologia tradicional leva aos pensadores ortodoxos a os considerarem não

científicos. Esse tipo de declaração só é possível dado a teoria da ciência que os ortodoxos

tinham em mente. Com o desenvolvimento da filosofia da ciência, como já muito

enfatizamos, com o trabalho de Kuhn, o conceito do que é ou não é científico mudou e

construção da ciência econômica sob distintos alicerces foi assim possível. Entendemos que

foi essa mudança de paradigma que possibilitou o desenvolvimento da economia para que

ela possa lidar com os problemas atuais com efetivamente.

Uma análise mais profunda da natureza das distintas escolas de pensamento

econômico nos permitiria identificar outras aplicações do pensamento de Kuhn na

economia. Dow fala, por exemplo, que os teóricos do equilíbrio geral consideravam o

argumento de que a persistência do desemprego não era uma anomalia para a síntese

neoclássica como sendo uma tentativa para criar uma crise kuhniana e impulsionar uma

mudança de paradigma. Não entraremos em detalhe a esse respeito nem a outros exemplos

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pois isso requer uma exaustiva análise da natureza das escolas de pensamento econômico e

sua evolução histórica, o que foge ao propósito deste trabalho.5

5 Para uma discussão abrangente do assunto conferir Dow (1985), capítulo 03.

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Capítulo IV - Conclusão

Foi o propósito deste trabalho discutir alguns aspectos que permitem ter mais claro a

natureza humana e social da economia. Começamos argumentando que é muito comum não

saber determinar se a economia é uma ciência humana ou exata. Evidentemente dentre os

profissionais da área não existe dificuldade em saber que a economia é uma ciência humana

e social, mesmo assim, muitos pesquisadores parecem esquecer esse caráter humano e

social da economia e trabalhar unicamente com seus resultados matemáticos e lógicos.

De maneira alguma o propósito deste trabalho foi criticar o uso do instrumental

matemático e estatístico na economia. Fazer isso seria ir contra o desenvolvimento e o

progresso que a economia tem apresentado e que tem permitido lidar com problemas muito

complexos. O foco da e questão é que não faz sentido sustentar uma teoria por sua ‘beleza’

lógica e matemática se na prática ela não consegue cumprir com sua missão que é servir o

homem e a sociedade. Nesse sentido foi relevante a discussão dos fins existenciais humanos

para esclarecer quais são os objetivos e necessidades concretas que a economia tem que

suprir. Poder-se-ia ter estendido essa discussão para determinar a natureza do bem comum

da sociedade que a economia tem também o papel de suprir. Seria necessário para tanto

uma grande discussão filosófica que pode ser encontrada em Messner (versão em

português). Além disso, o conceito de bem comum é mais intuitivo que o de fins

existenciais.

Toda a discussão sobre metodologia, epistemologia e filosofia da ciência também

contribuiu para mostrar esse caráter humano e social da economia. Keynes é o personagem

que mais se destaca nessa discussão por suas contribuições à economia. Sua crítica à teoria

neoclássica ou marginalista, fonte onde ele mesmo bebeu, coloca na argumentação

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econômica aspectos psicológicos e sociais antes ignorados. A filosofia da ciência de Kuhn,

apesar de suas inúmeras limitações, é satisfatória para descrever certas características da

ciência econômica nesse contexto.

Efetivamente, tem havido um novo interesse no pensamento de Keynes,

principalmente por teóricos pós-keynesianos, focalizando-o agora não exclusivamente

como economista mas como filósofo-economista. Percebe-se que da mesma maneira que

não é possível entender completamente o pensamento econômico de Marx sem fazer

referência à sua concepção filosófica, não se pode entender completamente Keynes se antes

não se fizer uma análise de sua filosofia. Isso tem impulsionado uma releitura dos primeiros

trabalhos de Keynes, do Tratado sobre Probabilidade e até da Teoria Geral.

A economia só será realmente efetiva e cumprirá seus fins se pudermos apreender

sua natureza como disciplina. Os desenvolvimentos na técnica e na teoria devem andar

juntos com a metodologia para se poder resolver todos os problemas atuais e os que

surgirão no futuro.

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Bibliografia ARTIGAS, Mariano El desafío da racionalidad Ediciones Universidad de Navarra, S.A (EUNSA) – 1994; DOW, Sheila – Macroeconomic Thought – A Metodological Approach – Basil Blackwell – 1985 HENRIQUES, Ricardo - Comportamento Racional e Formação de Crenças em Keynes – Revista Brasileira de Economia JUL/SET 2000; MARTINS FILHO, I.V. Manual Esquemático de História da Filosofia – Editora LTr – 2000; MESSNER, Johaness – Ética Social –volume I - Editora Quadrante – São Paulo. (não consta o ano na obra) MESSNER, Johaness – Social Ethics – B. Herder Book CO. USA 1949. SAMUELSON e NORDHAUS – Economia – Editora McGraw-Hill de Portugal, Lda. YEPES, Ricardo S. – Fundamentos de Antropologia – Un Ideal de excelencia humana. Ediciones Universidad de Navarra, S.A (EUNSA) – 1977;