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1 O CASO JULGADO INCONSTITUCIONAL Carlos Henrique Soares 1 SUMÁRIO: Resumo 1 Introdução 2 Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional de Paulo Otero 3 Direito Processual Constitucional e Direito Constitucional Processual 4 Decisão Judicial no Paradigma Democrático 5 Justiça nas decisões judiciais 6 Segurança Jurídica 7 Conclusão 8 Referências RESUMO Análise crítica da obra do professor Paulo Otero, buscando superar o positivismo jurídico. Caso julgado constitucional só se formará quando houver a instrumentalização de um espaço discursivo-processual em que os interessados na decisão judicial se reconheçam como também os autores dessa decisão. 1 Introdução O presente trabalho pretende analisar criticamente a obra do professor Paulo Otero, intitulada, “Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional”. Tal análise far-se-á em contornos pós-positivistas, utilizando como marco teórico a obra Direito e Democracia de Jürgen Habermas. Para superarmos as proposições apresentadas por Paulo Otero e que nos remetem ao paradigma de Estado Social, propomos uma nova abordagem sobre o processo, com os conceitos apresentados por Elio Fazzalari, e sua teoria do processo como procedimento em contraditório. Bem como buscaremos ressemantizar os conceitos de justiça, verdade, segurança jurídica e principalmente do caso julgado numa perspectiva democrática, indicando que a questão da inconstitucionalidade do caso julgado possui estreitos laços com a questão da legitimidade das decisões. 1 Doutorando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, financiado pela CAPES e realizando estagio-doutoramento na Universidade Nova de Lisboa sob a orientação do Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia e do Professor da PUCMinas Doutor José Marcos Rodrigues Vieira. 1

O CASO JULGADO INCONSTITUCIONAL - fd.unl.pt · conceitos de justiça, verdade, segurança jurídica e principalmente do caso julgado numa perspectiva democrática, indicando que a

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O CASO JULGADO INCONSTITUCIONAL

Carlos Henrique Soares1

SUMÁRIO: Resumo 1 Introdução 2 Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional de Paulo Otero 3 Direito Processual Constitucional e Direito Constitucional Processual 4 Decisão Judicial no Paradigma Democrático 5 Justiça nas decisões judiciais 6 Segurança Jurídica 7 Conclusão 8 Referências

RESUMO

Análise crítica da obra do professor Paulo Otero, buscando superar o positivismo

jurídico. Caso julgado constitucional só se formará quando houver a instrumentalização

de um espaço discursivo-processual em que os interessados na decisão judicial se

reconheçam como também os autores dessa decisão.

1 Introdução

O presente trabalho pretende analisar criticamente a obra do professor Paulo

Otero, intitulada, “Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional”. Tal análise far-se-á

em contornos pós-positivistas, utilizando como marco teórico a obra Direito e

Democracia de Jürgen Habermas.

Para superarmos as proposições apresentadas por Paulo Otero e que nos

remetem ao paradigma de Estado Social, propomos uma nova abordagem sobre o

processo, com os conceitos apresentados por Elio Fazzalari, e sua teoria do processo

como procedimento em contraditório. Bem como buscaremos ressemantizar os

conceitos de justiça, verdade, segurança jurídica e principalmente do caso julgado numa

perspectiva democrática, indicando que a questão da inconstitucionalidade do caso

julgado possui estreitos laços com a questão da legitimidade das decisões.

1 Doutorando em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, financiado pela CAPES e realizando estagio-doutoramento na Universidade Nova de Lisboa sob a orientação do Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia e do Professor da PUCMinas Doutor José Marcos Rodrigues Vieira.

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2 Ensaio sobre o Caso Julgado Inconstitucional de Paulo Otero2

O plano da obra do Professor Paulo Otero se divide em 6 (seis) parágrafos, os

quais podemos citar: (primeiro parágrafo) “Controlo dos actos do poder público”,

(segundo parágrafo) “Caso julgado como decisão do poder público”; (terceiro

parágrafo) Caso julgado e ilegalidade da decisão judicial”; (quarto parágrafo)

“Inconstitucionalidade do caso julgado”; (quinto parágrafo) “Caso julgado

inconstitucional e vinculação dos tribunais: imodificabilidade e obrigatoriedade das

decisões inconstitucionais?”; (sexto parágrafo) “Caso julgado inconstitucional e

vinculação das entidades públicas e privadas: obrigatoriedade e prevalência das decisões

inconstitucionais?

Em síntese, apresentaremos as idéias principais desenvolvidas pelo autor em seu

Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional.

No primeiro capítulo do Ensaio, é apresentado análise história do controle dos

atos públicos, introduzindo a noção do princípio da legalidade, da constitucionalidade e

judicidade.

Afirma o autor que

no período anterior à revolução liberal, existe a convicção generalizada da ausência de quaisquer mecanismos de controlo do poder público. Todavia, durante o Estado pré-liberal, mesmo em plena fase de concentração de poderes no monarca, ao contrário de tudo quanto se possa pensar, a cessação de vigência dos actos do poder público não se operava apenas pela revogação, caducidade ou desuso, antes existiam mecanismos específicos de controlo da validade de certos actos jurídicos-públicos ou, mais genericamente, de alguns aspectos da actividade do poder público3

Não existia no período pré-liberal a noção de hierarquia normativa entre os atos

do poder público. Esta noção surge somente após o término da Revolução Francesa,

quando se inaugura o período liberal e ganha força o princípio da legalidade em que os

atos do poder público estão vinculados à lei.

O princípio da legalidade possui como função a limitação do poder estatal. Tal

garantia aparece como fator de estruturação da atividade administrativa, bem como de

elemento garantístico dos particulares. A Administração Pública só poderia praticar atos

em conformidade com a lei, pois em caso contrário, seriam invalidados.

2 Título da obra do Professor Paulo Otero. Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa. 3 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex Edições Jurídicas, 1993. p. 13.

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Ressalta Paulo Otero que

o Estado liberal trouxe consigo uma nova concepção de controlo do poder político, sujeitando os actos administrativos a diferentes processos de fiscalização de sua legalidade independentemente do respectivo autor. Em simultâneo, o princípio da legalidade passou a assumir intuitos legitimadores da acção administrativa, desempenhando ainda uma função garantística das posições jurídicas subjectivas dos adminitrados.4

Com a evolução do Estado de Direito e, principalmente, com a experiência

constitucional norte-americana, no Século XIX, surge, como corolário do princípio da

legalidade, o princípio da constitucionalidade. Este princípio permitiu o controle

jurisdicional de validade dos atos do poder legislativo tendo como padrão de

conformidade a Constituição. As leis que não estivessem em conformidade com a

constituição seriam consideradas inválidas.

Verifica-se que, nos últimos duzentos anos, as atenções jurídicas ao princípio da

constitucionalidade estão voltadas exclusivamente aos atos emanados pelo poder

legislativo e executivo. A constitucionalidade dos atos do poder jurisdicional foram

objetos de esquecimento quase que total, apenas justificado pela persistência do mito

liberal que configura o juiz como “a boca que pronuncia as palavras da lei e o poder

judicial como “invisível e nulo”(Montesquieu)5.

Também os tribunais podem desenvolver atividade geradora de situações

patológicas, proferindo decisões que não executem a lei, desrespeitem os direitos

individuais ou cujo conteúdo vá ao ponto de violar a Constituição. Diante de uma

decisão judicial que viola a Constituição e que ainda não transitou em julgado, existem

os recursos ordinários e extraordinários capazes de corrigi. O problema é justamente

quando a decisão judicial viola a Constituição, não cabendo nenhum recurso ordinário

ou extraordinário.

O princípio da constitucionalidade também influenciou a atividade do poder

judiciário. Surge, então, o que Paulo Otero chama de princípio da juridicidade6. O

princípio da juridicidade prescreve que os atos emanados pelo poder jurisdicional

devem estar em conformidade com a Constituição, sob pena de nulidade.

4 OTERO, 1993, p. 25. 5 OTERO, 1993, p. 9. 6 OTERO, 1993, p. 29.

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No momento em que surge a constitucionalidade, como fator de estruturação da

sentença judicial, surgem também dois problemas a ser resolvidos: a) quais os

mecanismos processuais necessários para corrigir a sentença inconstitucional passado

em julgado (caso julgado inconstitucional)? b) que órgão seria competente para

fiscaliazar e controlar a constitucionalidade da sentença? Com essas indagações, Paulo

Otero encerra o primeiro capítulo de seu Ensaio.

O caso julgado é uma decisão que se consolidou na ordem jurídica e que se

mostra imodificável. Segundo Paulo Otero, essa imodificabilidade ou inalterabilidade

da decisão judicial pode fundamentar-se em três razões: 1º.) pelo esgotamento dos

meios jurisdicionais de impugnação da decisão quanto pela não previsibilidade de

recorribilidade; 2º.) pela preclusão legal dos prazos para interposição de recurso; 3º)

pela desistência recursal7.

No entanto, o caso julgado admite, excepcionalmente, modificação, e essa

modificação pode se dar através de:

1º.) interposição de recurso de revisão, seja proferida em processo civil ou penal8; 2º.) recurso de oposição de terceiro9; 3º.) nas ações de prestações de alimentos10, 4º.) em matéria criminal, quando houver superveniência de lei penal que descriminalize um comportamento que foi objeto de condenação11; 5º.) e por último, a declaração de insconstitucionalidade de uma norma penal e que venha a favorecer o réu12.

No terceiro parágrafo, o autor propõe a responder a seguinte pergunta: “será que

as decisões judiciais desconformes com o Direito formam caso julgado?13” Ainda não

se trata aqui do problema sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do caso

julgado, mas sobre a legalidade ou ilegalidade do mesmo.

Partindo do Direito Português antigo, afirma Paulo Otero que “a decisão judicial

contrária ao Direito seria nula, nunca possibilitando a formação de caso julgado14”. No

7 OTERO, 1993, p. 44-45. 8 No Brasil, o recurso de revisão português é chamando de revisão criminal, quando se tratar de matéria afeta ao âmbito penal e de ação rescisória, quando se tratar de matéria afeta ao âmbito cível. Lembramos ainda que em matéria penal, não existe prazo para a interposição da revisão criminal e em matéria cível existe prazo para sua interposição que é de 2 anos a contar do trânsito em julgado da decisão de mérito. 9 No Brasil é o chamando recuso do terceiro prejudicado. 10 No Brasil, também as decisões sobre a natureza alimentar não fazem coisa julgada, permitindo sempre sua revisão, quando a necessidade do alimentando ou a possibilidade do alimentante vier a ser modificada. 11 No Brasil, há também a retroatividade in bonam partem. 12 OTERO, 1993, p. 47-48. 13 OTERO, 1993, p. 53. 14 OTERO, 1993, p. 54-55.

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entanto, no Direito atual15, a decisão judicial contrária ao ordenamento jurídico positivo

se transforma em firme, irrevogável, imodificável, sendo válida.

Buscando obter resposta sobre a validade de um caso julgado em

descoformidade com o Direito Positivo, Paulo Otero procura fundamentação em

autores como Hans Kelsen, João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa.

Hans Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito, trata do problema sobre o

caso julgado ilegal como sendo um problema de conflito entre normas de diferentes

escalões. Para Kelsen, a ordem jurídica ao atribuir a força de caso julgado a uma

decisão judicial confere ao tribunal de última instância o poder de criar quer uma norma

jurídica individual cujo conteúdo se encontre predeterminado numa norma geral criada

por via legislativa ou consetudinária, quer uma norma jurídica individual cujo conteúdo

se não ache deste jeito predeterminado mas que vai ser fixado pelo próprio tribunal de

última instancia. Ora, estas duas normas formam uma unidade, daí que não se possa

dizer existir um conflito entre a norma individual criada pela decisão judicial e a norma

geral: o trânsito em julgado significa, afinal, a possibilidade conferida a ordem jurídica

de que entre em vigor uma norma individual cujo conteúdo não é predeterminado por

qualquer norma geral16.

João de Castro Mendes

entende que a sentença ilegal que transita em julgado é válida atendendo ao princípio da separação de poderes, competindo aos tribunais não um mero poder decorrente do legislativo, antes sendo titulares de um poder de jus proprium, dotado de soberania, assumindo-se o caso julgado como um acto de autoridade soberana que não se funda na lei, nem pode ser posto em causa por qualquer outro poder do Estado.17

Miguel Teixera de Souza entende que

o caso julgado comporta um aspecto normativo e um aspecto funcional: o primeiro traduz a vinculação da organização judiciária à imutabilidade do sentido da decisão judicial; o segundo consubstancia o sentido de imutabilidade da decisão judicial na determinação do Direito substantivo. Nesse contexto, a qualificação da sentença como sendo justa ou injusta apenas se coloca ao nível do aspecto funcional, confrontando a verdade processual e a verdade extraprocessual.18

Nesse sentido, Paulo Otero aceita que é possível que uma decisão judicial

transite em julgado, fazendo caso julgado, mesmo em desconformidade com o

15 Quando se refere a “direito atual” se refere ao ordenamento jurídico português em vigor. 16 OTERO, 1993, p. 57. 17 OTERO, 1993, p. 57. 18 OTERO, 1993, p. 57-58.

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ordenamento jurídico. Para ele, é facilmente compreensível que a sentença ilegal possa

consolidar-se na ordem jurídica, uma vez que o Poder Judiciário possui legitimidade

jurídico-constitucional idêntica à do poder legislaivo19.

A lei, estabelecendo previsões e estatuições na suas regras, deixa para os

tribunais a subsunção dos casos concretos ao estabelecido de forma geral e abstrata, o

que envolve delicadas operações de interpretação, valoração e integração. Porém, o que

não pode o tribunal fazer é afastar a estatuição legal válida, substituindo-a por uma

outra, seja por erro ou por pura arbitrariedade de escolha de uma solução que considere

mais conveniente ou oportuna fora da margem de liberdade permitida por lei para a

resolução daquele caso concreto20.

Pelo contrário, a sentença violadora da Constituição não se mostra passível de

encontrar um mero fundamento constitucional indireto de validade e eficácia. A

segurança e certeza jurídicas inerentes ao Estado de Direito são insuficientes para

fundamentar a validade de um caso julgado inconstitucional21.

O princípio da constitucionalidade determina que a validade de quaisquer atos

do poder público dependa sempre da sua conformidade com a Constituição. As decisões

judiciais desconforme com a Constituição são inválidas; o caso julgado daí resultante,

consequentemente, é também, inválido, encontrando-se ferido de inconstitucionalidade.

Assim, Paulo Otero apresenta as modalidades de inconstitucionalidades

presentes no caso julgado: a) Primeira situação – a decisão judicial cujo conteúdo viola directa e imediatamente um preceito ou princípio constitucional; b) Segunda situação – a decisão judicial que aplica uma norma inconstitucional; c) Terceira situação – a decisão judicial que recusa a aplicação de uma norma com o fundamento de que a mesma é inconstitucional, sem que se verifique qualquer inconstitucionalidade da norma.22(grifos nossos)

Com relação à primeira situação,

o entendimento constitucional parece pressupor que a inconstitucionalidade das decisões judiciais passa sempre pela aplicação de normas e estas é que podem ser inconstitucionais ou não, daí que duas alternativas sejam admissíveis: ou a decisão judicial aplica uma norma inconstitucional ou, pelo contrário, recusa a aplicação de uma norma que não é inconstitucional. Em qualquer dos casos, a Constituição assegura sempre o recurso das decisões para o Tribunal Constitucional.23

19 OTERO, 1993, p. 60. 20 OTERO, 1993, p. 60. 21 OTERO, 1993, p. 60. 22 OTERO, 1993, p. 65. 23 OTERO, 1993, p. 66.

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Em relação a segunda situação, em que a decisão judicial aplica um norma

inconstitucional, deve-se diferenciar duas hipóteses, quais sejam:

Hipótese C – a norma aplicada já havia sido objeto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral; Hipótese D – A norma aplicada ainda não havia sido declarada inconstitucional com força obrigatória geral.24

Em ambos os casos estamos diante de um caso julgado cuja decisão jurídica foi

contrária a Constituição.

Por último, a terceira situação, em que a decisão judicial deixa de aplicar a

norma constitucional deve-se diferenciar duas hipóteses, quais sejam:

hipótese E – A norma que o tribunal vai aplicar para fundamentar a sua decisão é, esta sim, ao invés daquela afastada, uma norma inconstitucional; hipótese F – A norma que o tribunal vai aplicar em substituição da que foi afastada como sendo inconstitucionnal, é ela uma norma conforme a Constituição.25

Recortadas as situações de inconstitucionalidade do caso julgado, importa

referir-se ao princípio da constituconalidade, traçando-se o seguinte enunciado: “todos

os atos do poder público incluindo os actos jurisdicionais, são inválidos se

desconformes com a constituição.”

Com essa afirmativa acima, Paulo Otero levanta algumas proposições:

a) a invalidade de um acto jurídico não significa a ausência de produção de efeitos jurídicos, assim as decisões judiciais inconstitucionais nunca se consolidam na ordem jurídica, podendo a todo momento ser destruídas judicialmente; b) uma resposta afirmativa à questão anteriormente colocada poderia limitar o alcance da noção de “transito em julgado” das decisões judiciais inconstitucionais; c) por último, admitida a eventual possibilidade de um recurso extraordinário atípico para todas as decisões judiciais inconstitucionais, a questão que imediatamente se suscitaria seria a do tribunal competente26.

Portanto, verifica-se que a apresentação do problema sobre o caso julgado

inconstitucional centra-se em a) determinar as consequências do caso julgado

inconstitucional junto dos próprios tribunais, tentando indagar se tais decisões judiciais

são imodificáveis e se os tribunais se encontram autovinculados às referidas decisões; b)

apurar as consequências do caso julgado inconstitucional junto do legislador, da

24 OTERO, 1993, p. 70. 25 OTERO, 1993, p. 73. 26 OTERO, 1993, p. 76-77.

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Administração Pública e das entidades privadas, procurando saber até onde vai a

obrigatoriedade e a prevelência das decisões judiciais inconstitucionais27.

Para responder à primeira indagação disposta na letra “a” acima indicada, Paulo

Otero analisa a questão sobre quatro perspectivas, quais sejam de inconstitucionalidade:

a) inconstitucionalidade dos acórdãos com força obrigatória geral do Tribunal

Constitucional; b) inconstitucionalidade das decisões normativas dos restantes

tribunais; c) inconstitucionalidade das decisões individuais do Tribunal Constitucional;

e por último d) inconstitucionalidade das decisões individuais dos restantes tribunais.

Com relação à decisão de inconstitucionalidade dos acórdãos com força

obrigatória geral, entende Paulo Otero que o Tribunal Constitucional não pode

promover, por iniciativa própria ou de terceiro, a revisão do julgado. O fundamento para

essa negativa é baseado em argumentos de natureza jurídico-formal e de natureza

jurídico-material.

Como fundamento jurídico-formal, temos que

não existe qualquer norma legal ou constitucional, expressa ou implícita que atribua ao Tribunal Constitucional competência para apreciar diretamente a constitucionalidade das suas decisões com força obrigatória geral; nem existe, sublinhe-se, uma norma que atribua a alguém legitimidade processual activa para desencadear um tal processo junto ao Tribunal Constitucional28.

Com relação a fundamento jurídico-material, o Tribunal Constitucional quando

da declaração de incontitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral

determina que a mesma desapareça do ordenamento jurídico, possui apenas uma

competência negativo-resolutiva, não podendo portanto fazer “renascer” ou reeditar, por

iniciativa própria ou de terceiro, uma norma por si anteriormanente objeto de cessação

de vigência29.

Com relação a vinculatividade das decisões judiciais incontistucionais com força

obrigatória geral nos demais tribunais inferiores, Paulo Otero sustenta não ser possível

recusar a aplicação de um acórdão inconstitucional.

O Tribunal Constitunional é o órgão supremo em matéria de determinação da inconstitucionalidade das normas, não sendo admissível que qualquer restante tribunal possa sobrepor o seu juízo de conformidade constitucional ao restante de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatótia geral do Tribunal Constitucional.30

27 OTERO,1993, p. 92 28 OTERO, 1993, p. 97. 29 OTERO, 1993, p. 97. 30 OTERO, 1993, p. 98

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O que importa ressaltar é que essa decisão não revoga, nem derroga, modifica ou

suspende parcialmente a Constituição:

O acórdão inconstitucional do Tribunal Constitucional limita-se a vincular os restantes tribunais a recusar a aplicação da norma objecto de declaração de inconstitucionalidade. Não há em princípio, qualquer fenômeno derrogatório da Constituição.31

Nas inconstitucionalidades das decisões normativas dos restantes dos

tribunais, “são passíveis de ficalização sucessiva abstracta junto do Tribunal

Constitucional (C.R.P, art. 281º., no. 1, alínea a).32”

Nas inconstitucionalidades das decisões individuais do Tribunal

Constitucional, em sede difusa, concreta e incidental, o Tribunal Constitucional não se

encontra impedido de modificar a orientação seguida na resolução de casos

semelhantes33.

Merece destaque o fato de que, mesmo com a possibilidade do Tribunal

Constitucional poder modificar as decisões inconstitucionais em casos semelhantes,

algo permanece contrário à Constituição no caso concreto e essa inconstitucionalidade

pode ou não vincular os tribunais inferiores.

Nesse sentido, Paulo Otero entende que:

se a interpretação conforme Constituição defendida pelo Tribunal Constitucional conduz a aplicação de uma norma inconstitucional, consideramos que o Tribunal a quo deve obediência à decisão, salvo se, tal como sucede em relação à decisão (inconstitucional) de não provimento34 , a norma que é objecto de uma indevida interpretação “conforme” está expressamente ferida de inexistência jurídica ou ineficácia ou, por último, se mostra violadora dos preceitos constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias fundamentais (C.R.P., artigo 18º., n. 1). Por outro lado, se a decisão do Tribunal Constitucional confirma a decisão recorrida em termos de não considerar a norma inconstitucional, apenas divergindo quanto ao sentido interpretativo de conformidade com a Constituição, também aqui entendemos que o art. 206º. da Constituição habilita o tribunal a quo a negar aplicação à interpretação inconstitucional do Tribunal Constitucional. 35

Com relação à inconstitucionalidade das decisões individuais dos restantes

tribunais, Paulo Otero chega a conclusão de que no Direito Português todas as normas

constitucionais são, a qualquer tempo, passíveis de fiscalização da sua validade. As

31 OTERO, 1993, p. 100. 32 OTERO, 1993, p. 104. 33 OTERO, 1993, p. 109. 34 Conforme explica Paulo Otero, 1993, p. 111, a decisão de não provimento é uma decisão de rejeição da inconstitucionalidade. 35 OTERO, 1993, p. 118.

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normas inconstitucionais nunca se consolidam na ordem jurídica, podendo a todo

momento ser destruídas judicialmente36.

O princípio da imodificabilidade do caso julgado foi pensado para as decisões

judiciais conformes com o Direito ou, quanto muito, decisões meramente injustas ou

ilegais em relação à legalidade ordinária. A imodificabilidade do caso julgado apenas

pode ocorrer em pé de igualdade com o princípio da constitucionalidade dos actos

jurídicos-públicos quando essa imodificabilidade ou insindicabilidade seja consagrada

constitucionalmente, tal como sucede, por exemplo, com as situações constantes do

artigo 282º., n. 3, da Constituição.37”

Portanto, a inconstitucionalidade da decisão judicial pode gerar o direito de

indenização, desde que, obviamente, constitua fonte de prejuízos ou viole os direitos,

liberdades e garantias das pessoas38.

No último parágrafo do Ensaio, Paulo Otero pretende analisar a obrigatoriedade

e prevalência das decisões judiciais inconstitucionais dos tribunais (Tribunal

Constitucional e restantes tribunais) sobre as entidades públicas e privadas.

É colocado o seguite problema:

será que as decisões judiciais inconstitucionais vinculam o legislador ou a aplicabilidade do art. 208º. n. 239, tem como pressuposto a conformidade constitucional ds decisões judiciais e, consequentemente, só estas são susceptíveis de produzir efeitos inculativos40” ?

Assim, chega-se a conclusão de que a Constituição Portuguesa não pode acolher

a admissibilidade de decisões judiciais direta e imediatamente inconstitucionais e, muito

menos, impor a sua obrigatoriedade e prevalência. Mas, a inaplicabilidade da

obrigatoriedade do cumprimento das decisões judiciais inconstitucionais não significa,

por outro lado, que tais decisões perderam de fato obrigatoriedade ou deixaram

automaticamente de prevalecer sobre as decisões das restantes entidades, porque as

restantes entidades podem carecer de uma norma habilitadora para proceder à

sindicabilidade constitucional das decisões judiciais, daí resultando, até prova em

36 OTERO, 1993, p. 119. 37 OTERO, 1993, p. 120. 38 OTERO, 1993, p. 134. 39 Insta observar que a citação do artigo 208º., n.2, feita por Paulo Otero, em nosso entendimento está equivocada, para que queria ele se referir ao artigo 205º da Constituição Portuguesa. Assim, para melhor análise, transcreveremos o Artigo 205º., n. 2: (Decisões dos tribunais) . 2. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. 40 OTERO, 1993, p. 139.

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contrário, que essas decisões são obrigatórias e gozam de prevalência sobre as decisões

das restantes entidades41.

Em nome do princípio da separação de poderes e da independência dos

tribunais, é vedado ao Poder Legislativo substituir o poder judiciário, exercendo uma

competência dispositiva que modifique o conteúdo de quaisquer decisões judiciais, seja

qual for o fundamento alegado. Além disso, o Poder Legislativo não pode revogar ou

suspender uma decisão judicial, mesmo que esta última seja desconforme com a

Constituição.

Contudo, pode o Poder Legislativo modificar ou interpretar a lei objeto de uma

decisão judicial obrigatória geral, mas deve excluir a eficácia retroativa em termos de

destruir diretamente os casos julgados já existentes.

Além disso, na eventualidade do Tribunal Constitucional declarar a

inconstitucionalidade de uma norma que é conforme à Constituição, “está reservado ao

Poder Legislativo a faculdade de repetir o acto, ainda que , por sua vez, esse possa ser

objecto de nova decisão judicial de declaração da inconstitucionalidade42”.

Passando sua atenção para a administração pública, Paulo Otero busca analisar

se o caso julgado inconstitucional proferido pelo tribunal vincula a administração

pública no dever de proceder a execução. Segundo o autor

uma decisão judicial de um tribunal administrativo violadora dos preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias, [...] entendemos que os órgãos da Adminitração não têm o dever de execução de tal sentença.43

Tal conclusão acima descrita foi resultado da análise da Constituição

Portuguesa, e especialmente pelo art. 18º., n.1, que confere às entidades públicas uma

competência desaplicadora de todos os atos infraconstitucionais que ostensivamente

violem a essência de um direito, liberdade ou garantia fundamental.

Outro problema levantado é justamente com relação aos efeitos gerados pelo

caso julgado inconstitucional no âmbito da Administração Pública, pois esta tem o

dever de praticar os atos em conformidade com a lei, sob pena de nulidade do ato

administrativo. Mais uma vez, Paulo Otero entende ser aplicável a norma do art. 18º., n.

1, da Constituição Portuguesa, que acima já nos referimos.

41 OTERO, 1993, p. 140. 42 OTERO, 1993, p. 144-145. 43 OTERO, 1993, p. 152.

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Ressalte-se que se a Administração Pública desrespeitar o conteúdo decisório do

caso julgado inconstitucional este ato administrativo não será nulo. Assim,

a inconstitucionalidade do caso julgado afasta a nulidade do acto administrativo que lhe seja desconforme. Admitir solução contrária, significaria que um acto administrativo conforme com a Constituição estaria ferido de nulidade pelo simples facto de violar um acto jurídico inconstitucional.44

Por último, é objeto de análise a questão do caso julgado inconstitucional e a

vinculação das entidades privadas. Assim, é apresentada a seguinte indagação:

será que as entidades privadas gozam de uma competência constitucional que lhes habilite a desaplicação de actos jurídicos-públicos infraconstitucionais violadores de preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias?45

O mesmo entendimento apresentado para as entidades públicas é descrito para as

entidades privadas, inclusive a fundamentação constitucional é idêntica, qual seja, o

artigo 18º., n. 1, da Constituição Portuguesa. Ainda, reforçada pelo artigo 21 que

consagra o direito de resistência contra qualquer ordem que ofenda direitos, liberdades e

garantias, independentemente da entidade emitente da ordem.

Nos restantes das decisões judiciais inconstitucionais que não ofendam

diretamente os direitos, liberdades e garantias fundamentais, as entidades privadas estão

vinculadas e obrigadas ao cumprimento dessas. Contudo, se a entidade privada

desrespeitar o cumprimento de uma decisão judicial inconstitucional, seus

representantes não poderão incorrer nos crimes de desobediência, ou seja, a inexecução

de uma sentença inconstitucional constitui, em matéia criminal, exclusão da ilicitude.

Em apertada síntese, foram apresentadas as idéias principais da Obra do

Professor Paulo Otero. Agora, passaremos a apresentar algumas críticas, buscando

superar o positivismo jurídico.

3 Direito Processual Constitucional e Direito Constitucional Processual

Antes de desenvolver críticas sobre a questão do caso julgado inconstitucional,

merece destaquar a diferenciação entre as expressões “Direito Processual

Constitucional” e o “Direito Constitucional Processual” que o Professor Paulo Otero

44 OTERO, 1993, p. 155. 45 OTERO, 1993, p. 164.

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não faz, mas que é necessária para uma melhor compreensão de processo constitucional

e de jurisdição constitucional.

Direito Processual Constitucional, segundo Canotilho é

o conjunto de regras e princípios positivados na Constituição e noutras fontes de direito (leis, tratados) que regulam os procedimentos juridicamente ordenados à solução de questões de natureza jurídico-constitucional pelo Tribunal constitucional. [..]) Em sentido estrito, o processo constitucional reduz-se a um complexo de atos e formalidades tendentes à prolaccão de uma decisão judicial relativa à conformidade ou desconformidade constitucional de atos normativos públicos. Neste sentido, o processo constitucinal é o processo de fiscalização da inconstitucionalidade de normas jurídicas.46

Já Direito Constitucional Processual, segundo Marcelo Cattoni,

seria formado a partir dos princípios basilares do ‘devido processo’ e do ‘acesso à justiça’, e se desenvolveria através de princípios constitucionais referentes às partes, ao juiz, ao Ministério Público, enfim, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da proibição das provas ilícitas, da publicidade, da fundamentação das decisões, do duplo grau, da efetividade, do juiz natura, etc.47.

Contudo, alerta Rosemiro P. Leal que

“essa dicotomia desserve à necessária clareza desses supostos ramos jurídicos, induzindo o leitor a possível existência de um direito processual dentro ou a partir da Constituição diverso de um Direito Processual infraconstitucional”48.

É praticamente impossível, no estágio atual de desenvolvimento jurídico discutir

Direito Constitucional sem dizer sobre Processo, e assim como também não é possível

trabalhar processo sem que seja no âmbito do Direito Constitucional. A convergência

das duas matérias tornou impossível dialogar sobre um sem trabalhar com o outro.

A partir desses entendimentos com relação ao instituto do processo chegou-se,

hoje, à teoria constitucionalista do processo, que teve com Andolina e Vignera seus

maiores defensores, onde o contraditório, a isonomia, a ampla defesa figuram como

princípio (norma) da constituição.

Assim, a dicotomia existente entre Direito Processual Constitucional e Direito

Constitucional Processual

têm agravado o equívoco acadêmico de se colocar o processo fora da Constituição, rebaixando-o à condição de mero sistema

46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 2006. p. 965. 47 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Direito processual constitucional . Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 211-212. 48 LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 61.

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procedimental, contido nos códigos e leis extravagantes de livre manejo instrumental da jurisdição judiciária do processo49.

No paradigma democrático de Direito, qualquer

processo é constitucional, quer em razão de sua estrutura e de seus fundamentos, quer pelo fato de garantir as condições institucionais para a problematização e para a resolução de questões constitucionais subjacentes às situações concretas de aplicação do Direito Civil, Comercial, Admonisttrativo, Penal, Tributário etc50

Processo, no paradigma democrático, é o procedimento discursivo, participativo,

que garante a geração de decisão participativa.

A intrumentalidade técnica do processo, está em que ele se constitua na melhor, mais ágil e mais democrática estrutura para que a sentença que dele resulta se forme, seja gerada, com a garantia de participação igual, paritária, simétrica, daqueles que receberão os seus efeitos51.

Portanto, parece-nos equivocado o entendimento sobre o caso julgado

inconstitucional, no qual trabalha única e exclusivamente com a perspectiva do Direito

Processual Constitucional, que unicamente serve para a proteção dos direitos e garantias

fundamentais.

Para a teoria do processo como procedimento em contraditório, todo o processo

é constitucional, pois necessariamente deve haver a observância do contraditório e da

ampla defesa (direito-garantia fundamental). Nesse sentido, percebe-se claramente que

não somente a questão de aplicação da norma constitucional ao caso concreto pode

gerar um caso julgado inconstitucional, mas também, o desrespeito aos princípios

institutivos do processo, quais sejam, o contraditório, ampla defesa e a isonomia.

4 Decisão Judicial no Paradigma Democrático

No Ensaio sobre o caso julgado, o ato de decidir é exclusivo do juiz. As partes

não participam. O julgador, no momento de aplicação da lei, é o único responsável pela

observancia das leis constitucionais. A legitimidade das decisões judiciais era um

problema do aplicado do Direito.

Ocorre que o problema da legitimidade das decisões judiciais já deixou de ser

um problema reduzido apenas à pessoa do juiz. O que garante a legitimidade das 49 LEAL, 1999, p. 61. 50 OLIVEIRA, 2001. p. 213. 51 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. p.171.

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decisões são antes garantias processuais atribuídas às partes e que são, principalmente, a

do contraditório e a da ampla defesa, além da necessidade de fundamentação das

decisões. A construção participada da decisão judicial, garantida num nível

institucional, e o direito de saber sobre quais bases foram tomadas as decisões

dependem não somente da atuação do juiz, mas também do Ministério Público e

fundamentalmente das partes e dos seus advogados.

Segundo Rosemiro P. Leal,

as decisões no ordenamento jurídico democrático não mais se equacionam na esfera atomística do saber judicante ou pelo solipsismo iluminista da imparcial clarividência do julgador. O direito, em sua produção e aplicação no Estado democrático, não se orienta pela mítica sociologista de legitimação nas tradições, sequer cumpre desideratos da realização da utopia da sociedade justa e solidária por inferência direta de um imaginário coletivo de bases utópico-retóricas ou estratégicas de auto-engano (ideologismo)52.

Nota-se por aí que há um deslocamento do centro da prestação da tutela

jurisdicional do juiz para o processo. A participação em simétrica pariedade, garantindo

o contraditório, a ampla defesa e a isonomia é que asseguram as partes, ao Ministério

Público, aos advogados e ao juiz a efetiva prestação da tutela jurisdicional.

A legitimidade das decisões jurídicas aponta no sentido do processo. Este,

entendido como “necessária instituição constitucionalizada que pela principiologia do

instituto do devido processo legal converte-se em direito garantia impostergável e

representativo de conquistas históricas da humanidade na luta secular empreendida

contra a tirania, como referente constitucional lógico-jurídico, de interferência

expansiva e fecunda, na regência axial das estruturas procedimentais nos segmentos da

administração, legislação e jurisdição53.

Não pode haver caso julgado, que expresse a certeza da decisão judicial, sem

que haja a observância do processo constitucional. Assim

no quadro do exercício do Poder Jurisdicional, o Direito realiza sua pretensão de legitimidade e de certeza da decisão através, por um lado, da reconstrução argumentativa no processo da situação de aplicação, e por outro, da determinação argumentativa de qual, entre as normas jurídicas válidas, é a que deve ser aplicada, em razão de sua adequação, ao caso concreto. Mas não só por isso. A argumentação jurídica através da qual se dá a reconstrução do caso concreto e a determinação da norma jurídica adequada está submetida à garantia processual de participação em contraditório dos destinatários do

52 LEAL, Rosemiro P. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002. p.154-155. 53 LEAL, 1999. p. 82.

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provimento jurisdicional. O contraditório é uma das garantias centrais dos discursos de aplicação jurídica institucional e é condição de aceitabilidade racional do processo jurisdicional54.

Luiz Moreira afirma que “tanto mais legítimo será o Direito quanto mais

preservar o espaço de liberdade privada”55. A decisão judicial e o caso julgado tendem

à constitucionalidade na medida em que são preservados o contraditório e a ampla

defesa. Do contrário, atribuindo a responsabilidade única da constitucionalidade nas

mãos do julgador, como pretende Paulo Otero, não teremos uma decisão judicial

democrática.

Isso não significa afirmar, completamente, que a teoria do discurso, ou melhor, a

teoria procedimentalista responda totalmente os questionamentos apresentados na obra

do Professor Paulo Otero. Como ressalta o Professor Jorge Bacelar Gouveia:

as teorias procedimentalistas ou processualistas apenas repondem a parte dos problemas, mas não dão solução a um conjunto de temas que ficam ainda por resolver, jamais se podendo, em conclusão, prescindir de uma pauta material de legitimação.56

Adiante, Jorge Bacelar Gouveia, citando João Batista Machado, adverte que

a teoria do consenso como critério de verdade e de justiça não pode ser aceite. Desde logo, se o consenso é tomado como facto, dir-se-á que de um facto não pode deduzir-se qualquer validade, do mesmo modo que do facto entendido como mero facto psicológico de acordo de vontades não pode deduzir-se o caráter vinculante do mesmo.57

E por fim, como crítica à aplicação exclusivamente da teoria do discurso, Jorge

Bacelar Gouveia apresenta o entendimento de Pedro Serna Bermúdez afirmando que

“[..] .o consenso serve como critério único de legitimação se se reduz o homem a pura

liberdade, quer dizer, a natureza vazia[...]58”

Portanto, o caso julgado é ilegítimo, e consequentemente, ilegal e

inconstitucional, na medida em que deixar, por um lado, de reconstruir

argumentativamente no processo a situação de aplicação (teoria do discurso), e por

outro, deixa de determinar argumentativa qual, entre as normas jurídicas válidas, é a que

deve ser aplicada, em razão de sua adequação, ao caso concreto. Mas, para que ocorra

54 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. O processo constitucional como instrumento da jurisdição constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v.3, n. 5-6, p. 164-165, 1/ 2. sem. 2000. 55 MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 144. 56 GOUVEIA, Jorge Barcelar. Manual de Direito Constitucional. Lisboa: Almedina, 2005. v.1, p. 743. 57 GOUVEIA, 2005, v.1, p. 744. 58 GOUVEIA, 2005, v.1, p. 744.

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essa argumentação é indispensável o contradiório, como condição de aceitabilidade

racional do processo jurisdicional.

5 Justiça nas decisões judiciais

Para desenvolver as críticas sobre “decisão justa” ou “decisão injusta”, “decisão

legal” ou “decisão ilegal”, e “decisão constitucional” ou decisão inconstitucional”, é

necessário dizer que tais expressões dizem respeito a um problema sobre maior sobre o

“acesso à justiça59”.

Cappelletti e Garth afirmam que a expressão “acesso à justiça”

serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. Ressaltam os juristas acima que se preocuparão primordialmente sobre o primeiro aspecto, mas sem perder de vista o segundo aspecto60.

Segundo Cappelletti e Garth,

nos Estados liberais ‘burgueses’ dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para solução de litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualistas dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um ‘direito natural’ , os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defende-los adequadamente, na prática61.

59 Prefirimos a expressão acesso à jurisdição ao invés de acesso à justiça, pois, como afirma Rosemiro P.Leal, a palavra justiça, quando assim posta nos compêndios de direito pode assumir significados vários que, a nosso ver, pertubam a unidade semântica e seriedade científica do texto expositivo. É certo que o cognominado acesso à justiça nada tem a ver com acesso aos direitos fundamentais do homem e nem é uma síntese de todos os princípios e garantias constitucionais do processo, porque atualmente o modelo constitucional do Processo é que, por incorporar o princípio da ampla defesa pelo direito-de-ação, é que gera o livre acesso à jurisdição, como direito irrestrito de provocar a tutela estatal (art. 5o., XXXV, CR/88). (LEAL, Rosemiro P. Teoria geral do processo;estudos preliminares. 4.. ed. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 78-79 60 CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 8. 61 CAPPELLETTI, 1988, p. 9.

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No Paradigma social, a preoculpação com a decisão justa torna-se fundamental.

Decisão justa significa a aplicação de uma interpretação jurídica que atenda às questões

legais e sobretudo, levando em consideração também as questões sociais. As questões

pertinentes ao processo e procedimento, ou seja, o formalismo jurídico-processual é

deixado em segundo plano. O que importa é justamente garantir ao “tutelado” (cidadão)

a melhor e mais eficiente decisão judicial.

Assim, percebe-se que no Estado Social o processo de tomada de decisão possui

uma figura central, monopolizadora e com uma atividade quase sobre-humana. O

magistrado, então, teria que a um só tempo aplicar a legislação, mas também, levar em

consideração os fins sociais. Decisão injusta era aquela que não levasse as questões

sociais em consideração. Portanto, para a atividade de interpretação, no paradigma

social, outros ramos do conhecimento humano, como a filosofia, história, e

principalmente a sociologia eram tidas como muito valorizadas.

No entando, a garantia de “acesso à justiça” não pode ser limitada apenas ao

direito do cidadão a uma decisão decisão justa. Não podemos entender que o problema

do “acesso à justiça” possa ficar vinculado a um grau de sapiência e divindade do

julgador para se obter o acesso à ordem jurídica justa como quer o insigne professor

português. Não há decisão justa sem a participação dos interessados, em simétrica

paridade.

Com a ruptura do paradigma do Estado Liberal de Direito e do Estado Social de

Direito, surge o paradigma do Estado Democrático de direito que nos obriga a

reestruturar a abordagem feita pelos doutrinadores a respeito do tema “acesso à justiça”,

buscando compreendê-lo diante de uma visão procedimentalista do direito, mostrando

“que os pressupostos comunicativos e as condições do processo de formação

democrática da opinião e da vontade são a única fonte de legitimação62.”

Quando estamos diante da indagação de como implementar de forma plena o

“acesso à justiça” a resposta tem que ser fornecida diante do paradigma da democracia,

buscando superar a axiologia desenvolvida pela escola instrumentalista do processo e da

relação jurídica, que insistem em manter o foco de interesse na “atuação jurisdicional” e

na busca da “justiça das decisões”.

62 HABERMAS, Jürgen. Direito e democraciaI: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. v.2, p. 309.

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Para instrumentalistas do processo a busca pelo “acesso à justiça” está em

consonância com as aspirações valoradas pela sociedade.

Para o adequado cumprimento da função jurisdicional, é indispensável boa dose de sensibilidade do juiz aos valores sociais e às mutações axiológicas da sua sociedade. O juiz há de estar comprometido com esta e com suas preferências. Repudia-se o juiz indiferente, o que corresponde a repudiar também o pensamento do processo como instrumento meramente técnico. Ele é instrumento político, de muita conotação ética, e o juiz precisa estar consciente disso63.

O “acesso à justiça” deve ganhar novos contornos no paradigma democrático de

direito, possuindo uma definição em termos qualitativos. A qualidade das decisões se

reflete na produção de decisões em que foram asseguradas às partes participarem

isonomicamente na construção do provimento, sem que o impreciso e idiossincrático

conceito de justiça da decisão decorra da clarividência do julgador, de sua ideologia ou

de sua magnanimidade.

A busca pelo amplo e irrestrito “acesso à justiça” no Estado Democrático de

Direito passa justamente pelo melhoria da qualidade das decisões judiciais e pelo

problema da legitimidade das decisões.

Habermas afirma que

não basta transformar as pretensões conflitantes em pretensões jurídicas e decidi-las obrigatoriamente perante o tribunal, pelo caminho da ação. Para preencher a função socialmente integradora da ordem jurídica e da pretensão de legitimidade do Direito, os juízos emitidos têm que satisfazer simultaneamente às condições de aceitabilidade racional e da decisão consistente.[...] De um lado, o princípio da segurança jurídica exige decisões tomadas conscientemente, na quadro da ordem jurídica estabelecida. [...] De outro lado, a pretensão à legitimidade da ordem jurídica implica decisões, as quais não podem limitar-se a concordar como o tratamento de casos semelhantes no passado e com o sistema jurídico vigente, pois devem ser fundamentadas racionalmente, a fim de que possam ser aceitas como decisões racionais pelos membros do Direito64.

Nessa conjectura, decisão justa só seria aquela decisão que se adequasse às

características e objetivos da teoria democrática processualmente fundacional da

normatividade. As decisões, nesta acepção, só se legitimariam pela pré-compreensão

teórica do discurso democrático como base de fundamentação da decidibilidade65.

63 DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalida do processo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 294. 64 HABERMAS, 1997, p. 246. 65 LEAL, 2002, p.95.

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No Estado Democrático de Direito, é necessário que o Poder Judiciário saiba

tomar decisões que satisfaçam a um só tempo, a crença na legalidade, entendida como

segurança jurídica, quanto no sentimento de justiça realizada, que deflui da

adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto. E mais, a legitimidade

das decisões devem passar pela garantia do contraditório e da ampla defesa.

O efetivo “acesso à justiça” compreendido no contexto do paradigma

democrático pressupõe a análise de uma nova concepção de cidadania. Para Rosemiro

P. Leal cidadania

é um deliberado vínculo jurídico-político-constitucional que qualifica o indivíduo como condutor de decisões, construtor e reconstrutor do ordenamento jurídico da sociedade política a que se filiou, porém o exercício desse direito só se torna possível e efetivo pela irrestrita condição legitimada ao devido processo constitucional. Somente assim, a partir da legalidade, nas comunidades jurídicas pós-seculares, é atingível a concreção geral do Estado Democrático de Direito que é, nessa versão, um status (espaço aberto a todos de validação e eficácia processual contínua, negativa ou afirmativa, do ordenamento jurídico).66

A garantia do “acesso à justiça” constitui-se de um direito fundamental,

elemento essencial ao exercício integral da cidadania, já que buscar o direito e efetiva-lo

é o modo que os cidadãos possuem para implantar verdadeiramente uma democracia em

seu Estado.

Quando se trata do tema sobre o caso julgado ilegal ou sobre o caso julgado

inconstitucional, diferença alguma haverá. É impenssável e inacreditável a aceitação de

que possa haver decisão judicial ilegal ou inconstitucional, quando se trata de um

processo discursivo.

As decisões jurídicas tendem à constitucionalidade, legalidade e legitimidade na

medidade em que garantam a ampla participação dos cidadãos no processo de tomada

de decisão. O que importa efetivamente na decisão judicial democrática é que a mesma

tenha como co-autores, o juiz e as partes, e que ao final, elas possam reconhecer que

aquela decisão teve a sua participação efetiva, em contraditório. É nesse

reconhecimento que reside a legalidade e a constitucionalidade da decisão judicial, que

após o trânsito em julgado, consolida-se em caso julgado.

66 LEAL, 2002, p.151.

20

21

6 Segurança Jurídica

É fundamento do Estado Democrático de Direito a segurança e estabilização das

relações jurídicas por meio da imutabilidade das decisões judiciais (coisa julgada). O

princípio da segurança jurídica tem como escopo a garantia dos direitos regularmente

constituídos, que já integram a esfera patrimonial do titular da tutela judicial garantida.

Contudo, sustenta Paulo Otero, em seu Ensaio, que a segurança jurídica não

deve ser vislumbrada como fonte de se eternizar injustiças. Isso significa que as

decisões judiciais contrárias ao ordenamento jurídico e principalmente à constituição

devem ser inválidas.

Não enfrenta, Paulo Otero, a questão da segurança jurídica como elemento

fundamental do caso julgado e do Direito. Busca ele, de modo mais direto, tornar a

premissa verdadeira, de que o caso julgado é necessário para a segurança jurídica, sem

contudo nos informar o que ele entende por segurança jurídica.

Segurança jurídica no caso julgado, no Ensaio, é justamente a aplicação

imediata da lei constitucional e das leis infraconstitucionais. Além disso, percebemos

que o autor vai além da legalidade para afirmar que a segurança jurídica também

engloba o valor da justiça. Entende ser segurança jurídica um valor intrínseco ao caso

julgado que é desnecessário demais explicações ou divagações sobre o tema.

Se no Estado Liberal, o princípio da segurança jurídica era confundido com o da

legalidade, no Estado de Bem-Estar Social a segurança jurídica tem relação com a

justiça. No entanto, tanto no Estado Liberal quanto no Estado de Bem-Estar Social a

tensão entre a legalidade e a justiça é inconciliável, o que sempre acaba em que o

julgador faça ou a escolha por um ou pelo outro.

Não mais podemos nos preocupar com a segurança jurídica como exlusivamente

a legalidade ou como justiça no caso concreto. O paradigma do Estado Democrático

possibilita a superação desses conceitos, permitindo uma compreensão da da legalidade

e da justiça, numa nova perspectiva, que se apresenta como uma tensão entre a

facticidade e a validade do direito.

Segurança jurídica no caso julgado não pode ser exclusivamente um problema

de legalidade ou de justiça na aplicação do Direito no caso concreto, ou muito menos a

previsibilidade das decisões, mas deve ser a garantia de institucionalização de garantias

processuais (contraditório e ampla defesa) para que possibilitem os destinatários da

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decisão judicial possam também se reconher como seus autores. Portanto, a

legitimidade da decisão judicial passa pela garantia da segurança jurídica no Estado

Democrático de Direito.

Segurança Jurídica, no Estado Democrático de Direito, tem relação com

cidadania, soberania e contraditório. Decisão jurídica segura deixa de ser uma questão

de transito em julgado de uma decisão ou até mesmo a previsibilidade das decisões

judiciais, para ser entendida como aquela que garante aos interessados a possibilidade

de participação em simétrica paridade de partes, no qual, tais interessados podem,

discursivamente, através da linguagem, buscar o entendimento. Portanto, a coersão do

direito, não mais se faz pelo uso da força, mas sim pela utilização do melhor argumento.

7 Conclusão

As críticas apresentadas nesse texto pretendem superar o positivismo jurídico

apresentado pelo Professor Paulo Otero. Assim, das críticas elaboradas no texto,

podemos apresentar as seguintes conclusões:

- A questão da legitimidade do Direito é uma questão fundamental para que se

possa entender o caso julgado inconstitucional no paradigma democrático de Direito.

- Para que o Direito mantenha sua legitimidade, é necessário que os cidadãos

troquem seus papeis de sujeitos privados do Direito e assumam a perspectiva de

participantes em processos de entendimento que versam sobre as regras de sua

convivência, identificando-se como autores das decisões que eles próprios se propõe a

respeitar.

- A questão acerca da legitimidade das decisões judiciais, é bom que se diga, já

deixou de ser um problema reduzido apenas à pessoa do juiz. O que garante a

legitimidade das decisões são antes garantias processuais atribuídas às partes e que são,

principalmente, a do contraditório e a da ampla defesa, além da necessidade de

fundamentação das decisões. A construção participada da decisão judicial, garantida

num nível institucional, e o direito de saber sobre quais bases foram tomadas as

decisões dependem não somente da atuação do juiz, mas também do Ministério Público

e fundamentalmente das partes e dos seus advogados.

- A legitimidade das decisões jurídicas aponta no sentido do processo. Este,

entendido como “necessária instituição constitucionalizada que pela principiologia do

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instituto do devido processo legal converte-se em direito garantia impostergável e

representativo de conquistas históricas da humanidade na luta secular empreendida

contra a tirania, como referente constitucional lógico-jurídico, de interferência

expansiva e fecunda, na regência axial das estruturas procedimentais nos segmentos da

administração, legislação e jurisdição.

- O ato decidir, no Estado Democrático de Direito, não pode ser exarado

unilateralmente pela clarividência do juiz, dependente das suas convicções ideológicas,

mas deve, necessariamente, ser gerado na liberdade de participação recíproca, e pelo

controle dos atos do processo.

- Não pode haver caso julgado que expresse a certeza e segurança jurídica, sem

que haja a observância do processo constitucional. A decisão judicial e o caso julgado

tendem à constitucionalidade na medida em que são preservados o contraditório e a

ampla defesa. Do contrário, atribuindo, a responsabilidade única da constitucionalidade

nas mãos do julgador, como faz crer o Professor Paulo Otero, estaremos diante do

autoritarismo e não da democracia.

- O caso julgado inconstitucional é ilegítimo quando deixa de reconstruir

argumentativamente no processo a situação de aplicação, e por outro, deixa de

determinar argumentativa qual, entre as normas jurídicas válidas, é a que deve ser

aplicada, em razão de sua adequação ao caso concreto. Mas, para que ocorra essa

argumentação é indispensável o contradiório, como condição de aceitabilidade racional

do processo jurisdicional

- Decisão justa ou caso julgado constitucional tem relação com a qualidade das

decisões. A decisão jurídica no qual foram assegurados às partes participarem

isonomicamente na construção do provimento. Nessa conjectura, decisão justa só seria

aquela decisão que se adequasse às características e objetivos da teoria democrática

processualmente fundacional da normatividade. As decisões, nesta acepção, só se

legitimar-se-iam pela pré-compreensão teórica do discurso democrático como base de

fundamentação da decidibilidade.

- No Estado Democrático de Direito, é necessário que o Poder Judiciário saiba

tomar decisões que satisfaçam a um só tempo, a crença na legalidade, entendida como

segurança jurídica, quanto no sentimento de justiça realizada, que deflui da

adequabilidade da decisão às particularidades do caso concreto. E mais, a legitimidade

das decisões deve passar pela garantia do contraditório e da ampla defesa. O que

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importa efetivamente na decisão judicial é que a mesma tenha como co-autores, o juiz e

as partes, e que ao final, elas possam reconhecer que aquela decisão teve a sua

participação efetiva, em contraditório. É nisso que reside a legalidade e a

constitucionalidade da decisão judicial e do caso julgado.

- Segurança jurídica no caso julgado se constitui na possibilidade efetiva de

participação, em contraditório, dos interessados no processo de tomada de decisão. Se

tratarmos o caso julgado numa perspectiva do processo como procedimento em

contraditório, aí teremos que verificar não somente o problema da hermêutica

constitucional, mas também se naquele caso que operou o trânsito em julgado da

decisão houve o respeito do princípio do contraditório. Tanto a interpretação

constitucional equivocada quanto a não observância do contraditório importam numa

decisão inconstitucional.

- No Estado Democrático de Direito, o caso julgado não mais se forma a partir,

única e exclusivamente pelo decurso do prazo para interposição de recursos, mas

sobretudo, a partir da observância do amplo espaço discursivo, que garante às partes a

legitimidade das decisões. Qualquer decisão jurídica que não respeita o amplo e

irrestrito espaço discursivo é uma decisão nula, nunca podendo-se falar em formação de

um caso julgado inconstitucional.

- Só existirá caso julgado constitucionalmente democrático, ou seja a decisão

judicial só transitará em julgado, quando houver a instrumentalização de um espaço

discursivo-processual em que os interessados na decisão judicial se reconheçam como

também os autores dessa decisão. Isso sim é democratizar a função jurisdicional.

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