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JANEIRO - MARÇO 2014 N.º 14 | TRIMESTRAL Esta revista é distribuída aos assinantes das revistas Caras e Activa e não pode ser vendida separadamente. É impressa em papel reciclado e tintas ecológicas. Velhos? Nem os trapos! Eco moda dá nova vida a roupas esquecidas no armário Nuno Delgado O melhor judoca de sempre é campeão na defesa do ambiente Hortas em casa Tem um parapeito ou uma parede livre? Então pode ter uma mini horta AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS SÃO UM FACTO INQUESTIONÁVEL. PROVADA A INFLUÊNCIA HUMANA, SÃO NECESSÁRIAS NOVAS IDEIAS E MUITAS ACÇÕES. O CÉU PODE ESPERAR?

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JANEIRO - MARÇO 2014 N.º 14 | TRIMESTRAL

Esta revista é distribuída aos assinantes das revistas Caras e Activa e não pode ser vendida separadamente. É im

pressa em papel reciclado e tintas ecológicas.

Velhos? Nem os trapos!Eco moda dá nova vida

a roupas esquecidas no armário

Nuno Delgado O melhor judoca de sempreé campeão na defesa do ambiente

Hortas em casa Tem um parapeito ou uma parede livre?

Então pode ter uma mini horta

AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS SÃO UM FACTO INQUESTIONÁVEL. PROVADA A INFLUÊNCIA HUMANA, SÃO NECESSÁRIAS NOVASIDEIAS E MUITAS ACÇÕES.

O CÉU PODE ESPERAR?

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PARA COMEÇAR

Ilust

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Ped

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Partida, largada,

CORRIDA!Correr deixou de ser uma excentricidade de alguns e passou a hábito semanal de milhares de portugueses. Não admira: correr promove a perda de peso, fortalece o ritmo cardíaco,

melhora a auto-estima, estabiliza a tensão arterial, exercita o cérebro, tem efeitos na qualidade de sono e controla o stresse. Os que correm reconhecem ficar com mais força,

energia e motivação para os desafios do dia-a-dia e ganham a sensação de estarem preparados para tudo. É uma óptima forma de fazer novos amigos mas também pode ser

uma viagem ao nosso interior, quase uma meditação. Segundo o cardiologista norte- -americano e também corredor George Sheehan, autor do livro Running & Being – The Total

Experience: “A corrida encurta a distância entre aquilo que somos e aquilo que podemos ser, entre o nosso eu actual e o nosso eu ideal, entre a realidade e a aspiração”. Dá mesmo

vontade de calçar uns ténis e começar, não é?

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RECICLA/Ficha Técnica Propriedade: Sociedade Ponto Verde SA, Morada: Rua João Chagas, 53, 1.Dto, 1495-764 Cruz Quebrada, Dafundo, Tel: 210 102 400, Fax: 210 102 499, www.pontoverde.pt, [email protected], NIF: 503 794 040, Director: Mário Raposo, Directora-adjunta: Susana Camacho PalmaEdição: Have a Nice Day - Conteúdos Editoriais, Lda., www.haveaniceday.pt, [email protected], Tel:217 950 389 Direc-tora: Ana Rita Ramos, Editora: Teresa Violante, Redacção: Ana Sofi a Rodrigues, Projecto Gráfi co e Paginação: Mário Pedro, Fotografi a: Agência Fotográfi ca Filipe Pombo, Th inkstock, Impressão: Jorge Fernandes, Lda, Tiragem: 17.000 exemplares, Depósito Legal: 215010/04, ICS: 124501 A RECICLA é impressa em papel reciclado com tintas ecológicas. Depois de a ler, dê-lhe um fi nal ecológico: partilhe-a com um amigo ou coloque-a no ecoponto azul.

SUMÁRION.º 14 JAN. - MAR. 2014 www.pontoverde.pt

Ponto Verde

Planeta Verde

Pequenos Gestos

Atitude

Sustentabilidade é

521223442

A NOSSA PARTE Em Setembro passado, o Painel Intergo-vernamental da ONU para as Alterações Climáticas anunciou que já existem 95% de certezas científi cas quanto à responsa-bilidade da acção humana no aquecimen-to global. E deixou um aviso: a emissão de gases poluentes atingiu valores de facto preocupantes. Os países protagonistas passam a bola da culpa uns aos outros e, enquanto isso, os acordos não surgem.O que nos resta fazer? Ficar de bra-ços cruzados à espera? Mesmo com os pequenos gestos, nas nossas opções diárias, é possível fazermos a diferença. Nesta edição da RECICLA encontra alguns exemplos muito positivos que nos podem inspirar. O melhor judoca português de sempre, por exemplo, criou o Banco Social de Equipamentos para os alunos da sua escola trocarem quimonos e cintos entre si. Um grupo de voluntários gere a Fruta Feia, cooperativa de consumo que procura combater o desperdício alimentar ligado aos produtos hortícolas que são rejeita-dos apenas por questões estéticas. Joana Teodoro, enquanto designer de moda, decidiu dedicar-se à recuperação de roupa. Anthony Carter aproveita garra-fas de vinho usadas e transforma-as em atractivos vasos de ervas aromáticas. To-dos eles convocam esforços diariamente para fazerem a sua parte. A RECICLA conta consigo para assumir a sua. R

EDITORIAL8

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Reportagem Alterações climáticas: são necessárias novas ideias e muitas acções. Para bem de todos

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Rosto A cidadania exemplar da jornalista Laurinda Alves

Tendências eco Roupas esquecidas no armário ganham nova vida. A reutilização chega à moda

Eco-empreendedores Projectos nacionais que transformam qualquer parapeito numa mini horta

Lazer sustentável Parques de Sintra: um paraíso ambiental, mesmo às portas de Lisboa

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As emissões geradas pela presente edição da Revista Recicla, no que respeita

à produção e impressão de papel, foram medidas e compensadas pela Carbono Zero

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O céu é ciclável? O projecto SkyCycle está convencido que sim. Os seus autores idealizaram uma ciclovia de 220 quilómetros, construída acima da estrutura de linhas ferroviárias já existente em Londres. Estão previstos 200 pontos de acesso à ciclovia com rampas e plataformas hidráulicas. Esta rede cobriria uma região com seis milhões de habitantes, metade dos quais vive e trabalha a dez minutos de distância de uma entrada. Cada rota poderia acomodar cerca de 12 mil ciclistas por hora, facilitando a locomoção e encurtando o tempo dos percursos até 29 minutos. A proposta, aparentemente utópica, resulta de uma parceria entre os ateliês de arquitectura Foster + Partners e Exterior Architecture e a consultora em transportes Space Syntax. O protagonista desta nova forma de mobilidade urbana é o conceituado arquitecto Norman Foster, um apaixonado pelo ciclismo e pelas questões ambientais. Uma das suas obras mais emblemáticas em Londres, o edifício 30 St Mary Axe (apelidado de Gherkin – pepino), gera através de painéis solares e uma turbina eólica 40% da energia que consome. “Para melhorar a qualidade de vida da população em Londres e estimular uma nova geração de ciclistas, é preciso tornar o transporte seguro”, defende Foster. E acrescenta: “No entanto, a maior barreira de convivência entre carros e bicicletas é a limitação das ruas, onde o espaço é um prémio disputado”. De acordo com o jornal The Guardian, o projecto já foi apresentado às autoridades londrinas responsáveis pelos transportes públicos, mas poderá demorar 20 anos a ser construído e custar cerca de 220 milhões de libras. Passará de utopia a realidade?R

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Mata do Buçaco, um tesouro mundial A Mata Nacional do Buçaco é a primeira mata nacional em Portugal a receber a certificação internacional de gestão florestal, atribuída pelo prestigiado Forest Stewardship Council. Esta certificação tem como objetivo principal a promoção da gestão sustentável da floresta, que compreende a sua utilização tendo em conta tanto os aspectos económicos, como os ambientais e sociais. Prevê-se que este reconhecimento atrairá mais turistas ao local, aumentando o número actual de 200 mil visitantes por ano. As responsabilidades também aumentarão para a entidade gestora do espaço, a Fundação Mata do Buçaco, que se compromete a assegurar a manutenção da saúde e vitalidade dos ecossistemas florestais, a conservação e melhoria da diversidade biológica, além da promoção de relações de vizinhança, mantendo e melhorando as funções e condições socioeconómicas da região onde se insere.

A Mata ocupa 105 hectares e possui uma das melhores colecções dendrológicas da Europa, com cerca de 250 espécies de árvores e arbustos com exemplares notáveis. Com uma programação muito completa, não faltam razões para visitar e conhecer este paraíso verde. Oficinas para grupos e famílias, passeios organizados pelos trilhos, visitas orientadas em noites de lua cheia, workshops, passeios fotográficos, exposições e acções de voluntariado são algumas das iniciativas disponíveis. Fique a par das actividades em www.fmb.pt e aproveite o início da Primavera para planear um fim-de-semana diferente.R

PONTO VERDE

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Missão Reciclar Se um dia destes bater à sua porta uma equipa da Sociedade Ponto Verde, não estranhe. A Missão Reciclar contactará dois milhões de lares portugueses, em mais de 200 concelhos. Objectivo? Converter todos os que ainda não reciclam em separadores totais e clarificar as regras de reciclagem aos que já o fazem. Esta é uma das maiores acções de sensibilização já realizadas em Portugal, que pretende ir ao encontro das metas propostas no novo Plano Estratégico dos Resíduos Urbanos (PERSU 2020). De acordo com o estudo “Hábitos e Atitudes face à separação de resíduos domésticos”, 69% dos lares portugueses fazem regularmente a separação de embalagens usadas. Quando devidamente separadas e colocadas nos ecopontos, as embalagens usadas podem ganhar novas vidas e gerar valor. A reciclagem é um acto cívico, com impacto positivo no ambiente, na qualidade de vida das populações e na economia nacional. Desde a sua criação em 1996, a Sociedade Ponto Verde já encaminhou para reciclagem mais de seis milhões de toneladas de resíduos de embalagens, o equivalente ao peso de três Pontes Vasco da Gama. E você, já recicla?R

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Plantas por um fiu Inspirada na técnica milenar japonesa kokedama, Ana Miguel, arquitecta paisagista em Vila Real, criou o projecto Fiu – Jardins Suspensos. Os Fiu são plantas que não necessitam de vasos, pois as suas raízes e torrão são envolvidos em musgo. Penduradas por um fio, possibilitam uma decoração original, em ligação com a natureza. O que começou por ser uma “simples brincadeira”, tornou-se “terapia pessoal” e “um segundo emprego”. “O balanço deste primeiro ano de actividade é muito positivo! A aceitação do público é muito boa e as encomendas estão a crescer”, revela Ana.

A construção dos Fiu é totalmente manual e inclui plantas aromáticas, condimentares, suculentas, fetos e ornamentais. A sua manutenção é muito simples. Necessitam, em geral, de ser mergulhadas em água apenas uma vez por semana, o que se deve ao facto do invólucro manter a humidade junto à raiz das plantas por mais tempo que os vasos comuns. Os Fiu são vendidos através do Facebook (www.facebook.com/fiujardinssuspensos), em mercados e feiras e na loja CRU, no Porto.R

Novo Dia Internacional da Vida Selvagem social”, destacou John Scanlon, secretário-geral da CITES, em comunicado. O tráfico mundial de espécies selvagens da fauna e da flora está estimado em 19 mil milhões de dólares (14 mil milhões de euros) anuais, de acordo com o Fundo Mundial para a Natureza. A assembleia-geral da ONU anunciou também que 2015 será o “Ano Internacional da Terra”. R

Três de Março é o novo Dia Internacional da Vida Selvagem. A ONU decidiu assinalar esta data para celebrar a fauna e a flora do planeta, mas também para alertar para os perigos do tráfico de espécies selvagens. A data foi escolhida tendo em conta o dia de criação da CITES - Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (três de Março de 1973). “Este dia lembra-nos da necessidade urgente de intensificar a luta contra a criminalidade relacionada com a vida selvagem e o seu impacto económico, ambiental e

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O CÉU PODE ESPERAR?O TEMA DAS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS ESTÁ NA ORDEM DO DIA, MAS OS ACORDOS ENTRE OS PAÍSES TEIMAM EM NÃO CHEGAR. AS OPINIÕES SOBRE OS CAMINHOS A SEGUIR DIVERGEM, MAS A NECESSIDADE DE RÁPIDAS SOLUÇÕES É JÁ UMA CERTEZA COMUM.Texto Teresa Ribeiro

Fotos Thinkstock

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As políticas pró-ambiente precisam de avançar a um ritmo mais acelerado, a bem do futuro do planeta

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REPORTAGEM

Nos primeiros dias do ano, o relatório de uma seguradora alemã, a Munich Re, divulgava a lista das dez piores ca-tástrofes naturais ocorridas no planeta entre 1980 e 2012 e ainda o balanço das tragédias registadas em 2013. Do top ten constavam seis terramotos e quatro fenómenos meteorológicos extremos, dois dos quais observados em zonas do planeta onde não são habituais manifestações tão violentas. Das 880 catástrofes naturais regista-das em 2013, a seguradora destacou como mais devastadoras o tufão Haiyan, que fustigou em Novembro o sudeste das Filipinas, e as inundações ocorridas em Junho na Alemanha e países limítrofes, cujos prejuízos ascenderam a 11,7 mil milhões de euros. Estes balanços não são uma novidade, mas aumentou a consciên-cia de que a Natureza está a falar-nos de uma forma mais agreste e numa língua até há pouco desconhecida em vários locais do mundo. Em 2007, ano em que se realizou em Bali mais uma Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a ONU também divulgou uma lista de catástrofes naturais, mas só relacio-nadas com alterações do clima. Entre 2000 e 2007, anunciava o relatório da ONU, cerca de 164 milhões de pessoas tinham sido vítimas de inundações e, em 2006, das dez catástrofes mais mortíferas, apenas uma não teve origem meteorológica. Entre os países mais massacrados contavam-se os Estados Unidos, a China e a Índia, ironicamente três das potências que mais têm bloqueado as negociações para a redução da emissão de gases com efeito de estufa. Sete anos depois, os países mais afectados continuam

divididos entre o receio de sofrer no-vas catástrofes e a vontade de manter os seus modelos económicos baseados no petróleo.

BRAÇOS DE FERROÀ medida que os relatórios científicos vão revelando os impactos negativos dos gases com efeito de estufa e a Natureza vai corroborando essas teses, aumenta a pressão sobre os países com mais responsabilidades nas emis-sões de CO2, derivadas da queima de combustíveis fósseis. Mas quando são chamados a participar nas cimeiras internacionais sobre ambiente não se entendem e, na hora do balanço, esses eventos deixam a pairar um senti-mento de frustração. “As negociações relativas ao clima têm girado em torno de três perspectivas: a da respon-

A COMUNIDADE INTERNACIONAL ESTÁ A PAR DAS

CONSEQUÊNCIAS AMBIENTAIS,

ECONÓMICAS E SOCIAIS DA ECONOMIA

DO PETRÓLEO.TODOS ESTÃO DE

ACORDO QUE O RUMO PASSA PELA APOSTA

CRESCENTE EM ALTERNATIVAS MAIS

VERDES

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sabilidade histórica (atribuída aos países desenvolvidos e que é avaliada em função do cálculo da quantidade de gases poluentes que emitiram para a atmosfera desde a revolução industrial), a do contributo de cada país para o aumento das emissões e, finalmente, a do contributo por país per capita”, resume Francisco Ferreira, membro da direcção nacional da asso-ciação ambiental Quercus. É em torno destes três eixos que se tem apertado o nó das negociações climáticas, expli-ca: “As potências emergentes invo-cam a ausência de responsabilidade histórica para reclamar o seu direito a políticas menos restritivas relativa-mente à emissão de gases tóxicos. Os países desenvolvidos preferem deixar essa questão de lado e discutir os índices actuais de poluição”. Mas para

manter o braço de ferro há países que nem precisam de acertar contas com o passado. Francisco Ferreira aponta o exemplo paradigmático dos Estados Unidos e da China: “Neste momento a China é o país mais poluidor do mun-do, mas se as suas emissões forem avaliadas per capita, são inferiores às dos Estados Unidos. Isto foi o bastante para complicar o diálogo entre as duas potências”.Viriato Soromenho Marques, Professor Catedrático da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e ex-Con-selheiro da Comissão Europeia para a Energia e Alterações Climáticas, defen-de que deveria haver nas cimeiras do ambiente, promovidas pelas Nações Unidas, um modelo de negociação mais musculado, com “a criação de um directório de grandes países, uma espécie de Conselho de Segurança Cli-mática, que pudesse liderar o processo e dar força à ONU”. Enquanto não se criarem “mecanismos de coacção”, sublinha, as políticas pró-ambiente não avançarão ao ritmo desejado.

METAS NECESSÁRIASDesde meados dos anos oitenta, quando foi identificado o buraco do ozono sobre a Antárctida e se come-çou a estudar o impacto dos gases com efeito de estufa no aumento da temperatura média do planeta, que a comunidade internacional está a par das consequências ambientais, económicas e sociais da economia do petróleo. Desmentindo os negacionis-tas que vêem nas alterações climáticas e aumento das temperaturas médias globais um ciclo meteorológico natural, o Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas (IPCC),

Os impactos negativos dos gases com efeito de estufa já são bem conhecidos. A Natureza tem demonstrado que é tempo de agir

A PRÓXIMA CONFERÊNCIA DAS

NAÇÕES UNIDAS SOBRE ALTERAÇÕES

CLIMÁTICAS ESTÁMARCADA PARA 2015, EM PARIS. A AGENDA

É AMBICIOSA MASNECESSÁRIA. SERÁ QUEOS PAÍSES CHEGARÃO

FINALMENTE A UM ACORDO?

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criado em 1988 para o estudo destes fenómenos, anunciou em Setembro passado, na Suécia, que “agora exis-tem 95% de certezas científicas quanto à responsabilidade da acção humana no aquecimento global”. O objectivo da ONU é conseguir que o aumento das temperaturas médias globais não ultrapasse os dois graus. Se não se cumprirem as metas estabelecidas, o nível do mar “poderá subir até aos 82cm até ao final do século”, avisa o IPCC, “e as temperaturas médias aumentarão 4,8 graus”.Marcada para 2015, em Paris, a próxima Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas tem uma agenda ambiciosa. Dela deverá resultar o documento que substituirá o Proto-colo de Quioto, entretanto prescrito. Espera-se que venha a ser subscrito e ratificado por um conjunto mais alar-gado de países, incluindo os Estados Unidos.

O AMBIENTALISTA CÉPTICOMas nem todos seguem com a mesma preocupação os avanços e recuos das potências que lideram estas negocia-ções. Bjorn Lomborg, o dinamarquês doutorado em Ciência Política que se tornou famoso ao publicar as obras “O Ambientalista Céptico” e “Calma!”, lançadas respectivamente em 2001 e 2007, desconstrói a visão mainstream dos ambientalistas e da ONU. Nestas obras, baseadas em estudos que lide-rou na Business School de Copenhaga, onde é professor, rebate muitos dos dados estatísticos divulgados pelas entidades que mais têm promovido as políticas de redução de emis-sões. Sublinha que, com o objectivo de sensibilizar a opinião pública, os investigadores apontam como certos os cenários mais pessimistas e menos prováveis. Apelidando de catastrofistas as previsões, o investigador argu-menta, por exemplo, que a subida do nível dos oceanos pode, em muitos

casos, ser prevenida sem grandes custos, como será o caso da Holan-da, que tem 60% da sua população a viver abaixo do nível do mar mas que poderá, segundo os seus cálculos, solucionar o problema “gastando 1% do PIB”. Lomborg também salienta que o impacto das catástrofes naturais ligadas ao clima tem aumentado não só devido ao maior número de ocorrências, mas em função da acção do homem, que em vez de prevenir, agrava as circunstâncias: “Quando as pessoas olham para o Paquistão, onde grandes áreas do país já foram inundadas, e dizem que tal aconte-ceu devido ao aquecimento global, estão a esquecer que a maior parte do dano decorreu porque as áreas altas das regiões montanhosas foram

desmatadas, levando à aceleração do escoamento superficial. Esse tipo de comentário ignora, também, que a maioria das barragens no Paquistão são mal reparadas e assoreadas, o que significa que elas podem armaze-nar muito menos água, e que houve neste país uma degradação geral dos serviços de previsão sobre precipita-ções e gestão da água”, exemplifica. Contra a corrente, Lomborg sustenta que mais prementes que os problemas climáticos no mundo são os da fome e que o caminho traçado pelo Protocolo de Quioto, que promove a redução das emissões, é caro e ineficaz: “Num mundo mediatizado, infelizmente as pessoas que gritam mais alto ou que contam as histórias mais assustadoras são as que recebem mais atenção. Os problemas simples, e por isso mais aborrecidos, não recebem a atenção de que necessitam. Sida, má nutrição e imunização são assuntos aborrecidos comparados com o aquecimento glo-bal e os furacões que são mais exci-tantes e interessantes para os media”, afirmou numa entrevista concedida à revista Gingko em 2009, quando este-ve em Portugal a convite do Greenfes-tival. Com estas palavras reiterava a mensagem do seu livro “Calma”, onde defendeu que as avultadas somas dispendidas para travar, sem sucesso, o aquecimento global seriam melhor gastas a salvar vidas no imediato. Em 2010, o ambientalista céptico viria porém a lançar uma obra considera-da por alguns de recuo. Em “Smart Solutions to Climate Change” (Solu-ções Inteligentes para as Alterações Climáticas) admite que é necessário combater o aquecimento global, mas com políticas realistas que esqueçam “a estrada velha e falha do Protocolo de Quioto” e apoiem o investimento em Investigação e Desenvolvimento: “Deveríamos ouvir o melhor da ciência natural e perceber que o aquecimen-to global é um problema real que

REPORTAGEM

BJORN LOMBORG CONSIDERA QUE TÊM

SIDO DIVULGADOSAPENAS OS CENÁRIOSMAIS PESSIMISTAS EMENOS PROVÁVEIS

PARA COMBATER OAQUECIMENTO GLOBAL,

LOMBORG PROPÕE:“UM FUNDO GLOBALDE 100 MIL MILHÕES

DE INVESTIMENTOEM PESQUISA E

DESENVOLVIMENTO EMENERGIAS LIMPAS”

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precisamos solucionar. Mas também deveríamos ouvir o melhor da ciência económica, que nos diz que, por meio do Protocolo de Quioto e de políti-cas semelhantes, vamos gastar uma fortuna e fazer praticamente nada de bom. Em vez disso, deveríamos gastar o nosso dinheiro na criação de uma tecnologia verde melhor para o futuro. Actualmente, a energia verde custa muito mais do que os combustíveis fósseis. É por isso que é muito difícil conseguir que as nações se compro-metam a usá-la. Mas, se pudermos inovar e colocar o seu preço abaixo do custo dos combustíveis fósseis, todos passarão a comprar energia verde, não porque sejam ambientalistas, não porque são forçados a fazê-lo através de um Protocolo de Quioto, mas porque é mais barata”. Uma das propostas que Lomborg avança no livro é a criação de um fundo global de 100 mil milhões de dólares para investimento em pesquisa e desenvol-vimento em energias limpas. Pediu a mais de 30 economistas “top climate” do mundo para delinear e pesquisar as melhores formas de combater o aquecimento global: “Debruçaram-se sobre questões como os cortes padrão de carbono, os cortes em carbono negro, plantio de florestas, redução de metano, adaptação, transferência de tecnologia, geo-engenharia, pesquisa e desenvolvimento de energia verde, além de uma série de outras opções. Em seguida, pedimos a um painel de economistas laureados com o Prémio Nobel para priorizar as principais solu-ções com base no custo-eficácia. E foi assim que concluíram que gastar 100 mil milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento era o melhor cami-nho, no longo prazo, para combater o aquecimento global”. Pragmático, este professor dinamarquês acredita que, graças à I&D, vai ser possível, no futuro, ambiente e desenvolvimento conviverem sem grandes problemas.R

No seu livro “Smart Solutions to Climate Change”, Bjorn Lomborg

apela a que se esqueça “a estrada velha e falha do Protocolo de Quioto”

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Há bons exemplosENQUANTO AS MAISALTAS INSTÂNCIAS NÃOCHEGAM A ACORDO, VÁRIASINICIATIVAS MOSTRAMRESULTADOS A REPLICAR.EM TODO O MUNDO,PAÍSES, EMPRESAS ECIDADÃOS ESTÃO A ASSUMIRVOLUNTARIAMENTE A SUARESPONSABILIDADE PARAUM CLIMA DE MUDANÇA.Texto Ana Sofia Rodrigues

UNIÃO FAZ A FORÇAA meta de 20% de redução de emis-sões até 2020 em relação a 1990 vai ser aparentemente cumprida pela União Europeia (EU). Em 2012, a redução já ia em 18% e poderá chegar aos 24% no prazo final. A maioria dos estados-membros está no bom cami-nho quanto às suas metas individuais de redução de emissões. Portugal, por exemplo, já reduziu as suas emissões em 10%. Outra boa notícia: no total da energia consumida na UE, 13% vem de fontes renováveis, como o vento, o sol, a água ou a biomassa. A Agência Europeia do Ambiente estima que a meta de 20% até 2020 é tangível. Portugal está bem encaminhado para a sua meta de 31% de renováveis até 2020. Em 2011, estava nos 25%.

PROACTIVIDADE EMPRESARIALA Nike reduziu a sua pegada de carbo-no em 80% desde 1999 e usa energia geotérmica; a Unilever comprometeu-se a reduzir para metade as emissões de gases gerados pelos seus produtos até 2020; a Dell prometeu diminuir as suas emissões totais de produção em 40% até ao final de 2015 e a apenas dois anos desse prazo já reduziu 38%;

a Nestlé pretende ganhos em termos de eficiência energética de 25% até 2015 comparado com 2005 e conduz projectos de investigação sobre adap-tações às alterações climáticas nas áreas da produção de café, cacau e lacticínios, com o objectivo de preparar e formar os seus fornecedores… Estes são apenas alguns exemplos de uma nova consciência empresarial.

PROTAGONISMO DOS CIDADÃOSO português Tiago Domingos, director da Terraprima, é o rosto do projecto vencedor do concurso europeu Um

mundo que me agrada. Pastagens Semeadas Biodiversas foi considerada a melhor solução contra as alterações climáticas. Uma ideia inovadora para a redução das emissões de dióxido de carbono, erosão dos solos e riscos de incêndios florestais, aumentando ao mesmo tempo a produtividade das pastagens. “Este projecto é o exemplo perfeito de como uma solução prática contra as alterações climáticas pode também poupar dinheiro, criar empre-go e gerar crescimento”, reconheceu a comissária europeia para a Acção Climática, Connie Hedegaard.R

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“Procuro identificar as pessoas inspiradoras e dá-las a conhecer, seja na

imprensa escrita ou na televisão. Acredito profundamente no contributo individual”,

diz Laurinda Alves

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ROSTO

EM PRIMEIRO LUGAR,

CIDADÃLAURINDA ALVES É UMA DAQUELAS PESSOAS QUE SE RECUSA A ESTAR NA VIDA APENAS PARA PASSAR O TEMPO, COMO O MOTOR EM PONTO

MORTO DIANTE DO SINAL VERMELHO, À ESPERA QUE O SINAL MUDE. NÃO É APENAS ESPECTADORA, É AUTORA DO TEATRO DA EXISTÊNCIA.

Texto Ana Rita Ramos

Fotos Mariana Sabido (excepto onde indicado)

Com uma carreira profissional estimulante e uma vida que vale a pena viver, Laurinda Alves ainda hoje volta para casa espicaçada pela voz que sopra ao ouvido as respostas inquietantes que não quer deixar de dar, que não se quer arrepender de não ter dado. Professora universitária, formadora na área da comunicação, jorna-lista, autora e apresentadora de programas de televisão, Laurinda Alves passou a vida inteira a dizer “atreve-te” e a rever o seu papel no mundo no tempo que ainda lhe falta viver. Fez metade do percurso sozinha, achando que deveria corresponder à herança familiar de firmeza e orgulho, mas na outra metade rodeia-se de pessoas inspiradoras que a ajudam e encaminham, com a certeza de que os problemas fazem parte da vida e, se não os partilharmos não daremos às pessoas que nos amam a oportunidade de nos amar o suficiente. Criou a emblemática revista XIS, que durou até 2007, fez quase tudo o que havia a fazer como jornalista, passou pela RTP, TSF, Independente e Público (entre

outros projectos editoriais), foi distinguida com o grau de Comendador da Ordem do Mérito pelo debate e defesa das questões educativas, participa regularmente em en-contros, debates, conferências e seminários em escolas e lugares menos comuns como cadeias e centros de recu-peração onde sente que fica mais próxima daqueles que

vivem “à margem”. É voluntária em múltiplas frentes e dá a cara por várias causas da sociedade civil. É cidadã em primeiro lugar. E é isto, que já não é pouco. É certo que as pessoas tendem a pensar que a realização profis-sional é um golpe de sorte, algo que talvez desça sobre nós como o bom tempo se formos suficien-

temente afortunados. Mas aos 52 anos Laurinda Alves sabe que não é assim que funciona. A sua realização foi a consequência do esforço pessoal. Lutou por ela, procu-rou-a arduamente, insistiu nela e até viajou pelo mundo à sua procura. Por vezes precisa de rearrumar os seus armários interiores, baralhar e dar de novo, mas nunca perde a noção de onde vem e para onde quer ir.

“HOJE A QUESTÃO NÃO DEVERIA SER SE FAZEMOS OU NÃO VOLUNTARIADO,

MAS QUAL A ÁREA DE VOLUNTARIADO QUE

ESCOLHEMOS”

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Como coordenadora em Portugal do Dialogue Cafe, qual o balanço que faz desta iniciativa sem fins lucra-tivos que utiliza as tecnologias de vídeo de última geração para per-mitir a conversa cara a cara entre vários grupos de pessoas em todo o mundo?O Dialogue Cafe é um projecto com incrível potencial, que proporciona diferentes trocas de experiências e permuta de aprendizagens. Os participantes estão ligados através de telepresença, em ecrãs que permitem ver os interlocutores em tamanho real assegurando que, estando em diferen-tes pontos do globo e pertencendo a culturas distintas, estas pessoas pos-sam conversar e partilhar experiên-cias. Ao fim de dois anos em Portugal, acreditamos que vamos finalmente ter um envolvimento maior de todos os 12 países que já estão ligados e ter uma programação global.

O que tem de especial este projecto?O conceito é apaixonante. Eu não me

importaria de estar ligada a ele mesmo trabalhando “num buraco debaixo da terra”, mas fazê-lo inserida numa instituição como a Gulbenkian, com estas condições logísticas, é ainda mais estimulante. O que o Dialogue Cafe permite é a multiplicação de ideias, a cartografia de talentos, o ponto de

encontro entre pessoas que estão em vários cantos do mundo. Já acontece-ram coisas extraordinárias aqui!

Por exemplo?Por exemplo? Já salvámos uma vida! Pusemos em contacto vários neuroci-rurgiões entre Ramallah, Cleveland e

Lisboa. Uma criança em Ramallah ti-nha um cancro invasivo e asfixiante no rosto e os médicos locais precisavam de aconselhamento científico ao mais alto nível. Isso foi possível colocando--os em contacto com especialistas em Cleveland e Lisboa, e hoje a criança está viva! Esta tecnologia tem grande potencial médico, clínico e de investi-gação, sobretudo em países em que a partilha do conhecimento é mais difí-cil. Permite criar verdadeiros hospitais virtuais. Mas tem outras vantagens, como colocar alunos de vários cantos do mundo em contacto, ser um ponto de encontro, um amplificador de boas práticas, ter sério impacto social. Co-locamos ao serviço da sociedade civil, sem custos, uma tecnologia caríssima e sofisticada, que pode ajudar a esca-lar projectos.

Qual a importância da comunicação no mundo actual e especificamente nos projectos de responsabilidade social e de cidadania?Portugal tem uma clara desvantagem

“O DIALOGUE CAFEÉ APAIXONANTE.

PERMITE A MULTIPLICAÇÃO DE

IDEIAS E CARTOGRAFIA DE TALENTOS EM TODO

O MUNDO”

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competitiva face a outros países, por-que na escola não somos ensinados a falar em público, a debater pontos de vista opostos, a improvisar. Na escola americana, por exemplo, as crian-ças a partir dos quatro, cinco anos são treinadas a recitar, improvisar, apresentar ideias para uma audiência. Os negócios, a inovação, as causas sociais têm de ser bem comunicados senão ficam no plano das ideias. Dou sempre o exemplo do Banco Alimentar Contra a Fome. Uma ideia excepcional muito bem comunicada. As pessoas só aderem ao que conhecem. Não saber comunicar os projectos é a diferen-ça entre matar ou fazer florescer as ideias. É, verdadeiramente, uma questão de vida ou de morte.

É por isso que defende a criação de um Plano Nacional de Comunicação, semelhante ao que aconteceu com o Plano Nacional de Leitura?Sim. Mas talvez ainda não seja o momento. Em tempos ainda tive uma reunião com o então secretário de

Estado da Educação, adoraria atra-vessar-me por este desígnio nacional, mas este projecto exige um orçamen-to e em tempos de tanta escassez acredito que haja outras prioridades. Mas em alguma altura os currículos escolares terão de mudar.

Como jornalista sempre se esforçou por mostrar um Portugal que dá certo e de que todos nos devemos orgulhar. Mas sempre que ligamos a televisão, parece que estamos dian-te de um pelotão de fuzilamento: as notícias da crise vêm em rajada. Como é possível contornar este gi-

gantesco compressor de ansiedade?Pessoalmente, sempre procurei per-ceber onde posso acrescentar valor. Com os meus programas de televisão, por exemplo, como o Portugueses sem Fronteiras ou o Feitos em Portugal,procuro dar visibilidade a pessoas que fazem a diferença, cheias de sonhos, esperança, optimismo. Inconformados cuja luta se faz no dia-a-dia.

É o seu contributo diário para construir um mundo um bocadinho melhor para todos?Sim. Procuro cartografar as pessoas inspiradoras e dá-las a conhecer, seja na imprensa escrita ou na televisão. Acredito profundamente no contributo individual. Uma pessoa pode realmen-te fazer a diferença. Procuro estar em contra-corrente, fazer coisas diferen-tes, com um olhar alternativo sobre os problemas. Fiz isso com a XIS, uma revista muito disruptiva, mas também com os programas de televisão. Acre-dito que é possível mudar o sistema dentro do sistema – não fora dele.

Laurinda Alves nos jardins da Gulbenkian, onde funciona a delegação portuguesa

do Dialogue Cafe de que é coordenadora, que permite partilha de experiências de

pessoas em vários cantos do mundo

“ÀS VEZES, SÓ MATANDO OS

PROJECTOS É QUE AVANÇAMOS. TEMOS DE NOS RECRIAR COM FREQUÊNCIA, JÁ NÃO

HÁ PROJECTOS PARA A VIDA”

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ROSTO

Na sua vida já esteve ligada a vários projectos, muitos com um cunho de intervenção social. Como foi liber-tar-se de alguns deles tão marcan-tes, como a revista XIS?Às vezes, só matando os projectos é que conseguimos avançar. Temos de nos recriar com muita frequência, já não há projectos para a vida. A longe-vidade dos projectos pode variar, mas o importante é construirmos expec-tativas realistas e termos um olhar construtivo para o mundo que nos rodeia. Quando comecei a dar aulas, algo que me apaixona profundamente, foi acreditando nesta máxima. Dou uma cadeira na Universidade Nova, de Comunicação, Liderança e Ética a 200 alunos por semestre dos segundos anos da licenciatura de Economia e Gestão. Tenho crescido em liberdade interior, cada vez mais independente e centrada nos meus valores. E as surpresas acontecem!

Qual a importância do voluntariado na sua vida?A questão hoje em dia não passa por saber se queremos fazer voluntariado ou não. A questão que temos de nos colocar a nós próprios é: qual a minha área de voluntariado. E agir! Faço muito voluntariado pontual, faço pontes, dou a cara, ajudo a credibilizar projectos. Dou a minha voz a quem não tem voz

ou ajudo a amplificar a voz de outros igualmente importantes. As minhas áreas de eleição são a deficiência, cui-dados paliativos, projectos de minorias e empreendedorismo. Por isso, sou

voluntária da Associação Salvador e da Reklusa, fiz voluntriado de cabeceira em Cuidados Paliativos no Hospital da Luz durante três anos, sou embaixadora dos Leigos para o Desenvolvimento e da Acredita Portugal, que acabou de lançar a empreende.pt, plataforma de formação online focada nos temas do empreendedorismo e negócios.

Há algum projecto especialmente estimulante em que esteja envol-vida?Sim. Sou voluntária da Fundación Lo Que de Verdad Importa, embora me tenham oferecido o pomposo cargo de Presidente Honorária em Portugal. Estamos a preparar, para 14 de Março de 2014, no Campo Pequeno, em Lis-boa, o 1º grande Congresso O Que De Verdade Importa, de entrada livre, es-pecialmente pensado para estudantes universitários e pré-universitários, em que vários oradores nacionais e es-trangeiros subirão ao palco para falar de temas apaixonantes e transforma-dores. Vamos ter convidados como a família que sobreviveu ao tsunami da Tailândia e que deu origem ao filme OImpossível, ou Bento Amaral que ficou tetraplégico sem que isso o impedisse de ser campeão do mundo de vela adaptada ou um reconhecido especia-lista em vinhos. São pessoas que nos fazem acreditar no potencial humano e que nos falam na primeira pessoa da força que nos dá força. Numa altura em que continuamos a ter a lógica perversa das desgraças a circular nos media, é preciso encontrar momentos alternativos para falar de pessoas ins-piradoras. Somos ainda uma minoria? Sim. Mas as maiorias podem apoiar grandes aberrações. São as minorias que fazem avançar o mundo. R

Laurinda Alves, num recente workshop de Comunicação, na Casa Allen, no Porto. O ensino é uma das áreas em que mais tem trabalhado nos últimos anos

“NA ESCOLA PORTUGUESA NÃO

APRENDEMOS A FALAR EM PÚBLICO, A DEBATER PONTOS DE VISTA, A IMPROVISAR.

É UMA PENA!”

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RECICLAR FORA DE CASA

PLANETA VERDE

MAIS DE METADE DOS PORTUGUESES JÁ SEPARA OS RESÍDUOS DE EMBALAGENS EM CASA. MAS SERÁ QUE CONSEGUEM MANTER ESSE COMPORTAMENTO FORA DE PORTAS? AQUI FICAM ALGUMAS DICAS PARA QUE A RECICLAGEM SEJA UM HÁBITO EM QUALQUER AMBIENTE. Texto Ana Sofia Rodrigues

Foto Thinkstock21

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1. Papel a papelÉ o talão do café, o ticket do parquímetro, o jornal grátis que lhe dão no trânsito, um folheto que lhe oferecem quando vai às compras… A tendência? Deitar logo todos os papéis no caixote de lixo mais perto. Propomos-lhe o desafio de esperar pelo ecoponto azul que certamente se cruzará no caminho ou então guardá-los na mala ou bolso para, quando puder, colocar no recipiente adequado ao chegar ao escritório ou a casa. Todos esses pequenos papéis podem ser depois usados, por exemplo, na produção de caixas de cartão canelado, papel higiénico ou rolos de cozinha. Vale a pena o cuidado.

2. O plástico conta Vai pela rua a beber o resto da água que lhe sobrou do almoço ou, na paragem do autocarro, o seu filho

termina um pacote de sumo. Se estivesse em casa, onde colocaria a garrafa de plástico ou o pacote? No ecoponto amarelo, certo? Então porque não continuar esse hábito fora de casa? Não se esqueça: as embalagens representam cerca de 20% dos resíduos que produzimos. Toda a ajuda na sua separação conta.

3. Pequenos começosSe no seu local de trabalho a reciclagem ainda não for uma realidade, que tal ser um agente de mudança? Pode começar por pequenos gestos. Por exemplo, pedir um outro caixote de lixo para a sua secretária para colocar apenas papel ou solicitar um recipiente onde combina com os seus colegas passarem a depositar somente os copos de plástico após beberem água. Em cada dia, uma pessoa fica responsável por deixá-los no respectivo ecoponto.

4. Novo ecoparceiroPorque não sugerir à sua empresa tornar-se num

ecoparceiro da Ecopilhas e passarem a ter nas suas instalações um Pilhão? Não

tem custos, o espaço necessário é pequeno e passa assim a ter um local ainda mais acessível para si e para os seus colegas onde deixar as pilhas e acumuladores

usados. Mais informações em www.ecopilhas.pt.

5. Salas de aula verdesSe na escola do seu filho ainda não têm

ecopontos domésticos, ofereça-se para organizar uma actividade

lúdica e ajude a turma a construir ecopontos feitos, por exemplo, a partir de

caixas de cartão. É um bom pretexto para ensinar-lhes a

importância da separação selectiva e permite que os mais pequenos

possam continuar na escola os ecohábitos que já têm em casa. Se precisar de materiais

pedagógicos sobre reciclagem, pode solicitá-los à Sociedade Ponto Verde, através do e-mail [email protected].

6. Na rua como em casaEm dias em que não é efectuada a recolha de lixo ou se os ecopontos já estiverem cheios não deixe os resíduos a acumular no chão. Pense que a rua é a grande casa de todos, por isso cabe a cada um contribuir também para a sua limpeza e conservação.R

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PEQUENOS GESTOS

CAMPEÃO DASOLIDARIEDADECONSIDERADO O MELHOR JUDOCA PORTUGUÊS DE SEMPRE, NUNO DELGADO SENTE A RESPONSABILIDADE ACRESCIDA DE SER UM EXEMPLO PARA AS 1.500 CRIANÇAS QUE FREQUENTAM A SUA ESCOLA. CONSEGUIR SENSIBILIZÁ-LAS PARA AS QUESTÕES AMBIENTAIS É UMA DAS MEDALHAS SOCIAIS DE QUE MAIS SE ORGULHA. Texto Ana Sofia Rodrigues

Fotos Filipe Pombo/AFFP

Serioku Zenyo e Zita Kyotei. Para a maior parte das pesso-as, são expressões indecifráveis, mas para os praticantes de judo são dois princípios fundamentais. Querem dizer: “usar a energia de forma eficiente” e “benefício mútuo e prospe-ridade para todos”. “Estas duas máximas estão claramente ligadas aos princípios de preservação do ambiente”, relacio-na Nuno Delgado. A gerir uma escola de judo com impacto directo em cerca de 1.500 crianças, Nuno alia a parte desportiva a um programa cívico, que procura incutir nos jovens hábitos saudáveis, abordando questões liga-das a alimentação, higiene, cidadania e responsabilidade ambiental. Como pai e mentor, sente uma “responsa-bilidade acrescida em tentar passar bons hábitos a esta nova geração”. Por isso, todos os cuidados que tem em casa aplica de forma ainda mais rigorosa na escola. “Acho que todos podemos sempre fazer mais, mas sinto que tenho evoluído nos meus hábitos”, reconhece. Os exemplos que dá são prova disso. Separar os resíduos do-mésticos é uma rotina diária. “No meu prédio temos con-tentores próprios para o lixo orgânico, papel e embalagens. Só não temos para o vidro, mas como não consumo bebi-das alcoólicas nem refrigerantes é raro ter vidro em casa”. Outro gesto que considera muito importante é “a reutiliza-ção das coisas pessoais, como livros, roupa e brinquedos”. A escolha é feita em família e depois oferecem a pessoas e instituições carenciadas. Na escola criou um programa com

o mesmo espírito: o Banco Social de Equipamentos. “É uma oportunidade de consciencializar as crianças para o facto de que os recursos são limitados”. Os judocas que têm equipa-mentos usados, que já não necessitam, podem entregá-los à escola, que por sua vez encaminha para outras crianças, de acordo com as necessidades. “Ter consciência de que nada se gasta, tudo se transforma, é muito importante”, reforça Nuno Delgado e recorda: “Quando era pequeno

havia muita dificuldade em comprar equipamentos de judo. Vinham de muito longe, eram tratados como se fossem um tesouro e passavam de geração para geração”.Embora o judo seja uma actividade indoor, Nuno sempre que pode foge para a liberdade da Natureza. “Sou um grande defensor do bem-estar e não há dúvida que, além do exercício físico, o contacto com a Natureza é determinante e é uma prioridade

para a saúde”. Todos os dias, com grande disciplina, arranja tempo na sua sobrecarregada agenda: “Às vezes até programo um alarme no meu telemóvel com a mensagem ‘respirar’!” (risos)A filosofia da Escola de Judo Nuno Delgado é “formar campeões para a vida”. “Todo o ser humano pode ser um atleta de alta competição e um campeão constrói-se com pormenores”. Nuno faz questão que a consciência solidária para com o próximo e para com o ambiente sejam alguns destes pequenos grandes pormenores.R

“TER CONSCIÊNCIA DE QUE NADA SE GASTA, TUDO SE TRANSFORMA, É

MUITO IMPORTANTE”

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“Todos nós podemos ser campeões. Seja no desporto ou no quotidiano

da nossa vida”, defende Nuno Delgado. Na sua escola de judo,

a maior do país, o desporto anda de mão dada com o civismo e o

respeito pelo ambiente.

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Licenciado em Ciências do Desporto, Nuno Delgado é considerado o melhor judoca de sempre em Portugal. Referência e símbolo do desporto nacional, alcançou o ponto mais alto da sua carreira em 2000, quando ganhou a medalha de bronze nos Jogos Olímpicos de Sydney. Actualmente é o mentor da maior escola de judo do país, um projecto não só desportivo, mas com uma marcante vertente social. Formar campeões para a vida é o grande lema deste desportista, que se sagrou ele próprio campeão nacional de judo logo aos 12 anos. “Ainda não estou satisfeito pois sei que há muita coisa a fazer!”, reconhece. Com grande dinamismo e vontade de vencer, aos 37 anos procura ser um exemplo e uma fonte de inspiração para os cerca de 1.500 alunos do seu projecto.R

NÃO AO PAPELNuno opta sempre que pode pelo formato digital. “Facturas, recibos verdes, comunicações com os pais dos alunos… Evitamos ao máximo usar papel. Nem tenho cartões de visita!”, reconhece. É uma escolha consciente com o objectivo de poupar o ambiente, que lhe trouxe ganhos em organização e eficácia. “Em vez de ter armários enormes cheios de documentos, está tudo no computador”.

QUASE VEGETARIANOEmbora ainda coma algumas proteínas animais, Nuno Delgado assume-se como quase vegetariano. “Foi uma evolução natural. Quando deixei de fazer competição as minhas necessidades alimentares mudaram. Fui descobrindo uma nova forma de alimentação que me faz sentir bem”. Sendo uma prioridade na sua vida, faz questão de partilhar esses hábitos alimentares com a família, mesmo com a filha de cinco anos.

Judoca de excelência

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PEQUENOS GESTOS

TROCA DE EQUIPAMENTOSO Banco Social de Equipamentos é um projecto da escola de Nuno Delgado que já tem três anos. A ideia é simples e

ambientalmente eficaz: os alunos entregam os quimonos, sacos e cintos usados, que depois são utilizados por outras crianças. “Desde cedo, os mais novos têm de aprender que

os recursos são limitados”, alerta Nuno.

SACOS REUTILIZÁVEIS,POR FAVOR

Reconhece que não é muito fácil fugir aos sacos

de plástico, mas sempre que tem possibilidade usa

sacos reutilizáveis nas suas compras. Para evitar

esquecimentos, guarda alguns no carro. “Existe

um problema enorme com a acumulação de resíduos plásticos nos

oceanos. É algo que me perturba mesmo, por isso tento contribuir para que

a situação não piore”.

RECICLAR SEMPRETanto em casa como na escola, Nuno Delgado faz questão de separar os resíduos. “Às vezes, quando temos uma pessoa nova para as limpezas é um pouco complicado pois é preciso sensibilizá-la. Mas tudo se consegue”.

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TENDÊNCIAS ECO

Em Fevereiro do ano passado, a marca sueca H&M lançou uma campanha global de recolha de roupa, que pretendia fazer com que cada vez menos têxteis fossem parar aos aterros sanitários. Em troca, a marca oferecia cinco euros de desconto numa compra de 30. Paralelamente, por cada quilo recolhido, a parceira I:CO oferecia 20 cêntimos a uma instituição de solidariedade do respectivo país. Um ano depois, acabou de lançar uma colecção de cinco peças de ganga, que foram produzidas com algodão reciclado, obtido a partir do vestuário usado que recolheu. Uma iniciativa ecologicamente correcta que chama a atenção para um problema ambiental não muito falado. As roupas deitadas para o lixo são encaminhadas para os aterros e demoram centenas de anos a decompor-se. Além disso, a indústria de produção têxtil, estimada em 83 milhões de toneladas anuais, é das mais poluentes do mundo. Os consu-midores podem ter um papel importante na inversão deste processo. Uma das formas é reutilizarem as suas roupas usadas ou comprarem mais peças em segunda mão. “Mas não sei nada de costura” ou “a roupa em segunda mão é toda velha e cheira a mofo” são argumentos comuns para

não o fazerem. Novas marcas de roupa, como a Change e a REC, estão a pôr fim a estas desculpas, criando peças únicas e actuais, que acabam com qualquer preconceito.

TRANSFORMAR COM MUITO ESTILO“Se formos a Londres encontramos imensas lojas de roupa em segunda mão! Mas em Portugal só agora é que as pes-soas começam a estar mais receptivas”, reconhece Marta Leitão, mentora da marca de roupa Change. “Acho que negócios como o meu ajudam a mostrar que peças usadas

podem estar na moda”. Aos 30 anos, ela própria reciclou a sua vida ao deixar para trás uma carreira na área da publicidade. “Há ano e meio, quando comecei, os calções eram uma tendência mundial, por isso lembrei-me de transformar calções usados em peças de moda”, recorda. Depois de procurar em várias feiras em Portugal, foi lá fora que encontrou

fornecedores de peças vintage, mais concretamente de je-ans icónicos, que lhe garantem o volume necessário. As cal-ças de ganga, que são uma peça de base intemporal e de boa qualidade, são cortadas e transformadas em calções. Marta customiza-os, tinge-os com diferentes tons e cores

VELHOS? NEM OS TRAPOS!ROUPAS ESQUECIDAS NO ARMÁRIO GANHAM NOVA VIDA NAS MÃOS DE CRIATIVAS E DESIGNERS QUE TRANSFORMAM O SENTIDO DA MODA. DESCUBRA COMO ESTA TENDÊNCIA ECO, IDEAL PARA TEMPOS DE CRISE, PODE ATÉ SER O MOTE DE UM PROJECTO DE INCLUSÃO SOCIAL. Texto Ana Sofia Rodrigues

Fotos Filipe Pombo/AFFP (excepto onde indicado)

A REUTILIZAÇÃOCONFERE UM NOVO

ARROJO A PEÇAS QUESE TORNAM ÚNICAS E

PERSONALIZADAS

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Marta Leitão , criadora da marca de roupa Change, ajuda a provar que peças

usadas têm a potencialidade de estar na moda

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e fá-los renascer. “Acrescento sempre algo que seja tendência, como tachas, tecidos de flores ou padrões étnicos, tornando-os em peças únicas”. Muitas vezes, fica a pensar: “Por onde já terão andado estes jeans? Que histórias já viveram?”. Depois imprime-lhes um novo tom: “Tento dar-lhes um espírito divertido, irreverente, sexy mas ao mesmo tempo descontraído. Qualquer pessoa que os usa chama sempre a atenção”. As al-terações que Marta introduz são arrojadas, tornam as peças mais actuais e dão-lhes a hipótese de continuarem a ser usadas. A promoção que fez ligada aos festivais de música de Verão e a associação a algumas figuras públicas levou a que os seus calções se tornassem aspiracionais, ultrapassando todas as expectativas. Continuam a ser a peça mais pro-curada, mas a Change alargou a sua oferta a camisolas, casacos, t-shirts, camisas e ténis. “O facto de serem peças únicas, personalizadas, atrai as pessoas e a vertente da reutiliza-ção apresenta-se como mais-valia”, conclui. E acrescenta: “A moda muitas

vezes associa-se a futilidade e excesso de consumo, por isso as pessoas dão valor a esta parte mais ambientalista do projecto”.

RECUPERAÇÃO PROFISSIONALDesde pequena, Joana Teodoro lem-bra-se de herdar muitas roupas das avós e da mãe. “Gostei sempre muito

dessas peças antigas. As construções que têm a ver com uma época fasci-nam-me e têm muito valor”, reconhe-ce. Por isso, a expressão “isso agora já não se usa” nunca lhe fez sentido. A reutilização surgiu na sua vida como algo muito natural. Depois de terminar o curso de Design de Moda, traba-lhou em várias empresas, entre elas o ateliê Storytailors. Chegou a uma

altura em que se questionou sobre fazer de raiz ou optar por recuperar. “As recuperações estavam muito cono-tadas com um universo tosco, pouco sofisticado e profissional. Mas os materiais com que me cruzava eram o oposto”, lembra. Assim, há quatro anos, criou a marca REC – Recycled Clothing. Passou a fazer peças per-sonalizadas, sobretudo para “pessoas que compraram coisas boas e querem adaptá-las às necessidades e estética actuais. Que criam relações de pro-ximidade com a roupa, estimam-na e querem perdurá-la”. Muito per-feccionista, considera que cada peça deve ficar impecável. “Os aviamentos (fechos, botões, forros), por exemplo, são todos novos”. Paralelamente, vai criando uma colecção de pronto a vestir que resulta da triagem de roupa que clientes, amigos e conhecidos lhe vão dando. “O meu ateliê quase parece uma enorme lixeira”, conta a rir. Faz a selecção das peças e tecidos,

envia tudo para lavar e, “como em qualquer outra colecção, crio um conceito, uma imagem e uma definição de silhueta”. Reconhece que o processo de construção exige mais tempo: “Desenhar peças destas é ter vários pontos de partida, o que permite fazer roupas até esteticamente mais exuberantes e divertidas”. Joana Teodoro mostra-se satisfeita com

a opção que tomou: “É assustadora a percentagem do lixo têxtil que não se degrada e é chocante o aumento exponencial dos últimos anos. Não sendo uma ambientalista estruturada, acho que faz todo o sentido perceber como, na minha profissão, posso não só construir de raiz mas também aproveitar o que já está feito”.RAgradecimento à loja Arte Assinada, em Lisboa.

A designer Joana Teodoro criou a marca REC - Recycled Clothing. Percebeu desde cedo que na sua profissão faz todo o sentido aproveitar o que já está feito.

“DESENHAR NOVAS PEÇASA PARTIR DE ROUPAS

USADAS PERMITE UM RESULTADO MAIS

EXUBERANTE E DIVERTIDO”

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TENDÊNCIAS ECO

Como é que a transformação de roupas pode mudar a vida de pessoas? Helena Antónia Silva encontrou uma resposta aparentemente simples. For-mou um clube de costura de mulheres com mais de 50 anos, que não estão na vida activa e que precisavam de uma motivação para saírem de casa. “A missão do projecto é promover a inte-gração daquelas pessoas que estão no limbo: já são consideradas velhas para trabalhar mas ainda são muito novas para não fazer nada”, esclarece Helena. De momento são 25, o objectivo é su-bir este número para 100, até Junho, e terminar o ano com 200. “A dinâmica de cumplicidade, confidência, a criação de laços profundos é fantástica. Elas gostam de ir ao Clube para se divertir, falar com as amigas, trocar receitas, cantar o fado… A costura é mesmo um pretexto”, conta-nos a mentora do Vintage for a Cause. E exemplifica: “Têm acontecido coisas espectaculares, como uma pessoa que não saía de casa desde que o marido faleceu e que agora nunca falta e passou a falar pe-los cotovelos”. Curiosamente, a grande maioria não sabia costurar. O acon-selhamento de estilistas e designers como Katty Xiomara e André Gandra foi uma grande mais-valia. As transformações das roupas são feitas em equipa e as peças vão passando de mão em mão. Tudo é feito com os materiais existentes e, muitas vezes, duas peças resultam numa. O resultado final são peças vinta-ge únicas, que são vendidas em feiras e lojas no Porto. Na etiqueta, conta-se a história da peça, de onde veio e

quem a transformou. “Elas adoram, ficam mesmo orgu-lhosas quando vêem o seu nome na etiqueta”, partilha Helena. E assim se descobre mais uma vantagem desta tendência eco: ao darem uma nova hipótese a roupas usadas, mulheres comuns transformam-se em criadoras improváveis, reciclando também as suas vidas.R

Vintage for a Cause

O Clube de Costura Vintage

for a Cause produz peças

vintage únicas, que já foram

apresentadas em sessões

fotográficas profissionais e até em desfiles-leilão,

na zona do Porto

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HORTAS EM CASASEGUNDO O FILÓSOFO CÍCERO, “SE TEMOS UMA BIBLIOTECA E UM JARDIM TEMOS TUDO”. MAS SE É FÁCIL, NOS DIAS DE HOJE, TER UMA COLECÇÃO DE LIVROS, O MESMO NÃO É VERDADE QUANTO AO JARDIM. ALIÁS, NÃO ERA! COM AS TRÊS SOLUÇÕES QUE A RECICLA LHE APRESENTA, QUALQUER UM PODE CULTIVAR, NÃO UM JARDIM, MAS PELO MENOS UMA MINI HORTA. Texto Ana Sofi a Rodrigues

Fotos Cedidas

LIFE IN A BAG“Plantar os nossos próprios alimentos é uma experiência muito positiva e relaxan-te. E ao utilizarmos técnicas e produtos de origem biológica conseguimos obter ervas aromáticas e vegetais muito mais saborosos e sempre frescos”. Alexandra Silva e Pedro Veloso mostram-se encantados com as experiências hortícolas que começaram há cinco anos em

casa, em Vila Nova de Famalicão. Com espí-rito empreendedor, pensaram numa gama de produtos que permitisse a pessoas sem jardim ou conhe-cimentos de agricultura replicarem a mesma expe-riência positiva. As soluções Life in a Bag incluem tudo o que é necessário para culti-var. “Por vezes compramos as sementes numa loja, mas chega-mos a casa e não temos

um vaso ou não temos substrato e é o sufi ciente para irmos adiando o cultivo. Assim não há desculpas”. O Grow Bag inclui um saco impermeável reutilizável, sementes biológicas (salsa, coentros, manjericão, rúcula ou chagas), substrato orgânico, argila expandida e instruções para

cultivo. O Grow Box é uma caixa em inox, com tampa de cortiça, substrato, sementes biológicas (rabanete, brócolos, rúcula, agrião ou beterraba), marcadores e instruções. O Grow Cork é um pote em cortiça, com bolas de argila, substrato, sementes biológicas e

instruções. “Os clientes, mesmo aqueles sem ‘mão verde’, têm-se mostrado muito satisfeitos em relação ao aspecto

fi nal dos produtos, à facilidade de uso e à taxa de sucesso do cultivo”, revela Alexan-dra. E acrescenta: “O ‘faça você mesmo’ sem complicações é uma terapia. Quando resulta, eleva a auto-estima. Não imagina a alegria que é, para algumas pessoas que nunca mexeram na terra, verem nascer o

‘seu’ manjericão ou os ‘seus’ coentros!”(www.lifeinabag.pt)

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ECO-EMPREENDEDORES

STUFAMiguel Guedes Ramos tem formação em design gráfi co e fotografi a. A irmã, Rita, é especialista em Ciências do Ambiente. O gosto de trabalharem juntos e “a vontade de desenvolverem algo que mudasse o dia-a-dia dos portugueses” levou-os a criarem, há ano e meio, os kits STUFA. Miguel considera que o grande ponto forte é o livro que os acompa-nha: “A informação é simples, nada técnica e muito completa. Focamos o que são as ervas aromáticas e os microgreens, a história de como chegaram a Portugal, os seus benefícios para a saúde, damos indicações sobre o vaso a escolher, instruções sobre como cultivar, regar e colher e associamos três recei-tas a cada erva”. As receitas são originais e resultam

de uma parceria com os restaurantes Pedro e o Lobo e Decadente e com as lojas Liquid. Por agora, comercializam dois kits: Mediterranean Herbs e The Chef’s Garden Kit. O primeiro inclui sementes de manjericão, salsa e coentros e o segundo sementes microgreens de mostarda e rúcula. Nos dois encon-tramos o tal livro, etiquetas de madeira reutilizáveis e substrato vegetal. “A conservação é fácil, mas não é automática. Temos que ter algum tempo, não muito, para elas. Quanto? Um minuto por dia chega. É só regar e tirar uma coisa ou outra que esteja a mais”, explica Miguel. E quanto tempo demoram a crescer? “A salsa, os coentros e o manjericão levam cerca de dois meses até estarem prontos para colheita, mas os microgreens precisam apenas de

duas a três semanas”, esclarece. No futuro, gostariam de lançar mais variedades de sementes, incluir vasos com sistema de auto-rega, criar uma aplicação para telemóvel e até criar edições especiais com plantas típicas de certas zonas do país ou do mundo. “As pessoas da nossa geração perderam o contacto

com a terra. Os nosso kits trazem um pou-co dessa experiência para a cidade. Esperamos

que funcionem como um despertar para hábitos mais verdes”.(stufaconcept.pt)

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ECO-EMPREENDEDORES

MY LITTLE GARDEN“Perguntam-me: É engenheiro agrónomo? E eu res-pondo: Não, sou idiota! Inventei isto para fu-gir à rotina diária, ao stresse do trabalho e dá-me muito gozo”, revela com humor Anthony Carter, o autor dos produtos My Little Garden. Em part time, desenvolveu assim o Bottle Kit e o Window Bottle Kit, que aliam o conceito de reciclagem a eco-design e alimentação saudável. Ambos dão nova vida a garrafas de vinho, que se transfor-mam em vasos de cultivo. Contêm subs-trato, saco com pedras de argila expandida, sementes genuínas e certifi cadas como não tratadas (salsa, coentros, manjericão, manjericão vermelho, cebolinho e hortelã), um pavio de fi bra natural e instruções de montagem. O Window Bottle Kit encaixa num suporte de aço inoxidável, sustenta-do por uma ventosa que permite a sua

colocação em vidros, ou por um grampo para aplicação em paredes. Para dar vida a estes kits, Anthony montou uma cadeia de boas vontades, que ainda dá mais valor ao projecto. As garrafas são recolhidas em restaurantes da zona de Leiria. A lavagem e remoção dos rótulos é efectu-ada pelos utentes da O.A.S.I.S (Organização de Apoio e Solidariedade para a Integração Social de pessoas com defi ciência). A montagem fi nal dos kits é feita por um grupo de reclusos do Estabelecimento Prisional de

Leiria. “É muito gratifi cante perceber que algo tão simples pode fazer grande diferença no

dia-a-dia de tantas pessoas. Mas não lhes estou a fazer nenhum favor: sem eles não tinha capacidade de produ-

ção. Estamos a ajudar-nos mutuamente!”, esclarece Anthony. Sente que os seus clientes são pessoas especiais, “sensíveis às questões ambientais e que percebem que é possível fazer uma peça nobre de

algo que iria para o lixo”. E acrescenta: “Não sou fundamentalista do eco, mas

com estes produtos consigo provar que é possível fazer negócio de forma susten-tável”.(www.my-little-garden.com)

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Dinis Sousa foi o mentor da Orquestra XXI, projecto que

conquistou o primeiro lugar na edição 2013 do Programa FAZ

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ATITUDE

ELES PENSAM E FAZEMO PROGRAMA FAZ – IDEIAS DE ORIGEM PORTUGUESA, É UMA INICIATIVA DA FUNDAÇÃO GULBENKIAN QUE DESAFIA OS PORTUGUESES QUE VIVEM FORA DO PAÍS A GERAREM IDEIAS COM IMPACTO SOCIAL EM PORTUGAL. A RECICLA FOI CONHECER OS VENCEDORES DA ÚLTIMA EDIÇÃO.Texto Ana Sofia Rodrigues

Fotos Francisco Rivotti (entrada) e Filipe Pombo/AFFP

“Hoje, no mundo global, já não há o cá e o lá. O que temos são 15 milhões de portugueses com uma cultura e identi-

dade próprias e ligação forte a Portugal. Dez milhões es-tão em território português e cinco milhões espalha-

dos por todo o mundo. Estes últimos representam um activo incalculável para o país”, pode ler-se

no site de apresentação do programa FAZ – Ideias de Origem Portuguesa.

Esta iniciativa da Fundação Gulbenkian procura,

assim, ser um catalisador

de

ideias com impacto social para Portugal, nas áreas do am-biente, sustentabilidade, inclusão social, diálogo cultural e envelhecimento, criando condições, em termos de conheci-mento, rede e financiamento, para que sejam implementa-das. Em 2013, na segunda edição do FAZ, candidataram-se 80 projectos. A RECICLA dá-lhe a conhecer os três vence-dores.

ORQUESTRA XXINunca, como hoje, houve tantos e tão bons músicos portugueses pelo mundo, mas “com as suas carreiras fora do país deixam de ter oportunidade de voltar a Portugal para tocar. É um processo natural, mas uma das grandes vantagens do nosso projecto é contrariar isso”, resume com orgulho Dinis Sousa, o mentor do projecto que mereceu

o primeiro lugar da última edição do FAZ. A Orquestra XXI reúne 50 músicos portugueses que tocam nas

melhores orquestras de todo o mundo e que, numa iniciativa inédita, voltam a Portugal para tocar juntos em digressão. Esta ideia surgiu um ano antes de Dinis saber da existência do concurso. Em animada conversa com o compositor Manuel Durão, surgiu-lhe de repente a inspiração. Con-tactou os músicos, pensou no reportório, marcou os concertos, “pedimos apoios em todo o lado, mas nada”, recorda. Até que uma amiga lhe enviou um e-mail sobre o FAZ. Ao tomar conhecimento do concurso, pensou: “Foi mesmo feito para nós!” Juntou-se a Ricardo Gaspar, João Seara e Diana

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ATITUDE

Ferreira, concorreram, foram selecio-nados e ganharam. “Fomos o primeiro projecto de música a concorrer nos dois anos do programa. Pensámos que seria uma desvantagem, mas se calhar, como éramos completamente diferentes, acabou por funcionar a nosso favor”. Com o apoio do prémio, logo em Setembro concretizaram a primeira digressão. “Tivemos só quatro dias para ensaiar e estive-mos quatro dias a tocar. Foi muito intenso e cansativo mas os músicos mostraram energia e motivação para continuar”, conta entusiasma-do. Confessa que estava com medo que ninguém aparecesse no primeiro concerto no Mosteiro de Tibães, em Braga, mas o local encheu com 600 pessoas. No Porto, a emoção foi ainda maior: “É difícil de acreditar, entrar na Casa da Música e ver a sala cheia!” Simbolicamente, a primeira peça que tocaram em todos os concertos foi escrita de propósito pelo compositor Manuel Durão, o tal que estava com

Dinis quando ele teve a ideia. Fizeram questão de escolher também uma peça de Lopes Graça: “Às vezes há uma tendência de se desprezar o que se faz em Portugal e a nossa música não fica atrás da de outros países. Tivemos compositores excelentes que deixaram de ser tocados em Portugal”.

No dia 10 de Abril a Orquestra XXI estará de regresso, fazendo com que Portugal se enriqueça culturalmente ao usufruir do seu talento.

FRUTA FEIA“Gente bonita come fruta feia”. Foi este o mote que guiou Isabel Soares, enge-nheira do ambiente que vivia em Bar-celona, quando se candidatou ao FAZ.

Mais de 30% da fruta produzida em Portugal é desperdiçada pois, apesar de saborosa e de qualidade, não cum-pre os critérios estéticos do mercado. O projecto Fruta Feia pretende comba-ter esta ineficiência. “É uma coopera-tiva de consumo que pretende escoar os produtos directamente dos agricul-tores para os consumidores. Produtos que são desperdiçados por razões estéticas, como forma, cor e calibre”, resume Inês Ribeiro. Inês faz parte da equipa inicial do projecto, à qual já se juntaram cerca de 10 voluntários. A cooperativa, em funcionamento desde Novembro do ano passado, conta já com 150 sócios e uma lista de espera de mais 200. “Todas as segundas-fei-ras de manhã vamos buscar os produ-tos aos agricultores e à tarde fazemos os cabazes e distribuímos pelos sócios, na Casa Independente, no Intendente, em Lisboa”. Confessam terem ficado surpreendidos com a adesão tão rá-pida. “Na carrinha já não cabem mais coisas!” Querem replicar o projecto

OS PROJECTOS VENCEDORES

RECEBERAM NO TOTAL 50 MIL EUROS

Margarida Marques, Mariana Paisana, Sara Brandão e Marta Pavão são amigas e arquitectas. Querem revitalizar os pisos térreos encontrando novas opções de ocupação

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ATITUDE

noutras zonas de Lisboa e do país. “Esperamos, em Março, já ter outra delegação em Lisboa, noutro bairro e noutro dia da semana. Queremos que o projecto se espalhe e não que se torne muito grande só num ponto da cidade”. A constituição dos caba-zes é sempre surpresa e alegram-se de já terem conseguido acabar com o desperdício de alguns pequenos produtores da zona Oeste. “Os sócios estão a gostar imenso pois as frutas e legumes são muito frescos e a um preço mais barato”. Uma ideia aparen-temente tão simples contribui, assim, para dar uma solução a uma questão com consequências não apenas éticas mas também ambientais. O desperdí-cio alimentar envolve o gasto desne-cessário de recursos como a água, os terrenos e energia e a decomposição dos alimentos não consumidos resulta na emissão de metano e dióxido de carbono para a atmosfera.

RÉS-DO-CHÃOMargarida, Mariana, Marta e Sara já trabalharam nos quatro cantos do mundo. Todos os anos voltavam a Portugal e, com o seu olhar de arquitectas, assistiam “ao esvazia-mento progressivo das ruas. As lojas a fecharem e os espaços a ficarem degradados, desabitados e desativa-dos”, resume Marta Pavão. O desejo de trabalharem juntas e o conhe-cimento do concurso fê-las pensar numa solução para o problema que tinham vindo a detectar. “Identificá-mos claramente o esvaziamento dos

pisos térreos como uma questão com consequências evidentes ao nível do que é o espaço público”, conta Marta. E desenvolve: “Os pisos térreos muitas vezes são de propriedade privada mas têm uma responsabilidade social, que tem a ver com a questão da pre-servação da rua e da construção da imagem de um espaço que é colectivo.

É um espaço de propriedade indivi-dual que é responsável por construir cidade, segurança, dinâmicas, relações de vizinhança e proximidade”. O pro-jecto Rés-do-Chão pretende, então, dinamizar esses espaços com funções alternativas ao comércio tradicional. Nos países onde viveram conheceram projectos de sucesso de revitalização urbana, como lojas pop-up, espaços

de coworking, ateliês-loja, galerias, grupos de teatro… “Por exemplo, para uma pessoa que tenha um negócio e queira vender os seus produtos ape-nas num sábado por mês não é fácil existir um espaço para tal. Há várias pessoas interessadas nestes novos modelos de ocupação”, refere Marga-rida Marques. O Rés-do-Chão planeia criar uma plataforma intermediária entre proprietários e arrendatários, em colaboração com as autarquias e comunidade local. “Queremos criar maior consciência da importância que é ocupar estes espaços e mostrar novas soluções”, resume Margarida. Entretanto, apenas Mariana continua a trabalhar fora do país. “Este prémio deu-nos a oportunidade de voltarmos a Portugal e trabalhar para Portugal”, concluem com entusiasmo e vontade de começar a fazer o que pensaram.

A terceira edição do programa FAZ está em fase de período de candidatu-ras, que terminará a 31 de Março de 2014.R

O PROGRAMA FAZ CONVOCA IDEIAS

INSPIRADORAS PARA UM PAÍS MELHOR

A cooperativa de consumo Fruta Feia aproveita produtos

hortículas que habitualmente são desperdiçados apenas por razões estéticas. Já conta com 150 sócios e tem uma lista de

espera de mais 200

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E O PARAÍSOAQUI TÃO PERTO…

A SERRA DE SINTRA OFERECE UM PATRIMÓNIO NATURAL E CULTURAL INIGUALÁVEL. DESMISTIFICANDO A IDEIA DE NATUREZA INTOCÁVEL A GESTORA PARQUES DE SINTRA TEM INCENTIVADO OS VISITANTES A CONHECÊ-LA DE FORMA SUSTENTÁVEL. Texto Ana Sofia Rodrigues

Fotos Cedidas

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LAZER SUSTENTÁVEL

Não foi à toa que o escritor Vergílio Ferreira se referiu a Sintra como “o mais belo adeus da Europa quando enfi m encontra o mar”. A paisagem cultural de Sintra foi classifi cada pela UNESCO, em 1995, como Património Mundial. Integrada no Parque Natural de Sintra-Cascais e na Rede Natura 2000, é um ecossistema privi-legiado e único, que inclui valores naturais e culturais prioritários para conservação. “É ainda mais impressionante se pensarmos que há 150 anos não restavam muitas árvores na serra de Sintra! Em gravuras antigas, podemos ver como havia só penedos e solos estéreis sem vegetação!”, lembra Nuno Oliveira, director técnico para o Património Natural dos Parques de Sintra, entidade ges-tora de cerca de 45% da área considerada Património Mundial. E recorda: “Foi pela mão do rei D. Fernando II que houve um intenso processo de refl orestação, que conjuga o exótico com o autóctone. Não haverá muitas zonas no mundo onde essa convivência seja tão evidente”. A invulgar vegetação luxuriante deve-se ao clima distinto da sua envolvente: “É um regime de água, luz e temperatura que faz com que tudo se dê bem aqui!”. Na serra encontram-se espécies de todos os cantos do mundo, o que lhe confere um valor incalculá-vel. Em termos de fauna, é também privilegiada. “Temos um casal de águias-de-bonelli [espécie em perigo à escala nacional, da qual existe apenas este casal em Sintra], o lucanus cervus, que é o maior escaravelho da Europa, espécies mais comuns mas que aqui são muito abundantes como salamandras, tritões e anfíbios, morcegos e, só em Monserrate, foram identifi cadas mais de 20 espécies de libélulas”, destaca Nuno Oliveira.

PRÉMIOS E DESAFIOSA Parques de Sintra gere uma área de 550 hectares. Inclui lo-cais tão emblemáticos como os Parques e Palácios da Pena e de Monserrate, Castelo dos Mouros, Convento dos Capuchos ou Palácio Nacional de Sintra. O ano de 2013 “será difícil de igualar” em termos de reconhecimento das suas práticas de gestão: ganharam o prémio World Travel Award para Melhor Empresa do Mundo em Conservação; o Prémio União Europeia para o Património Cultural/Europa Nostra na categoria de Conservação – Projecto de recupe-ração dos Jardins e Chalet da Condessa d’Edla; o Prémio European Garden Award na categoria de Melhor Desenvolvimento de um Par-que ou Jardim Histórico – Parque de Monserrate. O maior desafi o centrou-se no controle das espécies invasoras, sobretudo acácias. “É um trabalho que não tem fi m!”, conta Nuno Oliveira. E alerta: “É uma grande ameaça à biodiversidade e aos valores naturais da serra”. Em 2013, concluíram cerca de 120 hectares de refl orestação com espécies autóctones, como medronheiro, sobreiro e carvalho português. O temporal de 19 de Janeiro (de 2013) foi também um revés: “Temos equipas há mais de um ano a trabalhar na reposição do cenário antes tempestade!” Com um milhão e 700 mil visitantes por ano, os Parques de Sintra têm razões para se congratular com o trabalho de conservação e dinamização efectuado. Nuno Oliveira conclui: “Queremos desmistifi car a ideia de natureza intocável. Que-remos ter cada vez mais pessoas a visitar os nossos parques, mas de forma sustentável”.R

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LAZER SUSTENTÁVEL

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Visitas sustentáveisInês Moreira, coordenadora do Projeto Bio+Sintra, destaca oito conselhos para uma visita sustentável:1. Usar a calculadora de viagem disponível no site da Parques de Sintra, que faz uma estimativa da pegada de carbono da sua visita;2. Experimentar os percursos pedestres, usando a aplicação para smartphones Talking Nature (informações multimédia sobre os habitats e espécies em destaque);3. Alugar uma bicicleta eléctrica na vila a que pode juntar um bilhete combinado para entrada nos Parques;4. Participar num workshop ecológico, sobre temas como: “Construção de caixas de abrigo para anfíbios”; “Estudo do ecos-sistema água”; “Elaboração e colocação de comedouros para aves”; “Anilhagem de aves”;5. Visitar a Quintinha Fora da Rede, onde está instalado um conjunto de energias renováveis (solar, eólica e hidráulica) que a abastecem e a tornam auto-sufi ciente; 6. Trocar o carro por um passeio a cavalo pelos circuitos próprios na serra;7. Conhecer o totem da Quintinha de Monserrate, uma escultura feita a partir do tronco de um velho eucalipto, que repre-senta os valores naturais da serra;8. Participar em acções de voluntariado de preservação do património, como limpeza de infestantes e plantação de árvores.Mais informações sobre estas e outras actividades em www.parquesdesintra.pt e http://biomaissintra.parquesdesintra.pt

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SUSTENTABILIDADEÉ...

Projecto 80 na estrada O Projecto 80 desafia os jovens dos 13 aos 17 anos a apresentarem projectos que fomentem o empreendedorismo, a economia verde, a protecção do ambiente, a cidadania e o voluntariado. A Sociedade Ponto Verde é um dos patrocinadores desta iniciativa, que visitará 18 escolas de 18 cidades, num roadshow divertido e pedagógico. Os jovens são desafiados a reescrever a letra da música dos Azeitonas Ray-dee-oh. As palavras smartphone, synchronize, stereo ou download, entre outras, darão lugar a vocabulário do universo da reciclagem e da preservação do ambiente. No final, cada equipa gravará um videoclip com a sua proposta criativa. Os vídeos serão disponibilizados no Facebook para ser escolhido o melhor de cada escola.R

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Ídolo da defesa ambientalFilipe Pinto venceu o concurso Ídolos em 2009. Apaixonado pela música, mas também pelo ambiente, o cantor acaba de lançar o projecto O Planeta Limpo do Filipe Pinto. Em parceria com a Betweien (spin-off da Universidade do Minho especializada na criação e desenvolvimento de conteúdos educativos), criou um livro, um CD de originais, um jogo digital e um DVD. Este projecto pretende ser um importante apoio para pais e profissionais que queiram trabalhar com as crianças as questões ambientais e da sustentabilidade. A história retrata uma viagem, repleta de aventuras, ao planeta imaginário do jovem músico Filipe, através da qual o leitor toma conhecimento do impacto negativo que algumas acções humanas têm sobre a sobrevivência de todos os seres vivos. À venda em www.oplanetalimpodofilipepinto.com.R

Primeiro portal eco social O portal Naturfun (www.naturfun.pt) promove e comercializa produtos e serviços ambientalmente relevantes a preços mais baixos do que no mercado. Com o extra de partilhar as receitas geradas com instituições de solidariedade social e com os próprios utilizadores do portal. É assim um projecto que intervém nos três eixos essenciais da sustentabilidade: ambiente, economia e sociedade, razão pela qual é considerado um portal eco social.R

Prenda para a vida“Os dois maiores presentes que podemos dar às nossas crianças: um são raízes; outro são asas. Plante árvores e estará a dar-lhes ambos”. Esta é a forma como a Associação Plantar Uma Árvore apresenta a sua iniciativa Prendas para a Vida. A ideia é muito simples: juntar um grupo de amigos, no aniversário do seu filho, para uma acção conjunta de plantação de árvores. Os participantes podem voltar ao local sempre que desejarem, para acompanhar o seu crescimento e cuidar delas. “Dê o que de mais precioso a Natureza pode providenciar: ar, alimento e lugar à imaginação e à felicidade”. A actividade inclui acompanhamento com monitor, árvores, ferramentas e certificado. Mais informações: [email protected]

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Ambiente: um desafio para o seu negócio,

uma aposta no futuro.A Ponto Verde Serviços é o parceiro certoda sua empresa para a área do Ambiente.

Com um profundo conhecimento da realidade empresarial, a Ponto Verde Serviços disponibiliza um leque alargado de soluções de consultadoria ambiental

adaptadas a cada tipo de actividade económica, e oferece apoio integrado no âmbito da gestão de resíduos e do mercado voluntário de carbono, bem como ao nível da gestão

de embalagens para empresas exportadoras. Numa verdadeira aliança entre ambiente e sucesso empresarial, a Ponto Verde Serviços

ajuda a sua empresa a atingir os indicadores de sustentabilidade ambiental mais determinantes para um desempenho excelente rumo a uma economia verde.

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