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O Conceito de Especie no Curso Colegial Nas unidades concisas dos novos programas de Biologia, transparece a louvável intenção do legislador de indicar apenas os títulos gerais, deixando ao profes- sor - e obrigando-o quase a isto - a escolha e orga- nizaçâo detalhada da matéria, nos seus planos de curso e de aulas. Cresce a responsabilidade do mestre ao mesmo tempo gue sua liberdade didática. O programa não o acorrenta mais, e não mais justificará os defei- tos de orientação geral que surjam nos cursos. A melhor consegüência indireta desta situação será o interêsse com que o mestre Í.arâ a revisão de suas concepçóes metodológicas e o cuidado com gue afei- çoará a elas suas atividades didáticas. A Unidade III, que se refere à Genética, exige um bom plano didático, pois é de enorme importância e fàcilmente será tratada de modo inadeguado ao nível secundário. De [ato, o que apaixona o professor, deixa o aluno, em geral, indiferente, por falta de base. A ordenação lógica e a histórica, tão próprias na univer- sidade, devem ceder à gue melhor se coadune com os interêsses do colegial; por exemplo, o mendelismo será explicado, não com ervilhas cultivadas na Morávia, no século passado, mas com os olhos azuis ou pretos dos alunos presentes e de suas famílias. Tôda atenção deve ser dispensada à discussão e esclarecimento de certos conceitos fundamentais, tão Íamiliares aos professôres gue muitas vêzes são empregados como se fôssem conhe- cidos dos alunos; tais como os de espécie, adaptação, evolução e herança. Não irei cair no êrro de apresentar aos professô- res, minuciosamente e em tom dogmático, um plano didático; pois o plano vale mais por obrigar o autor, enguanto o organiza, a pensar sôbre os problemas da turma real, do gue por servir de norma de ação durante as aulas. Àlém do gue, êle se deve ajustar aos fatôres variáveis de cada turma e de cada professor. Apenas pretendo, num exemplo concreto, f.azer ressaltar cer- tos princípios gerais gue - êstes sim - nunca deve- riam ser transgredidos. Enunciemo-los sumàriamente sem justificá-los, pois, conquanto os vejamos a cada Osver,oo Fnora Prssoa Professor do Instituto de Educação, do Rio de Janeiro passo desrespeitados na prática - e mesmo nos melho- res colégios - são geralmente aceitos, guando se trata de simples considerações teóricas: l. "O ensino da botânica sem plantas e o da zoologia sem animais são crimes cometidos contra a inteligência das crianças". - Brucker. 2. O ensino deve ser uma introdução ao traba- lho científico e não uma simples exposição de resulta- dos, pois os métodos são, do ponto de vista educacional, tão importantes como os resultados a que conduzem. 3. Os nomes são símbolos que fazem os alunos recordar coisas e fatos, se os conhecem ,e imaginar absurdos em caso contrário. 4. A descrição dos sêres e dos fatos não subs- titui seu exame direto, porque, por melhor gue seja, não pode Íornecer a complexa informação sensorial que é o núcleo do conhecimento. 5. As noções práticas, sendo os alicerces, têm de vir em primeiro lugar. As demonstrações práticas, feitas depois da exposição teórica, não a podem sal- var de ter soado no vácuo. 6. O professor não se deve interpor entre o alu- no e a Natureza, cuidando funcionar como intérprete; deve, ao contrário, f.azê-lo aprender a língua da Natu- reza pelo método direto. 7. A "História Natural" é o estudo da Natu- teza e não do livro gue tem êste nome. 8. Melhor que aulas ditadas são aulas mimio- grafadas; melhor que estas são as impressas; melhor que as impressas são os bons livros ilustrados. Mas, por serem êstes insuficientes, existem aulas. Não é, então, um contrassenso dita-las? 9 . As definições e os enunciados de leis, dados aprlorí, dificultam a compreensão, porque prendem o espírito à forma e o distanciam do fato. Se quiser- des que uma turma não compreenda, na sua essência, as leis de Mendel, começai a aula por enunciá-las. 26 REVISTÀ DO MUSEU NÀCIONÀL

O Conceito de Especie no Curso Colegial · tão importantes como os resultados a que conduzem. 3. Os nomes são símbolos que fazem os alunos recordar coisas e fatos, se já os conhecem

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Page 1: O Conceito de Especie no Curso Colegial · tão importantes como os resultados a que conduzem. 3. Os nomes são símbolos que fazem os alunos recordar coisas e fatos, se já os conhecem

O Conceito de Especie no Curso Colegial

Nas unidades concisas dos novos programas deBiologia, transparece a louvável intenção do legisladorde indicar apenas os títulos gerais, deixando ao profes-sor - e obrigando-o quase a isto - a escolha e orga-nizaçâo detalhada da matéria, nos seus planos de cursoe de aulas. Cresce a responsabilidade do mestre ao

mesmo tempo gue sua liberdade didática. O programanão o acorrenta mais, e não mais justificará os defei-tos de orientação geral que surjam nos cursos.

A melhor consegüência indireta desta situação será

o interêsse com que o mestre Í.arâ a revisão de suas

concepçóes metodológicas e o cuidado com gue afei-

çoará a elas suas atividades didáticas.

A Unidade III, que se refere à Genética, exige umbom plano didático, pois é de enorme importância e

fàcilmente será tratada de modo inadeguado ao nívelsecundário. De [ato, o que apaixona o professor, deixao aluno, em geral, indiferente, por falta de base. Aordenação lógica e a histórica, tão próprias na univer-sidade, devem ceder à gue melhor se coadune com os

interêsses do colegial; por exemplo, o mendelismo seráexplicado, não com ervilhas cultivadas na Morávia, no

século passado, mas com os olhos azuis ou pretos dosalunos presentes e de suas famílias. Tôda atenção deveser dispensada à discussão e esclarecimento de certosconceitos fundamentais, tão Íamiliares aos professôresgue muitas vêzes são empregados como se fôssem conhe-cidos dos alunos; tais como os de espécie, adaptação,evolução e herança.

Não irei cair no êrro de apresentar aos professô-res, minuciosamente e em tom dogmático, um planodidático; pois o plano vale mais por obrigar o autor,enguanto o organiza, a pensar sôbre os problemas daturma real, do gue por servir de norma de ação duranteas aulas. Àlém do gue, êle se deve ajustar aos fatôresvariáveis de cada turma e de cada professor. Apenaspretendo, num exemplo concreto, f.azer ressaltar cer-tos princípios gerais gue - êstes sim - nunca deve-riam ser transgredidos. Enunciemo-los sumàriamentesem justificá-los, pois, conquanto os vejamos a cada

Osver,oo Fnora PrssoaProfessor do Instituto de Educação, do Rio de Janeiro

passo desrespeitados na prática - e mesmo nos melho-res colégios - são geralmente aceitos, guando se tratade simples considerações teóricas:

l. "O ensino da botânica sem plantas e o dazoologia sem animais são crimes cometidos contra ainteligência das crianças". - Brucker.

2. O ensino deve ser uma introdução ao traba-lho científico e não uma simples exposição de resulta-dos, pois os métodos são, do ponto de vista educacional,tão importantes como os resultados a que conduzem.

3. Os nomes são símbolos que fazem os alunosrecordar coisas e fatos, se já os conhecem ,e imaginarabsurdos em caso contrário.

4. A descrição dos sêres e dos fatos não subs-titui seu exame direto, porque, por melhor gue seja,não pode Íornecer a complexa informação sensorialque é o núcleo do conhecimento.

5. As noções práticas, sendo os alicerces, têmde vir em primeiro lugar. As demonstrações práticas,feitas depois da exposição teórica, não a podem sal-var de ter soado no vácuo.

6. O professor não se deve interpor entre o alu-no e a Natureza, cuidando funcionar como intérprete;deve, ao contrário, f.azê-lo aprender a língua da Natu-reza pelo método direto.

7. A "História Natural" é o estudo da Natu-teza e não do livro gue tem êste nome.

8. Melhor que aulas ditadas são aulas mimio-grafadas; melhor que estas são as impressas; melhorque as impressas são os bons livros ilustrados. Mas,por serem êstes insuficientes, existem aulas. Não é,

então, um contrassenso dita-las?

9 . As definições e os enunciados de leis, dadosaprlorí, dificultam a compreensão, porque prendem oespírito à forma e o distanciam do fato. Se quiser-des que uma turma não compreenda, na sua essência,

as leis de Mendel, começai a aula por enunciá-las.

26 REVISTÀ DO MUSEU NÀCIONÀL

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lO. "As demonstrações ,ào d"r"rn ser ilustra-ções passivas comparáveis às figuras de um livro, usa-das como testemunho do gue escreve o autor ,mas simproblemas vivos, cuja compreensão e solução exijama aguisição de certos fatos, a descoberta de causas e

efeitos, e a indução e aplicação de princípios". - Mil-ler I Blaydes.

REoRGANIzÀçÃo DÀ naerÉnrA - As três unidadesque formam a parte de Biologia Geral do novo pro-grama são idênticas para os cursos clássico e cientí-fico. A Unidade I trata do "Conjunto dos sêres vi-vos", a II da "Organização dos sêres vivos" e a III,da qual nos ocuparemos, é assim redigida:

"Unidade III - A espécie como unidade dos sê-res vivos: 1. Caracteres da espécie. 2. Flutuaçóes e

mutações. 3. Hereditariedade e leis de Mendel. 4.Estudos de Morgan; genes e cromosomas'.

Podemos reorganizar a matéria, detalhando-a, doseguinte modo:

I. A hierarquia sistemática (2 aulas):

1. Noção prática sôbre os grupos taxionômicose as regras de nomenclatura.

2. A espécie: noção prática; o critério do cru-zamento fértil; o critério morfológico.

3. Sub-espécies e raças.

II. Hibridismo (2 aulas):

1. A noção prática de hibrido: caracteres domi-nantes e recessivos; híbridos intermediários.

2. A disjunção.

3. A independência.

4. O hibridismo experimental: os trabalhos deMendel.

III. A hereditariedade (4 aulas):

1. Miose; gametos; fecundação.

2. Explicação citológica das leis de Mendel: os

genes.

3. "Linkage"; "crossing-over"; mapas cromosô-micos e cromosomas gigantes.

IV. A eoolução das espécies (3 aulas):

I . Apresentação geral do problema.

2. Variações somáticas e mutações.

3. Seleção natural; mecanismos de isolamento.

4, Conceito genético de espécie, raça e sub-espécie.

Embora não esteja explicita nesta unidade a evo-lução das espécies, uma primeira referência deve serfeita ao seu mecanismo no fim da genética, de tal modo

estão ligados os dois assuntos. Seu estudo mais com-pleto - com as provas clássicas, uma alusão às teo-rias transformistas e uma revisão de seu mecanismo -será Íeito na última unidade do curso.

Terminado o estudo da unidade, duas aulas se-rão dedicadas a exercícios práticos e teóricos para re-visão, fixaçáo e verificação,da aprendizagem.

PREPARo Do MÀTERIAT - Uma das maiores van-tagens do planejamento do curso é a possibilidade de,

com tempo, providenciar o professor o material neces-sário. Mesmo nos colégios que correspondem sobe-

iamente às exigências do Ministério da Educação, é omaterial fresco arranjado pelo mestre, ou suas cole-

ções particulares, pequenas mas funcionais, que 'fazem

a eficiência das aulas. Esta função - de perpétuoagenciador de material - é uma das grandes sobre-cargas que pesam sôbre o professor de História Na-tural, e que seus colegas de outras matérias não podemcalcular quanto tempo, trabalho e tirocínio exige. Éela, entretanto, gue lhe traz as maiores alegrias, porelevar seu curso ao mais alto nível de eficiência. Estaárdua tarefa poderá ser muito amenizada, se uma orga-nização inteligente e definitiva substituir as improvi-zações de última hora. Neste sentido as seguintes me-didas serão de grande valor:

l. Influenciar a diretoria do colégio para que,em vez de material ornamental, com empalhados vis-tosos, modelos em massa e guadros murais estrangei-ros, de mínimo valor didático, adquiram, sob a orien-tação do professor, aparelhagem realmente úitl, como:

a) um aquário de faces planas de vidro €Íl âr-mação metálica, a ser povoado de peixinhos, girinos,moluscos e plantas aguáticas, pelos alunos;

b) caixas para pequena coleção de insetos;

c) caixas, papel e prensas de sarrafo, para umpequeno herbário;

d) frascos e líquido conservador;

e) gaiolas para peguenos mamíferos.

2. Organizar coleções particulares de materialmais delicado e raro, para demonstrações.

3. Organizar no colégio (ou em casa) um hortocom as plantas mais necessárias para demonstraçõescitológicas, histológicas, morfológicas e sistemáticas.Fazer um inve.ntário dos locais onde encontrar vege-tais não existentes no horto, e gue possam sêr Decês-sários.

4. Estabelecer relaçóes com as instituições deauxílio ao ensino, como o Museu Nacional, para €m-préstimo de filmes e diapositivos e para informaçõestécnicas de gualguer ordem.

5. Escolher locais adequados para excursões.

6. Prever, no plano de curso feito no início doano, o material gue dependa de providências tomadascom antecedência.

ÀGôSTO, 194íl 27

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O rtVno E os ÀPoNTÀMENToS - Enquanto nossos

livros didáticos mantiverem o frio estilo expositivo-in-formativo das enciclopédias, só poderão ser Êmprega-

dos como meros auxiliares na fixação da aprendizagem.Não os podemos incluir num plano que exija do livroestímulo às observações individuais e ao raciocínio pró-prio ,e adequação ao nível e às necessidades dos

alunos. Tais qualidades, preocupação fundamental dos

autores norte-americanos, tiveram uma introdução pro-missora em alguns dos nossos livros de Ciências doprograma antigo, infelizmente não seguiram êste ani-mador precedente os primeiros livros de Ciências do

programa novo, escritcs na ânsia de alcançar os pri-meiros postos na ordenaçáo cronológica, arriscando-se,embora, aos últimos, na classificação por merecimento.

Quanto aos livros feitos para as turmas de Biologia,ainda é cedo para julgá-lo, pois os primeiros mal aca-

bam de aparecer. Deve ser incentivada a leitura de

bibloteca, em livros não escritos especialmente para a

série, mas que sejam claros e corretos; alguns, confu-sos e cheios de êrros, devem ser explicitamente desa-

conselhados.

Quanto aos apontamentos, é necessário um árduotrabalho de reeducação do aluno, gue, quase sempre,

está viciado na detestável cópia literal do que diz oprofessor. Devem ser tomados apontamentos de ob-servaçóes individuais e das conclusóes que a turma ti-rará, guiada pelo mestre, no fim da aula. Fora disto,devem ficar os alunos com as mãos, os olhos e o ceré-

bro livres da obcedante preocupação de nada perder,que os transforma em uns pobres taquígrafos automá-ticos. Êste vicio freqüentíssimo - infelizmente muitasvêzes incentivado pelo prolessor ,_ ê dos que mais pre.judicam o ensino. Tais alunos, exclusivamente recepti-vos, ficam desarvorados se não dispõem das cópias de

aulas; é indispensável mostrar-lhes como estudar em

casa, pensando primeiro com a própria cabeça, escr€-

vendo as dúvidas irredutíveis, e só então recorrendoaos livros ou ao mestre para elucidá-las.

PRIMEIRA AULA

Teva ,- "A hierarquia sistemática".

On;euvos - Adquirem os alunos:

a ) uma noção empírica da hierarquia siste.

mática;

b) uma noção sôbre as principais regras de

nomenclatura.

c) conhecimento dos caracteres principais de al-gumas familias vegetais;

d) o conceito teórico clássico de espécie;

e) o hábito do trabalho em conjunto; atitudecientifica na resolução de problemas (observação cui-dadosa, generalização, indução de princípios, aceita-

ção de convenções úteis); confiança em si mesmo; habi-lidade no manuseio do material.

MoTIVÀçÃo - Será conseguida por:

a) uso de abundante e sugestivo material;

b) apresentação do assunto sob forma de proble-mas a resolver;

c) participação ativa da classe no exame do ma-terial e na discussão dos problemas.

MÀTERIAL - O professor reunirá, prêviamente, ra-mos floridos (a gue poderá juntar, em caso de dlfi-culdade de colheita, alguns bons exemplares de her-bário) de vegetais (de preferência de flores grandes)de algumas famílias fáceis de caÍacteÍízar. O mate-rial deverá conter exemplares, sendo alguns ern dupli-cata ou triplicata, de:

a) espécies de um mesmo gênero;

b) gêneros de uma mesma família;

c) espêcies de famílias diferentes;

d) variedades ou formas de uma mesma espé-

cie.

A leitura da "técnica didática" justificará estas

exigências, e o exemplo seguinte mostrará que não é

difícil satisfazê-las:a) Hibiscus rosa-sinensis e H. schizopetalis

(ou É/. tiliaceusl; Thumbergia grandiflora e T. alata;Cassia fistula e C. occidenúalis (ou C. grandisl.

b) Hibiscus, Slda e Pavonia (ou lIrena, ou

Gossypium); Solanum e Datura (ou Brunfelsia, ou Pe-

tunia, ou Nicotiana); Nerium, Allamanda e Vinca (ou

Plumiera).

c) Lilium longiflorum, Zantedeschia aethiopica.Ixora tubra, Dianthus cargophgllus, Antirrhinutt ff@-

jus, etc.

d) Nerium oleander branca e rosa (ou Hgdran-gea hortensía de várias côres, ou Hibiscus rosa-sinen.sis simples e dobrada ou Mirabilis jalapa de côres di[e-rentes )

É claro gue o material variará conforme as faci-lidades de colheita. Quanto mais abundante for o dos

itens a e ó, melhor. AlCm das citadas, não é difícilencontrat espécies congêneres em Tradescantia, Ci-trus, Euphorbia, Begonia, Solanum, Bougainvillea, etc.

Gêneros da mesma família serão encontrados com

facilidade entre as Liliáceas, Compostas, Euforbiá-ceas, Leguminosas, Rosáceas, Rubiáceas, Labiadas,

etc.

TÉcNrcÀ DrDÁTlcÀ - l. Sem nenhuma explicação,

o professor proporá simplesmente à turma que pro-

cure formar, com as amostras de vegetais, grupos pela

semelhança. Se a turma for pequena, todos trabalha-rão em conjunto em tôrno da mesa. Em turmas maio-

res, conforme as instalações de que se disponha e abun-

dância do material, pode-se adotar a divisão da turma

em grupos, trabalhando cada grupo numa mesa com

r( REVISTÀ DO MUSEU NÀCIONÀL

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material idêntico ao das outras, ou a escolha de umsó grupo que trabalhará, sendo o resto da turma con-sultado durante a fase seguinte, de discussão.

2. Os alunos talvez notem a possibilidade dedesmembrar grupos, ou reuní-los em grupos maiores.O professor encorajará tais arranjos com a conseqüenteformação de subgrupos dentro dos grupos. Termi-nada a tarefa, o professor discutirá com os alunos os

caracteres que lhes serviram de base, apontará seme-

lhanças e diferenças que lhes tenham passado desper-cebidas, aceitará e farâ sugestões para aperfeiçoamentodo trabalho, corrigindo-se assim os grupamentos malfeitos. Chegar-se-á, por fim, a grupos Çue represen-tarão famílias, gênerop ou espêcies.

3. Proporá, então, o professor, a classificação dosgrupos estabelecidos nestas três categorias, conformea amplitude, e um aluno irá escrevendo em três colunas,no quadro, os nomes científicos das famílias, gênerose espécies, que o professor lhe dará, reconhecida pela

turma a necessidade dêste batismo para facilitar otrabalho. Observarão os alunos que alguns grupospoderão ser considerados pequenos ou médios, outrosmédios ou amplos. Longe de negá-lo, insistirá o pro-fessor sôbre o fato e fará repetir, em mais de uma coluna,o nome do grupo sôbre o qual haja litígio, escrevendo aolado o nome do aluno mais fervoroso em defender-lheaquela posição. Ficará assim claro que o considerar-seum grupo mais ou menos amplo depende às vêzes doautor, o que se explica por existirem grupos de ampli.tudes intermediárias,

4. Durante a discussão dos grupos (item 2), oprofessor terá ressaltado dois ou três caracteres típicosdas famílias mais importantes, Íazendo-os escreverjunto aos respectivos nomes. Não perderá muito tem.po com a morfologia, mostrando apenas os órgãos e

chamando-os pelos seus nomes.

.5. Terminada a descriminação dos grupos pêlastrês categorias,'observarão os alunos que, na colunadas famílias, os nomes terminam em "áceas", enquantona das espécies, são compostos. Então o professor se

referirá às regras de nomenclatura, ilustrando-as com osnomes do quadro, e aproveitando os nomes de alunoslá escritos para justificar as citaçóes de autor e dataem seguida aos nomes científicos. Referir-se-á aosgrupos maiores e aos de uso facultativo.

6. São examinados em seguida, mais de perto, os

grupos considerados espécies. Seus exemplares apre-sentam apenas difercnças graduais que não permitemuffia separação nítida, e, além disso, as diferenças são dograu das enconttadas em galhos diuersos da mesnta plan-úa. Com Nerium oleander branca e rosa, ter-se-á, po-rém, uma diferença bem nítida e a turma discutirá o pro-blema de saber se constituem uma única espécie. Ha-verá necessidade de um critério, propondo o professoro seguinte: "São da mesma espécie os indiuíduos ca-

ÀGÔSTO, 194{

pazes de se cruzarem em condições naturais dandoprole [éúi1". Alguns exemplos farão compreender e

aceitar esta regra e ficará estabelecido ser N. olean-der uma única espécie com duas raças, pois estas se

cruzam. O caso dos hermafroditas trará nova difi-culdade que fará discutir a regra: "São da mesma es.pécie os indiuíduds tão semelhantes como os descen-dentes de um mesmo indivíduo".

7 . Guiada pelo professor, sintetizará a turma oadguirido durante a aula em conclusões escritas, queserão mais ou menos às seguintes:

a) Encontram-se, entre os vegetais, muitos grausde semelhança e diferença, pelo que os grupamos emespécies, gêneros, famílias, séries, classes, divisões;cada grupo é formado pela reunião de grupos de hie-rarguia inferior, e entre êles há transições.

bl As Liliáceas têm seis tépalas, seis estames e

ovário súpero; as Rubiáceas, ovário ínfero e fôlhasopostas com estípulas (segue-se a caracteização dasdemais famílias estudadas).

c) Segundo as regras de nomenclatura, o nomede espécie é latino e binário, sendo a primeira palavrao nome do gênero a que ela pertence; os nomes das fa-mílias vegetais terminam em "áceas" ("aceae"), os dasanimais em "ídios" ("idae"). Os nomes das espéciessão seguidos, quando se guer maior clareza, do nomedo autor que primeiro as descreveu e do ano da publi-cação da descrição.

d) Algumas espécies são mais ou menos homo-gêneas, enquanto outras podem ser subdivididas em

raças ou variedades.

e) Consideram-se da mesma espécie os sêres que

se cruzam naturalmente, dando prole fértil, e os que

são tão semelhantes como os descendentes de um mes-mo indivíduo.

l) Terminará o professor pedindo que os alunostragam, na aula seguinte, exemplares de plantas quepareçam pertencer a alguma das famílias estudadas, epensem sôbre as conclusões desta aula, verificando se as

compreenderam bem.

Se as primeiras fases tiverem ocupado maior tem.po gue o previsto, náo há inconveniente em se terminara aula no guinto item, passando-se logo às conclusões.A conceituação de espécie ficaria, então, para a aulaseguinte, que deverá, de qualquer modo, retomá-la.É claro que muitos recursos didáticos não assinaladoscabem neste esquema geral, que será enriquecido peloprofessor.

29

r

SEGUNDA AULA

True - "A espécie".

Onrerrvos - Serão visados os seguinte obyetivos:

a) Fixação da aprendizagem da aula anterior,

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b) Treino prático sôbre caracteres específicosanimais.

c) Os critérios de espécie do sistemata prático.

d) Conceito dinâmico de espécie, raça e subes-pécie.

e) Treino de atitude científica na resolução de

problemas: aplicação e indução de princípios.

Marenrer. - 1. Dois exemplares de museu, deespécies de aves (ou outro vertebrado ) do mesmo gê-nero. Será bom que sejam exemplares grandes parague diferenças específicas possam ser reconhecidaspelos alunos, de seus lugares.

2. Outro animal bem diferente dos primeiros(ave de outra ordem, por exemplo).

3. Dois individuos da mesma espécie, que apre-sentem peguenas diferenças morfológicas (lepidópte-ros, por exemplo). Uma série de gradações dentrode uma espécie, como se encontra em boas coleçõesentomológicas, seria excelente.

4. Um par de insetos exibindo dimorfismo se-xual; uma lagarta e um adulto de lepidóptero; se possi.vel, um operário, um soldado e uma rainha de térmi,tas ou formigas.

TÉcNtca oroÁnca - l. Examinar com a classeo material trazido pelos alunos, verificando as classifica-çóes em família.

2. Retoma-se o problema da espécie com o exa-me comparativo de duas ou mais espécies animais domesmo,gênero, salientando-se os caracteres específicos.

3. O professor levantará a suspeita de serem damesma espécie, o gue Ievará os alunos a aplicarem aocaso as duas regras estudadas na aula anterior; logoreconhecerão a impossibilidade prática de Íazê-lo.Descreverá, então, o professor o trabalho habitual dossistematas para mostrar que, de fato, as duas regras sáo

inoperantes para êles. Torna-se, pois, necessário umoutro critério gue, embora menos seguro, possa ser

útil na prática.

1. Apresentando outro animal muito diferente,perguntará o professor se é da espêcie dos primeiros, ounão (e porque), estabelecendo com a turma que dí[e-rcnças morfológicas muito grandes não se enconttamna mesma espécie, salvo os casos (que ilustrará com omaterial) de dimorfismo sexual, polimorfismo social e

ontogênico, os quais têm, muitas vêzes, transviado os

sistematas.

5 . Àpresentado o material com diferenças mor-fológicas minimas, firmará a turma as duas possibilicla-des: ou se trata de espécies distintas, ou de raças de

uma mesma espécie. Neste caso, os cruzamentos mis-turam os caracteres, produzindo populações cheias de

transições. Portanto, uma séile de indiuíduos com di-ferenças graduais consideram-se da mesma espécie. Se,

ao contrário, existem, numa população, grupos, entre os

quais não há transições, serão êstes espécies distintas.' 6. Se, entretanto, cada um dêstes grupos habita

região não habitada pelos outros, pode ser que a ausên-

cia de cruzamento, e portanto de transições, seja exclu,sivamente motivada pela separação geográfica. O ti.rocínio do sistemata em avaliar o grau das diferençasmorfológicas decidirá se tais grupos devem ser consi-derados espécies diferentes ou ,aças bem distintas de

uma mesma espécie, que não produzem, em geral, in.termediários, só por causa das barreiras geográficas;tais raças são chamadas subespécies. O caso de dife-'renças morfológicas nítidas dependentes de um únicopar de genes ou de genes ligados, que determinampopulações divisíveis em gÍupos nítidos, será de pre,ferência silenciado agora, e apresentado na terceiraaula, como problema introdutório ao estudo do hibri-dismo.

7 . Provàvelmente os próprios alunos já. se terãoreferido às raças domêsticas, entre as quais violentas

diferenças morfológicas existem, ao contrário do que

se dá na Natureza. Explicará o professor o mecanismo

da seleção artificial e como transtorna ela o aspecto

natural das espécies.

8. O exemplo das raças (subespécies) huma-nas, apresentado como problema, concorrerá para escla-

recer e fixar as noções de espêcie, raça e subespécie,

e os critérios teóricos e práticos estudados. Outrosexemplos serão igualmente úteis.

g. A mistura das raças humanas, decorrente de

ter o homem vencido as barreiras geográficas, ilus-trará um dos destinos possíveis das subespécies: o de

se refundirem em espécies amplas. Será pôsto e.'Ír, t?-lêvo o outro destino - o de gerar espécies, quandomecanismos fisiológicos de isolamento se superpuserem

ao geográfico, A noção dinâmica dos grupos siste.máticos menores'deve ficar bem firmada pela discussáo

de vários exemplos, pois é uma excqlente preparaçãopara o estudo da evolução das espécies e .seu m€ca-

nismo.

10. Sumariando os resultados da aula, a turmaconcordará nas seguintes conôlusões:

A. Os critérios de " cruzamento dando prole [ér-til" e de " semelhança igual à encontrada entre descen-

' dentes do mesmo indiuíduo", embora teôricamente vá-Iidas, raramente se podem empregar na prática.

B. Recorrem, então, os sistematas a critérios me-

nos seguros, porém mais fáceis de aplicar:

a) Indiuíduos com grandes difercnças mo$olo.gicas não são da.mesma espécie (salvo os casos de <ii-

morfismo sexual e social e de diferenças entre larvas e

adultos ) .

30 REVISTÀ DO MUSEU NÀCIONÀL

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b) Indiuíduos com peguenas diferenças motfoló.gicas são considerados da mesma espécie quando se

conhecem intermediátíos.

c) Quando pequenas diferenças morfológicas

existem em indivíduos separados por barreiras geográ-

ficas, é prouável gue se trate de subespécies, capazes

de.cruzamento fértil na ausência de tais barreiras.

C. A dificuldade em avaliar o que sejam 'ipeque-

nas" ou "grandes" diferenças morfológicas torna pouco

rigorosos êstes critérios. A habilidade e tirocínio do

sistemata, e um grande número de exemplar€s s€me-

lhantes examinados, diminuem, porém, de muito, os

erros.

D. As raças naturais, em geral, diferem pouco,

enguanto a seleção artificial forma raças domésticasmuito distintas.

E. As raças humanas são subespécies em viade fusão. As subespécies podem dar origem a novasespécies, por surgirem mecanismos fisiológicos de iso.Iamento.

11 . Como treino prático de reconhecimento de

ordens, classes e ramos zoológicos (e eventualmentefamílias), o professor organizará com a turma, nesta ouem outras aulas, um projeto gue consistirâ na organiza-ção de coleção de drtrópodes, classificados até ordem.É inritil salientar o enorme valor de tal projeto, guebeneficiará também outras unidades.

CÀROCHÀ GIGÀNTE (Dynastes hercules) - É um dos mais curiosos besouros do mr:ndo e, por issomesmo muito procurado pelos entomologistas. Não é com.m, sendo encontrado no norte da Àmazônia, Guia-nas e algumas Àntilhas. Pertence ao grupo de insetos popularmente denominados carochas, e, na classifica.çáo dos cientistas, recebeu o nome de Dynastes hercu les, de acôrdo com o sistema de Lineu naturalista suecodo século XVIII, gue propôs se dêsse a cada ser vivo - anim4[ su planta - um nome duplo, em latim ougrego, sendo o primeiro relativo ao gênero e o seg undo relativo à espécie. O nome do gênero Íoi de.rivado do radical grego Dynas, gue guer dizer fôrça, e o nome da espécie foi tomado de Hércules, símbolodos gigantes da mitologia grega, porgue a espécie representada na presente fotogralia é uma das maioresetrtre as constituintes do gênero Dynastes; é mesmo uma espécie gigante. Dynastes hercules, portanto,

significa em linguagem popular: gigante entre os fortes.(Fotografia de \Íoacir Leão)

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