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Murta, C. & Sanson Jr., J. S. O corpo máquina de Descartes 45 | Pensando – Revista de Filosofia Vol. 8, Nº 15, 2017 ISSN 2178-843X O CORPO-MÁQUINA DE DESCARTES EM TÉCNICAS MÉDICO-TERAPÊUTICAS Le corps-machine cartésien dans les techniques médicales et thérapeutiques Claudia Murta Jacir Silvio Sanson Junior UFES Resumo: A partir de sua noção de res extensa, René Descartes pensa o corpo pela via de um intercâmbio essencial com os aparelhos mecânicos. A concepção de corpo como “coisa extensa” prescreve uma estreita afinidade entre o corpo e as máquinas, constituindo uma prerrogativa filosófica fundamental para a testagem de técnicas biomédicas de intervenção e saúde. Esse horizonte respondia contextualmente a uma solicitação moderna por uma nova postura ante a natureza (incluso o próprio corpo), circunscrita no âmbito do paradigma matemático-mecanicista. Em vista disso, analisamos a visão de Gilbert Simondon de “objetos técnicos”, que consideramos ser receptiva a Descartes e aberta a problematizações atuais ligadas à relação máquina-cultura. Palavras-chave: Corpo. Res extensa. Mecanicismo. Biomedicina. Objetos técnicos. Résumé: De sa notion de res extensa, René Descartes pense le corps par le biais d’un échange essentiel avec les dispositifs mécaniques. Le concept du corps res extensa prescrit une étroite affinité entre les machines de corps, qui constitue une prérogative philosophique fondamentale pour l'essai des techniques d'intervention biomédicale de santé. Cet horizon répondait contextuellement à une demande moderne pour une nouvelle attitude devant la nature (y compris son propre corps), circonscrite dans le paradigme mécaniste-mathématique. Dans cette perspective, nous analysons la vision de Gilbert Simondon des «objets techniques», que nous considérons commme receptive à Descartes et ouverte aux problématisations actuels liés à la relation machine-culture. Mots-clés: Corps. Res extensa. Mécanicisme. Biomédecine. Objets techniques. A noção cartesiana de corpo-máquina respalda um conjunto de experimentos anátomo-fisiológicos que se garantem sobre uma base eletromecânica. Em consonância, o conceito de res extensa prescreve uma ponte entre as coisas (objetos técnico-mecânicos) e o corpo humano entendido como uma “coisa extensa”, escopo que nos permite argumentar pela estreita afinidade entre a res extensa cartesiana e algumas tecnologias empregadas atualmente em intervenções médicas. 1 1 Contribuíram para a confecção deste trabalho as reuniões do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Humanização e Técnica (GEPHT).

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45 |Pensando–RevistadeFilosofiaVol.8,Nº15,2017ISSN2178-843X

OCORPO-MÁQUINADEDESCARTESEMTÉCNICASMÉDICO-TERAPÊUTICAS

Lecorps-machinecartésiendanslestechniquesmédicalesetthérapeutiques

ClaudiaMurtaJacirSilvioSansonJunior

UFES

Resumo:Apartirdesuanoçãoderesextensa,RenéDescartespensaocorpopelaviadeumintercâmbioessencialcomosaparelhosmecânicos.Aconcepçãodecorpocomo“coisaextensa”prescreveumaestreitaafinidadeentreocorpoeasmáquinas,constituindoumaprerrogativafilosóficafundamentalparaatestagemdetécnicasbiomédicasdeintervençãoesaúde.Essehorizonterespondiacontextualmenteaumasolicitaçãomodernaporumanovaposturaanteanatureza(inclusooprópriocorpo),circunscritanoâmbitodoparadigmamatemático-mecanicista.Emvistadisso,analisamosavisãodeGilbertSimondonde“objetostécnicos”,queconsideramosserreceptivaaDescarteseabertaaproblematizaçõesatuaisligadasàrelaçãomáquina-cultura.Palavras-chave:Corpo.Resextensa.Mecanicismo.Biomedicina.Objetostécnicos.Résumé:Desanotionde resextensa,RenéDescartespense lecorpspar lebiaisd’unéchangeessentielavec lesdispositifsmécaniques.Leconceptducorpsresextensaprescrituneétroiteaffinitéentrelesmachinesdecorps,quiconstitueuneprérogativephilosophique fondamentalepour l'essaides techniquesd'interventionbiomédicaledesanté.Cethorizonrépondaitcontextuellementàunedemandemodernepourunenouvelleattitudedevantlanature(ycomprissonproprecorps),circonscritedansleparadigmemécaniste-mathématique.Danscetteperspective,nousanalysons la vision de Gilbert Simondon des «objets techniques», que nous considérons commme receptive àDescartesetouverteauxproblématisationsactuelsliésàlarelationmachine-culture.Mots-clés:Corps.Resextensa.Mécanicisme.Biomédecine.Objetstechniques.

A noção cartesiana de corpo-máquina respalda um conjunto de experimentos

anátomo-fisiológicos que se garantem sobre uma base eletromecânica. Em

consonância,oconceitoderesextensaprescreveumaponteentreascoisas(objetos

técnico-mecânicos)eocorpohumanoentendidocomouma“coisaextensa”,escopo

quenospermiteargumentarpelaestreitaafinidadeentrea resextensa cartesianae

algumastecnologiasempregadasatualmenteemintervençõesmédicas.1

1ContribuíramparaaconfecçãodestetrabalhoasreuniõesdoGrupodeEstudosePesquisassobreHumanizaçãoeTécnica(GEPHT).

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Antesdechegarmosaessa tratativa, vamos ressaltarquecomaexpressão res

extensaDescartes inauguraumaconcepçãodecorpoparticularmentecircunscritaao

paradigma matemático-mecanicista, pelo qual a Modernidade aspirava uma nova

posturaanteanatureza.

Oparadigmamodernodecorporeidade

OcorponãoéporDescartesgratuitamentedesignadoporresextensa;maisainda,

tal“corpo”estáreferenciadoparauma“alma”conceitualmentedistinta,denatureza

exclusivamente intelectiva2, como sinaliza Lebrun: a preferência do latim mens

(entendimento)aanima,aomenosnostextoslatinos,expõeatesecartesianaquantoà

naturezaintelectualda“alma”cujasubstânciaéo“puropensamento”3.Issosedá,por

exemplo,aotrataradistinçãoentrealmaecorponosPrincípiosdaFilosofia4,dotada

comosseguintesargumentos:

[...] examinando o que somos, nós, que pensamos agora, estamospersuadidos de que fora do pensamento não há nada que seja ouexistaverdadeiramente,econcebemosclaramenteque,paraser,nãotemosnecessidadedeextensão,defigura,deestaremqualquerlugar,nemdeoutracoisaque sepossaatribuiraocorpo,equeexistimosapenas porque pensamos. Por conseguinte, a noção que temos dealmaoudepensamentoprecedeaquetemosdecorpo,eestaémaiscerta visto que ainda duvidamos que no mundo haja corpos, massabemosseguramentequepensamos.5

Nessas marcações assentam uma significativa diferenciação do corpo na

Modernidade. Para Descartes, “os corpos são exclusivamente substâncias materiais

extensas”6. Isso se depreende inclusive d’As paixões da alma, onde explica o

2“[...]concluoefetivamentequeminhaessênciaconsistesomenteemquesouumacoisaquepensaouumasubstânciadaqualtodaaessênciaounaturezaconsisteapenasempensar”(DESCARTES,R.“Meditações”.In:RAMOS,V.(Dir.).Obraescolhida.SãoPaulo:Difel,1962/1641,VI,17).3LEBRUN,G.“Notas”.In:RAMOS,V.(Dir.).Obraescolhida.SãoPaulo:Difel,1962,p.67.4 Uma versão latina, ano 1644, dos Principia Philosophiae pode ser consultada na “Biblioteca Digital Mundial” –https://www.wdl.org/pt/item/3157/ (último acesso em 06/05/2017). Para fins de constatação, detecta-se na Pars prima (Deprincipiiscognitionishumanae):“Haecqueoptimaviaeftadmentisnaturam,ejufqueacorporediftinctionemagnofcendam”(Grifosnossos).5DESCARTES,R.PrincípiosdaFilosofia.Lisboa:Edições70,[19--],I,8.6PERLER,D.“RenéDescartes:oprojetodeumarefutaçãoradicaldosaber”.In:KREIMENDHAL,L.(Org.).FilósofosdoséculoXVII:umaintrodução.SãoLeopoldo:Unisinos,2003,p.106.

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funcionamentodocorpoàmaneiradesuaprópriamecânicaesemaajudadaalma7.É

possível visualizar o legado do qual se apresenta como herdeiro o corpo enquanto

extensão,peloqueselênaresextensaumacorporeidadesituadanaquiloquesedesigna

comotermo“coisa”.

Uma vez mais, os Princípios registram ummomento ímpar em que Descartes

operaareificaçãodocorpo–dequenãoseexcluio“corpodohomem”8–seguindoa

fórmuladaextensão:“[...]anaturezadamatériaoudocorpoemgeralnãoconsisteem

serumacoisadura,pesadaoucolorida,ouqueafectaossentidosdequalqueroutra

maneira,masqueéapenasumasubstânciaextensaemcomprimento,larguraealtura”9.

Sustentamosqueacorporeidademodernasurgequandoaspropriedadesfísicase/ou

materiais do corpo são assimiladas aos parâmetros quantitativos da extensão, da

mesmamaneiraque“osom,ocalor,aluz,aspropriedadesdosgases,ascomposições

químicas etc. explicam-se com esquemas e modelos mecanicistas, isto é, apenas

medianteomovimentodamatériaidentificadacomapuraquantidade”.10

NasMeditações, a via de emergência da nova corporeidade se promove num

excertocomoeste:

E, embora talvez [...] eu tenha um corpo ao qual estou muitoestreitamenteconjugado,todavia,jáque,deumlado,tenhoumaideiaclaraedistintademimmesmo,namedidaemquesouapenasumacoisapensanteeinextensa,eque,deoutro,tenhoumaideiadistintadocorpo,namedidaemqueéapenasumacoisaextensaequenãopensa,écertoqueesteeu,istoé,minhaalma,pelaqualsouoquesou,éinteiraeverdadeiramentedistintademeucorpoequeelapodeserouexistirsemele.11

Ocorpoédenominado“coisaextensa”paraserreadmitidocomomáquinasobo

ponto de vista de seu automatismo funcional, bem como na perspectiva de suas

medidas. Segundo a expressão de Selvaggi, a ciênciamoderna opera uma “redução

ontológicadetodososfenômenosnaturaisatermosmatemáticosemecânicos”12,do

7Cf.DESCARTES,R.Aspaixõesdaalma.In:RAMOS,V.(Dir.).Obraescolhida.SãoPaulo:Difel,1962/1649,art.7-16,29,47.8DESCARTES,R.PrincípiosdaFilosofia,II,2.9DESCARTES,R.PrincípiosdaFilosofia,II,4.10SELVAGGI,F.Filosofiadomundo:cosmologiafilosófica.SãoPaulo:Loyola,1988,p.288.11DESCARTES,R.Meditações,VI,17.12SELVAGGI,F.Filosofiadomundo,p.46.

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quenãoseexcetuaocorpo,comoinsisteKline:“AfilosofiamecanicistadeDescartesse

estendia inclusiveao funcionamentodocorpohumano.Elaacreditavaqueas leisda

mecânicaexplicariamavidadohomemedosanimais,eemseustrabalhosdefisiologia

utilizouocalor,ahidráulica,tubos,válvulaseasaçõesmecânicasdasalavancaspara

explicarasaçõesdocorpo”.13

A noção moderna de corpo preconiza um “corpo” inscrito no paradigma

matemático-mecanicista14: mecanicista, porque seu modo de funcionamento é

entendido explícita e analogamente como um relógio, máquina cujas engrenagens

operamqualautômato;matemático,porqueextensoeassimpassíveldemensuração.

Desses dois aspectos se logra uma composição bastante fidedigna da corporeidade

implicadanaescritadaresextensa:comotermo“res”apontandoparaomecânico,e

“extensa” indicando o matemático. Assim procedendo, recordamo-nos daquele

procedimentorecomendadoporDescartes:ode“dividircadaumadasdificuldadesque

euexaminasseemtantasparcelasquantaspossíveisequantasnecessáriasfossempara

melhorresolvê-las”.15

Tratemosprimeiramentedamecânicacorporaleomodelodorelógio.

O“corpo”cartesianoenquantocoisa

Naexpressão“resextensa”,peladesignação“res”(coisa)seconfiguraumcorpo

tido como uma máquina. Nas páginas de Descartes, uma representação crucial

sedimentaessaacepção:adoautômato.

[...] quão diversosautômatos, oumáquinasmóveis, a indústria doshomens pode produzir, sem empregar nisso senão pouquíssimaspeças,emcomparaçãoàgrandemultidãodeossos,músculos,nervos,artérias,veias,etodasasoutraspartesexistentesnocorpodecada

13KLINE,M.Elpensamientomatemático:delaAntigüedadanuestrosdías.Madrid:AlianzaEditorial,2012,p.431.Traduçãonossa.14Nãoalmejamosafirmarumaespecificidademodernaparaalémdaquiloqueapregoamosaosentidodecorporeidade.Massenosparecequeo“corpo-coisa”éumaparticularidadecartesianainstauradasegundoumparadigmamatemático,nãoquerdizerqueesseparadigmasejaumaexclusividadedaModernidade.GeorgeCanguilhemePaul-LaurentAssoun“denunciamqueomecanicismoalémdeserumaquestãodeépoca ‘...éumaatitudedohomemocidental’. [...]Aconsequênciadessetipodepensareviverarealidadedo‘homemocidental’éaquelaqueoreduzemseuprópriofazer-se[...]”(MURTA,Claudiaetal.“Módulo1:humanizaçãoedesumanização”.In:MURTA,Claudia(Org.).Dimensõesdahumanização:filosofia,psicanálise,medicina.Vitória:EDUFES,2005,p.44),impondo-seàvidaaforçaextremadatécnica.15DESCARTES,R.“Discursodométodo:parabemconduziraprópriarazãoeprocuraraverdadenasciências”.In:RAMOS,V.(Dir.).Obraescolhida.SãoPaulo:Difel,1962/1637,II.

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animal, consideraráessecorpocomoumamáquinaque, tendosidofeitapelasmãosdeDeus,é incomparavelmentemelhorordenadaecontém movimentos mais admiráveis do que qualquer das quepossamserinventadaspeloshomens.16

JordinoMarquestestaoesplendorqueenvolviaafabricaçãodeautômatos.Em

suamaneiraespecialderacionalizaranaturezapormeiodamatemática,omecanicismo

promoveorecursoàexperimentação,fornecendooembriãoparaumasimbólicados

animais-máquinas.Suasrepercussõessãofrontaisàengenharia,mascomDescartesa

mecânicaembalariaumarevoluçãotambémnamedicina,poisocorpopassariaaser

visto “como um conjunto de peças que funcionam a partir de sua disposição”17.

Comentando um texto de Mersenne (La verité des sciences), um dos principais

correspondentesdeDescartes,vemosminuciadoque

[...] algodenovoestáparaacontecernahistóriadopensamento.Écomoseoespanto,comoqualaautênticafilosofiaseinicia,passasseaserproduzidonãomaispelaquestãoabrangentedoSercomotal,mas, através de um processo de inversão e deslocamento dohorizonte, o espanto originário do filosofar fosse agora criado pelohomem através do seu artefato. [...] O homem começa a dominartécnicasqueanteslheeraminterditas.Eleduplicaoseumundoeasipróprionafabricaçãodosseusartefatosenaproliferaçãodeciênciasqueoentretêmeomaravilham.18

Éplausívelqueaacepçãodecorpoenquantoorganismobiológicocomparadoao

corpomecânicodeumautômato rendaaDescartes seuatributodemecanicista. “A

visão do corpo como uma máquina está no centro do projeto cartesiano de uma

fisiologiamecanicistaesboçadaemseuTraitédel’Homme,umdostextosmaislidose

discutidosdofilósofo,nosséculosXVIIeXVIII,peloseucarátercontroverso”.19

Amecânicaéumaestratégiadequeoautorseserveparaexplicitar,atítulode

ensaio, as funções biológicas num contexto gnosiológico de adequação à Física

nascente,pelaqualtodoouniversoviriaaserexplicado“pormeiodecausaspuramente

16DESCARTES,R.Discursodométodo,V.17MARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem.SãoPaulo:Loyola,1993,p.41.18MARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem,p.41.19ORTEGA,F.Ocorpoincerto:corporeidade,tecnologiasmédicaseculturacontemporânea.RiodeJaneiro:Garamond,2010,p.104.

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físicas, autônomas com relaçãoàmentee aopensamento”20. É precisamenteoque

podemosconferirnestaenoutraspassagensdoTratadodohomem:

Eu suponho que o corpo nada mais seja do que uma estátua, oumáquinadeterraqueDeus formadeliberadamente,para torná-laomaispossívelsemelhanteanós:demodoqueelelhedánãosóacoreaformadetodososnossosmembros,comotambéminseretodasaspeçasquesãonecessáriasparafazerqueelacaminhe,coma,respire,enfim, imite todas as nossas funções, que se imagina proceder damatériaesódependerdadisposiçãodosórgãos.21

Noestudodosseresvivos, todasas funçõescorporaissãoassimiladasa“ações

mecânicas,comoasdeumamáquina”22.RosseFrancksdizemqueaanalogiafavorita

doséculoXVIIestavaemvertodaanaturezacomoumrelógiogigante23.Apesardeter

se tornado a metáfora mais conhecida, no Tratado do homem são evocados da

engenharia autômatos hidráulicos (fontes e grutas dos jardins reais, e moinhos), e

mesmoosórgãosdeigrejas,comseusfoles,receptáculosetubos24.Masvalenotarque

o relógio não se restringia ao elemento mecânico de suas componentes, pois o

autômatoeraantes lidoporsuaspropriedadescinemáticas.Ocorpoéumacoisa-res

nãoapenasporsercomparávelàspeças,esimporalojaremsimesmo,nãoemuma

“alma”,acausadeseuprópriomovimento.

Vemososrelógios,asfontesartificiais,osmoinhoseoutrasmáquinassemelhantes,que,sendofeitassópeloshomens,nãodeixamdeteraforça de se mover por si mesmas de diversas maneiras; e eu nãopoderiaimaginartantasespéciesdemovimentosquesuponhosejamfeitospelasmãosdeDeus,nemlheatribuirtantoartifícioquenãosepossaimaginarqueestamáquinanãoospossuamaisainda.25

Aimagemdocorpo-autômatoabrangegravesdeduções.Umadelastalvezsejaa

desereinterpretarumasimplessensaçãodesedenahidropisia:àsemelhançadeum

20BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna:dasmáquinasdomundoaouniverso-máquina(séc.XVaXVII).3.ed.RiodeJaneiro:Zahar,2010.v.2,p.64.21DESCARTES,R.“Tratadodohomem”.In:MARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem.SãoPaulo:Loyola,1993/1644,p.140.22BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna,p.64.23Cf.ROSS,G.M.;FRANCKS,R.“Descartes,SpinozaeLeibniz”.In:BUNNIN,N.;TSUI-JAMES,E.P.(Orgs.).Compêndiodefilosofia.SãoPaulo:Loyola,2002,p.511.24Cf.DESCARTES,R.Tratadodohomem,pp.149-150,174-175.25DESCARTES,R.Tratadodohomem,p.140.

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relógio(derodasecontrapesos)quenãomarcabemashoras,ocorpo(deossos,nervos,

músculos, veias, sangue e pele) de um doente hidrópico anseia por água quando a

gargantaestáseca.26

Outrodesdobramentoestáemrecolocaro“corpo”numcamposemânticoalheio

aodavida-morte.DiscorrendosobreocorposemalmaemDescarteseVesálio,Brandão

aceitaquenaRenascençadeDonatello,Alberti,LeonardoeMichelangeloanovidade

estejaemobservarocorpoenãomaisemdissertarsobreele,oqueimplicouemsua

dessacralização.Enquanto“ocorpomedievalerahabitadoporumaalmadivinacoma

qual o artista, o cientista e o intelectual, fazendo-se análogos deDeus, acreditavam

fundir-seaoproduzirsuasobras”,já“aarteeaciênciarenascentistanosmostramcorpo,

tempo,espaçoenaturezadessacralizados,convertidosemcoisahumana,considerados

apartirdafinitudedenossoolhareemfunçãodospropósitosedoscontextosdenossa

existência”27,umanovidadequetambémmudaráaperspectivadocorponamedicina

deAndréVesálio,cujoprojetoerasimilaraocartesianismo.

Para Francisco Ortega, na realidade, a “cultura de dissecação”, que abarca o

período de dois séculos (do fim do XV ao fim do XVII), promoveu uma “ruptura

epistemológica”28aodeslocarocadáveremprimeirapessoa,talcomoemPlatão,para

o cadáver em terceira pessoa, assim tornado objeto de dissecação tanto nas

intervençõesdeDescartes29comonaproliferaçãodeteatrosanatômicosnoscentros

urbanos,ondesefaziadadissecaçãoum“grandeacontecimentopúblico”.30

Essa ruptura, pela qual se abre um novo campo epistemológico, constitui a

anatomia – segundo Ortega – como uma metáfora fundamental, uma espécie de

parâmetrodopensamento,emquetudo–areligião,amorte,aciência,aarte,apolítica,

otempo,oindivíduoetc.–eradealgummodosuscetíveldeser“anatomizado”31.Isso

teriamodelado“acompreensãodocorponabiomedicinaenopensamentomoderno”,

poisnaperspectivaobjetivadaterceirapessoa,ocadáver“éembrulhadonumaausência

26Cf.DESCARTES,R.Meditações,VI,31.27BRANDÃO,C.A.L.“OcorpodoRenascimento”.In:NOVAES,A.(Org.).Ohomem-máquina:aciênciamanipulaocorpo.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2003,p.292.28ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.101,104.29Cf.ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.105-106.30ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.95.31SAWDAYapudORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.101.

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insuperável”32,aparecendo“nasuapurafisicalidade[e]oferecendo-secomomodelodo

corpovivo”.33

Falardeumcadáver“emterceirapessoa”significatratá-locomo“corpoobjetivo,

mensurável,quantificávelefragmentado”34.Ocorpodoconhecimentoobjetivanteda

tradiçãoanatômicaseriaentãoumcorpodissociadodoeupensanteerecuadodeuma

experiência subjetiva como self35: “No olharmédico e nas práticas de dissecação a

mortetorna-seomodelodavida,ocadáverdocorpovivo”.36

Ocadáverteriaassimuma“primaziaepistemológica”nopensamentomédico,e

estaria “nabasedo enorme crescimentodas tecnologiasmédicas, especialmentede

visualização”37.Eleperfazcombastanteexatidãootermosoma,quenaGréciaclássica

jamaissereferiaaocorpovivo,massempreaocorpojádesfalecido38.Ortegaentende

queo corpo-máquina é o corpo-cadáver, atendendo até certo ponto a umafamado

trechodasMeditações:“Considerava-me,inicialmente,comoprovidoderosto,mãos,

braçosetodaessamáquinacompostadeossosecarne,talcomoelaapareceemum

cadáver,aqualeudesignavapelonomedecorpo”.39

Essecorpo-resénadamaisdoqueumcorpoinerte,regidoporumaindiferençaàs

noçõesdevidaoumorte.ÉtalcomonaspalavrasdeMurtaePessoa:“umamáquina

estáaquémdesermortalouimortal,postoqueamáquinanãosereconhece,nãose

reflete–apenasreagemecanicamente”40.OunoparecerdeBrandão:“Ocorpo,como

representação, é desligado do campo negativo da morte, e a compreensão de seu

funcionamentopassaa ser assimilada,progressivamente, àdeprocessosmecânicos,

físicosequímicostotalmenteobjetivos”41.Éjustamenterebatendooerrodeseconferir

àalmaacausadomovimentodocorpo42queDescartessolucionaemAspaixõesda

alma:

32 “Ocorpo-cadáverexibeummododedes-aparecimentoprofundoque,necessariamente, recuademinhaapreensão.Ondeocadáverestá,eunãoestou”(ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.106).33ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.106.34ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.104.35CfORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.102,104.36ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.101.37ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.107.38Cf.ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.85.39DESCARTES,R.Meditações,II,6.40MURTA,C.;PESSOA,F.Humanização,vidaemorte.Vitória:UFES/NEAD,2009,p.6.41BRANDÃO,C.A.L.OcorpodoRenascimento,p.292.42Cf.DESCARTES,R.Aspaixõesdaalma,art.5.

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A fimdeevitarmos,portanto,esseerro, consideremosqueamortenuncasobrevémporculpadaalma,massomenteporquealgumadasprincipaispartesdocorposecorrompe;ejulguemosqueocorpodeumhomemvivodiferedodeummortocomoumrelógio,ououtroautômato(istoé,outramáquinaquesemovaporsimesma),quandoestámontadoetememsioprincípiocorporaldosmovimentosparaosquaisfoiinstituído,comtudooqueserequerparaasuaação,diferedo mesmo relógio, ou outra máquina, quando está quebrado e oprincípiodeseumovimentoparadeagir.43

Oconstructodocorpoautômatodemarcacombastanteexatidãooestatutodas

leiseoâmbitoepistemológicodaresextensa.Issoseexprimesobreofundamentode

umahierarquizaçãoemquesetornamaisimportanteterumcorpodoqueserumcorpo.

A redução da experiência do corpo que, segundo Ortega, a história das práticas

anatômicaslevouacabo,forjouuma“relaçãocomocorpocomo‘algoquesetem’e

nãocomo‘algoqueseé’”44.Negadatodacondiçãoontológica,ocorposemalmatorna-

sealgoquesetem,pois“deformaalguma,nopensamentocartesiano,ocorpopoderia,

independentementedaalma,participardacondiçãodeser”.45

O“corpo”cartesianoenquantoextensão

Nouniversocartesiano,destacaMarques,nãohánenhumadiferençaessencial

entreoscorposnaturaiseasmáquinasproduzidaspelosartesãos,poisDescartesaplica

àmatéria os princípiosmecânicos que observa atuarem nos autômatos46. Ele assim

“insereseusconhecimentosfisiológicosnoesquemamecanicistaeosobrigaaassumir

ocarátermecânicoqueanovarealidaderequer.Considerandoafisiologiacomouma

partedafísica,eletentatornarclaraedistintaumaciênciaqueportradiçãoeravitalista

eobscura”.47

No conceito de res extensa ainda encontramos o mérito de assinalar a

corporeidade à extensão. É-nos perfeitamente visível que com isso Descartes logra

43DESCARTES,R.Aspaixõesdaalma,art.6.44ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.104.45 MURTA, C. “Sintomas e perda de corpo”. In: Veritas. Porto Alegre: v. 59, n. 2, maio-ago. 2014, p. 305.http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/19630(últimoacessoem22/09/2015).46Cf.DIMARCO,M.apudMARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem,p.42.47MARQUES,J.Descartesesuaconcepçãodehomem,p.42.

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pontificarduasrevoluçõesparadigmáticasemcurso:adeVesálioemseuDehumani

corporis fabrica, eadeCopérnicoemDe revolutionibusorbiumcelestium, ambasde

1543.

OtrabalhodeAndréVesálio,segundoOrtega,“marcaonascimentodaanatomia

científicamoderna”48.Merecida consideraçãoé justificadanãopela constataçãodos

equívocosdeGaleno,pelaqualsedescredenciaaautoridadedesteeoutrosautoresda

Antiguidade, e sim por outra inversão de hierarquia: quando a evidência empírica,

embasadana“observaçãoexperimentaldocorpoanatomizado”49,trocadepostocom

aautoridadetextual.Overdadeirolivro-fontedeconhecimentosanatômicosnãoestá

maisnotextoescrito,esimnocadáversobreamesaondeserealizaadissecação.

Na obra de Vesálio, sucede-se um deslocamento da mesma magnitude da

“revoluçãocopernicana”.Essaexpressão,queRealeeAntiseriobservamserconhecida

jáemKant,comportaumasignificaçãodecunhomaisepistemológicoquetécnico,pois

a inovação radical nas concepções fundamentais do pensamento, engendrada pelo

heliocentrismo,édealcancemuitomaiordoquea reformaestritamente técnicada

astronomia. Escrevem comentando Thomas Kuhn (A revolução copernicana): “a

revolução copernicana foi também uma revolução no mundo das ideias, a

transformaçãode ideias inveteradasqueohomemtinhadouniverso,desuarelação

comeleedoseulugarnele”.50

Várioscomentadorestêmsedebruçadosobreessaconfiguraçãoepistemológica

típicadosséculosXVaXVII,segundoaqualocarátermatemáticodanovaciênciaedifica

tambémumanovavisãodarealidade.Dissoresultaqueosobjetosmateriaisdafísica

cartesiana não tenham forma, e sim extensão: são extensos, exatamente porque

constituídosporpropriedadesgeométricasecinemáticas.Comisso“afísicaqualitativa

edescritivadasidadesprecedentesésubstituídaporumafísicapuramentequantitativa

ematemática”.51

48ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.91.49ORTEGA,F.Ocorpoincerto,p.91.50KUHN,T.apudREALE,G.;ANTISERI,D.HistóriadaFilosofia:doHumanismoaDescartes.2.ed.SãoPaulo:Paulus,2005,v.3,p.167.51SELVAGGI,F.Filosofiadomundo,p.46.

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ÉsempremuitoilustrativooexemplodaceradeixadoporDescartesnaSegunda

Meditação,queseconjuga,aliás,comaconhecidapassagemonde,dajanela,relataver

(percepção visual) passando na rua chapéus e casacos, sobre os quais infere (julga)

seremhomensverdadeiros,masquepoderiammuitobemserem“homensfictíciosque

semovemapenaspormolas [automata]”52.A“tesedaprivacidade”,deacordocom

André Gombay, consiste dizer que, na prática, e beirando uma insinuação

esquizofrênica,

nãotenhoumacertezadiretaeimediatadequeháoutraspessoas–apenas sei disso graças a uma inferência ou a um “juízo”. Há umalacuna real entreminha convicção de que eu sou um ego eminhaconvicção de que você é. A meu respeito, sei imediatamente, namedidaemquesentoemmeugabineteouolhoparaumpedaçodecera.Aseurespeito,seiapenasgraçasaumfragmentodeevidênciaquevocê(felizmente?)provê:vocêproferepalavrasefrases.53

Nos dois casos, não é pelos olhos, e sim pelo poder de julgar que reside no

espírito54,queDescartesatestahavernaruahomensverdadeirosemvezdeautômatos,

enaescrivaninha,umaceraapesardasérieinumeráveldefigurasqueelapodeassumir.

Relativoaohomem,Gombayrecuperaumanotanãopublicadadeumacartade

Descartes a Newcastle, em 23 de novembro de 1646: “Nenhuma de nossas ações

externaspodemasseguraraosqueasexaminamquenossocorponãoétão-somente

umamáquinaquesemoveporsimesma,masqueabrigaumaalmacompensamentos,

excetoaspalavrasfaladasououtrossinaisqueserefiramassuntosparticulareseque

não estejam relacionadas às paixões”55. O discurso, a habilidade de falar, ou sua

ausência, difere o homem verdadeiro do autômato, da mesma forma que é pela

“inspeção do espírito”56 que se concebe, com maior evidência, aquilo de extenso,

flexívelemutávelpertencenteàcera57.Umhomemsemlinguagemécomoacerasem

52DESCARTES,R.Meditações,II,12-14.53GOMBAY,A.Descartes:introdução.PortoAlegre:Artmed,2007,p.74.54Cf.DESCARTES,R.Meditações,II,14.55DESCARTESapudGOMBAY,A.Descartes,p.74.56DESCARTES,R.Meditações,II,13.57“concebemososcorpospelafaculdadedeentenderemnósexistenteenãopelaimaginaçãonempelossentidos”(DESCARTES,R.Meditações,II,18).

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extensão;ditodeoutromodo:aextensãoéparaaceraoquea linguageméparao

homem.

A Modernidade alvorece com a emergência de novos valores gnosiológicos

contrários a especulações utilitariamente inócuas, às vezes taxativamente

obscurantistas,contraoquêseimpõeaMatemática,oumaisprecisamente,aunificação

da álgebra com a geometria. Em suma: “A geometrização do espaço implica em

neutralizar as determinações dadas pela tradição [...]. Com isto torna-se neutro,

homogêneo,mensurável,calculável,semqualidades”.58

A aplicação cartesiana de “extensão” é tão pródiga tocante ao corpo como o

artifíciodeNewtono foiparaaastronomia.SeomodelomatemáticoéporNewton

visualizadonasdimensõesastronômicasdoscorposcelestes,Descartesopercebeem

relaçãoaoâmbitoanatômicodocorpohumano.Emambospercorreoconsentimento

por “uma objetividade nítida por trás dos conceitos expressos por números e

medidas”59. Ou como nos alega Kline: “Descartes proclamou explicitamente que a

essênciadaciênciaeramasmatemáticas.[...]Omundoobjetivoéespaçosolidificado,

ougeometriaencarnada”.60

Aresextensareconstrói,portanto,ocorposegundooscaracteresmatemáticos.E

“osujeitomodernoposiciona-senodecursodoprocessocamuflando,deslocandoou

duvidando das racionalidades insubmissas ao modelo matemático [...]”61. As

possibilidades que emergemdaperspectiva deumnovoparadigma atendemauma

aspiração que emBacon se exprime com estas palavras: “de toda essa filosofia dos

gregosetodasasciênciasparticularesdeladerivadas,duranteoespaçodetantosanos,

nãoháumúnicoexperimentodequesepossadizerquetenhacontribuídoparaaliviar

e melhorar a condição humana [...] e que se possa atribuir às especulações e às

doutrinasdafilosofia”.62

Essa avaliaçãoensejaumconhecimento filosóficomaispragmáticoe comuma

finalidade prática, capaz de trazer à luz “inventos mais nobres e dignos do gênero

58MURTA,C.etal.Módulo1:humanizaçãoedesumanização,p.28.59BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna,p.62.60KLINE,M.Elpensamientomatemático,p.431.Traduçãonossa.61MURTA,C.etal.Módulo1:humanizaçãoedesumanização,p.40.62BACON,F.NovumOrganumouverdadeirasindicaçõesacercadainterpretaçãodanatureza.In:CIVITA,V.(Ed.).Ospensadores.SãoPaulo:AbrilCultural,1973/1620,v.13,af.LXXIII.

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humano”63. Constatado o quanto o desenvolvimento técnico permaneceu inerte

duranteséculos,apela-seagoraporumnovométodo–oindutivo–quetraráresultados

efetivosparaamelhoriadaqualidadedevidaeodomíniosobreanatureza64. “Esse

sentimento fez com que [Descartes] defendesse a ideia de que as especulações

filosóficas não tinham utilidade prática, não traziam entendimento seguro sobre o

Universoe,portanto,nãodemonstravamterserventiaparaoshomens”.65

ComissoconcordaMarisaDonatelli,quevênoDiscursoumlugarondeDescartes,

fazendoecoaBacon,“promoveauniãoentreasartesmecânicaseafilosofia:adefesa

deumafilosofiaquetenhautilidadeparaohomem”66.Paraaautora,Descartesexibe

umadevotaatençãoàmecânica,nãotendosidoapenasocasionalquesuasprimeiras

explicações sobre máquinas estivessem em correspondências de 1637 (época do

Discurso), a Huygens, embora tenham sido publicadas apenas em 1668 porNicolas-

Joseph Poisson com o título Tratado de mecânica, contendo inclusive um valioso

comentáriodenominado“ObservaçõessobreasmecânicasdoSr.Descartes”.Portudo

isso,

OpensamentodeDescartescaracteriza-sepeladefesadaunidadedeconhecimentoqueindicaarelaçãoestreitaexistenteentreasciênciasapartirdeumafundamentaçãometafísica.Nessequadro,amecânicaocupaumlugaraoladodamedicinaedamoralcomoresultadosquepodemsercolhidosdessaconcepçãounificadora.67

Oparadigmamatemático-mecanicista,emvoganoséculoXVII,patrocinaassima

releituradocorponumnovoregistro.Comaexpressãoresextensa,Descartesendossa

esses parâmetros, dando repercussão ao aspecto mecânico e quantitativo com os

respectivostermosreseextensa.

Ocorpo-máquinaetecnologiaseletromecânicasdeintervençãomédica

63BACON,F.NovumOrganum,af.LXXXVIII.64Cf.BACON,F.NovumOrganum,af.XIX;af.XXVI.65BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna,p.62.66DONATELLI,M.C.deO.F.“SobreoTratadodemecânicadeDescartes”.In:Scientiæstudia.SãoPaulo:v.6,n.4,2008,p.639.http://www.revistas.usp.br/ss/article/view/11152(últimoacessoem27/09/2015).67DONATELLI,M.C.deO.F.SobreoTratadodemecânicadeDescartes,p.639.

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É inegável que as referências à mecânica-matemática permanecem sendo

amplamenterequisitaspelaFisiologia.UmaobracomooTratadodefisiologiamédica,

deArthurGuytoneJohnHall,seriaimpensávelsemasdezenasdefórmulasalgébricas

eplanoscartesianosquemensuramofuncionamentodares.Naverdade,omecânicoe

omatemático sãoaímaisnitidamentepercebidosdoque,porexemplo,noAtlasde

anatomia humana, de Frank Netler68, onde arranjos de figuras, cores e nomes

estrambólicosatendemaumapeloartísticoquenãoenxergaríamosnarepresentação

damecânicadacontraçãomuscularesquelética69,naanálisegráficadotransportede

oxigêniopelosanguearterial70ounoseventosqueproduzemopotencialdeaçãona

membranadosnervos.71

Os inúmeros aparelhos de medição usados em exames médios obviamente

medemoqueémensurável,ocorpo,esãoporissoumtestemunhoincontestávelde

que o corpo é realmente uma “coisa”. Todavia é rastreando esses e outros

encadeamentos empíricos que a perspectiva de novos desdobramentos certifica o

“corpo-máquina” como uma formulação que sintetiza e estabelece um modus de

cooperação e, mais profundamente, de integração entre o corpo humano e as

tecnologias. Mediante a elaboração cartesiana do autômato-relógio, aparatos e

engrenagens, peças e geringonças estão num continuum com carne, pele, ossos e

sangue,tudocondensadonaexpressãoresextensa.

Emdeterminadopontodevista,ocorpocomomáquinarepresentaumaabertura

onderepousaovínculoindissociávelentreocorpoeascoisas.Ocorpo-máquinaanuncia

arecíprocadestinaçãodatotalidadedosentes:ocorpo,nocasoares,éparaascoisas;

consequentemente,ascoisassãoparaocorpo.Ofenômenodecorpoecoisacoarctados

seencontratãobemassentadoqueamanifestaçãodacoisa-corpo(res-corpus)éalgo

“natural”quandonautilizaçãodepróteseseórteses:estas,paraauxiliaremasfunções

deummembro;aquelas,quandosubstituírem-nastotalouparcialmente.Nãoénosso

objetivo destrinchar as especificações desses aparelhos, senão frisar: o conceito

68Cf.NETLER,F.H.Netler,atlasdeanatomiahumana.RiodeJaneiro:Elsevier,2008.69Cf.GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica.9.ed.RiodeJaneiro:GuanabaraKoogan,1997,pp.75-76.70Cf.GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.466.71Cf.GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.59.

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cartesianoderesextensaestabeleceparaaModernidadeocidentalaprerrogativade

umainteração,semtabus,entreocorpoeamáquina.

Citamos desde bengalas, muletas e andadores, palmilhas, joelheiras e

munhequeiras, coletes e colares cervicais, óculos e aparelhos de contato, aparelhos

ortodônticose“geradordesomaplicadoaocrânio”72quandoasurdezédecondução,

pararecordarmossomentedealgunsdispositivosexternosdestinadosacorrigiralgum

aspectomecânicodossistemasneuromusculoesquelético.

Chamam-nosaindamaisaatençãoosdispositivosdepróteseseórtesesinternas,

por cujo implante exploram como corpo-máquina uma simbiose profunda. Coração

artificial,válvulacardíacamecânica,marcapassoestent,parafalardaCardiologia.Eem

TraumatologiaeOrtopedia:oinstrumentalparaestabilizaçãodecoluna,bemcomoos

diversosprocedimentosmecânicosde imobilização,quandoemindivíduosdegrupos

etáriosmaisvelhosas“fraturastendemaocorrernapresençadealgumaoutradoença

(p.ex.,osteoporoseeosteomalacia)”.73

Nenhum levantamento estatístico nos é indispensável para sugerirmos a

cotidianidadedarelaçãodohomemcomamáquina,oumaisespecificamente,docorpo

–ocorpo-coisa–comtantosdispositivoseletromecânicoscujousoéimprescindível(a

certosditames)paraqueocorpoalcanceoureadquiraumaestéticadesejada,mediante

asprótesesmamáriaseoculares,porexemplo.

Na resextensa, a carneeometal,obiológicoeomecânicopartilhamdeuma

mesma substancialidade. Queremos com isso dizer que, a despeito de qualquer

incompatibilidadeentreacoisa(materiaismédicosimplantados)eocorpo(nopontode

vista de sua variedade histológica), a res extensa forja um campo ad infinitum de

experimentação empírica. Carne emetal são então concebidos sobomodode uma

mesmasubstancialidade:“Aoperceberanaturezacomoumagrandemáquina[...],ele

[Descartes]aboliudeseupensamentoadivisãoexistenteentremecanismosnaturaise

artificiais”.74

72GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.609.73ROSENBERG,A.E.“Ossos,articulaçõesetumoresdetecidosmoles”.In:KUMAR,V.;ABBAS,A.K.;FAUSTO,N.(Eds.).Patologia–basespatológicasdasdoenças.RiodeJaneiro:Elsevier,2005,p.1348.74BRAGA,M.;GUERRA,A.;REIS,J.C.Brevehistóriadaciênciamoderna,p.65.

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Valeapropósitolembrarmo-nosdorecursoaendoprótesesmetálicasemvários

tipos de tratamento – como para aneurismas na aorta abdominal75 em estenoses

brônquicasnopós-operatório76–,vindoemauxílioàcarneemseuiminenteestadode

colapso.EmOdontologia,apropósitodeumimplantedentário,alémdoaspectonatural

dos dentes artificiais, uma liga (metálica) de titânio substitui a raiz (carnal) de um

dente77.Namesmaperspectivatambémsesituaopesodeouroque,apesardetrazer

complicações precoces ou futuras ao procedimento oftalmológico, resolve

provisoriamenteummaufuncionamentodaspálpebrasnolagoftalmoparalítico.78

Anecessidadeclínica,aliás,quandoacatarataprejudicaseriamenteavisão,exige

queocristalinosejaremovidocirurgicamenteesubstituído“porumapoderosa lente

convexanafrentedoolho”79,ouseja,uma“prótesedelenteintra-ocular”80.Chegando

aoseulimitedeeficáciaterapêutica,osóculoseaslentesdecontatonãosãomaisum

recurso alternativo aos “olhos portadores de astigmatismo irregular devido a

ceratocone”81, quadro para o qual se prescreve o Anel de Ferrara, uma prótese de

acrílicoimplantadamediantecisãonotecidocorneano.

As técnicas não apenas imitam o biológico: na verdade, reproduzem o órgão

nativo-anatômico em pleno substrato mecânico, uma possibilidade que o espírito

moderno vislumbrou e a fórmula res extensa moldou à viabilidade experimental, a

exemplo do aparato que processa a hemodiálise, onde uma máquina substitui

importantesfunçõesrenais82.Talmecanismoétão“artificial”–comoselêemGuyton

75SAADI,E.etal.“Tratamentoendovasculardosaneurismasdeaortaabdominal:experiênciainicialeresultadosacurtoemédioprazo”. In: Rev. Bras. Cir. Cardiovasc. São José do Rio Preto: v. 21, n. 2, jun. 2006, pp. 211-16.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-76382006000200016&lng=en&nrm=iso (último acesso em12/03/2015).76SAMANO,M.N.etal.“Utilizaçãodeendoprótesemetálicanotratamentodeestenosebrônquicaapóstransplantepulmonar”.In:J. bras. pneumol. São Paulo: v. 31, n. 3, jun. 2005, pp. 269-72. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-37132005000300015&lng=pt&nrm=iso(últimoacessoem12/03/2015).77Cf.PIVETA,A.C.G.etal.“AnálisemetalográficadotitâniopurosubmetidoàsoldagemlaserNd:YAGeTIG”.In:Rev.odontol.UNESP. Araraquara: v. 42, n. 1, fev. 2013, pp. 1-6. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1807-25772013000100001&lng=pt&nrm=iso(últimoacessoem15/06/2015).78Cf.NUNES,T.P.etal.“Implantedepesodeouro:complicaçõesprecocesetardias”.In:Arq.Bras.Oftalmol.SãoPaulo:v.70,n.4,ago. 2007, pp. 599-602. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492007000400008&lng=en&nrm=iso(últimoacessoem25/05/2015).79GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.572.80FOLBERG,R.“Oolho”.In:KUMAR,V.;ABBAS,A.K.;FAUSTO,N.(Eds.).Patologia–basespatológicasdasdoenças.RiodeJaneiro:Elsevier,2005,p.1496.81OLIVEIRA,C.S.deetal.“AnálisedenovatécnicaparaoimplantedoaneldeFerraranoceratocone”.In:Arq.Bras.Oftalmol.SãoPaulo: v. 67, n. 3, jun. 2004, pp. 509-17. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-27492004000300024&lng=pt&nrm=iso(últimoacessoem15/06/2015).82Cf.GOLDMAN,L.;AUSIELLO,D.CecilMedicina.RiodeJaneiro:Elsevier,2009,p.1081.

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eHall83–quantooqueorim,decarne,realizademodo“vital”.Ademais,oempregode

nanomateriais para diagnóstico e tratamento em Nanomedicina ascende a vastas

possibilidades de aplicações de fármacos e exames por imagens e radioterapia, em

Oncologia84enaMedicinaemgeral.85

Asfronteirasabertaspelaresextensasãopermanentementetranspostasemvista

deumuniversodeexperimentações infinitasentreamatériacorporaleacoisa.Um

“marcapasso”(oualgumdispositivosemelhante),peloqualsealcançaaprofundidade

de uma interação elétrica entre corpo e aparelho, não é um nome que associamos

exclusivamente ao coração – como se vê numa radiografia frontal em Goldman e

Ausiello86 –, mas agora também ao abdômen – através da vBloc Therapy87 – e ao

cérebro88:ambosparaocombateàobesidade.

AjulgarporestaspalavrasdeMiguelNicolelis89,entendemosconfirmarqueares

extensa, do século XVI cartesiano, está na vanguardade cadadivisa transposta pela

biotecnologiadoséculoXXI:

Interfaces diretas em tempo real entre o cérebro e dispositivoseletrônicosemecânicospoderiamumdiaserusadaspararestaurarasfunções sensoriais e motoras perdidas mediante lesão ou doença.Interfaces cérebro-máquinas híbridos também têm o potencial deaumentar nossas capacidades perceptivas, motoras e cognitivas,

83GUYTON,A.C.;HALL,J.E.Tratadodefisiologiamédica,p.384-385.84 Cf. CANCINO, J.; MARANGONI, V. S.; ZUCOLOTTO, V. “Nanotecnologia em medicina: aspectos fundamentais e principaispreocupações”. In: Quím. Nova. São Paulo: v. 37, n. 3, jun. 2014, pp. 521-26.http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40422014000300022&lng=en&nrm=iso (último acesso em16/06/2015).85Cf.HAWTHORNE,G.H.;BERNUCI,M.P.“Relaçãodananotecnologiacomaspráticasatuaisesuaspossíveisimplicaçõesfuturas”.In: Saúde e Pesquisa. Maringá: v. 8, 2015, pp. 79-91.http://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/saudpesq/article/view/3759/2514(últimoacessoem28/08/2015).86Cf.GOLDMAN,L.;AUSIELLO,D.CecilMedicina,p.382.87Cf.SHIKORA,S.;TOOULI,J.;HERRERA,M.F.etal.“Vagalblockingimprovesglycemiccontrolandelevatedbloodpressureinobesesubjectswithtype2diabetesmellitus”.In:Journalofobesity.v.2013,2013.http://www.hindawi.com/journals/jobe/2013/245683/(últimoacessoem04/05/2015).88Apósafasedeexperimentaçãoemmacacos(cf.LÁCAN,G.;SALLES,A.A.F.de;GORGULHO,A.A.etal.“ModulationoffoodintakefollowingdeepbrainstimulationoftheventromedialhypothalamusinthevervetmonkeyLaboratoryinvestigation”.In:JournalofNeurosurgery. v. 108, n. 2, fev. 2008, pp. 336-42. http://thejns.org/doi/abs/10.3171/JNS/2008/108/2/0336?journalCode=jns&.Último acesso em 03/05/2015), as pesquisas agora alcançam os seres humanos(http://www.istoe.com.br/reportagens/401340_IMPLANTE+CONTRA+A+OBESIDADE.Últimoacessoem03/05/2015).89Seucurrículoestáatreladoàspesquisasemneuroengenharia,comtrabalhossobreas“interfacescérebro-máquina” (BMIs)–Brain–machine interfaces (cf. NICOLELIS, M. A. L. et al. “A Brain-Machine Interface Instructed by Direct IntracorticalMicrostimulation”. In: Frontiers in Integrative Neuroscience. v. 3, n. 20, 1 set. 2009.http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2741294/.Últimoacessoem27/07/2015)–eoexoesqueletodoProjetoAndardeNovo (http://www.natalneuro.org.br/.Últimoacessoem17/04/2015):umestudoquedevolveamobilidadeaparaplégicospormeiodeuma“neuroprótese”,vulgo“exoesqueleto”.

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revolucionandoomodo comousamos computadores e interagimoscomambientesremotos.90

Emboraoneurocientistatenhaproclamado,aefeitodearesmessiânicos,que“o

cultodocorpoacabou,começaagoraodamente”,asexperiênciascomtecnologiade

interfacecérebro-máquina(ICM),emrelaçãoaocorpo,nãoanunciammaisdoquejá

estácontidonaresextensa,marcodocorpo-máquina,umcorpodoqualtambémfaz

parteocérebro.91

Segundo Le Brenton, há atualmente suposições que testam esses limites,

apostandoqueaneteouniversodocomputadortalvezlevemàsúltimasconsequências

oqueocorpo-máquinacartesianoprincipiou.Seexequívelounão,sãoessesosanseios

de um movimento de inspiração ultra gnóstica que, de tão entusiasta pelas novas

tecnologias,preanunciaofimdocorpo:quandoapós-humanidadefinalmenteselivrará

desse fardo perecível e anacrônico que é a carne, acedendo gloriosamente ao

ciberespaço enquanto matriz da consciência pura e da existência real. Para essas

comunidadesvirtuais–comoadosextropianos(queestãoforadaentropia)–eteóricos

comoG.J.Sussman,D.Ross,R.Jastrow,HarryHarrison,HansMoravec,TimothyLeary,

“aobsolescênciadocorpohumanoéumfatoconsumado”92,eohomem,finalmente

desprovidodecorpo,imergiráparaointeriordamáquina.Éclaroqueessasuposição

extrema, por sustentar a redução da mente (mens) a um substrato mecânico, é

inadmissívelàmetafísicacartesiana;poroutrolado,acompatibilidadeentreamatéria

biológicacomosmetaisdeumamotherboarddesdobraateseepistemológicajácontida

naresextensa.

ArecepçãodeSimondon

90 NICOLELIS, M. A. L. “Actions from thoughts”. In: Nature. n. 409, 18 jan. 2001, pp. 403-07.http://www.nature.com/nature/journal/v409/n6818/abs/409403a0.html(últimoacessoem27/07/2015).Traduçãonossa.91Cf.KIM,JoonHo.Oestigmadadeficiênciaeoparadigmadareconstruçãobiocibernéticadocorpo.2013.Tese(DoutoradoemAntropologia Social). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, pp. 426-434.http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8134/tde-10022014-111556/pt-br.php(últimoacessoem11/08/2015).92LEBRETON,D.“Adeusaocorpo”.In:NOVAES,A.(Org.).Ohomem-máquina:aciênciamanipulaocorpo.TraduçãodePauloNeves.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2003,p.126.

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Pensandoocorpopelaviadeumintercâmbioessencial–diz-sesubstancial–com

os aparelhos mecânicos, Descartes estabelece uma prerrogativa para os artifícios

tecnológicosquesetornavamgradativamentetangíveisaoespíritomodernoocidental,

particularmentenapesquisaembiomedicina.Talestimativacolocaemmiraanoçãode

“objetostécnicos”,vinculadaporGilbertSimondon.Comelanossentimosapoiadosem

nossaproposiçãoporumaconsubstancialidadeentrearesextensaeasmencionadas

técnicasmédicasdeintervençãoesaúde.

De certo, trata-se de uma contundente recepção, porque no raio de suas

problemáticas está, por exemplo, o de redefinir “as relações entre o homem e a

máquina, entre a natureza eo artifício, numa sociologiada inovaçãoquenão vêna

técnicaapenasuminstrumentoaserviçode interesses ideológicos,mastambémum

importanteespaçodemediação”93entreohomemeanatureza.

OpensamentodeSimondon,principalmenteaqueleexpressonaprimeiradastrês

partesemDumoded’existencedesobjectstechniques,de1958,questionaodiscurso

tecnofóbico94quesupõeumalutainsuperávelentrehomememáquinanabuscapor

domíniodeumsobreooutro95.Issoreflete,narealidade,tantoumaignorânciaquanto

umnãomodestodesiquilíbrioculturaltocanteàsmáquinas.Emtalpanoramarepercute

aspalavrasdeSimondon:“oobjetotécnicodevesersalvo.Eledevesersalvodeseu

estadoatualqueémiseráveleinjusto.[...].Porconseguinte,faz-senecessáriomodificar

ascondiçõesnasquaiseleseencontra,nasquaiséproduzidoenasquaissobretudoé

utilizado,porqueeleéutilizadodeumaformadegradante”.96

Os objetos técnicos, em suas condições atuais, estão postos num estado de

alienaçãoporpartedacultura,dondeaurgênciadesedesarticularoprocessopeloqual

são condenados à rápida obsolescência97. Haveria, conforme o diagnóstico de

93CAMPOS,J.L.de;CHAGAS,F.“OsconceitosdeGilbertSimondoncomofundamentosparaodesign”. In:Bibliotecaon-linedeCiênciasdaComunicação.2008,p.1.http://www.bocc.ubi.pt/pag/campos-jorge-chagas-filipe-conceitos-de-gilbert-simondon.pdf(últimoacessoem14/06/2015).94Cf.SIMONDON,G.Elmododeexistenciadelosobjetostécnicos.BuenosAires:PrometeoLibros,2007/1958,pp.31-32.95Cf.COUTO,E.S.“GilbertSimondon:culturaeevoluçãodoobjetotécnico”.In:IIIENECULT–EncontrodeEstudosMultidisciplinaresem Cultura. Salvador: 23-25 maio 2007. http://www.cult.ufba.br/enecult2007/EdvaldoSouzaCouto.pdf (último acesso em06/06/2015).96SIMONDON,G.apudKECHKIAN,A.“Sauverl’objettechnique–entretienavecGilbertSimondon”.In:Esprit.Paris:n.76,abr.1983,pp.147-52.https://monoskop.org/images/6/6d/Simondon_Gilbert_Kechickian_Anita_1983_Sauver_l_objet_technique.pdf(últimoacessoem16/07/2015).Traduçãonossa.97Namesmaentrevista,Simondondáoexemplodoautomóvel,quenãoéfabricadoparadurar,masparasedegradarempoucosanos.Enquantohámovimentospelapreservaçãoambiental,pelorespeitoaosanimaisetc.,Simondonseinsurgepeladignidadedosobjetosquevêmsendoesmagadospelalógicaatualdatécnica.

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Simondon,umdesconhecimentogeneralizadoacercadanaturezadosobjetostécnicos,

em boa parte por causa da negligência do homem em fazer-se de mediador e

destinatário da tecnologia. “A cultura está desequilibrada porque reconhece certos

objetos, como o objeto estético, e recorda-lhe direito de cidadania no mundo das

significações,enquantorechaçaoutrosobjetos,eemparticularosobjetostécnicos,no

mundo sem estrutura do que não possui significações, mas somente um uso, uma

funçãoútil”.98

Seháummal-estarcontemporâneoemtermosdeiniciaçãoaosconhecimentos

técnicosoudeinclusãodigitalquantoanovosrecursostecnológicos,emrespostaaisso

Simondon articula uma abordagem não utilitarista, defendendo a especificidade e

autonomiadosobjetos técnicos,que têmvaloremsimesmos.Para realçar isso, ele

mostraahistóriadatécnicaapartirdaprópriatécnica,enãodecondiçõesextrínsecas

aela,afirmandoqueéatécnica,antesmesmodavontadeedopensamento,oíndice

maisvisíveldomodocomonosrelacionamoscomoambiente99:“oobjetotécnicoteria

sidoinventado,independentementedequalquerdeterminaçãoeconômica,históricae

social, viabilizando,napresençada realidadehumana,uma relação semdominação,

numaespéciedemeioassociadodeevoluçãocorrelativa”.100

Portantoaontogêneseouevoluçãogenéticadatécnicaestáentreastesescentrais

que definem um objeto técnico, constituído, segundo Simondon, num processo de

evoluçãotemporalporondeadquirecertaautonomiaeatémesmoumaformaprópria

de individualidade. Com essa ideia de individuação quer-se “reconciliar e integrar a

realidade técnica à cultura universal para harmonizar as máquinas e as técnicas

aplicadasaossereshumanos”.101

Háentãoumgravedesequilíbriopeloqualaculturanegaainserçãodosobjetos

técnicosnumcampodesignificaçõesalémdautilidade.Umaestatísticadesconcertante

arespeitodessedramaérelatadapelaONU,queprevê50milhõesdetoneladasdelixo

98SIMONDON,G.Elmododeexistenciadelosobjetostécnicos,p.32.Traduçãonossa.99“Apartirdoimpérioromano,atecnicidadeganhouforça,progressivamente,atéosdiasdehoje,passandoportrêsestágios:1º)odoelemento(dasferramentas,dosinstrumentos)queiriaatéoséculoXVI;2º)odoindivíduo(dasmáquinas)desenvolvidonosséculosXVIII eXIX;e3º)odoconjunto (das indústrias,das redes)ocorrido jáno séculoXX” (CAMPOS, J. L.de;CHAGAS,F.OsconceitosdeGilbertSimondoncomofundamentosparaodesign,p.3).100CAMPOS,J.L.de;CHAGAS,F.OsconceitosdeGilbertSimondoncomofundamentosparaodesign,p.3.101CAMPOS,J.L.de;CHAGAS,F.OsconceitosdeGilbertSimondoncomofundamentosparaodesign,p.3.

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eletrônicoem2017,amaiorporçãodecomputadoresesmartphones102.Emboraesse

debate sejadirigidoem termosdedesenvolvimentoecologicamente sustentável,ele

muito nos interessa para ilustrar a preocupação de Simondon em termos de

humanização,poisseriatrágicopensaraculturademodotãorestrito,semadmitiros

objetostécnicoscomoconstituintesda(enãoumaameaçaà)humanidade.“Paravoltar

adaràculturaocaráterverdadeiramentegeralqueperdera,éprecisopodervoltara

introduzirnelaaconsciênciadanaturezadasmáquinas,desuasrelaçõesmútuas,ede

suasrelaçõescomohomem,edosvaloresimplicadosnestasrelações”.103

AreivindicaçãodeSimondonporum“reino”–nãoumreinado–dasmáquinasfaz

eco às relações inauguradas pela res extensamoderno-cartesiana, precisamente por

aquiloqueeleprevêde relaçãoentrecorpoemáquina. “Apresençadohomemnas

máquinas é uma invenção perpetuada. O que reside nas máquinas é a realidade

humana, o gesto humano fixado e cristalizado em estruturas que funcionam”104. Se

pensarmos,comoofazSimondon,queos“serestécnicos”possuemtantodehumano

comooprópriohomem,entãooimplanteortopédico,aligadetitânico,omarcapasso,

ahemodiálise,oexoesqueletoetc.possuemtantodecorpocomooprópriocorpo.

Enquantoumsentidodecorporeidade,aresextensaabriuaoespíritomoderno

umacessoinauditonohorizontedeumintercâmbioentrecorpoeaparatosmecânicos,

afimdepercorrerumaviadehumanização.Oselodeumaafinidadeentrecarneeseres

técnicos é irredutivelmente um selo de humanização, tal como afirma, para

concluirmos, Galimberti: “A técnica não é neutra, porque cria um mundo com

determinadascaraterísticascomasquaisnãopodemosdeixardeconvivere,vivendo

comelas,contrairhábitosquenostransformamobrigatoriamente”.105

Consideraçõesfinais

102ONUprevêquemundoterá50milhõesdetoneladasdelixoeletrônicoem2017.http://nacoesunidas.org/onu-preve-que-mundo-tera-50-milhoes-de-toneladas-de-lixo-eletronico-em-2017/(últimoacessoem15/06/2015).103SIMONDON,G.Elmododeexistenciadelosobjetostécnicos,p.35.Traduçãonossa.104SIMONDON,G.Elmododeexistenciadelosobjetostécnicos,p.34.Traduçãonossa.105GALIMBERTI,U.PsicheeTechne:ohomemnaidadedatécnica.SãoPaulo:Paulus,2006,p.8.

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Recorremos ao conceito de res extensa a fim de trabalhar filosoficamente as

inúmerasfrentesdepesquisanaáreamédico-terapêutica.Assinalamosqueafórmula

cartesianacriaaprerrogativadeumainteração,semtabus,entreocorpoeamáquina.

Issosignificaquetodososexperimentoseinventoscientíficosquemencionamosestão,

num sentido epistemológico, sob o patrocínio de uma noção específica de corpo.O

“corpo-máquina”sintetizae inauguraummodusdecooperaçãoe integraçãoentreo

corpohumanoeastecnologias,promovendoumcontinuumondeacarneeometal,o

biológico-materialeacoisamecânicapartilhamdeumamesmasubstancialidade.

Parachegarmosaessasconclusões,primeiramenteassentamosquearesextensa

exprime uma corporeidade ligada ao paradigmamecânico-matemático. Em seguida,

mostramos como esses aspectos mecânico e matemático estão implicados,

respectivamente, nos termos coisa (res) e extensão (extensa), trazendo aos nossos

argumentosamplaevidênciatextualporbaseemcomentadorese,principalmente,na

própria obra deDescartes.O corpo-máquina é uma concepçãode corpo talhada no

conceitomodernodeextensão.Comaresextensaemerge,naModernidadeocidental,

uma nova concepção de corpo/corporeidade, estabelecendo a prerrogativa de uma

interaçãoentreocorpoeamáquinaeabrindoumhorizontedeexperimentaçõesad

infinitum.

Embora o tema enseje inevitavelmente considerações sobre a alma e a res

cogitans,esseenfoqueultrapassaolimitequenossainvestigaçãoseimpõeaorestringir-

seaoproblemadocorpoevisualizaranoçãocartesiananoíndicedesuagrandeza.Ares

extensa nos apresentaumcorpo inerte, objetivadoedessacralizado, indiferente aos

atributosdevidaemorte.Nãoobstante,odesenvolvimento técnico-científicoatual,

comtodasasofertasdequenosbeneficiamos,cuidoudeefetivaroqueemDescartes

aparececomoumaintuiçãofundamental,neutralizandoadistânciaentreaanatomiado

cadávereaengenhariadosmaisdiversostiposdeautômatos.

Descarteséoriginalporprojetaressapercepçãorelativaaomundodasmáquinas,

queemsuaépocafaziam-secadavezmaispresentesnocotidianodascidadesedas

atividades humanas. Os autômatos chamam-lhe a atenção, e ele então produz uma

filosofiaarespeitodeles.Vemosnissoumaestimativaemdimensionarasmáquinascom

o homem, linha em que também se sintoniza um autor contemporâneo, Gilbert

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Simondon.SeDescartespromoveauniãoentreasartesmecânicaseumafilosofiaque

tenha utilidade para o homem, Simondon ergue-se contra um desequilíbrio cultural

ondeohomemnãosecolocacomoummediadorentreasmáquinas,mascompromete

suaprópriasubsistênciaaofazerdelasuminstrumentodescartável.UrgeparaaFilosofia

daCiênciauma reflexão sobreessasquestões, aoqueprocuramosaquinosassociar

abordandoafundamentaçãodepráticasmédico-terapêuticasnaresextensacartesiana.

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DoutoraemFilosofia;ProfessoraAssociadadoDepartamentodeFilosofia

edoProgramadePós-graduaçãoemFilosofiadaUniversidadeFederaldoEspíritoSanto(PPGFil/UFES)E-mail:[email protected]

MestreemFilosofiapelaUniversidadeFederaldoEspíritoSanto(UFES)

E-mail:[email protected]