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O culto a Maria, os dogmas marianos e a tradição apostólica Na sua erudita obra "Maria na Patrística dos séculos I e II" (Madrid: BAC, 1970, p. 371) o marianíssimo José Antonio de Aldama, S.I., confessa: "Falar de verdadeiro culto a Maria no século II seria anacrónico." Sobre os dogmas marianos: 1. A primeira defesa da virgindade perpétua é provavelmente o  Adversus Helvidium de Jerónimo, escrito em finais do século IV. Foi depois defendida por Leão I. O dogma da virgindade perpétua - antes, durante e depois do parto - foi definido por um sínodo local (III Latrão, 649) sob o papa Martinho I, e ratificado pelo III de Constantinopla, sexto ecuménico (680-681). Ou seja, nada se ouve acerca da virgindade perpétua antes de finais do século IV. 2. A imaculada conceição é completamente desconhecida para a Igreja antiga. A sua formulação é medieval tar dia, e originou controvér sia s entre os próp rios teólogos escolásticos. De facto, foi proposto como dogma no concílio de Basileia (1439) mas de maneira inlida que o papa Eunio IV excomungou os membros do concílio. O primeiro a aceitar esta doutrina foi Sisto IV em 1477, pelo menos de modo indirecto, ao aprovar a festa da Imaculada Conceição da Virgem. O próprio Concílio de Trento se absteve prudentemente de sancionar o dogma. Não veio a ser tal até 1854, graças a Pio IX. 3. Sobre a Assunção corporal de Maria aos céus, diz o hipermariologista P. Carol: "Não existe nenhum documento do magistério anterior a Pio XII em que se declare oficialmente a assunção corporal da Virgem aos céus." Não há vestígios no Ocidente da ideia, para não falar do dogma, até finais do século VIII. Fonte: J.B. Carol (Dir.): Mariología. Madrid: BAC, 1964. De modo que é óbvio que estes dogmas não surgiram de tradições provenientes dos Apóstolos, das quais fal ta completamente qualqu er tes temunho, mas de desvios doutrinais produzidos sobretudo a partir da idade média. A desculpa da tradição apostólica transmitida oralmente na Igreja não serve. A própria Igreja de Roma at é hoje o pôd e (ou melhor, o quis) delimi tar e enunciar o que arbitrariamente chama "tradi ção apostó lica", que lhe permitiu introduzir doutrinas totalmente desconhecidas pelos Apóstolos.

O culto a Maria, os dogmas marianos e a tradição apostólica

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8/4/2019 O culto a Maria, os dogmas marianos e a tradição apostólica

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O culto a Maria, os dogmas marianos e a tradiçãoapostólica

Na sua erudita obra "Maria na Patrística dos séculos I e II" (Madrid: BAC, 1970, p.

371) o marianíssimo José Antonio de Aldama, S.I., confessa: "Falar de verdadeiroculto a Maria no século II seria anacrónico."

Sobre os dogmas marianos:

1. A primeira defesa da virgindade perpétua é provavelmente o  Adversus Helvidium

de Jerónimo, escrito em finais do século IV. Foi depois defendida por Leão I. Odogma da virgindade perpétua - antes, durante e depois do parto - foi definido porum sínodo local (III Latrão, 649) sob o papa Martinho I, e ratificado pelo III deConstantinopla, sexto ecuménico (680-681).

Ou seja, nada se ouve acerca da virgindade perpétua antes de finais do século IV.

2. A imaculada conceição é completamente desconhecida para a Igreja antiga. Asua formulação é medieval tardia, e originou controvérsias entre os própriosteólogos escolásticos. De facto, foi proposto como dogma no concílio de Basileia(1439) mas de maneira inválida já que o papa Eugénio IV excomungou osmembros do concílio. O primeiro a aceitar esta doutrina foi Sisto IV em 1477, pelomenos de modo indirecto, ao aprovar a festa da Imaculada Conceição da Virgem.O próprio Concílio de Trento se absteve prudentemente de sancionar o dogma. Nãoveio a ser tal até 1854, graças a Pio IX.

3. Sobre a Assunção corporal de Maria aos céus, diz o hipermariologista P. Carol:

"Não existe nenhum documento do magistério anterior a Pio XII em que se declareoficialmente a assunção corporal da Virgem aos céus."

Não há vestígios no Ocidente da ideia, para não falar do dogma, até finais do séculoVIII.

Fonte: J.B. Carol (Dir.): Mariología. Madrid: BAC, 1964.

De modo que é óbvio que estes dogmas não surgiram de tradições provenientesdos Apóstolos, das quais falta completamente qualquer testemunho, mas dedesvios doutrinais produzidos sobretudo a partir da idade média.

A desculpa da tradição apostólica transmitida oralmente na Igreja não serve. A

própria Igreja de Roma até hoje não pôde (ou melhor, não quis) delimitar eenunciar o que arbitrariamente chama "tradição apostólica", que lhe permitiuintroduzir doutrinas totalmente desconhecidas pelos Apóstolos.