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O CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UNIOESTE:
UMA POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO
Jurema de Fatima Knopf1
Maicon Diékson Costa Leite2
RESUMO: Este artigo discute o curso de Licenciatura em Educação do Campo – LedoC
implementado na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. O curso insere-se nesta instituição
mediante a luta organizada dos Movimentos Sociais Populares do Campo – MSP’sdoC. A formação
de educadores do campo demarca as conquistas adquiridas no campo da luta por educação e políticas
educacionais específicas para os trabalhadores do campo. Nesta direção, objetivamos com este estudo:
identificar e refletir aspectos específicos do curso de licenciatura em Educação do Campo – Turma
Paulo Freire e analisar a organização curricular por área do conhecimento prevista no PPP deste curso.
Para alcançar estes objetivos realizamos estudos bibliográficos sobre temáticas que perpassam a
pesquisa e análise documental do Projeto Político Pedagógico – PPP do curso. Entendemos que o
curso de LedoC é parte das conquistas dos MSP’sdoC e pretende a formação do educador que
compreenda a realidade do campo e da educação, com habilidades e conhecimentos específicos que
possibilitem articular, projetar e propor uma escola com uma organização curricular que contemple
as diferentes formas de saberes, de vida, cultura e trabalho no campo.
PALAVRAS CHAVE: Educação do Campo, Formação de Educador, Currículo.
INTRODUÇÃO
A materialidade da luta pela terra no Brasil contemporâneo faz-se mediada pelo
surgimento de Movimentos Sociais que, principalmente, a partir dos anos de 1990,
configuram a Educação do Campo na cena nacional de luta por políticas educacionais.
As lutas sociais do campo recolocam a discussão da educação para todos a partir da
especificidade do campo e de seus sujeitos, na agenda nacional. É a materialidade do campo a
propulsora de práticas educativas que disputam e exigem do Estado políticas educacionais
protagonizadas pelos seus sujeitos. Entende-se que as políticas educacionais se
constituem mediada pela disputa de interesses das classes fundamentais e suas frações, que
configuram o Estado burguês. Se circunscrevem mediadas pela luta dos trabalhadores, que a
impelem ao Estado e buscam assegurar a educação como direito real.
1 Mestre em Educação pela Unioeste – email: [email protected]
2 Licenciado em Pedagogia para Educadores do Campo pela Unioeste.
2
Tomamos como referência para este estudo as práticas educativas desenvolvidas no
interior dos Movimentos Sociais Populares do Campo - MSP’sdoC, dentre as quais,
localizamos o curso de Licenciatura em Educação do Campo – LedoC da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – Cascavel, que é parte das políticas educacionais do
campo no Paraná. A especificidade deste curso emerge das demandas concretas destes
Movimentos, que pautam a luta pela terra e educação como emergenciais para a seguridade de
direitos humanos fundamentais.
Os cursos de LedoC são efetivados mediante a consolidação do Programa de Apoio a
Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo – PRONACAMPO, que foi
aprovado pelo MEC em Consonância com a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade – SECAD, Secretaria de Educação Superior – SESU e Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. Este programa surge em resposta às
demandas e reivindicação dos Movimentos Sociais do Campo, em especial o Movimentos dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST e Instituições de Ensino Superior – IES.
O programa em destaque objetiva promover a formação inicial dos docentes do campo
por meio de cursos de LedoC, organizados por área do conhecimento, em regime de
alternância. Habilita profissionais para atuação nos anos finais do ensino
fundamental e ensino médio em escolas do campo. Sua implementação iniciou como projeto
piloto no ano de 2007, nas universidades federais de Brasília, Minas Gerais e Bahia (Unb,
UFMG, UFS, UFBA). No ano de 2008 o MEC torna público, em âmbito nacional, a
institucionalização do PRONACAMPO como política de formação para o docente do campo
por meio do Edital nº 02/2008, o qual convoca a todas as universidades do país para
apresentar propostas de cursos de LedoC. No Paraná a Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – Unioeste, concorre a este edital e inicia em 2010 a primeira turma de LedoC da
Unioeste, que posteriormente, denominou-se turma Paulo Freire.
O presente texto objetiva identificar e refletir aspectos específicos do curso de
licenciatura em Educação do Campo – Turma Paulo Freire e analisar a organização curricular
por área do conhecimento prevista no PPP deste curso. O que estes elementos citados
apontam de desafios para a universidade? Que características são afirmadas na formação do
educador do campo?
3
Os aspectos históricos da constituição do curso LedoC pode ser aprofundada em
outros estudos e artigos3 produzidos sobre. Nosso intuito, aqui, é explicitar no caminho da
pesquisa as especificidades deste curso na formação do educador do campo, comprometido
com a construção de alternativas curriculares que contraponham a lógica disciplinar adotada
na maioria das escolas do campo na atualidade. Para alcançar os objetivos propostos neste
estudo recorremos a estudos bibliográficos que auxiliam na compreensão sobre a temática, na
qual se insere a formação de educadores do campo.
Tomamos o PPP do curso como documento principal de análise para identificar e
discutir as especificidades do currículo organizado por área do conhecimento. A observação
vivida e o posicionamento político e pedagógico dos autores perpassaram os momentos de
estudo e análise documental neste estudo.
EDUCAÇÃO DO CAMPO: CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO E ESCOLA NA
FORMAÇÃO DE EDUCADORES DO CAMPO
A luta por educação do Campo emerge das práticas educativas que vinham
acontecendo no interior dos Movimentos Sociais Populares do Campo, que de forma
organizada reivindicam o seu protagonismo na formulação de políticas educacionais
específicas, que atendam suas formas de organização da vida e de trabalho no campo. É desde
este entendimento que discutimos a formação de educadores e a Educação do Campo no
contexto das políticas educacionais brasileiras.
A educação do Campo, no contexto educacional brasileiro, recoloca para a
sociedade o direito a educação universal, fruto de grandes debates e mobilizações de
educadores e setores da sociedade que se conformou na promulgado na Constituição Federal
de 1988. Desta forma, afirma o direito e protagonismo dos sujeitos do campo na constituição
de uma educação do e no campo, como destaca Caldart (2002, p. 26) “No; o povo tem direito
de ser educado no lugar onde vive. Do: o povo tem o direito a uma educação pensada desde o
seu lugar e com a sua participação, vinculada a sua cultura e as suas necessidades sociais”.
O direito a educação assume sentido político e pedagógico, pois trata-se de uma educação
3 Ver CAMPOS, J.C e VERDÉRIO, A.V. Licenciatura em Educação do Campo na Unioeste: elementos da
trajetória da turma Paulo Freire, Histdbr, 2013.
4
(Idem, p. 27) “dos e não para os sujeitos do campo. Feita, sim, através de políticas públicas,
mas construídas com os propósitos dos sujeitos dos direitos que a exigem”.
Ao afirmar que os sujeitos da educação do campo são os sujeitos do campo, que
incidem também no conteúdo e na forma das políticas educacionais específicas, contrapõe-se
aos programas educacionais materializados por meio da educação rural aos trabalhadores do
campo. A Educação do Campo demarca postura política ao contrapor- se a educação rural,
que pretendia frear a saída dos trabalhadores do campo em detrimento as demandas da
indústria, promovendo práticas pedagógicas a este público com o mesmo parâmetro da escola
urbana.
A concepção de Educação do Campo, desta forma, foi se configurando pelas lutas
sociais dos trabalhadores do campo e contra as condições sociais vigentes:
A Educação do Campo surge em um determinado momento e contexto histórico e não pode
ser compreendida em si mesma, ou apenas desde o mundo da educação ou desde os
parâmetros teóricos da pedagogia. Ela é um movimento real de combate ao atual estado das
coisas, produzidos pelos trabalhadores “pobres do campo”, trabalhadores sem-terra, sem
trabalho, sem escola, dispostos a reagir, a lutar, a se organizar contra o formato de relações
sociais que determina esta sua condição de falta. É este vínculo que dá a marca originária
da Educação do Campo: nasce das lutas sociais [...]. A Educação do Campo expressa
e confronta as contradições dessa sociedade, na particularidade em que modelam hoje a
luta de classes no campo. Seu projeto se constitui pelo modo como os trabalhadores do
campo e suas organizações se movimentam e se formam nesse quadro, buscando retomar e
transformar sua condição de camponeses. (CALDART, 2010, p.147-148).
Essa definição, formulada por Caldart, incorpora a perspectiva de totalidade inerente à
Educação do Campo e destaca os camponeses (e suas condições históricas de não acesso às
políticas educacionais), para que, como sujeitos políticos, considerassem as especificidades da
vida no campo, articulando a elas um novo projeto de sociedade e a respectiva educação
formal.
Deste modo, o campo e sues sujeitos conferem sentido a perspectiva de
educação gestada no interior dos Movimentos Sociais do Campo. A educação é entendida
como processo de formação humana que se estabelece nas relações sociais históricas, deste
modo, “a especificidade da Educação do Campo é do campo, dos seus sujeitos e dos
processos formadores em que estão socialmente envolvidos”. (Caldart, 2008, p. 73).
A materialidade da Educação do Campo visa alcançar a perspectiva de projeto social e
precisa ser compreendida desde as relações concretas nas quais se desenvolveu, pois segundo
5
Vendramini (2004), a Educação do Campo é apenas uma abstração se não considerada no
contexto em que é desenvolvida, nas relações que a suportam e, especialmente, se não for
compreendida no âmbito da luta de classes, luta que se expressa tanto no campo quanto na
cidade.
Nesta dimensão a educação é concebida vinculada ao destino do trabalho na sociedade
respaldada pela tradição pedagógica de perspectiva emancipatória e socialista. “Uma
tradição que nos orienta a pensar a educação colada à vida real, suas contradições, sua
historicidade; a pretender educar os sujeitos para o trabalho não alienado; para intervir nas
circunstancias objetivas que produzem o humano. (Idem, 2008, p. 78).
Deste modo, a lógica da vida no campo e as suas múltiplas dimensões orientam a
forma de conceber a educação e a organização do ensino na escola, na qual as formas de
trabalho e a relação com a vida adentram a esta instituição e questionam a sua organização
curricular atual.
Com relação à escola do campo,
Em nossa concepção de escola, a organização do trabalho pedagógico não está então,
centrada na transmissão de conteúdo, mas não os nega nem relativiza sua importância e
sim ao contrário quer dar mais sentido a eles pela busca permanente de um vínculo com
a realidade, com as questões da vida das pessoas. Nossos objetivos formativos não podem
ser atingidos apenas pelo ensino transmissivo de conteúdos mais críticos. É possível
formar ideias em sujeitos submissos e passivos. Em muitos lugares isso é feito. Nós
queremos (precisamos enquanto classe trabalhadora e na direção de seres humanos
mais plenos) formar sujeitos não submissos, organizadamente ativos e orientados por uma
visão de mundo. E isso não tem como garantir apenas através de conteúdos teóricos por
mais avançados e críticos que eles sejam nem mesmo apenas pelas atividades de estudo e
muito menos pelo estudo passivo de conteúdos fragmentados e descolados das questões da
realidade. Não podemos nos dar o luxo de deixar o tempo da escola de fora dos desafios
formativos mais amplo que temos. Mas nossa urgência histórica, nesse caso é porque
pertencemos a uma classe portadora de futuro, podem potencializar um processo educativo
muito mais denso de aprendizado e na direção de uma humanidade mais plena.
(CALDART, 2008, p.81).
Desta maneira, a escola do campo visa organizar o ensino de maneira a atenuar a
dicotomia entre trabalho e escola, campo e cidade. Nesse aspecto de repensar a forma de
ensinar e os conteúdos, é necessária uma ação conjunta entre a comunidade escolar e alunos,
principalmente porque é baseado no conjunto entre o que a entidade de ensino propõe e os
anseios dos educandos que se apoia para estruturar-se.
6
É neste contexto, na materialidade do campo e nas lutas sociais dos
trabalhadores do campo, que adquire significado a luta por políticas educacionais. É da
concepção de educação e escola gestada neste processo, que emerge da demanda da formação
de educadores que saibam dialogar e intervir, de forma mais específica, na realidade
educacional do campo na atualidade.
A demanda pela formação de educadores para as escolas do campo no Paraná surge
colada à reivindicação por políticas educacionais específicas para o campo, como explicita a
discussão coletiva sistematizada na Carta de Porto Barreiro (2000), formulada durante a
II Conferência Estadual por uma educação do Campo, que posteriormente ganham força nas
discussões e encaminhamentos da Articulação Estadual Por uma Educação do Campo4.
Este documento demarca a ausência de políticas sociais, em particular as educacionais do
campo e afirma a demanda por políticas educacionais específicas do campo que
contraponham-se a lógica capitalista de agricultura para o campo.
CONTEXTUALIZANDO O CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO
CAMPO TURMA PAULO FREIRE: ASPECTOS DA ORGANIZAÇÃO
CURRICULAR DO CURSO
O curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Estadual do Oeste
do Paraná foi implementado 20105. Iniciaram o curso 60 educandos dos estados de Tocantins,
Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
O curso, pensado para atender as especificidades dos povos do campo, é estruturado
em regime de alternância (tempo escola e tempo comunidade) e é projetado num total de nove
etapas6, distribuídas no período de quatro anos. Durante o Tempo Universidade (TU) os
educandos ficam alojados na universidade e frequentam as aulas previstas para a etapa. O
Tempo Comunidade (TC) corresponde até 30% da carga horária das disciplinas do curso e é o
4 A Articulação Paranaense foi constituída durante a II Conferência Nacional e assumiu o compromisso de dar
continuidade as discussões, debates e articulações iniciadas neste evento. 5 Autorizado pelo Decreto n. 6357 de 26 de fevereiro de 2010.
6 Originalmente, conforme o PPP (2009), eram 8 etapas, integralizando o curso em 4 anos, mas devido a um
problema de não repasse de verba para garantir as condições materiais dos educandos na universidade, o
curso foi reorganizado em mais uma etapa, inclusive por falta de tempo para concluir as atividades. A
conclusão do curso estava prevista para o final de 2013 e foi adiada para a metade de 2014.
7
momento em que os educandos retornam às suas comunidades de origem. Neste tempo os
educandos, além de cumprir com a carga horária das disciplinas, precisam se inserir nos
trabalhos individuais e coletivos de seus assentamentos.
A organização do Projeto Político Pedagógico deste curso referencia-se nas
experiências piloto dos cursos de Licenciatura em Educação do Campo que estavam em
andamento nas universidades federais, em particular no curso de Licenciatura em Educação
do Campo da Universidade Nacional de Brasília-UnB, em parceria com o Instituto Técnico de
Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária – ITERRA.
Este curso é materializado por meio da luta organizada dos trabalhadores do Campo,
que tencionam o Estado e exigem políticas agrícolas e educacionais que atenuam as
desigualdades sociais e projetem alternativas que contraponham-se a lógica educacional
capitalista no campo.
Portanto, uma das especificidades dos cursos de formação de professores, que é
retomado no PPP (2009) da turma Paulo Freire, é o comprometimento com a construção de
um projeto de campo e de educação que considere as suas formas de vida e de trabalho. Nesta
perspectiva, os objetivos esperados com a formação do educador do campo são:
a. Formar educadores para atuação específica junto às populações que trabalham e vivem no
e do campo, no âmbito das diferentes etapas e modalidades da Educação Básica, e da
diversidade de ações pedagógicas necessárias para concretizá-la como direito humano e
como ferramenta de desenvolvimento social.
b. Desenvolver estratégias de formação para a docência multidisciplinar em uma
organização curricular por áreas do conhecimento nas escolas do campo.
c. Contribuir na construção de alternativas de organização do trabalho escolar e
pedagógico que permitam a expansão da educação básica no e do campo, com a rapidez e
a qualidade exigida pela dinâmica social em que seus sujeitos se inserem e pela histórica
desigualdade que sofrem.
d. Estimular nas IES e demais parceiros da implementação desta Licenciatura ações
articuladas de ensino, de pesquisa e de extensão voltadas para demandas da Educação do
Campo (PPP, 2009).
8
Destaca-se no seu PPP (2009) o comprometimento com uma proposta educativa que
considere as especificidades do campo e que coloca para a universidade o desafio de efetivar a
formação docente pautada numa organização curricular por área do conhecimento. A estrutura
curricular adotada articula as disciplinas de ensino em quatro áreas de conhecimento:
Linguagens (expressão oral e escrita em Língua Portuguesa, Artes, Literatura); Ciências
Humanas e Sociais; Ciências da Natureza e Matemática; Ciências Agrárias.
A proposta do curso é formar o docente para a atuar em uma das áreas de
conhecimento: Ciências da Natureza e Matemática ou Ciências Agrárias, com
habilitação para atuar nos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e Ensino Médio,
em Escolas do Campo ou Escolas Itinerantes. A escolha por uma das áreas ocorre ao longo do
curso, depois de concluída a formação básica, comum para todos.
Nesta organização curricular o conhecimento está organizado em Núcleos de Estudos
Básicos (NEB); Núcleo de Estudos Específicos (NEE); Núcleos de Atividades Integradoras
(NAI) e Atividades Acadêmico-científico-culturais (AACC). O currículo7 prevê disciplinas,
seminários, estudo independente, estudos temáticos, oficinas de capacitação pedagógica,
oficinas de produção de materiais didáticos, trabalhos de campo e projetos. (PPP, 2009).
O curso pretende uma formação ampla, que articule aspectos gerais da relação escola e
comunidade no que diz respeito a necessária luta por sua permanência no campo e a dimensão
organizativa comunitária, bem como a formação docente específica na educação básica.
A proposição apresentada foi de criação de uma Licenciatura que se constitua desde a
especificidade da Educação do Campo (que inclui uma estreita relação entre educação e
processo de desenvolvimento comunitário) e que faça a formação dos educadores que
atuam ou pretendem atuar nas escolas do campo. Trata-se de desenvolver uma formação
que articule as diferentes etapas (e modalidades) da educação básica, preparando
educadores para uma atuação profissional que vá além da docência e dê conta da gestão
dos processos educativos que acontecem na escola. De forma articulada com esta atuação
mais ampla, esta Licenciatura pretende habilitar os professore para a docência
multidisciplinar em um currículo por áreas do conhecimento. (CALDART, 2010, p.131).
7 A carga horária do curso é de 3275 h, composta da seguinte forma: NEB - 780 h; NEE - 1410; NAI - 885 h,
sendo 210 h de pesquisa, 210 h de práticas pedagógicas, 405 h de estágios e 60 h de seminários integradores;
AACC - 200 h. São 8 h diárias de trabalho nos componentes curriculares durante cada tempo/espaço curso. E
ofertadas 60 vagas por turma (PPP, 2009).
9
Está articulado ao curso, desta forma, a importância de o docente saber gestar projetos
educativos alternativos, formais e não formais, e desenvolver práticas educativas
interdisciplinares, articuladas a um projeto de desenvolvimento sustentável de campo,
reiterando a relação entre trabalho e educação como articuladores da organização do ensino
nas escolas do campo.
O regime de alternância adotado no curso de LedoC propicia desenvolver a pesquisa
desde o início do curso. Ainda que de forma incipiente o diagnóstico da comunidade permite
o primeiro contato do educando com informações sistematizadas da realidade em que está
inserido.
Para isso, a articulação de dois regimes de trabalho: o momento de realização das aulas, e o
momento de convívio na comunidade. O trabalho de campo envolve desde a prática
profissional em ambiente escolar até as investigações diversas sustentadas por referenciais
teóricos, mediadas pelo desafio da análise crítica da sociedade. A pesquisa será o meio
utilizado para o resgate dos saberes produzidos pela comunidade, do conhecimento
científico e tecnológico presentes na práxis do Movimento, das práticas educativas
presentes em suas comunidades, dos elementos de sua cultura, da identidade dos sujeitos do
campo e seu projeto sócio-político (PPP, 2009).
A pesquisa, portanto, é considerada uma atividade, processo, que inicia no
primeiro ano do curso e articula-se a disciplina de estágio supervisionado I, que consiste na
observação e diagnóstico da comunidade e propicia maior interação entre o TC e o TU.
No decorrer do curso são organizadas as linhas de pesquisa, as quais correspondem as
intenções de pesquisa dos educandos. As linhas de pesquisa aproximam temáticas de
estudos e possibilitam que a compreensão de determinado objeto de estudo individual, seja
apropriada de forma mais coletiva pelos educandos dos grupos de cada linha. A pesquisa
conclui-se com a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, que tem como
produto final a produção de um trabalho monográfico, acompanhado e orientado por um
docente do curso.
O currículo, na perspectiva assumida neste curso, questiona a atual estrutura de
organização do conhecimento nas escolas e por isso aproxima-se de uma compreensão crítica
de currículo, como a assumida por Moreira e Tadeu (2011), para o qual o currículo é
considerado um artefato social e cultural.
10
Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de
sua história, de sua produção contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro
de transmissão desinteressada do conhecimento social (MOREIRA e TADEU 2011, p.14).
Esta compreensão implica considerar que o currículo e seus arranjos de organização
do conhecimento, estão imbricadas às formas de organização da sociedade e da educação e
contribui para afirmar determinadas relações de poder nestes contextos. Portanto, o currículo
está implicado de relações de poder, transmite visões sociais particulares e interessadas e
por isso produz identidades individuais e sociais particulares, que geralmente contribuem
para manter as relações hegemônicas de poder.
Para Moreira e Tadeu (2011) a disciplina constitui-se o núcleo central do currículo na
atualidade e foi circunscrita num contexto que demandava maior controle social. Nesta
mesma direção os autores pontuam a interdisciplinaridade, alegando que mesmo aliando-se a
discursos inovadores, em última instância ela pressupõe a existência da disciplina, o que
mantém inalterado o núcleo duro do currículo.
Na discussão sobre o tema, Jantsch Bianchetti (1995) considera que a
disciplinaridade e a interdisciplinaridade são filhas de seu tempo e que portanto, ambas são
construções humanas, que respondem as necessidades de cada período histórico. Os
fenômenos sociais, para serem explicados, necessitam do auxílio de diferentes ciências e desta
forma a interdisciplinaridade pode ser entendida como uma demanda da atualidade.
Sendo assim, a interdisciplinaridade, contraditoriamente, tanto pode afirmar os
elementos constitutivos da educação numa perspectiva do mercado, por meio das demandas
da formação de um profissional criativo e com capacidade de resolver problemas no seu posto
de trabalho, quanto pode articular-se a uma perspectiva crítica de educação e contribuir para
desvelar as contradições sociais do capital.
A interdisciplinaridade articular-se a perspectiva crítica de educação, segundo
Bianchetti (1995) ela deve articular-se a perspectiva histórica dialética e deste modo deve se
constituir elemento mediador entre as diferentes disciplinas. Não poderá, jamais, ser um
elemento de redução a um denominador comum, mas sim, um elemento teórico-metodológico
da diferença e da criatividade. A interdisciplinaridade, nesta lógica, é assumida como
princípio da máxima exploração das potencialidades de cada ciência, da compreensão de
seus limites, mas, acima de tudo, é o princípio da diversidade e criatividade.
11
Na organização curricular do curso de LedoC a interdisciplinaridade é assumida como
princípio metodológico à medida em que o estudo das disciplinas pressupõe a integração dos
seus conhecimentos por e entre as áreas de estudo. O desafio posto pelo curso é de que os
educandos, no final de sua formação, além do domínio específico dos conhecimentos da área
a qual foi habilitado, também adquira a “compreensão da lógica do trabalho interdisciplinar e
transdisciplinar no modo de produção da ciência e no modo de organizar o estudo/o ensino
por área do conhecimento”. Desta forma, a metodologia adotada na formação possibilita “que
os estudantes-educadores possam vivenciar na prática de sua formação a lógica do método
para o qual estão sendo preparados. (PPP, 2009).
Compreendemos o currículo por áreas como possibilidade de integração do
conhecimento, de forma não restrita aos limites disciplinares e suas partes isoladas, mas
organizada de modo que comtemple a perspectiva de totalidade, deste a realidade
específica e geral do aluno e do espaço em que se insere – o campo.
Segundo Santos (2008 apud RODRIGUES, 2010), a ideia de áreas do conhecimento
não é eliminar as disciplinas, pelo contrário, é através de cada uma delas que podemos
compreender o todo. Dialogando com o autor, entendemos que o conhecimento unificado em
termos do conceito de totalidade não é estanque porque a realidade está em constante
movimento, de modo que a realidade se transforma e os conceitos não são estáticos,
correspondem a seu tempo. Assim sendo, o conhecimento não é subjetivo, mas uma definição
concreta do real.
Outro autor que nos instiga compreender a organização do conhecimento por áreas é
Freitas (2003), que trabalha na perspectiva de aproximar ao máximo o ser humano da natureza
onde vive e às demais relações que permeiam a realidade, fazendo com que o saber não seja
estático, de forma que o sujeito consiga identificar-se em seu meio e aprenda reconhecer as
transformações que ocorrem a sua volta, podendo intervir na sua realidade. Para isso, é
necessário que tenha apropriação dos conhecimentos científicos, acesso a arte, a filosofia e a
história, enfim, a todas as formas de produção e criação humana.
As discussões sobre o ensino e o currículo por área do conhecimento no referido
curso, foram asseguradas mediante seminários e estudos específicos. Esta iniciativa pressupõe
uma estrutura político-pedagógica que possibilite a organização do ensino de maneira mais
12
articulada. Contudo, no decorrer do curso, observamos a dificuldade da equipe docente da
universidade em assumir a interdisciplinaridade no planejamento para a organização do
ensino por área do conhecimento.
Concluímos, portanto, que as especificidades do curso de LedoC – turma Paulo Freire
(regime de alternância e a área do conhecimento) configura uma estrutura curricular que
dinamiza o processo de ensino e aprendizagem, tanto no tempo universidade, quanto no
tempo comunidade, permitindo maior potencialização da relação teoria – prática na
formação do educador do campo.
O CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO E A LUTA
POR POLÍTICAS CURRICULARES ESPECÍFICAS DO CAMPO
No processo de desenvolvimento do curso de LedoC, identificou-se aspectos que
contradizem a sua estrutura curricular – área do conhecimento - projetada para a
formação do professor.
Além da formação adquirida durante o curso não condizer com a perspectiva da área
do conhecimento, como prevista no PPP (2009), a realidade das escolas do campo não
contempla a habilitação consentida pelo curso. A maioria das instituições de ensino
organizam o currículo por disciplinas.
Todavia, uma importante conquista de políticas educacionais específicas articuladas a
outra lógica de educação e organização do conhecimento se efetivou por meio da
estruturação da proposta curricular das Escolas Itinerantes8 do Estado do Paraná.
A proposta educacional destas escolas obrigou a Secretaria de Estado de Educação a
aprovar o Projeto Político Pedagógico da Escola Base- Colégio do Campo Iraci Salete Strozak
e reconhecer por meio da instrução nº 027/2010 SUED/SEED a atuação do professor por
áreas do conhecimento nesta instituição e nas Escolas Itinerantes a ele jurisdicionadas.
O documento supracitado organiza as áreas do conhecimento da seguinte forma: para
os anos finais do Ensino Fundamental área de Linguagens (Língua Espanhola, L.E.M
8 A Escola Itinerante é uma escola pública e estadual que atende as crianças e jovens dos acampamentos do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Estado do Paraná. Foi aprovada por meio do parecer
Parecer nº 1012/20033, de 8 de dezembro, emitido pelo Conselho Estadual de Educação (CEE/PR).
13
Espanhol, Artes e Educação Física); Ciências Humanas (História, Geografia e Ensino
Religioso) e Ciências da Natureza (Matemática e Ciências).
Para o Ensino Médio as áreas são organizadas da seguinte forma: Linguagens (Língua
Espanhola, L.E.M Espanhol, Artes e Educação Física); Ciências Humanas (História,
Geografia, Filosofia e Sociologia) e Ciências da Natureza (Matemática, Física, Química
e Biologia).
A instrução citada orienta que as aulas, nestas escolas, sejam ministradas por área do
conhecimento. Sabemos que a alocação do professor por PSS precariza o trabalho
docente, entendemos que foi uma importante conquista que aponta para a possibilidade de
pleitear outras mudanças na estrutura curricular nas escolas do campo.
Outro agravante é que a área de Ciências Agrárias não está contemplada como
possibilidade de atuação do professor nos anos finais e ensino médio, no qual são habilitados
durante o curso. Diante deste aspecto, identificamos um problema estrutural, político e
pedagógico no PPP deste curso, pois toma como objeto de formação a escola dos Anos Finais
do Ensino Fundamental e Médio/Profissionalizante, mas na prática o educando habilitado em
Ciências Agrárias poderá atuar apenas nos cursos técnicos profissionalizantes.
Diante destes aspectos e aos debates suscitados pelos educandos na fase final do curso,
apontamos para a necessidade de as escolas do campo pautarem a existência de disciplinas
que atendam a especificidade da organização da vida no campo. A organização curricular
das escolas do campo precisa aglutinar os avanços já conquistados na luta da
Educação do Campo e transformar suas experiências pedagógicas em políticas de
organização curricular reconhecidas pelo Estado.
CONCLUSÃO
O curso de Licenciatura em Educação do Campo – LedoC é um marco importante, que
contribui para repensar a escolas do campo e sua estrutura curricular, pois as especificidades
que orientam a formação do educador por área do conhecimento auxiliam no processo de
reflexão e análise da organização do trabalho pedagógico e da gestão nas escolas.
14
Identificamos que o PPP (2009) deste curso, prevê uma formação integrada,
alternando TU e TC e pressupõe a interdisciplinaridade como metodologia para a
articulação do conhecimento por áreas. Objetiva a formação do educador com
capacidade para gestar processo educativos escolares nas escolas do campo, a docência em
uma das áreas de conhecimento e capacidade de gestar processos educativos nas comunidades
camponesas.
Mesmo diante dos limites identificados, que estão circunscritos na própria estrutura
da universidade, não está habituada a fazer a formação do educador articulando as
disciplinas e o planejamento dos docentes. O curso suscitou debates importantes, que apontam
para a necessidade de as escolas do campo pautarem a existência de disciplinas que
atendam a especificidade da organização da vida no campo.
BIBLIOGRAFIA
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