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volume 2, 2007 9
O Desenvolvimento de Comunidades de Aprendizagem como Estratégia para a Formação Continuada de Professores
Mírian Rejane Magalhães Mendes e Ricardo Gauche
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Decanato de Pesquisa e Pós-Graduação
Instituto de Física Instituto de Química
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE CIÊNCIAS
Pesquisa Colaborativa e Comunidades de Aprendizagem: Possíveis Caminhos para a Formação Continuada
O DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADES DE APRENDIZAGEM COMO ESTRATÉGIA PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES [Texto Didático Produzido como Resultado da Dissertação de Mestrado]
Mirian Rejane Magalhães Mendes
Brasília – DF
Dezembro 2007
2
APRESENTAÇÃO
Caro professor, este texto é resultado de um trabalho colaborativo que
teve por finalidade construir uma proposta de formação continuada para
professores de Química do ensino médio. Foi elaborado pelos membros de uma
comunidade de aprendizagem formada por professores de Química do Ensino
Médio e pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências
da Universidade de Brasília – PPGEC.
Queríamos construir uma proposta que atendesse interesses específicos
dos professores de ensino médio, contemplando os problemas por nós
vivenciados na nossa prática docente. A forma como acontecem as ações de
formação continuada, quando acontecem, não satisfazia os nossos anseios.
Geralmente são cursos pontuais, elaborados por pessoas que não fazem parte
do contexto em que exercemos a nossa prática e, portanto, não têm
conhecimento das nossas reais necessidades formativas.
Entendemos que a reflexão coletiva sobre a nossa prática docente,
identificando os seus aspectos problemáticos e buscando formas de superá-los é
um caminho possível para promover tanto o nosso desenvolvimento profissional,
como a melhoria do nosso ensino de Química.
Antes de nos unirmos para promover a nossa formação por meio da
reflexão coletiva sobre a prática docente, não tínhamos o hábito de conversar
sobre as dificuldades que vivenciávamos em sala de aula. Nesse sentido,
vínhamos de uma prática isolada. Sentíamos a pressão resultante da crescente
complexidade do ato de ensinar, mas não sabíamos onde buscar subsídios para
lidar com ela. A percepção do nosso isolamento profissional e da necessidade de
3
nos unirmos para dar conta das demandas sempre crescentes colocadas à
Educação foi um aspecto decisivo para a formação da nossa comunidade.
Acreditávamos, e continuamos acreditando, que unidos, conversando
sobre as nossas dúvidas e dificuldades ao ensinar Química, sobre o
relacionamento com os alunos, as condições organizacionais e sociais em que
trabalhamos, poderíamos ajudar uns aos outros, compartilhando saberes e
experiências, estudando, revendo crenças e atitudes.
Assim, nos unimos em uma comunidade de aprendizagem e estamos
vivenciando um processo formativo que se fundamenta na reflexão coletiva, no
diálogo, na colaboração. O sentimento de não estarmos mais sozinhos, de
termos com quem contar, de pertencer a um grupo, nos fortalece, nos impulsiona
a continuar, resgata a nossa confiança e auto-estima. Nos sentimos pessoas
melhores, professores melhores. São esses sentimentos que nos levaram a
querer compartilhar com vocês, colegas professores do Ensino Médio, a nossa
proposta.
Converse com seus colegas, professores que como você acreditam que
podem melhorar seu ensino e que por meio dele podem contribuir para o
desenvolvimento de uma sociedade melhor. Colegas de sua escola ou de outras
instituições, que compartilhem seus ideais e que tenham interesse em se unirem
a você na consecução de objetivos comuns. Convide-os para formarem uma
comunidade de aprendizagem para refletirem coletivamente sobre o ensino-
aprendizagem de Química, sobre o trabalho docente que desenvolvem. Convide-
os para serem parceiros na produção de conhecimentos que poderão subsidiar a
prática docente de cada um. Isso pode ser feito por meio do desenvolvimento de
4
comunidades virtuais de aprendizagem e este texto foi escrito com o intuito de
ajudá-lo nesse sentido.
Dividimos o texto em três partes. Na primeira, apresentamos os
posicionamentos teóricos que assumimos ao desenvolver a nossa proposta. Na
segunda parte, tratamos da criação e desenvolvimento de uma comunidade
virtual de aprendizagem em um Sistema de Gerenciamento de Cursos (SGC)
chamado Moodle. O software Moodle é gratuito e está disponibilizado na Internet
para download. Na terceira parte, tecemos algumas considerações a respeito
das dificuldades e avanços que vivenciamos na constituição da nossa
comunidade (Comunidade Formação Permanente em Ensino de Química –
CFPEQ) e que se constituíram importante fonte de aprendizado para o nosso
fortalecimento.
Para finalizar, nos apresentamos, desejando a você sucesso na
constituição da sua comunidade de aprendizagem e cada vez mais convictos de
que o caminho que propomos é uma alternativa viável e frutífera para o
desenvolvimento profissional docente em uma perspectiva crítica, e por isso,
emancipadora.
MÍRIAN REJANE M. MENDES – Sou mineira, natural de Montes Claros.
Trabalho no Centro Federal de Educação Tecnológica de Januária, Minas Gerais
(CEFET Januária – MG), como professora de Química do ensino médio. O
trabalho desenvolvido com colegas, professores de Química, foi um aprendizado.
Oportunidade de amadurecimento pessoal e profissional. Por isso, acho importante
compartilhá-lo com outros professores. Acredito que dessa forma possa contribuir
para a construção de muitas histórias de realizações, mostrando que é possível
superar as nossas dificuldades quando nos unimos para enfrentá-las.
5
GISNÉIA SILVA BARBOSA – Sou natural de Januária-MG, onde estudei o
ensino fundamental, concluí o 3.º ano de Magistério em Esmeraldas-MG e cursei
Licenciatura Plena em Química na Universidade Federal de Viçosa. Leciono
Química na Escola Estadual Princesa Januária e na Escola Estadual Cônego
Ramiro Leite, buscando principalmente, por meio da CFPEQ, refletir sobre a nossa
prática pedagógica, nos ajudando mutuamente a melhorar o nível de aprendizagem
em nossas escolas, reavaliando sempre o nosso desempenho profissional.
JANE ALVES FERREIRA – Sou professora de Química da Escola
Agrotécnica Federal Antônio José Teixeira/Guanambi-BA, Ensino Médio. Quantas
reflexões fizemos ao longo destes dois anos e que importância teve para o nosso
dia-a-dia! Gostaria de expressar minha satisfação em fazer parte do grupo.
JÚNIA FERREREZ DO VALLE – sou mineira por adoção, pois nasci no
Espírito Santo. Sou professora de Química do Ensino Médio e trabalho na Escola
Estadual Olegário Maciel em Januária- MG, onde tenho 2 cargos efetivos.
A oportunidade que surgiu para nós professores, quando ingressamos na
comunidade e começamos a desenvolver esse trabalho, foi de enorme relevância
para nosso desenvolvimento pessoal e profissional, já que nos proporcionou uma
prática a qual até então não tínhamos acesso: a troca de experiências. Foi dado o
primeiro passo e, com certeza, outros maiores virão.
RICARDO GAUCHE – Sou professor da UnB e orientador da Mirian.
Trabalhei muitos anos como professor do então 2.º Grau, e mesmo do 1.º Grau,
na 8.ª série. Participar da CFPEQ, mesmo aquém do que gostaria, foi um
aprendizado único. Agradeço muito pela oportunidade que vocês me ofereceram.
Espero que surjam milhares de comunidades de aprendizagem, integrando-nos
7
INTRODUÇÃO
Neste texto, apresentamos uma proposta de formação continuada que se
apóia na articulação de três eixos: formação continuada em uma perspectiva
crítico-reflexiva, pesquisa colaborativa e Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC). A proposta foi construída no âmbito do mestrado
Profissional em Ensino de Ciências da Universidade de Brasília (Programa de
Pós-Graduação em Ensino de Ciências – PPGEC/UnB) 1 por meio de uma
parceria colaborativa entre pesquisadores do PPGEC e professores de Química
do Ensino Médio do interior dos estados de Minas Gerais e Bahia.
O grupo constituído por tal parceria, denominado Comunidade Formação
Permanente em Ensino de Química – CFPEQ, construiu a proposta à medida
que a vivenciava, por meio de um processo investigativo/formativo. Nos
caminhos percorridos, eram identificadas dificuldades e possibilidades de tal
empreendimento.
Um dos objetivos desse processo foi, por meio da reflexão sobre os
problemas e situações concretas da prática pedagógica, compreendê-la melhor, bem
como às circunstâncias em que ocorre. Para tanto, é necessário trazer para o
coletivo aspectos da prática docente que sejam considerados problemáticos,
identificá-los e questioná-los. Trata-se de explicitar significados e desestruturá-
los e de, nas interações com o “outro”, construir novos significados, novas
referências para o trabalho docente. Consideramos que essa compreensão é o
início do processo de (res)significação e (re)estruturação da prática e de conquista
da autonomia docente.
1 http://www.unb.br/ppgec.
8
A origem dessa proposta situa-se em questionamentos referentes às
dificuldades enfrentadas pelos professores de Ciências do Ensino Médio em
participarem de processos de formação continuada. Quando isso ocorre,
geralmente são ações pontuais concebidas em uma lógica instrumental. Esta
situação se agrava ainda mais quando os professores atuam em escolas do
interior dos estados, longe de centros acadêmicos que desenvolvam projetos
voltados para a formação continuada destes profissionais.
Privados do contato com outros profissionais da sua Área de atuação e
com os avanços teóricos produzidos – e excluídos desta produção – os
professores trabalham isoladamente, como podem e como sabem, referendados
por suas crenças e pelos saberes da experiência, procurando dar conta da
crescente complexidade do ato de ensinar.
A solidão nas práticas pode levar à cristalização das mesmas, tornando o
sujeito docente, de certa maneira, refratário às mudanças, o que tem sido
associado à idéia de resistência. Segundo Lima2, a idéia de resistência pode ser
compreendida como “sinônimo de atraso, aversão ao novo, anacronismo,
alienação, conservadorismo, decadência ou, simplesmente, falta de
entendimento” ou, pode ainda ser compreendida como “reação a um
acontecimento da vida que agride o indivíduo e nega sua condição de sujeito”.
Diante dessas considerações, a proposta que apresentamos possibilita
aos professores a participação efetiva, como sujeitos-autores, em um processo
de formação continuada fundamentado em uma abordagem crítico-reflexiva da
prática docente 3 . Nessa perspectiva, é favorecido o trabalho em espaços
2 LIMA, 2005, p. 121. 3 Para um entendimento mais aprofundado sobre formação docente em uma abordagem crítico-reflexiva, sugerimos as seguintes leituras: PIMENTA, 2002; GHEDIN, 2002; LIBÂNEO, 2002.
9
coletivos, a colaboração, o desenvolvimento pessoal e profissional e a conquista
da autonomia no fazer pedagógico. Caminha-se assim para a superação do
isolamento docente e da concepção do professor com técnico, ao qual cabe
aplicar na sua prática, os conhecimentos produzidos em esferas exteriores a ela.
Fundamentados na experiência da CFPEQ e com a expectativa de
contribuir para minimizar as dificuldades e potencializar as possibilidades na
construção de outras comunidades de aprendizagem, por outros professores,
produzimos este texto de apoio.
Estamos cientes de que a nossa experiência, por ter se dado em
condições históricas e sociais únicas, não poderá ser reproduzida, mas dela
poderão ser derivadas lições, inspirações e orientações que contribuam para a
construção de outros caminhos, por outros grupos, na constituição de processos
de desenvolvimento profissional docente.
10
PARTE 1 – ARTICULANDO CONCEITOS
Essa proposta foi construída à medida que era vivenciada pelos membros
da CFPEQ. Nesse processo, articulamos três eixos teóricos: a formação
continuada em uma perspectiva crítico-reflexiva, pesquisa colaborativa e
comunidades de aprendizagem. Discorreremos um pouco sobre cada um desses
eixos, para que você possa conhecer as idéias que fundamentaram a
constituição da CFPEQ e que poderão ajudar na constituição da sua
comunidade.
A expressão professor reflexivo ganhou o cenário educacional brasileiro
na década de 1990, a partir da difusão das idéias de Donald Shön4, o qual
propõe uma formação profissional baseada no que ele denomina ser uma
epistemologia da prática. Nesta, a prática profissional é valorizada, por meio da
reflexão e de sua análise e problematização, como momento de construção de
conhecimento.
As idéias de Schön constituíram um marco nas formas de se conceber a
formação docente por contraporem-se ao modelo da racionalidade técnica,
paradigma que dicotomiza a produção e a aplicação do conhecimento e de
acordo com o qual o professor é um técnico ao qual cabe o papel de aplicar os
conhecimentos produzidos na academia. No entanto, algumas críticas foram
apontadas a essas idéias. Dentre elas, destacamos: a possibilidade de
desenvolvimento de “praticismo”, no qual se entenderia que basta a prática para
a construção do conhecimento docente; de “individualismo”, no qual a reflexão
estaria restrita ao professor e sua prática, desconsiderando-se o contexto em
4 SCHÖN, D. La formación de profesionales reflexivos. Barcelona: Paidós, 1992. Citado por Pimenta (2002).
11
que ambos estão inseridos; de “hegemonia autoritária”, na qual a perspectiva
reflexiva seria bastante para a resolução dos problemas da prática; de
“modismo”, levando a uma apropriação indiscriminada e sem críticas, com
conseqüente banalização da perspectiva da reflexão.
As discussões em torno das críticas feitas à proposta de Schön ampliaram
o entendimento do termo professor reflexivo, ao apontarem para uma superação
do praticismo e do individualismo e para uma abordagem crítica da perspectiva
reflexiva. Essa orientação considera a articulação teoria-prática como
indispensável na produção de novos conhecimentos que possam levar a
transformações na prática docente. A reflexão é entendida como processo
coletivo, que envolve o entendimento dos contextos mais amplos nos quais a
prática educativa está inserida. A perspectiva reflexiva reveste-se de
intencionalidade política, visando a mudanças sociais de caráter emancipatório.
É essa dimensão crítica da prática reflexiva que consideramos no processo de
formação continuada que propomos.
A pesquisa colaborativa 5 pode ser caracterizada como um tipo de
pesquisa-ação, pois está voltada para a interpretação e compreensão de uma
determinada realidade, com vistas a nela intervir, a transformá-la. Envolve
investigações realizadas em parcerias formadas por pesquisadores acadêmicos
e profissionais de escolas. Nessa perspectiva, não se pretende que o professor
universitário, considerado especialista, prescreva os rumos das mudanças para
que os professores das escolas as executem. Ambos são responsáveis pelo
processo.
5 Sobre pesquisa colaborativa, sugerimos as seguintes leituras: GARRIDO, E.; PIMENTA, S. G.; MOURA, M. O., 2000; GIOVANI, L. M., 1998; MIZUKAMI, M. G. N., 2003.
12
O que diferencia esse tipo de pesquisa de outros tipos de parceria é,
sobretudo, o caráter de participação e colaboração de que se reveste. É a
presença, em todas as etapas do processo, de membros representativos da
situação em estudo, com o objetivo de intervir sobre essa mesma situação,
considerada insatisfatória, merecedora de estudos e de investigação para a
busca de soluções e de mudanças.
Giovanni (1998) aponta algumas idéias essenciais que devem compor
essa parceria colaborativa entre universidades e demais graus de ensino: a
ênfase no trabalho coletivo, com foco nas questões práticas da escola real, mas
também nos problemas teóricos; a atenção para o processo de investigação de
tais problemas e questões e para a implementação dos resultados obtidos; e o
crescimento e respeito mútuo entre todos os envolvidos.
Alguns aspectos positivos que a realização de pesquisas colaborativas
tem alcançado são também citados por Giovanni (1998). Dentre eles,
ressaltamos: a criação de uma estrutura que facilita, para os professores,
reflexão e ação sobre as desordens do ensino e os problemas escolares; a união
entre os professores, encorajando novas interações, gerando possibilidades de
professores assumirem novos papéis e exibirem lideranças; estreitamento da
lacuna entre “fazer pesquisa” e “implementar achados de pesquisa”.
Na presente proposta, assumimos a colaboração como aspecto central na
investigação e reflexão sobre a prática docente. A colaboração é entendida por
nós como diálogo partilhado, como oposto a trabalho partilhado. Não se trata,
portanto, de todos participarem de todas as etapas do processo, mas cada um
contribuir para que o objetivo comum seja alcançado.
13
Por meio do diálogo, podemos nos conhecer e nos constituir, analisar
nossas concepções, ações e vivências, conferir sentido às nossas práticas.
Segundo Maldaner6, “o conhecimento se constitui na relação intersubjetiva dos
atores sobre algo no mundo por meio da dialogicidade e não na relação do
sujeito, em reflexão solitária, com o objeto que procura conhecer e dominar”.
Os conhecimentos produzidos na pesquisa colaborativa sobre a prática
docente retornam a essa prática, possibilitando a sua (res)significação e abrindo
espaço para novos questionamentos. É nesse movimento contínuo de produção
de conhecimentos articulado na relação teoria-prática que o processo formativo
se dá, oportunizando o crescimento pessoal e profissional de todos os
envolvidos.
Os membros de um grupo que pesquisam colaborativamente, com o
objetivo de construir conhecimentos sobre a prática, vivenciam um processo
formativo contínuo e, dessa forma, pode-se considerar que constituam uma
comunidade de aprendizagem, no sentido dado ao termo por Afonso (2001):
a estrutura social que sustenta o trabalho de um grupo de indivíduos na prossecussão de um objectivo comum, alberga um novo modelo de cultura e de organização educativa que suporta a mudança em contexto educativo. Este modelo manifesta-se pelo empenho contínuo dos intervenientes no trabalho colaborativo e pelo reforço da capacidade de criação de elementos significativos dentro da comunidade. (p. 428).
Assim, a união de professores em comunidades de aprendizagem com o
objetivo de refletir coletivamente sobre os problemas e as dificuldades
vivenciadas na prática docente favorece o desenvolvimento pessoal e
profissional docente. Essa concepção busca romper com a lógica da
6 MALDANER, 2003, p. 142.
14
racionalidade técnica que, tradicionalmente, tem sido aplicada aos processos
formativos dos professores.
A articulação das TIC ao processo investigativo/formativo, coerentemente
com o direcionamento proposto, tem por finalidade prover espaços em que a
comunicação, interação e trabalho colaborativo sejam favorecidos. Isso não
exclui a possibilidade de encontros presenciais, mas estes, muitas vezes, são
dificultados por questões de distância, tempo, e outras circunstâncias. Nesse
sentido, desenvolver comunidades de aprendizagem em ambientes virtuais é
uma estratégia para favorecer a mobilização conjunta dos profissionais
envolvidos.
15
PARTE 2 – CRIANDO UMA COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM NO
MOODLE
A nossa intenção neste tópico é disponibilizar alguns subsídios teórico-
práticos para que você, professor de Química, possa criar comunidades virtuais
de aprendizagem no Moodle. As orientações subjacentes a esses subsídios são
aquelas apresentadas na primeira parte deste texto.
Compartilhamos do entendimento de Afonso, o qual já expusemos, de que
comunidade de aprendizagem é uma organização social. É um grupo de pessoas
que compartilham ideais e que se unem, trabalhando colaborativamente para
alcançar objetivos comuns. O espaço virtual não é a comunidade em si, mas o
“espaço” escolhido para favorecer as interações e o trabalho colaborativo entre
os membros que constituem a comunidade. Assim, você irá convidar colegas que
irão, juntamente com você, constituir uma comunidade de aprendizagem para
implementar e compartilhar de um processo de formação continuada.
É importante, ao fazer o convite, explicitar as finalidades, o direcionamento
escolhido, a forma de colaboração pretendida, a não hierarquização das
relações. Sendo um trabalho colaborativo e não hierarquizado, todos os
aspectos relativos à criação da comunidade devem ser apresentados, não
impostos. Sugestões devem ser dadas por todos e negociações promovidas, a
fim de se alcançar um entendimento coletivo. Sobre isso, Lima (2005) nos diz
que “o coletivo apresenta-se como síntese de muitas vozes, vivido no seu caráter
dialógico – de abertura e inacabamento” e acrescenta “É esse o sentido de
público conferido ao espaço coletivo do grupo: o lugar de se trocarem idéias. É
16
mais que um espaço de deliberações e discussões de ordem técnica. É onde se
entrecruzam variadas vozes e múltiplos sentidos”.
Essa orientação contribui para que os membros criem e desenvolvam um
sentimento de pertencimento cada vez maior ao grupo e, com o tempo, a
identidade do grupo irá se consolidando. Nas palavras de Lima “a identidade
remete a um projeto comum de escola, de aluno, de educação e de sociedade. A
cooperação implica a comunhão de um projeto que, sendo de todos, é de cada um”.
Para o desenvolvimento de um processo formativo de caráter crítico-
reflexivo e colaborativo, o ambiente virtual deve agregar ferramentas que
possibilitem várias formas de interação, o compartilhamento de materiais, o
desenvolvimento de atividades individuais e grupais, bem como o arquivamento
de todos os dados para que sejam recuperados quando necessário.
O Sistema de Gerenciamento de Cursos (SGC) Moodle – Modular Object
Oriented Dynamic Learning Environment7 – é um programa que contempla esses
aspectos. Além disso, é um programa de fonte aberta e livre, o que significa que,
apesar de possuir direitos autorais, pode ser redistribuído e o seu código-fonte
alterado ou desenvolvido originando novas versões, desde que sejam
disponibilizadas a terceiros, a licença original e os direitos do autor não sejam
modificados e o mesmo licenciamento seja aplicado a qualquer trabalho derivado
do mesmo8.
O Moodle agrega ferramentas que permitem a disponibilização de
conteúdos, a colaboração e a comunicação entre os usuários, como por
exemplo, fóruns, diálogo, mensagens, salas de bate-papo, alocação de
7 Essas informações estão disponíveis no seguinte endereço eletrônico: http://moodle.org. 8 Um texto de apresentação do Moodle, escrito por Renata Almeida Fonseca del Castillo, pode ser acessado no endereço: http://www.ccuec.unicamp.br/ead/index_html?foco2=Publicacoes/78095/947021&focomenu=Publicacoes.
17
documentos, textos, vídeos questionários, testes de opinião e lições, diário de
bordo, construção coletiva de textos, entre outras. A variedade e quantidade de
ferramentas do Moodle possibilitam uma maior flexibilidade na abordagem de um
determinado conteúdo, no sentido de que ele pode ser trabalhado de diversas
formas, de acordo com os objetivos definidos.
A utilização do Moodle irá favorecer o trabalho colaborativo, a relação
dialógica e a interatividade, valorizar a autonomia e permitir a cada membro da
comunidade ser autor no processo a ser vivenciado.
Para desenvolver uma comunidade virtual no Moodle, você poderá entrar
em contato com alguma instituição ou organização que tenha o Moodle
instalado, apresentando a proposta que pretende desenvolver e propondo uma
parceria para a criação da sua comunidade9. No caso de ser uma Instituição de
ensino superior, essa parceria se torna ainda mais desejável, pois além do
espaço virtual agrega a possibilidade do envolvimento de professores-parceiros
da Universidade no projeto coletivo e colaborativo.
Outra alternativa é você instalar o Moodle em um computador próprio.
Nesse caso, poderá precisar do suporte de um profissional da Área de
informática 10 . Para essa instalação alguns requisitos são necessários, como
providenciar um site de hospedagem 11 , um servidor web (ex: apache), um
servidor de banco de dados (ex: MySQL, PostgreSQL) e um interpretador PHP,
9 No Brasil temos diversas universidades que utilizam o Moodle, dentre elas: UnB, Mackenzie, Metodista, Unicamp, UNIBES, Mauá, PUC-MINAS, PUC-RIO, UNIBAN, UNICENTRO, UNOPAR, FEI, SENAC, UFSC, UNIFESP, UFSCAR, UNIFESP, UFRGS, UFRJ, UFMG, UFMG, UFSCar, UNESP. O Moodle não é usado apenas por Universidades, mas em escolas de ensino médio, escolas primárias, organizações, companhias privadas e por professores independentes. Uma lista de usuários do Moodle no Brasil pode ser acessada em: http://moodle.org/sites/index.php?country=BR. 10 Um guia de instalação está disponível no endereço: http://docs.moodle.org/pt/Instala%C3%A7%C3%A3o_do_Moodle. 11 www.estudar.com.br; www.getcorp.net/; http://gfarias.com; www.directweb.com.br; http://www.100webspace.com/web_hosting/free_plan.html; http://www.3ix.org/; http://tehospedo.com.br; https://dreamhost.com/hosting.html.
18
que é uma linguagem de programação. Calma! Parece assustador, mas não é. O
servidor web, o banco de dados e o interpretador podem ser obtidos
gratuitamente a partir da Internet. Uma opção que recomendamos é, ao invés de
fazer o download de cada item separadamente, usar a distribuição EasyPHP,
que inclui em um único pacote o servidor apache, o banco de dados MySQL e o
PHP12.
Atendidos esses requisitos, você poderá fazer o download do Moodle
(http://moodle.org/). Geralmente as versões mais antigas são mais estáveis,
embora apresentem menos recursos. As mais novas (no momento em que
escrevemos este texto, a versão mais recente é a 1.8.3+) apresentam alguns
recursos a mais, no entanto, ainda se encontram em fase de teste e podem
apresentar alguns problemas. Sugerimos a escolha de uma versão
intermediária, que apresente uma maior estabilidade.
No endereço http://docs.moodle.org/pt/Sobre_o_Moodle você terá acesso
a um livro com informações sobre as ferramentas do Moodle e como utilizá-las
(livro Using Moodle). Esta versão está em inglês. Um manual em português,
referente à versão 1.5.2+, pode ser acessado na página
http://www.aprender.unb.br/mod/resource/view.php?id=16836. Uma boa opção
para a familiarização com as ferramentas do Moodle é fazer um curso a
distância, oferecido no site http://www.moodlebrasil.net/moodle/. O curso é
denominado Treinamento de Tutores e Professores em Moodle (TTP), é gratuito
e oferecido periodicamente. Tem duração prevista de oito semanas.
Achamos interessante que todos os componentes de uma comunidade
aprendam a lidar com a administração do ambiente, para que haja um
12 Utilize um site de busca, como por exemplo o google, para encontrar esses programas (Apache, MySQL, PHP, easySQL)
19
revezamento periódico dessa administração. Lembramos que a questão da
administração está relacionada a operacionalidade e não a questões de poder
dentro do grupo, já que a nossa proposta preconiza um trabalho colaborativo e
não hierarquizado.
20
PARTE 3 – COMPARTILHANDO A EXPERIÊNCIA DA CFPEQ
Nessa terceira parte, discutiremos alguns aspectos da nossa experiência
na constituição da CFPEQ, apresentando as dificuldades vivenciadas e os
avanços alcançados. Embora a nossa experiência tenha se iniciado de forma
presencial e evoluído gradativamente para virtual, entendemos que essas
considerações constituem orientações válidas em qualquer processo de
formação continuada de professores que envolva atuação coletiva e
colaborativa.
O primeiro aspecto que abordamos refere-se à constituição do grupo e
consolidação de uma identidade coletiva, processos que, pela nossa experiência,
descobrimos serem lentos e bastante complexos e sobre o qual faremos um
breve relato.
No primeiro contato com os professores, para apresentar a nossa intenção
de desenvolver uma proposta de formação continuada e convidá-los para serem
parceiros nessa construção, houve, inicialmente, uma aceitação generalizada.
Verificamos que, questões como o isolamento na prática docente, dificuldades
em participar de eventos da Área, acesso a programas de formação continuada,
oportunidades de reflexão e estudo sobre a prática eram comuns a todos.
A constatação da existência de problemas comuns e a aceitação de todos
ao convite feito, nos levaram a crer que não teríamos, ou teríamos problemas
mínimos em relação à constituição do grupo. Depois, com as dificuldades
surgidas no decorrer do processo e as contribuições de novos referenciais
teóricos, constatamos que essa era uma expectativa ingênua e equivocada.
21
Muitos aspectos se entrelaçam na formação do grupo e no processo de
consolidação de sua identidade coletiva.
Nas reuniões que se seguiram à primeira, passamos por momentos de
instabilidade em relação ao número de participantes. Alguns professores saíram
e outros se integraram ao grupo. Permanecemos então, um tempo sem que
houvesse alterações no número de participantes e julgamos que havíamos
alcançado a estabilidade nesse aspecto. Mas, poucos meses após a criação do
ambiente virtual voltamos a ter problemas nesse sentido, sendo que alguns
componentes deixaram de participar das atividades lá desenvolvidas e se
afastaram do grupo. A necessidade da integração de novos componentes ao
grupo aliada à existência de professores interessados em fazer parte do mesmo,
nos levou a um processo de reestruturação da comunidade para receber novos
integrantes.
A nossa intenção, ao recuperarmos as dificuldades pelas quais passamos
nesse processo de constituição do grupo, é apresentar os importantes
aprendizados advindos dessa experiência. Inicialmente, a incerteza e
complexidade dessa constituição nos angustiavam profundamente. Com o
tempo, passamos a entendê-las como próprias do processo. Além da existência
dos problemas comuns relativos à prática docente e à formação continuada, que
haviam sido identificados na primeira reunião, outros fatores de coesão entre os
membros que permaneciam iam sendo identificados e os laços de afinidade,
entendimento e confiança eram fortalecidos.
Ter problemas em comum foi um fator importante para a formação do
grupo, mas para a sua manutenção outros fatores devem ser considerados.
Identificados os problemas e determinados os objetivos coletivos, as orientações
22
que direcionarão o trabalho na consecução desses objetivos também devem ser
compartilhadas por todos.
No nosso caso, buscávamos romper com a lógica da racionalidade técnica
aplicada à formação continuada dos professores, desenvolvendo coletivamente
espaços de colaboração, interação, compartilhamento e trocas. Queríamos ser,
juntamente com os professores-parceiros, sujeitos-autores na construção dos
caminhos da nossa formação. Por isso, não tínhamos uma proposta definida a
priori, para ser aplicada, nem um curso formal.
Essa maneira de conceber a formação continuada não foi compreendida e
compartilhada por todos os membros que aceitaram, inicialmente, fazer parte do
grupo. Isso ficou claro quando duas professoras optaram por não comparecer às
reuniões, pedindo às demais que levassem cópias do material que iríamos
“distribuir” para elas. Pela atitude que tiveram, percebemos que a concepção que
tinham era a de que cabia à Academia fornecer tanto os rumos quanto as
técnicas a serem adotadas nas práticas docentes dos professores. Essa
concepção gerou, nas duas professoras, expectativas que não seriam
alcançadas nos moldes do processo investigativo/formativo que pretendíamos
desenvolver, o que acabou acarretando a saída das mesmas do grupo.
Outro fator a ser considerado em relação à permanência de componentes
no grupo é o desenvolvimento de um ambiente propício ao diálogo aberto e
sincero, ao debate de idéias, à liberdade de expressão. Isto está relacionado à
confiança mútua que vai se estabelecendo e fortalecendo com o tempo. As
pessoas devem se sentir à vontade para expor seus pontos de vista, seus
anseios em relação ao trabalho a ser desenvolvido. Mas, pode ocorrer que,
mesmo que tal ambiente exista, algumas pessoas sintam dificuldades em
23
expressar seus pensamentos e sentimentos no coletivo. Essas pessoas
requerem uma atenção especial, pois, pelo fato das suas expectativas não
serem conhecidas pelos demais membros, deixam de ser consideradas,
desestimulando-as de continuarem no grupo.
Na CFPEQ, por exemplo, tivemos o caso de um membro que entendia que
deveríamos fornecer certificados aos participantes, como em cursos de
atualização ou de extensão. No entanto, ele não expôs para o grupo esse
entendimento e só depois ficamos sabendo que essa questão havia influenciado
decisivamente sua saída do grupo.
Reiteramos que a constituição do grupo e consolidação de uma identidade
coletiva são processos lentos e bastante complexos. Por isso, a importância do
apoio mútuo, de estar atento ao outro, do respeito às opiniões divergentes e do
entendimento que a consolidação da identidade do grupo se dá à medida que um
projeto coletivo é assumido por cada um, com todo o envolvimento que isso
implica.
Outro aspecto que gostaríamos de discutir se relaciona à utilização de um
ambiente virtual de aprendizagem. Embora o uso do computador e da Internet
possa ser eficaz para superar distâncias, favorecer a interação entre pessoas,
enriquecer o processo ensino-aprendizagem, propiciar o desenvolvimento da
forma escrita de se comunicar, para que tais possibilidades se concretizem, é
necessária uma maior autonomia dos sujeitos, no que se refere à administração
do tempo e organização do trabalho.
Uma comunidade virtual de aprendizagem que desenvolve um processo
formativo segundo a lógica por nós proposta tem nas interações intersubjetivas o
seu motor. As trocas de saberes e experiências acontecem por meio das
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relações dialógicas. Se a comunicação não se mantém, como manter a
comunidade? Essa é uma questão à qual deve-se voltar constantemente, para
que todos estejam atentos à importância de colocar seus pontos de vista, de
responder a uma colocação feita por um colega, de propor novas discussões, de
compartilhar suas experiências.
Pallof e Pratt (2002) 13 apresentam os seguintes indicadores de uma
comunidade virtual em formação: interação ativa, envolvendo tanto conteúdo
quanto comunicação pessoal; aprendizagem colaborativa, significados
construídos socialmente, compartilhamento de recursos.
Uma postura participativa implica o crescimento em sensibilidade e na
capacidade de “ouvir” o próximo, de “estar junto”, mesmo virtualmente. Pode
também resultar em mudanças em nossa atitude na sala de aula, no sentido de
ouvirmos o aluno e adotarmos discursos mais interativos. A fala de uma
professora-parceira da CFPEQ reforça essa idéia, como pode ser evidenciado no
seguinte trecho de um bate-papo:
- Até nas questões de disciplina a nossa reflexão está me ajudando. - Como assim, nas questões de disciplina? Explique melhor... - Digo nas questões de disciplina porque estou dando mais atenção aos alunos, esclarecendo melhor a importância de se estudar Química... - Eles estão percebendo isso? Notou alguma mudança nas atitudes ou comportamento deles? - (...) percebo que eles melhoram muito quando damos atenção às idéias deles (...) O clima na sala está de falar a mesma língua, os alunos bagunceiros estão ficando responsáveis, acho que até eles precisavam de atenção.
13 PALLOF, M. R.; PRATT, K.; Construindo Comunidades de Aprendizagem no Ciberespaço.
Editora Artmed, 2002. Citados por Netto et alii (2003).
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Em um estudo sobre as potencialidades dos ambientes virtuais de ensino-
aprendizagem na formação continuada de professores14, os autores apontam
algumas dificuldades que tiveram:
- Trabalho com um recurso (Internet) que não faz parte do cotidiano – os professores que não possuem computador e acesso à Internet em casa, têm de conciliar horários para desenvolver as atividades na escola. - A falta de familiaridade com os recursos da Internet torna as atividades mais complexas, dificultando a exploração das ferramentas do ambiente (participação nos fóruns, envio de mensagens, pesquisa na Biblioteca, execução da Tarefa Extraclasse). - Organização do tempo para estudo – a Educação a Distância, que atrai pela suposta facilidade, exige dedicação dos estudantes e tempo disponível para estudo, realização das atividades e interação com professor e colegas.
Na CFPEQ, tivemos dificuldades da mesma natureza e nos mobilizamos
no sentido de superá-las. Podemos dizer que temos avançado. Os professores-
parceiros já desenvolveram um maior domínio sobre as ferramentas do Moodle.
Quanto à participação, esta é uma questão recorrente. Existem períodos em que
as atividades se intensificam e outros em que os avanços são mais lentos.
Sobre esse aspecto, temos que considerar que trabalhamos em condições
reais, com pessoas que são professores, mas também são pais de família,
membros de associações, estudantes de outros cursos (graduação, mestrado,
doutorado). Professores que trabalham em dois ou três turnos, com número
excessivo de alunos. Professores que adoecem, que passam por dificuldades
financeiras, familiares, emocionais, que ficam desempregados no início do ano,
aguardando um contrato, que se deprimem, que participam de greves, que ficam
sem férias. Esses são os professores reais que participam da nossa comunidade
14 BASTOS, F. P.; MAZZARDO, M. D.. Relato de pesquisa: Investigando as potencialidades dos ambientes virtuais de Ensino-Aprendizagem na formação de professores. Novas Tecnologias na Educação. CINTED-UFRGS. Vol. 2, n. 2, novembro, 2004. Disponível em: <http://www.cinted.ufrgs.br/renote/nov2004/artigos/r1_investigando_potencialidades.pdf>. Acesso em: 29 outubro 2007.
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e que, dentro das condições pessoais, sociais e culturais de cada um,
contribuem com o melhor de si para o nosso desenvolvimento. Tais fatores
devem ser considerados ao se pensar em participação.
Entendemos que o apoio e estímulo mútuos são essenciais para manter
os membros de uma comunidade virtual motivados e participativos. Assim, a
troca de mensagens de incentivo e de superação, demonstrações de
companheirismo, de compreensão, de disposição a ajudar, são posturas que
devem ser cultivadas.
É importante que as comunidades virtuais de aprendizagem tenham um
espaço para promover a comunicação pessoal, as “conversas informais”, o
compartilhamento de poesias, de músicas, de fotos. Um espaço para se falar da
família, do time de futebol, da viagem, das notícias da cidade, de um filme...
Essa é a forma de se conhecer não só o colega profissional professor,
mas a pessoa que ele é, de descobrir afinidades e estabelecer cumplicidades.
Assim, se estreitam os laços afetivos entre os membros da comunidade e
aumenta o sentimento de pertencimento. Segundo Argyle 15 e Gabarro 16 o
sentimento de pertencer a uma comunidade eleva a satisfação e o
comprometimento para realização de esforços pelo grupo, bem como aumenta a
cooperação entre as pessoas.
Em relação aos avanços que temos alcançado destacamos a crescente
apropriação das ferramentas do Moodle, de tal forma que iniciativas como criar 15 ARGYLE, M. Cooperation: The basis of sociability. Rutledge, 1991. Apud OEIRAS, J. Y. Y; ROCHA, H. V. Aspectos sociais em design de ambientes colaborativos de aprendizagem. Disponível em: <http://hera.nied.unicamp.br/teleduc/publicacoes/3_joeiras_infouni2001.pdf>. Acesso em: 12 outubro 2007. 16 GABARRO, J.J. The development of working relationships. In: GALEGHER, J. et alii (Ed.). Intellectual Teamwork: Social and Technological Foundations of Cooperative Work. Lawrence Erlbaum Associates, 1990. p. 79-110. Apud OEIRAS, J. Y. Y; ROCHA, H. V. Aspectos sociais em design de ambientes colaborativos de aprendizagem. Disponível em: <http://hera.nied.unicamp.br/teleduc/publicacoes/3_joeiras_infouni2001.pdf>. Acesso em: 12 outubro 2007.
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tópicos em fóruns, sugerir e realizar “encontros” nos bate-papos, alocar materiais
para serem compartilhados, se tornaram habituais.
Outro aspecto positivo está relacionado a resultados do processo
formativo em si, o qual é desenvolvido a partir de interesses dos professores-
parceiros e em uma perspectiva de construção social, não sendo, portanto,
definido a priori e externamente ao grupo. Pudemos constatar algumas
mudanças nas concepções das professoras-parceiras em relação tanto a
aspectos específicos do ensino de Ciências, como à atividade docente em si.
Em relação ao ensino de Ciências, algumas visões simplistas
manifestadas pelas professoras no início das discussões sobre experimentação
no ensino de Química, foram, depois da leitura e discussão de alguns textos,
reconhecidas e revistas por elas. Em uma análise das leituras e discussões
sobre experimentação, uma das professoras assim se expressa:
Considero que a leitura dos artigos me fez refletir sobre a minha atuação em sala de aula. Eu tinha a opinião que uma aula prática era a chave para a compreensão de todo conteúdo de Química (...) A leitura enriqueceu meus conhecimentos, na medida em que propiciou reflexões sobre a minha prática pedagógica e possibilitou que eu efetuasse mudanças no meu modo de agir na sala de aula.
Outra professora afirma:
A parte que mais gostei foi sobre a experimentação, claro que as discussões acrescentaram muito às minhas aulas e melhoraram o entendimento que já tinha em alguns aspectos, além da troca de experiências que foi ótima e a visão científica dos filósofos sobre o tema que foi muito esclarecedor para mim.
Essas colocações são importantes porque revelam mudanças não apenas
nas concepções, mas nos hábitos das professoras. Acostumadas a uma prática
isolada, sem muitas leituras na Área de Ensino de Química e sem oportunidades
de trocar idéias e experiências com colegas, reconhecem a importância do grupo
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ao possibilitar superar tal situação. Reproduzimos algumas falas nesse sentido:
“antes do nosso grupo eu praticamente não conhecia autores da Área (...) agora
estou lendo a Química Nova17 com freqüência, fico de olho nas referências dos
artigos”, “Não somos inimigos na escola, cada um na sua e não abre um
pouquinho para o colega... o bonito desse grupo é perceber que não somos
concorrentes entre nós”.
Com o passar do tempo, os professores-parceiros, antes isolados em
seu fazer pedagógico, sentem-se à vontade para fazer questionamentos,
colocar suas opiniões, expor suas dificuldades:
trabalhei uma prática de equilíbrio (...) achei uma negação - aliás como é difícil trabalhar o equilíbrio químico, é muito teórico, por mais exemplos da importância do equilíbrio no corpo e vida em geral, parece que fica distante para o aluno (quem puder me dar uma luz).
A colaboração pode ser observada na troca de mensagens de incentivo,
no compartilhamento dos saberes que cada um construiu na sua prática, de
materiais de ensino que acham interessantes ou indicações de referências, como
evidenciam os seguintes trechos retirados dos fóruns de discussão:
- estes dias procurando referências para uma pesquisa encontrei um livro bastante interessante sobre a profissão professor. Me lembrei que (...) uma vez estava querendo material sobre educadores e resolvi colocar aqui para quem se interessar (http://www.ufmt.br/gpea/pub/Gadotti_boniteza_sonho.pdf). - Pessoal, esta experiência da combustão eu fiz com uma turma de 3º ano (as daqui são de 25 a 30 alunos - não mais que isso). Primeiro coloco a pergunta - que combustível polui mais, gasolina ou álcool, geralmente todos sabem a resposta, mas não o porquê da mesma. Aprofundando mais a questão outras perguntas vão surgindo, tanto de minha parte quanto por parte dos alunos. Que substâncias presentes nesse combustíveis, ou liberadas pela sua queima são poluentes? Não explico de
17 A professora se referia à revista Química Nova na Escola (www.sbq.org.br).
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imediato nenhuma dessas questões só vou anotando no quadro. Eles realizam a experiência e logo depois demonstro as reações de combustão completa e incompleta, assim, pela equação fica claro a maior produção de CO2 pela gasolina, pois sua molécula é maior. Daí eu comento sobre outros poluentes dos derivados do petróleo, como enxofre,aldeídos, etc. Outra questão para ser colocada é Por que para se fazer carvão é necessário colocar a madeira naqueles fornos todos tampados, por que não se usa queimar a madeira ao ar livre? Assim você fala da importância do aporte do oxigênio para a combustão.
- "Quando o sol bater na janela do teu quarto, lembra e vê que o caminho é um só... "(Renato Russo). O nosso caminho nós o fazemos caminhando, vamos caminhar juntos?
A dimensão colaborativa tem se intensificado, indo além de compartilhar
experiências e materiais no ambiente virtual. Alguns membros começam a
desenvolver ações conjuntas fora da comunidade virtual, mas que incorporam
aprendizados nela ocorridos. Foi o que aconteceu quando uma das professoras-
parceiras, encarregada de falar sobre experimentação para os professores de
Ciências da sua cidade, convidou outro membro da comunidade para realizar
com ela o evento e prepararam juntas, utilizando os referenciais teóricos
estudados na comunidade e planejando o trabalho por meio da ferramenta bate-
papo.
Essa reflexão que fazemos sobre as dificuldades e os avanços reforça o
nosso entendimento de que a constituição de uma comunidade virtual de
aprendizagem é um processo contínuo. Não se trata apenas de criar um
ambiente virtual. Trata-se de investir na sua manutenção, no seu crescimento, no
constante redefinir de objetivos, de busca de (re)orientações, no fortalecimento
dos laços entre os membros. À medida que os desafios surgidos vão sendo
enfrentados e resolvidos, novos desafios surgem. É importante conceber esses
desafios como oportunidades de aprendizado e crescimento.
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Concluindo, gostaríamos de ressaltar que, embora favoreça a
colaboração, os recursos tecnológicos não são os responsáveis por ela. A
colaboração está no âmbito do ser humano, relaciona-se a valores como
compartilhamento, solidariedade, respeito ao próximo, fraternidade,
reconhecimento da igualdade de oportunidades e de direitos. A colaboração, ao
opor-se à competitividade inescrupulosa, ao egoísmo, ao isolamento, reveste-se
da intencionalidade política de construção de um mundo melhor.
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OBRAS CONSULTADAS
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