O Diálogo Literário Com o Cinema

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Análise semiótica entre o livro e o filme

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    O DILOGO LITERRIO COM O

    CINEMA: A DIVERSIDADE DOS

    GNEROS LITERRIOS NA SALA

    DE AULA DE LITERATURAS Renata de Souza Gomes (UFRJ) Orientador: Roberto Ferreira da Rocha (UFRJ)

    O objeto literrio constitudo dentro da sociedade e para a sociedade, por isso ele pode ser compreendido como uma enunciao literria - adotando o termo de Maingueneau (2001); pode ser compreendido como um discurso literrio seguindo a nomenclatura de Fowler (1981). Essas enunciaes/discursos oscilam adquirindo ou perdendo valor literrio de acordo com cada poca ou sociedade. As obras literrias so constantemente atualizadas. Essas atualizaes so feitas no momento da leitura de cdigos de pocas diferentes do tempo do leitor, ou ainda so promovidas por instituies e instncias sociais que ajudam a modular, agregar e definir o que literrio ao menos para uma poca. Algumas das instituies e instncias modeladoras da literatura mais importantes so as escolas, as universidades, as mdias, sobretudo o cinema,

    RESUMO: Objetiva-se nesse texto estudar sobre a teoria da adaptao literria, promovendo o enfoque entre a relao dialgica da mdia cinematogrfica e obras da literatura, bem como um breve reeleitura atualizada sobre o texto de Walter Benjamim sobre a arte na era da reprodutibilidade tcnica. Como corpus a ser estudado, prope-se a anlise de diferentes textos pertencentes a diferentes gneros literrios com o intuito de celebrar a diversidade do dialogismo entre os gneros textuais e os miditicos. Os textos escolhidos so o conto Sem carter de Nelson Rodrigues, Orgulho e Preconceito de Jane Austen, Tio Vnia de Tchecov, o poema The Raven de Edgar Allan Poe, a letra da msica de Faroeste Caboclo do grupo Legio Urbana, e algumas de suas respectivas adaptaes. Sero discutidas propostas tericas e prticas para a promoo e beneficiamento dos letramentos literrios na sala de aula do ensino superior, sobretudo a graduao dos cursos de Letras. PALAVRAS-CHAVE: adaptao; letramentos; dialogismo.

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    e o mercado literrio compreendido desde as feiras e sebos literrios at os grandes conglomerados editoriais, e obviamente os leitores em toda sua complexidade. A esse conjunto de instituidores da enunciao literria atribui-se o nome de campo literrio.

    O intuito dessa reflexo sobre as aes do campo literrio ocorre na busca de uma compreenso de fatores que surgem na sala de aula de literatura, mas que podem ter sua origem para alm dos muros das escolas/universidades. Um dos estudiosos a compreender a abrangncia da literatura e dos meios que a constituem o ingls Terry Eagleton. No captulo de introduo de seu livro Teoria da Literatura, Eagleton ([1983] 2001) revisa os problemas que cercam definies clssicas para o que a literatura. Segundo Eagleton a distino entre fato e fico para determinar o que literrio, a crena de que a literatura dotada de um tipo de linguagem especial com artifcios lingusticos como som, rima e etc. que a diferenciam da linguagem corrente no se sustenta. Pois um determinado texto que apresentava um fato documental em um determinado sculo pode ser lido como um texto literrio em outra poca. Pode-se ainda ler um tratado de biologia como um texto literrio, e mesmo dentro da chamada linguagem usual podem-se notar metforas e recursos lingusticos que poderiam fazer dela um cdigo literrio, e a estrutura lingustica no pode ser mais importante do que a mensagem e as intenes textuais. Portanto, uma definio de literatura para Eagleton ([1983] 2001, p.11) fica dependendo da maneira pela qual algum resolver ler, e no da natureza daquilo que lido.. Similar pensamento tem Maingueneau (1996, p.15) ao dizer que a literatura supe um ritual especfico e condies de xito, pois um texto literrio s concebido de modo adequado se for interpretado como literrio.. Retornando ao texto de Eagleton, ele explica que muitas das obras estudadas como literatura dentro das instituies acadmicas foram construdas para serem lidas como literatura, ao passo que outras obras no foram e acabam se tornando literrias devido a diversos tipos de valores como atributos histricos e arqueolgicos, por exemplo. Sobre a complexidade de uma classificao/delimitao da literatura, Eagleton ([1983] 2001, p.12) escreve:

    (...) podemos pensar na literatura menos como uma qualidade inerente, ou como um conjunto de qualidades evidenciadas por certos tipos de escritos que vo desde Beowulf at Virginia Woolf, do que como as vrias maneiras pelas quais as pessoas se relacionam com a escrita. No seria fcil isolar, entre tudo o que se chamou de literatura, um conjunto constante de caractersticas inerentes. Na verdade seria to impossvel quanto tentar isolar uma nica caracterstica comum que identificasse todos os tipos de jogos. No existe uma essnciada literatura. Qualquer fragmento de escrita pode ser lido no pragmaticamente, se isso o que significa ler um texto como literatura, assim como qualquer escrito pode ser lido poeticamente.

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    Alm de definir a literatura de acordo com o modo como determinada sociedade e/ou poca se relaciona com o texto, Terry Eagleton ([1983] 2001, p.17) ressalta ainda mais a importncia do papel do leitor no que se refere atualizao da obra literria atravs dos tempos: Diferentes perodos histricos construram um Homero e um Shakespeare diferentes, de acordo com seus interesses e preocupaes prprios (...). Diante dessa perspectiva, as obras literrias so vistas como reescrituras. Ou seja, no s o teatro, o cinema e as novas mdias que adaptam as obras fazendo com que elas sejam reescrituras. Na concepo de Eagleton, o chamado texto original perde o seu status de originalidade e passa a ser tambm entendido como uma reescritura de acordo com a atualizao feita pelos leitores atravs dos tempos. Nas palavras do autor:

    Todas as obras literrias, em outras palavras, so reescritas, mesmo que inconscientemente, pelas sociedades que as leem; na verdade no h releitura de uma obra que no seja tambm uma reescritura. Nenhuma obra, e nenhuma avaliao atual dela, podem ser simplesmente entendidas a novos grupos de pessoas sem que, nesse processo, sofra modificaes, talvez quase imperceptveis. E essa uma das razes pelas quais o ato de se classificar algo como literatura extremamente instvel. (EAGLETON, [1983] 2001, p.17).

    Essa definio/entendimento de Terry Eagleton sobre a literatura como uma reescritura ser de extrema importncia para a teoria da adaptao na sociedade atual que veremos mais adiante. Toda essa preocupao em compreender o texto literrio como enunciao/discurso nos diz Maingueneau (2001, p.21) coincide com o de certos socilogos da literatura preocupados em caracterizar a especificidade da coisa literria. E aponta o trabalho de Pierre Bourdieu:

    Na Frana, sobretudo o trabalho de P. Bourdieu. Diferentemente de uma sociologia da literatura, que estudava essencialmente o mercado do livro (gneros, triagem, difuso), o consumo (quem l o que, quando e onde...?), a populao de escritores (nmero, rendas, origem social...), as instituies (a Academia, os prmios, a crtica...), Bourdieu privilegia as estratgias de legitimizao dos agentes dentro do campo literrio. (MAINGUNEAU, 2001, p.21-22)

    Diante de toda complexidade e aes polticas, ideolgicas e at de ordem econmica, o campo literrio recebe de Bourdieu ([1992] 2010, p.262-3) a definio de um campo de foras a agir sobre todos que entram nele, e de maneira diferencial segundo a posio que a ocupam.. Em particular, as reflexes sobre o campo literrio so de extrema importncia para o presente texto ao passo que apontam para o fato de que parece haver uma hierarquizao de atributos de valor entre os gneros literrios e que sentido de modo diferente dependendo da poca, sociedade e cultura.

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    No Brasil, por exemplo, h a pesquisa nacional Retratos da Leitura no Brasil conduzida pelo Instituto Pr-Livro (Criado pela Abrelivros, CBL, SNEL e algumas editoras) que objetiva fornecer dados para o MEC e Unesco sobre os hbitos de leitura do brasileiro. E dentre esses hbitos, nota-se na pesquisa de 2012 que somente 10% da populao brasileira frequenta o teatro, e os gneros literrios favoritos se concentram na sequncia de primeiros lugares com a leitura da Bblia, seguida de livros didticos, romances, livros religiosos, contos, livros infantis, e poesia. O gnero dramtico no aparece nem mesmo nas posies finais da listagem dos favoritos. De acordo ainda com a pesquisa, os participantes alegam no ter tempo para ler e preferir assistir televiso.

    Desse modo, uma reflexo sobre o campo literrio brasileiro atual, aponta tambm para a importncia do papel das mdias televisivas e da arte cinematogrfica para imortalizao da obra literria, e dentro dessa perspectiva que passamos a estudar um pouco sobre a teoria da adaptao e de que forma, as reescrituras das obras literrias no cinema podem contribuir para o aumento do interesse do aluno/leitor para o texto fonte.

    Pode-se dizer que as adaptaes so em sua essncia obras palimpsestas, ou seja, apresentam marcas de escrita sobre tantas outras histrias. Caso ns conheamos o texto primeiro, a presena do mesmo ser diretamente sentida no momento em que experimentamos a adaptao. Essa concepo advinda da obra Palimpsestos escrita em 1982 por Grard Genette. O autor parte dos conceitos do dialogismo e intertextualidade pensados respectivamente por Bakhtin e Kristeva para pensar em uma transtextualidade que possa se referir a tudo aquilo que coloca um texto secretamente em relao a outros textos.

    Dentro de uma transtextualidade h segundo Genette ([1982] 2007, p.12) categorias textuais, a hipertextualidade, e hipotextualidade em que o hipotexto o texto anterior- modificado pelo hipertexto. Pensando sobre essas categorias, Stam (2008 p.22), por exemplo, compreende que as adaptaes seriam ento, hipertextos nascidos de hipotextos preexistentes. Assim, as adaptaes seriam um processo de transformao, de transmutao sem fim. Diante dessa transmutao inesgotvel e uso constante de textos pr-existentes, Genette reconhece que apesar de talvez parecer uma conotao negativa, ele no consegue encontrar outra definio mais apropriada para a adaptao que no seja a de um texto de segunda-mo. Diz o autor:

    Dizendo de outra forma, consideremos uma noo geral de um texto de segunda mo (desisto de procurar, para um uso to transitrio, um prefixo que abrangeria ao mesmo tempo o hiper- e o meta-) ou texto derivado de outro preexistente. (GENNETE, [1982] 2007, p. 12)

    Ao trabalhar com o conceito de adaptao como obra palimpsesta, de segunda-mo, Hutcheon (2006, p.6) conclui que as adaptaes podem ser interpretadas e valorizadas, para tambm alcanar o valor esttico herdado das obras das quais foram duplicadas, ou multilaminadas. Pois, se as adaptaes

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    so novas formas de palimpsestos, nada mais justo que se estudem as camadas textuais que configuram esse novo texto. Portanto, a teoria da adaptao se dedicar exatamente a estudar a relao entre a matria prima constituinte e sua nova substncia que de certa forma, pode destacar suas origens, ou se tornar autnoma a ela. No entanto, essa repetio, esse texto de segunda mo para usar a nomenclatura de Genette- quase nunca alcana aprovao por parte da recepo crtica acadmica ou jornalstica.

    A crtica, segundo Stam, (2000, p.54) utiliza palavras pejorativas para se referir s adaptaes como violao, interferncia, perverso, e infidelidade, que so palavras que nos remetem violncia, crime e situaes passionais, e no a uma relao entre textos ou entre texto e mdia. Naremore (2000, p.2) escreve ironicamente que essa discusso sobre adaptao pode ser ilustrada atravs de um cartum publicado na Revista New Yorker no qual Alfred Hitchcock descrevia para Franois Truffaut que duas cabras comiam latas de filmes. Ento, uma das cabras virava-se para a outra e dizia: Pessoalmente, eu gostei mais do livro. Logo aps esse toque de humor e ironia, Naremore escreve que, mesmo no espao acadmico quando o texto no se direciona para o julgamento de adequao ou fidelidade fonte, o texto acadmico tende a ser estreito em sua extenso, e sempre respeitoso ao texto precursor.

    Um dos fatos mais curiosos que apesar do olhar de desconfiana da crtica em geral, e de milhares de leitores/espectadores que cobram uma relao de fidelidade entre o texto-fonte e as adaptaes, essas continuam populares e continuam a ser produzidas com grande frequncia e vencem tambm prmios como Oscars, Grammys,Emmys, alm de movimentar as vendas nas livrarias depois da exibio da obra adaptada no cinema, como aponta Hutcheon (2006 p.90).

    A julgar pela frequncia com que as adaptaes so feitas, Hutcheon (2006 p.4) acredita que as mesmas tem sido uma constante na mdia por vrias razes. Uma delas o aumento na oferta de entretenimento e o apelo que as adaptaes podem adquirir como a repetio de algo que j foi prazeroso combinado com um toque de surpresa. A autora tambm acredita que as adaptaes sugerem um sucesso econmico e investimento estvel por parte dos diretores e produtores em algo que j obteve xito anteriormente, alm claro de movimentar a venda e a procura pela obra-fonte que originou a adaptao nas livrarias.

    O julgamento negativo de valor advindo da crtica parece ser contraditrio grande circulao e consumo de adaptaes no campo literrio. Stam (2000 p.58) acredita que parte da desconfiana relacionada s adaptaes surge da logofilia - onde a palavra adquire privilgios seniores na cronologia da criao de uma adaptao. Os logfilos convertem os textos dos livros em escritos sagrados que devem ser respeitados. Para rebater essa crena de que a palavra primeira e a imagem secundria, Stam (2008 p.21) explica que a uma adaptao no a ressuscitao de uma palavra original, mas sim uma volta num processo dialgico em andamento. Somente com o

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    entendimento do que o dialogismo intertextual, que se consegue transcender as questes da fidelidade de acordo com Stam.

    As premissas negativas referentes s adaptaes tambm apresentam razes nos departamentos acadmicos, ou seja, dentro das instituies de ensino. A tradio de ensino de literatura perpetua-se pelas academias literrias e departamentos nas universidades consagrando o texto como objeto precpuo ao estudo, bem como os logfilos o fazem. A partir do advento do cinema, a literatura passa a fornecer argumentos para a realizao de filmes. Diante da nova perspectiva cinematogrfica, o texto literrio continua sendo sacralizado como o original, o primeiro, e, portanto, aquele que deve ser respeitado. H ento um debate entre cinema e literatura do qual surgem indagaes tais como: o filme fiel ao livro? O texto literrio sucumbido pelo cinema? E o cinema depreciado diante da literatura.

    No sculo XIX, segundo Aumont (2006, p.25) tambm houve um similar processo de depreciao que se direcionava ao teatro porque, segundo a crtica da poca, esse fazia uso de textos literrios na maior parte de seus espetculos, e no lhes era fiel. Para a crtica, a literatura era imediatamente superior ao teatro, que era considerado at ento arte para as massas. Aumont (2006, p.24) escreve que difcil no sorrir ao saber que mais adiante comentrio similar acolheria o cinema, quando se dizia que este ltimo era distrao de um povo estpido.

    Apesar dos comentrios negativos quanto s adaptaes cinematogrficas, o cinema continuou a fazer uso de argumentos literrios. Aumont (2006, p.44) contabiliza que de 1910 at 1915 Dickens foi adaptado quinze vezes; Shakespeare, treze vezes, Dumas, onze, Longfellow nove vezes, por exemplo. E ainda hoje filmes com sucesso nas bilheterias, e/ ou ganhadores de prmios costumam ser adaptaes de obras literrias. Seja o pblico conhecedor do texto-fonte, ou no.

    Em uma obra mais recente organizada por Ismail Xavier ([1983] 2008, p.295) h o texto escrito por Jean Epstein (1974) no qual Epstein lembra os comentrios negativos que denigrem o cinema frente ao livro. Tais comentrios tm origem na mesma raiz que favorece o teatro frente ao cinema e que foi comentada por Aumont. Tal fundamento implica no fato de que a leitura desenvolveria as qualidades superiores, intelectuais do ser humanos. Ao passo que o cinema induziria emoo, que uma faculdade primitiva.

    Como o cinema encontra um apelo entre as classes populares, Epstein ([1974] 2008 p.296) advoga pelas adaptaes cinematogrficas para que elas atinjam uma plateia mais numerosa e diversidifcada do que um pblico de leitores, at porque no excluem iletrados e semiletrados, por exemplo. No entanto, esse posicionamento pode ser um tanto inocente. Pois nem toda adaptao ir atingir o grande pblico. H sem dvida, um apelo popular no cinema, mas um filme dirigido com filtros ideolgicos sobre uma determinada obra literria pode se voltar a um pblico especfico, que no o pblico popular.

    Desse modo, as adaptaes devem ser estudadas como discursos construdos e recontados tendo uma srie de crenas como ponto de partida.

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    Sendo assim, as adaptaes no so meras cpias. So discursos em dilogo com a literatura ou outras artes e que possuem um prprio campo de investigao e pesquisa, e devem ser estudadas de acordo com suas prprias condies, que segundo Xavier ([2008]2012, p.162) so as condies sociopolticas e materiais da prtica cinematogrfica operante sobre elementos (signos) pertencentes a uma determinada linguagem.. A busca por uma delimitao desse campo de pesquisa tem se fortalecido no decorrer dos ltimos anos. Os estudos sobre adaptao apresentam base interdisciplinar, pois fazem uso de teorias advindas de campos de estudo como a traduo, semitica, e estudos cinematogrficos, por exemplo, para criar suas prprias diretrizes. Assim a premissa que seria uma espcie de pedra angular para a definio dos estudos da adaptao a adoo de uma concepo de leitura na qual o texto-fonte dessacralizado. Ou seja, as adaptaes no so estudadas como um texto secundrio, corrompido, e de menor valor.

    Como fundamentao terica para as pesquisas da rea dos estudos da adaptao, Sanders (2006. p, 20) escreve que as investigaes no almejam medir o grau de fidelidade das adaptaes, simplesmente porque no se pode estabelecer o texto original como modelo a ser reproduzido. A autora considera, portanto, que o julgamento entre os plos original e cpia, texto-fonte e adaptao no fazem parte dos estudos da rea de pesquisa. Seria mais interessante dentro dos estudos da adaptao, analisar o processo, a ideologia e metodologia que envolve as adaptaes, principalmente porque os conceitos de fidelidade e originalidade so questionveis na atualidade. Um dos aportes tericos que me ajudam a investigar a diferena entre original, e cpia o texto de Benjamin ([1936] 1999, p.217) que aponta que as massas exigem para si uma maior proximidade com o objeto que desejam, e experimentam a sensao da proximidade com o original em cada reproduo que lhes dada. Assim, Benjamin ([1936] 1999 p.215) escreve que toda a pluralidade de cpias que substituem uma nica existncia um sintoma de uma mudana de tradio, uma crise contempornea e renovao da humanidade, cujo agente mais poderoso o cinema:

    By making many reproductions it [the technique of reproduction] substitutes a plurality of copies for a unique existence. And in permitting the reproduction to meet the beholder or listener in his own particular situation, it reactivates the object reproduced. These two processes lead to a tremendous shattering of tradition which is the obverse of the contemporary crisis and renewal of mankind. Both processes are intimately connected with the contemporary mass movements. Their most powerful agent is the film. Its social significance, particularly in its most positive form, is inconceivable without its destructive, cathartic aspect, that is, the liquidation of the traditional value of the cultural heritage () Abel Gance exclaimed enthusiastically: Shakespeare, Rembrandt, Beethoven will make filmsall legends, all mythologies and all myths, all founders of religion,

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    and the very religionsawait their exposed resurrection, and the heroes crowd each other at the gate.

    A dicotomia original versus cpia (s) faz com que nos questionemos at

    mesmo sobre a existncia de uma certa originalidade, visto que uma cpia advm de algo original, e que por sua vez tambm j foi inspirado por outra material e assim por diante. Robert Stam (2006) apresenta uma interessante discusso sobre a flutuao do entendimento da ideia de originalide e cpia do ponto de vista do desconstrucionismo:

    A desconstruo tambm desmantela a hierarquia do original e da cpia. Numa perspectiva derridiana, o prestgio aural do original no vai contra a cpia, mas criado pelas cpias, sem as quais a prpria idia de originalidade perde o sentido. O filme enquanto cpia, ademais, pode ser o original para cpias subseqentes. Uma adaptao cinematogrfica como cpia, por analogia, no necessariamente inferior novela como original. A crtica derridiana das origens literalmente verdadeira em relao adaptao. O original sempre se revela parcialmente copiado de algo anterior; A Odissia remonta histria oral annima, Don Quixote remonta aos romances de cavalaria, Robinson Cruso remonta ao jornalismo de viagem, e assim segue ad infinitum.

    A criao e recriao da obra literria perpetuam mitos literrios, alm de propagar as obras literrias, as adaptaes de certo modo digerem a interpretao do texto para apresent-lo ao pblico. Bazin ([1948] 2000) um dos autores que v as adaptaes como digest1, e entende que a noo de originalidade no faz mais sentido. Pois a forma para Bazin ([1948] 2000, p. 20) um signo, uma manifestao visvel de estilo e que se encontra inseparvel do contedo narrativo. Sob essas circunstncias, a fidelidade forma deveras ilusria, e o que importa a equivalncia no significado. Bazin ([1948] 2000, p.22) critica o elitismo advindo da corrente que julga as adaptaes com desprezo, advogando em seu favor, visto que para Bazin, as adaptaes fazem com que muitos se interessarem pela literatura, bem como movimenta a venda do livro onde se encontra o texto-fonte:

    As far as the cinema is concerned, my intention is not to defend the indefensible. Indeed, most of the films that are based on novels merely usurp their titles, even though a good lawyer could probably prove that these movies have an indirect

    1 Bazin ([1948] 2000, p.26) define a palavra digest da seguinte forma: The very word digest, which sounds at first contemptible,can have a positive meaning. As the word indicates, Jean-Paul Sartre writes, it is a literature that has been previously digested, a literary chyle. But one could also understand it as literature that hs been made more accessible through cinematic adaptation, not so much because of the oversimplification that such adaptation entails (...), but rather because of the mode of expression itself, as IF the aesthetic fat, differently emulsified, were better tolerated by the consumers mind.

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    value, since it has been shown that to the sale of a book always increases after it has been adapted to the screen. And the original work can only profit from such an exposure. Although The Idiot, for example, is very frustrating on the screen, it is undeniable that many potential readers of Dostoyevsky have found in the films oversimplified psychology and action a kind of preliminary trimming that has given them easier access to an otherwise difficult novel.

    Sendo assim, Lefere & Bassnet (1990) advogam que as reescrituras/tradues/adaptaes sejam estudadas com seriedade e sejam vistas como um modo de sobrevivncia da literatura. Aqui a palavra imagem tem um sentido literal e metafrico ampliado. O discurso literrio mostra-se atravs de diferentes imagens que j no so a obra primeira, mas sim uma espcie de reflexo ou essncia de um original que j perdeu seu status de originalidade:

    We suggest that this is cultural reality, i.e. this is the way literature operates in a culture in this day and age. Since our common culture, however much we might wish it were not so, is less and less a book culture and more and more a culture of cinema, television and popular music (Hillis Miller, 1987:285), literature reaches those who are not its professional students much more by way of the images constructed of it in translations, but even more in anthologies, commentaries, histories, and occasionally, critical journals,than it does so by means of originals, however venerable they may be, and however much professors of literature and its students who approach it in a professional way may regret this state of affairs. What impacts most on members of a culture, we suggest, is the image of a work of literature, not its reality, not the text that is still sacrosanct only in literature departments. It is therefore extremely important that the image of a literature and the works that constitute it be studied alongside its reality. This, we submit, is where the future of translation studies lies. (LEFEVERE & BASSNETT 1990 p.9-10)

    Naremore (2000 p.12) chama ateno para o fato de que ns vivemos em um ambiente denso de imagens e cheio de referncias e emprstimos de filmes, livros, e outras formas de representao. Visto sob essa perspectiva cultural, antropolgica e dialogicamente bakhtiniana cada filme parece problematizar a originalidade, autonomia, e o modo de recepo burgus. Naremore ento conclama que j tempo dos estudiosos da adaptao perceberem que eles devem definir a sua metodologia, e reconhecer o que Bazin j vislumbrava em 1948.

    No s os estudiosos e tericos dos estudos da adaptao devem vislumbrar esse novo horizonte diante da grande quantidade de mdias, mas dever tambm do professor, sobretudo o de professor de Literatura, perceber que a cultura atual tem sido muito mais imagtica do que textual. Portanto,

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    seria preciso trabalhar a literatura atravs de uma perspectiva dialgica para estimular o gosto pela leitura. Refletindo sobre a perspectiva dialgica Bakhtin ([1979] 2006 p.320) escreve: Dois enunciados alheios confrontados, que no se conhecem e toquem levantem o mesmo tema (ideia) entram inevitavelmente em relaes dialgicas entre si. Eles se tocam no territrio do tema comum, do pensamento comum.. Atravs desse pensamento bakhtiniano Brait ([2005] 2011 p.94) conclui que o dialogismo nem sempre harmonioso, mas ele constitui a natureza interdiscursiva da linguagem:

    Por um lado, o dialogismo diz respeito ao permanente dilogo, nem sempre simtrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade. nesse sentido que podemos interpretar o dialogismo como o elemento que instaura a constitutiva natureza interdiscursiva da linguagem.

    E atravs do estudo da interdiscursividade da linguagem que ser possvel derrubar enganos como o da superioridade do discurso literrio frente ao cinema, por exemplo, e possvel, sobretudo combater a ideia de fidelidade reconhecendo a falcia em torno de uma ideia de originalidade. Pois, uma vez que todo discurso assume uma tipificao e legitimidade que lhe so prprias ele pode dialogar com outros discursos. Como indicado na perspectiva de Bakhtin ([1979] 2006 p.309):

    O texto como enunciado includo na comunicao discursiva (na cadeia textolgica) de dado campo. O texto como mnada original, que reflete todos os textos (no limite) de um dado campo de sentido. A concatenao de todos os sentidos (uma vez que se realizam nos enunciados). As relaes dialgicas entre os textos e no interior de um texto. Sua ndole especfica (no lingustica). Dilogo e dialtica. (...)

    Logo em seguida, Bakhtin reitera que os textos se constituem atravs de suas repeties que so inerentes ao sistema de linguagem que est por trs de cada um deles. Segundo o autor, no h um texto nico. Mas, h textos singulares suscetveis a repeties em situaes dialgicas. Talvez, as adaptaes possam ser compreendidas desse modo: como repeties criativas e dialgicas entre os discursos onde um texto puro (original) ilusrio. Nas palavras de Bakhtin (1979):

    No h e nem pode haver textos puros. Alm disso, em cada texto existe uma srie de elementos que podem ser chamados de tcnicos (aspecto tcnico do grfico, da obra, etc.). Portanto, por trs de cada texto est o sistema da linguagem. A esse sistema corresponde no texto tudo o que repetido e reproduzido e tudo o que pode ser repetido e reproduzido, tudo o que pode ser dado fora de tal texto (o dado). Concomitantemente, porm, cada texto (como enunciado)

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    algo individual, nico e singular, e nisso reside todo o seu sentido (sua inteno em prol da qual ele foi criado). aquilo que nele tem relao com a verdade, com a bondade, com a beleza, com a histria. Em relao a esse elemento, tudo o que suscetvel de repetio e reproduo vem a ser material e meio. (...) Esse polo no est vinculado aos elementos (repetveis) do sistema da lngua (os signos), mas a outros textos (singulares), a relaes dialgicas (e dialticas com abstrao do autor) peculiares.

    Se o sistema lingustico no seu sentido macro dialgico, por consequncia, no se pode falar em pureza do discurso cinematogrfico/literrio, ou sistemas de valorao entre os discursos, ou sobre o resultado da unio entre eles. Cada discurso est pautado em um sistema lingustico prprio e sujeito a repeties infinitas em dilogo constante com outros textos. Dessa forma no h discurso melhor ou pior, nem mesmo uma espcie de discurso maculado, - a propsito desse entendimento que Bazin clama por um cinema impuro-, pelo cinema que dialoga. Os discursos podem sim ser organizados em sequncia cronolgica, mas no em escalas de julgamento de valor. Ainda assim, discursos pertencentes a pocas dspares podem estabelecer relaes dialgicas sem ao menos conhecer um ao outro. Quanto ao o estudo das possveis implicaes pedaggicas do cinema no significa que haja uma instrumentalizao da stima arte ou de uma viso reducionista sobre a mesma que exclua o ensino e apreciao esttica. Tambm no produtivo o olhar que enxerga o cinema como competidor do teatro, ou da literatura, compreende- se que uma abordagem instrumental dos filmes, onde os mesmos so meros veculos para o ensino de contedos no nada produtiva. O histrico do cinema atrelado educao no Brasil, por exemplo, apresenta como marcos importante a chegada do cinematgrafo em 1895 e o uso da lanterna mgica nas salas de aula como recurso didtico; a filmoteca do Museu Nacional fundada por Roquete-Pinto em 1910, os debates de educadores sobre a influncia do cinema na educao brasileira j nos idos de 1920. No entanto, o uso do cinema em sala de aula dificilmente deixou de ser instrumental. Segundo Duarte e Alegria (2008, p.69) o uso instrumental do filme nos faz olhar atravs deles e no para eles, e os filmes se tornam apenas ilustraes luminosas dos contedos que a escola valida. E geralmente nessa validao escolar/pedaggica que surge uma espcie de necessidade pedaggica sentida por alguns alunos e professores para que o filme seja fiel ao livro para auxiliar ou at substituir a leitura do texto.

    Combatendo a busca pela fidelidade ao texto, Ismail Xavier (2003 p.61-62), a interao entre as mdias tornou mais difcil recusar o direito do cineasta interpretao livre do romance ou pea de teatro, e prope que o lema deve ser: ao cineasta o que do cineasta, ao escritor, o que do escritor., e as comparaes ente livro e filme no devem ser mais do um esforo para tornar mais claras as escolhas de quem leu o texto e o assume como ponto de partida, e no de chegada.

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    Bruzzo (2011, p.4) lembra que os professores tambm esto na condio de espectadores e que interrogar-se sobre o lugar dos filmes na escola depende de saber as relaes dessa instituio com a cultura e sua abertura para as investigaes criativas das diversas linguagens, dentre as quais as audiovisuais. preciso tambm lembrar, conforme Garcia Canclini (2005) nos aponta que a rede mundial de computadores ameaa engolir os demais meios de comunicao de massa que operam em outros suportes como jornal, rdio, televiso, cinema e discos em um pantagrulico banquete. Desse modo, seria interessante no s pensar em uma forma tradicional de cinema, ou de TV. Mas sim, em um cinema e televiso com transmisso em diferentes suportes.

    preciso que o grupo de docentes e discentes no veja mais o cinema - em qualquer suporte miditico que ele aparea como algo de menor valor para que ele o cinema tenha seu lugar validado na escola e fique longe de uma perspectiva de julgamento de valor depreciativo frente literatura. Em uma entrevista Revista Cult, o diretor de cinema Fernando Meirelles destacou para a jornalista Marlia Kodic a necessidade da incluso do audiovisual na educao, e da necessidade de que haja uma espcie de letramento visual:

    (...) e j que falamos em educao, acho curioso que as escolas tenham curso de literatura em seus currculos, mas no falem sobre cinema e TV. Seria timo termos uma audincia mais crtica e a escola me parece o lugar certo para form-la. Quantas horas um garoto passa lendo por ano e quantas horas ele passa vendo TV ou filmes? Faz sentido ensinar a ler o que se assiste diariamente.

    Carvalho (2007, p.13) tambm convida a uma reflexo e conclame ao letramento visual quando a pesquisadora apresenta a seguinte indagao:

    Na escola, aprendem a ler impressos e a escrever manuscritos, e ento, o indivduo considerado alfabetizado. Mas em que momento aprende-se a ler ou a escrever um texto audiovisual? Algum ensina o aluno a assistir um programa de televiso ou assistir um filme? Quando o aluno aprende como o processo de desenvolvimento de um programa televisivo ou de um filme? possvel ensinar a ler e a escrever um texto audiovisual?

    Carvalho (2007, p.17) continua explicando que no basta ter acesso tecnologia. O indivduo precisa compreender o processo de produo e transmisso das informaes para desenvolver uma recepo crtica e consciente dos textos, das imagens e dos sons que so disseminados pelos meios de comunicao.. Carvalho (2007, p.19) tambm alerta que o audiovisual faz parte da bagagem que os jovens levam consigo para as salas de aula do ensino superior e que possvel que o professor possa

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    compreend-los melhor se estiver em contato com os alunos e admitir que os meios de comunicao visual acabam por tambm educar. Ao ser perguntado sobre a relao entre cinema e educao em uma entrevista, Ismail Xavier respondeu que a dimenso educativa sempre procurou no cinema alguma temtica para formar valores, vises de mundo, conhecimento e ampliao de repertrio onde o cinema fica reduzido educao e aos rtulos impostos pelos temas. Em seguida, Xavier conclama que o cinema que educa o cinema que faz pensar:

    Para mim, o cinema que educa o cinema que faz pensar, no s o cinema, mas as mais variadas experincias e questes que coloca em foco. Ou seja, a questo no passar contedos, mas provocar uma reflexo, questionar o que, sendo um construto que tem histria, tomado como natureza, dado inquestionvel.

    Concordando com os pensamentos dos autores aqui apresentados,

    advoga-se ento pelo uso do cinema em sala de aula, sobretudo no ensino superior que o foco da pesquisa-, para alm da instrumentalizao do cinema e do parmetro da fidelidade. No se trata tambm de uma mera insero do cinema como um recurso didtico opcional. Trata-se do reconhecimento de que os alunos esto imersos em uma sociedade imagtica que vive a crise da leitura como j descrito em sees anteriores. Portanto, trazer essas imagens do conhecimento do aluno para a sala de aula e estabelecer o dialogismo entre cinema e literatura pode ser um modo de motivar o aluno leitura e fazer com que o discente perceba que a literatura no um discurso distante.

    Como exemplos mais concretos que podem ser trabalhados em sala de aula, pensaremos nos textos Sem carter de Nelson Rodrigues, Orgulho e Preconceito de Jane Austen, Tio Vnia de Tchecov, o poema The Raven de Edgar Allan Poe, a letra da msica de Faroeste Caboclo do grupo Legio Urbana, e algumas de suas respectivas adaptaes. O conto de Nelson Rodrigues advindo do livro A Vida como ela foi adaptado para o formato televisivo exibido em um programa dominical na dcada de 90. A cada semana um novo conto era exibido. interessante levar o aluno a ler o conto, e depois compara-lo com o texto audiovisual para que ele possa apontar que escolhas foram feitas pelo diretor na adaptao e para que haja uma reflexo sobre o porqu dessas escolhas.

    Oriundo do cnone literrio, e muito lido nos cursos de Letras, o livro de Jane Austen, Orgulho e Preconceito costuma ter vrias adaptaes cinematogrficas devido ao seu valor no campo literrio. Nesse ano de 2013, por exemplo, o ano de comemorao de 200 anos da publicao da obra de Austen e surgem vrias adaptaes em diferentes gneros. O aluno poder ver que h filmes diversos adaptados para diferentes grupos como o caso de The Jane Austens Club destinado aos fs da autora, e Lizzy Bennets diary voltado para o pblico adolescente. O aluno poder notar que a literatura tambm pode movimentar festivais como os de Bath em homenagem publicao de

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    Orgulho e preconceito e at mesmo a venda de objetos como canecas com dizeres curiosos e humorsticos como Keep calm and find youself a Mr Darcy. Assim, temos mais um exemplo da literatura pulsante no mundo e das relaes dilgicas que ela estabelece com os mais diferentes discursos.

    Fora do cnone anglfono, o dilogo entre o livro Tio Vnia de Tchecov e sua respectiva adaptao cinematogrfica Tio Vnia em Nova York pode ser uma interessante discusso sobre a atualizao da obra literria e a sua nova significao no tempo e no espao. J o poema The Raven de Edgar Allan Poe transposto para uma gravura do famoso ilustrador John Tenniel o mesmo de Alice no Pas das Maravilhas pode levar o aluno a pensar sobre escolhas adotadas para a composio da ilustrao para que a gravura transmitisse o mesmo terror impactado na voz do corvo que repetia nunca mais no poema de Poe. Por fim, interessante tambm o trabalho com letras de msica que apresentam literariedade e verificar que essas letras podem se desdobrar em narrativas cinematogrficas como no caso da letra de msica Faroeste Caboclo, da banda Legio Urbana e do filme que dela se originou. Nesse caso, o aluno pode at mesmo estudar comparativamente a voz narrativa no filme, por exemplo.

    Os exemplos aqui apresentados so pequenas amostras de prticas que podem ser desenvolvidas em sala de aula. Contudo, esses no so prticas ritualsticas e nem modelos a serem desenvolvidos. Os exemplos aqui apresentados representam apenas tentativas e reflexes sobre o dialogismo entre a literatura- seja qual for o gnero- e outros discursos. Portanto, reconhecer a importncia dialgica entre o cinema e a literatura atravs das adaptaes pode no s promover o letramento literrio, gosto e apreciao esttica das obras, como tambm reconhecer a importncia do discurso literrio enquanto discurso vivo e atuante na sociedade e no como mero modelo lingstico da norma padro.

    Levar os alunos a reconhecer os meios e contextos de produo literria, cinematogrfica e cultural uma ao educativa que certamente levar o aluno a ser detentor e agente multiplicador do conhecimento literrio, cinematogrfico e cultural, que, por conseguinte leva questionamentos, reflexes e indagaes sobre todos os discursos circulantes, sabendo que educao, cultura e literatura podem ser considerados bens simblicos adotando a nomenclatura de Bourdieu. Logo, esse aluno, detentor de uma educao literria crtica certamente pode se transformar em um agente transformador e usufruir de uma educao no-excludente. REFERNCIAS AUMONT, Jacques. O cinema e a encenao. Trad. Pedro Eli Duarte. Lisboa, Edies Texto & Grafia, Ltda, 2006. BAKHTIN, Mikhail. Esttica da Criao verbal. Trad. Paulo Bezerra. So Paulo: Editora Martins Fontes [1979] 2006.

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