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Fabiana Rodrigues Barletta
O Direito à Saúde da Pessoa Idosa
TESE DE DOUTORADO
DEPARTAMENTO DE DIREITO Programa de Pós-Graduação em Direito
Rio de Janeiro, fevereiro de 2008
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Fabiana Rodrigues Barletta
O Direito à Saúde da Pessoa Idosa
Tese de doutorado
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio.
Orientador: Professor Alejandro B. Alvarez
Rio de Janeiro, fevereiro de 2008.
Fabiana Rodrigues Barletta
O Direito à Saúde da Pessoa Idosa
Tese de doutorado
Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Professor Alejandro B. Alvarez (Orientador) Departamento de Direito – PUC-Rio
Professora Heloísa Helena Gomes Barbosa(Co-orientadora) UFRJ
Professora Ana Lúcia de Lyra Tavares Departamento de Direito – PUC-Rio
Professor João Ricardo W. Dornelles Departamento de Direito – PUC-Rio
Professor Gustavo Tepedino UERJ
Prof. Francisco Amaral
UFRJ
Prof. Nizar Messari Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de
Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 2008
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.
Fabiana Rodrigues Barletta
Possui Graduação em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1994), Mestrado em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2001).É professora assistente do quadro efetivo da Universidade Federal de Viçosa..
Ficha catalográfica
CDD: 340
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. O Direito à Saúde da Pessoa Idosa / Fabiana Rodigues Barletta; orientador: Alejandro B. Alvarez – Rio de Janeiro: PUC; Departamento de Direito, 2008.
287 p 1. Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito. Inclui referências bibliográficas.
1. Direito– Tese. 2. Direitos fundamentais. 3. , direito dos idosos. 4. , direito à saúde. I. Barletta, Fabiana Rodrigues. II. Alvarez, Alejandro B. W.. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito. IV. Título.
Aos meus pais, Dalva e Edgard Angelo,
Ao Romeu
Agradecimento
Para cursar um Doutorado são necessários esforços de toda ordem. No meu caso
o empenho a fim de lograr o resultado pretendido, a consecução dessaTese, começou
antes do ingresso no programa de Pós-Graduação da PUC-Rio.
Para conciliar o trabalho de docência e pesquisa da Universidade Federal de
Viçosa com a preparação para a prova da PUC contei com o apoio imprescindível dos
professores Luciene Rinaldi Colli, José Geraldo Campos Gouveia, Gláucio Inácio da
Silveira, Vicente de Paula Lélis e Françoise Marianne Braathen. Mas não só professores
estiveram presentes nessa jornada. Alguns alunos talentosos, hoje colegas, como
Gustavo Rafael de Lima Ribeiro, Maria José Botelho, Jaqueline Ribeiro Brandão, e
Rachel Campos Gomes ajudaram muitíssimo na realização dos projetos nos quais eu
estava envolvida. Impossível não lembrar do altruísmo da professora Teresa Negreiros
que deixou seu escritório particular à disposição enquanto eu escrevia o projeto de Tese
e da generosidade dos professores Luís Edson Fachin e Paulo Luiz Netto Lôbo, que
enviaram cartas de recomendação ao Programa de Pós-Graduação da PUC para minha
admissão no curso.
O financiamento dessa pesquisa pela CAPES e o licenciamento das atividades na
Universidade Federal de Viçosa proporcionaram também condições de me dedicar com
afinco ao Doutorado.
Já na PUC, cursando disciplinas obrigatórias e eletivas, tive o imenso prazer de
ser aluna de Ana Lúcia de Lyra Tavares que, com elegância e simpatia, sem jamais
perder a autoridade, nos ensinou o método da comparação no Direito; também pude
saborear as memoráveis aulas de José Maria Gómez e João Ricardo Wanderley
Dornelles, que procuraram nos incutir conteúdos aprofundados acerca da democracia e
dos direitos humanos. José Ribas Vieira nos despertou para o constitucionalismo
americano, Adrian Sgarbi não só transmitiu ensinamentos por meio da sua inteligência e
perspicácia como me distinguiu com compreensão e com o empréstimo de obras
relevantes para o desenvolvimento desse trabalho. Ricardo Lobo Torres foi tão
importante que não bastaram suas aulas na PUC. Com a sua aquiescência, assisti outras
ministradas na UERJ, essenciais para a incursão na temática dos direitos fundamentais.
Foi também na UERJ que cursei, sob o magistério de Luís Roberto Barroso, a disciplina
Interpretação Constitucional, de grande valia para análises posteriores. Maria Celina
Bodin de Moraes, além de preparar temas instigantes para nossas discussões
acadêmicas, fez desencadear em mim a busca de autoconhecimento cada dia mais
importante para se bem viver consigo e com os outros. Anderson Torres Almeida,
Carmem Barreto de Rezende e Marcos Antônio Lira de Sousa, sempre foram nossos
anjos da guarda nas secretarias do Departamento de Direito da PUC.
Logo que cheguei ao Rio, contei com o apoio inestimável do professor
Alexandre Ferreira de Assumpção Alves e da professora Juliana Santos Pinheiro, com a
qual compartilhei, até o final da caminhada, alegrias, tristezas, sonhos e esperanças.
Na breve estadia em Portugal auferi calorosa acolhida do professor José de
Oliveira Ascensão, que espero tenha compreendido minha necessidade de voltar ao
Brasil antes do previsto.
Auxiliaram sobremaneira com a disponibilização de material específico para a
Tese os magistrados Werson Franco Pereira Rêgo e o Desembargador Sidney Hartung
Buarque; os professores Marcus Dantas, Brunello de Souza Stancioli, Sônia Barroso
Brandão Soares, Eliane Maria Barreiros Aina, Daniela Medina Maia, Rosângela
Lunardelli Cavallazzi, Maurício Govea, Frederico Price Grechi e Eduardo Takemi
Kataoka que, além disso, leu atentamente o 4º capítulo desse trabalho e fez respeitáveis
considerações. Luíza Maia, da Secretaria Municipal de Saúde, foi grande aliada nos
meus primeiros passos na seara da Gerontologia.
Não menos importantes foram Marcelo Junqueira Calixto, Guilherme Magalhães
Martins, Rose Melo Vencelau Meirelles e Ana Luíza Maia Nevares que, cursando
diverso programa de Doutorado e, sob outra orientação, proporcionaram-me a sensação
de ainda pertencer a seu grupo seleto, incluindo-me em momentos importantes de suas
vidas.
O professor Aleajndro Bugallo Alvarez, orientador dessa investigação, sempre
me tratou com amabilidade tal que se estendeu à sua esposa, Dona Vilma; antes, porém,
esteve ao meu lado nos momentos difíceis e demonstrou confiança em minhas
capacidades, deixando-me livre para desenvolver as idéias que compõem esse estudo.
A professora Heloisa Helena Gomes Barboza foi magnânima acolhendo a co-
orientação da pesquisa, recebendo-me várias vezes em sua casa para que discutíssemos
os caminhos já percorridos e a percorrer durante a redação da Tese; transmitindo, em
todas essas oportunidades, ótimas sugestões e muito estímulo.
O professor Gustavo Tepedino, meu orientador no Mestrado, tem sido, pelos
ensinamentos de sua obra, um dos guias intelectuais em tudo que faço. Com ele tive
brevíssima, porém elucidativa conversa, ao redefinir o tema dessa Tese. Ademais, ele
me conferiu atenção qualificada por meio de gestos agregadores e por sua fundamental
participação em minha “Pré-Defesa”, ocasião em que tomei emprestado seu livro, Il
diritto civile nella legalitá constituzionale, marco teórico desse trabalho.
Durante a travessia do Doutorado tive felizes encontros com Sulamita Trzcina e
Pedro Ernesto Almeida e Silva; minha irmã Junya desempenhou significante papel
estando ao meu lado; os momentos de convivência com as primas Ângela e Helena e
com tia Celminha, cuja história pessoal é a inspiração dessa tese, foram combustível
para recomeçar inúmeras vezes; a existência de Luíza e Fernandinho, duas grandes
fontes de felicidade da nossa família, foram, entre outras, as melhores contribuições de
minha irmã Marcella e do compadre Fernando.
Romeu abriu para mim seu coração e sua vida que se juntou à minha e se
transformou na nossa.
Mamãe e Papai merecem as maiores homenagens pelo amor incondicional
sempre revelado.
Todas essas pessoas, com suas atitudes singulares, foram absolutamente
indispensáveis para que eu apresente hoje esse trabalho ao público. A elas sou, com os
mais sinceros e profundos sentimentos, eternamente grata.
Resumo
Barletta, Fabiana Rodrigues; Alejandro Bugallo Alvarez. O Direito à Saúde da Pessoa Idosa. Rio de Janeiro, 2007. 287p. Tese de Doutorado – Departamento de Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
O presente trabalho trata do direito à saúde da pessoa idosa nos ambientes público e privado. Partindo da premissa de que o direito à saúde possui natureza prioritária na terceira idade procura-se identificar quais são as peculiaridades desse direito quando prestado ao ser idoso. De início, cuida-se da vulnerabilidade jurídica do idoso a fim de justificar vários direitos que, constitucionalmente e infraconstitucionalmente, lhe são atribuídos de maneira prioritária e que corroboram para o alcance da sua saúde ideal. Observam-se dispositivos constitucionais que fazem referência ao idoso e se propõe que o dever de ampará-lo, extraído da Constituição da República brasileira de 1988, seja tratado como direito fundamental material, na medida em que não consta do catálogo formal dos direitos fundamentais. Em nível infraconstitucional analisam-se conteúdos normativos do Estatuto do Idoso – a partir do qual se constrói o princípio do melhor interesse do idoso – e do Código Civil Brasileiro em pontos específicos referentes aos direitos dos idosos. Defende-se que a saúde da pessoa idosa prestada pelo Estado constitui direito constitucional de índole fundamental. Estudam-se as teorias da “reserva do possível” e do “mínimo existencial”. Aponta-se para como o Sistema Único de Saúde deve fornecer aos idosos o direito à saúde. Defende-se também a incidência horizontal da fundamentalidade do direito à saúde prestado pela iniciativa privada e do conseqüente intervencionismo estatal na seara dos contratos de plano de saúde, por meio da revisão contratual e da aplicação dos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva nos pactos celebrados entre idosos e prestadoras privadas de saúde. Ao final, examinam-se instrumentos que viabilizam a eficácia na prestação do direito à saúde à pessoa idosa com a devida prioridade, passíveis de desenvolvimento somente num estado democrático que esteja calcado nos direitos fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade e no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Palavras-chaves: Direitos fundamentais, direito dos idosos, direito à saúde
Abstract
Barletta, Fabiana Rodrigues; Alejandro Bugallo Alvarez. O Senior's Right To Health Care. Rio de Janeiro, 2007. 287p. Tese de Doutorado – Departamento de Direito. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
The present work deals with the rights for health for the elderly in the public as well as private environments. Starting from the premise that the rights to health has priority nature, when the third age is concerned, one tries to identify what are the peculiarities of these rights when it is given to the elderly. In the beginning, one considers the legal vulnerability of the elderly in order to justify several rights that are attributed constitutionally and hierarchically below the constitution to them in a priority way that enable them to accomplish their ideal health. The constitutional mechanisms that refer to the elderly and proposes that the rights to support them, taken from the Brazilian Constitution from 1988, is treated as material of fundamental rights, once it does not come from the formal catalog of fundamental rights. At the level of the law that are hierarchically below the constitution, the normative contents from the Elderly Decree – from where the principle of best interest of the elderly is built - were analyzed together with the Brazilian Civil Code where the elderly rights were referred to in specific points. What is defended in this thesis is that the health of the elderly given by the State constitutes constitutional rights of fundamental nature. The theories of the “possible reserve” and the “minimum existence” are studied. The Sistema Único de Saúde – the public health system, is required to supply the rights for health to the elderly. The horizontal incidence of the basis of the rights to health supported by the private companies and the consequent state intervention where the contracts for health care plans are concerned is defended through contract review and applications of principles of the social function of the contract and the objective good faith in the pacts done between the elderly and the private health companies.At the end, the tools that enable the efficiency when the rights to health for the elderly is concerned are examined with the due priority, susceptible to development only in a democratic state which is based on the fundamental rights of freedom, equality, solidarity as well as in the constitutional principle of human being dignity.
Keywords: senior's right, heath care, fundamental rights
Sumário 1. Introdução 12 2 A Saúde Como Direito Prioritário da Pessoa Idosa 17 2.1. A Pessoa Idosa e sua Vulnerabilidade 17 2.2. O Idoso e o Exercício dos Seus Direitos de Personalidade 29 2.3. A Saúde Como Direito Prioritário da Pessoa Idosa 44 3. Direitos da Pessoa Idosa e Seus Princípios Normativos 64 3.1. Apontamentos Acerca dos Direitos da Pessoa Idosa nas Constituições Brasileiras de 1824 a 1988 64 3.2. Princípios Cardeais do Estatuto do Idoso 69 3.3. Análise Comparativa dos Princípios Assegurados à Criança, ao Adolescente e ao Idoso no Ordenamento Jurídico Brasileiro 92 3.3.1. A Análise Civil-Constitucional dos Princípios Assegurados Às Crianças, Aos Adolescentes e Aos Idosos 102 4. A Saúde da Pessoa Idosa Como Direito Fundamental e o Papel do Estado na Sua Consecução 106 4.1. Notas Sobre a Historicidade dos Direitos Fundamentais 106 4.2. A Saúde Como Direito Fundamental e Exigível 111 4.3. O Direito à Saúde da Pessoa Idosa e o Papel do Estado na Sua Consecução 135 5. A Saúde da Pessoa Idosa Prestada Pela Iniciativa Privada 152 5.1. A Eficácia Horizontal do Direito Fundamental à Saúde 152 5.2. A Lesão Em Contratos de Plano de Saúde Realizados Com o Consumidor Idoso: Hipóteses de Incidência e Análise de Casos 167 5.3. Da Mutualidade dos Contratos de Seguro à Solidariedade dos Contratos de Plano de Saúde Realizados Com Pessoas Idosas 176 5.3.1. Os Demais Reajustes das Prestações Pecuniárias Pagas Pelo Consumidor Idoso 183 5.4. A Autonomia Privada Em Uma Perspectiva Funcional 189 5.5. O Princípio da Boa-fé Objetiva Como Dever de Informar o Consumidor Idoso 199 6. A Política Nacional do Idoso e Seu Estatuto como Precursores de Movimentos Democráticos a Serem Desenvolvidos no Estado Brasileiro Em Prol dos Direitos da Pessoa Idosa 204 6.1. O Exercício da Cidadania do Idoso no Estado Democrático de Direito 204 6.2. O Modelo Democrático no Brasil Pós Regime Ditatorial e Os Direitos Fundamentais da Igualdade, da Liberdade e da Solidariedade na Constituição da República Brasileira de 1988 218 6.3. Instrumentos Para Assegurar a Eficácia Social dos Direitos da Pessoa Idosa 233 7.Conclusões 250 8.Referências Bibliográficas 268
El 4 es 4 para todos? Son todos los sietes iguales?
Cuando el preso piensa em la luz es la misma que te ilumina? Has pensado de qué color es el Abril de los enfermos?
Pablo Neruda
1 Introdução
O envelhecimento populacional é uma nova situação de incidência
mundial. A causa desse fenômeno encontra-se ligada tanto à diminuição de mortes
na infância, à queda da fecundidade, como também à redução da mortalidade em
idades longevas.1 Contribuíram para tanto fatores técnico-científicos como a
descoberta dos antibióticos na década de 1940, a descoberta das vacinas, a criação
de unidades de terapia intensiva, bem como a mudança no estilo de vida das
pessoas que ocorreu a partir da década de 1960.2
No Brasil, as análises demográficas apontam para um aumento da
longevidade. Dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE no ano de 2000
revelaram que havia um total de 6.527.630 homens e 8.011.358 mulheres no
grupo de idade dos 60 aos 100 anos ou mais.3 Segundo os demógrafos, esses
números só tendem a crescer nos próximos anos. As pessoas idosas estão se
tornando mais idosas. Projeções recentes demonstram que esse segmento poderá
representar 15% da população brasileira no ano de 2020.4
Muitos direitos se relacionam intimamente com o envelhecimento.
Nesse trabalho deu-se destaque ao direito à saúde da pessoa idosa, por
compreender que importa menos quanto os seres humanos conseguirão subsistir,
mas, uma vez constatado o prolongamento da vida, é absolutamente relevante
como eles usufruirão desse tempo a mais, pois não há a menor vantagem em anos
adicionados sem condições adequadas de sobrevivência. Isto posto, focou-se na
análise do direito à saúde a partir de contributo estatístico que, em considerações 1 CAMARANO, Ana Amélia, KANSO, Solange e MELLO, Juliana Leitão e. Quão além dos 60 poderão viver os idosos brasileiros? In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60? Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 77. 2 DE FREITAS, Elizabeth Viana. Demografia e epidemologia do envelhecimento. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Jeanete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: NAU, 2004, p. 21. 3 Dados sobre a população com mais de 60 anos por idade e sexo no censo demográfico de 2000. Fonte: IBGE- Censo Demográfico. 4 CAMARANO, Ana Amélia. Envelhecimento da população brasileira: uma contribuição demográfica. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 58.
13
finais, revela situação alarmante: “aproximadamente 40% do tempo vivido pelos
idosos brasileiros são sem saúde.” 5
Ora, nada há que sustente, diante de avanços médicos em termos de
tratamentos curativos e paliativos, que o indivíduo deixe de gozar de saúde sem
nada se fazer pelo argumento de que “faz parte da velhice”. Se a medicina já se
deu conta de que é possível envelhecer e morrer em condições dignas de saúde, é
papel do direito assegurá-las na última etapa da vida da pessoa humana, pois, do
contrário, haveria um inconcebível atentado ao valor máximo de ordem
constitucional que proclama sua dignidade.
Todo o estudo desenvolvido encontra-se abalizado na normativa
constitucional e infraconstitucional que trata com especialidade da pessoa idosa:
tratam-se da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso.
Reconhece-se que a existência de leis setoriais que visam especificamente
à proteção da pessoa idosa não recebe acolhida de toda a doutrina sob a
justificativa de que essa tutela poderia levar os tutelados à marginalização.6
Observa-se, contudo, segundo dados trazidos pela mesma doutrina, que a Itália
possui desde 1978 a Lei 833, cujo art. 2 dispõe que a tutela da saúde do idoso
representa um de seus objetivos fundamentais, de modo a prevenir e remover as
condições concorrentes para sua marginalização;7 o que o doutrinador ainda
considera reducionista pois, em suas palavras: “a proteção e a promoção do idoso
realizam-se, antes de tudo, com a aplicação do princípio da igualdade, segundo o
qual a dignidade humana não depende das circunstâncias externas, nem tão pouco
5 CAMARANO, Ana Amélia, KANSO, Solange e MELLO, Juliana Leitão e. Quão além dos 60 poderão viver os idosos brasileiros?, p. 103. 6 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale. Napoli: Scientifiche Italiane, 1984, p. 340: “Deve -se desfiar da construção do idoso como uma categoria e também de uma normativa exclusiva para o idoso e somente para ele, pois uma e outra poderiam consistir em fonte de nova marginalização. Não parece útil sequer correto propor a criação de um ‘direito dos direitos dos idosos’; também não se trata de elaborar um estatuto dos idosos. Trata-se, sobretudo, de individualizar soluções mais adequadas para a proteção e a promoção das pessoas que se encontrem em situação de particular dificuldade, até mesmo de em condição peculiar de deficiência” [Traduziu-se livremente do italiano] 7 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 341. [Traduziu-se livremente do italiano]
14
das condições pessoais ou dos papéis sociais, mas é um valor inerente ao
homem.”8
Por outro lado, existe posição doutrinária a fazer apologia acerca da
criação de normas peculiarmente destinadas aos idosos e ainda a propor a
edificação de um direito da ancianidade.9
Nesse pormenor, os pontos de vista adotados no presente trabalho
aproximam-se da segunda concepção no sentido de se proclamar a existência de
um direito voltado especialmente para o idoso. A primeira certamente se
desenvolveu sob a égide do Estado Italiano, plantado na realidade européia, em
muito afastado das realidades sociais da América Latina onde se insere o Estado
brasileiro.
Pensa-se, na perspectiva construcionista de um direito da ancianidade para
outros sistemas jurídicos, que o conteúdo normativo do Estatuto do Idoso
brasileiro possa ser fonte a embasar o fenômeno da recepção de direitos.10
8 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 341. [Traduziu-se livremente do italiano] 9 CARAMUTO, Maria Isolina Davobe. Los derechos de los ancianos. Madri/ Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2002, p. 433: “Esta exigência de integração valorativa, ao meu parecer, só pode resolver-se pela construção de um verdadeiro Direito da Ancianidade. Só pode concretizar-se, mediante a elaboração de um corpo normativo autônomo, com princípios e regras próprias, perfeitamente diferenciadas do resto das ramificações tradicionais, ainda que vinculadas a elas. Isto poderia realizar-se através de um traçado jurídico sistematizado, que dê contas de uma realidade humana que já é reconhecida como específica e valiosa, no entanto frágil e complexa.” [Traduziu-se livremente do espanhol] 10 Para um estudo aprofundado do fenômeno das recepções de Direito, veja-se o artigo de TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra. O estudo das recepções de direito. In: Estudos Jurídicos Em Homenagem Ao Professor Haroldo Valladão. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 45-66, passim. Nas páginas 46 e 47 a autora explica em que consiste o fenômeno das recepções de direito e trata da sua imprecisão terminológica: “O fenômeno que a expressão ‘recepção de direito’ evoca é a introdução, em um determinado sistema jurídico, de regras, noções, ou institutos pertencentes a um outro sistema. Entretanto, o emprego do termo ‘recepção’ para indicar esse fenômeno, na totalidade e na diversidade de suas manifestações, não é de aceitação tranqüila. Ponderam, os estudiosos do assunto, que ele subentende um ato voluntário, espontâneo, não se aplicando, portanto, aos casos em que a introdução de algumas normas ou institutos alienígenas em um sistema decorreu de atos impositivos e compulsórios. Essa, a razão de encontrarmos, na matéria, uma terminologia que varia, por vezes, em função da causa do fenômeno ou dos modos pelos quais ele se processa; por outras, em virtude de uma preferência subjetiva sem qualquer intuito de diferenciar suas múltiplas manifestações.” Nas páginas 65 e 66 a autora arremata: “Essa ‘receptividade’ não deve, porém, fazer com que se esqueçam de certas cautelas, para prevenir conseqüências negativas de um transplante inadequado ou mal efetuado. A proliferação desses estudos decorre, sobretudo na área do direito comparado, da importância atribuída às recepções como instrumentos de modernização dos sistemas, de harmonização dos padrões jurídicos e de compreensão internacional.”
15
Nessa conjuntura inicia-se o traçado de um arco temático que parte do
seguinte argumento: se o ancião encontra-se mais apto a desenvolver doenças que
os seres humanos jovens, exsurge a saúde, dentre os seus direitos fundamentais,
como aquele de ordem prioritária nas idades longevas. Ter direito à saúde
funciona como pressuposto para que sejam exercitados os outros direitos dos
idosos.
Busca-se, no primeiro capítulo, identificar quem é o idoso, justificar sua
vulnerabilidade jurídica e revelar que, na idade avançada, a saúde apresenta uma
série de peculiaridades. Os direitos aos alimentos e à moradia são tratados como
mínimas condições para que o idoso possa auferir saúde. Averigua-se, portanto, a
quem cabe prestá-los e os meios de satisfazê-los. Procura-se comprovar que o
idoso, apesar de sua imanente vulnerabilidade, é dotado de capacidade jurídica
para direcionar sua vida, em condições de saúde ou de doença, por meio da
autodeterminação, que afasta preconceitos acerca da velhice e lhe confere
respeito.
No segundo capítulo faz-se um paralelo sobre as circunstâncias de
vulnerabilidade de crianças, adolescentes e idosos e dos pontos de aproximação e
de afastamento dos direitos dessas duas categorias de pessoas que se encontram
num particular estágio de vida. Com base na analogia e nas possibilidades abertas
pela Constituição da República brasileira, tenta-se construir um princípio
hermenêutico em favor dos idosos, o princípio do seu melhor interesse. Procura-se
mostrar que, se utilizado na interpretação jurídica, o princípio do melhor interesse
do idoso produzirá uma série de efeitos positivos para seu beneficiado.
No terceiro capítulo procede-se ao exame da assistência sanitária
proporcionada ao idoso por intermédio do Estado e se discutem teorias de íntima
ligação com o direito prestacional à saúde, a saber: a teoria do “mínimo
existencial” e a teoria da “reserva do possível”. Defende-se que a saúde é direito
de natureza fundamental e exigível e, a partir daí, toma-se em conta como o
sistema público de saúde brasileiro se compõe e se desenvolve, especialmente no
que concerne ao oferecimento do direito à saúde à pessoa idosa.
No quarto capítulo cuida-se da prestação de saúde ao idoso advinda da
livre iniciativa, propondo, de início, a eficácia horizontal do direito fundamental à
saúde nas relações interprivadas. Da análise do idoso como consumidor da
assistência particular à saúde, constata-se sua hiper vulnerabilidade perante o
16
fornecedor. A partir de então, trata-se do instituto da lesão, da mutualidade que se
transmuda em solidariedade e dos princípios da função social do contrato e da
boa-fé objetiva como possibilidades jurídicas na tutela dos interesses dessa pessoa
hiper vulnerável quando usuária de planos de saúde.
No quinto capítulo fecha-se o arco desenhado ao constatar que, mais do
que enunciado, o direito à saúde da pessoa idosa necessita ser promovido em
condições ideais. Dentre elas, destaca-se o estado democrático, sustentado pelo
princípio da dignidade da pessoa humana, composto pelos princípios
fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade em seus múltiplos
aspectos ponderáveis caso a caso. Ademais, partindo do pressuposto de que o
direito à saúde possui natureza prioritária na velhice, adverte-se que ele só se
realizará se utilizados instrumentos que, baseados no princípio da igualdade
substancial, dêem-lhe efetividade.
2 A Saúde Como Direito Prioritário da Pessoa Idosa
2.1 A Pessoa Idosa e Sua Vulnerabilidade
Situação complexa, embora inerente a todas as pessoas idosas, diz respeito
à sua vulnerabilidade jurídica. Para compreendê-la, recorre-se à sociologia e à
biologia para, após identificá-la no mundo dos fatos, justificá-la em termos de
Direito.
Simone de Beauvoir quando já idosa, escreve um dos mais completos
ensaios sobre a velhice. Nele, a professora aponta aspectos biológicos e
sociológicos do envelhecimento, estuda a velhice nas sociedades históricas e traz
à baila, aqui e ali, no passado e no presente de sua era, a experiência de velhice de
filósofos, artistas, escritores, os quais pesquisou, e de pessoas desconhecidas que
lhe contaram acerca da própria velhice ou da versão contada por seus parentes. A
grande maioria dos relatos retrata uma vivência difícil, dolorosa, de muitas perdas,
tanto para pobres quanto para ricos, para poderosos ou não, para intelectuais ou
trabalhadores braçais.1 A autora discorre longamente sobre alguns dos processos
fisiológicos que tornam os idosos vulneráveis.2 Apesar de esses escritos datarem
1 DE BEAUVOIR. Simone. A velhice. Tradução de: MARTINS, Maria Helena Franco. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, passim. 2 DE BEAUVOIR. Simone. A velhice, p. 33-35: “No homem, o que caracteriza fisiologicamente a senescência é o que o doutor Destrem chama ‘uma transformação pejorativa dos tecidos.’ A massa dos tecidos metabolicamente ativos diminui, enquanto aumenta a dos tecidos metabolicamente inertes: tecidos intersticiais e fibroesclerosados; eles são objeto de uma desidratação e de uma degeneração gordurosa. Há uma diminuição marcada da capacidade de regeneração celular. O progresso do tecido intersticial sobre os tecidos nobres é principalmente surpreendente no nível das glândulas e do sistema nervoso. Ele acarreta uma involução dos principais órgãos e um enfraquecimento de certas funções que não cessam de declinar até a morte. Fenômenos bioquímicos se produzem: aumento do sódio, do cloro, do cálcio; diminuição do potássio, do magnésio, do fósforo e das sínteses protéicas. A aparência do indivíduo se transforma e permite que se possa atribuir-lhe uma idade, sem muita margem de erro. Os cabelos embranquecem e se tornam rarefeitos; não se sabe por quê: o mecanismo da despigmentação do bulbo capilar permanece desconhecido; os pêlos embranquecem também, enquanto em certos lugares – no queixo das mulheres velhas por exemplo – começam a proliferar. Por desidratação e em conseqüência da perda da elasticidade do tecido dérmico subjacente, a pele se enruga. Os dentes caem.[...] A perda dos dentes acarreta um encolhimento da parte inferior do rosto, de tal maneira que o nariz – que se alonga verticalmente por causa da atrofia de seus tecidos elásticos – aproxima-se do queixo. A proliferação senil da pele traz um
18
de 1970 e, de lá para cá, muitas dúvidas salientadas pela autora tenham sido
esclarecidas pela medicina, e seja essa também a responsável por tornar os idosos
cada vez mais longevos e com qualidade de vida; incluindo o bem que fazem para
sua auto estima as variadas modalidades de cirurgias estéticas hoje em dia
possíveis, parece que os sintomas descritos perduram na terceira idade. E não há
como dizer que esses acontecimentos não abalam física e emocionalmente as
pessoas idosas, porque elas sabem como foram um dia, sabem como são as
pessoas num estágio de vida normal. Elas se sentem vulneráveis porque
efetivamente são. Usa-se deliberadamente, seguindo o exemplo de Norbert Elias,
a palavra normal porque as pessoas tornam-se diferentes quando envelhecem. E é
esta diferença que as faz vulneráveis fisicamente, psiquicamente e também
socialmente. “Os outros, os grupos de ‘idade normal’, muitas vezes têm
dificuldade de se colocar no lugar dos mais velhos na experiência de envelhecer”3
Essa dificuldade extrema mais a distância entre os longevos e os jovens e faz dos
primeiros cada vez mais sozinhos e incompreendidos.
engrossamento das pálpebras superiores, enquanto se formam papos sob os olhos. O lábio superior míngua; o lóbulo da orelha aumenta. Também o esqueleto se modifica. Os discos da coluna vertebral empilham-se e os corpos vertebrais vergam: entre 45 e 85 anos o busto diminui dez centímetros nos homens e quinze nas mulheres. A largura dos ombros se reduz e a bacia aumenta; o tórax tende a tornar uma forma sagital, sobretudo nas mulheres. A atrofia muscular e a esclerose das articulações acarretam problemas de locomoção. O esqueleto sofre de osteoporose: a substância compacta do osso torna-se esponjosa e frágil; é por este motivo que a ruptura do colo do fêmur, que suporta o peso do corpo, é um acidente freqüente. O coração não muda muito, mas seu funcionamento se altera; perde progressivamente suas faculdades de adaptação; o sujeito deve reduzir suas atividades para poder poupá-lo. O sistema circulatório é atingido; a arteriosclerose não é a causa da velhice, mas é uma de suas características mais constantes. Não se sabe exatamente o que a provoca: desequilíbrios hormonais, dizem uns; uma tensão sangüínea excessiva, dizem outros; pensa-se em geral que a causa principal é uma perturbação do metabolismo dos lipídeos. As conseqüências são variáveis. Por vezes a arteriosclerose atinge o cérebro. Em todo o caso, a circulação cerebral torna-se mais lenta. As veias perdem sua elasticidade, o débito cardíaco decresce, a rapidez da circulação diminui, a pressão sobe. É preciso observar, aliás, que a hipertensão, tão perigosa para o adulto, pode muito bem ser suportada pelo homem idoso. O consumo de oxigênio do cérebro reduz-se. A caixa torácica torna-se mais rígida e a capacidade respiratória, que é de 5 litros aos 25 anos, cai para 3 litros aos 85. A força muscular diminui. Os nervos motores transmitem com menor velocidade as excitações e as reações são menos rápidas. Há involução dos rins, das glândulas digestivas, do fígado. Os órgãos do sentido são atingidos. O poder de acomodação diminui. A presbiopia é um fenômeno quase universal entre os velhos, e a vista ‘cansada’ faz com que a capacidade de discriminação decline. Também diminui a audição, chegando freqüentemente até a surdez. O tato, o paladar, o olfato têm menos acuidade que outrora.” 3 ELIAS, Norbert. Envelhecer e morrer: alguns problemas sociológicos. In: A Solidão dos Moribundos. Tradução de: DENTZIEN, Plínio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 80.
19
Quanto à saúde psíquica dos anciãos relata-se também que há declínios a
ser levados em conta.4 A propósito, Norberto Bobbio publicou em 1996, oito anos
antes de sua morte em 2004, livro sobre sua velhice, a que ele chama de “Tempo
da Memória”. Bobbio escreve: “O mundo dos velhos, de todos os velhos, é, de
modo mais ou menos intenso, o mundo da memória. Dizemos: afinal, somos
aquilo que pensamos, amamos, realizamos. E eu acrescentaria: somos aquilo que
lembramos.”5
A redação do filósofo político em nada lembra seu engajamento como
senador e escritor de inúmeros livros, dentre eles “Teoria da Norma”, “Teoria do
Ordenamento Jurídico”, “O Futuro da Democracia”, “Liberdade e Igualdade”, “A
Era dos Direitos”, “Da Estrutura à Função”, entre outros, que trouxeram para os
estudiosos brasileiros, a partir da década de 50 do século passado, contribuição
indispensável na seara da Ciência Política e da Filosofia do Direito.6 Pelo
contrário, o autor descreve sua velhice como melancólica, “a melancolia
subentendida como a consciência do não-realizado e do não mais realizável”7, em
suas palavras.
Parece que as experiências dos anos de velhice são, para quase todos, de
alguma forma, sofridas.
Norbert Elias escreveu também em idade avançada sobre a “Solidão dos
Moribundos” e sobre “Envelhecer e Morrer.” Em cada expressão do seu
pensamento evoca a fragilidade dos idosos que advém de sua condição de
4 DE BEAUVOIR. Simone. A velhice, p. 603-604: “Já disse que as doenças mentais são mais freqüentes nos velhos do que em qualquer outra faixa etária.[...] Entretanto, sendo a velhice uma ‘anomalia normal’, muitas vezes fica difícil traçar uma fronteira entre as perturbações psíquicas que normalmente acompanham a senescência e as que têm um caráter patológico. Algumas mudanças de humor e de comportamento que parecem justificadas pela situação constituem, na verdade, os pródromos de uma doença; outras que parecem neuróticas explicam-se pelas circunstâncias. De qualquer modo, os casos francamente patológicos são numerosos. Os velhos são fisicamente frágeis, são socialmente deserdados, o que tem graves repercussões sobre o seu estado mental, seja diretamente, seja através da deterioração orgânica que resulta disso; sua situação existencial e sua condição sexual são propícias ao desenvolvimento das neuroses e das psicoses.”[Grifou-se] 5 BOBBIO, Norberto. O tempo da memória: de senectude e outros escritos autobiográficos. 7 ed. Tradução de: VERSIANI, Daniela. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. 30. 6 LAFER. Celso. A autoridade de Norberto Bobbio. In: O tempo da memória: de senectude e outros escritos autobiográficos. Prefácio à edição brasileira. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. XXII e XXIII. 7 BOBBIO, Norberto. O tempo da memória: de senectude e outros escritos autobiográficos, p. 31.
20
vulneráveis: “Muitas pessoas morrem gradualmente, adoecem, envelhecem. As
últimas horas são importantes, é claro. Mas muitas vezes a partida começa muito
antes. A fragilidade dessas pessoas é muitas vezes suficiente para separar os que
envelhecem dos vivos.”8
Elias compreende que a decadência dos idosos os isola e os faz viver
grande solidão. Esta decorre do processo de senescência que, acompanhado por
declínios físicos e psíquicos, afasta os anciãos da vida compartilhada.
A fragilidade psíquica dos idosos também resulta em vulnerabilidade para
lidar com as corriqueiras frustrações da vida que, na terceira idade, ganham
dimensão alargada. Relata-se ainda, que muitos idosos sofrem pela difícil
convivência consigo mesmos diante da morte iminente: “chegar a velho, em
grande medida, também significa aprender a conviver com a morte. Aprender a
viver forçosamente com ela, posto que se trata de ‘habitar’ o final, sabendo que o
é, sem nenhum tipo de fuga possível.”9
Tais vivências somadas às perdas afetivas que angariaram por sua longa
existência e às dificuldades físicas e psíquicas com as quais, com expressiva
freqüência, têm de lidar no último quadrante da vida, quando mais se aproximam
da morte, experiência derradeira que ainda não tiveram e a qual, muitas vezes
temem, fazem dos idosos pessoas vulneráveis.10 Vulneráveis por todas as
vicissitudes do movimento inverso ao da infância, a partir de quando se cresce,
ganha-se força, desenvolve-se a inteligência, alguns idosos, em certa medida,
involuem, decrescem, submergem. Só os que convivem de perto podem notar a
dificuldade do estertor de uma vida ao redor da doença ou da exclusão social. Em
definitivo não se trata de algo interessante, bonito ou romântico. É, ao invés,
8 ELIAS, Norbert. A solidão dos moribundos. Tradução de: DENTZIEN, Plínio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 8. 9 Consoante CARAMUTO, Maria Isolina Davobe. Los derechos de los ancianos, p. 25. [Traduziu-se livremente do espanhol] 10 CAMARANO, Ana Amélia e PASIANTO, Maria Tereza. Introdução. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60?, Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 2 e 3: “Assume-se que a idade traz vulnerabilidades, perda de papéis sociais com a retirada da atividade econômica, aparecimento de novos papéis (ser avós), agravamento de doenças crônicas e degenerativas, perdas de parentes e amigos entre outras. [...] Embora se observe a heterogeneidade do grupo estudado, pergunta-se o que faz esse grupo ser diferente dos demais, que os torna objeto específico de estudos acadêmicos, de políticas etc. [...] Pode-se se dizer que as principais características do grupo são o crescimento, proporcional à idade, das suas vulnerabilidades físicas e mentais e a proximidade da morte.” [Grifou-se]
21
penoso viver no momento antecedente à finitude quando acompanhada de dor e
sofrimento. Tudo muda. Até o poder e o status das pessoas se modificam mais
cedo ou mais tarde quando, debilitadas por doenças ou apartadas do convívio
social, chegam aos sessenta, setenta, oitenta, noventa ou cem anos.11
Procura-se firmar a vulnerabilidade física, psíquica e social do idoso, para
que seja encontrada também, sua vulnerabilidade jurídica. Assim, quando não
existe igualdade de fato entre as pessoas, as regras jurídicas não podem ser as
mesmas para todos. Aos diferentes em razão do envelhecimento que os
vulnerabiliza, precisa-se assegurar igualdade jurídica, a fim de mitigar sua
desigualdade material em relação às pessoas de outra faixa etária garantindo o
humanismo em sociedade.12
Outra questão polêmica nessa matéria está contida na difícil identificação
de quem é, para os efeitos do Direito, idoso. Com o advento da Lei nº 8.842 de
1994, que instituiu a Política Nacional do Idoso e foi corroborada pela Lei 10.741
de 2003, o Estatuto do Idoso, ressurgiram as discussões acerca desse ponto.
Antes disso, a Constituição da República de 1988 dispôs, em favor dos
maiores de setenta anos, o voto facultativo, conforme art. 14, § 1º, alínea “b” e,
em artigos espaçados, sobre as idades máximas de aposentadoria voluntária no
serviço público, “de sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se
homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher”, na
forma do art. 40, § 1º, inciso III, alínea “a”; “de sessenta e cinco anos de idade, se
11 Com o intuito inequívoco de mostrar que as doenças não são belas nem românticas, mas que muitos as entrevêem desse modo, faz-se imprescindível recorrer a SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Tradução de: RAMALHO, Márcio. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984, ao relatar e, principalmente, comentar a conversa de Byron com Moore, p. 42 e 43: “O tratamento romântico da morte afirma que as pessoas se tornam singulares e mais interessantes por sua doença. ‘Estou pálido’, disse Byron olhando no espelho. ‘Gostaria de morrer de uma consunção.’ Por quê?, perguntou seu amigo tuberculoso Tom Moore, que estava visitando Byron em Pratas, em fevereiro de 1828. ‘Porque todas as mulheres diriam: ‘Olhem o pobre Byron, como ele está interessante assim morrendo’.” Talvez a principal dádiva dos românticos à sensibilidade não seja a estética da crueldade e a beleza do mórbido (como Mario Praz sugeriu em seu famoso livro), ou mesmo a exigência de ilimitada liberdade pessoal, mas a idéia niilista e sentimental do ‘interessante’.” 12 Confira-se, a respeito, o raciocínio de BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 116: “Neste ambiente, de um renovado humanismo, a vulnerabilidade humana será tutelada, prioritariamente, onde quer que ela se manifeste. De modo que terão precedência os direitos e as prerrogativas de determinados grupos considerados, de uma maneira ou de outra, frágeis e que estão a exigir, por conseguinte, a especial proteção da lei. Nestes casos estão as crianças, os adolescentes, os idosos...”
22
homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao
tempo de contribuição.” na forma da alínea “b” do mesmo artigo. Estabeleceu-se a
aposentadoria compulsória, “aos setenta anos de idade, com proventos
proporcionais ao tempo de contribuição” ainda no art. 40, inciso II. Com relação à
previdência social dos outros trabalhadores, assegurou-se a aposentadoria aos
sessenta e cinco anos de idade, se homem e sessenta, se mulher, e se reduziu em
cinco anos “o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que
exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o
produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal”, na forma do art. 201, § 7º,
inciso II.
Consideram-se tais idades máximas para o repouso remunerado dos que já
trabalharam suficientemente ao longo de sua juventude e, portanto, merecem uma
velhice de descanso e usufruto do que conseguiram ao longo da vida.
Também foi prevista constitucionalmente a garantia de um salário mínimo
de benefício mensal ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria
manutenção ou tê-la promovida por sua família, conforme dispuser a lei, em
termos de assistência social, no art. 203, inciso V. Não se disse, porém, quem é o
idoso a que se faz referência.
Em outro momento, a Constituição dispôs, no art. 230, § 2º, sobre a
garantia de gratuidade dos transportes coletivos urbanos aos maiores de sessenta e
cinco anos, como modo de o Estado amparar as pessoas idosas conforme caput do
mesmo artigo. Mas aqui também não se disse quem são tais pessoas.
Para o Estatuto do Idoso estão regulados por ele os direitos assegurados às
pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Conforme dispõe seu
art. 1º: “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos
assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.”
Portanto, a determinação legal de idoso estatuída tem o dado cronológico
como referencial, pouco importando se o ser humano possui ou não debilidade
física ou psíquica, se é homem ou mulher, pobre ou abastado. Trata-se de um
critério objetivo que visa a encerrar discussões acerca da sua procedência.
Todavia, tanto antes da promulgação da Política Nacional do Idoso já se
argumentava que “a qualidade de idoso deveria ser analisada caso a caso,
23
dependendo das condições biopsicológicas de cada ser humano”13, quanto
atualmente, discute-se o critério legalmente adotado para assegurar direitos aos
sexagenários: “O grande problema do critério cronológico é de não considerar as
diferenças pessoais e a larga faixa etária que está abrangida pelo conceito,
principalmente se levarmos em conta que, atualmente, são cada vez mais
numerosas as pessoas centenárias.”14
Diverge-se dessa posição, pois, seguramente, adotar uma idade para
considerar uma pessoa sujeita a gozar de direitos especiais afasta os tortuosos
caminhos da avaliação física e psíquica de suas capacidades, que poderia gerar
injustiças de toda ordem. Até porque, não são apenas os contingentes psicofísicos
que tornam uma pessoa idosa. Também o sexo, a classe social, a educação, a
personalidade, as vivências passadas, o contexto sócio-econômico, entre outros
fatores, influenciam no processo de envelhecimento, de forma que se torna
impossível uma resposta definitiva de quando se inicia a chamada terceira idade
para a pessoa individualmente considerada.
Entretanto, ao sustentar que “pode haver enorme diferença no estado de
saúde (física e mental), entre duas pessoas sexagenárias, uma delas pode ser
doente e debilitada, enquanto a outra se encontra em pleno vigor, sendo
perfeitamente lúcida”15, chega-se à assertiva de que “certamente há enorme
diferença entre um idoso (pelo critério da Lei nº 8.842/94) de 60 anos e um outro
de 100 anos de idade, por isso se torna difícil a aceitação de um mesmo
tratamento para ambos.”16
Embora mereça respeito essa posição, parece não ser a mais adequada.
O fato de pessoas com sessenta anos ou mais encontrar-se em pleno vigor,
não lhes retira a condição de pessoas biologicamente envelhecidas. “Pesquisas de
caráter biofisiológico puderam estabelecer que, com o avançar dos anos, vão
ocorrendo alterações estruturais e funcionais que, embora variem de um indivíduo
13 DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso. In: Direitos da Criança, do Adolescente e do Idoso: Doutrina e Legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 100. 14 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 44. 15 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 44. 16 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 44
24
a outro, são encontradas em todos os idosos.”17 Aliás, um idoso centenário pode
gozar de mais saúde do que um sexagenário. Além do mais, o que se almeja é que
os envelhecidos continuem ativos nas esferas púbicas e privadas, no trabalho
remunerado ou não, na política, nas artes, nos esportes, na educação e em todas as
contingências, para que possam manter o livre desenvolvimento de sua
personalidade.
O critério cronológico tem sido reiteradamente adotado na ordem jurídica
brasileira para impedir o trabalho de pessoas menores de quatorze anos,18
desconsiderando sua capacidade psíquica, intelectual ou compleição física; para
considerar menores de dezoito anos, independente do seu grau de maturidade,
ainda que aferível psiquicamente, inimputáveis na seara penal19 e, com capacidade
relativa para os atos da vida civil, os maiores de 16 e menores de 18 anos.20
Destarte, tal como o desenvolvimento de infantes e adolescentes, o processo de
envelhecimento “é determinado pela interação constante e acumulativa de eventos
de natureza genético-biológica, psicossocial e sociocultural.”21
Ao determinar que idoso é pessoa com idade igual ou maior que sessenta
anos a legislação em comento buscou um critério uniforme, proveniente de
investigações científicas da Organização Mundial de Saúde (OMS), que considera
idosas pessoas de sessenta e cinco anos ou mais nas nações desenvolvidas e de
sessenta anos ou mais nas nações em desenvolvimento. A Política Nacional do
Idoso e o Estatuto pátrio seguiram tais diretrizes, já que o Brasil é considerado
país em desenvolvimento.
17 PAPALÉO NETTO. Matheus. O estudo da velhice no século XX: histórico, definição do campo e termos básicos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 3. 18 Art. 227, § 3º, inciso I, da Constituição da República. 19 Art. 27, do Código Penal. 20 Art.4º, inciso I, do Código Civil. 21 NERI, Anita Liberanesso. Teorias psicológicas do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 45.
25
Enfim, cabe o registro de que estabelecer quem é idoso não compreende
tarefa fácil, haja vista tantas heterogeneidades próprias dos seres humanos, o que
induz à heterogeneidade de suas velhices. 22
De todo modo, o Direito necessita de um critério legal para se conduzir e
ser aplicável. É nesse sentido que se entende que o critério etário, o mais
invariável possível dentro de um espectro muito maior onde se encontram as
discussões a respeito de quando se inicia a velhice, e, paralelamente, de quem é o
idoso, parece, em termos legais que demandam uma determinação precisa, o mais
acertado.
Nesse contingente de indefinição sobreleva o fato de o Brasil possuir
norma constitucional que ordena o amparo da velhice por todos os seguimentos da
sociedade e pelo Poder Público. Recentemente, como já apontado, promulgou-se
um estatuto para o idoso, ferramenta que, se tiver a devida eficácia, pode em
muito amenizar sua vulnerabilidade de fato. Enfim, a Lei assegura direitos
específicos à pessoa idosa porque ela efetivamente necessita, pois se difere de
jovens, adultos e, inclusive de crianças, na sua condição vulnerável.23
A propósito, a ciência médica já havia constatado a estreita ligação entre o
envelhecimento e o surgimento de deficiências, que acabam tornando o ser idoso
imensamente vulnerável.24 Enfatize-se que as pessoas idosas compõem o principal
grupo de deficientes.25
22 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 342: “A própria definição do idoso é problemática porque é expressão não unicamente da idade da vida, mas também e principalmente, da conservação das estruturas e das funções psicofísicas, das potencialidades físicas e intelectivas. Mesmo a capacidade natural, enquanto capacidade de compreender e de querer, com o passar do tempo, modifica-se constantemente, ora aumentando, ora diminuindo. A mutação qualitativa é expressão, além do patrimônio biológico, também das experiências adquiridas e da sensibilidade; a capacidade efetiva se desenvolve porque a própria personalidade do homem se desenvolve. Todavia haverá sempre a paralela dignidade e o direito de que o seu desenvolvimento não encontre limites, exceto por aqueles ditados no seu efetivo e exclusivo interesse, seja também em correlação aos análogos interesses dos outros.” [Traduziu-se livremente do italiano] 23 BARBOZA, Heloisa Helena. O melhor interesse do idoso. In: O Cuidado Como Valor Jurídico. Coordenadores: PEREIRA, Tânia da Silva e DE OLIVEIRA, Guilherme. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 65: “Assim como a criança e o adolescente, o idoso se encontra em situação peculiar, na qual a vulnerabilidade é potencializada. Embora ambos grupos sejam constituídos por pessoas ‘especialmente’ vulneráveis, e haja em vários pontos certo paralelismo entre a situação da criança e do adolescente e a do idoso, impondo-se a tutela privilegiada de seus direitos, não se deve perder de vista que, na verdade, tais pessoas caminham em direção oposta, sendo inversamente proporcionais suas necessidades.” 24 MEDEIROS, Marcelo e DINIZ, Débora. Envelhecimento e deficiência. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito Além dos 60?, Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro:
26
Sensível a essa realidade, o legislador previu no art. 15, § 4º, do Estatuto
do Idoso que “os idosos portadores de deficiência ou com limitação incapacitante
terão atendimento especializado, nos termos da lei.” Como ainda não há uma lei
específica que se refira às pessoas idosas nesses quadros, política pública de
ordem urgente, o intérprete usará a Lei 10.216 de 2001 para a tutela dos
deficientes mentais e a Lei 10.098 de 2000, que estabelece normas gerais e
critérios básicos para a promoção de acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência física ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras
e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e
reforma de edifícios e nos meios de transporte e comunicação. O conceito de
acessibilidade é, na forma do art. 2º, inciso I, da Lei 10.098 de 2000:
“possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia,
dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes
e dos sistemas e meios de comunicação por pessoas portadoras de deficiência ou
com mobilidade reduzida”
Dessa forma, para o idoso com dificuldade de enxergar, hão de ser
colocados, nas vias públicas, sinais sonoros para que ele possa transitar com
segurança e autonomia. De igual modo, devem ser destinados ao idoso que sofra
agravos auditivos, sinais visuais com o mesmo objetivo de lhe propiciar condições
de tráfego, com liberdade e autonomia. Barreiras arquitetônicas nas vias públicas,
no interior dos edifícios públicos e privados, no acesso ao transporte e nas vias de
comunicação em massa ou não, também devem ser transpostas para que o idoso
com mobilidade reduzida possa gozar de acesso no caráter mais extenso possível
não só no ambiente urbano, como também no rural.
IPEA, 2004, p. 113: “Mostrar a relação entre envelhecimento e deficiência é importante por várias razões. Primeiro, porque o envelhecimento vem acompanhado de algumas limitações nas capacidades físicas e, às vezes, intelectuais mas, apesar do envelhecimento crescente de quase todas as populações do mundo, na maioria delas pouco ou nada se tem feito para que estas limitações não se tornem causa de deficiências. Segundo, porque mostra que, na ausência de mudanças na forma como as sociedades organizam seu cotidiano, que todos seguem em direção a uma fase da vida em que se tornarão deficientes, o que motiva, ainda por meio da defesa de interesses egoístas, a melhoria de políticas públicas voltadas à deficiência. Terceiro, porque lembra que a interdependência e o cuidado não são algo necessário apenas diante de situações excepcionais e sim necessidades ordinárias em vários momentos da vida de todas as pessoas. Quarto, porque a previsibilidade do envelhecimento permite entender que muito da deficiência é resultado de um contexto social e econômico que se reproduz no tempo, pois a deficiência no envelhecimento é, em parte, a expressão de desigualdades surgidas no passado e que são mantidas.” 25 MEDEIROS, Marcelo e DINIZ, Débora. Envelhecimento e deficiência, p. 108.
27
A acessibilidade do idoso não deve ser promovida apenas nos lugares
públicos, mas, principalmente, no local onde o idoso estabelece sua residência
com sua família ou em entidades de atendimento. Para essas últimas, o Ministério
da Saúde já editou a Portaria nº 249 de 2002, que define critérios de
cadastramento e funcionamento dos centros de referência em assistência à saúde
do idoso, destacando os mecanismos obrigatórios para promover sua
acessibilidade.
No que toca os órgãos de prestação da saúde pública ou privada – o
Sistema Único de Saúde e os planos privados de saúde – deverão fornecer, sem
qualquer tipo de cobrança sob pena de abusividade, segundo o art. 51, inciso IV,
do Código de Defesa do Consumidor, o atendimento especializado que o Estatuto
do Idoso apregoa para os idosos portadores de deficiência ou com limitação
incapacitante.26
Também em razão da fragilidade peculiar do “idoso internado ou em
observação”, seu Estatuto determina, no art. 16, ser-lhe “assegurado o direito a
acompanhante, devendo o órgão de saúde proporcionar as condições adequadas
para sua permanência em tempo integral, segundo o critério médico.” Assim, a
presença do acompanhante deverá ser viabilizada pelo Sistema Único de Saúde ou
pelos planos privados de saúde, sem qualquer tipo de cobrança que, se existente,
será abusiva na forma do art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do
Consumidor.27 Frente ao mandamento do parágrafo único do art. 16 do Estatuto,
“caberá ao profissional de saúde responsável pelo tratamento conceder
autorização para o acompanhamento do idoso ou, no caso de impossibilidade,
justificá-la por escrito.” Essa justificativa pode ser examinada pelo Poder
Judiciário no caso de o idoso ou sua família julgarem que seus fundamentos não
procedem.28
Todos esses mandamentos em torno da promoção da saúde da pessoa idosa
surgem em decorrência da sua imanente vulnerabilidade, que enseja cuidados
especiais a fim de, na medida do possível, torná-la menos intensa e causadora de
26 No mesmo sentido, RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado. Rio de Janeiro: Roma Victor, 2004, p. 39. 27 No mesmo sentido, RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado, p. 39. 28 Consoante RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado, p. 40.
28
menores sofrimentos à pessoa humana que, além de sobremaneira fragilizada por
conta da idade, encontra-se, ademais, doente.
Se a vulnerabilidade da pessoa idosa demanda tutela especial no que
concerne não só à sua saúde, mas também no que toca a outros direitos
fundamentais, ela não tem o condão de subtrair a capacidade de fato dessa pessoa,
nem de tomar seus direitos de personalidade.29 Ainda que doente, se a moléstia do
ancião não lhe retira a consciência, ele permanece livre, na forma do disposto no
art. 10 do Estatuto do Idoso.30
No entanto, não se olvida que o idoso doente é ainda mais vulnerável. Por
isso, sem extrair-lhe o poder de autodeterminação e a livre expressão de sua
personalidade, os profissionais da área médica que com ele se relacionem deverão
agir com um cuidado redobrado, a fim de não desrespeitá-lo em sua concepção e
decisão, sempre no intento de lhe garantir autonomia no exercício de seus direitos,
com ênfase para os de índole existencial, que integram sua personalidade.
29 Explica AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 220: “Enquanto a personalidade é um valor, a capacidade é a projeção desse valor que se traduz num quantum. Capacidade, de capax (que contém), liga-se à idéia de quantidade e, portanto, à possibilidade de medida de graduação. Pode-se ser mais ou menos capaz, mas não se pode ser mais ou menos pessoa. Compreende-se, assim, a existência de direitos da personalidade, não de direitos da capacidade. O ordenamento jurídico reconhece a personalidade e concede a capacidade, podendo considerar-se essa como atributo daquela. A capacidade é então a ‘manifestação do poder de ação implícito no conceito de personalidade’, ou a ‘medida jurídica da personalidade’. E, enquanto a personalidade é valor ético que emana do próprio indivíduo, a capacidade é atribuída pelo ordenamento jurídico, como realização desse valor.” 30 Art. 10 do Estatuto do Idoso: “É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. § 1º O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos: I – faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II – opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV – prática de esportes e diversão; V – participação na vida familiar e comunitária; VI – participação na vida política, na forma da lei; VII – faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação. § 2º O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais. § 3º É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”
29
2.2 O Idoso e o Exercício dos Seus Direitos da Personalidade
Concebe-se, segundo vasta doutrina, a personalidade jurídica como a
suscetibilidade a direitos e obrigações31 e, ao mesmo tempo, como pressuposto
para exercê-los.32 Para gozar dessa situação, faz-se necessário que o sujeito seja
simplesmente pessoa, uma vez que, sem titularidades, o ser humano não existiria
como tal.33
Os direitos da personalidade caracterizam-se por sua essencialidade.
Todos, em qualquer etapa da vida humana, possuem tais direitos inarredáveis haja
vista que, em relação aos outros direitos, esses possuem proeminência em função
do seu objeto que se manifesta como algo orgânico, logo, são tratados como bens
de maior valor jurídico.34 Os direitos da personalidade apresentam-se como
concretizações da tutela da personalidade e não são típicos. Qualificam-se, numa
ordem de importância, como os mais relevantes. Remetem a valores
imprescindíveis como a vida e a integridade psicofísica, de modo que, se
colocados numa organização hierárquica, ocuparão o topo, pois os bens
salvaguardados por tais direitos são “os mais preciosos relacionados à pessoa.”35
Qualquer indivíduo está apto a exigir respeito à sua personalidade perante
o Estado e perante os outros indivíduos; ao mesmo tempo, o Estado deve protegê-
la, posto que sua defesa trata-se de modalidade de tutela da dignidade humana.36
Tanto é, que as situações de personalidade geram, ao mesmo tempo, a fruição
31 Nesse sentido ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 43, também DE VASCONCELOS, Pedro Pais. Teoria geral do direito civil. 2 ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 35 e DE CUPIS, Adriano, Direitos da personalidade. Tradução de: REZENDE, Afonso Celso Furtado. Campinas: Romana, 2004, p. 19. 32 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 21. 33 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 24. 34 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 29. 35 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 31. 36 DE VASCONCELOS, Pedro Pais. Teoria geral do direito civil, p. 40.
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desse direito e condutas em face do seu titular, os denominados deveres de
personalidade.37
A personalidade humana constitui direito não patrimonial absoluto, pois
diz respeito ao ser e não ao ter.38 Desse modo, perfilhar a existência jurídica dos
direitos de personalidade significa reconhecer que cada ser é valorado
simplesmente por ser pessoa.
Nesse sentido, o ser humano coloca-se diante da realidade e do Direito,
afinal, as normas jurídicas existem para os homens, por isso, torna-se possível
observar a pessoa, ao mesmo tempo, como fim do Direito, fundamento da
personalidade jurídica e sujeito das situações jurídicas,39 que, dessa forma, impõe
à realidade exterior seus objetivos próprios e se determina com liberdade,
reconhecendo que é a dona de seu destino e, portanto, responsável por ele.40 O
Direito, por seu turno, serve aos interesses das pessoas, uma vez que concebido e
utilizado por elas. Logo, cabe a aferição de que a pessoa humana não se apresenta
como um instituto jurídico, mas consta presente em cada decisão e em cada
norma, já que os institutos jurídicos existem para contemplá-la.41
Os direitos da personalidade encontram-se marcados por um profundo teor
ético tendo em vista consubstanciarem projeção da personalidade humana e só
receberem tal consideração por possuírem esse conteúdo.42
Portanto, não há fôrmas nas quais caibam os inúmeros direitos da
personalidade e as previsões legais não contemplam todos eles. No Código Civil
brasileiro são tratados nos artigos 11 a 21, embora a previsão do legislador esteja
longe de abarcar as múltiplas situações que os envolvem.
O art. 8º do Estatuto do Idoso faz alusão aos direitos da personalidade das
pessoas idosas ao dispor que: “o envelhecimento é um direito personalíssimo”.
Isto posto, observa-se que envelhecer se encontra dentro dos direitos da 37 MENEZES CORDEIRO, António Manuel. Teoria Geral do Direito Civil. 1º volume. 2 ed. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito, 1987/1988, p. 310. 38 DE CUPIS, Adriano. Direitos da personalidade, p. 37. 39 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, p. 44. 40 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, p. 47. 41 MENEZES CORDEIRO, António Manuel. Teoria Geral do Direito Civil, p. 307. 42 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, p. 79.
31
personalidade além de, pela expressão “personalíssimo”, compreender-se que esse
direito concerne a uma pessoa ou a um grupo com “individualidades coincidentes
ou características especiais”43.
Sabe-se que faz parte dessas individualidades coincidentes ou
características especiais o declínio psicofísico gradual das pessoas de idade
avançada. Desse modo, muitos idosos convivem com as debilidades que lhes são
mais comuns do que às pessoas jovens. Ainda assim, sua integridade física e
psíquica, que provem dos seus direitos de personalidade, há de ser sempre
preservada.
O avanço da idade para sessenta anos ou mais não significa por si
senilidade, doença grave, ou morte iminente.44 Todavia, o organismo idoso adoece
mais. Portanto, enquanto houver vida, faz-se necessário que as especificidades
desse corpo e dessa mente sejam cuidados, uma vez que os direitos da
personalidade decorrem das necessidades específicas de cada ser humano segundo
a sua personalidade ontológica.45
Na pessoa idosa, tanto o aparelho respiratório, o cardiovascular, o
digestivo, as funções renais, e a atividade psíquica são modificados.
O envelhecimento do aparelho respiratório tem sua capacidade vital
diminuída, a difusão de oxigênio através da membrana alveolocapilar diminui
assim como a ventilação das bases pulmonares, há modificações no esqueleto e
modificações musculares que limitam os movimentos respiratórios, há alterações
na árvore brônquica, o que gera calcificações e perda de elasticidade, há perda dos
cílios vibráteis e dilatações alveolares que são fatores que ocasionam o efisema
pulmonar.46
Nota-se, em matéria cardiovascular, uma diminuição da freqüência
cardíaca após os sessenta anos, diminui a permeabilidade capilar quanto o débito
sangüíneo médio, o que faz aumentar a diferença arteriovenosa em oxigênio;
43 VILAS BOAS, Marco Antônio. Estatuto do idoso comentado. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 15. 44 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica. In: Separata do Jornal do Médico. Porto, 1978, p. 2. 45 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil: teoria geral, p. 80. 46 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 7.
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diminui a elasticidade da aorta e grandes vasos, o que gera arteriosclerose e
calcificações, aumenta-se também o tempo total de circulação sanguínea.47
Em relação às funções renais, ocorre diminuição do débito plasmático
renal, baixa também a filtração glomerular, diminui a secreção e reabsorção
tubulares e se apresenta perturbada a atividade enzimática que intervêm nas trocas
iônicas ao nível dos túbulos renais.48
Pelo envelhecimento do aparelho digestivo podem ocorrer perda da
dentição o que leva a problemas de mastigação, diminuição da salivação e da
atividade secretora gástrica. Alteram-se a função exócrina do pâncreas, a função
da síntese protéica do fígado e a motilidade intestinal, o que gera constipação;
diminui-se o tônus do estômago e a absorção de aminoácidos, lipídeos e xilose em
nível de intestino delgado.49
Ocorrem também modificações na capacidade psíquica do idoso tais
como: diminuição da capacidade intelectual, diminuição da memória
especialmente para fatos recentes, alterações no sono, menor emoção perante
acontecimentos traumatizantes e diminuição de autocrítica perante os seus atos.50
Nesses casos, para continuar o livre e pleno desenvolvimento da sua
personalidade, com a decorrente titularidade de direitos e obrigações, a pessoa
idosa que apresente alguns desses agravos deve, na medida em que preservadas
suas faculdades mentais, consentir livremente a respeito de qualquer tipo de
intervenção em seu corpo e mente. De maneira genérica proclama-se que “o corpo
e a liberdade pessoal que nele se encarna apresentam-se no palco do mundo como
a premissa para um agir livre.”51
No contexto apresentado, o art. 17 do Estatuto do Idoso assinala: “Ao
idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de 47 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 8. 48 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 9 49 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 10. 50 RODRIGUES, Pais C. e RODRIGUES, Maria Manuel Pais. O doente idoso: patologia geral e terapêutica, p. 11. 51 RODOTÀ, Stefano. Transformações do corpo. Tradução de: BODIN DE MORAES, Maria Celina. In: Revista Trimestral de Direito Civil. Vol. 19, Julho/ Setembro/2004, p. 106.
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optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.” Essa regra
remete ao consentimento informado cujo fundamento primeiro é a autonomia do
paciente. 52
Nesse sentido, pode-se afirmar que a opção do idoso doente pelo
tratamento de saúde que considerar mais favorável para si – sua aquiescência livre
e esclarecida – trata-se da prática do consentimento informado, ou seja, da
materialização da manifestação de sua vontade.53
Contudo, “vulnerabilidades médicas, doença grave e inquietação poderiam
diminuir a autonomia da pessoa devido também a incertezas que são implícitas em
certos tratamentos médicos ou diagnósticos da doença do paciente.” 54 Por isso, a
informação, tão clara quanto possível sobre as indicações e contra indicações da
terapêutica e dos exames diagnósticos utilizados, constitui o cerne do
consentimento informado, a fim de sanar as incertezas do paciente sujeito à
intervenções médicas, ainda quando tenham de ser enfrentadas inseguranças
próprias da medicina, doença grave ou tensões emocionais.
Há de se acrescentar que existe uma enorme vulnerabilidade para a tomada
de decisões acerca de sua saúde no caso de ser idosa a pessoa adoecida. A idade
avançada já torna o ser humano frágil socialmente, fisicamente e psiquicamente,
porque sujeito à exclusão social e à possibilidade iminente de agravos
psicofísicos. Se doente, o idoso não só mantém sua condição de vulnerável, como
a possui acrescida, notadamente, por não estar e por não se sentir sadio. O que se
tem nesses casos é uma situação de vulnerabilidade levada ao extremo: pessoa
idosa doente tendo que tomar conhecimento das agruras de sua enfermidade,
raciocinar a respeito dos procedimentos que lhe são aventados e escolher o que 52 SWITANKOWSKY, Irene. S. A new paradigm for informed consent. New York: University Press of America, 1998, p. 1: “Autonomia é o fundamento do consentimento informado propriamente dito. Desde a ausência de uma decisão autônoma, o consentimento informado torna-se um simples consentimento. Consentimentos não são propriamente informados a não ser que eles sejam decididos de maneira autônoma pelo paciente. A autonomia é um complexo cognitivo-relacional; estado que varia em grau e qualidade entre os indivíduos. Quanto maior for o desenvolvimento, a reflexão, a educação do indivíduo, mais autônoma será a decisão.” [Traduziu-se livremente do inglês] 53 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos. In: Biotecnologia e Suas Implicações Ético-Jurídicas. Coordenadores: ROMEO CASABONA, Carlos María e QUEIROZ, Juliane Fernandes. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 128. 54 SWITANKOWSKY, Irene. S. A new paradigm for informed consent, p. 1. [Traduziu-se livremente do inglês]
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fazer dentro deste espectro de circunstâncias desfavoráveis que, inclusive, podem
lhe afetar as condições de discernimento, é assaz vulnerável.55
Por isso, os médicos devem ter um cuidado especial ao lhe prestarem as
informações devidas para que haja consentimento realmente esclarecido e uma
atenção redobrada para procederem de acordo com o que realmente o idoso quer
ou aceita para si, afinal, pode haver divergência no modo de ver do médico e de
seu paciente.
Um exemplo ilustra a hipótese.
“Uma mulher de 82 anos adentrou o consultório do Dr. Mayerovitz. – Doutor, disse ela sofregamente, não estou me sentindo bem. – Sinto muito, Sra. Kupinik; algumas coisas a medicina mais avançada pode curar. Eu não tenho como torná-la mais jovem, a senhora compreende. Ela respondeu de imediato: – Doutor, quem foi que lhe pediu que me fizesse mais jovem? Tudo que eu quero é que possa me fazer mais velha!”56 Nesses quadros, a autodeterminação do paciente idoso deve ser preservada
tendo em vista que o Direito lhe garante, enquanto capaz, o livre desenvolvimento
de sua personalidade. Portanto, o trabalho dos médicos de dar ciência acerca da
doença, de suas particularidades, dos tipos de intervenções possíveis ou não, das
conseqüências de determinado medicamento ou de determinada conduta médica,
deve ser desenvolvido da forma mais qualificada e individualizada, atendendo às
necessidades de um enfermo em condições muito peculiares.57
55 Alguma medida dessa vulnerabilidade é expressa por ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Os princípios da vulnerabilidade e da autonomia no estatuto do idoso: pressupostos e aplicações. Mimeo, 2008, nos seguintes termos: “Com efeito ‘a vivência da doença acompanhada, por definição, da incapacidade de controlar e reverter o processo através de recursos próprios’ e, portanto, de ‘auto-reparação’ estimula a busca de ajuda externa, inspirada na idéia de que ‘a doença é removível e que o enfermo se percebe sanável’, razão do caráter fiduciário na relação médico-paciente.” 56 BONDER, N. O segredo judaico da resolução de problemas. Rio de Janeiro: Imago, 1995, p. 80. 57 Sobre a temática da vulnerabilidade de todos os doentes, idosos ou não, e da necessidade de esclarecê-los especialmente, DE MEIRELLES, Jussara Maria Leal e TEIXEIRA, Eduardo Didonet. Consentimento livre, dignidade e saúde pública: o paciente hipossuficiente. In: Diálogos Sobre Direito Civil: Construindo a Racionalidade Contemporânea. Coordenadores: RAMOS, Carmem Lucia Silveira, TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, GEDIEL, José Antônio Peres, FACHIN, Luiz Edson e BODIN DE MORAES, Maria Celina. Rio de Janeiro: Renovar: 2002, p. 355: “Necessário, portanto, levar-se em conta a vulnerabilidade do paciente ao informá-lo a respeito da doença e da terapêutica possível ou não, acessível ou não, bem como dos resultados que se pode obter a partir da eleição do tratamento respectivo. Para ser possível conceder o denominado consentimento livre e esclarecido, é preciso, obviamente, o paciente seja devidamente informado sobre a sua doença e o tratamento a ser ministrado.
35
Exatamente por isso, considera-se direito do idoso lúcido, no exercício de
sua autonomia, não querer ser informado sobre sua enfermidade, bem como a
respeito das hipóteses de tratamento, de seus possíveis riscos e benefícios. Nesse
caso ele também consente, validamente, que todas as deliberações sejam tomadas
pelo médico ou por familiares, exercendo seu direito de não ser informado a fim
de se preservar psiquicamente.58 Afinal, o consentimento informado transfere para
o idoso os riscos das intervenções médicas, que, obedecendo aos princípios
bioéticos do respeito pela autonomia do doente, da não maleficência, da
beneficência e da justiça,59 – o que afasta a negligência dos profissionais da saúde
a qual, evidentemente, lhes atribui responsabilidades – estão, entretanto, sujeitas
a não alcançar o resultado pretendido ou até a causar males maiores.60
Portanto, gozar de capacidade desponta como requisito para que o idoso
possa emitir, validamente, o consentimento de uma intervenção nos domínios de
seu corpo ou mente adoentados.61 É necessária sua capacidade para entender a
Não é por demais evidente dizer-se que a informação deve ser bem compreendida pelo paciente. Mais do que informado, ele deve ser esclarecido. Se não entende a linguagem médica, esta deve ser simplificada. Se consegue entendê-la, mas não tem condições de assimilá-la, posto que seu sofrimento é muito maior que a sua capacidade de raciocínio, isso deve ser considerado. O consentimento, em tais casos, não é livre; é eivado de vício: a vulnerabilidade.” 58 GOLDIM, José Roberto. Bioética e envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 86: “O paciente também tem o direito de ‘não saber’, isto é, o direito de não ser informado, caso manifeste expressamente essa sua vontade. O profissional de saúde tem que reconhecer claramente quando essa situação ocorre e buscar esclarecer com o paciente as suas conseqüências. O paciente deve ser consultado formalmente se essa é realmente a sua decisão. Após isso, a sua vontade deve ser respeitada. Nessa situação deve ser solicitado que indique uma pessoa de sua confiança para que seja o interlocutor do profissional com a família. O próprio paciente, quando possível, deve comunicar à sua família essas suas decisões.” 59 Consoante BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Principles of biomedical ethics. 4 ed. New York, Oxford: Oxford University Press, 1994, p. 120- 394, passim. 60 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 130: “A questão em torno do consentimento informado é, pois, esta: em que consentir o paciente, pois o objeto de seu consentimento é a intervenção médica como tal, com sua tendência diagnóstica, preventiva ou curativa, mas também com seu inevitável risco de danos.” 61 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 344: “A idade não pode ser um aspecto que incide sobre o status personae. A menoridade, a idade madura ou senil que seja, não incide por si só sobre a propensão à titularidade das situações subjetivas. O seu efetivo exercício pode ser limitado ou em parte excluído, a partir não de predeterminadas, abstratas, rígidas e às vezes arbitrárias valorações ligadas às diversas fases da vida, mas sim com base na correlação, valorada atentamente, entre a natureza do interesse no qual se consubstancia a concreta situação e a capacidade de entender e de querer. Deve-se verificar a real capacidade de efetuar e
36
condição em que se encontra, sopesar os riscos e benesses potenciais do
tratamento e, a partir disso, deliberar a respeito segundo suas convicções.62 O
conteúdo de capacidade para decidir sobre os domínios do seu corpo,
genericamente considerado, parece ser o mesmo da capacidade de fato, entendida
como a aptidão para usar e exercer, por si mesmo, os direitos na vida civil. 63
Não se olvida de que os idosos relativamente incapazes possam também,
desde que devidamente assistidos, influir de maneira válida nos atos médicos em
si próprios, uma vez que não são totalmente desprovidos de habilidade mental. 64
Mas os idosos absolutamente incapazes não poderão decidir acerca das
intervenções médicas a que serão submetidos, por não possuírem uma vontade
consciente, destarte, dotada de valor jurídico. Esses idosos, bem como outros que,
embora capazes encontrem-se inconscientes, por coma conseqüente de
traumatismo ou por enfermidade, não poderão optar pelo tratamento de saúde que
pôr em ação as escolhas e os comportamentos correlacionados às situações subjetivas interessadas. É fundamental distinguir o idoso auto-suficiente do idoso em condições de debilidade ou deficiência.” [Traduziu-se livremente do italiano] 62 HIGHTON, Elena I. e WIERRZBA, Sandra M. La relación médico-paciente: el consentimiento informado. 2 ed. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2003, p. 104. 63 Conforme lições de PEREIRA. Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil. Vol 1. 20 ed. Atualizado por: BODIN DE MORAES, Maria Celina. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 279: “A senilidade, por si só, não é causa de restrição da capacidade de fato, porque não se deve considerar equivalente a um estado psicopático, por maior que seja a longevidade. Dar-se-á a interdição se a senectude vier a gerar um estado patológico, como a arteriosclerose ou a doença de alzheimer, de que resulte o prejuízo das faculdades mentais. Em tal caso, a incapacidade será o resultado do estado psíquico e não da velhice.” Em sentido contrário, RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. O dever de informar dos médicos e o consentimento informado. Curitiba: Juruá, 2007, p. 90: “Dessa forma, embora possam ter relevantes pontos de interseção, o fato é que os dois conceitos não se confundem. A capacidade legal de praticar atos jurídicos não se relaciona com a competência para tomar decisões médicas. Ao paciente devem ser concedidas todas as oportunidades possíveis de tomar decisões médicas a seu próprio respeito. Aliás, se deve inclusive preservar o direito de os pacientes incompetentes receberem informação sobre a sua condição médica e opções, o que os possibilita influir, na medida do possível, em eventuais decisões quanto a alternativas de tratamento.” Ao que se responde em desacordo e com base nas lições de ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 148, nota 44: “Com certa freqüência se observa na literatura sobre estas matérias a utilização dos termos ‘competente’ e ‘incompetente’, para se referir à pessoa que tem ou não capacidade para prestar seu consentimento. Trata-se de expressões de origem anglo-saxônica, no geral importadas por não juristas, ao fazer a tradução literal das palavras ‘competent’ e ‘incompetent’”. 64 PEREIRA. Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil, p. 282: “Os relativamente incapazes não são privados de ingerência ou participação na vida jurídica. Ao contrário, o exercício de seus direitos se realiza com a sua presença. Mas atendendo ao ordenamento jurídico a que lhes faltam qualidades que lhes permitam liberdade de ação para procederem com completa autonomia, exige sejam eles assistidos por quem o direito positivo encarrega desse ofício.”
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julgarem mais favorável, devendo a decisão ser tomada por terceiros, na forma do
parágrafo único do art. 17, do Estatuto do Idoso: “Não estando o idoso em
condições de proceder à opção, esta será feita: I – pelo curador, quando o idoso
for interditado; II – pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não
puder ser contactado em tempo hábil; [...]”
A prelação pelo curador seguida dos familiares na falta do primeiro
contém dotação de sentido. O que a Lei visa com essa hierarquia de outros
sujeitos quando o idoso não possa manifestar sua vontade, é que consinta a pessoa
que dele for mais próxima em afinidade, que conheça seus desejos anteriormente
expressados e seus valores pessoais, logo, que se manifeste do modo mais
próximo ao que manifestaria o idoso se gozasse de capacidade para tanto.65
De todo modo, cabendo ao idoso, ou, em caso de incapacidade, ao seu
curador ou aos seus familiares decidir acerca do mais favorável tratamento de
saúde dentre os propostos, faz-se imprescindível para um consentimento válido a
informação muito bem prestada. Ela deve ser adequada em termos de qualidade e
quantidade, ou seja, relevante para o consentimento livre e esclarecido do paciente
ou de terceiros que, por ele, tenham que decidir.
Devem constar da informação: elementos característicos ou o caráter da
intervenção, objetivos pretendidos por meio dela, riscos provenientes dela,
implicações adjacentes que com certeza vão ocorrer, conseqüências colaterais
presumíveis ou possíveis, efeitos que serão acarretados no modo de vida do idoso,
alternativas de tratamento, entre outros que a identifiquem com a mais absoluta
clareza, como um vocabulário usado pelos médicos apropriado para o nível
intelectual e cultural de quem vai emitir o consentimento. Mais: a informação não
65 Refere-se a essa hipótese com muita propriedade, SERTÃ, Roberto Lima Charnaux. A distanásia e a dignidade do paciente. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 125: “Já no atual Código, há expressa referência ao ‘descendente que se demonstrar mais apto’( parágrafo 1º do artigo 1775), o que consiste em cláusula aberta, de interpretação subjetiva, a permitir que venha atuar como representante legítimo dos interesses do incapaz, o seu descendente que se revele mais preparado, sereno e responsável para tão delicada missão, independente do seu lugar na ordem de idade entre seus irmãos.[...] Destarte, sobretudo nas últimas etapas da vida do pai ou da mãe, o filho que estiver mais presente no cotidiano deles, sempre disposto a lhes prover amparo e tomar a frente nas decisões mais difíceis, este sim, será o mais indicado para desempenhar o mister de curador. De notar-se que, em qualquer hipótese o Código irá, como alternativa final, deferir ao Judiciário o poder de decidir a quem entregar a curatela do enfermo incapaz. [...]Situações haverá em que, por exemplo, um neto dedicado, que tenha sido criado pelo avô, e dele nunca tenha se afastado, será muito mais habilitado a gerir seus interesses do que um filho que há anos resida em local distante, e não se envolva em assuntos familiares.” [grifou-se]
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deve pecar por insuficiência ou por exagero, além de dever ser contínua em
determinadas circunstâncias.
Se a informação é insuficiente, retirará do consentimento a natureza livre e
esclarecida que o caracteriza. Se for exagerada, pode levar a temores excessivos
sobre hipóteses remotas e macular a saúde psíquica do doente idoso.66 É
obrigação do médico proceder à avaliação entre o que resulta insuficiente ou
exagerado sopesando os princípios bioéticos do respeito pela autonomia do
doente, da não maleficência, da beneficência, da justiça67, e, na hipótese de
paciente idoso, considerar, inclusive, sua ampla vulnerabilidade nos casos em que
julgar difícil em que medida informar.
Já a continuidade da informação diz respeito às ações terapêuticas que não
se esgotam em apenas um ato e cuja peculiaridade só se revela posteriormente ao
início da assistência médica. Assim, paulatinamente, o médico informa e obtém
ulteriores consentimentos na medida em que avança com o tratamento.68
Preferivelmente, a informação deve ser transmitida tanto verbalmente, com 66 Como bem adverte STANCIOLI, Brunello Souza. Relação jurídica médico-paciente. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 65 e 66: “Não se deve prescindir do dever de falar a verdade ou, no mínimo, calar a verdade, desde que não com o intuito de ludibriar. O médico pode, por exemplo, recusar-se a fornecer determinadas nuances da informação, desde que não induza o paciente a crença de que diz toda a verdade (uma omissão dolosa). Em qualquer hipótese, no entanto, não é permitido às partes faltar à verdade.” 67 Nesse diapasão, são elucidativas as lições acerca de tais princípios feitas por BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do biodireito. In: Novos Temas de Biodireito e Bioética. Organizadores: BARBOZA, Heloisa Helena, DE MEIRELLES, Jussara Maria Leal e BARRETTO, Vicente de Paulo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 55: “O estabelecimento dos mencionados princípios da bioética decorreu da criação pelo Congresso dos Estados Unidos de uma Comissão Nacional encarregada de identificar os princípios éticos básicos que deveriam guiar a investigação em seres humanos pela s ciências do comportamento e pela biomedicina. Iniciados os trabalhos em 1974, quatro anos após publicou a referida Comissão o chamado Informe Belmont, contendo três princípios: a) o da autonomia ou do respeito às pessoas por suas opiniões e escolhas, segundo valores e crenças pessoais; b) o da beneficência que se traduz na obrigação de não causar dano e de extremar os benefícios e minimizar os riscos; c) o da justiça ou imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios, não podendo uma pessoa ser tratada de maneira diferente de outra, salvo haja entre ambas uma diferença relevante. A esses três princípios Tom L. Beauchamp e James F. Childress acrescentaram outro, em obra publicada em 1979: o princípio da ‘não maleficência’, segundo o qual não se deve causar mal a outro e se diferencia assim do princípio da beneficência que envolve ações de tipo positivo: prevenir ou eliminar o dano e promover o bem, mas se trata de um bem de um contínuo, de modo que não há uma separação significante entre um e outro princípio.” [Grifou-se] Para uma análise pormenorizada de tais princípios, veja-se, por todos, BEAUCHAMP, Tom L. e CHILDRESS, James F. Principles of biomedical ethics. 4 ed. New York, Oxford: Oxford University Press, 1994, p. 120- 394. 68 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 155-157.
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vocábulos compreensíveis para os idosos, quanto por escrito, com um tamanho de
letra ajustado à sua capacidade de leitura. “Um documento elaborado com
vocabulário inadequado, estrutura de texto de difícil compreensão e tamanho de
letra pequeno pode, por si, gerar um constrangimento pela sua dificuldade de
acesso e entendimento.” 69
A tomada de decisão pelo idoso enfermo, ou por terceiros por ele
responsáveis, deve dotar-se de voluntariedade. Por isso, o consentimento ou o não
consentimento devem ocorrer livres de qualquer forma de coação, persuasão forte
ou constrangimentos.70 Aqui, aborda-se o não consentimento como rejeição à
intervenção médica, logo, como manifestação da vontade do paciente que não
deseja se submeter ao tratamento proposto, seja diagnóstico, preventivo ou
curativo. Ainda assim, cabe ao médico sugerir outros tipos de terapêutica ou
mesmo paliativos para a situação patológica que acomete o idoso. Veja-se bem: a
Lei dá ao idoso “o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado
mais favorável”, considerando que, diante de doenças terminais, ele possa optar
por tratamentos meramente paliativos, que não posterguem sua vida de maneira
fútil. Mas não se cogita em deixá-lo, se doente, sem qualquer tipo de tratamento
que o alivie das dores e dos mal estares. O Código Civil brasileiro afirma, em seu
art. 15, que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou intervenção cirúrgica”. Nesse caso, note-se que há rejeição
à intervenção médica em favor da vida.
Observe-se que na Espanha será pertinente a alta voluntária “quando já
não se tenha sentido a permanência do paciente no centro sanitário ou sua visita
ao mesmo, ou seja, quando já não esteja à disposição do pessoal sanitário medida
alguma em favor da saúde do paciente, além daquela que foi rejeitada por ele.”71
Acrescenta-se que lá, o paciente com capacidade pode prescindir de tratamentos
vitais.72 Na Inglaterra, inclusive, ao juiz foi concedido o poder de consentir em
69 GOLDIM, José Roberto. Bioética e envelhecimento, p. 89 70 GOLDIM, José Roberto. Bioética e envelhecimento, p. 89. 71 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 170. 72 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 169.
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favor do suicídio assistido, enquanto no Brasil esta prática configuraria crime,
tipificado no art. 122 do Código Penal.73
Nesse particular há importantes posições doutrinárias, tanto no âmbito da
medicina quanto no do direito, a favor de não delongar a agonia de um idoso em
estado terminal, submetendo-o a um depauperamento vagaroso, conseguido por
meio da tecnologia e dos avanços da ciência médica, ou seja, pelo mecanismo da
distanásia. Em prol da dignidade humana, valor máximo do ordenamento jurídico
pátrio, parecem acertados os argumentos contra esse prolongamento artificial da
vida, que pode gerar aflição e amargura a um ser humano que já existiu
suficientemente para alcançar a velhice, fase final de sua trajetória na qual,
inevitavelmente, encontrar-se-á com a finitude.
Então, o que deve ser feito se é sabido que o ancião prefere morrer em sua
casa ao invés de no hospital, quando também se sabe que em casa ele morrerá
mais depressa? “Talvez não seja supérfluo dizer que o cuidado com as pessoas
fica muito defasado em relação ao cuidado com seus órgãos.”74 “Assim, como
regra geral, para uma intervenção que prolonga a existência ser considerada
adequada, ela não pode piorar a qualidade de vida”75 do idoso.
Os avanços tecnológicos de hoje devem servir sempre para estancar a dor
do idoso defronte à morte. Após a certeza de doença incurável parece correto que
a qualidade de vida prepondere em face da sua quantidade e há meios de
proporcionar esse tipo de auxílio à pessoa idosa enquanto ela subsistir.76 Nesse
73 Relata DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Tradução de: CAMARGO, Jefferson Luiz. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 259, que: “Nancy B., de vinte e cinco anos sofria de uma doença rara neurológica chamada síndrome de Guillain-Barre que a deixava paralisada do pescoço para baixo, e pediu ao juiz que autorizasse o médico a desligar o aparelho de respiração artificial que a mantinha viva. O médico lhe disse que ligada a esse aparelho, poderia continuar viva por muitos anos ainda, mas ela preferia morrer. ‘As únicas coisas que restam na vida são assistir à televisão e ficar olhando as paredes. Para mim, chega. Já estou ligada ao respirador há dois anos e meio, e acho que fiz a minha parte’. O juiz disse que ficaria muito feliz se Nancy mudasse de opinião, mas que a compreendia e concordaria com seu pedido. O respirador foi desligado e Nancy B. morreu em fevereiro de 1992.” 74 Essa ponderação é feita por ELIAS, Norbert em Envelhecer e morrer, p. 103. 75 PASCHOAL, Sérgio Márcio Pacheco. Qualidade de vida na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 83. 76 BURLÁ. Claudia. Envelhecimento e cuidados ao fim da vida. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Jeanete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: NAU, 2004, p. 377: “Os
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propósito, entram em cena os analgésicos, antiinflamatórios, antieméticos,
psicofármacos, antibióticos, anti-secretores, protetores de mucosa gástrica e
laxativos para que sejam desenvolvidos cuidados paliativos, tendo em vista que o
sofrimento não faz, essencialmente, parte do processo de morrer.77
Apesar de a distanásia possuir defensores e opositores, conjectura-se que
no Brasil ela tem angariado mais oponências do que aplausos.
O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, atendendo à
consulta da Dra. C. S. R. – cujo conteúdo tratava de que atitude tomar como
médica em face de paciente de 78 anos de idade, com neoplasia maligna
metastática sem resposta ao tratamento habitual, após autorização dos familiares
para não intubar, em franca evolução para insuficiência respiratória – emitiu o
seguinte parecer:
“Anexamos à presente Consulta manifestações deste Conselheiro e outros (bioeticistas ou juristas), favoráveis ao não prolongamento da vida por ‘meios heróicos’ em pacientes terminais, mormente se for a pedido do próprio paciente ou da família. Há inclusive, Resolução recente da Comissão de Bioética do HC-FMUSP, que poderá ser solicitada e juntada. Já se vai consagrando entre nós o princípio da autonomia. Já não tem mais a mesma força, nos dias atuais, a suposta imposição hipocrática de se preservar SEMPRE a vida, a qualquer custo. Do próprio Vaticano emanaram considerações no sentido de se permitir, aos pacientes terminais, uma morte digna, com o mínimo de sofrimento para eles e para os seus familiares. Assim sendo, a situação descrita pela consulente se enquadra claramente nos casos em que o médico, intervindo sobre o paciente, no mais das vezes à revelia ou até mesmo contra a vontade dele e de seus familiares, passa a assumir mais a postura de torturador do que a de médico. Está claro que, na suspensão do tratamento, toda documentação comprovante da vontade do paciente, e de seus familiares, bem como do estágio terminal da doença, deverá ser anexada ou inscrita no prontuário, para fins de possível futura defesa do médico diante de virtual acusação de omissão ”78
cuidados paliativos têm início quando do diagnóstico de uma doença incurável. Mesmo na fase aguda do tratamento, medidas paliativas devem ser tomadas para aliviar qualquer sintoma que cause desconforto ao paciente, paralelamente a tratamentos como tentativa de cura. Mas, à medida que a doença evolui e a cura não é mais possível para aquele paciente, os cuidados paliativos passam a ser a modalidade terapêutica mais adequada. A estratégia do tratamento, então, muda para uma abordagem que visa ao alívio dos sintomas e não mais à cura, pela impossibilidade de isso ocorrer.” 77 BURLÁ. Claudia. Envelhecimento e cuidados ao fim da vida, p. 378-392. 78 CREMESP- Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer nº 37267. Data de Emissão: 1999. Ementa: Médica que recebe autorização de familiares para não intubar paciente de 78 anos com neoplasia maligna metastática sem resposta ao tratamento habitual. Em: http://www.cremesp.org.br, consultado em 15. 11.2007.
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Esclareça-se que, se o paciente idoso preferir a distanásia, é direito seu ter
acesso a ela, pois há idosos que preferem uma morte lenta, com sofrimento, desde
que conservado um bocado a mais de sua existência. O ideal é que a pessoa idosa
adoecida possua capacidade para optar pelo que melhor lhe convenha e de fazer
escolhas sobre o que diga respeito ao que resta de sua vida.
Tem-se como exemplo o caso da idosa de setenta e seis anos que, após
uma cirurgia cardíaca não mais pôde se retirar da unidade de terapia intensiva
embora sofresse uma crise após a outra. Ela desejava, sempre que se fizesse
necessário, submeter-se ao processo de “ressuscitação” e sua vontade foi
salvaguardada mesmo quando passou por uma parada cardíaca usando um
respirador artificial. Na ocasião, a filha não permitiu que deixassem de ressuscitá-
la, argumentando que sua família tinha o costume de ‘lutar até o fim’ como em
casos antecedentes que envolveram a vida do marido e da tia da idosa, reforçando
sua posição, em consonância com os valores da mãe, ao aduzir: ‘Até nosso gato
recebeu transfusões de sangue quando estava agonizante.’79
Porém, há exceções ao direito do idoso de prestar consentimento.
A supremacia dos interesses coletivos exsurge como uma delas, em certas
ocasiões em que o aspecto coletivo deve prevalecer em face do interesse
individual. No ambiente médico-sanitário é comum que se controle uma
enfermidade transmissível a outras pessoas como em circunstâncias de epidemia
ou de doenças infecto contagiosas. Tratam-se de situações nas quais a autonomia
do idoso para o consentimento informado pode restringir-se por medidas
limitativas, tendo em vista o bem estar e a saúde públicos. Até mesmo sua
liberdade de ir e vir poderá ser cerceada. Faculta-se inclusive ao Poder Público,
impor a tais idosos portadores de agentes patogênicos, vacinação compulsória e
proibição de entrada em determinados espaços.80
79 Exemplo extraído da obra de DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais, p. 263. 80 Consoante ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p. 165.
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Situações de emergência vital previstas também pelo parágrafo único do
art. 17 do Estatuto do Idoso fazem com que o médico decida por ele na falta de
tutor ou de familiares.81
Mas só em casos limite, onde a vida do idoso esteja em xeque, é permitido
que o médico prescinda do consentimento informado para praticar intervenções,
invertendo, pois, o costume seguido num passado próximo que lhe entregava o
poder de decisão acerca do tratamento mais satisfatório para o enfermo.82 Trata-se
do consentimento presumido, que possui como base jurídica o estado de
necessidade do paciente e a impossibilidade, sob risco de vida, de primeiramente
consultar pessoas do entorno do idoso, como o possível curador e familiares.83
Por todo o exposto, afirma-se que o consentimento informado do idoso é
instrumento de autodeterminação em questões relativas à sua saúde. No mesmo
sentido, ousa-se dizer que a autonomia, não só para o consentimento informado,
mas para qualquer escolha de como viver os anos de velhice, manifesta condição
de saúde da pessoa idosa.
Já se reconheceu que o aumento da idade amplia as possibilidades de
episódios de doenças e de danos à funcionalidade psicofísica e social. Contudo, se
81 Art. 17 do Estatuto do Idoso: “Não estando o idoso em condições de proceder à opção, esta será feita: [...] III – pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para a consulta a curador ou familiar; IV – pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público.” 82 Conforme esclarece BARBOZA, Heloisa Helena. A autonomia da vontade e a relação médico-paciente no Brasil. In: Separata de Lex Medicinae. Revista Portuguesa de Direito da Saúde. Coimbra: Coimbra Editora e Centro de Direito Biomédico. Julho/ 2004, p. 7: “Desde os tempos de Hipócrates até os nossos dias, busca-se o bem do paciente, ou seja, aquilo que, do ponto de vista da medicina, se considerava benéfico para o paciente, sem que esse em nada intervenha na decisão. Esse tipo de relação, apropriadamente denominada paternalista, atribui ao médico o poder de decisão sobre o que é melhor para o paciente. Similar à relação dos pais para com os filhos, foi durante longo tempo considerada a relação ética ideal, a despeito de negar ao enfermo sua capacidade de decisão como pessoa adulta. O médico tomava todas as decisões sem o paciente, a quem se dirigia para comentar o tratamento com vista a assegurar o seu cumprimento ‘Um bom paciente era o que seguia o tratamento e um mau paciente o que não o seguia’ A relação de assistência – compreendendo-se como tal: diagnóstico, exames, tratamento, enfim toda gama de cuidado com as pessoas que têm algum problema de saúde, de natureza paternalista – defendida por alguns até o presente, manteve-se durante milênios ‘tendo como alicerce a perpetuação de três crenças’: a obrigação de reverência aos médicos, seres dotados de um poder sobrenatural de curar; a fé nos doutores; a obediência ao médico, já que ‘quem sabe mais, pode mais.’ ” 83 ROMEO CASABONA, Carlos María. O consentimento informado na relação entre médico e paciente: aspectos jurídicos, p.166-168.
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o ser humano envelhece com autonomia e independência, continuando ativo no
exercício de seus papéis sociais e, na intimidade, prevalece dono de si mesmo, a
gozar de um juízo de significado pessoal, mesmo que acometido por um ou outro
agravo, pode-se afirmar que ele é saudável, pois autonomia também é sinônimo de
saúde.
2.3 A Saúde Como Direito Social Prioritário da Pessoa Idosa
A Constituição da OMS (Organização Mundial de Saúde), agência
internacional pertencente ao grupo de agências da ONU (Organização das Nações
Unidas), define saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e
social e não apenas a ausência de afecção ou doença.”
Com esse significado a saúde recebe o tratamento mais abrangente
possível: uma pessoa que não contenha qualquer doença ainda não possui saúde se
não tiver um completo, quer dizer, um conteúdo concluído de bem estar não só
físico e mental, mas também social. Realmente, o teor abrangido pela definição de
saúde da OMS serviria também para conceituar felicidade: um estado de completo
bem-estar físico, mental e social.
Não se pretende com essa primeira asserção criticar o critério adotado pela
OMS para aferir saúde. Entende-se que dificilmente poderia ser elaborado algo
melhor, que o ser humano merece o estabelecido e que esse estado ideal de coisas
deve ser constantemente buscado, pois restringi-lo poderia ocasionar um
retrocesso social.
Paralelamente, a OMS define qualidade de vida como: “a percepção do
indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores nos
quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e
preocupações.” Aqui, o conteúdo apresentado toca na subjetividade de cada um,
pois depende da percepção, ou seja, do que possa se aperceber, no sentido de
sentir, acerca de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores
nos quais se vive e também o seu sentimento (subjetivo) em relação aos seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações. De tal modo, mesmo que a vida
de alguém pareça qualitativamente maravilhosa aos olhos dos outros, ela não será
se esse alguém assim não a experimentar.
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Ambas as definições são importantes para se construir uma acepção de
saúde para a pessoa idosa, sem se esquecer que o envelhecimento acarreta “trocas
anatômicas e funcionais não produzidas por doenças” e que se diferem entre os
indivíduos, mas que fazem parte de “um processo biológico intrínseco, declinante
e universal, no qual se podem reconhecer marcas físicas e fisiológicas
inerentes.”84 Por isso, torna-se difícil implementar a medicina tradicional curativa
para os idosos. Na terceira idade alterações anatômicas, funcionais e doenças
crônico-degenerativas apresentam-se irreversíveis, embora possam ser controladas
pela medicina geriátrica. O grande problema enfrentado é o não controle dessas
afecções, que gera sintomas desagradáveis, seqüelas e complicações. “Estas serão
responsáveis por deterioração rápida da capacidade funcional, surgindo
incapacidade, dependência, perda de autonomia, necessidade de cuidados de longa
duração e institucionalização.”85
Logo, proclamar saúde como um estado de completo bem-estar físico,
mental e social, além da ausência de afecção ou doença para os anciões em sua
generalidade parece utópico, tendo em vista que não é comum envelhecer sem
passar pelo mencionado processo biológico próprio do envelhecimento que,
certamente, compromete a saúde percebida nos termos da OMS.86
Todavia, não se proclama que a saúde na terceira idade tal como prevista
pela OMS – um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas
a ausência de afecção ou doença – seja inalcançável. Há de se levar em conta a
existência de idosos com propensão genética acima do normal, capazes de
usufruir o previsto na Constituição Internacional de Saúde, e, nesses casos, a
Medicina e o Direito devem assegurar a manutenção dessa saúde. Adverte-se,
porém, que tais casos constituem raridades. Importante asseverar que não se quer
84 DE FREITAS, Elizabete Viana, MIRANDA, Roberto Dishinger e NERY, Mônica Rebouças. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 609. 85 PASCHOAL, Sérgio Márcio Pacheco. Qualidade de vida na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 81. 86 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 74 e 75.
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dar menos saúde à pessoa idosa se ela possui capacidade para usufruir o máximo,
mas ser realista e dar todo o possível dentro das limitações do ser encanecido.
Por outro lado, não se apregoa que velhice seja sinônimo de não saúde. A
geriatria, no estágio em que se encontra, focaliza “a preservação e/ou a
recuperação fun cional” por meio de “uma abordagem diagnóstica multifacetada
dos problemas físicos, psicológicos e funcionais”, do idoso.87 Aliás, considera-se
possível gozar de uma velhice bem sucedida preservando a saúde física e psíquica
até a idade mais adiantada, observada como situação de bem estar pessoal,
familiar e social, tendo em vista que o envelhecer, na concepção dos cientistas e
mesmo dos leigos, “não implica, necessariamente, doença e afastamento, e de que
o idoso tem potencial para mudança e reservas de desenvolvimento
inexploradas.”88
Nesse sentido, parece mais próximo das condições inerentes do idoso, o
ideário de qualidade de vida acima esboçado, tendo em vista que ele também se
relaciona com a vida saudável, numa perspectiva mais condizente com o self da
pessoa idosa.89
Afirma-se que pessoas bastante idosas possuem condições de auferir uma
vida saudável, apesar das limitações referidas, no caso de se conceber saúde como
capacidade funcional.90 Por conseguinte, “embora a grande maioria dos idosos
seja portadora de, pelo menos, uma doença crônica, nem todos ficam limitados
87 DE FREITAS, Elizabete Viana, MIRANDA, Roberto Dishinger e NERY, Mônica Rebouças. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 617. 88 FREIRE, Sueli Aparecida. A personalidade e o self na velhice: continuidade e mudança. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 929. 89 Refere-se ao self , FREIRE, Sueli Aparecida. A personalidade e o self na velhice: continuidade e mudança, In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 929 elucidando que se trata de: “Termo que se refere a Eu, Eu-mesmo, Si-mesmo. Será mantida a palavra em inglês e em itálico porque esse uso é corrente na literatura em várias línguas.” E na p. 930, explica que: “Na literatura sociológica e psicológica, o self é definido como um conjunto de estruturas de autoconhecimento que representam o que um indivíduo pensa de si mesmo e quanto gasta de energia e de cuidados consigo próprio. Constitui o âmago do autoconceito, a consciência de que o indivíduo tem de sua contínua identidade e de sua relação com o ambiente, ou do que vê como essencial sobre si mesmo. Desenvolve-se gradualmente, depende da interação do indivíduo com os outros e tem funções reguladoras sobre a personalidade.” 90 Nesse sentido também se manifesta BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 117.
47
por essas doenças, e muitos levam uma vida perfeitamente normal com suas
doenças controladas e expressa satisfação na vida.”91
Jungida à idéia de saúde como capacidade funcional, compreende-se
também que gozar de saúde relaciona-se a possuir qualidade de vida, na acepção
da OMS. Trabalhando especificamente com o idoso “a qualidade de vida na
velhice pode ser definida como a avaliação multidimensional referenciada a
critérios sócio-normativos e intrapessoais, a respeito das relações atuais, passadas
e prospectivas entre o indivíduo maduro ou idoso e o seu ambiente.”92
Outro fator que avalia a qualidade de vida do idoso é a medida de sua
autonomia. 93 A autonomia apresenta-se como a habilidade de definir e realizar
seus próprios intentos, portanto, não envolve saber se o idoso é, independente do
quão avantajada seja sua idade, hipertenso, diabético, cardíaco ou se medica com
antidepressivos. Caso ele mantenha a aptidão para conduzir sua vida e decidir
como e, em que circunstâncias, se dedicará ao trabalho em qualquer modalidade,
ao lazer, ao cuidado consigo e aos relacionamentos e atividades sociais, apesar
dos agravos apontados, seguramente será avaliado como uma pessoa saudável.94
O envelhecimento bem sucedido, ou seja, saudável, é o somatório da
capacidade funcional aliada à qualidade de vida e à autonomia da pessoa idosa.
No entanto, faz-se imperioso ressaltar que a perda delas são conjecturas muito
91 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 74. 92 PASCHOAL, Sérgio Márcio Pacheco. Qualidade de vida na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 81. 93 LEMOS, Naira e MEDEIROS, Sônia Lima. Suporte social ao idoso dependente. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 893: “Na velhice, a manutenção da autonomia e da independência estão intimamente ligadas à qualidade de vida. A autonomia e a independência, entre os idosos, são ótimos indicadores de saúde. Uma das formas de se qualificar a qualidade de vida de um idoso é avaliando-se o grau de autonomia que possui e o grau de independência com que desempenha as funções do dia-a-dia, sempre levando o contexto sociocultural em que vive. Isto porque é este que vai lhe oferecer oportunidades ou restrições para o exercício total ou parcial da independência e da autonomia. Contextos aceitadores e respeitadores dos direitos de todos os cidadãos, e que, por isso, ofereçam compensações e ajudas a cada um segundo a sua singularidade, têm maior capacidade para garantir a autonomia e a independência de seus membros, entre eles os idosos.” 94 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 75.
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comuns na velhice, pois, nessa altura da vida, corriqueiramente, ocorrem
modificações funcionais as quais, não controladas, retiram dos anciãos a saúde.
Na velhice as situações mórbidas estão adjacentes, desencadeando-se com
mais facilidade do que nas pessoas jovens, pois a capacidade de reserva e de
defesa do idoso também se tornam menores. O envelhecimento proporciona a
diminuição da disposição para se adaptar, de tal maneira que o indivíduo fica
muito mais vulnerável aos processos traumáticos, infecciosos e psicológicos.
Do mesmo modo, é habitual que a pressão arterial, o débito cardíaco, o
equilíbrio hidroeletrolítico e o fluxo sanguíneo encontrem-se debilitados na
terceira idade.95 No aparelho locomotor observa-se alteração na marcha,
diferenciada dos mais jovens por desenvolver-se a passos curtos, mais lentos ou
mesmo por pés que se arrastam; os movimentos dos braços perdem a amplidão
situando-se mais junto ao corpo. Na visão podem surgir as cataratas, degeneração
macular, glaucoma e retinopatia diabética, além do decrescimento da habilidade
visual por vários outros fatores decorrentes do envelhecimento. No aparelho
auditivo há perda da acuidade às vezes acompanhada por estados vertiginosos e
zumbidos.96 Acrescente-se que as demências e depressões são relativamente
freqüentes na maior idade.97
Enquanto na infância mais adiantada, na juventude e mesmo na idade
adulta não próxima à velhice esses agravos são raros e, quando existentes,
constituem desafios para a medicina e a ciência – uma vez que pés que se arrastam
para conseguir se movimentar, ou demências degenerativas não são próprios da
juventude – na velhice esses transtornos são muitíssimo comuns.
Quando se é jovem apenas se usufrui da saúde sem sequer percebê-la,
porque seu oposto, a doença – e não se refere a resfriados – inexiste usualmente.
Jovens e idosos habitam mundos diferentes. Enquanto gozar de saúde na
juventude é algo natural e as enfermidades consistem exceções à regra,
95 DE FREITAS, Elizabete Viana, MIRANDA, Roberto Dishinger e NERY, Mônica Rebouças. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 611. 96 DE FREITAS, Elizabete Viana, MIRANDA, Roberto Dishinger e NERY, Mônica Rebouças. Parâmetros clínicos do envelhecimento e avaliação geriátrica global. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 611. 97 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 75.
49
permanecer saudável na velhice significa triunfar num entorno de adversidades
que envolvem o ser envelhecido.
Mas, de início, já se proclama que essas adversidades precisam ser
controladas para que o idoso aufira o máximo de saúde de acordo com suas
possibilidades intrínsecas.
Nesse contexto, pergunta-se:
- Quem envelheceu?
Quem envelheceu é um ser humano que já passou pela infância e
adolescência, experimentou a juventude e a idade adulta, que possui sentimentos
de alegria e tristeza, recordações boas e ruins, ambições de múltiplas facetas. E ele
os tem porque está vivo!
Por isso, ao tratar dos direitos fundamentais do idoso seu Estatuto elegeu,
como o primeiro deles, o direito à vida jungido à saúde e à dignidade, na forma do
art. 9º: “É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à
saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um
envelhecimento saudável e em condições de dignidade.”
É importante ressaltar o conteúdo normativo do artigo em comento, pois
ele agrega à vida saudável àquela que se dá em condições de dignidade. De nada
adianta ao idoso estar vivo se não goza de bem-estar físico, psíquico e social, pois,
sem esses predicados, não há que falar em vida nas condições de dignidade a que
toda pessoa humana tem direito.
A partir do caráter normativo do princípio da dignidade humana, todas as
pessoas fazem jus a viver dignamente, gozando de saúde, em qualquer etapa de
sua existência. Como os idosos são propensos às enfermidades imanentes da
terceira idade, sua saúde, quando em bom estado, deve ser preservada a todo custo
e, quando deficitária, precisa ser reabilitada com primazia, pois a queda na saúde
de um idoso pode significar a perda da vida em dignidade.
Compreende-se que a existência digna dos anciãos também se compõe
pelo acesso à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, à profissionalização e ao
trabalho.98 Mas sem saúde não há como desfrutar desses e de outros direitos
98 Anote-se, segundo informações trazidas ao conhecimento por BARBOZA, Heloisa Helena. A ética na saúde. In: Saúde e Previdência Social: desafios para a gestão do próximo milênio. Organizadores: BAYMA, Fátima e KASZNAR, Istvan. São Paulo: Makron Books, 2001, p. 177, que a conceituação de saúde concebida pela 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986 é: “A saúde é a resultante das condições de Alimentação, Habitação, Educação, Renda, Meio
50
tratados com especial atenção às demandas dos idosos na Lei que
infraconstitucionalmente os tutela. Resta evidente que, sem o ânimo que só um
bom estado de saúde torna possível, não há espaço para a dose de esforço
necessária à dedicação aos estudos, à profissionalização e ao trabalho. Inclusive,
se em condições deficitárias de saúde o entusiasmo do ancião é usurpado, retiram-
se dele, por conseguinte, as condições de se dedicar às atividades culturais, ao
esporte e ao lazer.
Portanto, conclui-se, pela freqüência e rapidez em que na terceira idade a
saúde se esvai, tornando o idoso mais suscetível aos agravos psicofísicos e ao
alijamento social que colocam em xeque uma vida saudável, sem a qual não há
uma existência envolta pela dignidade, que assegurar o direito à saúde, nessa
etapa da vida, constitui prioridade para a pessoa idosa. Além disso, dentre os
direitos fundamentais de segunda geração agasalhados pela Constituição da
República, quais sejam, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a
assistência aos desamparados, ou seja, dentre aqueles direitos que, para se realizar,
necessitam de condutas ativas do Estado ou dos particulares – no caso brasileiro,
sempre com a anuência e a fiscalização estatal – a saúde exsurge como direito
prioritário da pessoa idosa, pois ela é pré-requisito para que os idosos tenham
acesso ao trabalho, à educação, à cultura, ao lazer, ao exercício dos direitos civis e
políticos, em condições de liberdade e dignidade.
Acrescente-se que para os idosos poderem usufruir de seu direito à saúde
são necessárias, concomitantemente, certas condições para a vida em dignidade
dadas pelos direitos fundamentais sociais da aposentadoria ou da assistência aos
desamparados e da moradia. Observe-se que os direitos à saúde, à previdência e à
assistência social, aliados e assegurados, compõem as metas da seguridade social
no Brasil, consoante art. 194 da Constituição da República que apregoa: “A
seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos à saúde, à
previdência e à assistência social.”
Destarte, juntamente com o direito à saúde, são direitos prioritários da
pessoa idosa os direitos à aposentadoria ou à assistência e à moradia, posto que
Ambiente, Trabalho, Transporte, Lazer, Liberdade, Acesso a Posse de Terra e Acesso a Serviços de Saúde.”
51
relacionados às condições mais elementares de vida na terceira idade e por se
afigurarem como pressuposto para que sejam exercitados outros direitos.
Elegeu-se, entretanto, como objeto da presente investigação, o direito à
saúde, exatamente pelo fato de a qualidade de saúde da pessoa estar em
decrescência quanto mais ela se torna idosa. Trata-se de um desafio não só para a
medicina, mas também para o direito, que carrega os instrumentos para que o
cuidado médico seja implementado, a garantia da saúde das pessoas que se
encontram na terceira idade. Ademais, como já colocado, ao lado da previdência
ou da assistência e da moradia, a saúde compõe a tríade básica, anterior e
essencial para que haja vida em dignidade nas idades longevas e para que direitos
posteriores tenham condições de se exercer, razão de se elevá-la à categoria de
direito social prioritário da pessoa idosa.
Por essas razões, somente a saúde como direito prioritário da pessoa idosa
será analisado nesse trabalho, afinal, tanto o estudo da Previdência Social quanto
da Assistência Social como do direito à moradia dos idosos daria ensejo a outras
Teses.
Mas optou-se por fazer, de maneira panorâmica, alguns comentários ao
direito aos alimentos, previstos nos artigos 11 a 14 do Estatuto do Idoso, de íntima
relação com os direitos constitucionais da aposentadoria e da assistência aos
desamparados e ao direito à habitação, também previsto no Estatuto nos artigos 37
e 38, consectário natural do direito constitucional à moradia, todavia, sem a menor
pretensão de esgotá-los. Tratar-se-á dos direitos aos alimentos e à habitação, sem
os quais não há como se conceber condições mínimas para a garantia do direito à
saúde, em pontos específicos destinados aos idosos.
Desse modo, o idoso que tenha condições de viabilizar, por seus próprios
meios, alimentos adequados às suas indigências é o que melhor atende à sua
autonomia. Os alimentos, no sentido lato da palavra, abrangem todas as
necessidades para o gozo de uma vida digna e podem provir do direito à
aposentadoria, do direito à assistência social, do próprio trabalho da pessoa que
ainda se sinta capaz para tanto, de pensão deixada por familiares ou mesmo de
recursos amealhados ao longo da vida.
Há idosos, que além de se abastecerem, fornecem alimentos aos seus
dependentes, funcionando como verdadeiros arrimos de família. Todavia, outros,
sem qualquer fonte de renda, precisam do suporte dela ou do Estado.
52
Em princípio, o Estatuto do Idoso dispõe no seu art. 11, que “os alimentos
serão prestados ao idoso na forma da lei civil,” Nesses termos, como alimentos
devem-se entender os propriamente ditos e todo o necessário para a subsistência
do alimentado na vida em sociedade, conforme o disposto no art. 1.920 do Código
Civil que, ao falar do legado de alimentos, acaba por elucidar o sentido desta
palavra que “abrange o sustento, a cura, o vestuário e a casa”99 De acordo com o
art. 1.694, § 1º do Código Civil, “os alimentos devem ser fixados na proporção
das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”
Porém, o Código Civil disciplina em seu art. 1.696 que “o direito à
prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os
ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de
outros”. O artigo em questão adverte claramente que a obrigação alimentar recai
nos parentes mais próximos em grau. A seguir, o art. 1.697 do Código Civil
afirma que, “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes,
guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos assim germanos como
unilaterais.” Logo, só na falta de ascendentes é que os descendentes serão
chamados à prestação obrigacional, bem como, só na falta de descendentes a
obrigação recairá sobre os irmãos do alimentado.
Tais estabelecimentos não são acompanhados pelo Estatuto do Idoso que
em seu art. 12 dispõe: “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar
entre os prestadores.”
Há quem sustente a existência de uma antinomia entre os artigos 11 e 12
do Estatuto, na medida em que se consigna, a priori, que os alimentos serão
prestados ao idoso na forma da lei civil, que dispõe de maneira diversa do referido
art. 12 que prevê a solidariedade da obrigação alimentar. 100
99 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 371. 100 Confrontando os artigos 11 e 12 do Estatuto do Idoso com o artigo 1.696 do Código Civil, DE JESUS, Damásio. E. Estatuto do idoso anotado – lei 10.741/2003, aspectos civis e administrativos. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005, p. 54, salienta: “Conforme veremos a seguir, o artigo 11 ora em discussão, ao recepcionar o Código Civil, criou uma antinomia aparente, visto que o artigo 1.696 estabelece reciprocidade na obrigação alimentar, enquanto o art. 12 do Estatuto do Idoso fixa solidariedade para os coobrigados e discricionariedade do idoso na opção pelo obrigado. Isso quer dizer que enquanto um filho é obrigado a processar primeiro o seu pai para depois para depois pleitear alimentos de seu avô, ainda que esse último seja milionário, o idoso pode optar por processar seu neto em detrimento de seu filho. A antinomia em questão só pode ser resolvida pela adoção 1.696 do CC...”
53
Não se entrevê tal antinomia porque, no que o art. 12 do Estatuto não
excepcionou, vigem as normas civis em relação aos alimentos no que diz respeito
a significarem direito para o alimentado não só à alimentação em si, mas também
ao sustento, à cura, ao vestuário e à casa, na medida do binômio necessidade do
alimentando e possibilidade do alimentante, sem prejuízo de se conceder
judicialmente ao beneficiário do encargo majoração, redução ou até exoneração
no quantum recebido em caso de mudança na situação financeira de quem o supre,
na forma do art. 1699 do Código Civil e de assegurar que, quem fornece alimentos
deverá fazê-lo sem desfalque do necessário ao seu sustento, na dicção do art. 1.
695, também do Código Civil.
O objetivo do art. 12 é que o idoso, cujos meios de subsistência sejam
insuficientes ou mesmo inexistentes para se manter, tenha a opção de acionar o
cônjuge ou o parente melhor abastado, para que obtenha o mais brevemente
possível e com maior certeza, a prestação da qual necessita.101 De tal modo, o
idoso poderá escolher entre seus pais, filhos, netos e irmãos ou cônjuge para a
condição de alimentante, sem justificar por que. Cabe e ao idoso o discernimento
de quem verdadeiramente poderá auxiliá-lo.
Lembre-se que, como a abrigação alimentar prevista pelo Estatuto do
Idoso está regida pela solidariedade, “o devedor que satisfez a dívida por inteiro
tem o direito de exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se
igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no
débito, as partes de todos os co-devedores”, de acordo com o art. 283 do Código
Civil. Dessa forma, o alimentante também resulta beneficiado já que não sofrerá
grave prejuízo em sua fortuna porque, contrariamente ao regime de alimentos do
Código Civil em que não cabe solidariedade, aqui, como no direito das
obrigações, ela está instituída entre pais, filhos, netos, irmãos e cônjuge.
Embora a Lei prefira que a prestação alimentar seja suprida pela família
nos termos dos artigos 11 e 12 já analisados, também a sociedade deverá
contribuir para que não faltem alimentos ao idoso por instrumento da tutela
estatal, quando nem ele nem sua família disponham de recursos para tanto, na 101 Nesse sentido DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso, p. 123: “O texto legal em tela constitui uma avanço legislativo bastante relevante, pois possibilita ao idoso que proponha a ação somente contra o parente com melhores condições econômico-financeiras, evitando demandas tumultuadas e intermináveis, com vários alimentantes se digladiando ao mesmo tempo, interpondo, cada qual, vários recursos, muitas vezes meramente procrastinatórios, postergando a relevante prestação jurisdicional requerida pelo idoso necessitado.”
54
forma do art. 14 do Estatuto: “Se o idoso ou seus familiares não possuírem
condições econômicas de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse
provimento, no âmbito da assistência social.”
A proteção do idoso por intermédio da assistência social tem sede na
Constituição da República, em seu art. 203.102
Não se faz necessária contribuição prévia do idoso para gozar do benefício
da assistência, como ocorre no regime da previdência. Ambas são espécies do
gênero seguridade social, mas, para se alcançar os benefícios da previdência é
forçosa a contribuição prévia do beneficiário, enquanto para se conseguir a
benesse assistenciária, o único requisito exigido é a carência comprovada do idoso
e de sua família em termos econômico-financeiros, conforme disposto na Lei.
Antes da entrada em vigor do Estatuto, a Lei nº 8.742 de 1993, conhecida
como Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), dispunha sobre o assunto
previsto constitucionalmente, limitando em sessenta e sete anos a idade para que
se pudesse usufruir do benefício assistenciário, na forma de seu art. 20.
Mas, como advento do Estatuto, Lei cronologicamente mais nova e
especialíssima na tutela do idoso, essa passou a vigorar diminuindo a idade para o
gozo do aditamento a partir dos sessenta e cinco anos de idade, segundo seu art.
34.103
Embora tal previsão beneficie o idoso, não parece ainda ideal. Se seu
Estatuto destina-se a regular as direitos assegurados às pessoas com idade igual ou
maior que 60 (sessenta) anos, por critérios científicos acerca do envelhecimento
que considera idosas pessoas de 60 (sessenta) anos ou mais nos países em
desenvolvimento como o Brasil, não deveria haver, dentro do próprio Estatuto, a
fixação de outras faixas etárias para a aferição dos direitos da pessoa idosa, ainda
102 Art. 203 da Constituição da República: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; [...] V – garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” [Grifou-se] 103 Art. 34 do Estatuto do Idoso: “Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica de Assistência Social – Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capta a que se refere a Loas.”
55
mais quando se trata de pessoa não só vulnerabilizada em razão da idade, mas
também em razão de sua condição miserável.
Critica-se a não existência de um conceito genérico de idoso no Brasil, o
que dá ao legislador, por conseqüência, o arbítrio de fixar a idade que queira para
a aferição dos direitos da pessoa idosa, sem um critério científico que justifique
porque aquela idade foi escolhida para o início da fruição de determinado direito.
Quanto à prova da absoluta pobreza da pessoa que fará jus ao recebimento
de um salário, será realizada mediante pesquisa acerca da sua rentabilidade
mensal e de seu núcleo familiar, considerando assim pessoas que vivam sob o
mesmo teto e possuam renda mensal por cabeça inferior a um quarto do salário
mínimo.104 Essa perspectiva alargada de família confirma-se pelo teor do art. 36
do Estatuto: “o acolhimento de idosos em situação de risco social por adulto ou
núcleo familiar, caracteriza dependência econômica, para os efeitos legais.”
Continua, mesmo assim, obrigado o Estado a fornecer assistência social caso o
adulto ou o núcleo familiar não possuam efetivamente meios de prover o idoso, e
a prova disso, é que, as mais modernas decisões jurisprudenciais, não têm se
fixado no teor literal do critério acima referido, mas no contexto de vida dessas
pessoas, desde que fique claramente evidenciada sua miserabilidade.105
Por fim, “a assistência social aos idosos será prestada, de forma articulada,
conforme os princípios e diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência
Social”, como se viu, “na Política Nacional do Idoso, no Sistema Único de Saúde
e demais normas pertinentes”, nos termos do art. 33 do Estatuto.
Apesar de a moradia ser direito fundamental social de todos, o Estatuto do
Idoso estabeleceu condições mais favoráveis para que os anciãos tenham acesso à
104 Art. 20, § 1º da LOAS: “Para os efeitos do disposto no caput, entende-se família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.” e Art. 20, § 3º da LOAS: “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capta seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.” [Grifou-se] 105 Nesse sentido a Súmula 11 da Turma Nacional de Uniformização: “A renda mensal, per capta, familiar, superior a ¼ do salário mínimo não impede a concessão de benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante.”
56
habitação na forma de seu art. 38, pois, tal como os alimentos, uma moradia digna
é pré-condição para que o idoso possa fruir seu direito à saúde.106
Identifica-se que o Estatuto almeja que a pessoa idosa possua moradia para
si própria e não para fins especulativos. O que sobreleva aqui é o direito de
adquirir a propriedade cujos fins revelem-se assistenciais aos idosos. Para tanto, a
cada programa habitacional público ou subsidiado com recursos públicos, três por
cento das unidades residenciais, obrigatoriamente, serão reservadas para
atendimento dos idosos107: não significa apenas que tais unidades tenham de ser
adquiridas por eles, mas por pessoas físicas ou jurídicas que dêem ao imóvel a
função de atendê-los. Também a porcentagem de reserva de três para cada cem
unidades residenciais voltadas ao atendimento dos idosos não implica entender
que eles só terão direito a esse percentual. Ao contrário, os três centésimos são o
mínimo garantido às pessoas idosas e elas podem auferir mais do que o mínimo.
O importante é que se designem critérios de financiamento para a compra do
imóvel, compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão, a fim de que
a pessoa idosa, ou quem queira atendê-la, possua recursos.
O artigo em comento também prevê que se implementem equipamentos
urbanos comunitários voltados ao idosos, como veículos de transporte destinados
em parte para a terceira idade, ou praças de lazer e esporte que também serão
aproveitadas por pessoas dessa faixa etária, por exemplo. A eliminação de
barreiras arquitetônicas e urbanísticas, por meio da garantia de acessibilidade, é
essencial para que o idoso exerça sua autonomia, tanto no local onde reside
quanto nas suas adjacências.
Como dispõe a Constituição no art. 230, § 1º, “os programas de amparo
aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.” Mas o lar de um
idoso pode ser tanto o lugar onde habite sozinho, com sua família ou uma
106 Art. 38 do Estatuto do Idoso: “Nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, observado o seguinte: I – reserva de 3% (três por cento) das unidades residenciais para atendimento aos idosos; II – implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados ao idoso; III – eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para garantia de acessibilidade ao idoso; IV – critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão.” 107 Em sentido contrário, RULLI NETO, Antonio. Proteção legal do idoso no Brasil. Fiuza Editores, 2003, p. 260: “No caso de não haver idosos a adquirirem as unidades reservadas, comprovadamente, tal reserva não perdurará, indefinidamente, mas por período razoável, sendo as unidades destinadas a outras pessoas.”
57
entidade de atendimento. O que se almeja com este artigo é afastar o idoso de
instituições hospitalares e afins.
Já o Estatuto do Idoso disciplina em seu art. 37: “o idoso tem direito à
moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de
seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou
privada.”
Neste momento pretende-se salientar que o direito à moradia do idoso já
vem jungido à dignidade de sua habitação. Desse modo, uma residência que não
possua requisitos básicos à vida em dignidade não é o que se avaliza ao idoso.
Em princípio, a pessoa idosa tem todo direito de optar por como viver.
Pode ser que ela eleja viver só e com todos os afazeres domésticos. Entretanto,
quanto mais velha for, torna-se comum e recomendável que ela possua empregado
a ocupar-se dessas tarefas e um cuidador para si. Convenha-se que só idosos bem
afortunados possuem condições de manter esse padrão de vida.
O Estatuto prioriza a moradia do idoso desacompanhada de seus
familiares, se assim o desejar, ou no seio da família natural ou substituta. É o que
se compreende da leitura do § 1º do art. 37: “A assistência integral na modalidade
de entidade de longa permanência será prestada quando verificada a inexistência
de grupo familiar, casa-lar, abono ou carência de recursos financeiros próprios ou
da família.” Verdadeiramente, a vida em família presume a existência de um afeto
especial a envolver o idoso, que não pode ser ignorado.108 Também parece
importante o fato de o idoso continuar convivendo com distintas gerações, o que
agrega e não o isola na sua condição de ser humano envelhecido; da mesma
forma, o aconchego das coisas, roupas e mobiliários próprios certamente é
relevante para lhe atribuir bem estar.
Mas se a família substituta escolhe o idoso por estima e compaixão, pode
ser o melhor lugar para se habitar. É recomendável tanto à família natural, quanto
108 ERBOLATO, Regina M. Prado Leite. Relações sociais na velhice. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 962: “Numa família em condições ‘saudáveis’ de funcionamento, ninguém é despedido por não cumprir a contento as funções de seu papel; ninguém costuma ser abandonado; vivem-se conflitos, toleram-se insultos e outros comportamentos inadequados entre colegas, amigos ou vizinhos. A afeição (esperada) entre seus membros, a constância dos mesmos e o senso de obrigação que permeia tais vínculos garantem ao indivíduo trocas continuadas de suportes instrumental e psicológico/emocional, e reforçam a expectativa de retribuição, no futuro, de quaisquer suportes fornecidos no presente.”
58
à substituta, que contem com a ajuda de um cuidador para o idoso, a fim de
manter sua permanência junto aos seus, aliada aos cuidados de um profissional da
área de saúde. 109
Por outro lado, entende-se que, mesmo em condições de viver sozinho ou
acompanhado da família o idoso prefira, ao contrário do estatuído, morar numa
entidade de atendimento. Essa é uma decisão conferida a ele, que pode realmente
se sentir melhor nesse ambiente de convivência com pessoas que também
experimentam a velhice e com aparato especial para o atendimento das suas
necessidades peculiares, pois, evidentemente, é de todo permitido que receba
visitas de parentes e amigos nessas instituições. Nada obsta ainda que as entidades
possuam um ambiente de amor e ternura que resguarde a pessoa idosa da
solidão.110
Com o tratamento que o Estatuto conferiu às entidades de atendimento,
parece mais fácil avaliar se o idoso recebe efetivamente o amparo que lhe é
outorgado pela Constituição nesse âmbito do que no familiar. Não se quer com
isso fazer apologia das entidades de atendimento contra os núcleos familiares,111
109 DIOGO, Maria José D’ Elboux e DUARTE, Yeda Aparecida de Oliveira. Cuidados em domicílio: conceitos e práticas. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 767: “A Assistência Domiciliária ressurge entre as modalidades assistenciais e, no que tange o cuidado ao idoso, mostra-se uma alternativa eficaz à manutenção do convívio familiar e de sua qualidade de vida. Ela não substitui nenhuma outra modalidade assistencial. Tem, si, lugar específico entre as mesmas, evitando que os idosos sejam hospitalizados desnecessariamente ou que assim permaneçam quando tal intervenção não é a mais indicada, sendo, ao contrário, um risco para o mesmo. Constitui uma interface entre um idoso com algum grau de dependência e sua família, que necessita se adaptar a ‘nova’ situação. Essa intervenção propicia à família o tempo necessário à sua reestruturação e à redistribuição de papéis e atribuições, de forma a atender as novas demandas e evitar a institucionalização do idoso.” 110 BORN, Tomiko e BOECHAT. Norberto Seródio. A qualidade dos cuidados do idoso institucionalizado. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002 p. 771: “Tomando-se, então, a ILP (Instituição de Longa Permanência) como um lar especializado, com dupla função – a de proporcionar assistência gerontogeriátrica conforme o grau de dependência dos seus residentes e a de oferecer, ao mesmo tempo, um ambiente doméstico, aconchegante, capaz de preservar a intimidade e a identidade dos seus residentes – , certamente a qualidade do cuidado irá pressupor a realização satisfatória desses objetivos. Nas ILPs com qualidade, o idoso pode recuperar a saúde e a vontade de viver, criar novas relações sociais, desenvolver-se.” 111 ELIAS, Norbert. Envelhecer e morrer, p. 85 adverte que: “...A admissão em um asilo normalmente significa não só a ruptura definitiva dos velhos laços afetivos, mas também a vida comunitária com pessoas com quem o idoso nunca teve relações afetivas. O atendimento físico dos
59
muito pelo contrário. Mas é sabido que, quanto mais privado é o local onde o
vulnerável reside, mais sujeito a agressões clandestinas ele estará.112
No que toca os direitos fundamentais estabelecidos pelo Estatuto em seu
Título II, observa-se que no Capítulo VII, ao tratar da assistência social, já se
prevêem regras para as entidades de atendimento na forma do art. 35. Também no
Capítulo IX, que trata da habitação, há disciplina acerca de condutas a serem
seguidas pelas entidades no art. 37, parágrafos 2º e 3º. Ademais, no Título IV, que
cuida da política de atendimento do idoso, o Capítulo II está totalmente voltado
para as obrigações das entidades na forma dos artigos 48, 49, 50 e 51 com seus
parágrafos e incisos. O subseqüente Capítulo III, disciplina sobre sua fiscalização
nos artigos 52, 53, 54, 55, com seus incisos, alíneas e parágrafos. Já o Capítulo
IV, tipifica as infrações administrativas que as entidades podem sofrer nos artigos
56, 57 e 58. Em seguida, o Capítulo V disciplina sobre a apuração administrativa
de infração às normas de proteção ao idoso referindo-se, nos artigos 50, 62 e 63,
especificamente às entidades de atendimento. O Capítulo VI prescreve sobre a
apuração judicial de irregularidades nas instituições, na modalidade dos artigos
64, 65, 66, 67, 68 e seus parágrafos.
Por fim, se alimentação adequada e moradia digna encontram-se atreladas
ao direito prioritário à saúde da pessoa idosa, como expressões de um mínimo
existencial sem o qual não há possibilidade de a saúde ser instaurada, é a saúde
que lhes propicia a fruição dos seus demais direitos fundamentais, tanto de índole
pessoal como social.
Em relação à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, o Estatuto prevê,
do artigo 20 ao 25, uma série de incentivos para que a pessoa idosa desfrute da
melhor maneira possível desses prazeres da vida.113 Mas do que vale, por
médicos e o pessoal da enfermagem podem ser excelentes. Mas ao mesmo tempo a separação dos idosos da vida normal e sua reunião com estranhos significa solidão para o indivíduo. Não estou pensando apenas nas necessidades sexuais, que podem ser muito ativas na extrema velhice, particularmente entre homens, mas também na proximidade emocional entre pessoas que gostam de estar juntas, que têm um certo envolvimento mútuo. Relações desse tipo também diminuem com a transferência para um asilo e raramente encontram aí uma substituição. Muitos asilos são, portanto, desertos de solidão.” 112 Segundo ainda ELIAS, Norbert. Envelhecer e morrer, p. 85: “Não é incomum que a geração mais jovem, ao chegar ao comando, trate mal a mais velha, às vezes até com crueldade. Não faz parte das tarefas do Estado imiscuir-se nesses assuntos.” 113 Neste particular destaca-se a importância da educação na terceira idade e o bem que ela gera ao ser idoso, nas palavras de DE SÁ, Jeanete Liasch Martins. Educação e envelhecimento. In: Tempo
60
exemplo, a garantia de desconto de pelo menos 50% (cinqüenta por cento) nos
ingressos para eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, bem como acesso
especial aos respectivos locais, nos termos do art. 23, se o idoso não goza de bem
estar para aproveitar o que esses eventos lhe reservam?
Quanto à profissionalização e o trabalho, do artigo 26 ao 28, a Lei apóia o
idoso que queira continuar ativo em relação ao labor.114 Mas que condições teria o
idoso não saudável de oferecer sua mão de obra para o trabalho?
A Lei também garante transporte gratuito urbano e semi-urbano aos
maiores de 65 (sessenta e cinco) anos, podendo esta idade reduzir-se até 60
(sessenta) anos a critério da legislação local, inclusive com a reserva de 10% (dez
por cento) dos assentos identificados com a placa de reservado preferencialmente
para os idosos, na forma do art. 39, parágrafos, 1º, 2º e 3º. No transporte
interestadual, lei específica deverá garantir reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por
veículo para idosos com renda igual ou inferior a 2 (dois) salários mínimos e
desconto de, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento) no valor das passagens para
os idosos que excederem as vagas gratuitas e cujo rendimento seja igual ou
inferior a 2(dois) salários mínimos, de acordo com o art. 40. Os artigos 41 e 42,
respectivamente, asseguram reserva para idosos, nos termos da lei local, de 5%
(cinco por cento) das vagas nos estacionamentos públicos e privados,
posicionadas de modo a garantir melhor comodidade ao idoso e prioridade no
embarque no sistema de transporte coletivo. Todavia, como uma pessoa acamada
poderá usufruir de todos esses benefícios?
de Envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Jeanete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: NAU, 2004, p. 368 e 369: “Falar de educação e envelhecimento é falar de vida, de existência e de plenitude. É vislumbrar o ato educativo prenhe de possibilidades e de humanidade, num movimento orgânico de ação e reflexão, de trocas intensas, de ‘empoderamento’, de inclusão, de transformação incorporada ao dinamismo da vida individual e coletiva.” 114 Nesse particular são importantes os estudos de BEAUVOIR, Simone de. A velhice, p. 333: “As angústias geradas pela aposentadoria desembocam por vezes em longas depressões. Segundo o Dr. Blajan-Marcus, essas depressões superpõem vários elementos: a aposentadoria vivida como luto e exílio inscreve-se num contexto de lutos mal resolvidos, de dependência familiar, de temperamento depressivo, e provavelmente de perturbações circulatórias e glandulares, embora seja difícil identificar cada um desses elementos. Isso quer dizer que o golpe desfechado pela aposentadoria abate totalmente aqueles que o passado marcou de uma certa maneira. A nova condição ressuscita as tristezas da separação, o sentimento de abandono, de solidão, de inutilidade, que gera a perda de uma pessoa querida. Para se defender de uma inércia em todos os sentidos nefasta, é necessário que o velho conserve atividades; seja qual for a natureza dessas atividades, elas trazem uma melhoria ao conjunto de suas funções.”
61
Faz-se urgente, portanto, eleger a saúde como direito prioritário para que
as pessoas idosas, efetivamente, desfrutem não só dos direitos comuns a todos os
seres humanos, mas também dos que a maior idade lhes garante.
Assim como ter saúde é pré-requisito para o acesso à educação, à cultura,
ao esporte e ao lazer, às diversões e aos espetáculos, a vivência dessas atividades
proporciona melhor qualidade de vida e, portanto, de saúde, para a pessoa idosa,
principalmente por serem oferecidas juntamente com o respeito por sua peculiar
condição de idade, na forma do art. 20 do Estatuto.
Desse modo, a educação na terceira idade será incentivada pelo Poder
Público, que também fará por adequar currículos, metodologias e material
didático aos programas educacionais com essa destinação, como dispõe o caput
do art. 21 do Estatuto. Na forma do parágrafo primeiro do citado artigo, “os
cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas de
comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à
vida moderna” e, de acordo com o subseqüente parágrafo segundo, “os idosos
participarão das comemorações de caráter cívico ou cultural, para transmissão de
conhecimentos e vivências às demais gerações, no sentido da preservação da
memória e da identidade culturais.”
Muitíssimo importante para a inserção social do idoso, posto que se
relaciona intimamente com a preservação de sua saúde, é a fixação nos diversos
níveis de ensino formal de conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao
respeito e à valorização dessas pessoas a fim de eliminar o preconceito e produzir
conhecimentos sobre a matéria, como disciplina o art. 22 do Estatuto. No mesmo
sentido, o apoio do Poder Público à criação de universidades abertas para as
pessoas idosas bem como à publicação de livros e periódicos de conteúdo e
padrão editorial adequados a essa faixa etária, considerando, até mesmo, a natural
redução de sua capacidade visual, afiguram-se como contributos à inclusão do
idoso, previstos no art. 25 do seu Estatuto. Note-se que a promoção da educação
dos anciãos no Brasil, pode dizer respeito tanto à educação básica, a qual muitos
não tiveram acesso, quanto a que abranja a continuidade dos seus estudos.115
Proporcionar informações, educação, ingresso nos ambientes das artes e da
cultura em horários ou espaços especialmente voltados aos idosos também 115 RULLI NETO, Antonio. Proteção legal do idoso no Brasil, p. 185.
62
enriquece qualitativamente suas vidas, de modo a lhes proporcionar
desenvolvimento pessoal e participação social,116 o que inegavelmente contribui
para sua saúde psíquica. Tais projetos serão levados até eles pelos meios de
comunicação, consoante o art. 24 do seu Estatuto.
Há de se considerar também a importância para o bem estar e a saúde
psicofísica do idoso o fato de ele ter acesso ao trabalho, remunerado ou não, pois
este último tem o condão de implementar sua socialização, pela possibilidade de
contato direto, no trabalho em grupo, ou indireto, no caso dos intelectuais e
autônomos, com outras pessoas de sua e de distintas gerações. O art. 26 do
Estatuto prevê que “o idoso tem direito ao exercício de atividade profissional,
respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.” Nesse diapasão, o
direito ao trabalho tem o papel de promover o exercício de funções pela pessoa
idosa objetivando retirá-la da qualidade de inativa, o que elimina sua
produtividade, considerando também que não deve lhe impor cobranças
exageradas, o que faria surtir um efeito indesejado em sua saúde.117 Há de se ter
em conta o valor do trabalho para a continuidade da autonomia dos anciãos,
estreitamente relacionado com sua qualidade de vida, pois, quando adequado ao
idoso, “com observância de suas particularidades físicas, – o trabalho – torna-se
terapia ocupacional, distração recreativa e até mesmo prazer físico.”118
Ao ser admitido em qualquer emprego ou trabalho, mesmo no ingresso por
concurso, ressalvados os casos em que a ocupação exija habilidades que o idoso
não tenha, 119 veda-se sua discriminação e a limitação de idade, sendo que o
primeiro critério de desempate em concurso público privilegia as pessoas de idade
mais avançada, conforme o art. 27 e parágrafo único do Estatuto. Inclusive, obstar
ou negar a alguém, por motivo de idade, acesso a qualquer cargo público,
116 RULLI NETO, Antonio. Proteção legal do idoso no Brasil, p. 192. 117 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 58: “Deve-se buscar um meio termo entre o velho estereotipado, que se limitava a ficar ociosamente em casa, dando trabalho para seus familiares, e aquele idoso de quem se exija que entre em competição com os mais novos, em permanente disputa por uma maior produção e participação na sociedade.” 118 BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p 143. 119 DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso, p.127, traz à baila importante observação: “Vale notar respeitável corrente jurisprudencial, sustentando que a imposição de limite máximo deverá decorrer de lei infraconstitucional, sendo vedado ao administrador a imposição aleatória, em determinado concurso público, sem o devido respaldo legal.”
63
emprego ou trabalho constitui crime tipificado pelo art. 100, incisos I e II da
referida Lei. A Lei oferece ainda estímulos aos programas voltados para o
trabalho do idoso e para uma aposentadoria ativa, como disciplina seu art. 28.120
Os mandamentos legais do art. 28 necessitam de políticas públicas para
que sejam implementados. Considera-se, pois, pertinente o estímulo às empresas
privadas na contratação de idosos, mediante isenções ou reduções fiscais e
propaganda dessas empresas.121
O direito ao transporte gratuito também possibilita o acesso do idoso aos
hospitais, laboratórios, clínicas, ou seja, a lugares em que sua saúde vá ser
assistida.
Todos esses direitos previstos como fundamentais propiciam melhores
condições de existência para a pessoa idosa. Portanto, não só a saúde é condição
de gozo desses direitos, mas eles também tangenciam a saúde por influírem na
qualidade de vida dos idosos.
Sublinhe-se, entretanto, que em condições extremas, esses direitos podem
até faltar, mas a saúde, no sentido oposto ao da doença, não.
Por conta de o idoso estar mais exposto às agressões tanto biológicas,
provocadas pelo tempo, quanto às de índole social que necessita enfrentar; pelo
fato de as alterações biológicas sofridas desencadearem doenças físicas e
psíquicas com mais facilidade e em maior punjança que na juventude, é imperioso
que o direito à saúde na terceira idade seja concedido em ordem de prioridade,
para salvaguarda do princípio constitucional da dignidade humana nas
contingências especialíssimas da velhice.
120 Art. 28 do Estatuto do Idoso: “O Pode Público criará e estimulará programas de: I – profissionalização especializada para os idosos, aproveitando seus potenciais e habilidades para atividades regulares e remuneradas; II – preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, com antecedência máxima de 1 (um) ano, por meio de estímulo a novos projetos sociais, conforme seus interesses, e de esclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania; III – estímulo às empresas privadas para admissão de idosos ao trabalho.” 121 Consoante propõe DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso, p.128.
3 Direitos da Pessoa Idosa e Seus Princípios Normativos 3.1 Apontamentos Acerca dos Direitos da Pessoa Idosa nas Constituições Brasileiras de 1824 a 1988
Sem o intuito de fazer um estudo comparativo, mas procurando
contextualizar a situação do idoso brasileiro nas constituições anteriores e na
atual, serão apresentadas as manifestações legislativas nessa seara.
A Constituição Imperial de 1824 nada dispôs acerca das pessoas idosas,
bem como não o fez a Constituição da República de 1891. Ambas se afastam, no
sentido de a primeira ser de índole imperial e a segunda republicana, mas se
aproximam ao não fazer, em nenhum momento, referência às pessoas de idade
avançada. Foram, pois, absolutamente omissas em questões relativas aos idosos.
A Constituição da República de 1934 tratou pioneiramente de um direito
previdenciário atribuído aos idosos no título IV, que cuidava da ordem econômica
e social, especialmente no art. 121, § 1º, alínea h, nos seguintes termos:
“Art. 121. A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país. § 1º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: [...] h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte.”1 A Constituição da República de 1934 assemelha-se, nesse ponto, à
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 que, dentro do capítulo que
cuidava da ordem econômica dispunha, também em caráter previdenciário:
“Art. 137. A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos: [...]
1 Grifou-se.
65
m) a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os casos de acidentes do trabalho [...]”2
Por sua vez, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, em
disposição similar às anteriores de 1934 e 1937, tanto por tratar dos idosos no
Título V, que dispunha sobre a ordem econômica e social e por só fazer menção a
aspectos previdenciários em favor da velhice, afirmava:
“Art. 157. A legislação do trabalho e da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: [...] XVI – previdência, mediante contribuição da União , do empregador e do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte [...]”3 De forma idêntica à prevista na Constituição 1946 no que diz respeito à
proteção da velhice pela previdência e no seu título III que, igualmente, cuidava
da ordem econômica e social, estabelecia a Constituição de 1967:
“Art. 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: [...] XVI – previdência social, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, para seguro desemprego, proteção da maternidade e, nos casos de doença, velhice, invalidez e morte [...]” A grande virada em favor dos idosos ocorre com o advento da
Constituição da República de 1988 que trata, em seu Capítulo VII, especialmente
da família, da criança do adolescente e do idoso, deliberando que, tanto a família,
quanto a sociedade e o Estado, possuem o dever de amparar as pessoas idosas,
preferencialmente em seus lares, assegurando sua participação na comunidade,
defendendo sua dignidade, seu bem estar, lhes garantindo o direito à vida e à
gratuidade dos transportes coletivos urbanos, quando maiores de sessenta e cinco
anos, na forma do art. 230. Tal capítulo está contido no Título VIII, que cuida da
ordem social.
Apesar da posição topográfica desse artigo, parece que a proteção do idoso
assegurada por ele, pode ser considerada direito fundamental fora do catálogo dos
artigos primeiros da Carta Magna de 1988.
2 Grifou-se. 3 Grifou-se.
66
A doutrina espanhola, há muito, já considerava repugnante à consciência e
à dignidade humana que o homem só pudesse ostentar direitos fundamentais
afeitos aos aspectos mais íntimos e entranhados da pessoa se houvesse norma a
outorgá-los.4 Nesse sentido, recepciona como tais, também aqueles que não
estiverem previstos na Lei Maior, mas que se relacionem com situações
existenciais da pessoa humana.
A doutrina brasileira sustenta, no mesmo passo, que os direitos
fundamentais podem ou não ter assento na Constituição formal5 e a portuguesa
orienta que direitos extra constitucionais têm a capacidade de funcionar como
materialmente fundamentais se, pelo seu artefato ou por sua autoridade, puderem
ser equiparados aos direitos formalmente fundamentais.6 Tratam-se, assim, de
direitos fundamentais em sentido material, que não o são formalmente, por não
estarem incluídos no catálogo constitucional.7
Se direitos não previstos em sede constitucional podem ser considerados
fundamentais em sentido material, com muito mais razão os previstos têm
capacidade de sê-lo, desde que sua importância ou objeto mereçam tal ascensão.
Esse é o caso do direito de amparo do idoso que consta previsto
constitucionalmente. Como os direitos fundamentais possuem conteúdo
materialmente aberto, torna-se possível a existência de outros da mesma natureza
contidos em distintas partes do texto constitucional.8 E não há como negar, diante
dos dados demográficos hodiernos, do momento histórico brasileiro – de
exaltação ao pluralismo e à solidariedade – e da intrínseca vulnerabilidade das
pessoas idosas, a importância atual de protegê-las, alçando seu direito de amparo à
condição de fundamental, para o bem delas próprias, de suas famílias, da
comunidade em que se inserem, da sociedade em geral e até mesmo do Poder 4 FERNÁNDEZ-GALIANO, A. Derecho natural. Introducción filosófica al derecho. 4 ed. Madrid: Benzal, 1983, apud PEREZ LUÑO. Antonio E. Los derechos fundamentales. 6 ed. Madrid: Tecnos, 1995, p. 49. [traduziu-se livremente do espanhol] 5 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 85. 6 Nesse sentido, CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6 ed. Coimbra: Almedina, 2002, p. 403. 7 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2006, p. 77. 8 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 79.
67
Público, pois, não ampará-las sob a égide de um direito fundamental poderia
causar um déficit social relevantíssimo.9
Pelo seu conteúdo de significado e por sua relevância, o direito de amparo
da pessoa idosa pode ser equiparado aos fundamentais e ter, em seu favor, o
mesmo tratamento destinado a esses pela interpretação do art. 5º, § 2º da
Constituição brasileira. O objetivo desse artigo é o de expandir e aperfeiçoar o
catálogo de direitos fundamentais por meio do critério da atipicidade.10 Todavia,
ainda que tal artigo inexistisse, o direito de amparo da pessoa idosa teria a
condição de fundamentalmente implícito, ou seja, subentendido pela dimensão
axiológica que possui e que se abraça com a tábua de valores constitucionais,11
afinal, tal direito é consectário do princípio da dignidade da pessoa humana na
circunstância especial de estar envelhecida e a necessitar de cuidados especiais.12
Já há, inclusive, manifestação no sentido de os direitos dos idosos
consubstanciarem direitos sociais, envolvendo não só o direito de amparo já
mencionado, mas também os direitos previdenciário e assistenciário. 13
Essa assertiva foi corroborada pelo Estatuto do Idoso que consagrou, em
seu art. 8º, a proteção do envelhecimento como um direito social que conduz a
prestações positivas não só por parte do Estado, como no caso da aposentadoria e
da assistência social, mas também outras, por parte da família e da sociedade,
como, por exemplo, as disciplinadas pelos artigos 4º e 6º do referido Estatuto, 9 Segundo magistério de SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 99: ...Direitos fundamentais fora do catálogo somente poderão ser os que – constem ou não, do texto constitucional – por seu conteúdo e importância possam ser equiparados aos integrantes do rol elencado no Título II de nossa Lei Fundamental. Ambos os critérios (substância e relevância) se encontram agregados entre si e são imprescindíveis para o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais.” 10 VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa, p. 75. No mesmo sentido, SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 131. 11 Alerta SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 99, que: “...Convém atentar para a circunstância de que a existência de direitos fundamentais implícitos, no sentido emprestado ao termo, mesmo que possa, sob certo ponto de vista, ser tida como abrangida pela norma contida no art. 5º, § 2º, da nossa Carta, dela não depende.” 12 Ainda segundo SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 120: “...É preciso ter sempre em mente que determinada posição jurídica fora do catálogo, para que efetivamente possa ser considerada equivalente, por seu conteúdo e importância, aos direitos fundamentais do catálogo, deve, necessariamente, ser reconduzível de forma direta e corresponder ao valor maior da dignidade da pessoa humana.” 13 Cf. DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 318.
68
respectivamente: “É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos dos
idosos” e “todo cidadão tem o dever de comunicar à autoridade competente
qualquer forma de violação a esta Lei que tenha testemunhado ou de que tenha
conhecimento.”
Voltando ao conceito material de direitos fundamentais, já tendo incluído
entre eles o direito de amparo das pessoas idosas, pode-se dizer, a fim de
confirmar o raciocínio desenvolvido, que se tratam “dos direitos resultantes da
concepção de Constituição dominante, da ideia de Direito, do sentimento jurídico
coletivo”14 que, atualmente, pretende conferir às pessoas idosas o mais alto grau
de proteção legislativa, visando à eficácia social de seus direitos. O direito
fundamental de amparo dos anciãos, frise-se, adere à ordem de valores da
Constituição e, nesse sentido, extrapola os dispositivos de índole fundamental
formalmente criados pela vontade ou capacidade do legislador constituinte.15 Isso
ocorre, precisamente, porque a disposição constitucional, ao invés de limitar,
abarca outros direitos que não dependem do poder político estatal para se
imbuírem da natureza de materialmente fundamentais.16
Parece possível também determinar a abrangência dos direitos
fundamentais assegurando-lhes “autonomia institucional”17.
Para tanto, tais direitos teriam, primeiramente, um elemento subjetivo
formado por arranjos jurídicos subjetivos dados a todos os indivíduos ou grupos
de indivíduos; em segundo lugar, os preceitos concernentes aos direitos
fundamentais teriam a função de garantia e proteção de certos bens jurídicos das
pessoas avaliados como essenciais; em terceiro, para a caracterização de direitos
fundamentais, teria de se avaliar seu intuito específico, remontado à acepção de
homem no ambiente da nossa cultura calcada no princípio da dignidade humana.
14 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3 ed. Tomo IV. Direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 10. 15 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, p. 12. 16 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, p. 12. 17 Expressão de VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa, p. 82.
69
Com esse critério tripartite pretende-se determinar a abrangência dos direitos
fundamentais atribuindo-lhes a chamada autonomia institucional.18
E o direito de amparo da pessoa idosa tem autonomia institucional. Veja-
se: o direito de amparo da pessoa idosa possui o radical formado por posição
jurídica subjetiva atribuída às pessoas dessa faixa etária, tem a função de garantir
o amparo dos anciãos, bem jurídico de relevância essencial e, por fim, remete-se
ao princípio da dignidade humana, uma vez que tutela a pessoa idosa em suas
vicissitudes especiais tendo em vista, exatamente, a preservação de sua dignidade.
Dessa forma, é patente que o direito de amparo aos idosos encontra-se inserido na
base institucional de todos os direitos fundamentais, o que reafirma sua condição
de direito fundamental previsto fora do catálogo do Título II da Constituição da
República brasileira.
3.2 Princípios Cardeais do Estatuto do Idoso
Ao interpretar um texto ou dispositivo normativo o jurista utiliza da
matéria bruta que constitui a Lei posta, uma simples possibilidade do Direito. Para
que esse manancial transmude em normas jurídicas torna-se necessária a
construção de “conteúdos de sentidos” pelo trabalho de fundamentação do
intérprete.19 Tais conteúdos não serão dados, a priori, pelo significado das
palavras, mas, a posteriori, pela interpretação, “ato de decisão que constitui a
significação e os sentidos de um texto.”20 Isso provoca “a recusa de métodos
puramente lingüísticos da interpretação, como se a interpretação consistisse
unicamente na análise da linguagem, puramente formal, do legislador”.21 Assim é
18 Formulação de VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa, p. 82 e 83. 19 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 16. 20 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 23. 21 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de: DE CICCO, Maria Cristina. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 67.
70
que “o sentido não é uma ‘qualidade da palavra’, mas a sua ‘relação a uma coisa’,
a um contexto material ou a um contexto de experiência.”22
Afirmar que a interpretação dos textos legais implica a constituição de
significados para eles e por meio do uso deles não afasta a existência de estruturas
de compreensão antecedentes que, sob certo ponto, viabilizam o entendimento
mínimo desses significados. Desse modo, é tarefa do intérprete construir a partir
de alguma coisa preexistente.23 “A ligação entre texto e intérprete requer a
presença de ambos: ao intérprete não é consentido saltar ou deliberadamente
ignorar o texto.”24
De todo modo, a legislação setorial comumente determina a consecução de
fins e valores, bem como estabelece instrumentos jurídicos que os realizem. Tais
finalidades e valores são pontos de partida a ser considerados pelo intérprete na
sua função de cientista ou de aplicador do Direito.
São, ao mesmo tempo, finalidades e axiomas do Estatuto do Idoso, a
proteção integral e prioritária da pessoa idosa de acordo com seu melhor interesse.
Soma-se a essa assertiva outra. O Estatuto do Idoso encontra-se inserido
num sistema cuja fonte hierárquica superior é a Constituição da República
brasileira, portanto, a normativa infraconstitucional existe e exerce a sua função
unida ao ordenamento jurídico pátrio, diretamente orientado pelo conteúdo
valorativo do princípio da dignidade da pessoa humana.
Considerando que a dignidade humana só pode ser alcançada e mantida se
atribuída ao ser humano em suas circunstâncias, na realidade social em que se
insere, com as contingências de vida que possui, infere-se a necessidade de um
olhar diferenciado do Direito para as pessoas de idade muito tenra ou muito
adiantada.
À criança, há algum tempo, foi declarada necessidade de tutela especial
nos documentos internacionais. Estabelece a Declaração de Genebra de 1924 a
“necessidade de proclamar à criança uma proteção especial” e a Declaração
Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948 determina, em favor
22 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 67. 23 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 25. 24 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 67.
71
da criança, “o direito a cuidados e assistência especiais”.25 Ademais, a Declaração
de Direitos da Criança de 1959 fez constar que:
“A criança gozará de proteção especial e disporá de oportunidade e serviços, a serem estabelecidos por lei e por outros meios, de modo que possa desenvolver-se física, mental, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.”26 Trinta anos após essa declaração, portanto em 1989, foi aprovada a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança ratificada pelo Brasil um ano
depois, por meio do Decreto 99.710 de 1990, na forma do disposto no art. 3.1:
“Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunal, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.”27 Com o advento da Constituição da República de 1988 previu-se, no art. 5º,
§ 2º, que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros que
decorram do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais que a República brasileira seja parte. Portanto, o chamado maior
interesse da criança está recepcionado em sede constitucional que,
concomitantemente, previu para crianças e adolescentes, na forma do art. 227, o
gozo de vários direitos fundamentais com absoluta prioridade e os colocou a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou
opressão.
Em 1990, entra em vigor o Estatuto da Criança e do Adolescente, cujo art.
1º institui sua proteção integral e lhes assegura, no art. 4º, absoluta prioridade na
efetivação dos seus direitos fundamentais. Com base na Convenção Internacional
dos Direitos da Criança de 1989 que, ao invés de falar em maior interesse da
criança, critério quantitativo, conforme tradução livre efetuada pelo Decreto
25 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”. In: O melhor Interesse da Criança: Um Debate Interdisciplinar. Coordenadora: PEREIRA, Tânia da Silva. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 4. 26 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”, p. 4. 27 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”, p. 5, 6, 21 e 22.
72
99.710 de 1990, usou a expressão melhor interesse28, critério qualitativo, a
doutrina brasileira optou por utilizar essa expressão que trata de um princípio
levado em conta em toda interpretação concernente à população infanto-juvenil
pátria.29
Coube, portanto, ao Estatuto da Criança e do Adolescente “concretizar e
expressar os novos direitos da população infanto-juvenil, que põem em relevo o
valor intrínseco da criança como ser humano e a necessidade de especial respeito
a sua condição de pessoa em desenvolvimento.”30
No que toca o idoso tem-se apenas a notícia da existência de um Plano de
Ação Internacional sobre o Envelhecimento, realizado em Viena, no ano de
1982.31
No Brasil, a Constituição da República dispõe que a família, a sociedade e
o Estado possuem o dever de amparar as pessoas idosas e assegurar sua
participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-
lhes o direito a vida, na forma do art. 230. Paralelamente, encontram-se em vigor
a Lei 8.842 de 1994 que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e a Lei 10.741
de 2003, o Estatuto do Idoso.
Esse último elege princípios que podem ser melhor averiguados no
processo de interpretação da Lei.
A discussão sobre princípios é relativamente recente, iniciada no segundo
quartel do século passado. Tem-se notado que as acepções acerca dos princípios
não se apresentam homogêneas, pois ainda se desenvolve um processo de
construção dos seus significados, cada vez mais apurados e sintetizados, o que não
exclui a importância da análise das primeiras manifestações a seu respeito.
28 PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”, p. 6, esclarece: “O texto original em inglês declara, expressamente: ‘In all actions concerning children, whether undertaken by public or private social welfare institutions, courts of law, administrative authorities or legislative bodies, the best interests of the child shall be a primary consideration.” 29 V., por todos, PEREIRA, Tânia da Silva. O “melhor interesse da criança”, p. 1-101, passim. 30 BARBOZA, Heloisa Helena. O estatuto da criança e do adolescente e a disciplina da filiação no código civil. In: O Melhor Interesse da Criança: Um Debate Interdisciplinar. Coordenadora: PEREIRA, Tânia da Silva. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.110-111. 31 Consoante informação de CARAMUTO, Maria Isolina Davobe. Los derechos de los ancianos. Madri/ Buenos Aires: Ciudad Argentina, 2002, p. 441.
73
Nesse sentido, observe-se uma de suas concepções pioneiras elaborada por
Larenz:
“Ocupámo-nos dos ‘princípios ético-jurídicos’ como critérios teleológico-objectivos da interpretação e em conexão com o desenvolvimento do Direito, atendendo a um tal princípio. Qualificámo-los de ‘pautas directivas de normação jurídica que, em virtude da sua própria força de convicção, podem justificar resoluções jurídicas’.”32 De modo extenso e exemplificativo continua a explanação:
“Alguns deles estão expressamente declarados na Constituição ou noutras leis; outros podem ser deduzidos da regulação legal, da sua cadeia de sentido, por via de uma ‘analogia geral’ ou do retorno a ratio legis; alguns foram ‘descobertos’ e declarados pela primeira vez pela doutrina ou pela jurisprudência, as mais das vezes atendendo a casos determinados, não solucionáveis de outro modo, e que se impuseram na ‘consciência jurídica geral’ graças a força de convicção a eles inerente.”33 E para finalizar, aduz-se que:
“Os princípios jurídicos não têm o caráter de regras concebidas de forma muito geral, às quais se pudessem subsumir situações de facto, igualmente de índole muito geral. Carecem antes, sem excepção, de se ser concretizados.[...] No grau mais elevado, o princípio não contém ainda nenhuma especificação de previsão e consequência jurídica, mas só uma ‘idéia jurídica geral’, pela qual se orienta a concretização ulterior como por um fio condutor.”34 A fim de distinguir princípios, regras e políticas e com embasamento na
moralidade, Dworkin elaborou a seguinte formulação acerca dos princípios:
“Denomino princípio um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade.”35 Adiante, tentando diferenciar princípios e regras, cuja formulação recebe
críticas contundentes,36 aponta-se para a dimensão de peso dos princípios:
32 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 5 ed. Tradução de: LAMEGO, José. Revisão de: FREITAS, Ana. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1983, p. 577. 33 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 577. 34 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 577-578. 35 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de BOEIRA, Nelson. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36. 36 Refere-se às críticas de ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 51-52: “...Há incorreção quando se enfatiza que os princípios possuem uma dimensão de peso. A dimensão de peso não é algo que esteja incorporado a um tipo de norma. As
74
“Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou política particular é mais importante que outra freqüentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é.”37 Parecem acertadas essas proposições assim como as de Larenz. Esse
último ressalta, corretamente, que os princípios estabelecem critérios teleológico-
objetivos da interpretação, que se apresentam como pautas diretivas a justificar
resoluções jurídicas. Aos princípios não se aplica o procedimento raso da
subsunção e eles se efetivam mediante sua concretização pelo intérprete.
Dworkin atrela aos princípios à moralidade e os considera padrões a
serem observados ressaltada sua condição de peso.
normas não regulam sua própria aplicação. Não são, pois, os princípios que possuem uma dimensão de peso: às razões e aos fins aos quais eles fazem referência é que deve ser atribuída uma dimensão de importância. A maioria dos princípios nada diz sobre o peso das razões. É a decisão que atribui aos princípios um peso em favor em função das circunstâncias do caso concreto. A citada dimensão de peso (dimension of weight) não é, então, atributo abstrato dos princípios, mas qualidade das razões e dos fins a que eles fazem referência, cuja importância concreta é atribuída pelo aplicador. Vale dizer, a dimensão de peso não é um atributo empírico dos princípios, justificador de uma diferença lógica em relação às regras, mas resultado de juízo valorativo do aplicador” E continua citando dois exemplos dos quais se destacará apenas um: “Dois exemplos talvez possam demonstrar que é o aplicador, diante do caso a ser examinado, que atribui dimensão de peso a determinados elementos, em detrimento de outros. O Supremo Tribunal Federal analisou hipótese em que o Poder Executivo, depois de prometer, por decreto, baixar a alíquota do imposto de importação, decidiu, simplesmente, majorá-la. Os contribuintes que haviam contratado, com base na promessa de redução da alíquota, insurgiram-se contra o desembaraço das mercadorias com a aplicação da alíquota majorada, sob o fundamento de que teria sido violado o princípio da segurança jurídica. A questão posta perante do Tribunal poderia ser resolvida de dois modos: primeiro, com a atribuição de maior importância ao princípio da segurança jurídica, para garantir a confiança do cidadão nos atos do Poder Público e, por conseqüência, vedar a aplicação de alíquotas mais gravosas para aqueles contribuintes que haviam celebrado contratos na expectativa de que a promessa fosse cumprida; segundo, com a atribuição de importância apenas ao fato gerador do imposto de importação, que ocorre no momento do desembaraço da mercadoria, em razão do quê, tendo sido a alíquota, dentro das atribuições do Poder Executivo, majorada antes da data de ocorrência do fato gerador, não teria havido qualquer violação ao ato jurídico perfeito. O Tribunal adotou a segunda hipótese de solução. Mas o que isso significa para a questão ora discutida? Significa que a dimensão de peso desse ou daquele elemento não está previamente decidida pela estrutura normativa, mas é atribuída pelo aplicador diante do caso concreto. Fosse a dimensão de peso um atributo empírico dos princípios, o caso ora examinado deveria ter sido necessariamente solucionado com base no princípio da segurança jurídica e na garantia de proteção ao ato jurídico perfeito – e não foi. Isso porque não são as normas jurídicas que determinam, em absoluto, quais são os elementos que deverão ser privilegiados em detrimento de outros, mas os aplicadores, diante do caso concreto.” 37 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério, p. 42-43.
75
Apesar de se entender que as regras também podem ser ponderadas, sabe-
se que não é isso que acontece comumente.38 Os princípios sim, na grande maioria
das vezes, são sopesados num juízo de proporcionalidade quando em colisão, por
isso, o critério do peso é válido para identificá-los tendo em mente, contudo, que
nenhuma proposição – no caso a de peso para os princípios – é absoluta. Sempre
se entendeu, na forma do jargão popular e consentido o trocadilho, que “toda regra
tem exceção”.
A crítica de Ávila não procede por tratar como absoluta a proposição de
Dworkin, mas principalmente por ressaltar várias vezes que “é o aplicador, diante
do caso a ser examinado, que atribui dimensão de peso a determinados elementos,
em detrimento de outros”. Ora, a doutrina faz suas construções e interpretações da
lei sem referir-se a casos concretos, pelo menos, a priori. Compreende-se que a
interpretação do Direito deve também se realizar em abstrato, afinal, sabe-se, há
muito, que a doutrina é fonte legítima do Direito.39
Eis a concepção de princípios proposta por Alexy:
“...Os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais senão também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos.”40 Essa formulação atribui aos princípios o caráter de mandamentos de
otimização, procedimento pelo qual se determina o valor ótimo de uma grandeza e
o faz jungindo-os não só às situações jurídicas existentes, que serão ponderadas
38 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 44- 45, onde o autor exemplifica muito bem seu raciocínio. 39 Nesse sentido também AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o código civil. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 1. Nº 1. Outubro/Dezembro de 1989, p. 40: “Quanto aos agentes da interpretação, ela diz-se judicial , quando feita pelos tribunais. Geralmente não se limita à interpretação do texto legal, mas, sim, à construção de uma decisão de um problema concreto. E doutrinária, se feita pelos cientistas do Direito. Neste caso, mais propriamente uma recomendação dirigida aos juízes, atribuindo a uma disposição um determinado significado.” 40 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Tradução de: VALDÉS, Ernesto Garzón. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid, 2002, p. 86. [Traduziu-se livremente do espanhol]
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com princípios e regras opostos, mas também às situações reais (fáticas),
aproximando-se, nesse pormenor, do entendimento de Ávila.
Importante contribuição brasileira tem sido feita por esse último, que
constrói, paulatinamente, seu conceito de princípios:
“... São normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da
realização de um fim juridicamente relevante.41” E adiante: “prescrevem um
estado ideal de coisas que só será realizado se determinado comportamento for
adotado”42 Mais adiante: Sua interpretação e aplicação “demandam uma avaliação
da correlação entre o estado de coisas posto como fim e os efeitos decorrentes da
conduta havida como necessária.”43
Para Ávila:
“Os princípios consistem em normas primariamente complementares e preliminarmente parciais, na medida em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão.”44 Nesse particular, dissente-se desse autor por não compreender que apenas
os princípios necessitam de outras razões para a tomada de decisão. “Um
enunciado lingüístico torna-se norma quando é lido e confrontado com o inteiro
ordenamento, em dialética com os fatos históricos concretos, com as relações
individuais e sociais.”45 E esse enunciado lingüístico pode ser tanto um princípio
quanto uma regra.
Em suma, parece que todas as proposições apresentadas contêm critérios a
direcionar o intérprete na visualização e na aplicação de um princípio, embora
nenhuma delas esteja imune a críticas ou se mostre absolutamente suficiente. Por
isso, frisa-se que a descrição de princípios é um processo em desenvolvimento
41 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 63. 42 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 64. 43 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 65. 44 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 68. 45 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 78.
77
pelos teóricos do Direito, embora sua interpretação e aplicação consista numa
realidade da qual o intérprete não pode se eximir.
Assim, com as diretrizes dadas pela doutrina, os aplicadores e intérpretes
do Direito, hão de encontrar os princípios e aplicá-los na interpretação do Direito.
Destinados especialmente a tutelar a pessoa idosa há três princípios
extraídos da interpretação teleológica e sistemática do Estatuto do Idoso
iluminada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Tratam-
se dos sub-princípios da proteção integral do idoso e da absoluta prioridade
outorgada ao idoso que conformam o princípio do melhor interesse do idoso.
O sub-princípio da proteção integral do idoso pode ser aferido pela
exegese do art. 2º do seu Estatuto que dispõe:
“O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação da sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.”46 Quer-se, com isso, que a pessoa idosa tenha não só oportunidades, mas
também facilidades para preservar sua saúde psicofísica, para se aperfeiçoar em
nível moral, intelectual, espiritual e social, para gozar de todos os seus direitos de
ser humano, com a proteção integral que emana de cada linha e entrelinha de seu
Estatuto, o qual, já de início, põe em relevo a liberdade e dignidade das pessoas
que vivenciam a terceira idade.
As oportunidades e facilidades atribuídas à pessoa idosa constam do seu
Estatuto como direitos fundamentais, portanto, como alicerces em que se edifica
sua proteção integral. São eles: o direito à vida, à liberdade ao respeito e à
dignidade, o direito aos alimentos, à saúde, à educação, à cultura, ao esporte e ao
lazer, o direito à profissionalização e ao trabalho, à previdência ou à assistência
social, à habitação e ao transporte.
Todos esses direitos são desenvolvidos ao longo do Estatuto de forma
peculiar, destinada exclusivamente ao idoso, de modo a tutelá-lo em suas
circunstâncias especiais. Ademais, a fim de protegê-lo integralmente, constam
estatuídas medidas gerais e específicas de proteção, bem como toda a política de
atendimento ao idoso que engloba disposições gerais, trata em capítulo específico
46 [Grifou-se]
78
das entidades de atendimento ao idoso, da sua fiscalização, das infrações
administrativas e sua apuração e da apuração judicial de irregularidades nas
entidades. Há também, no referido Estatuto, um Título exclusivo dedicado ao
acesso à justiça, em que são definidas as atribuições do Ministério Público para
com a pessoa idosa e a proteção judicial de seus interesses difusos, coletivos,
individuais indisponíveis ou homogêneos. Ao final, a Lei tipifica crimes
praticados especificamente contra a pessoa idosa e estabelece sansões penais aos
transgressores.
Observe-se que a tutela integral funciona como sub-princípio, pois
constitui critério teleológico-objetivo da interpretação a justificar a tomada de
decisões em benefício do idoso, possui dimensão de peso, a qual ganhará
relevância no sopesamento com outros princípios que com ele colidam, apresenta-
se na modalidade de comando de otimização, ou seja, ordena que a tutela integral
se realize na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e
fáticas dadas por um caso concreto ou formuladas em abstrato, envolvendo o
idoso. Ademais, possui como qualidade a determinação da realização de um fim
juridicamente relevante, qual seja, a proteção integral do idoso, que só será
realizada se adotado certo comportamento. Sua interpretação e aplicação
demandam avaliação da correlação entre o estado de coisas colocado como fim –
a tutela integral do idoso – e os efeitos decorrentes dessa conduta tida como
necessária, isto é, a efetividade do princípio na prática.
Acentua-se que o sub-princípio da proteção integral do idoso encontra-se
inserido num ordenamento jurídico, que, por sua vez, deve ser considerado um
sistema, pois a função do sistema faz-se necessária.47 “A unidade interna não é um
dado contingente, mas, ao contrário, é essencial ao ordenamento, sendo
representado pelo complexo de relações e de ligações efetivas e potenciais entre
normas singulares e entre os institutos.”48 Torna-se indispensável, portanto, a
averiguação do sentido e alcance desse sub-princípio no direito civil pátrio, cujas
disposições referentes às pessoas idosas não se esgotam no âmbito do seu
Estatuto.
47 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 78. 48 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 78.
79
À guisa de exemplificação, põe-se em análise o art. 1.641 do Código Civil
que disciplina, em seu inciso II, que “é obrigatório o regime da separação de bens
no casamento de pessoa maior de 60 (sessenta) anos”
Essa regra possui conteúdo aviltante, de caráter altamente discriminatório
das pessoas maiores de sessenta anos. Ela prima por proteger o idoso na esfera
patrimonial, desconsiderando sua capacidade de fato e seus direitos de
personalidade. Por que pensar que o idoso precisa desse tipo de tutela se ele é
absolutamente capaz para todos os atos da vida civil que englobam tanto situações
jurídicas patrimoniais como existenciais? O casamento, na forma do art. 1.511 do
Código Civil estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de
direitos e deveres dos cônjuges. Por que tal comunhão, a partir dos sessenta anos
de um dos cônjuges ou de ambos não pode se estabelecer também, segundo a
vontade do casal, em relação aos seus bens patrimoniais? 49
O Código de 1916 já legislava no sentido de que a mulher maior de
cinqüenta anos e o homem maior de sessenta se casassem compulsoriamente pelo
regime da separação total de bens. Compreendiam alguns, que nessa altura da vida
o patrimônio de um ou de ambos os nubentes já estaria consolidado e que o
conteúdo patrimonial do casamento deveria ser peremptoriamente afastado. A
rigor, temia-se que a pessoa de mais idade se prejudicasse financeiramente
contraindo núpcias com uma jovem, caso pudesse escolher outro regime de bens
para seu casamento.50
O fato é que o Código atual repete o erro de julgar que o Estado deve
intervir tão violentamente na liberdade dos idosos, homens ou mulheres.51
49 Nesse sentido, TJSP. Apelação Cível nº 007.512-4/2-00, 2ª Câmara Cível, julgada em 18.08.1998. Desembargador relator: César Peluso. Publicada na RT nº 758, 1998, p. 106 e seguintes, onde se destacou que a disposição do Código Civil vigente na época, ainda o de 1916, agredia um dos fundamentos da República, qual seja, a dignidade da pessoa humana: “... Estaria ainda, a legitimar e perpetuar verdadeira degradação, a qual, retirando-lhe o poder de dispor do patrimônio nos limites do casamento, atinge o cerne mesmo da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República (art. 1º, inc. III, da Cf), não só porque decepa e castra no seu núcleo construtivo de razão e vontade, na sua capacidade de entender e querer, a qual, numa perspectiva transcendente, é vista como expressão substantiva do próprio ser, como porque não disfarça, sob as vestes grosseiras do paternalismo incestuoso, todo o peso de uma intromissão estatal em matéria que respeita, fundamentalmente, à consciência, intimidade e autonomia do cônjuge.” 50 Cf. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família, p. 175. 51 Nesse sentido, RODRIGUES. Silvio. Direito civil: direito de família. 27 ed. Vol. 6. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 183.
80
A regra em comento contraria o sub-princípio da proteção integral do
idoso, pois protegê-lo consiste também em respeitá-lo nas decisões acerca de sua
vida privada. A proteção integral do idoso, na forma do art. 2º de seu Estatuto,
condiz expressamente com a “preservação da sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social em condições de liberdade e
dignidade”, de modo a tutelar também a integridade psíquica do idoso, conteúdo
de seu direito à saúde.52
Mesmo que a pessoa idosa se relacione com alguém que possa se apoderar
de sua fortuna é direito de toda pessoa ter liberdade para decidir como quer se
casar. Retiram da pessoa idosa tanto a liberdade quanto a dignidade,
despersonalizando-a, se lhe tratam como uma incapaz de conduzir suas escolhas.53
Nesse caso, inclusive, incide a normativa constitucional, hierarquicamente
superior, que institui, como objetivo fundamental da República, a promoção do
bem de todos, sem preconceitos de idade, na forma do art. 3º, inciso IV, tornando
o art. 1.641, inciso II, do Código Civil inválido, posto que inconstitucional.54
Mesmo que não fosse assim, o sub-princípio da proteção integral do idoso
teria maior peso numa interpretação sistemática do Código Civil e do Estatuto do
52 A tendência do direito civil na pós-modernidade é de se personalizar e de se despatrimonializar, logo, o art. 1.641, inciso II do Código Civil situa-se na contramão desse processo evolucionista. Como observa AMARAL, Francisco. O direito civil na pós-modernidade. In: Revista Brasileira de Direito Comparado. Nº 21, 2002, p. 16 e 17: “...O que ocorre no direito que permita afirmar a superação do paradigma da modernidade? [...] a personalização do direito civil, no sentido da crescente importância da vida e da dignidade da pessoa humana, elevada á categoria de princípio fundamental da Constituição, donde o reconhecimento de um novo e importante ramo jurídico, o dos direitos da personalidade, direitos fundamentais ou humanos, que ‘constituem o núcleo das Constituições dos sistemas jurídicos contemporâneos.” 53 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 342: “É preciso distinguir a hipótese de exclusiva importância da idade, que é aquela a qual se pretende referir, da hipótese na qual à idade se junta um estado psicofísico patológico e como tal apto a influenciar as capacidades “normais”. Assim como a menoridade não é sinônimo de ausência de doença, assim também a regra da idade senil não é sinônimo de doença e, portanto, de deficiência. Esta acaso exista introduz problemas bem mais graves, os quais, todavia prescindem da idade da pessoa. A partir do pressuposto de que somente o decurso do tempo, especialmente em referência a cada ato ou atividade, não influencia automaticamente no sentido negativo a capacidade natural normal, faz-se necessário rever as soluções legislativas que, presumindo a decadência da pessoa em razão da idade – inspiradas na verdade na necessidade de realizar uma renovação com pessoas mais jovens – tiveram a pretensão de parecerem normas construídas no interesse dos idosos. Essas normas freqüentemente propõem estatutos de favorecimento ou de desfavorecimento irracionalmente lesivos ao princípio da igualdade.” [ traduziu-se livremente do italiano] 54 BOBBIO. Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de: DE CICCO, Cláudio e SANTOS, Maria Celeste C. J. São Paulo: Polis, 1989, p. 93: “O critério hierárquico (para solução de antinomias), chamado também de lex superior, é aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: lex superior derogat inferiori”
81
Idoso, primeiro, porque consta de Lei posterior ao Código, segundo e,
principalmente, porque se trata de Lei especial, destinada nomeadamente a
proteger a pessoa idosa das agressões atentatórias à sua dignidade, ainda que
previstas em outra Lei ordinária.55
Considera-se, pois, que a regra do inciso II, do art. 1.641 do Código Civil é
inválida e ineficaz, por contrariar princípio extraído do Estatuto do Idoso que
reflete por todo ordenamento jurídico, onde quer que esteja em xeque a proteção
integral do idoso e pela sua patente inconstitucionalidade.56
Pior para o idoso é o dispositivo constitucional que o discrimina na forma
do art. 40, § 1º, inciso II, ao prescrever que, quando servidor público, terá de se
aposentar, compulsoriamente, aos setenta anos, com proventos proporcionais ao
tempo de contribuição.57 Embora prevista na Constituição parece que essa regra é
materialmente inconstitucional.58
Apesar de se saber que o dispositivo infraconstitucional não tem o condão
de se sobrepor a uma regra da Constituição, considera-se que, o advento do
Estatuto do Idoso, com todo seu arcabouço axiológico de proteção integral,
certamente auxilia o intérprete a não aplicar tal regra preconceituosa em face do
idoso que queira e tenha condições físicas e psíquicas de continuar seu trabalho no
serviço público.59 Cabe assinalar, antes de tudo, que o sub-princípio da proteção
55 BOBBIO. Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, p. 95 e 96: “O terceiro critério (para solução de antinomias), dito justamente da lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda: lex specialis derogat generali.” 56 Cf. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 414. 57 Em sentido contrário FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Curso de direito constitucional. 31 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 236: “ Note-se que nos dois primeiros casos – invalidez e setenta anos de idade –, a aposentadoria tem um caráter tipicamente previdenciário. Visa a pôr o servidor ao abrigo da necessidade, dando-lhe condições materiais de vida.” 58 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 342-343: “Se nosso sistema não é fundamentado na ociosidade e garante a todos o trabalho, que afinal representa um modo de realizar a própria personalidade, para sentir-se vivo e socialmente útil, grande parte da legislação que põe limites de idade inflexíveis seja para o acesso ao trabalho seja para a aposentadoria (limites inspirados exclusivamente na idade e não em outros fatos eventualmente concorrentes) é suspeita de inconstitucionalidade.” [traduziu-se livremente do italiano] 59 Assevera AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o código civil. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 1. Nº 1. Outubro/Dezembro de 1989, p. 42: “A interpretação conforme os princípios, que pode ser simultânea com outras modalidades, implica, portanto, a passagem da ratio legis à ratio júris, isto é, do sentido da norma legal aos sentidos dos
82
integral do idoso é expressão do princípio da dignidade da pessoa humana, na
peculiar condição de envelhecida, previsto no art. 1º, inciso III, da norma
constitucional. O princípio da proteção integral do idoso também se coaduna com
a condenação de toda forma de discriminação bem como com o já citado art. 3º,
inciso IV, também da Constituição e de cunho fundamental, que se refere, de
maneira específica, a promover o bem de todos sem preconceitos de idade.
Sopesando toda a normativa principiológica apontada com a regra do art. 40, § 1º,
inciso II, torna-se forçoso concluir que os princípios terão proeminência num
juízo de ponderação. Assim, “normas que realizam diretamente direitos
fundamentais dos indivíduos têm preferência sobre normas relacionadas apenas
indiretamente com os direitos fundamentais” num juízo de ponderação. 60
Para arrematar, assevera-se que:
“... As leis especiais não são mais consideradas atuativas dos princípios codicísticos, mas daqueles constitucionais, elas não podem ter lógicas de setor autônomas ou independentes das lógicas globais do quadro constitucional; elas devem ser sempre concebidas e conhecidas obrigatoriamente no âmbito do sistema unitariamente considerado.”61 Essa assertiva serve tanto para corroborar o raciocínio desenvolvido acerca
da extensão do sub-princípio da proteção integral do idoso como também do sub-
princípio da absoluta prioridade assegurada ao idoso, que se passa a analisar.
O art. 3º do Estatuto do Idoso assevera que:
“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito à convivência familiar e comunitária.”62
fundamentos do próprio sistema, isto é, os princípios jurídicos. Ocorrendo contradição entre estes e as normas do sistema, uma contradição entre a norma e seu fundamento normativo (o princípio-fundamento), suscita-se duas soluções diversas. Uma primeira de correção da norma, conforme aos princípios. A norma deve adequar-se ao princípio. Uma segunda solução, no caso da norma ser claramente contraditória ou oposta aos fundamentos axiológicos que o princípio representa, deve preferir-se a ratio iuris à ratio legis. Há, assim, uma preterição de superação da norma, pois os fundamentos normativos (os princípios jurídicos) devem prevalecer contra os critérios jurídicos positivados (as normas).” 60 DE BARCELLOS. Ana Paula. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 235. 61 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 79. 62 Observe-se que a absoluta prioridade funciona como sub-princípio, pois constitui critério teleológico-objetivo da interpretação a justificar a tomada de decisões em benefício do idoso,
83
Com tal disposição evidencia-se que a pessoa idosa faz jus não só à
proteção integral antes referida, mas também à tutela prioritária, que o coloca em
situação preferencial na efetivação de direitos fundamentais de todos os seres
humanos.63 Veja-se que a absoluta prioridade atribuída ao idoso acarreta
obrigações para sua família, para a comunidade e a sociedade em que se insere e
para o Poder Público.
Nesse sentido, o Estatuto traça metas a ser levadas a cabo por cada uma
dessas instituições na forma do parágrafo único do mesmo art. 3º, o qual
determina: “a garantia de prioridade compreende”:
“I – atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos
públicos e privados prestadores de serviço à população;” significa que a pessoa
idosa gozará de atendimento privado ou público, incluindo concessionários e
permissionários do serviço público, com absoluta primazia64 e de maneira rápida.
Nos casos em que houver necessidade, considerando as condições psicofísicas do
indivíduo, pode-se dizer que o atendimento deve ser instantâneo, e mais,
individualizado, ou seja, a distinguir o idoso de acordo com as sua especialidades
intrínsecas. Por exemplo: em caso de emergência ou urgência numa internação
hospitalar em que concorram um velho e um jovem, o velho usufruirá
primeiramente do serviço com a agilidade que sua penúria ensejar, levando em
conta o contexto particularíssimo de sua idade avançada que demanda cuidados
peculiares.65
possui dimensão de peso, a qual ganhará relevância no sopesamento com outros princípios que com ele colidam, apresenta-se na modalidade de comando de otimização, ou seja, ordena que a absoluta prioridade se realize na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas; dadas por um caso concreto ou formuladas em abstrato envolvendo o idoso. Ademais, possui como qualidade a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, qual seja, a absoluta prioridade atribuída ao idoso, que só será realizada se adotado certo comportamento. Sua interpretação e aplicação demandam avaliação da correlação entre o estado de coisas colocado como fim – a absoluta prioridade do idoso – e os efeitos decorrentes dessa conduta tida como necessária, isto é, a efetividade do princípio na prática. 63 Crianças e adolescentes gozam da mesma tutela prioritária como adiante se desenvolverá. 64 RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado, p. 17. 65 Ressalte-se que o Estatuto do Idoso inova ao atribuir esse tipo de prioridade ao ser humano de idade adiantada, pois a observação que se fazia antes da sua vigência era outra na seara médica. Cf. PAPALÉO NETTO. Matheus. O estudo da velhice no século XX: histórico, definição do campo e termos básicos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 4: “A política de desenvolvimento que domina as sociedades industrializadas e urbanizadas sempre teve mais
84
“II – preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas
específicas;” o que leva a entender que as políticas traçadas pela Política Nacional
do Idoso e por seu Estatuto não se exaurem. Outras devem ser implementadas por
meio do comando legislativo federal, estadual e municipal em categoria de
prelação tanto na formulação quanto na execução.
“III – destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas
com a proteção do idoso;” o que já retrata, além do fragmento de um princípio,
uma política pública em seu favor. Dessa forma, o orçamento da União, dos
Estados e dos Municípios deverá destinar, impreterivelmente, verbas públicas
para hospitais, clínicas, farmácias, escolas, entidades de atendimento, entidades de
entretenimento e cultura, entre outros estabelecimentos desse jaez que visem a
proteger, no sentido mais alargado dessa palavra, a pessoa idosa, especialmente à
pobre e desamparada.
“IV – viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e
convívio do idoso com as demais gerações;” no sentido de incentivar a socialidade
do idoso tanto nas relações familiares e comunitárias, como também nas relações
sociais que pode e deve cultivar nos ambientes públicos e privados. Devem ser
criadas, para tanto, novas opções para que a pessoa idosa possa desenvolver sua
sociabilidade e se integrar às gerações mais jovens.
“V – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em
detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de
condições de manutenção da própria subsistência;” o que implica solidariedade da
família já que se refere à pessoa que necessita de atendimento, ou seja, que
sozinha não pode ministrar sua existência. Esse inciso leva em consideração que
estão mais preparados para acolher o idoso aqueles que com ele possuem laços
afetivos, ao invés dos dotados de melhores capacidades profissionais. Sobressai o
valor do afeto e a oportunidade de a pessoa idosa continuar vivendo em seu lar, ao
lado de seus móveis e utensílios domésticos, os quais ajudam a manter uma
sensação de aconchego e até de conforto espiritual.66 Ressalva-se, contudo, a
permanência domiciliar do ancião que precisa de atendimento e não possui família interesse na assistência materno-infantil e dirigida aos jovens. O investimento numa criança tem o retorno potencial de 50 a 60 anos de vida produtiva, enquanto cuidados médico-sociais direcionados à manutenção de uma vida saudável de um idoso não podem ser encarados como investimento.” 66 RAMAYANA. Marcos. Estatuto do idoso comentado, p. 18.
85
para provê-lo bem como dos que a possuem, mas são tão pobres que não possuem
condições de manter sua sobrevivência.
Para os que não possuem família a solução apontada parece correta, o que
não se pode dizer a respeito do idoso que, embora não tenha recursos para se
manter, houver família suficientemente abastada. A não ser que se queira dizer
que é a família que não dispõe de condições econômicas para cuidar do idoso,
perspectiva não visualizada a partir da dicção do preceito, parece que num direito
personalista, em que o ser vale mais que o ter, no sentido de despatrimonializar e
repersonalizar as relações familiares,67 não exista espaço para que o Estado deixe
aos cuidados de uma entidade pública, pessoa envelhecida que possua
comunidade familiar.68
“VI – capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de
geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos;” para que haja mais
pessoal qualificado para atender o idoso em diversos espaços sociais e nos
ambientes de específica prestação de serviços aos idosos, considerando, antes de
tudo, a preservação de sua capacidade funcional.69
“VII – estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de
caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento;” a fim de
possibilitar que tanto as pessoas da terceira idade quanto as demais que compõem
a sociedade, se esclareçam acerca das vicissitudes biológicas, psíquicas e sociais
do envelhecimento por meio de cursos, cartilhas, informações por meio da
67 Cf. FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família do novo milênio: uma reflexão crítica sobre as origens históricas e as perspectivas do direito de família brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 11-13. 68 No sentido de valorização da pessoa nas relações familiares tuteladas pelo Estado, BARBOZA, Heloisa Helena. O direito de família brasileiro no final do século XX. In: A Nova Família: Problemas e Perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 105: “Paralelamente a todas essas inovações, de igual ou maior importância, foi a ampliação do papel do Estado, a quem incumbe, além da função de proteção à família, o dever de assegurar-lhe assistência, na pessoa de cada um dos que a integram, deslocando o objeto de sua atenção para o indivíduo, em lugar da comunidade familiar.” [grifou-se] 69 RAMOS, Luiz Roberto. Epidemologia do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 77-78: “A manutenção da capacidade funcional é, em essência, uma atividade multiprofissional para a qual concorrem médicos, enfermeiras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e assistentes sociais. A presença destes profissionais da rede de saúde deve ser vista como prioridade. No entanto, para que a atenção ao idoso possa se realizar em bases interprofissionais, é fundamental que se estimule a formação de profissionais treinados, através da abertura de disciplinas nas universidades, de residências médicas e de linhas de financiamento a pesquisas que identifiquem a área da geriatria e gerontologia.” [Grifou-se]
86
imprensa, da internet, entre outros órgãos de informação em massa. O que é
desconhecido não sensibiliza e nem atrai maiores interesses.
“VIII – garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência
social locais.” O que se visa é tornar certo, seguro, o acesso do idoso à rede de
serviços de saúde e de assistência social locais. Quanto ao acesso, verificam-se
duas formas de apreciá-lo e ambas estão contidas no teor do enunciado normativo.
Em primeiro lugar, deve ser assegurado ao idoso o atendimento de sua saúde e
disponibilizada assistência social em seu benefício no local onde resida. Em
segundo, o idoso tem que ter condições de acesso, no sentido de condição de
transitar rumo a esses locais, pois é sabido que os velhos mais velhos possuem,
muito freqüentemente, alguma dificuldade de locomoção.
Enfim, cabe registrar que cada um desses preceitos individualiza a pessoa
idosa no sentido de lhe garantir prioridade em vários setores da sua vida pública e
privada, mas não compõem um rol limitativo. A fim de cumprir o preceito do
caput do art. 3º, outras ações que se mostrarem necessárias para afiançar a
absoluta prioridade outorgada ao idoso devem ser desenvolvidas por políticas
públicas, pelo legislador, pela doutrina e pelos tribunais.
Diante de todo o exposto, cumpre nessa altura demonstrar que o sub-
princípio da proteção integral jungido ao sub-princípio da absoluta prioridade
consubstanciam um só princípio: o do melhor interesse do idoso.
Isso ocorre porque os princípios “precisam, para a sua realização, de uma
concretização através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo
material próprio.”70 Mas o princípio do melhor interesse do idoso “é antes a ideia
directiva que serve de base a todos estes sub-princípios e lhes indica a direcção,
não podendo explicar-se esta ideia directiva de outro modo senão aduzindo os
seus subprincípios e princípios jurídicos gerais concretizadores na sua conjugação
plena de sentido.”71
70 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Tradução de: CORDEIRO, Antonio Menezes. Lisboa: Calouste Gulbenkian. 1989, p. 87. Observe-se que Canaris faz alusão aos princípios gerais do direito, com os quais não se está a trabalhar, pois se opera com princípios de uma lei especial como norteadores de um sistema que refletem os conteúdos valorativos constitucionais. De todo modo, sua construção permite compreender o sentido de sub-princípios também nesse caso. 71 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, p. 579, em que o autor dá, também, um exemplo de princípio e sub-princípios: “Tomemos o princípio do Estado de Direito. Nele contém-se, sem dúvida, uma série de subprincípios, como, por exemplo, a legalidade da administração, a vinculação também do legislador a certos direitos fundamentais, a independência dos juízes, o
87
Assim, da mesma forma que a proteção integral e absoluta prioridade
compõem o princípio do melhor interesse do idoso, este indica a direção dessa
proteção e dessa prioridade, num movimento de junção de significados que gera
uma acepção compatibilizada: a pessoa idosa faz jus à tutela integral e prioritária
de acordo com seu melhor interesse.
Assim, os artigos 2º e 3º do Estatuto fazem menção indireta ao princípio
do melhor interesse e o art. 4º subseqüente o contém implicitamente ao dispor:
“Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. § 1.º É dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso.[...]” Pelo princípio do melhor interesse do idoso não se pode imaginar, em
nenhuma hipótese, seja ele negligenciado ou discriminado por sua família, pelo
Estado ou pela sociedade. Todavia, pesquisas apontam que a forma de violência
mais descrita pelos próprios idosos, é o preconceito contra a velhice. 72 Essa
situação merece ser combatida pelo Poder Público, pela família, pela sociedade,
pelos profissionais da saúde, da área social e do direito.
Ao invés de preconceito, a pessoa idosa faz jus a um cuidado distinto,
“como um fundamento que nos possibilita dotar a existência humana do seu
caráter essencialmente humano.”73 “... Cuidado significa desvelo, solicitude,
diligência, zelo, atenção, bom trato e, assim, o ato de cuidar pode ser entendido
como uma atividade constante de ocupação, preocupação, responsabilidade,
envolvimento e ternura para com o semelhante”74 idoso. Em questão de saúde, já
direito de acesso à justiça, a proibição de intromissões arbitrárias no status jurídico do indivíduo e a proibição da retroactividade das leis desvantajosas.” 72 MACHADO, Laura e QUEIROZ, Zally V. Negligência e maus tratos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p.791-797. 73 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Janete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: Nau, 2004, p. 274. 74 LEMOS, Naira e MEDEIROS, Sônia Lima. Suporte social ao idoso dependente. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 892.
88
há precedente jurisprudencial que enaltece o cuidado para com o idoso como um
postulado de importante valor jurídico:
“Obrigação de fazer. Paciente portador de seqüelas de Acidente Vascular Cerebral – AVC , necessitando utilizar continuamente fraldas geriátricas descartáveis, tendo em vista seu precário estado de deficiência física e mental. A sentença julgou procedente o pedido, condenando os réus ao fornecimento requerido ou qualquer outro insumo ou medicamento que se fizer necessário ao tratamento da doença apresentada pelo autor, desde que comprovada a necessidade através de atestado médico e condenando a Municipalidade ao pagamento de honorários advocatícios. Inconformismo do Município do Rio de Janeiro, alegando ser a condenação genérica e incerta.Entendimento desta Relatora no sentido de se tratar de paciente idoso, contando atualmente com 90 (noventa) anos de idade, portador de graves seqüelas relativas ao AVC, que não tem condições financeiras para arcar com a sua necessidade de utilizar fraldas geriátricas. O ilustre Magistrado singular, agiu com bastante sensibilidade e lucidez ao garantir ao apelado o suprimento de qualquer outra necessidade que o mesmo venha a ter com relação ao tratamento da doença apresentada, a fim de que o mesmo não tenha que vir postular em juízo outras necessidades relativas ao seu estado gravíssimo de saúde, denotando ter levado em consideração o postulado do cuidado atinando para o seu relevante valor jurídico. Inexistência de caráter genérico e incerto da sentença, eis que a condenação vinculou que o atendimento das necessidades autorais se dê, especificamente, ao tratamento das seqüelas do AVC, exigindo, ainda, comprovação através de atestado médico. NEGATIVA DE SEGMENTO AO APELO, manifestamente inadmissível, na forma do art. 557, caput do CPC e CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA, no reexame necessário, nos termos do artigo 31, inciso VIII do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça e da Súmula nº 253 da Corte Superior.”75 Defende-se ainda que o valor jurídico do cuidado para com a pessoa idosa
é informado pelo princípio do seu melhor interesse.
Da mesma forma, já se considerada um problema de saúde pública,
identificado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), qualquer tipo de
violência, crueldade ou opressão contra o idoso. A pessoa idosa faz jus à tutela
integral e prioritária, segundo o princípio do seu melhor interesse, o qual não
condiz com ação única, repetida, ou ausência dela quando devida, vivenciada
numa relação em que haja expectativa de confiança do idoso e que acabe por lhe
causar sofrimento e angústia.76 Repita-se, que todo atentado aos direitos do idoso,
por ação ou omissão, será punido na forma da Lei e que é dever de todos prevenir
tal ameaça ou violação aos direitos do idoso, de acordo com o princípio do seu 75 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.00167. Apelante: Município do Rio de Janeiro. Apelado: José Ribeiro da Conceição. Relatora: Desembargadora Conceição A. Mousnier. Julgada em: 31.05.2006. 76 MACHADO, Laura e QUEIROZ, Zally V. Negligência e maus tratos. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 791.
89
melhor interesse. Essas asserções são corroboradas pelo Estatuto do Idoso que, no
capítulo destinado à disciplina do direito fundamental à saúde da pessoa idosa
dispõe em seu art. 19:
“Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra ao idoso serão obrigatoriamente comunicados pelos profissionais de saúde a quaisquer dos seguintes órgãos: I – autoridade policial; II – Ministério Público; III – Conselho Municipal do Idoso; IV – Conselho Estadual do Idoso: V – Conselho Nacional do Idoso” Observe-se que o parágrafo segundo do art. 4º do Estatuto do Idoso faz
menção aos princípios adotados pela Lei, nos seguintes termos: “As obrigações
previstas nesta Lei não excluem da prevenção outras decorrentes dos princípios
por ela adotados.”
Tratam-se, nessa referência aos princípios adotados pela Lei, do princípio
do melhor interesse e dos sub-princípios da proteção integral e prioritária do
idoso, a iluminar toda interpretação dessa legislação e de outras afins. Tais
princípios possuem a capacidade de prever outras obrigações decorrentes do seu
conteúdo de valor, cujas formulações serão desenvolvidas pela doutrina e pelos
poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. “Não se pode proteger de modo
adequado o direito de envelhecer com um elenco de hipóteses, ainda que
enunciativo.”77
O princípio do melhor interesse do idoso nasce a partir de uma
interpretação analógica de seu conteúdo dogmático-normativo com os conteúdos
da mesma estirpe de proteção à criança e ao adolescente. É imperioso relembrar
que o princípio do melhor interesse da criança consta de uma Convenção
Internacional ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 99.710 de 1990, e que
constitui um princípio constitucional em vigor no ordenamento jurídico pátrio, em
consonância com o disposto no art. 5º, parágrafo 2º da Constituição da República
que dispõe: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”78
77 BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso, p. 70. 78 Grifou-se.
90
Princípios são normas e é sabido que se “procederá à aplicação analógica
das normas quando estas não contemplem uma hipótese específica, mas regulem
outra semelhante entre elas que se aprecie identidade de razão.”79
Se o ordenamento jurídico brasileiro acolhe o princípio do melhor
interesse da criança, também deve encampar, por analogia, o mesmo princípio a
favorecer o idoso, pois a razão de o menor necessitar de um princípio
especialíssimo, em razão de sua tenra idade, é o mesmo atribuído às pessoas de
idade muito adiantada. A vulnerabilidade em virtude da idade é comum entre
crianças, adolescentes e idosos, por isso, a tutela especial dessas faixas etárias
tem, guardadas as devidas proporções, a mesma razão de ser.80
Assim, se o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e o
princípio do melhor interesse do idoso são análogos, porque compartem a mesma
característica, qual seja, a vulnerabilidade dessas pessoas em razão da idade, tal
relação pode expressar-se também assim: o princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente existe e é válido porque crianças e adolescentes são
vulneráveis, como o princípio do melhor interesse do idoso existe e é válido,
porque os idosos são vulneráveis.81
79 Trata-se de ensinamento de RODRÍGUEZ. Manuel Atienza. Sobre la analogia em el derecho: ensayo de análisis de um razonamiento jurídico. Madrid: Civitas, 1986, p. 26. O autor também cita um exemplo de analogia: “As relações que se dão entre uma companhia de barcos de vapor e seus passageiros, que tenham tomado camarotes para sua comodidade durante a viagem, não difere em nenhum aspecto essencial da que se dá entre o hoteleiro e seus hóspedes. (...) As duas relações, se bem que não são idênticas, apresentam uma analogia tão estreita que deveria ser-lhes de aplicação a mesma regra de responsabilidade. Somos da opinião, por conseguinte, de que o demandado deveria verdadeiramente ser considerado como responsável pelo dinheiro roubado ao demandante, sem necessidade de prova alguma de negligência.” [Traduziu-se livremente do espanhol] 80 RODRÍGUEZ. Manuel Atienza. Sobre la analogia em el derecho: ensayo de análisis de um razonamiento jurídico, p. 29: “Quando os juristas falam de analogia, querem referir-se por comum a um procedimento argumentativo que permite transladar a solução prevista para um caso, a outro distinto, não regulado pelo ordenamento jurídico, mas que se assemelha ao primeiro enquanto que comparte com aquele certas características essenciais ou bem – para empregar a solução clássica recolhida pelo Código Civil espanhol – a mesma razão (eadem ratio). [Traduziu-se livremente do espanhol] 81 RODRÍGUEZ. Manuel Atienza. Sobre la analogia em el derecho: ensayo de análisis de um razonamiento jurídico, p. 35. “... A relação de analogia pode formular-se sempre como uma analogia de relações: se dois conceitos ou os objetos denotados pelos mesmos, por exemplo, dois casos jurídicos, A e B, são análogos porque compartem a característica x, dita relação pode expressar-se também assim: A está para x como B está para x. [Traduziu-se livremente do espanhol]
91
Mais: o princípio do melhor interesse do idoso não se reduz a um princípio
setorial, aliás, “as denominadas ‘orientações setoriais’ nem sempre são eficientes
para a tutela da personalidade e dos direitos fundamentais da pessoa humana”82 .
Logo, o princípio de que se trata, é expressão do princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana considerada em suas peculiaridades. Em outras
palavras, “o princípio do melhor interesse do idoso, de base constitucional, é
consectário natural da cláusula geral de tutela da pessoa humana e, por excelência,
fonte da proteção integral que é devida ao idoso.”83
Entende-se que o princípio do melhor interesse do idoso é recepcionado
pelo art. 5º, § 2º da Constituição, no sentido de que os direitos e garantias
expressos nela não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, recebendo, pois, a natureza de fundamental.
O direito à proteção integral, com absoluta prioridade e segundo o
princípio do melhor interesse é garantido pela Constituição na medida em que o
idoso é pessoa mais vulnerável que outras de diferente faixa etária, e seu
tratamento especial decorre do princípio constitucional da dignidade conferido à
pessoa humana. Essa dignidade faz urgente interpretar o direito a partir de um
olhar acerca das diferenças, possibilitando a convivência de distintas gerações
com o conhecimento do que as aproxima e afasta, preservando, antes de tudo, a
pessoa em sua situação singular. Destarte, “não existe um número fechado de
hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles
colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas”84, como a colisão de
interesses de pessoas idosas com outros interesses de crianças e adolescentes,
situação na qual haverá necessidade de uma minuciosa ponderação.
O princípio do melhor interesse do idoso apresenta-se como princípio
porque constitui critério teleológico-objetivo da interpretação a justificar a tomada
de decisões em benefício do idoso, possui dimensão de peso, a qual ganhará
relevância no sopesamento com outros princípios que com ele colidam, apresenta-
se na modalidade de comando de otimização, ou seja, ordena que o melhor
interesse se realize na maior medida possível, de acordo com as possibilidades 82 BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso, p. 70. 83 BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso, p. 57. 84 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 156.
92
jurídicas e fáticas; essas dadas por um caso concreto ou abstrato envolvendo o
idoso. 85
O princípio analisado possui como qualidade a determinação da realização
de um fim juridicamente relevante, qual seja, o melhor interesse do idoso, que só
será realizado se adotado certo comportamento. Sua interpretação e aplicação
demandam avaliação da correlação entre o estado de coisas colocado como fim –
o melhor interesse do idoso – e os efeitos decorrentes dessa conduta tida como
necessária, isto é, a efetividade do princípio na prática.
3.3 Análise Comparativa dos Princípios Assegurados à Criança, ao Adolescente e ao Idoso no Ordenamento Jurídico Brasileiro
A Constituição da República de 1988 tratou, no seu Capítulo VII, da
família, da criança do adolescente e do idoso.
“A família, no direito positivo brasileiro, é atribuída proteção especial na medida em que a Constituição entrevê o seu importantíssimo papel na promoção da dignidade da pessoa humana. Sua tutela privilegiada, entretanto, é condicionada ao atendimento desta mesma função. Por isso mesmo, o exame da disciplina jurídica das entidades familiares depende da concreta verificação do entendimento desse pressuposto finalístico: merecerá tutela jurídica e especial proteção do Estado a entidade familiar que efetivamente promova a dignidade e a realização da personalidade de seus componentes.”86 A fim de garantir a dignidade e a realização dos componentes mais
vulneráveis da família, a Constituição tratou de valorizá-la não como simples
instituição, mas como núcleo de tutela dos seus integrantes.87 Dentre eles,
encontram-se em situação de vulnerabilidade especial crianças, adolescentes e
idosos. Por isso, os princípios lhes assegurados em nível constitucional e
infraconstitucional serão objeto de análise.
85 BARBOZA, Heloisa Helena. O princípio do melhor interesse do idoso, p. 70: “Tome-se como exemplo o idoso em ‘situação de risco’ (art. 43, Lei 10.741/03), que resulta dentre outras causas do ‘abuso da família’ ou da ‘condição pessoal’ do idoso. A fórmula legal contém conceitos indeterminados e sua interpretação diante do caso concreto deverá atender não só as diretrizes fixadas pela lei, como (e principalmente) o melhor interesse do idoso, para que se efetive a proteção integral que lhe é assegurada pelo Estatuto.” 86 TEPEDINO, Gustavo. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família não fundada em matrimônio. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 326-327. 87 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 350.
93
Para comparar os princípios assegurados às crianças, aos adolescentes e
aos idosos foram formuladas as seguintes variáveis:
1ª. As disposições constitucionais, que se subdividem em: a. atribuições
constitucionais especiais em virtude da vulnerabilidade, b. o princípio do melhor
interesse das crianças dos adolescentes e dos idosos, c. o sub-princípio da absoluta
prioridade de crianças e adolescentes em nível constitucional, d. o direito à
acessibilidade como expressão do princípio do melhor interesse das crianças dos
adolescentes e dos idosos, e. o direito ao cuidado como expressão do princípio do
melhor interesse das crianças dos adolescentes e dos idosos;
2ª. As disposições infraconstitucionais, que se subdividem em: a. das
legislações específicas em função da vulnerabilidade de crianças, adolescentes e
idosos, b. o princípio do melhor interesse das crianças dos adolescentes e dos
idosos, c. o sub-princípio da proteção integral das crianças dos adolescentes e dos
idosos, d. o sub-princípio da absoluta prioridade outorgado às crianças, aos
adolescentes e aos idosos.
1ª Variável: As Disposições Constitucionais
a. Atribuições constitucionais especiais em virtude da vulnerabilidade.
Faz-se importante notar que nesse capítulo a Constituição concedeu
tratamento diferenciado a dois sujeitos da comunidade familiar: crianças,
adolescentes e idosos. É que se tutelam de maneira singular os membros mais
vulneráveis dessa comunidade, atribuindo-lhes princípios de proteção e direitos da
mesma linhagem diferenciados dos conferidos aos demais componentes.
O caput do art. 227 da Constituição da República dispõe em favor de
crianças e adolescentes que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão.” O caput do art. 230, também da Constituição, prescreve em favor dos
idosos que:
94
“A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida” Em comum, possuem tais atribuições em seu favor como dever da família,
da sociedade e do Estado. Ambos os artigos asseguram às crianças, adolescentes e
aos idosos os direitos à dignidade e à vida.
b. O princípio do melhor interesse das crianças dos adolescentes e dos
idosos
Os princípios do melhor interesse da criança, do adolescente e do idoso
consistem em construções doutrinárias extraídas do art. 5º, § 2º da Carta
constitucional, mas provêm de momentos diferentes do mesmo dispositivo. O
princípio a proteger as crianças e adolescentes decorre de tratado internacional
ratificado pelo Brasil e o mesmo princípio favorável aos idosos decorre da não
exclusão de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios
adotados pela Constituição. Nessa hipótese, o princípio do melhor interesse do
idoso decorre do princípio da dignidade da pessoa humana em sua unicidade
quando envelhecida.88
c. O sub-princípio da absoluta prioridade de crianças e adolescentes
em nível constitucional
Assegura-se às crianças e adolescentes com absoluta prioridade, os direitos
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária. A letra da Lei Maior também lhes coloca a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão. Os
idosos não têm, a princípio, esta disposição de absoluta prioridade em seu favor.
Reza o § 3º do art. 227 em prol de crianças e adolescentes que:
“O direito à proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observando o disposto no art. 7º, XXXIII;
88 Nesse sentido, BARBOZA, Heloisa Helena. O melhor interesse do idoso, p. 71; “Constata-se implícito no preceito constitucional o princípio do melhor interesse do idoso, como expressão da proteção integral que lhe é devida com absoluta prioridade. Tal princípio, de inegável valia como critério hermenêutico, diante da complexidade da situação existencial do idoso, revela-se instrumento hábil na efetivação da tutela da dignidade das pessoas que se encontram num estado mais avançado da existência humana.”
95
II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola; IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V – obediência aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; VI – estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.” Os idosos também não gozam dos aspectos próprios da proteção especial
garantida ao menor exatamente porque eles foram estabelecidos de acordo com as
particularidades do grupo infanto-juvenil.
d. O direito à acessibilidade como expressão do princípio do melhor
interesse das crianças dos adolescentes e dos idosos
Quanto ao direito à acessibilidade, o inciso II do parágrafo 1º e parágrafo
2º do art. 227 focou crianças e adolescentes portadores de deficiência física:
Veja-se o teor do art. 227, § 1ºe § 2º:
“§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como a integralização social do adolescente portador de deficiência, mediante treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.”89 Aos idosos, na forma do § 2º do art. 230, o que se garantiu foi a gratuidade
dos transportes coletivos urbanos desde que atingida a idade de sessenta e cinco
anos, independentemente de deficiência física, sensorial ou mental, nos seguintes
termos: “Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos
transportes coletivos urbanos.”
89 Grifou-se.
96
O direito à acessibilidade é expressão do princípio do melhor interesse das
crianças dos adolescentes e dos idosos em nível constitucional, corroborado pelo
art. 15, § 4º do Estatuto do Idoso.
e. O direito ao cuidado como expressão do princípio do melhor
interesse das crianças, dos adolescentes e dos idosos
Quanto ao cuidado prestado a crianças, adolescentes e idosos, a
Constituição, usando de vocábulos diferentes, consagrou a solidariedade entre
gerações da mesma família voltada para os seus membros vulneráveis na forma do
art. 229: “Os pais têm o dever de assistir, criar, educar os filhos menores, e os
filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou
enfermidade.” O direito ao cuidado especial, no seio da família, também é
expressão do princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes.90
Fazem jus ao mesmo cuidado especial advindo da família os idosos, segundo o
princípio do seu melhor interesse.91 Observe-se que o cuidado, tanto para crianças
e adolescentes, quanto o dirigido aos idosos, não se restringe à solidariedade
intergeracional no âmbito familiar, mas também à solidariedade que deve provir
da sociedade e do Estado em relação aos seus membros mais vulneráveis, em
razão da idade reduzida ou avançada.
2ª Variável: As Disposições Infraconstitucionais
90 PY, Ligia e TREIN, Franklin. Finitude e infinitude: dimensões do tempo na experiência do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1016: “Absolutamente incapaz de realizar, por si mesmo, a tarefa de prover a própria sobrevivência, o recém nascido encontra na mãe o cuidado, o refúgio e também a proteção para os perigos que se intensificam diante da vulnerabilidade extrema de sua condição. Evidencia-se a dependência do Outro para sua sobrevivência, não só aos perigos reais da vida, como também já se esboça essa dependência frente à própria vida psíquica do indivíduo. Assim, esse estado primordial de desamparo desempenha um papel decisivo na estruturação do psiquismo, que se constitui fundamentalmente na relação com o Outro, ou seja, o ser humano só sobrevive porque o outro o deseja. Essa é a origem de ser amado e cuidado, perpetuada no ser humano até a sua morte.” 91 PY, Ligia e TREIN, Franklin. Finitude e infinitude: dimensões do tempo na experiência do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 1017: “Se a morte triunfa sobre a vida, que a vida se prepare para recebê-la, mostrando-se na glória de suas realizações. Por isso a escuta é tão importante, no convite à rememoração da história pessoal do idoso. Assim como a resolução possível de pendências, sempre, indefinidamente...até o último dos fins, num trabalho para a emergência do desejo, ou seja, para viabilizar à pessoa idosa estar num lugar de primazia ao fim da vida, para a celebração de sua existência.”
97
a. As legislações específicas em função da vulnerabilidade de crianças,
adolescentes e idosos
A Lei 8. 069 de 1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente
e dá outras providências, como a Lei 10. 741 de 2003 dispõe sobre o Estatuto do
Idoso e dá outras providências. De início, as duas leis preferiram chamar seu
conjunto de regras de estatuto, mas não é pela identidade de vocábulo em si que se
aproximam, mas, antes, porque ambas têm caráter protecionista das faixas etárias
sobre as quais discorrem pela sua intrínseca vulnerabilidade.
b. O princípio do melhor interesse das crianças dos adolescentes e dos
idosos
Os princípios do melhor interesse de crianças, adolescentes e idosos, como
já se disse, apresentam-se como construções doutrinárias extraídas da formulação
prevista no parágrafo 2º do art. 5º da Constituição da República. Como o princípio
do melhor interesse do idoso, de natureza constitucional, se compõe, além de
outros atributos, pelos sub-princípios da proteção integral e da absoluta prioridade
estabelecidos em prol das pessoas idosas, compreende-se, da mesma forma, que o
princípio do melhor interesse das crianças e dos adolescentes se conforma não só,
mas também, por meio dos sub-princípios da proteção integral e da absoluta
prioridade concedida ao grupo infanto-juvenil.
c. O sub-princípio da proteção integral das crianças dos adolescentes e
dos idosos
O art. 1º do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe em seu art. 1º que
“esta Lei dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente”, e o art. 3º
confirma assertiva ao afirmar que:
“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” Aqui se encontra o sub-princípio da proteção integral das crianças e dos
adolescentes, tutelando-os do modo mais alargado, segundo suas necessidades
especiais.
98
O art. 2º do Estatuto do Idoso dispõe:
“O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhe, por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação da sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.” Consagra-se, assim, o sub-princípio da proteção integral do idoso no
sentido de ampará-lo da forma mais abrangente possível, conforme já observado.
Tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente, quanto o Estatuto do Idoso
adotam literalmente o sub-princípio da proteção integral para as categorias
vulneráveis que resguardam, mas a maneira de tratá-los é distinta.
Enquanto o Estatuto do Idoso visa, assegurando por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades para preservar a saúde física e mental
das pessoas idosas, o Estatuto da Criança e do adolescente garante-lhes, também
por lei, ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico e mental. Note-se que o foco é diferente. Ao
idoso é dado o ensejo de preservar sua saúde psicofísica, ao passo que aos infantes
e púberes dá-se circunstância favorável para desenvolvê-la.
Ao tempo em que o Estatuto do Idoso prescreve a garantia de todas as
oportunidades e facilidades para o aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e
social do idoso, em condições de liberdade e dignidade, aos jovens é afiançado o
direito a crescer moralmente, espiritualmente e socialmente em condições de
liberdade e dignidade.
Assim, tudo que a pessoa de idade alcançou em termos de boa saúde deve
ser mantido e o que não obteve nessa seara, possibilitado, considerando as
atribulações próprias do envelhecimento. Para a criança e o adolescente o
universo de possibilidades em questões de saúde é maior, pois a menor idade traz
conjuntura facilitadora para seu desenvolver. As diferenças existem porque os
idosos se encontram em situação de vulnerabilidade em virtude da senescência
que caminha em sentido oposto ao da vulnerabilidade de crianças e adolescentes,
cuja fragilidade decorre de seu estado peculiar de desenvolvimento.
De todo modo, na medida de suas singularidades, tanto idosos quanto
crianças e adolescentes gozam da mesma tutela integral.
99
d. O sub-princípio da absoluta prioridade outorgado às crianças, aos
adolescentes e aos idosos
Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 4º, caput:
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” Na mesma esteira, o Estatuto do Idoso dispõe em seu art. 3º, caput:
“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito à convivência familiar e comunitária.” Percebe-se que os artigos são praticamente idênticos, com diferença no
que diz respeito ao trabalho assegurado ao idoso, quando, às crianças e
adolescentes, assegura-se o preparo para o ingresso nele por meio do acesso à
profissionalização; e a referência à cidadania é feita somente em face do idoso, já
que numa acepção clássica, esta é adquirida “com a obtenção da qualidade de
eleitor, que documentalmente se manifesta na posse do título de eleitor válido.”92
De outro modo, mesmo na concepção clássica, essa prerrogativa consta como
direito fundamental constitucional do adolescente de dezesseis anos, na forma do
art. 14, § 1º, inciso II, alínea c, da Constituição da República, que prevê o voto
facultativo.
O que sobreleva em ambos os artigos consiste no abrigo do sub-princípio
da absoluta prioridade atribuída tanto aos idosos quanto às crianças e aos
adolescentes na efetivação dos direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao esporte, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária e a obrigação, na dicção do Estatuto do Idoso, ou o dever,
na dicção do Estatuto da Criança e do Adolescente, tanto da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público de assegurá-los.
A garantia de prioridade das crianças e dos adolescentes compreende, na
forma do parágrafo único do art. 4º do seu Estatuto:
92 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 348.
100
“a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.” Nesse ponto, há alguma assimetria e muitas similaridades na garantia de
prioridade auferida à população infanto-juvenil e à idosa.
A criança e o adolescente gozam de primazia no recebimento de proteção e
socorro em quaisquer circunstâncias na forma do art. 4º, parágrafo primeiro,
alínea a, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tal primazia no recebimento de
proteção e socorro não foi garantida aos idosos pelo Estatuto do Idoso. Porém,
não se entende que haja uma resposta apriorística a garantir às crianças e aos
adolescentes primazia no recebimento de proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias, quando os idosos sofrerem das mesmas necessidades de proteção e
socorro num caso de colisão de interesses de crianças, adolescentes e idosos, pois
ambas as categorias têm, numa interpretação constitucional, absoluta prioridade.
As aproximações estão contidas nas outras garantias de prioridade
estabelecidas nos Estatutos. Assim como o menor possui precedência de
atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública na forma do mesmo
artigo e parágrafo, na alínea b; o idoso também possui atendimento preferencial
imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de
serviço à população na forma do art. 3º, parágrafo único, inciso I, de seu Estatuto.
Ressalte-se que os beneficiários dessas normativas possuem atendimento
prioritário em relação às pessoas de outra faixa etária junto aos organismos
públicos. Crianças e adolescentes também têm primazia nos serviços de relevância
pública, que podem até ser privados. Idosos possuem, consoante a letra da Lei,
preferência de atendimento também nos ambientes privados. Ao idoso garantiu-se
ainda imediatez e individualização no seu atendimento.
Embora essas referências lingüísticas não estejam no Estatuto dos
menores, parece que a precedência lhes concedida nos serviços públicos ou de
relevância pública implica atendimento também imediato e individualizado.
Outras semelhanças relativas à prioridade dessas categorias vulneráveis
dizem respeito tanto à preferência na formulação e na execução das políticas
sociais públicas em seu favor contida tanto no art. 4º, parágrafo único, alínea c, do
Estatuto da Criança e do Adolescente e no art. 3º, parágrafo único, inciso II, do
101
Estatuto do Idoso, quanto a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a sua proteção, consoante art. 4º, parágrafo único, alínea d, do
Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 3º, parágrafo único, inciso III, do
Estatuto do Idoso.
O Estatuto do Idoso foi ainda mais abrangente ao garantir aos anciãos a
prioridade, seja consentido frisar, na viabilização de formas alternativas de
participação, ocupação e convívio com as demais gerações, na priorização do seu
atendimento por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, na
capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e
gerontologia e na prestação de serviços, no estabelecimento de mecanismos que
favoreçam a divulgação de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de
envelhecimento, na garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência
social locais, na forma dos incisos III, IV, V, VI, VII e VIII do parágrafo único do
art. 3º. Além do mais, o Estatuto previu no art. 71, como reflexo do sub-princípio
da absoluta prioridade outorgada ao idoso, que:
“É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução de atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância. § 1º. O interessado na obtenção da prioridade a que alude este artigo, fazendo prova da sua idade, requererá o benefício à autoridade judiciária competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos do processo. § 2º. A prioridade não cessará com a morte do beneficiado estendendo em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de 60 (sessenta) anos. § 3º. A prioridade se estende aos processos e procedimentos na Administração Pública, empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, ao atendimento preferencial junto à Defensoria Pública da União, dos Estados e do Distrito Federal em relação aos serviços de Assistência Judiciária. § 4º. Para o atendimento prioritário será garantido ao idoso o fácil acesso aos assentos e caixas, identificados com a destinação a idosos em local visível e caracteres legíveis.” Essas prerrogativas, como efeito da absoluta prioridade atribuída
especificamente às pessoas na terceira idade, não são concedidas às crianças e aos
adolescentes, mas cada Lei, a seu modo, garante a ambos, na medida de suas
necessidades, proteção prioritária.
102
3.3.1 A Análise Civil-Constitucional dos Princípios Assegurados Às Crianças, Aos Adolescentes e Aos Idosos
Apesar da disposição que consagra o sub-princípio da absoluta prioridade
de crianças e adolescentes em nível constitucional não se pode dizer que pessoas
dessa faixa etária tenham prioridade de proteção em relação aos idosos dentro do
sistema jurídico brasileiro. Isso ocorre porque a interpretação do Direito vincula-
se às escolhas e aos valores do ordenamento como um todo e é nesse sentido que
“fragmentos do mundo”93, como o dispositivo constitucional que tutela
prioritariamente crianças e adolescentes só “podem ser entendidos se se conhece o
mundo ao qual pertencem”94, e que elege como princípio fundamental a dignidade
da pessoa humana.
A partir da cláusula geral de tutela da pessoa humana extraída do princípio
constitucional de sua dignidade torna-se possível asseverar que “o seu conteúdo
não se limita a resumir os direitos tipicamente previstos por outros artigos da
Constituição, mas permite estender a tutela a situações atípicas.”95
É exatamente esse o caso do sub-princípio da absoluta prioridade que se
compreende também atribuído ao idoso de acordo com a axiologia constitucional.
Se, pela interpretação do art. 5°, parágrafo 2º da Constituição exsurge o princípio
do melhor interesse do idoso, do qual a absoluta prioridade é sub-princípio, resta
claro que a Constituição também acampa a absoluta prioridade como princípio em
favor do idoso, embora assim não disponha literalmente, pois “a negação do estar
em si mesmo do direito positivo implica a recusa de métodos puramente
lingüísticos da interpretação, como se a interpretação consistisse unicamente na
análise da linguagem, puramente formal, do legislador.”96
Isto posto, em caso de colisão de interesses atrelados a crianças,
adolescentes e a idosos, há de se fazer uma criteriosa ponderação dos direitos e
dos valores resguardados pelos princípios atribuídos a ambos, a fim de se decidir,
de acordo com as especificidades do caso concreto, quem gozará da absoluta 93 Expressão de PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 80. 94 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 80. 95 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 155. 96 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 67.
103
prioridade; no ponto específico desse trabalho, quem gozará da absoluta
prioridade no acesso à saúde. Logo, não há uma resposta apriorística de qual dos
interessados terá uma reposta favorável num conflito de razões. O intérprete,
nesses casos, deve adotar critérios para bem sopesar princípios, direitos ou
interesses que estejam em jogo. 97
Já se sugeriu que a primeira etapa adotada no processo de ponderação
fosse o arranjo dela, em que se analisariam todos os dados do caso e assuntos a ele
relacionados para se aferir exatamente o objeto do balanceamento; a segunda
etapa consistiria no desempenho da ponderação, quando se fundamentaria a
relação entre as importâncias sopesadas; a terceira etapa versaria sobre a
reconstituição da ponderação, com a elaboração de regras de preponderância entre
os itens componentes do sopesamento com aspiração de validade para casos
similares.98 Ainda assim, advertiu-se que o intérprete poderá usar outros critérios
para fazer o balanceamento, levando sempre em conta os princípios
constitucionais.99
Não há, por conseguinte, e nem pode haver, um resposta a priori para a
situação de confronto de interesses, de direitos ou de princípios protetivos de
crianças, adolescentes e idosos, a não ser que se trabalhasse com exemplos
elaborados em abstrato, o que não se pretende, dadas as limitações deste trabalho.
Dogmaticamente, tanto os infantes e púberes quanto os velhos são titulares da
proteção especial proveniente da família, da comunidade, da sociedade em geral e
97 Consoante AMARAL, Francisco. O código civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização. Do paradigma da aplicação ao paradigma judicativo-decisório. In: Revista Forense. Rio de Janeiro. Vol. 385. Maio/Junho de 2006, p. 98-99: “Não é demais repetir que a interpretação é hoje tema fundamental do pensamento jurídico, apresentando-se não mais como a investigação semântica das disposições normativas, visando à sua ‘aplicação’, mas como um problemático processo de realização do direito, ‘não sendo exagero afirmar que ‘no pensamento jurídico dos últimos decênios pode observar-se uma preocupação especial por todos os assuntos relativos à interpretação das normas jurídicas, centrando-se, ultimamente, quase todos os debates no processo de obtenção de decisões’. Verifica-se, assim, verdadeira mudança da perspectiva tradicional, que partia do sistema jurídico, por meio do raciocínio da subsunção, para o problema a resolver ou a própria decisão.” 98 Essas são formulações de ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 87 e 88. 99 ÁVILA. Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 88.
104
do Poder Público, segundo os sub-princípios da tutela integral e absolutamente
prioritária, de acordo com o princípio do seu melhor interesse.100
O princípio do melhor interesse do idoso, seja consentido frisar, é
consectário do princípio da dignidade da pessoa humana, que não tolera um
tratamento formalmente igualitário e materialmente desigual entre pessoas de
idades díspares em virtude das vulnerabilidades acarretadas pela velhice. Logo, a
pessoa humana é tutelada tanto pelo direito constitucional quanto pelas leis
setoriais, em seus princípios e regras, levando-se em conta suas particularidades,
seu momento de vida, em uma palavra: sua unicidade, para que não seja lesada em
seus direitos, principalmente quando se trata da parte fraca de uma relação ou
situação jurídica levada ao Poder Judiciário para apreciação e decisão. 101
Nesse sentido, interpretar o direito dos idosos de acordo com o princípio
do seu melhor interesse significa, em questões relativas à sua saúde, não só
conceder-lhe esse direito fundamental de maneira prioritária em relação aos seus
outros direitos, mas também de lhe conferir prioridade no acesso à saúde em face
de direitos concorrentes da mesma estirpe de pessoas de outras faixas etárias.
Resta claro, portanto, que nas relações da pessoa idosa com o Estado ou
com a iniciativa privada na prestação de sua saúde, vigora o princípio do seu
melhor interesse como corolário de sua dignidade a guiar toda interpretação
dessas relações. Assim, “viver dignamente é viver com saúde e qualidade, daí a
importância e a relevância para as pessoas de mais idade de terem acesso a um
plano de saúde privado ou receberem um digno tratamento da saúde pública.”102
100 Em sentido diverso, DE FREITAS JR. Roberto Mendes. Direitos do idoso, p. 138: “...Havendo conflito de interesses entre a priorização no atendimento da criança ou adolescente, e da pessoa idosa, a prioridade deverá ser concedida aos primeiros (por força de disposição constitucional), permanecendo, após, a prioridade do idoso em relação aos demais cidadãos (por força de norma legal infraconstitucional).” 101 Observe-se, pois, o magistério de AMARAL, Francisco. O código civil brasileiro e o problema metodológico de sua realização. Do paradigma da aplicação ao paradigma judicativo decisório. In: Revista Forense. Vol. 385. Maio/Julho de 2006, p. 97: “A interpretação jurídica não tem por objetivo descobrir o sentido e o alcance de uma regra jurídica, mas sim, constituir-se na primeira fase de um processo de construção ou concretização da norma jurídica adequada ao caso concreto. Apresentando-se as regras jurídicas como proposições lingüísticas de caráter geral, deve o intérprete, a partir do seu texto, construir a norma-decisão específica para o caso em tela, tendo em vista o ser humano in concreto, situado, não o sujeito de direito in abstracto, próprio do direito liberal da modernidade.” 102 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 390.
105
Afinal, “nada representa mais a dignidade do ser humano do que sua vida
respeitada e a morte tranqüila.”103
103 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 390.
4 A Saúde da Pessoa Idosa Como Direito Fundamental e o Papel do Estado na Sua Consecução 4.1 Notas Sobre a Historicidade dos Direitos Fundamentais
Antes de serem positivados, os direitos do homem já eram discutidos
principalmente pelos filósofos no âmbito do jusnaturalismo. A fim de justificar a
existência de direitos inatos, provenientes simplesmente da condição humana,
partiu-se da idéia de um estado de natureza, separado do aporte estatal, perante o
qual o ser humano possuía direitos reduzidos, porém essenciais, como a vida, a
liberdade e a propriedade.1 Nessa esteira, afirmava-se que: “o Direito como
ciência sistemática, divide-se em Direito Natural, que se funda em princípios
puramente a priori, e em Direito positivo (regulamentar), que tem por princípio a
vontade do legislador.”2 Para Kant, havia apenas um direito natural ou inato: a
liberdade. Segundo o filósofo, “a liberdade (independência do arbítrio de outro),
na medida em que possa subsistir com a liberdade de todos, segundo uma lei
universal, é esse direito único, primitivo, próprio de cada homem, pelo simples
fato de ser homem.”3 “Aqui é suficiente dizer que o conceito de liberdade próprio
à teoria liberal do Estado é o conceito de liberdade como não-impedimento.”4
Ressalta-se o pensamento de Kant, pois ele representa a etapa conclusiva
da primeira fase da história dos direitos do homem, que vai alcançar seu cume nas
declarações iniciais de seus direitos não mais enunciados por filósofos, mas pelos
detentores do poder de governo, que não se contentavam mais com a simples
existência abstrata de direitos naturais. 5 Naquele momento, ao final do século
XVIII, já se fazia indispensável que eles fossem materializados e reconhecidos
1 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução: COUTINHO, Carlos Nelson. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 73 e 74. 2 KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. Tradução de: BINI, Edson. São Paulo: Ícone, 1993, p. 55. 3 KANT, Emmanuel. Doutrina do direito, p. 55. 4 BOBBIO, Norberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Tradução de: FAIT, Alfredo. Brasília: UNB, 1984, p. 74. 5 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 73.
107
pelo Estado. Ao mesmo tempo, Kant contribui para a formação do conceito de
Estado de Direito que possui interdependência com os direitos fundamentais,
esses, próprios de um Estado em que as leis são soberanas e que não partem do
arbítrio dos poderosos.6
Assim, a origem dos direitos fundamentais encontra-se na Declaração de
Direitos do Povo da Virgínia de 1776, um marco da Revolução Americana, e na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, ponto máximo da
Revolução Francesa, mas é a primeira que representa o marco da passagem dos
direitos de liberdade legais ingleses para os direitos fundamentais constitucionais.7
Ainda imbuídos do espírito jusnaturalista, os direitos fundamentais
constantes das primeiras constituições escritas, surgem como direitos do indivíduo
frente ao Estado, delimitando uma área de não interferência estatal e um domínio
de autonomia do indivíduo face ao Poder Público, que deveria se abster de intervir
na esfera privada da vida das pessoas. Chama-se esta fase precursora dos direitos
fundamentais de primeira dimensão desses mesmos direitos civis e políticos,
atribuídos aos cidadãos, no início do constitucionalismo do Ocidente pelo Estado
Liberal.
Porém, significativos para o estudo da saúde da pessoa idosa como direito
fundamental são, principalmente, os denominados direitos de segunda dimensão,
surgidos no século XIX, quando já não havia tanta necessidade de se justificar a
existência de direitos em face do Estado, mas de assinalar que existem direitos
que devem provir dele.
Todavia, há de se ressaltar que não há incompatibilidade entre os direitos
fundamentais de primeira e os de segunda dimensão, tendo em vista que as
extensões de direitos fundamentais se complementam abrangendo, inclusive,
novas dimensões, todas baseadas na acepção de que a dignidade da pessoa
humana é o norte a guiar os direitos humanos de índole fundamental.
Como conseqüência da Revolução Industrial, do surgimento do
proletariado e das manifestações socialistas que reivindicavam mais que um
direito à liberdade formal, quer-se dizer, a liberdade perante a lei, passou a existir
um clamor por liberdade em bases materiais, que oferecesse aos menos 6 PEREZ LUÑO. Antonio E. Los derechos fundamentales, p. 32. 7 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 47.
108
favorecidos justiça social.8 Nascem, portanto, os direitos fundamentais sociais,
econômicos e culturais compostos pela vindicação do eficaz exercício das
liberdades positivas e com o condão de assegurar aos mais necessitados, igualdade
de oportunidades próprias de um Estado de Direito dirigido também pela justiça
material.9 Nesse passo, os direitos sociais firmam-se quão direitos de libertação
da necessidade e, ainda, quão direitos de promoção, cujo conteúdo é a
organização da solidariedade.10 Configuram-se também direitos à igualdade
substancial e gozam de um regime jurídico diferenciado defronte a uma
desigualdade de fato que, por seu implemento, será limitada ou superada.11
Concomitantemente, na virada para o século XX, surgem as expressões
primitivas do que seria o Estado do Bem-Estar Social, cujos direitos, consagrados
constitucionalmente, adjudicavam aos indivíduos prestações estatais que não
constituíam apenas uma abstenção no domínio de suas vidas particulares, mas um
agir efetivo por intermédio de atuações que garantissem um mínimo vital para sua
subsistência, tais como estabelecidos na Carta Mexicana de 1917 e na
Constituição de Weimar de 1919. Inclusive, a Constituição de Weimar foi o texto
inspirador de outras cartas constitucionais que se estabeleceram após o fim da
Segunda Grande Guerra, cujo intento era conjugar os direitos de liberdade com os
direitos econômicos, sociais e culturais.12 A chegada dessa segunda dimensão de
direitos fundamentais, notadamente em nível constitucional, obrigava o Estado a
8 PARCERO, Juan Antonio Cruz. Los derechos sociales como técnica de protección jurídica. In: Derechos Sociales e Derechos de las Minorias. 2 ed. Compiladores: CARBONELL, Miguel, PARCERO, Juan Antonio Cruz, VÁZQUEZ, Rodolfo. México: Editorial Porrúa, 2001, p. 89: “Seria ingênuo e inclusive torpe pensar que o problema dos direitos sociais é um problema exclusivamente jurídico; quando falamos de direitos sociais, fazemos referência a certos bens ou valores (justiça, igualdade, saúde, educação, et coetera), e mais especificamente, a uma série de pretensões ou demandas para obter ou garantir ditos bens ou valores que consideramos um meio para obter aquilo que chamamos justiça social.” [Traduziu-se livremente do espanhol] 9 Segundo o que QUEIROZ, Cristina M. M. Direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, assevera na p. 161: “A ‘igualdade de chances’ (não de condições), a concorrência de oportunidades, enfim, a alternativa da minoria a maioria, substituem-se hoje ao comando da ‘vontade geral’ como categorias gerais ‘legitimadoras’ da acção que o Estado entretanto assumiu no domínio da economia e da sociedade.” 10 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, p. 105. 11 SANCHÍS, Luis Pietro. Los derechos sociales y el principio de igualdad sustancial. In: Derechos Sociales e Derechos de las Minorias. 2 ed. Compiladores: CARBONELL, Miguel, PARCERO, Juan Antonio Cruz, VÁZQUEZ, Rodolfo. México: Editorial Porrúa, 2001, p. 25 e 26. 12 PEREZ LUÑO. Antonio E. Los derechos fundamentales, p. 40.
109
desempenhar prestações positivas, que se garantiam por intermédio de políticas
públicas interventivas. Dessa maneira, o conceito de direitos sociais se
correlaciona com o de Estado Social. Os direitos fundamentais ainda tiveram
reconhecimento no âmbito internacional por meio da expressiva Declaração de
Direitos Humanos da ONU datada de 1948 e, posteriormente, pelo Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966.
Sem nenhuma dúvida os direitos sociais pressupõem um protagonismo do
Poder Público na medida em que tais direitos encampam prestações oferecidas
pelo Estado.13 O que se propugna por meio dos direitos sociais é um Estado que
pratique a justiça distributiva, que aceite a responsabilidade de garantir aos seus
membros uma base mínima de bem estar, que proporcione os meios adequados à
existência humana em condições de dignidade. “Alude-se aqui aos interesses de
natureza existencial: mínimo existencial e respeito à dignidade, no exercício do
princípio da igualdade, este válido não obstante as condições pessoais e a
idade.”14 Tem-se ciência de que o problema do idoso assume não só dimensões
individuais como, ao mesmo tempo, sociais.15 E os direitos sociais à prestações
“são direitos do indivíduo, (e portanto, também do idoso) frente ao Estado a algo
que – se o indivíduo possuísse meios financeiros bastantes e se encontrassem no
mercado uma oferta suficiente – poderia obtê-los também de particulares.”16, mas,
não tendo, cabe ao Poder Público prestá-los.
Atente, todavia, que não só direitos sociais geram custos para o Estado. Os
direitos civis e políticos também dependem de prestações positivas que não se
esgotam na abstenção estatal.17 A fim de tutelá-los, configura-se necessário que o
Estado gaste, por exemplo, com regulamentação, definindo o alcance e a restrição
13 PELÁEZ, Francisco J. Contreras. Derechos sociales: teoría e ideologia. Madrid: Tecnos, 1994, p. 17. 14 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 340. [Traduziu-se livremente do italiano] 15 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 340. 16 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales. In: Derechos Sociales e Derechos de las Minorias. 2 ed. Compiladores: CARBONELL, Miguel, PARCERO, Juan Antonio Cruz, VÁZQUEZ, Rodolfo. México: Editorial Porrúa, 2001, p. 69. [Traduziu-se livremente do espanhol e se acrescentou (e também do idoso)] 17 Esta é a tese desenvolvida por HOLMES, Stephen e SUNSTEIN, Cass. The cost of rights – why liberty depends on taxes. New York: Norton and Company, 1999, passim.
110
desses direitos, com regulação administrativa, com o exercício do poder de polícia
frente às agressões provenientes do próprio Estado ou de particulares, com a
efetivação das eleições para garantir o direito ao voto, entre outras despesas.18 A
propriedade, emblematicamente, é um direito civil que requer expensas estatais,
como o aparato da justiça civil e penal, com a força policial, com seus registros,
com os serviços de cadastro, com a fixação e o controle das zonas de uso do
solo.19
Do mesmo modo não é correto sustentar que os direitos sociais,
econômicos e culturais só se executam mediante prestações. Condutas omissivas
como as de não danificar a saúde, não deteriorar a educação ou não destruir o
patrimônio cultural, são maneiras de realizá-los mediante obrigações negativas.20
Como se vê, as dimensões de direitos civis e políticos e as de direitos
sociais, econômicos e culturais se intercruzam, de modo que a satisfação dos
primeiros não obsta a dos segundos e vice versa. Ambas as categorias
consubstanciam direitos de índole fundamental. Percebe-se a falácia de que
apenas os direitos sociais demandam ações positivas do Estado, pois os civis e
políticos também requerem atuações dessa natureza. Todos os direitos, enfim,
solicitam, em alguma medida, prestações positivas e negativas para auferirem
efetividade.
A diferença entre direitos civis e políticos e direitos sociais prestacionais
consiste no fato de que os custos dos segundos destinam-se às obrigações estatais
distributivas, que visam ao alcance da justiça social, como ocorre, por exemplo,
na prestação pública do direito à saúde às pessoas idosas. Na esfera jurídico-
política atual os direitos sociais “concretizam a obrigação do Estado de controlar
os riscos do problema da pobreza, que não podem ser atribuídos exclusivamente
18 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales. In: Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 137e 138. 19 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Apuntes sobre la exigibilidad judicial de los derechos sociales, p. 137. 20 AÑON, María José. El test de la inclusión: los derechos sociales. In: Trabajo, derechos sociales y globalización: algunos retos para el siglo XXI Coordenador: ANTÓN, Antonio. Madrid: Talasa, 2000, p. 175 e 176.
111
aos próprios indivíduos, restituindo um status mínimo de satisfação das
necessidades pessoais.” 21
4.2 A Saúde Como Direito Fundamental e Exigível
Não há dúvida de que os direitos são custosos para o Estado. A questão
dos custos, porém, não seria problemática se os recursos estatais fossem
suficientes para contemplar todo tipo de assistência que os cidadãos necessitam e
merecem, afinal, contribuem com tributos para que o Poder Público os gerencie
em benefício da sociedade.
Todavia, parece que em todo o mundo, mesmo nas nações mais ricas, a
dificuldade da escassez de recursos é empecilho para que o povo goze
satisfatoriamente dos direitos que devem provir do aparato governamental.22
Se essa discussão tem pertinência nos Estados Unidos, evidentemente, é
uma discussão central num país em desenvolvimento como o Brasil.23 Afinal,
quanto se deve investir em saúde no país? Em que medida os recursos públicos
devem ser alocados em prol da saúde de sua população idosa?
Várias propostas têm sido elaboradas pelos estudiosos da matéria e,
comumente, são discutidas teorias como a da “reserva do possível”, do “mínimo
existencial”, com base na doutrina majoritária alemã.
A locução “reserva do possível” contextualiza o dilema de cunho
econômico que se dá quando as necessidades sociais são ilimitadas e os recursos
21 BARRETTO, Vicente de Paulo. Reflexões sobre os direitos sociais. In: Direitos Fundamentais Sociais: Estudos de Direito Constitucional, Internacional e Comparado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p.130. 22 Discorrendo sobre a justiça e o alto custo da saúde nos Estados Unidos da América, DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. Tradução de: SIMÕES, Jussara. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 431-432, pergunta: “Mas quanta assistência médica uma sociedade razoável deve tornar acessível a todos? Não podemos oferecer a todos a assistência médica que os mais ricos entre nós podem comprar para si. Como decidir qual é o nível mínimo de assistência médica que a justiça exige que até os mais pobres tenham?” 23 Nesse sentido a obra de AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, passim.
112
do Erário para supri-las, insuficientes. Nesse sentido, a sociedade teria que se
contentar com uma fronteira que demarca o que é possível para o orçamento
público, a fim de atendê-la. Todos os direitos subjetivos públicos sociais possuem
um custo, portanto, renomadas vozes sustentam que, para assumi-los, faz-se
cogente estejam eles atrelados à “reserva do possível”. Nesses termos, baseando-
se na formulação de Jellinek, afirma-se categoricamente que: “O status positivus
socialis, ao contrário do status positivus libertatis, se afirma de acordo com a
situação econômica conjuntural, isto é, sob a ‘reserva do possível’ ou na
conformidade da autorização orçamentária.”24
Historicamente, a expressão “reserva do possível” possui origem
germânica, formulada pelo Tribunal Constitucional Alemão, e não só diz respeito
à existência de reservas públicas suficientes como também à fronteira do razoável
para que os cidadãos exijam da sociedade por meio de prestações estatais, mesmo
que o Estado tenha condições de satisfazê-las.25
Há importantes colocações sobre a retórica da “reserva do possível” pelos
doutrinadores brasileiros e portugueses.
A primeira delas diz respeito ao fato de tal elaboração não ter sede na
Constituição alemã, mas sim em seu Tribunal Superior, acostumado a lidar com as
vicissitudes daquela comunidade “com base em realidades culturais, históricas, e,
acima de tudo, sócio-econômicas completamente diferentes” das brasileiras. 26
Sustenta-se que, ainda que a doutrina da “reserva do possível” tivesse emanado da
Carta alemã, parece também questionável a passagem desta formulação jurídica
própria do contexto alemão, portanto, do denominado primeiro mundo, para um
país com tantas mais desigualdades sociais como o Brasil.27
24 TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: Teoria dos Direitos Fundamentais. 2 ed. Organizador: TORRES, Ricardo Lobo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 297.[ grifou-se] 25 BverfGE nº 33, p. 303. Decisão na qual a Corte decidiu pelo Estado não ter que criar tantas vagas nas universidades públicas para receber toda a gama de estudantes interessados em cursá-las. 26 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 51. 27 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 51.
113
Todavia, caso se considere a “reserva do possível” um argumento válido
no âmbito pátrio, outra grande questão existente diz respeito a quem compete
decidir qual é a medida da “reserva do possível” para os direitos sociais. Seria do
legislador ordinário ou dos tribunais tal competência?
Posições merecedoras de respeito afirmam que essa atribuição
(competência) seria do titular do poder político, na medida em que a motivação
invocada fosse objetivamente constatada28e que a pré-ponderação seria do
legislador em face das possibilidades orçamentárias estatais, o que impediria o
alvedrio do Poder Judiciário acerca da alocação de recursos sem ter em conta o
entendimento do legislador político democrático.29 Em estreita síntese,
arguementa-se: “as opções que permitirão definir o conteúdo dos cidadãos a
prestações positivas do Estado têm de caber, portanto, a um poder constituído.”30
Portanto, à “reserva do possível” soma-se o argumento da reserva parlamentar em
matéria orçamentária, o que toca o princípio da separação de poderes.31
Dentro dessa mesma linha de argumentação entende-se, inclusive, que os
direitos sociais não seriam direitos originalmente fundamentais.32
Com todo respeito, e sem desprestigiar a relevância da discussão que ainda
se procederá em face às indagações postas, não se comunga da opinião que os
direitos sociais, reduzidos à reserva do possível, teriam que ser alocados tão
28 Nesse sentido, NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da república portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 294. 29 É o que assevera TORRES, Silvia Faber. Direitos prestacionais, reserva do possível e ponderação: breves considerações e críticas. In: Direitos Fundamentais: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. Organizadores: GALDINO, Flávio e SARMENTO, Daniel. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 785. 30 DE ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2006, p. 192. 31 Consoante SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais na constituição de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico. Ano 1. Vol. 1. Abril/2001, p. 35. 32 Referindo-se ao “mínimo existencial”, TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. In: Revista de Direito Administrativo. Vol. 177. Julho/Setembro, 1989, p. 29, assevera: “Carece o mínimo existencial de conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originalmente não fundamental (direito à saúde, à alimentação, etc.)...” Recentemente, o autor confirma a sua posição afirmando em A jusfundamentalidade dos direitos sociais. In: Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro. Vol. XII, Lumen Juris, 2003, p. 370, que: “... Esse é o caminho que leva à superação da tese do primado dos direitos sociais sobre os direitos da liberdade, que inviabilizou o Estado Social de Direito, e da confusão entre direitos fundamentais e direitos sociais, que não permite a eficácia destes últimos sequer na sua dimensão mínima.” [grifou-se]
114
somente pelo legislador ordinário quando houver ofensa às disposições
constitucionais legitimadas pelo legislador originário, muito menos de que os
direitos sociais não consubstanciam direitos de origem fundamental.
Há de se constatar, contudo, que é grande a polêmica doutrinária e
jurisprudencial a girar em torno da exigibilidade judicial dos direitos sociais
prestacionais, entre os quais se inclui o direito à saúde, até porque, como já se
destacou, questiona-se, nesse particular, se direitos desse jaez fazem mesmo parte
do conjunto de direitos fundamentais.33
A resposta acertada parece ser a que reconhece os direitos sociais como
efetivos direitos fundamentais porque são princípios do Estado de Direito e fazem
parte do núcleo do constitucionalismo atual, possibilitando que as pessoas aufiram
um grau de humanização cabível em cada momento histórico. Nesse diapasão, os
direitos sociais possuem um núcleo irredutível, isto é, um limite ao alvedrio do
legislador, por constituírem prestações sem as quais os indivíduos não poderiam
sequer desenvolver sua liberdade.34 Dessa forma, a liberdade desponta como o
principal argumento em favor dos direitos sociais, no sentido de que a liberdade
jurídica, para fazer ou deixar de fazer algo, não possui qualquer valor se não
acompanhada da liberdade real (fática), de eleger o que fazer dentro do que se
permite; e tal liberdade, no âmbito da sociedade industrial hodierna, depende
essencialmente de atividades estatais.35
Nota-se, portanto, que a liberdade se estabelece como argumento em prol
tanto dos direitos de defesa quanto dos direitos prestacionais. Assim como os
direitos de defesa, os sociais também estão fulcrados na idéia de que a dignidade
da pessoa só pode ser alcançada com condições de liberdade para todos.36
Para justificar que os direitos fundamentais devem também assegurar a
liberdade fática, ressalta-se a importância dela para os homens, por lhes propiciar
condições de não viver abaixo de mínimas condições existenciais, de não lhes
condenar a nada fazer ou de não se verem excluídos da vida cultural de sua época.
33 AÑON, María José. El test de la inclusión: los derechos sociales, p. 178. 34 AÑON, María José. El test de la inclusión: los derechos sociales, p. 179. 35 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 73. 36 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais na constituição de 1988, p. 22.
115
Ademais, esta forma de liberdade permite que o ser humano possa se desenvolver
livre e dignamente na comunidade social.37
Observe-se que a Constituição brasileira atual tratou dos direitos sociais
exatamente no seu Título II, que cuida dos direitos e garantias fundamentais,
atribuindo-lhes capítulo próprio, erguendo-os, de maneira ostensiva, à posição de
legítimos direitos fundamentais e, portanto, diferenciando-os da reminiscência
provinda da Carta de 1934 e das seguintes, anteriores à de 1988, que os positivava
no título da ordem econômica e social.38
Firmada a fundamentalidade dos direitos sociais como direitos que
viabilizam a liberdade real e de que esse predicado decorre de expressa disposição
da Constituição brasileira de 1988, pergunta-se: os direitos sociais possuem
garantia de ser sindicáveis perante os tribunais? Esta questão está diretamente
ligada à de quem possui competência para decidir acerca da “reserva do possível”,
caso se considere esse argumento válido para a prestação de direitos sociais
fundamentais.
A doutrina aponta uma objeção formal à judiciabilidade dos direitos
sociais fundamentais, no sentido de eles gerarem um deslocamento da política
social do parlamento para os tribunais e, no plano material, argumenta-se que os
direitos sociais não são conciliáveis, ou, pelo menos, entram em colisão, com as
normas constitucionais materiais que conferem direitos de liberdade, pois os
direitos fundamentais sociais são muito custosos e o Estado só distribui aquilo que
arrecada dos proprietários de bens por meio de tributos. 39
Mas, em resposta à oposição formal aos direitos sociais fundamentais,
portanto, em sua defesa, a mesma doutrina afirma em seguida que, de acordo com
a divisão de poderes e com a democracia, a atribuição de decidir acerca do
conteúdo dos direitos fundamentais é do legislador diretamente legitimado pelo
povo, porém, cabe aos tribunais, o papel de deliberar de acordo com o que o
legislador já tenha decidido.40
37 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 75. 38 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais na constituição de 1988, p. 17. 39 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 77-79. 40 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 77.
116
O que parece correto é que, se há escassez de recursos financeiros, o que
estiver disponível será obrigatoriamente aproveitado na persecução dos direitos
considerados fundamentais pela normativa constitucional até que esses sejam
alcançados. Posteriormente sim, o legislador infraconstitucional poderá decidir em
que aplicar os recursos que sobejarem, se sobrarem, de acordo com as prioridades
decididas democraticamente em cada ocasião.
O direito fundamental à saúde é direito de todos e dever do Estado. Nesse
sentido, se os recursos do Erário são insuficientes, que se retirem insumos de
outras áreas não contempladas pelo Constituinte com a jusfundamentalidade que
fora outorgada a esse direito de cunho essencial, que envolve a integridade
psicofísica e a vida dos cidadãos. Fazer relativizações em face do direito à saúde
acaba por “levar a ‘ponderações perigosas’ e anti-humanistas do tipo ‘por que
gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?”41 ou, por que gastar
dinheiro com doentes idosos, principalmente com os muito idosos, se eles se
encontram biologicamente próximos da morte?42
Por tudo isso, sustenta-se que cumpre aos tribunais executar o que a
Constituição determina e que tal atitude não fere a democracia e nem o princípio
da tripartição de poderes.
Quanto à objeção material apontada, especialmente no que toca às
liberdades jurídicas de outros, entende-se que essas liberdades são afetadas em
medida reduzida, já que o que se garante por meio dos direitos fundamentais
sociais é um mínimo vital.43 Dentro desse mínimo, evidentemente, estão
englobadas prestações de saúde adequadas.
Há que se lembrar, inclusive, que a construção da teoria da “reserva do
possível” partiu de um tribunal alemão! Por que, então, os tribunais brasileiros
não poderiam discutir e decidir acerca de uma formulação originária do Poder 41 41 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no brasil e na alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 53. 42 Essa perspectiva desumana e utilitarista é analisada por ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Os princípios da vulnerabilidade e da autonomia no estatuto do idoso: pressupostos e aplicações. Mimeo, 2008: “Sob a ótica utilitarista, como ser velho não é equivalente a estar doente ou ser incapaz de dar alguma contribuição à sociedade, a estigmatização e o abandono social atingem os dependentes e ineficientes, o que equivale a justificar, sob a ótica da utilidade, as situações de exclusão e abandono social daqueles que se verifica inviável a recuperação da capacidade distributiva.” 43 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 81.
117
Judiciário estrangeiro? Parece plausível, se transferida a formulação jurídica da
“reserva do possível” para o contexto brasileiro, sustentar que constitui tarefa da
doutrina e dos tribunais desenvolvê-la, evidentemente, considerando os aspectos
sócio-econômicos que a envolvem, bem como a situação social e econômica do
Brasil.44
Mas ainda há outros obstáculos para a exigibilidade judicial dos direitos
fundamentais como: i- a determinação da conduta devida, ii- a auto-restrição do
Poder Judiciário frente a questões políticas e técnicas, iii- a inadequação dos
mecanismos processuais tradicionais para a tutela dos direitos sociais, iv- a
escassa tradição de controle judicial na matéria.45
Em primeiro lugar, o problema de exigir a prestação dos direitos
fundamentais sociais tem a ver com a dificuldade de se especificar concretamente
qual seja a conduta devida pelo Estado, em outras palavras, no que consiste o
conteúdo do direito social. A essa assertiva é possível contra argumentar: o
entrave aludido não resulta próprio dos direitos sociais, haja vista ser difícil
também definir o conteúdo de outros direitos constitucionais, tais como, o
significado da propriedade ou o alcance da noção de igualdade. Nem por isso tais
direitos consentem em não auferir tutela jurisdicional, razão pela qual os sociais
também não devem deixar de recebê-la.46
A auto-restrição do Poder Judiciário frente a questões políticas e técnicas
leva em consideração que o Estado, ao definir que direitos sociais merecem sua
ação positiva, elege políticas públicas prioritárias e os juízes costumam considerar
que tais opções pertencem aos órgãos políticos e não a si. Entretanto, o que existe
é uma deficiência de ativismo judicial e a inconsciência de que o Pode Judiciário
não só pode, como também precisa resolver esse tipo de demanda, afinal, todas as
44 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 53: “No Brasil, como em outros países periféricos, é justamente a questão analisar quem possui legitimidade para definir o que seja ‘o possível’ na área das prestações sociais básicas face à composição distorcida dos diferentes entes federativos. Os problemas de exclusão social no Brasil de hoje se apresentam numa intensidade tão grave que não podem ser comparados à situação social dos países membros da União Européia.” 45 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles. Madrid: Trotta, 2002. p. 117- 132, passim. 46 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles, p. 122-123.
118
situações em termos de direitos sociais envolvem questões políticas ou técnicas, e
se torna imperioso que o intérprete as enfrente, judicializando o que apenas
aparentemente possui teor técnico ou político, se há ações ou omissões
inconstitucionais por parte dos Poderes Públicos.47
A inadequação dos mecanismos processuais tradicionais para a tutela dos
direitos sociais existe porque, até recentemente, eles se desenvolveram para a
tutela dos direitos civis e trabalham com a noção de direitos subjetivos clássicos,
com dificuldade de lidar com os direitos subjetivos públicos. Nada obsta, todavia,
sejam criadas e desenvolvidas engenharias processuais a fim de sanar a violação
de obrigações que possuem como fonte, direitos sociais. Muito além disso já está
o Brasil que lida diuturnamente com ações civis públicas na defesa do
consumidor, do meio ambiente, das crianças e dos adolescentes e, recentemente,
dos idosos, por exemplo.48
A escassa tradição de controle judicial em matéria de direitos sociais é, ao
contrário do que parece, incentivo para que se criem novas crenças a partir das
atuais contingências. Há que se reverter essa cultura de não reclamar
judicialmente direitos fundamentais de caráter social porque, não provocar o
Judiciário gera retrocesso jurídico na medida em que é própria construção de
precedentes jurisdicionais que viabiliza a conformação de princípios de atuação
aplicáveis em processos análogos. Julgados favoráveis à prestação estatal de
direitos sociais promovem uma mudança de atitude dos tribunais em face dessas
questões e estimula os menos afortunados a buscar justiça material por essa via.49
Nesse sentido, já se percebe que as pessoas idosas, mesmo com toda sua
vulnerabilidade, têm se articulado para, por intermédio do Poder Judiciário, obter
exames, próteses, remédios e objetos, como por exemplo, fraldas descartáveis –
que se integram na categoria de medicamentos – a fim de receber a tutela de seu
direito à saúde na medida das necessidades próprias da terceira idade. Tão
importante como a atitude dos anciãos, tem sido o ativismo judicial nessa matéria,
47 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles, p. 127-129. 48 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles, p.129-131. 49 ABRAMOVICH, Victor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibiles, p.131-132.
119
pois, na grande maioria dos casos consultados, a reposta do Poder Judiciário foi
favorável à pretensão dos idosos em matéria de saúde, que não os consideraram
quaisquer pessoas a procura de atendimento, mas sim, pessoas com a
particularidade de idosas a buscá-lo.
Observe-se, por exemplo, o pedido de prótese concedido na forma dessa
ementa:
“Agravo de instrumento. Antecipação de tutela determinando o fornecimento de aparelho ortopédico pelo Estado. Sapato especial para correção de encurtamento de membro inferior, ocasionado por acidente. Súmula nº 65 do TJ/RJ. Deriva-se dos mandamentos dos arts. 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e conseqüente antecipação da respectiva tutela. Função terapêutica do aparelho, objetivando o tratamento da deformidade física sofrida pelo autor. Incidência do art. 15, § 2º, da Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso). Artigo 557, caput, do CPC.” Ademais, em questões de saúde, há de ser ter em conta o caráter de
emergência da prestação buscada por meio de uma decisão judicial, posto que o
indeferimento de tal pedido, especialmente a um idoso, pode acarretar
comprometimento irreversível nas suas condições psicofísicas, ou mesmo o
sacrifício de sua vida, razão pela qual se impõe a consideração do direito à saúde
como um direito subjetivo do indivíduo invocável judicialmente.50 Levando-se em
conta, muitas vezes, a emergência da prestação reclamada, torna-se urgente a
tutela jurisdicional em caráter liminar.
Conscientes de estar lidando com a vida e a dignidade da pessoa humana
envelhecida, os tribunais têm concedido antecipadamente o direito pleiteado nessa
seara, não obstante a proibição legislativa ordinária de concessão de tutela
antecipada contra o Poder Público e a orientação do Supremo Tribunal Federal no
sentido da constitucionalidade dessa legislação.51
50 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988. In: Revista Diálogo Jurídico. Nº 10. Salvador, Janeiro/ 2002, p. 13. 51 Nesse sentido impõe-se a colocação de BRAGA, Pérola Melissa V. Direitos do idoso segundo o estatuto do idoso, p. 127: “Uma pessoa na velhice possui uma condição física naturalmente mais debilitada, o que não lhe permite suportar, durante muito tempo, uma patologia qualquer. O que seria suportável para uma pessoa jovem ou adulta, pode ser fatal para o idoso e, assim, o rápido atendimento pode ser a diferença entre a vida e a morte.”
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Veja-se a ementa em favor da marcação urgente de exames para um ser
idoso:
“Constitucional. Marcação de Exame Médico. Paciente idoso. Decisão agravada que deferiu antecipação de tutela para marcação de exames médicos necessários ao réu, ora agravado, no prazo de 48 horas sob pena de multa fixada em R$ 300,00. Obrigação Solidária dos entes federativos. Matéria pacificada pela Súmula nº 65 deste egrégio Tribunal de Justiça. Deriva-se dos mandamentos dos arts. 6º e 196 da Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.080/90, a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e conseqüente antecipação da respectiva tutela”52 Aliás, a referida súmula nº 65 do TJRJ contraria o entendimento de
proibição de tutela antecipada contra o Poder Público, o que se confere em seus
próprios termos: “Deriva-se dos mandamentos dos artigos 6º e 196 da
Constituição Federal de 1988 e da Lei nº 8.080/90, a responsabilidade solidária da
União, Estados e Municípios, garantindo o fundamental direito à saúde e
conseqüente antecipação de tutela.”
Como ressaltado, a doutrina também opina no sentido de que, o garantido
por meio dos direitos fundamentais sociais, é um mínimo vital.53 No Brasil,
desenvolve-se a teoria do “mínimo existencial” e em Portugal, alguns
doutrinadores preferem a expressão “mínimo social”, tradução exata da
formulação pioneira alemã, ao se referir a tais direitos. Mudando o vernáculo,
tanto ao discorrer sobre “mínimo vital”, “mínimo existencial” ou “mínimo
social”, os jurisconsultos têm tratado de questões que se aproximam, embora
chegando a conclusões diferentes, no sentido do quanto se pode assegurar aos
indivíduos em matéria de direitos sociais, dentre os quais se destaca a saúde,
direito de natureza prioritária, já que pressuposto para o gozo de qualquer outro
direito fundamental.
O “mínimo existencial” é construção teórica que não possui presciência na
Constituição, mas se encontra relacionada ao conceito de liberdade, aos princípios
constitucionais que prevêem a igualdade, às imunidades e privilégios dos cidadãos
que dele necessitam e aos desideratos da Declaração Universal dos Direitos dos
52 TJRJ. Agravo de Instrumento nº 2006.002.12199. Agravante: Município do Rio de Janeiro. Agravado: Adilson Mattoso de Gouvêa. Relator: Desembargador Marco Antonio Ibrahim. Julgada em 2007. 53 ALEXY, Robert. Derechos sociales fundamentales, p. 81.
121
Homens, possuindo, portanto, status constitucional.54 Tal construção relaciona-se
também com o problema da pobreza, especialmente da pobreza absoluta,
mediante a qual não há possibilidade de inércia do Estado, pois, sem um mínimo
indispensável à própria existência, não há sequer como falar de sobrevida dos
homens e se cessam as “condições iniciais de liberdade”.
O “mínimo existencial” tem força de direito, pois está implícito no
princípio da dignidade da pessoa humana e na idéia de um Estado Social de
Direito.55 Como os direito sociais podem ser apreciados quão implementadores da
justiça social, ligados ao dever comunitário de promoção da pessoa humana,
infere-se que esses direitos positivos são expressão direta do Estado Social de
Direito, que, além de abarcar os direitos de defesa e liberdade do Estado Liberal
clássico – na medida em que a relação entre as duas dimensões de direitos
fundamentais é complementar e não excludente – provoca uma distribuição justa
e adequada dos bens aos mais necessitados.56 Nesse termos, o Estado coloca o
“mínimo existencial” em prática quando, por exemplo, realiza prestações de
serviço público gratuitamente, como acontece com a assistência à saúde apesar da
falta de contraprestação, por meio da engenharia advinda da Constituição que
prevê a imunidade tributária, ou por subvenções e auxílios financeiros como
ocorre no fornecimento não oneroso de remédios à população que deles carece.57
Considera-se importante registrar que a idéia de um “mínimo existencial”
não enfraquece os direitos sociais. Pelo contrário, ela aumenta as chances de que
os desprovidos de condições de obtê-los por si, os recebam na estatura do
essencial, o que garante sejam prestados com a máxima eficácia.58 Ressalte-se que
o “mínimo existencial” tem sua extensão aprofundada e, inclusive, maximizada,
na medida da essencialidade do bem que o Estado vá prestar,59 porque sua
54 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais, p. 29 e 42. 55 TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial e os direitos fundamentais, p. 30-32. 56 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais na constituição de 1988, p. 19. 57 TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos, p. 268. 58 TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos, p. 268. 59 AMARAL, Gustavo. Direito, escassez & escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas, p. 215.
122
substância é parte do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana,60
razão pelo qual o “mínimo existencial” em matéria de saúde, e, particularmente,
em questões que envolvam a saúde da pessoa idosa, direito de ordem prioritária e
componente do teor do princípio da dignidade da pessoa humana, é,
evidentemente, alargado. 61
Especialmente no que concerne ao direito à saúde, pode-se afirmar que ele
constitui não só direito de defesa, no sentido de respeito à integridade psicofísica
do ser humano e de afastamento dos atos degradantes e desumanos, como também
direito à prestações por parte do Estado em prol dos titulares de um direito
subjetivo público que reclama medicamentos, exames de várias ordens,
atendimento médico e hospitalar, ou seja, toda gama de fornecimento para a
concreta realização desse direito fundamental dentro do limite do razoável, que
afasta, por exemplo, tratamentos odontológicos não imprescindíveis, ou
medicamentos de laboratórios caros, quando existem sucedâneos da mesma
composição química e na mesma posologia a um custo menor.62
60 BODIN DE MORAES, Maria Celina. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo, p. 125. 61 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 61: “O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. Tudo, portanto, converge no sentido de que também para o homem jurídico-constitucional a concepção do homem-objeto (ou homem-instrumento), com todas as conseqüências que daí podem e devem ser extraídas, constitui justamente a antítese da noção de dignidade da pessoa, embora esta, à evidência, não possa ser, por sua vez, exclusivamente formulada no sentido negativo (de exclusão de atos degradantes e desumanos), já que assim se estaria a restringir demasiadamente o âmbito de proteção da dignidade.” Ressalte-se que quando o autor refere-se aos direitos fundamentais está se referindo, inclusive, aos direitos sociais aos quais chama de direitos fundamentais sociais. [grifou-se] SARLET, Ingo Wolfgang, em Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988, p. 2, salienta: “Consoante já assinalado, por mais que se queira advogar a causa dos adversários da constitucionalização de um direito à saúde (como, de resto, dos demais direitos sociais), a nossa Constituição vigente, afinada com a evolução constitucional contemporânea e o direito internacional, não só agasalhou a saúde como bem jurídico digno de tutela constitucional, mas foi mais além, consagrando a saúde como direito fundamental, outorgando-lhe, de tal sorte, uma proteção jurídica diferenciada no âmbito da ordem jurídico-constitucional pátria.” 62 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988, p. 13, nota 16.
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Dessa maneira posicionou a decisão analisada, que, sem desmerecer o
direito à saúde da pessoa idosa, leva em consideração a doutrina do mínimo
existencial:
“...No mais, correta a r. sentença monocrática, devendo o réu fornecer os medicamentos PROPALA 250-50 mg; SIFROL 0,25, mg e SUPLAN 25 mg, todos na quantidade de 3 caixas, até o dia 5 de cada mês através de receituário médico, na quantidade e pelo tempo que for necessário, mediante comprovação periódica, devendo para isso a autora portar receitas atualizadas, facultando ao réu, no entanto, o fornecimento de substância genérica, que contenha o mesmo princípio ativo do medicamento objeto do pedido e da sentença, necessário ao tratamento da saúde da autora.”63
Nessa linha de raciocínio, portanto, deve ser entendido o “mínimo
existencial” em matéria de saúde, lembrando ainda que esse mínimo, porque
composto por condições básicas para a subsistência, permanece ínsito no princípio
maior da dignidade da pessoa humana, razão pela qual é merecedor da máxima
eficácia jurídica.64
Há, contudo, substanciosa crítica às doutrinas de origem germânica acerca
da “reserva do possível” e do “mínimo existencial” na conjuntura constitucional
brasileira.
As aproximações das Constituições brasileira e alemã são várias, até
porque muitos enunciados da Constituição de 1988 tiveram forte influência da Lei
Fundamental Alemã. Todavia, não é o que acontece em sede de direitos sociais,
praticamente inexistentes na vigente Lei Fundamental de Bonn, que não
incorporou em seu conteúdo nenhum dos direitos sociais de segunda dimensão
que faziam parte da anterior Constituição de Weimar, pela julgada má experiência
com essa última.65
Explica-se: a Constituição de Weimar, datada de 1919, foi uma das
pioneiras em matéria de positivação de direitos sociais e influenciou várias 63 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.59432. 9ª Câmara Cível. Apelante: Município de Saquarema. Apelado: Ministério Público. Relator: Desembargador Roberto de Abreu e Silva. Julgada em: 8. 01. 2007. [Grifou-se] 64 No mesmo sentido, DE BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 248. 65 KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: A Constituição Concretizada: Construindo Pontes com o Público e o Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 36-38.
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constituições ocidentais. Mas, na ótica do pós-guerra alemão, ela significou uma
Carta fracassada, até mesmo um contributo para proliferação do regime nazista a
partir de 1933 e suas formulações de cunho social foram entendidas, tanto pela
direita, quanto pela esquerda, como “promessas vazias do Estado burguês”.66
Corrobora esse entendimento o fato de o primeiro ato governamental do Reich
alemão, o chamado Conselho do Povo, ter sido o restabelecimento da proteção ao
trabalhador e a fixação de prazo para a positivação de novas políticas sociais em
1918, que, no ano seguinte, são incorporadas à Constituição de Weimar –
especialmente no que concerne à saúde – na forma de direitos previstos nos
artigos 7, 7º, 8º, 119 e 161.67
Por isso, em 1949, o Poder Constituinte rechaçou a normativa que atribuíra
direitos sociais prestacionais, não lhes conferindo quase nenhum espaço. Apesar
do conceito de Estado Social estar contido no art. 20 da Lei Fundamental, os
intérpretes não lhes designam a conformação de direitos, mas de “mandados”,
sem o condão de instituir direitos subjetivos passíveis de concretização.68
Note-se, entretanto, que a teoria do “mínimo social” é formulação alemã
que diz respeito aos direitos fundamentais de primeira dimensão, os chamados
direitos de liberdade, e não aos direitos de segunda dimensão, onde se inserem os
direitos sociais e, respectivamente, o direito à saúde. Trata-se tal “mínimo” de
construção desse mesmo pós-guerra “que tinha de superar a ausência de qualquer
Direito Fundamental Social na Carta de Bonn, sendo baseada na função de estrita
normatividade e jurisdicionalidade do texto constitucional.”69
Veja-se, pois, que a transferência da dogmática do mínimo social para o
Brasil, aqui desenvolvido pela doutrina como mínimo existencial, abarcando
apenas os direitos sociais – dentre eles o direito à saúde – não parece de todo
acertada, pois não há juristas que defendam que dificuldades orçamentárias
66 Expressão de KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais, p. 38. 67 DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde. São Paulo: Hucitec, 1994, p. 22. 68 KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais, p. 39-40. 69 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 60.
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possam restringir a um mínimo existencial a consecução dos direitos
fundamentais de primeira dimensão, que também podem ser custosos.70
70 Sem desconsiderar os argumentos da “reserva do possível” e do “mínimo existencial” o Supremo Tribunal Federal posicionou-se, consoante nosso entendimento, no sentido de o Poder Judiciário dever imiscuir-se nas questões, que, antes de tudo, têm base constitucional. STF. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Relator: Ministro Celso de Mello. Julgada em 29.04.2004: “Trata-se de argüição de descumprimento de preceito fundamental promovida contra veto, que, emanado do Senhor Presidente da República, incidiu sobre o § 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei nº 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004. O dispositivo vetado possui o seguinte conteúdo material: “§ 2º Para efeito do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza.” O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto presidencial importou em desrespeito a preceito fundamental decorrente da EC 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Requisitei, ao Senhor Presidente da República, informações que por ele foram prestadas a fls. 93/144. Vale referir que o Senhor Presidente da República, logo após o veto parcial ora questionado nesta sede processual, veio a remeter, ao Congresso Nacional, projeto de lei, que, transformado na Lei nº 10.777/2003, restaurou, em sua integralidade, o § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), dele fazendo constar a mesma norma sobre a qual incidira o veto executivo. Em virtude da mencionada iniciativa presidencial, que deu causa à instauração do concernente processo legislativo, sobreveio a edição da já referida Lei nº 10.777, de 24/11/2003, cujo art. 1º - modificando a própria Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei nº 10.707/2003) - supriu a omissão motivadora do ajuizamento da presente ação constitucional. Com o advento da mencionada Lei nº 10.777/2003, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, editada para reger a elaboração da lei orçamentária de 2004, passou a ter, no ponto concernente à questionada omissão normativa, o seguinte conteúdo material: “Art. 1º O art. 59 da lei nº 10.707, de 30 de julho de 2003, passa a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos: ‘Art.59, § 3º Para os efeitos do inciso II do caput deste artigo, consideram-se ações e serviços públicos de saúde a totalidade das dotações do Ministério da Saúde, deduzidos os encargos previdenciários da União, os serviços da dívida e a parcela das despesas do Ministério financiada com recursos do Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza. § 4º A demonstração da observância do limite mínimo previsto no § 3º deste artigo dar-se-á no encerramento do exercício financeiro de 2004.’ (NR).” (grifei) Cabe registrar, por necessário, que a regra legal resultante da edição da Lei nº 10.777/2003, ora em pleno vigor, reproduz, essencialmente, em seu conteúdo, o preceito, que, constante do § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), veio a ser vetado pelo Senhor Presidente da República (fls. 23v.). Impende assinalar que a regra legal em questão - que culminou por colmatar a própria omissão normativa alegadamente descumpridora de preceito fundamental - entrou em vigor em 2003, para orientar, ainda em tempo oportuno, a elaboração da lei orçamentária anual pertinente ao exercício financeiro de 2004. Conclui-se, desse modo, que o objetivo perseguido na presente sede processual foi inteiramente alcançado com a edição da Lei nº 10.777, de 24/11/2003, promulgada com a finalidade específica de conferir efetividade à EC 29/2000, concebida para garantir, em bases adequadas - e sempre em benefício da população deste País - recursos financeiros mínimos a serem necessariamente aplicados nas ações e serviços públicos de saúde. Não obstante a superveniência desse fato juridicamente relevante, capaz de fazer instaurar situação de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República. Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da
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Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional: “DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” (RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política “não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado” (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais - além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização - depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (“A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245-246, 2002, Renovar): “Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do
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Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.” (grifei) Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da “reserva do possível”, ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Desnecessário acentuar-se, considerado o encargo governamental de tornar efetiva a aplicação dos direitos econômicos, sociais e culturais, que os elementos componentes do mencionado binômio (razoabilidade da pretensão + disponibilidade financeira do Estado) devem configurar-se de modo afirmativo e em situação de cumulativa ocorrência, pois, ausente qualquer desses elementos, descaracterizar-se-á a possibilidade estatal de realização prática de tais direitos. Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações de ANDREAS JOACHIM KRELL (“Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 22-23, 2002, Fabris): “A constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado, o chamado ‘livre espaço de conformação’ (...). Num sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas para receber diversas concretizações consoante as alternativas periodicamente escolhidas pelo eleitorado. A apreciação dos fatores econômicos para uma tomada de decisão quanto às possibilidades e aos meios de efetivação desses direitos cabe, principalmente, aos governos e parlamentos. Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional. No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. A eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais depende, naturalmente, dos recursos públicos disponíveis; normalmente, há uma delegação constitucional para o legislador concretizar o conteúdo desses direitos. Muitos autores entendem que seria ilegítima a conformação desse conteúdo pelo Poder Judiciário, por atentar contra o princípio da Separação dos Poderes (...). Muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, uma obrigação do Estado de prover diretamente uma prestação a cada pessoa necessitada de alguma atividade de atendimento médico, ensino, de moradia ou alimentação. Nem a doutrina nem a jurisprudência têm percebido o alcance das normas constitucionais programáticas sobre direitos sociais, nem lhes dado aplicação adequada como princípios-condição da justiça social. A negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. (...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais
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Mas o direito social à saúde é peculiar, pois o direito à vida encontra-se
atrelado a ele. E a tutela da vida não requer apenas atitudes de defesa à integridade
psicofísica da pessoa humana por parte do Estado, mas também atitudes positivas
dele, uma vez que a proteção desse direito fundamental clássico depende também
da prestação de serviços públicos, a fim de que os indivíduos não passem por
graves intimidações à sua própria liberdade. Assim, o critério da viabilidade
orçamentária poderá ser relativizado quando a querela jurisdicional envolver a
vida humana, direito constitucional fundamental de primeira dimensão, cuja
eficácia – a preservação da integridade psicofísica da pessoa humana – depende
de condições materiais oferecidas pelo Estado.71 Nesse sentido, o fragmento do
julgado que condena o Município a prestar medicamentos adequados às
necessidades de pessoa idosa:
como fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões inconstitucionais.” (grifei) Todas as considerações que venho de fazer justificam-se, plenamente, quanto à sua pertinência, em face da própria natureza constitucional da controvérsia jurídica ora suscitada nesta sede processual, consistente na impugnação a ato emanado do Senhor Presidente da República, de que poderia resultar grave comprometimento, na área da saúde pública, da execução de política governamental decorrente de decisão vinculante do Congresso Nacional, consubstanciada na Emenda Constitucional nº 29/2000. Ocorre, no entanto, como precedentemente já enfatizado no início desta decisão, que se registrou, na espécie, situação configuradora de prejudicialidade da presente argüição de descumprimento de preceito fundamental. A inviabilidade da presente argüição de descumprimento, em decorrência da razão ora mencionada, impõe uma observação final: no desempenho dos poderes processuais de que dispõe, assiste, ao Ministro-Relator, competência plena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, legitimando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar. Cumpre acentuar, por oportuno, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuições do Relator, a competência para negar trânsito, em decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, estranhos à competência desta Corte, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175). Nem se alegue que esse preceito legal implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Cabe enfatizar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos de controle normativo abstrato de constitucionalidade, qualquer que seja a sua modalidade (ADI 563/DF, Rel. Min. PAULO BROSSARD - ADI 593/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - ADI 2.060/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 2.207/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 2.215/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que, tal como já assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento positivo brasileiro “não subtrai, ao Relator da causa, o poder de efetuar - enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) - o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata (...)” (RTJ 139/67, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Sendo assim, tendo em consideração as razões expostas, julgo prejudicada a presente argüição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da perda superveniente de seu objeto. Arquivem-se os presentes autos.” 71 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 47.
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“...Pouco importa que o medicamento pleiteado não conste da lista de entidade administrativa. Na presente demanda, objetiva-se a proteção de um direito individual fundamental, qual seja, o direito à vida. Como já salientado, assegurar o direito à vida a uma pessoa, propiciando-lhe medicação específica que lhe alivie o sofrimento e a dor de uma moléstia ou enfermidade irreversível, é garantir-lhe o direito de sobrevivência, finalidade do Estado. Em face de sua magnitude constitucional e, pois, social, referido direito não pode se submeter a exigências administrativas – ipso facto, hierarquicamente inferiores aos comandos constitucionais e legais – que obstaculizem sua efetiva proteção. Em suma, o procedimento aludido pela municipalidade é inconstitucional e ilegal, pois contrário à concretização do direito individual fundamental à vida digna. Não prospera o argumento referente à ausência de previsão ou insuficiência de recursos orçamentários, uma vez que o custeio da saúde municipal deve constar, por exigência constitucional, de sua dotação orçamentária, a qual recebe, inclusive, contribuição da União, através de repasses do SUS. Ademais existe a viabilidade de compensação entre os órgãos dos entes federados, consoante o inciso VII, do art. 35, da Lei 8.080/90. Nesse esteio, inadmissível o cidadão ver-se prejudicado, por conta de eventuais entraves burocráticos, sobrelevando-se o direito à saúde e à vida esculpidos no rol do art. 5º da Constituição Federal, com os quais o Estado não pode barganhar, pois que norteados pelos princípios fundamentais da República, consubstanciados na cidadania e na dignidade da pessoa humana (art. 1º, incisos II e III, da CRFB) [...] Na espécie, restou demonstrado pela documentação que se cuida de pessoa idosa, com 72 anos de idade (fls.07), cuja natural condição revela a imprescindibilidade do uso continuado dos remédios para preservação de sua saúde. Diante dessas considerações incide também a tutela específica estatuída pelo art. 15, caput e § 2º da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso)”72
O precedente ora estudado também leva em conta que o direito pleiteado
tem aplicação imediata na forma do art. 5º, § 1º da Constituição da República:
“Deveras, a Constituição da República denomina ‘direitos individuais’ o conjunto de direitos concernentes à vida, à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade e, nos termos do § 1º do seu art. 5º, as normas definidoras desses direitos têm aplicação imediata, inserindo-se, portanto, o fornecimento de medicamento aos carentes, na esfera da atuação obrigatória do Poder Público, na preservação da vida”73
Noutro sentido, que com o trazido à baila não se desarmoniza, já se
posicionava a doutrina de que não só o direito aos medicamentos, como medidas
de preservação da vida e consectários do direito à saúde, merecia a aplicação
imediata proveniente do art. 5º, § 1º da Constituição. Assim, os direitos sociais do
art. 6º, entre os quais se destaca o direito à saúde, não obstante sua colocação
72 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.50395. 2ª Câmara Cível. Apelante: Município de Barra Mansa. Apelado: Raimundo da Cunha. Relatora: Desembargadora: Suimei Meira Cavalieri. Julgada em: 24. 11. 2006. 73 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.50395. 2ª Câmara Cível. Apelante: Município de Barra Mansa. Apelado: Raimundo da Cunha. Relatora: Desembargadora: Suimei Meira Cavalieri. Julgada em: 24. 11. 2006.
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topográfica no âmbito da Carta brasileira, estariam sujeitos à idêntica
aplicabilidade imediata dos contidos no rol do art. 5º, por também conformarem
direitos fundamentais, logo, capazes de ordenar aos Poderes Públicos a maior
eficácia na sua concretização. Desse modo proclama-se que os enunciados
normativos que contêm direitos fundamentais devem ser imediatamente aplicados,
sem a necessidade da ingerência do legislador para que, definitivamente, não
fiquem à espera da disponibilidade dos órgãos estatais.74
Pelo exposto, não se entende que os direitos fundamentais sociais
plasmados na Constituição necessitem, para se efetivar, de opções políticas do
legislador em função do pluralismo ideológico ou por força de limitações jurídicas
de fato,75 já que a previsão constitucional parece suficiente para justificar sua
prelação pelo poder constituinte originário, de conformação absolutamente
democrática. Todavia, para os que assim não entendem, basta observar, no que
toca o direito à saúde no ordenamento jurídico brasileiro, a legislação
infraconstitucional que reafirma a sua jusfundamentalidade. A Lei Orgânica da
Saúde (Lei 8.080 de 1990) dispõe em seu art. 2º que: “A saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis
ao seu exercício.” E o Estatuto do Idoso prevê o direito à saúde dentro do Título II
da Lei 10.741, que trata dos direitos fundamentais da pessoa idosa.
Nesses casos, quando já se implantou o serviço público que vá atender um
direito fundamental, o não prestá-lo em desobediência à lei ordinária, dá ensejo ao
mandado de segurança, também pelo fato de o impetrante ser titular de um direito
subjetivo em face do Estado:76
“DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. REEXAME OBRIGATÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. [...] 2- SENTENÇA QUE RECONHECEU O DEVER DO MUNICÍPIO DE FORNECER DETERMINADOS MEDICAMENTOS À IMPETRANTE,
74 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na constituição de 1988, p. 9. 75 Posição de DE ANDRADE, José Carlos Vieira. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976, p. 386. 76 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional ‘comparado’, p. 32.
131
PORTADORA DA DOENÇA DE PARKINSON, UMA VEZ QUE ESTA NÃO TEM CONDIÇÕES DE SUPORTAR OS SEUS ELEVADOS CUSTOS. 3- É DEVER SOLIDÁRIO DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS GARANTIR A SAÚDE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS, 6º, 23, II, 24, XII, 194, 195, 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DA LEI 8.080/90, BEM COMO DO ART. 15, § 2º, DO ESTATUTO DO IDOSO, LEI 10.741/2003.”77
Outra ementa da mesma Câmara Cível também concede segurança à
pessoa idosa portadora de doenças próprias da velhice, nos mesmos termos da
supra citada:
DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. REEXAME OBRIGATÓRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. [...] 2- SENTENÇA QUE RECONHECEU O DEVER DO MUNICÍPIO DE FORNECER DETERMINADOS MEDICAMENTOS À IMPETRANTE, PORTADORA DE OSTEOPOROSE SENIL, INSUFICIÊNCIA VASCULAR CEREBRAL COM ATAQUES ESQUÊMICOS TRANSITÓRIOS UMA VEZ QUE ESTA NÃO TEM CONDIÇÕES DE SUPORTAR OS SEUS ELEVADOS CUSTOS. 3- É DEVER SOLIDÁRIO DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS GARANTIR A SAÚDE. INTELIGÊNCIA DOS ARTS, 6º, 23, II, 24, XII, 194, 195, 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DA LEI 8.080/90, BEM COMO DO ART. 15, § 2º, DO ESTATUTO DO IDOSO, LEI 10.741/2003.”78
Apesar de os precedentes analisados fazerem expressa menção ao art. 15, §
2º do Estatuto do Idoso, há o que se criticar em sua fundamentação na medida em
que observam que a parte que requer a segurança não tem condição de suportar os
elevados custos do medicamento que requerem. O referido artigo e parágrafo
dispõem expressamente: “Incumbe ao Pode Público fornecer aos idosos,
gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como
próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou
reabilitação.” Ora! Parece claro que o Estatuto do Idoso não deixou margem de
dúvidas para que todos os idosos, bem ou mal abastados, tenham o direito de
recebê-los gratuitamente.79
77 TJRJ. Recurso do duplo grau obrigatório de jurisdição. nº 2006.009.00252. 7ª Câmara Cível. Impretrante: Lucy Cunha Paulsen . Impretrado: Município de Niterói. Relatora: Desembargadora Helena Candida Lisboa Gaede. Julgada em: 4. 04. 2006. 78 TJRJ. Recurso do duplo grau obrigatório de jurisdição. nº 2006.009.00050. 7ª Câmara Cível. Impretrante: Carminda Couto Justi. Impretrado: Município de Barra do Piraí. Relatora: Desembargadora Helena Candida Lisboa Gaede. Julgada em: 18. 04. 2006. 79 A fim de esclarecer o sentido de prótese e órtese, vale-se da lição de VILAS BOAS, Marco Antonio. Estatuto do idoso comentado, p. 39: “Há uma classificação ortodoxa entre órtese e
132
Trata o art. 15, § 2º do Estatuto do Idoso de norma protetiva do ser
humano vulnerabilizado pela idade e pelo convívio com mais doenças que a
população jovem não vivencia, e, por tais vicissitudes, passível de se super
endividar por gastos com medicamentos ou de ter sua existência reduzida ao
consumo deles.80 Por essas razões e pelo princípio do melhor interesse do idoso,
as prestações de medicamentos, exames laboratoriais, e afins serão gratuitas para a
pessoa idosa, sem se questionar sua condição financeira. Aliás, onde a Lei não
restringiu o direito, não cabe ao intérprete fazê-lo. “A problemática do idoso não
se exaure na tutela do cidadão, somente, ou do cidadão pobre; é preciso superar a
lógica típica da emergência e ‘olhar adiante’, e em tempo realizar uma situação
fundada sobre o fisiológico.”81
Melhor, nesse sentido, parece a decisão que se baseia na normativa
constitucional, na Lei do SUS e, principalmente, no art. 15, § 2º do Estatuto do
Idoso, sem tocar nas condições sócio-econômicas do idoso para obrigar o
Município à prestação de remédios e fraldas geriátricas, como se entrevê:
“Tratam os presentes autos, de Apelação interposta as fls. 55/62 por ente federativo municipal, em ação que veicula pretensão de obrigação de
prótese, diferenciando-as, eis que a lei não pode ter palavras inúteis ou equivalentes. E não contém, porque as palavras não são sinônimas. A prótese consiste num dispositivo implantado no corpo para suprir a falta de um órgão[...] Órtese já se distingue claramente pois é apenas um dispositivo, instrumento ou artifício para a recuperação parcial de um membro ou órgão já existente e ineficaz por si só. Uma perna mecânica e uma dentadura são próteses; um aparelho corretivo para os dentes pode ser uma órtese (serve para pôr os dentes em ordem).” 80 Nesse sentido, Faculdade de Farmácia, UFMG, Belo Horizonte e ENSP Sergio Arouca, FIOCRUZ, Rio de Janeiro. Composição dos gastos com medicamentos utilizados por aposentados e pensionistas com idade igual ou superior a 60 anos em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. In: Cadernos de Saúde Pública. V. 23. nº 6. Rio de Janeiro. Junho, 2007, p. 1: “O objetivo do presente estudo foi analisar a composição dos gastos privados com medicamentos utilizados por indivíduos com 60 anos ou mais de idade, em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. A população estudada foi uma amostra representativa de aposentados e pensionistas do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) nessa faixa etária e residentes no Município de Belo Horizonte, entrevistados num inquérito domiciliar. Foram calculados os gastos mensais com medicamentos obtidos no setor privado e analisada sua composição considerando as características dos medicamentos. Responderam ao inquérito 667 indivíduos. Foi observado um gasto mensal privado médio de R$ 122,47 (US$ 38,91) com os medicamentos utilizados pelos participantes. Os grupos terapêuticos que representaram uma maior proporção dos gastos totais foram: sistema cardiovascular (26%), sistema nervoso (24%) e trato alimentar e metabolismo (15%). Em relação à categoria de registro dos medicamentos utilizados, os medicamentos de referência foram responsáveis por uma maior proporção dos gastos totais (54%). Os resultados deste estudo podem subsidiar políticas destinadas a melhorar o acesso a medicamentos e às condições sanitárias da população idosa brasileira.” 81 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 341. [Traduziu-se livremente do italiano]
133
fornecimento de medicamentos imprescindíveis à saúde de autor idoso, com fundamento nas normas constitucionais que informam a solidariedade dos entes integrantes da República quanto à manutenção da saúde dos cidadãos (arts. 1º, 23 e 196, CF), bem como, de normas do plexo legislativo ordinário instituidoras e reguladoras do Serviço estatal relativo à saúde (SUS) (arts. 4º e 6º, I. ‘d’, da Lei 8.080/90), matéria já reiteradamente julgada pela jurisprudência sendo inclusive objeto de verbete sumular (súmula 65 do TJERJ), por isso não oferecendo qualquer dificuldade devido ao teor eminentemente técnico da questão, de forma a conferir segurança bastante para o proferimento de decisão monocrática no presente processo. A matéria discutida refere-se ao ajuizamento de ação de obrigação de fazer em função da negativa por parte da autoridade e/ou órgão municipal quanto ao fornecimento dos medicamentos: I- CONSEDILOL; II- NIMODIPINA; III- LISINOPRIL; IV- AAS; V- BENERVA, bem como FRALDAS DESCARTÁVEIS, constantes nas prescrições médicas de fls. 10, bem como do decisum de fls. 51/54, à paciente idoso (art. 15, § 2º, Lei 10.741/03) que sofre de Hipertensão Arterial Sistêmica e Isquemia Cerebral, não tendo o município réu comprovado motivo legítimo para a negativa.[...] Pelo exposto, acolhendo os pareceres do MP em primeiro e segundo graus, com fundamanto no art. 557, caput, CPC, NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO POR MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE.”82
O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu acerca do fornecimento
de medicamento gratuitamente para pessoa idosa com fulcro na Constituição da
República, porém, sem mencionar o Estatuto do Idoso; assinalando tratar-se de
pessoa desprovida de recursos financeiros:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. IDOSO. LEGITIMAIDADE PASSIVA SOLIDÁRIA DOS ENTES PÚBLICOS (MUNICÍPIO, ESTADO E UNIÃO). ARTS. 196 E 198, § 1º, DA CF/88. PRECEDENTES DO STJ. FRECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. A ausência de prequestionamento dos dispositivos legais tidos como violados torna inadimissível o recurso especial. Incidência das Súmulas 282/ STF e 211/STJ. 2. Nos termos do art. 196 da Constituição Federal, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Tal premissa impõe ao Estado a obrigação de fornecer gratuitamente às pessoas desprovidas de recursos financeiros a medicação necessária para o efetivo tratamento de saúde. 3. O Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços de saúde prestados à população. Legitimidade passiva do Estado configurada. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.”83
82 TJRJ. Apelação Cível nº 7877/2006. 16ª Câmara Cível. Apelante: Município de São Gonçalo. Apelado: Adir Neves Rodrigues. Relator: Desembargador Gerson Arraes. Julgada em: 21. 03. 2006.
134
Nesse entorno, faz-se apologia à referência ao Estatuto do Idoso, pois
somente ele promove, com a gratuidade de medicamentos, de órteses e próteses,
de recursos relativos ao tratamento, habilitação e reabilitação, sem entrar no
mérito da situação financeira, a desospitalização da pessoa idosa. Quer-se que os
idosos obtenham as referidas prestações de forma gratuita não só, mas também,
para que possam viver em seu lar, na sua intimidade e na medida do possível,
afastados de um hospital ou de uma clínica, onde estariam internados. Pretende-se
que o idoso seja o mais independente possível de médicos, enfermeiros e
equipamentos específicos de instituições de atendimento à saúde, vivendo e se
desenvolvendo em seu habitat natural, tendo em vista que são altos os números de
morbidade e mortalidade de pacientes idosos hospitalizados.84
Por fim, começa-se a perceber o que adiante será reforçado: a temática do
“mínimo existencial”, certamente válida para evitar desperdícios e gastos
desproporcionais ao necessário à dignidade da pessoa humana, quando aplicada à
saúde das pessoas de idade avançada, não é, e sequer pode ser, tão mínima assim.
Vale aqui ressaltar o valor do cuidado que lhes deve ser consignado por sua
extrema vulnerabilidade física, psíquica e social. Amparar o idoso na forma
propugnada pela Constituição significa saber cuidar de sua senescência com as
singularidades que ela carrega. A desigualdade de fato dos idosos é a principal
motivação desse tipo de tratamento jurídico diferenciado em seu favor,
constituído por política pública advinda do Legislativo por meio de disposições
como a do art. 15, § 2º do Estatuto do Idoso.
Portanto, o cuidado na seara da saúde em conformidade com a Lei 10.741
de 2003, atribui novas regras, além das previstas pela Constituição e pelas Leis do
SUS, para um sistema de saúde pública específico para o idoso, oferecendo-lhe
algumas prerrogativas a mais do que as destinadas às pessoas de idade jovem ou
83 STJ. Recurso Especial nº 828.140- MT (2006/0067547-0). Primeira Turma. Recorrente: Estado do Mato Grosso. Recorrido: Maria Euzébia do Nascimento. Relatora: Ministra Denise Arruda. Julgado em 20. 03.2007. [grifou-se] 84 Conforme observado por AMARAL, Ana Cláudia Santos, COELI, Claúdia Medina, ESTEVES DA COSTA, Maria do Carmo, CARDOSO, Vânia da Silva, DE TOLEDO, Ana Lúcia Araújo, FERNANDES, Carla Rodrigues. Perfil de morbidade e mortalidade de pacientes idosos hospitalizados. In: Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro. Novembro/Dezembro/2004, p.1616-1626.
135
adulta, certamente com base nas suas aludidas condições especiais de
vulnerabilidade e no consectário princípio do seu melhor interesse.
4.3 O Direito à Saúde da Pessoa Idosa e o Papel do Estado na Sua Consecução
Revela-se paradoxal que o Brasil possua uma Constituição tão adiantada
em termos de direitos sociais e se configure uma das dez nações com a maior
economia do mundo, ao passo que trinta milhões de brasileiros vivem na situação
de indigência, sem um mínimo de condição de gozo dos serviços públicos básicos
como os de assistência social, moradia e saúde.85
A Constituição da República brasileira de 1988, em seu art. 196, diz que a
saúde é direito de todos e dever do Estado. A saúde é direito subjetivo, portanto,
“refere-se necessariamente a um sujeito para significar que ele goza de uma certa
posição favorável.”86 O direito subjetivo à saúde tem como titulares todos os seres
humanos do Estado brasileiro, razão pela qual trata-se de direito subjetivo
público, pois, a generalidade dos indivíduos está apta a gozar da situação
favorável de recebê-lo, conseqüentemente, todos os indivíduos podem exigi-lo do
Estado, porque sua prestação consubstancia dever dele.
Esse dever, na forma do artigo citado, é garantido mediante políticas
sociais e econômicas. Tais políticas públicas devem visar: i. à redução do risco de
doença e de outros agravos, ii. ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação, na forma do referido art. 196.
Observa-se, portanto, que a primeira política em prol da saúde traçada pelo
Estado tem caráter preventivo. Ao se referir à redução do risco de doença e de
outros agravos o texto constitucional remete a certas necessidades humanas para
uma vida saudável, tais como, higiene, saneamento básico, água potável,
alimentação adequada, segurança no trabalho, segurança no consumo de produtos
ou serviços, vacinação para evitar deficiências, meio ambiente sadio, entre outras, 85 KRELL, Andreas J. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais, p. 26. 86 ASCENÇÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 38.
136
a fim de que a saúde se mantenha e se previnam doenças e outros riscos como
epidemias, acidentes de trabalho ou acidentes de consumo, por exemplo.87
Em segundo lugar, a ordem constitucional elege como política, ações e
serviços que serão prestados quando a saúde já estiver, em algum patamar,
combalida, visando, à sua promoção, proteção ou recuperação. Nesses casos, as
políticas de prevenção às doenças e outros agravos devem somar-se às ações que
atuam diretamente sobre a debilidade apresentada.
O acesso à saúde é universal, porque imbuído da obrigação de abranger a
universalidade do povo do Estado brasileiro. 88
O Sistema Único de Saúde implementou-se para assegurar a saúde de
todos que dele precisarem e o escolherem. Criado pela Constituição brasileira de
1988, dois anos depois se regulamentou pelas Leis 8.080 de 1990 e pela Lei
8.142, também de 1990. É composto pelo conjunto de ações e serviços de saúde
oferecidos por instituições públicas federais, estaduais e municipais, e, de maneira
complementar, pela iniciativa privada que se vincule ao seu sistema.89 Ao
contrário do que se possa imaginar pela realidade social encontrada na saúde
pública, o SUS não foi criado para atender apenas à população carente, tal como
uma política de assistência social ou somente aos seus contribuintes, como ocorre
com as prestações previdenciárias.90 A universalidade a que a Lei alude significa
que o sistema público de saúde brasileiro destina-se a todos indistintamente.91
87 CORDEIRO, Hésio. SUS – Sistema único de saúde. Rio de Janeiro. Editora Rio, 2005, p. 79: “O princípio de que é dever do estado garantir a saúde ‘mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco da doença e de outros agravos’ contempla, de forma explícita, o reconhecimento da multicausalidade e de determinação social, econômica e política do processo saúde-doença.” 88 CORDEIRO, Hésio. SUS – Sistema único de saúde, p. 79: “O conceito de universalidade de cobertura é análogo ao reconhecimento de todos à saúde. Há quem o questione, por julgar que não corresponde à realidade ou às diferenças de consumo médico, que ocorrem na sociedade, relacionado a fatores socioeconômicos ou psicossociais e diferenças culturais.” 89 ACURCIO, Francisco de Assis. Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil. In: Programa Multiplica SUS: Curso Básico Sobre O SUS: (Re) descobrindo O SUS Que Temos Para Construirmos O SUS Que Queremos. Brasília, 2007, p. 37 e 38. 90 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 158. 91 Não há, contudo, como se desprezar as experiências de quase vinte anos com o SUS, como bem explana BAHIA, Ligia. O SUS e os desafios da universalização do direito à saúde: tensões e padrões de convivência entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro. In: Saúde e Democracia: história e perspectivas do SUS. Organizadores: LIMA, Nísia Trindade, GERSCHMAN, Silvia e EDLER, Flávio Coelho. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005, p. 410: “Na
137
Trata-se de um sistema, porque formado por várias instituições de nível federal
estadual e municipal, bem como pelo setor privado, contratado ou conveniado,
possuindo todos esses órgãos o mesmo corpo sistemático único, isto é, com a
mesma filosofia de atuação em todo território nacional.92
O acesso à saúde pública tem concepção igualitária, de modo que todos os
seres humanos que recorram ao Estado tenham o mesmo nível de tratamento, sem
qualquer tipo de discriminação. No entanto, há de se observar que igualdade no
serviço público de saúde significa o implemento de ações estatais nas regiões que
mais necessitam dele, de modo que seria até inconstitucional a construção de um
hospital público em região predominantemente abastada de recursos materiais,
que se sirva de atendimentos privados, em detrimento da sua instalação nas
regiões onde há escassez e pobreza.93
Nesse sentido, a Constituição brasileira de 1988 não consagra um modelo
de Estado mínimo, “que tende a atribuir todos ou quase todos esses encargos aos
indivíduos ou a grupos privados”94 e também não recepciona a concepção de
Estado social de Jorge Miranda, “que aceita assumir os custos de satisfação de
necessidades básicas, embora não os das demais necessidades a não ser na medida
do indispensável para assegurar aos que não podem pagar as prestações os
mesmos direitos a que têm acesso aqueles que as podem pagar,”95 mas o que o
autor mencionado chama de Estado assistencial, “que tende, pelo contrário, a
confiá-los ao Estado.”96 Cumpre registrar que a maioria da população brasileira
prática, as diretrizes legais do SUS, embora intactas, não foram suficientes para conter movimentos que o moldaram segundo princípios distintos dos promulgados pela Constituição de 1988. Quinze anos após seu batismo legal, o SUS é considerado por uma grande parcela de dos profissionais da saúde, órgãos da imprensa, determinadas autoridades governamentais, empresários e sindicalistas como um sistema para pobres. A solução aparentemente realista e eficaz para acomodar as tensões tem sido encarada pelos otimistas como etapa de um processo de amadurecimento que evoluirá para a conformação de um sistema de fato único. Os pessimistas o vêem como demonstração cabal da ineficiência do público e da imprescindibilidade do privado. Ambas as interpretações supõem a impossibilidade de uma universalização, em curto prazo, e, de certo modo, admitem uma complementaridade harmoniosa entre sistemas diferenciados pelo status socioeconômico das demandas.” 92 ACURCIO, Francisco de Assis. Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil, p. 38. 93 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 161. 94 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, p. 395. 95 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, p. 395 e 396. 96 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Direitos fundamentais, p. 395.
138
depende do Sistema Único de Saúde numa proporção de 75%. Apenas 20 a 25%
do total de habitantes possuem plano privado de saúde.97
Jungida à universalidade e à igualdade nas prestações de saúde existe uma
regra que, embora não mencionada pela Constituição, encontra-se implícita na
acepção social própria do direito à saúde pública no Estado brasileiro. Trata-se da
regra da gratuidade dos serviços públicos de saúde, corroborada pelo art. 43 da
Lei 8.080 de 1990: “a gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada
nos serviços públicos contratados, ressalvando as cláusulas dos contratos e
convênios estabelecidos com as entidades privadas.”
Ressalte-se que as ações e serviços em prol da saúde são de ordem pública,
logo, não podem ser afastados por pessoa alguma que se conforme em não recebê-
los. Esse tipo de negociação com o Estado é vedado.
Na forma do art. 197, a Constituição dispõe sobre a relevância pública das
ações e dos serviços públicos de saúde que integram uma rede regionalizada e
hierarquizada constituindo um sistema único, consoante seu art. 198. Assim, a
rede de atendimento do Sistema Único de Saúde distribui-se por regiões, de
acordo com necessidades dadas em virtude da sua extensão geográfica e da
densidão populacional. A hierarquia corresponde à divisão da rede em
atendimentos de grau primário, de baixa, de média e de alta complexidade. Nesse
sentido, sugere-se que os Estados mantenham hospitais de alta complexidade,
visto que possuem um conhecimento regional da situação da saúde em seus
confins e os Municípios mantenham a responsabilidade pelos procedimentos
primários e de baixa complexidade, de forma que bem se integrem Estados e
Municípios a fim de racionalizar custos sem prejudicar usuários.98
Tem-se, pois, um sistema único, que não admite a existência de outros
sistemas de saúde, organizado de acordo com as seguintes diretrizes dos incisos I,
II e III do art. 198:
i. “descentralização, com direção única em cada esfera de governo;” que
condiz com a hierarquia e a regionalidade já mencionados. Aqui, descentralizar
significa dotar o Município da obrigação de, primordialmente, executar os 97 BAHIA, Ligia. O SUS e os desafios da universalização do direito à saúde: tensões e padrões de convivência entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro, p. 436. 98 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 165.
139
serviços de saúde, por reconhecer as demandas locais e possuir capacidade de
desenvolver ações preventivas e de tratamento mais condizentes e satisfatórias de
acordo com sua realidade. Recorde-se que o art. 30, inciso VII da Constituição diz
que “compete aos Municípios [...] prestar, com a cooperação técnica e financeira
da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.” Nesse
ponto, as atividades da União e até mesmo dos Estados, acabam sendo
subsidiárias às do Município, que lhes entregará aquilo que não for de sua alçada
por abranger extensão regional ou nacional e os procedimentos que não puder
realizar de maneira adequada, sempre contando, nos dizeres do art. 30, com a
cooperação técnica e financeira da União e do Estado. Todavia, a descentralização
pode ser revertida se o Município ou o Estado incorrerem em práticas ilegais na
forma do art. 4º, parágrafo único, da Lei 8.142 de 1990 que dispõe: “O não
atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos
requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em (sic) que os recursos
concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela
União.”99
A direção única em cada esfera de governo significa que, no âmbito da
União, tal direção executar-se-á pelo Ministério da Saúde e nos Estados, Distrito
Federal e Municípios, a exercerão as Secretarias de Saúde ou órgãos equivalentes,
de acordo com o art. 9º da Lei 8.080 de 1990, que regulamenta a normativa
constitucional.
ii. “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas,
sem prejuízo dos serviços assistenciais;” significando que o usuário do sistema
deve ser visualizado em seu todo, e não como um amontoado de partes, inclusive,
inserido numa comunidade, de modo que as ações de saúde devem se voltar tanto
para o usuário quanto para o ambiente em que se encontra, a fim de prevenir
doenças e a realizar devidamente o tratamento.100
Já a prioridade atribuída às atividades preventivas inclui fornecer
medicamentos aos que necessitam, mesmo que não estejam hospitalizados.
Quanto aos serviços assistenciais, o Sistema Único de Saúde possui o dever de
prestá-los integralmente, independente do tipo de doença ou agravo apresentado 99 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 166-167. 100 ACURCIO, Francisco de Assis. Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil, p. 38.
140
pelo indivíduo, da complexidade e do custo do seu tratamento, ainda que a
patologia apresentada não se inclua na sua listagem de serviços usuais.101
iii. “participação da comunidade”; como ferramenta de gestão
participativa, a qual confere espaço à formulação, execução, influência, também
por meio do povo, nas políticas públicas democraticamente consideradas
prioritárias, além de arredar exercícios paternalistas e implementar a
responsabilidade comunitária.102 Tratada na Lei 8.080 de 1990 em seu art. 7º,
inciso VIII, a participação da comunidade foi desenvolvida na Lei 8.142 de
1990.103
Atente, inclusive, para a importância do dispositivo do parágrafo 4º que dá
grande importância às posições dos usuários do sistema: “A representação dos
usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao
conjunto dos demais seguimentos.”
Certo é que, se o Estado tem o dever de prestar saúde à população, os
recursos para tal múnus possuem um manancial. Assim, o parágrafo primeiro do
referido art. 198 diz que o Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do
art. 195, por toda a sociedade, com recursos do orçamento da seguridade social,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras
fontes. Observa-se, portanto, que o povo, beneficiário do direito à saúde, por meio
de tributos pagos ao Estado, é, em princípio, quem o abastece de expedientes, os
quais lhe serão retransmitidos na forma de políticas públicas de prevenção,
promoção, proteção e recuperação da sua saúde.104 Mas, como dito, não apenas o
101 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 170-171. 102 WEICHERT. Marlon Alberto. Saúde e federação na constituição brasileira, p. 171. 103 A Lei 8.142 de 1990 em seu art. 1º criou a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde. Segundo reza o parágrafo 1º desse artigo: “A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde.”103 E o parágrafo 2º subseqüente, completa: “O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais da saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo.” 104 CORDEIRO, Hésio. SUS – Sistema único de saúde, p. 79: “O conceito de seguridade social, envolve ações de ‘iniciativa dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos à saúde, previdência e assistência social’ (Título VIII, Cap. II, Seção I, art. 194, da Constituição Federal). Ao incluir a saúde nesse conceito, superou o conceito tradicional de
141
orçamento da seguridade social destinar-se-á à saúde, a ele serão adicionados
recursos próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Todavia, a experiência demonstra que o Estado brasileiro ainda não
conseguiu atingir a meta de prestar assistência sanitária adequada e suficiente para
que cada ser humano tenha o digno tratamento de sua saúde e a preservação de
uma vida digna.
O Sistema Único de Saúde demanda maior racionalidade, de modo que
serviços sejam oferecidos mediante as necessidades da população e não como se
observa hoje, em muitos lugares, a presença de hospitais altamente equipados e
médicos especializados sem a contrapartida de serviços básicos de saúde e
clínicos gerais; ademais, necessita de grau maior de eficiência para resolver as
questões de saúde e doença com qualidade, valendo-se de técnicas mais
adequadas, de acordo com a realidade local e a disponibilidade de recursos, esses,
devendo ser usados da melhor maneira possível, afastando o desperdício. Os
equipamentos da saúde pública também devem ser apropriados para lograr os
resultados que deles se esperam e os profissionais treinados para bem exercer suas
funções.105
Mas o maior problema do Sistema Único de Saúde parece ser seu
financiamento. Ele conta com contribuições sociais sobre o faturamento e o lucro,
na forma do art. 195, inciso I da Constituição que, conforme gerenciadas,
mostram-se absolutamente insuficiente para garantir o custeio das suas despesas.
Parece que, ciente da dificuldade de se implementar um sistema de saúde
gratuito e para todos no contexto econômico e social brasileiro, o próprio
documento constitucional, em seu art. 199, previu que a assistência à saúde é livre
à iniciativa privada, de forma a complementar o Sistema Único de Saúde, mas
segundo diretrizes traçadas pelo Estado, que privilegiam entidades filantrópicas e
sem fins lucrativos, na forma do parágrafo 1º do artigo citado. Dessa maneira, o
Poder Público regula e fiscaliza a assistência privada à saúde, que se dá por meio
dos chamados planos privados de saúde que, pagos por seus usuários,
complementam o Sistema Único de Saúde, mediante contrato de direito público
‘seguro-social’. Esse compreende apenas os direitos dos contribuintes diretos, enquanto o de seguridade envolve direitos de contribuintes e não contribuintes, estes cobertos pelas receitas tributárias, portanto, por toda a sociedade.” 105 ACURCIO, Francisco de Assis. Evolução histórica das políticas de saúde no Brasil, p. 38.
142
ou convênio, realizados com o órgão estatal de acordo com o parágrafo primeiro
do referido artigo.
Percebe-se uma ordem de prioridade no oferecimento dos serviços de
saúde. Em primeiro lugar a saúde deverá ser prestada pelas unidades públicas.
Caso sejam essas incapazes de atender a todos os casos, em segundo lugar, o
Poder Público priorizará entidades filantrópicas e sem fins lucrativos; só em
último caso, comprovada a carência do setor público e filantrópico sem fins
lucrativos é que o Sistema Único de Saúde pode realizar contratos ou convênios
com instituições privadas, que possuem finalidade de lucro, desde que exerça seu
poder de polícia a fim normatizar, fiscalizar e controlar a atuação desses serviços.
Ao Poder Público também é conferido o direito de se ressarcir dos
dispêndios que sofrer com o acolhimento de um cidadão que possua plano privado
de saúde por opção, ou por contrato empregatício. É que a gratuidade do Sistema
Único de Saúde ocorre entre ele e os cidadãos, mas não entre ele e as empresas
privadas prestadoras de serviços de saúde, de modo que o próprio art. 32 da Lei
9.656 de 1998, a chamada Lei dos Planos de Saúde, determina que as operadoras
dos planos devem ressarcir as instituições públicas ou privadas integrantes do
SUS, quando estas prestarem serviços de atendimento à saúde abrangidos pelos
respectivos contratos.
Desse modo, evita-se o locupletamento sem causa justa do setor privado
em desfavor do órgão público, pois, se o consumidor paga pela manutenção de
sua saúde, nada mais justo que, quando atendido na esfera pública, tenha os ônus
do seu tratamento repassado à instituição privada que deve se responsabilizar por
ele. Trata-se, portanto, de um importante instrumento da própria coletividade de
se compensar do gravame em que incorreu.
Dentre todas as pessoas que necessitam do acesso à saúde, os idosos
encontram-se na categoria de pessoas que necessitam mais. Isto ocorre em virtude
do próprio envelhecimento que torna o corpo e a mente humana, em medida
maior, suscetíveis de adoecer. Em caráter preventivo, os idosos precisam de
condições especiais para viver sua maturidade de maneira saudável; se doentes,
pela fragilidade que a idade lhes impõe, necessitam de uma tutela incisiva do
Estado para recuperar e promover sua saúde.
No Título II do Estatuto do Idoso, que versa sobre os direitos fundamentais
da pessoa idosa consta inserido, no Capítulo IV, o direito à saúde.
143
Dentre as políticas públicas mais importantes para garantir a vida digna do
idoso destacam-se as de saúde traçadas pelo seu Estatuto, na forma do art. 15, § 1º
que disciplina que a prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas
por meio de políticas sociais previstas nos incisos, II, II, III, IV e V do artigo
aludido. Em princípio, cumpre observar o significado de prevenção e de
manutenção da saúde do idoso. Prevenção quer dizer: chegar antes que a doença
ou agravo estejam instalados, evitar que o idoso tenha sua saúde debilitada;
enquanto manutenção expressa a tomada de medidas necessárias para a
conservação ou permanência da situação de saúde do idoso. Ambas tratam-se de
medidas profiláticas, sendo que, aqui, manutenção denota também o intuito de,
pelo menos, não deixar que a saúde do idoso se torne mais precária do que se
encontra. A fim de efetivar tanto a prevenção quanto à manutenção da saúde do
idoso haverá, por parte do Poder Público, na forma dos incisos citados:
I – “cadastramento da população idosa em base territorial;” ou seja, o registro
público da população idosa no território brasileiro, inclusive para saber onde há
maior concentração da população envelhecida e suas condições existenciais a
fim de envidar esforços para sua proteção;
II – “atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios;” para que o
idoso tenha atendimento peculiar em suas especificidades num local onde
possam ser realizados, rapidamente, primeiros socorros, curativos, cirurgias
pequenas, exames de baixa complexidade, de modo que o idoso não precise
ficar na espera de acolhimento em um grande hospital ou clínica que possuam
outras especialidades que não a geriátrica e gerontológica;
III – “unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas
de geriatria e gerontologia social;” que significa a manutenção, pelo Poder
Público, de hospitais e clínicas de referência voltadas especialmente para o
idoso.
Geriatria é a parte da medicina voltada para as doenças próprias dos
velhos106 e gerontologia é a ciência que estuda as problemáticas da velhice sob
106 Todas as pesquisas sobre a saúde dos idosos são muito recentes e remontam ao século passado. Segundo DOLL, Johannes, O campo interdisciplinar da gerontologia. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Janete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: Nau, 2004, p. 93: “A
144
todos os seus aspectos: biológico, clínico, histórico, econômico e social. Aqui o
legislador preferiu dar ênfase à gerontologia social, ou seja, a que trata dos
aspectos sociais da velhice. Todavia, um gerontólogo não se preocupará apenas
com as condições sociais de uma pessoa envelhecida, pois é característica inerente
à gerontologia sua interdisciplinaridade;107
IV – “atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que
dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos
abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins
lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios
urbano e rural;” nos casos em que a pessoa idosa necessite, por circunstâncias
da sua própria doença ou por impossibilidade de locomoção,108 de não sair do
seu lar, seja ele seu domicílio ou instituições como asilos e similares. Essa
política pública abrange os ambientes das cidades e os rurais;
V – “reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das
seqüelas do agravo à saúde;” onde se visa, norteados por geriatras e
gerontólogos, a restituir o idoso ao estado anterior, isto é, o de saúde, por meio
do arrefecimento das conseqüências do agravo sofrido.
palavra ‘geriatria’ foi introduzida em 1909 pelo médico Ignatz L. Nascher, um defensor desta especialidade médica.” 107 Sobre gerontologia DOLL, Johannes, O campo interdisciplinar da gerontologia, p. 97-98, esclarece: “O específico da gerontologia seria, portanto, a transformação e aplicação de conhecimentos advindos de outras áreas [...] A gerontologia caracteriza-se por ser uma ciência que usa um leque de trabalhos mono, multi e interdisciplinares, mas o específico aqui é a interação dos resultados desses trabalhos, no sentido de construção de conhecimentos e teorias específicos sobre o envelhecimento.” 108 As etiologias mais freqüentes de imobilidade do idoso, segundo MARINI, Maria Fernanda De Vito, BAISI, Paulo Paiva e BARBOSA, Rosiane Caseli. Imobilidade e suas implicações – síndrome de imobilidade. In: Geriatria: Fundamentos, Clínica e Terapêutica. Editores: DE CARVALHO FILHO, Thomaz e PAPALÉO NETTO, Matheus. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2005, p. 720, são: “Neurológicas: cerebrovasculares, neurodegenerativas, acidente vascular encefálico, neuropatias, Doença de Parkinson, etc. Musculoesqueléticas: osteoartrose, seqüelas de fraturas, problemas nos pés, deformidades, osteoporose, osteomalácia, causas musculares, amputação, síndrome pós-pólio, etc. Cardiovasculares: insuficiência cardíaca, insuficiência coronária, insuficiência vascular periférica. Respiratórias: doença pulmonar obstrutiva crônica, dependência de oxigenioterapia. Sensoriais: visuais, auditivas, Quedas. Iatrogênicas: medicamentos, imobilidade forçada por restrição física, etc. Psíquicas: depressão, perda da motivação, medo de cair, isolamento social. Desnutrição. Condições ambientais inadequadas: iluminação, piso, degraus, etc. Hospitalização prolongada.”
145
A política pública emanada do Sistema Único de Saúde visa a atender a
todos, e, entre todos, especialmente à pessoa idosa, como consta do caput do art.
15 do Estatuto do Idoso, pautando-se nas regras já aludidas da universalidade, da
igualdade, da gratuidade, da integralidade, da regionalização e hierarquização de
serviços, da descentralização, da direção única e da participação social,
adicionando-lhe a prerrogativa da prevenção do agravo à sua saúde, conforme já
destacado e a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os
idosos.109
As doenças que afetam preferencialmente os idosos, tornando-os ainda
mais vulneráveis, têm sido estudadas pela geriatria. O Sistema Único de Saúde
quer que lhes seja dispensada atenção especial e, para cumprir esse desiderato
cabe, em princípio reconhecê-las.
De início, se discorre acerca das chamadas injúrias geriátricas, quais
sejam: a imobilidade, a instabilidade, a insuficiência cognitiva, a incontinência e a
iatrogenia.
A imobilidade provoca a incapacidade de deslocamento do idoso sem a
ajuda de outra pessoa para satisfazer suas necessidades diárias. Mesmo uma
imobilidade temporária, por exemplo, a que decorre de reabilitação de fratura do
fêmur, tem o condão de gerar atrofia muscular, aumento de reabsorção dos ossos,
rigidez articular, o que aumenta as possibilidades de incontinência e de úlceras de
pressão. Quando duradoura a constância no leito, prejudica-se a ventilação das
bases dos pulmões, podendo ocasionar alojamento de processos de infecção. Essa
complexidade de acontecimentos patológicos gera efeito dominó, com sucessivos
problemas de saúde desencadeados concomitantemente, o que desafia a medicina
geriátrica.110 Como conseqüências da imobilidade tem-se “a perda da
independência, constipação intestinal, risco de trombose venosa, embolia
109 “É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.”
110 GUIMARÃES, Renato Maia. Os compromissos da geriatria. In: Sinais e Sintomas em Geriatria. 2 ed. Editores: GUIMARÃES, Renato Maia e CUNHA, Ulisses Gabriel de Vasconcelos. São Paulo: Atheneu, 2004, p. 3.
146
pulmonar, úlceras de decúbito, osteoporose”,111 podendo também acarretar
instabilidade postural, incontinências e insuficiência cerebral.
Outro problema comum nos idosos é a instabilidade postural que gera altos
índices de fratura em idosos devido às quedas. A instabilidade postural decorre da
perda de equilíbrio advinda de outras doenças e, como conseqüência, provoca
contusões e feridas, fraturas e lesões no sistema nervoso central nas situações
mais gravosas, além de abalar psicologicamente o idoso por lhe causar o receio de
outra queda e por poder causar imobilidade.112
Os fatores que proporcionam instabilidade postural podem ser mais
comuns na própria velhice, como o “déficit sensorial, cognitivo, doenças
neurológicas, osteoartrose, miopatias, doenças cardiovasculares, vestibulares e
transtornos do humor”113, mas também podem advir de um ambiente impróprio
para a pessoa idosa, tais como: “iluminação inadequada, pisos escorregadios,
mobiliário, vestuário e o transporte não adaptado às necessidades desse
usuário.”114 O uso de remédios e o abuso no uso do álcool ou de outras drogas
também geram instabilidade.
A insuficiência cognitiva embaraça a independência funcional e autonomia
do idoso, uma vez que compromete as funções encefálicas e a habilidade
intelectual. Há, em certos idosos, dificuldades de memória recente, lentificação do
curso do pensamento, dificuldades no uso da linguagem.115 O comprometimento
cognitivo leve atinge 7% dos idosos acima de 65 anos e se identifica por: queixa
de dificuldade de memória confirmada por parente ou cuidador, distúrbio de
memória constatado em teste neuropsicológico específico, queixa de dificuldade
no aprendizado e da atenção concentrada, queixa de fadiga mental, no entanto,
com funções cognitivas gerais preservadas – com exceção do comprometimento
de memória – manutenção das atividades da vida diária e ausência de critérios 111 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais, p. 263. 112 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 262. 113 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 262. 114 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 262. 115 STELLA, Florindo. Funções cognitivas e envelhecimento. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais. Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Janete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: Nau, 2004, p. 284-285.
147
clínicos suficientes para a confirmação da doença de Alzheimer ou outro processo
demencial.116
Mas os idosos são freqüentemente assolados por demências que se
dividem em degenerativas, decorrentes de um processo de atrofia cerebral
progressiva como a demência de Alzheimer, a demência com corpos de Lewy, a
demência frontotemporal, também conhecida como doença de Pick, a demência
resultante da doença de Parkinson,117 e, eventualmente, por demências adquiridas
como a vascular, que provoca acidentes vasculares cerebrais, traumas crânio
encefálicos, associadas a processos infecciosos como meningoencefalite, AIDS,
entre outros e ao uso de certas substâncias como álcool e outras drogas.118
A partir de uma doença cerebral, o idoso pode apresentar seqüelas que
levam à instabilidade postural, às incontinências e à imobilidade.119 Pacientes que
apresentam doenças mentais constituem um enorme encargo para suas famílias e
seus cuidadores, razão pela qual esses também devem ser tratados numa
perspectiva de suporte.120
A incontinência pode ser urinária, fecal, ou ambas ao mesmo tempo.
Apresenta-se como a perda involuntária de urina e/ou fezes que constitui um
problema que atenta contra a dignidade da pessoa idosa, causando-lhe
deterioração da qualidade de vida e da auto estima, isolamento social e
hospitalização; além de lhe acarretar situações deficitárias de higiene e saúde
ocasionando maus odores, lesões na pele, infecções recorrentes e quedas,
resultando, pois, em instabilidade postural e, em casos mais graves,
imobilidade.121
Chama a atenção o fato de certos trabalhadores da saúde não darem a
devida importância às grandes manchas de urina nos lençóis de um idoso e se
preocuparem imediatamente quando percebem uma gota de sangue. Trata-se de
116 STELLA, Florindo. Funções cognitivas e envelhecimento, p. 286-287. 117 STELLA, Florindo. Funções cognitivas e envelhecimento, p. 288-295. 118 STELLA, Florindo. Funções cognitivas e envelhecimento, p. 288. 119 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 263. 120 GUIMARÃES, Renato Maia. Os compromissos da geriatria, p. 4. 121 PINHEIRO, José Elias Soares e FREITAS, Elizabete Viana. Promoção da saúde, p. 262.
148
uma inversão de valores já que a mancha de sangue é facilmente identificável,
podendo mesmo ser trivial, enquanto as causas de incontinência urinária são
complicadas assim como também suas conseqüências. A imobilidade de um idoso
pode desencadear diarréia espúria e incontinência fecal. Por meio do toque retal e
da realização de enema pode resolver-se o que parecia crônico, pois a
incontinência pode ser cuidada, mesmo considerando que, nesses casos, o
tratamento tem seus limites.122
Por fim, iatrogenia é a complicação decorrente de uma ação ou omissão
médica. Quanto às ações, podem ser medicamentosas, como o uso imoderado de
remédios que, com o fito de sanar todos os sintomas apresentados pela pessoa
idosa, terminam sendo maléficos, a ponto de causarem instabilidade postural,
incontinência, insuficiência cerebral e imobilidade; podem ser prescrições
dietéticas muito severas que, ao invés de causar benefícios, acarretam danos; pode
ser até a chamada iatrogenia da palavra, onde idoso, parentes e cuidadores
confiam tanto nas opiniões médicas que nem as questionam. Dessa ausência de
conhecimento nascem concepções erradas como: “o problema é da velhice”, “não
há o que fazer” e assim se instala a iatrogenia por omissão, que exclui o idoso da
reabilitação física ou psíquica pela crença equivocada de que não é possível
readquirir autonomia funcional. Há casos em que o tratamento pode reverter a
depressão e a confusão mental, mas, por ignorância quanto aos benefícios dos
antidepressivos, apegados aos riscos de que ouviram falar, tais medicamentos não
são prescritos e, por não receberem terapêutica adequada, os idosos são
comumente considerados senis.123
Em segundo lugar, para orientar as ações do Sistema Único de Saúde, há
dados importantes acerca da freqüência de determinadas doenças que levam o
idoso à hospitalização. Foram extraídos de pesquisa do ano de 2003, cujo objetivo
constava em listar os procedimentos mais reiterados num universo de 2.340
procedimentos relacionados pelo próprio SUS.
O estudo demonstra que, no início da velhice, entre na faixa etária de 60 a
64 anos para o sexo feminino, o Sistema Único de Saúde hospitalizou 10,21% de
casos de insuficiência cardíaca coronariana, 9,75% de doenças pulmonares, 3,81% 122 GUIMARÃES, Renato Maia. Os compromissos da geriatria, p. 4. 123 GUIMARÃES, Renato Maia. Os compromissos da geriatria, p. 4 e 5.
149
de crises hipertensivas, 3,80% de enteroinfecções, 3,73% de diabetes sacarino,
3,63% de AVC agudo, 2,53% de colecistectomia, 2, 41% de crise asmática,
1,93% de desnutrição, desidratação e anemia, 1,68% de intercorrência em
paciente oncológico, 1,52% em diagnóstico e/ou primeiro atendimento, 1,25% de
colpoperineoplastia, 1,25% de outros procedimentos perfazendo um total de
239.297 atendimentos. Nessa investigação, optou-se por excluir as internações em
psiquiatria, que, se incluídas, assumiriam a terceira posição, com uma freqüência
de 13.596 casos. Para os homens da mesma faixa etária o Sistema Único de Saúde
internou 10,7% de insuficiência cardíaca e coronariana, 10,19% de doenças
pulmonares, 4,37% de AVC agudo, 3,15% de herniografia inguinal, 2,40% por
crise hipertensiva, 2,37% de desnutrição, desidratação e anemia, 2,21% de
enteroinfecções, 1,96% por intercorrência em paciente oncológico, 1,93% de
diabetes sacarino, 1,70% para diagnóstico e/ou primeiro atendimento, 1,64% por
crise asmática, 1,62% por hemorragias digestivas, 55,89% por outros motivos,
num total de 260.766 atendimentos. Para tais resultados foram omitidos também
os procedimentos de internações psiquiátricas.124
A mesma pesquisa esclarece que na faixa etária dos idosos muito
envelhecidos, com 80 ou mais anos, a hospitalização feminina deu-se em 16,60%
por doenças pulmonares, em 15,72% por insuficiência cardíaca ou coronariana,
em 7,20% por AVC agudo, em 4,37% por desnutrição, desidratação e anemia, em
4,29% por enteroinfecções, em 2,91% por crise hipertensiva, em 2,42% por
diabetes sacarino, em 1,84% em diagnóstico e/ou primeiro atendimento, em
1,80% por cirurgia de fratura trasnstrocanteriana, em 1,77% por cuidados
prolongados, em 1,69% por hemorragias digestivas, em 1,65% por crises
asmáticas, em 37,74% por outras causas, num total 262.632 atendimentos. Para os
homens dessa faixa etária 19,63% das internações foram causadas por doenças
pulmonares, 15,39% por insuficiência cardíaca e coronariana, 6,89% por AVC
agudo, 4,40% por desnutrição, desidratação e anemia, 3,79% por enteroinfecções,
2,11% por crises hipertensivas, 1,77% por hemorragias digestivas, 1,77% por
diagnóstico e/ou primeiro atendimento, 1,75% por crise asmática, 1,68% por
pielonefrite, 1,37% por diabetes sacarino, 1,34% por afecções do aparelho 124 NUNES, André. O envelhecimento populacional e as despesas do sistema único de saúde. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito além dos 60? Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 434-435.
150
urinário, 38, 11% por outros males, numa quantia de 214.570 atendimentos,
lembrando que não foram computadas as internações de ordem psiquiátrica.125
Com base nesses estudos é possível que o Sistema Único de Saúde tenha
conhecimento a respeito das doenças que afetam preferencialmente a pessoa idosa
direcionando atenção especial a elas na recuperação, mas, principalmente, em
nível preventivo. A prevenção das moléstias revela-se sempre positiva, pois, além
de garantir a saúde do maior número de idosos, diminui os gastos do sistema
público com a institucionalização dos longevos que, para além do estritamente
necessário, não é maneira de se viver dignamente.126
As especificidades a respeito da saúde da pessoa idosa trazidas à baila pelo
Estatuto do Idoso no que diz respeito ao papel do Estado na prestação desse
direito de ordem fundamental confirmam, diante da indiscutível vulnerabilidade
física, psíquica e social dos anciãos, que o seu direito à saúde possui natureza
prioritária e que esforços, como a regulamentação da Emenda Constitucional
número 29 de 13.09.2000, entre outros, especialmente os orçamentários – pedra
angular da saúde pública brasileira – devem ser envidados para sua adequada
prestação, como reflexos do princípio do melhor interesse do idoso na prestação
pública de saúde.
À guisa de conclusão da análise da saúde da pessoa idosa como direito
fundamental, do papel do Estado na prestação desse direito e de passagem para o
estudo da saúde da pessoa idosa prestada pela iniciativa privada, torna-se
importante sustentar que:
125 NUNES, André. O envelhecimento populacional e as despesas do sistema único de saúde. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito além dos 60?, p. 444-445. 126 CAMARANO, Ana Amélia e PASINATO, Maria Tereza. O envelhecimento populacional na agenda das políticas públicas. In: Os Novos Idosos Brasileiros: Muito além dos 60? Organizadora: CAMARANO, Ana Amélia. Rio de Janeiro: IPEA, 2004, p. 278: “Os ‘presumidos’ elevados custos de saúde da população idosa são, em parte, decorrentes do modelo de saúde adotado. Os custos de financiar uma população idosa com uma alta incidência de doenças crônico-degenerativas serão muito maiores do que o de financiar uma população ativa e saudável. Quer dizer, a forma como os serviços de saúde são organizados numa sociedade é um determinante importante destes custos [Lloyd-Sherlock (2002)]. Medidas preventivas na área de saúde, [Estima-se, por exemplo, que a diminuição das hospitalizações no período do inverno dos anos de 2000 e 2001, devido às campanhas de vacinação contra a gripe, seja da ordem de 77, 6% segundo os dados do MS...] como, por exemplo, as voltadas para o envelhecimento saudável e para a manutenção da capacidade funcional, podem melhorar a qualidade de vida da população idosa e postergar a demanda de cuidados de longa permanência.” [Grifou-se]
151
“A superação da precisa separação entre o público e o privado é urgente. Tal separação – freqüentemente exacerbada ao ponto de serem representadas como contraposições – respondem somente algumas vezes a razões acadêmicas, mas não são integramente coerentes com a reconstrução do ordenamento enquanto sistema unitário e complexo. A civilidade de um País mede-se não pelo número de maquinas, dos telefones, mas do tratamento reservado às pessoas com maior dificuldade, aos marginalizados, aos deficientes, da efetiva atuação histórica na centralidade da pessoa.” 127
127 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 345. [Traduziu-se livremente do italiano]
5 A Saúde da Pessoa Idosa Prestada Pela Iniciativa Privada 5.1 A Eficácia Horizontal do Direito Fundamental à Saúde
Em virtude da escassez de recursos do Poder Público no que concerne a
prestação do direito à saúde à população brasileira, surgem os chamados planos de
saúde prestados pela iniciativa privada.1 A grande maioria da população idosa
brasileira, no entanto, depende do Estado para ter acesso à saúde e sofre com os
velhos e corriqueiros problemas advindos da superlotação dos hospitais, carência
de equipamentos médicos adequados em decorrência da insuficiência de políticas
públicas eficientes e da ausência de governantes que primem por elaborar um
orçamento que dê à saúde a condição de primazia, de todo sabido que ela possui
para a vida humana em dignidade.
Desse modo, a partir da década de 60, a medicina suplementar de natureza
privada ganhou espaço exatamente em virtude das deficiências da rede pública.
Em 1964, por meio de convênios estabelecidos entre algumas empresas e a
previdência social, iniciou-se uma política de incentivo à disponibilização privada
da saúde. Às empresas atribuía-se a competência de se responsabilizar pela
prestação da assistência médica aos seus empregados e, concomitantemente,
dispensava-se sua contribuição ao serviço de assistência social.
A Volkswagen foi a primeira empresa a realizar tais convênios que
fizeram desenvolver a medicina de grupo até o ano de 1979, quando cessou essa
modalidade de serviço. Procurando uma alternativa à aludida medicina de grupo,
em 1967, criou-se a primeira cooperativa médica denominada Unimed, que
cresceu em diversas regiões do Brasil a ponto de, atualmente, se posicionar como
a maior cooperativa desse seguimento no país. Em 1966, o Decreto-Lei 73
instituiu o seguro saúde, cujas operações só se iniciaram em 1976 em virtude de, 1 BOTTESINI, Maury Ângelo e MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53: “Os planos de saúde se inserem num nicho criado pelo descompasso entre a necessidade de uma proteção universal à saúde e assistência médico-hospitalar, instituído como um direito de todos e dever do Estado pelo art. 196 da CF, e a carência de recursos públicos necessários para garantirem a execução eficiente das políticas sociais e econômicas destinadas à redução do risco doença e outros agravos. É a insuficiência de recursos financeiros que permitam prover o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde que faz aparecer o chamado mercado para a medicina suplementar privada.”
153
somente nesse ano, o Conselho Nacional de Seguros Privados emitir Resolução a
autorizar operações nessa atividade. Na Resolução 11 de 1976 estabeleceu-se o
chamado “Reembolso de Assistência Médica e/ou Hospitalar”, que dava aos
segurados o direito de, após usufruir dos serviços médicos e hospitalares
desejados, reembolsar-se pelo pagamento auferido.
Reguladas pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados –, que
exigia condições mínimas para quem atuasse no setor, além de fiscalizá-lo, nas
décadas de 70 e 80 surgiram as primeiras seguradoras de saúde. A Comind foi a
primeira delas, seguida pela Itaú. Em 1984, surgiu a Bradesco e em 1986, a Sul
América.2
Com o advento da Constituição da República de 1988 estabeleceu-se que a
assistência à saúde é livre à iniciativa privada.3
A assistência privada à saúde teve importante marco em 1998, quando se
promulgou a Lei 9.656, que legisla especificamente sobre planos de saúde.Tais
planos são contratos cujo objeto é a transferência onerosa de riscos à iniciativa
privada referentes à futura necessidade de assistência médica e hospitalar.4 Assim,
uma pessoa ou uma empresa pagam aos planos de saúde para que esses provejam
a assistência necessária por ocasião da doença daqueles que se asseguram
mediante esse tipo de ajuste.5
Apresenta-se como um contrato aleatório, pois o surgimento da moléstia
do segurado é futuro e incerto, mas, uma vez que ele ou seus dependentes estejam
doentes, o plano deverá tratá-los mediante serviços de assistência médica e
2 MACERA, Andréa Pereira e SAINTIVE, Marcelo Barbosa. O mercado da saúde suplementar no Brasil. Disponível em : www.fazenda.gov.br. Outubro/2004. 3 Art. 199 da CR/1988: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fim lucrativos.” 4 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 489. 5 Nos termos da Medida Provisória nº 2.177-44 de 2001 que alterou a Lei 9.656 de 1988 em seu art. 1º, inciso I: “Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não da rede credenciada, contratada ou referenciada, visando à assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.”
154
hospitalar ou reembolsá-lo da quantia despendida.6 Ademais, há incerteza de que
o segurado vá ou não se curar, porém, existe uma obrigação de resultado nesse
tipo contratual que vincula o plano a oferecer serviços de medicina, exames,
reembolso de quantias, medicamentos, alimentação, com qualidade e adequação,
para a recuperação do segurado.7
Os contratos de planos de saúde são regidos pela Lei 9.656 de 1988,
porém, como se tratam de contratos de consumo, em que o fornecedor é a
operadora do plano8 e consumidor o segurado, rege-se também pelo Código de
Defesa do Consumidor.9 Todavia, a Lei de planos de saúde prescreve em seu art.
35-G: “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de
produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei
8.078, de 1990”.10 Ora! Se as relações travadas entre as partes são relações de
consumo o Código de Defesa do Consumidor não se aplica subsidiariamente.
Essa regra parece inconstitucional na medida em que a defesa do
consumidor é direito de índole fundamental, promovido pelo Estado na forma de
lei específica, consoante art. 5º, inciso XXXII da Carta Magna brasileira. O
Código do Consumidor, como Lei especialíssima na tutela de todas as relações de
consumo, aplica-se prioritariamente aos contratos entre usuários e operadoras de
6 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 490. 7 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 490. 8 De acordo com a Medida Provisória nº 2.177-44 de 2001 que alterou a Lei 9.656 de 1998 em seu art. 1º, inciso II, “Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere o produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo.” 9 Confirma essa assertiva, GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 118 e 119: “Já no tocante aos sujeitos que figuram na relação de consumo, pode-se afirmar, com tranqüilidade, que as empresas que prestam serviços de assistência à saúde, mediante remuneração, são consideradas típicas fornecedoras. Prestam um serviço condicionado a evento futuro, mediante recebimento de contraprestação pecuniária. Atuam tais empresas, a rigor, como intermediárias, gestoras, cuja função é reter os recursos recebidos, reuni-los em um fundo comum para, quando da ocorrência de um evento, dar-lhe a devida cobertura, seja financeira, seja assistencial por meio de rede própria, credenciada, ou referenciada. Enquadram-se, com efeito, na descrição do caput do art. 3º, inserindo-se, dessa forma, em um dos pólos da relação de consumo. No outro pólo, estão os consumidores, seus dependentes ou agregados, que adquirem ou utilizam esses produtos ou serviços, como destinatários finais, considerados típicos consumidores, de acordo com o art. 2º, caput do CDC, ou consumidores equiparados, conforme os arts. 2º, parágrafo único; 17 e 29 do CDC. Portanto, as relações entre os consumidores e as empresas que oferecem serviços de assistência à saúde estão amparadas pelo Código de Defesa do Consumidor.” 10 Grifou-se.
155
planos de saúde e a Lei que os rege, também se aplica imediatamente em suas
especificidades, desde que não contrarie o referido Código. Outra interpretação
feriria o titular de um direito fundamentalíssimo de ser defendido e protegido,
tutelado também pelo art. 170, inciso V, da Constituição da República de 1988,
como princípio da ordem econômica e financeira; previsto muito antes de a Lei
8.078, de 1990 entrar em vigor, no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da referida Carta.
Com efeito, se houver antinomia entre a Lei de planos de saúde e os
princípios ou as regras do Código de Defesa do Consumidor prevalecerão os
enunciados normativos do segundo que regem todas as relações de consumo haja
vista sua ordem hierárquica superior, posto que oriundos de mandamento
constitucional que incide com superioridade sobre as legislações setoriais.11
Essas mesmas observações servem para as seguradoras de saúde cuja
regulamentação ficou a cargo da Lei 10.185 de 2001, que vedou sua operação em
quais quer outros ramos ou modalidades que não a saúde.
Outro marco nessa matéria constitui a entrada em vigor da Lei 9.961 de
2000, que cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a ANS, e estabelece
sua competência e finalidade.12
No caso específico da pessoa idosa, a Lei de planos de saúde – nos termos
da Medida Provisória nº 2.177-44 de 2001 – tentou, pioneiramente, tutelar o 11 Posição pioneira nesse sentido, é a de MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p.633: “Ainda hoje a lei especial de 1998 determina, em seu art. 35-G, que se aplicam ‘subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei 8.078, de 1990’. Repita-se que este artigo da lei especial não está dogmaticamente correto, pois determina que norma de hierarquia constitucional, que é o CDC (art. 48 do ADCT), tenha apenas aplicação subsidiária à norma de hierarquia infraconstitucional, que é a Lei 9.656/98, o que dificulta a interpretação da lei e prejudica os interesses dos consumidores que queira proteger. Sua ratio deveria ser a aplicação cumulativa de ambas as leis, no que couber, uma vez que a Lei 9.656/98 trata com mais detalhes dos contratos de planos privados de assistência à saúde do que o CDC, que é norma principiológica e anterior à lei especial. Neste sentido, importante repetir que há superioridade hierárquica do CDC, que deveria ser aplicado prioritariamente, como concorda parte da doutrina.” 12 Art. 1º da Lei 9.961 de 2000: “É criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro-RJ, prazo de duração indeterminado e atuação em todo território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde.” Art. 3º da Lei 9.961 de 2000: “A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.”
156
consumidor idoso prevendo, no inciso I do art. 35-E, que a legislação tivesse
efeitos retroativos no sentido de sujeitar à autorização da Agência Nacional de
Saúde qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com
mais de sessenta anos, nos contratos de assistência privada à saúde. No entanto, a
Confederação Nacional de Saúde propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade
questionando todo o conteúdo do art. 35-E. O Supremo Tribunal Federal decidiu:
“Medida cautelar deferida, em parte, no que tange à suscitada violação do artigo 5º, XXXVI, da Constituição, quanto ao artigo 35-G, hoje, renumerado como artigo 35-E pela Medida Provisória 1908-18, de 24 de setembro de 1999; ação conhecida, em parte, quanto ao pedido de inconstitucionalidade do § 2º do artigo 10 da Lei 9656/1998, com a redação dada pela Medida Provisória 1908-18/1999, para suspender a eficácia apenas da expressão ‘atuais e’. Suspensão da eficácia do artigo 35-E (redação dada pela MP 2.177-44/2001) e da expressão ‘artigo 35-E’, contida no artigo 3º da Medida Provisória 1908-18/99.”13 Note-se que, apesar de a Lei de planos de saúde com as alterações da
Medida Provisória nº 2.177-44 de 2001 ter, em inúmeras de suas disposições, o
intento de salvaguardar o consumidor, não há, nessas relações contratuais, uma
igualdade material entre a operadora de saúde e o usuário do plano ou seguro.14 A
operadora afigura-se como fornecedora do serviço de saúde em um contrato
oneroso, cativo e de longa duração15 e o usuário do plano é consumidor, um
13 STF, Medida Cautelar Em Ação Direta de Inconstitucionalidade 1. 931-8 Distrito Federal. Requerente: Confederação Nacional de Saúde – Hospitais Estabelecimentos e Serviços – CNS. Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: Ministro Maurício Corrêa. Julgada em: 21.08.2003. [Grifou-se] 14 Doravante será utilizada a palavra plano para se referir aos planos ou seguros de saúde já que a Lei 10.185 de 2001 opera o seguro na forma do art. 1º, inciso I e § 1º da Lei 9.656 de 1998 que utiliza a terminologia plano. Lei 10.185 de 2001, art. 1º: “As sociedades seguradoras poderão operar o seguro enquadrado no art. 1º, inciso I e § 1º, da Lei 9.656, de 3 de junho de 1998, desde que estejam constituídas como seguradoras especializadas nesse seguro, devendo seu estatuto social vedar a atuação em quaisquer outros ramos ou modalidades.” 15 MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de ‘ações afirmativas’ em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 208 e 209, explica o que vem a representar um contrato cativo de longa duração, verbis: “Com o avançar da idade do consumidor, com o repetir de contribuições ao sistema e com o criar de expectativas legítimas de transferência de riscos futuros de saúde, os consumidores só tem a perder saindo de um plano. Assim, por exemplo, passados mais de 15 anos de convivência e cooperação contratual, rescindir o contrato ou terminar a relação contratual seria altamente negativo para os consumidores. Há o dever de boa-fé de cooperar para a manutenção do vínculo e para a realização das expectativas legítimas dos consumidores. [...] Efetivamente, o contrato de planos de saúde é um contrato para o futuro, um contrato assegurador do presente, em que o consumidor deposita sua confiança na adequação e qualidade dos serviços médicos intermediados ou conveniados, deposita sua confiança na previsibilidade da cobertura leal destes eventos futuros relacionados com saúde. É um contrato típico da pós-modernidade: um fazer de segurança e confiança, um fazer complexo, um fazer em
157
vulnerável: economicamente, ou tecnicamente, ou cientificamente, ou em face à
publicidade maciça ou mesmo em todas essas modalidades de vulnerabilidade.16
Se idoso, o consumidor é, juridicamente, um hiper vulnerável, pois somadas às
suas vulnerabilidades de consumidor, possui também as de caráter psicofísico e
social em virtude da idade avançada.17
O elemento da catividade encontra-se relacionado com o cumprimento do
tempo de carência visto que, se o consumidor mudar de plano, terá de passar por
esse período novamente com outra operadora a fim de receber a assistência
securitária.
A carência consiste em um período determinado no início do contrato,
durante o qual não há possibilidade de o consumidor usar integralmente os
serviços oferecidos pelo plano. Por conta da carência, o consumidor pode não ter
o direito de, imediatamente, ter acesso a exames, consultas ou internações
oferecidas pelo plano, embora já pague a ele. Só com a transposição desse prazo o
consumidor terá o gozo irrestrito de tudo àquilo que seu contrato dispuser. Dessa
forma, o consumidor fica preso, cativo ao contrato firmado e dependente do
fornecedor em quem confiou para lhe prestar os serviços de saúde.
O plano de saúde trata-se de um pacto de execução de trato sucessivo, o
que significa durabilidade do contrato, pois ele “sobrevive com a persistência da
obrigação, muito embora ocorram soluções periódicas.”18 “O que o caracteriza é o
fato de que os pagamentos não geram a extinção da obrigação que renasce.”19
cadeia, um fazer reiterado, um fazer de longa duração, um fazer de crescente essencialidade. É um contrato oneroso e sinalagmático, de um mercado em franca expansão, onde a boa-fé deve ser a tônica das condutas.” 16 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 320. 17 Consoante MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de plano de saúde e de planos funerários frente aos consumidor idoso, p. 194: “Tratando-se do consumidor ‘idoso’ (assim considerado indistintamente aquele cuja idade está acima de 60 anos) é, porém, um consumidor de vulnerabilidade potencializada. Potencializada pela vulnerabilidade fática e técnica, pois é um leigo frente a um especialista organizado em cadeia de fornecimento de serviços, um leigo que necessita de forma premente de serviços, frente á doença ou à morte iminente, um leigo que não entende a complexa técnica atual dos contratos cativos de longa duração denominados de ‘planos’ de assistência à saúde...” 18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol 3. 11ª ed. Atualizado por: FICHTNER, Regis. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 70. 19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, Vol 3, p.70.
158
Para o consumidor idoso é desejado que sua obrigação de pagar as
prestações mensais subsista, pois assim também persiste a obrigação do plano de
arcar com a assistência à sua saúde.
Nesse tipo de relação entre privados, observa-se relação assimétrica entre
uma parte mais forte e outra de inferioridade fática, especialmente quando se trata
de pessoa idosa.20
Os contratos de assistência à saúde prestados pela iniciativa privada são
contratos de adesão realizados em massa, onde o consumidor idoso não é livre
para fazer suas proposições. Ele apenas adere ao que está posto pelo plano, sem
discussão das cláusulas contratuais.21 O que o leva a pactuar é a necessidade de
assegurar sua saúde que, se deixada aos cuidados do Poder Público, poderá não
ser cuidada devidamente quando a doença acometê-lo.22
Apesar dessa inegável desigualdade entre os contraentes, torna-se
alentador para a parte vulnerável ter conhecimento de que a iniciativa privada, que
põe tais planos à disposição dos consumidores, incorre em limitações na sua
autonomia, posto que se encontra subordinada à jusfundamentalidade do direito à
saúde. Trata-se da tutela objetiva dos direitos fundamentais, instituída para além
20 MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de ‘ações afirmativas’ em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso, p. 194: “Tratando-se de consumidor ‘idoso’ (assim considerado indistintamente aquele cuja idade está acima de 60 anos) é, porém, um consumidor de vulnerabilidade potencializada. Potencializada pela vulnerabilidade fática e técnica, pois é um leigo frente a um especialista organizado em cadeia de fornecimento de serviços, frente à doença ou à morte iminente, um leigo que não entende a complexa técnica atual dos contratos cativos de longa duração denominados de ‘planos’ de serviços de assistência à saúde...” 21 Conforme aduz ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 302: “Um fenómeno similar de despersonalização das relações contratuais e de automatismo na atividade destinada a constituí-las é patenteado pela praxe de contratação standartizada, através do emprego de condições gerais, módulos e formulários, predispostos antecipadamente, por uma parte, para uma massa homogénia e indiferenciada de contrapartes (contratos de massa): aqui a aceitação – do consumidor, do utente, do inquilino, etc. – resume-se, no máximo, a um simples acto de adesão mecânica e passiva ao esquema pré-formulado, muito longe do significado que, na época clássica do liberalismo contratual, se atribuía ao conceito de ‘declaração de vontade’: também aqui a declaração contratual se traduz num comportamento socialmente tipicizado. No fenómeno dos contratos standard, há, pois, um outro aspecto saliente, que consiste no abuso de poder económico que a parte ‘forte’ ( predisponente) exerce em prejuízo das partes ‘débeis’, a si contrapostas no mercado (‘aderentes’)...” 22 Assim, ROPPO, Enzo. O contrato, p. 317: “... Ele não é livre – como vimos – de discutir e contribuir para determinar o conteúdo do regulamento contratual; mas não é livre, sequer, na alternativa de contratar ou não contratar, porque quando a adesão ao contrato standard constitui o único meio de adquirir bens ou serviços essenciais e indispensáveis á vida de todos os dias, trata-se, na realidade, de uma escolha obrigada...”
159
da tutela subjetiva que cuida de identificar as pretensões do indivíduo contra o
Estado. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais exige que o Poder Público
não só se abstenha de lesar direitos fundamentais, mas ainda que proteja aqueles
que podem sofrer danos dessa ordem por agressões vindas de terceiros como as
operadoras dos planos de saúde.23 Atualmente, mostram-se rotineiras as relações
jurídicas entre privados marcadas pela desigualdade de condições entre os
sujeitos. Desse modo, é de todo importante a compreensão de que a parte fraca,
porque titular de um direito fundamental, é também titular de um direito subjetivo
à proteção por parte do Estado contra abusos do contraente detentor do poder
econômico. 24
Parece claro o poder de uma operadora de planos de saúde em face do
consumidor idoso que nela deposita a confiança de ter suas legítimas expectativas
atendidas quando moribundo. Por conta disso, a eficácia horizontal dos direitos
fundamentais entre particulares revela-se tão importante, pois se demonstra capaz
de humanizar as relações onde, por desigualdades explícitas, possa ser violada a
dignidade da pessoa humana. Logo, a atividade econômica deve regular-se por
imposições estatais que minimizem a inferioridade do idoso diante das suas
necessidades existenciais de obtenção da saúde, mediante prestações de um ator
privado cujos interesses, são, evidentemente, patrimoniais. 25
Emblemático, nesse diapasão, trata-se do chamado “caso Lüth”, leading
case onde a Corte Constitucional alemã pronunciou-se, pioneiramente, sobre a
23 Nesse sentido, SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 133-143. 24 Cf. PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares. In: A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Organizador: BARROSO, Luís Roberto. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 163 “... O Estado não tem apenas o dever de respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos, mas tem o dever de fazer com que outros cidadãos os respeitem. Assim, o titular de um direito fundamental é também titular de um direito subjetivo à proteção do Estado contra intervenções de terceiros.” 25 HESSE, Konrad. Derecho constitucional y derecho privado. Tradução de: GUTIÉRREZ, Ignácio. Madrid. Civitas, 1995, p. 78 e 79: “Pressupõem uma situação jurídica e fática aproximadamente igual dos interessados. Onde falta tal pressuposto, e a autonomia privada de um conduz a falta de liberdade do outro, desaparece todo o fundamento e se traspassa todo o limite, o indispensável equilíbrio deve ser encontrado por outra via, a da regulação estatal, cuja eficácia freqüentemente requer uma conexão de preceitos de Direito Público e Privado.” [ traduziu-se livremente do espanhol]
160
incidência dos direitos fundamentais não só em face do Estado, mas também
frente a particulares.
O aduzido caso revela um cineasta que apoiara o regime nazista,Viet
Harlan, em situação de estréia de seu novo filme. Erick Lüth, então presidente do
Clube de Imprensa em Hamburgo conclama distribuidores das fitas, donos de
cinemas e teatros, e aos alemães decentes a não distribuir, não apresentar e não
assistir ao filme, respectivamente.
Lüth é processado pelo produtor e pelo distribuidor da obra por perdas e
danos no juízo cível, com base no disposto no parágrafo 826 do BGB: “quem,
contrariando os bons costumes, causar dano a outrem ficará obrigado a indenizá-
lo.” Assim, Lüth é condenado em 22 de novembro de 1951 pelo Tribunal Estadual
de Hamburgo, sob pena de multa ou de prisão determinada judicialmente, a deixar
de convidar os donos dos teatros e distribuidores a não exibir o filme e, ao público
alemão, a não assisti-lo.
O Tribunal Estadual de Hamburgo vislumbra, por meio da atitude de Lüth,
um convite ao boicote, conduta considerada contrária aos bons costumes.
Observe-se que a sentença do juízo cível só analisa o caso com base na
legislação civil pátria. A decisão não cogita dos mandamentos constitucionais. Há,
em juízo cível, perfeita subsunção do fato à regra do BGB.
Porém, Lüth recorre ao Tribunal Constitucional Alemão com base no
direito fundamental à liberdade de opinião – no Brasil mais comumente chamado
de liberdade de expressão – presente no art. 5º da Lei Fundamental Alemã em seu
número 1, especialmente em sua primeira frase que dispõe: “Toda pessoa tem o
direito de manifestar e difundir livremente sua opinião, por escrito e por meio da
imagem e de esclarecer sem entraves em fontes acessíveis a todos.”
A sentença do Tribunal Constitucional reforma a que condenou Luth com
base nos seguintes argumentos: i. uma sentença de um tribunal estadual pode
violar um direito fundamental se não levar em conta o próprio direito
fundamental; ii. A proibição da expressão de Lüth faz com que ele não possa
influenciar outras pessoas a se unirem à sua opinião com respeito à reparação em
favor de Harlan; iii. Todos os poderes do Estado, inclusive o Judiciário, recebem
diretrizes de impulso da Constituição cujos valores não são neutros, porém
objetivos e optam pelo livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade do
ser humano. Desse modo, todas as decisões de Direito Civil devem estar de
161
acordo com o espírito da Constituição; iv. Uma sentença que desconsidera a
vinculação do Direito Civil aos direitos fundamentais viola os direitos
fundamentais; v. A liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais mais
supremos, pois é expressão direta da personalidade humana na sociedade e é, em
certo sentido, o fundamento de toda liberdade; vi. São os limites do direito
fundamental que vão determinar o teor normativo das leis gerais; vii. Nesse
sentido, contra a liberdade de expressão de Harlan, o autor do filme, que o art. 5
não protege a expressão de uma opinião por si, mas pelos efeitos espirituais ou
prejudiciais a terceiros que possam advir dessa manifestação. Nesse caso, deve
haver uma ponderação dos bens jurídicos.26
Por igualdade de razão, do mesmo modo que o direito fundamental à
liberdade de expressão incidiu horizontalmente numa relação entre privados,
hodiernamente, cada vez mais, é importante que outros direitos fundamentais
umbilicalmente ligados à dignidade da pessoa humana possuam essa incidência
nas situações privadas, especialmente naquelas em que a prestação do contrato de
natureza existencial será oferecida por um agente que atua no mercado, portanto,
cuja atividade tem, a priori, cunho mercantilista.27
26 Consultou-se a compilação de SCHWABE, Jürgen. In: Cincuenta años de jurisprudencia del tribunal constitucional federal alemán. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2003. Nos termos da ementa da sentença: “1. Os direitos fundamentais são, antes de tudo, direitos de defesa do cidadão em face do Estado, sem embargo, nas disposições sobre direitos fundamentais da Lei Fundamental incorpora-se também uma ordem de valores objetiva, que, como decisão fundamental constitucional, é válida para todas as esferas do direito.
2. No direito civil desenvolve-se indiretamente o conteúdo legal dos direitos fundamentais, por meio das disposições de direito privado. Abrangem, antes de tudo, disposições de caráter coercitivo, que são realizáveis de maneira especial pelos juízes, mediante cláusulas gerais. 3. O juízo cível pode violar, com sua sentença, direitos fundamentais – parágrafo 90 BverGG – , quando desconhece os efeitos dos direitos fundamentais no direito civil. O Tribunal Constitucional Federal examina as sentenças dos tribunais civis somente por violações aos direitos fundamentais, mas não de maneira genérica, por erros de direito. 4. Disposições de direito civil também podem ser as ‘as leis gerais’ no sentido do art.5 número 2 da LF e podem limitar os direitos fundamentais à liberdade de opinião. 5. As leis gerais para o estado democrático livre, devem ser interpretadas à luz do especial significado do direito fundamental da liberdade de opinião. 6. O direito fundamental do art. 5 LF protege não só a expressão de uma opinião como tal, mas também os efeitos espirituais que se produzem por meio da expressão de uma opinião. 7. A expressão de uma opinião, que contém um chamado ao boicote não viola necessariamente os bons costumes do parágrafo 826 do BGB, pois podem estar justificadas constitucionalmente mediante a liberdade de opinião ao ponderar todas as circunstâncias do caso.” [ traduziu-se livremente do espanhol] 27 Consoante SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988, p. 112-113: “Para além dessa vinculação (na dimensão positiva e negativa) do Estado, também a ordem comunitária e, portanto, todas as entidades privadas e os
162
A perspectiva em casos de relações contratuais travadas no espaço privado
entre pessoas idosas e operadoras de planos de saúde é de que estas últimas são
titulares do poderio econômico, razão pela qual representam perigo para o gozo do
direito fundamental à saúde desses consumidores hiper vulneráveis.28 Incumbe,
pois, ao Estado, protegê-los. Muitas vezes caberá ao intérprete determinar que, no
caso em espécie, seja invocado o direito fundamental frente a violação provinda
de um particular.29
particulares encontram-se diretamente vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Com efeito, por sua natureza igualitária e por exprimir a idéia de solidariedade entre os membros da comunidade humana, o princípio da dignidade da pessoa vincula também no âmbito das relações entre os particulares. No que diz com tal amplitude desse dever de proteção e respeito, convém que aqui reste consignado que tal constatação decorre do fato de que há muito já se percebeu – designadamente em face da opressão socioeconômica exercida pelos assim denominados poderes sociais – que o Estado nunca foi (e cada vez menos o é) o único e maior inimigo das liberdades Que tal dimensão assume particular relevância em tempos de globalização econômica, privatizações, incremento assustador nos níveis de exclusão e, para além disso, aumento do poder exercido pelas grandes corporações internas e transnacionais...” 28 BILBAO UBILLOS, Juan María. En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales? In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 302: “ São evidentes, com efeito, as analogias entre o poder público e o poder privado, um poder que aflora como tal naquelas situações caracterizadas por ‘uma disparidade substancial entre as partes’. Esta falta de simetria permite que a parte que por razões econômicas ou sociais se encontra em ‘posição dominante’ condicione a decisão da parte ‘débil’. O que se exerce nesses casos é um poder formalmente privado (no que concerne à sua fonte e aos sujeitos implicados), mas que se exerce com formas de coação e autoridade similares substancialmente às próprias dos poderes públicos.” [ traduziu-se livremente do espanhol] 29 BILBAO UBILLOS, Juan María. En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?, p. 311: “ A lógica dos direitos fundamentais conduz indefectivelmente a esse cenário, aponta para um crescente protagonismo dos juízes, um protagonismo que não conduz necessariamente ao caos ( nos sistemas de case law não reina precisamente o caos), mas sim um Estado de Direito eminentemente jurisdicional.” [ traduziu-se livremente do espanhol] A assertiva de BILBAO UBILLOS confirma-se no Brasil atual mediante a análise de precedente no qual o Poder Judiciário reconheceu a afronta de terceiro aos direitos fundamentais dos consumidores idosos numa relação de natureza privada encontra-se no Agravo de Instrumento nº 06663/ 2005 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em que figurava como agravante o Banco Itaú S. A. e como agravado o Ministério Público. Do voto da relatora Desembargadora Helda Lima Meireles colhem-se os seguintes argumentos extraídos da ementa do voto: “Agravo inominado. Artigo 557, § 1º, CPC. Ação civil pública. Instalação e mantença, de maneira permanente e regular, de caixa convencional para atendimento prioritário de portadores de deficiência e mobilidade reduzida, no andar térreo da agência do Banco-réu, em Cabo Frio, sob pena de multa diária. Pretensão amparada na Lei Maior da República, no Estatuto do Idoso, no CDC e na Lei Estadual n º 4.347/04. Alegação de ausência de legitimidade ativa do Ministério Público, falta de interesse de agir e ausência dos pressupostos exigíveis para concessão da liminar. 1- O aspecto referente à disponibilidade dos direitos individuais homogêneos não afasta a possibilidade de tratamento coletivo da presente quaestio, pois é assente o entendimento no sentido de que a relevância social da matéria, ou a extensão do direito a que se pretende tutelar, atribui a esse mesmo direito a natureza indisponível. 2- Via eleita – ação civil pública – cabível, e presença da necessidade da propositura da ação. Configuração do interesse de agir.
163
Por outro lado, há que se considerar em que medida a autonomia privada
de um contraente possa ser restringida pelo Poder Público, no intuito de protegê-
lo, quando em situação de fraqueza. Para os pensadores liberais, a autonomia
privada era atributo de todos os cidadãos que, livres e iguais, não necessitavam da
intervenção estatal no domínio de suas autodeterminações.30 Contudo se
reconhece, especialmente nos dias de hoje, que onde não há igualdade entre os
atores privados que se relacionam, a esfera de autonomia da parte débil revela-se
muito pequena. Isto posto, chega-se a conclusão de que não é o Estado que
primeiramente intervém para equalizar uma situação de desigualdade, mas antes, é
a situação de desigualdade que impede que haja, com efeito, a manifestação
límpida da autonomia privada, demandando interferência estatal.31
Nos contratos de planos de saúde o consumidor idoso busca um bem
fundamental para si: a proteção da sua saúde, direito de ordem prioritária na
velhice, razão pela qual, nesses casos, a tutela do Estado para o alcance desse
objeto deve ser a mais incisiva. Se a saúde não tivesse a qualidade de essencial
para a pessoa, ou seja, se fosse supérflua, menor seria o intervencionismo estatal
na relação privada. Mas, quanto mais essencial for o bem da vida sujeito a uma
situação relacional, mais vulnerável também se encontra o consumidor, pois
necessita dele. É que quando se tem necessidade vital de um produto ou de um
3- A ponderação das repercussões da liminar concedida revela sua correção, não sendo teratológica. Proteção da dignidade humana e da saúde. Incidência da Súmula nº 59 deste Tribunal de Justiça. 4- Razoabilidade do prazo fixado para cumprimento da obrigação imposta (cinco dias) e da multa diária pelo descumprimento (hum mil reais), diante da possibilidade econômica da Instituição Financeira. 5- Agravo inominado desprovido.” [ grifou-se] 30 Essa perspectiva de análise é bem ilustrada por HELD, David. Modelos de democracia. Madrid: Alianza Editorial, 2001, p. 335:‘... O estado existe para salvaguardar os direitos e liberdades dos cidadãos, que são, em último termo, os melhores juízes de seus próprios interesses; o estado é a carga que os indivíduos têm que suportar para garantir seus próprios fins; e o estado deve estar restrito enquanto ao seu âmbito, e limitado enquanto à sua prática, para garantir o máximo de liberdade possível a cada cidadão. O liberalismo tem estado e está preocupado com a criação e defesa de um mundo em que os indivíduos ‘livres e iguais’ possam prosperar com o mínimo de estorvo político. [Traduziu-se livremente do espanhol] 31 BILBAO UBILLOS, Juan María. En que medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?, p.334: “Quanto maior seja a desigualdade de fato entre os sujeitos da relação, maior será a margem de autonomia privada cujo sacrifício é admissível porque falta então o pressuposto ou fundamento da proteção dessa autonomia. Dito de outro modo, o grau de autonomia real das partes pode ser um critério válido e útil para resolver os possíveis conflitos. Quanto menor seja a liberdade da parte ‘débil’ da relação, maior será a necessidade de proteção.” [Traduziu-se livremente do espanhol]
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serviço, a pessoa humana não está livre para prescindir de tal bem.32 Por isso,
entre outros fatores como a hiper vulnerabilidade jurídica do idoso, o dirigismo
estatal apresenta-se intenso nas relações entre privados nas quais a prestação da
saúde é o objeto do contrato. 33
Nessa medida, em um pacto cujo objeto é a saúde de um ser humano idoso
prestada pela livre iniciativa propõe-se, diante da incidência de princípios nas
relações interprivadas, que se dê menos intensidade ao princípio da liberdade
negativa e da igualdade formal, nos quais se baseia a livre iniciativa, e, da mesma
forma, menor densidade ao princípio infraconstitucional da autonomia privada,
que, por sua vez, rege com primazia, as relações contratuais onde há igualdade
entre os contraentes. Parte-se, para tanto, do seguinte entendimento: quando não
há, em essência, igualdade entre os contraentes, terão proeminência os princípios
fundamentais da igualdade substancial e da solidariedade social na interpretação
de um caso concreto.34
32 Nesse sentido, manifesta-se NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 453: “Os contratos que versem sobre a aquisição ou utilização de bens que, considerando a sua destinação, são tidos como essenciais, estão sujeitos a um regime tutelar, justificado pela necessidade de proteção da parte vulnerável – assim entendida a parte contratante que necessita do bem em questão –; e, vice-versa, no extremo oposto, os contratos que tenham por objeto bens supérfluos regem-se predominantemente pelos princípios do direito contratual clássico, vigorando aqui a regra da mínima intervenção heterônoma.” 33 Ao analisar a autonomia privada e a igualdade a que alude a Constituição portuguesa PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, p. 105-106, formula raciocínio que se considera também pertinente para a Constituição brasileira: “Uma imposição constitucional de actuação estatal pautada pela remoção dos obstáculos a uma efectiva igualdade entre os cidadãos não pode, desde logo, a um nível geral, deixar de determinar uma orientação legislativa e jurisdicional no sentido de integrar as posições de desequilíbrio contratual através de medidas tuteladoras da capacidade negocial real das partes contratualmente débeis. Isto é, para além dos pontuais – embora importantes – afloramentos de uma directa tutela constitucional de categorias contratuais mais fracas, pode-se extrair da Constituição uma orientação – que há-de ter um papel informador e directivo na concepção de institutos civilísticos muito importante – de tutela das posições contratualmente débeis, que não pode deixar de se repercutir na forma de entendimento e de aplicação do princípio da autonomia privada em termos gerais e que, em alguma medida, há-de poder ser directamente invocável judicialmente.” 34 TEPEDINO, Gustavo. Do sujeito à pessoa humana. In: Editorial da Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar. v. 2. Abril/Junho/2000: “Entre controvérsias, aplausos e objeções, o direito civil assistiu ao deslocamento de seus princípios fundantes, do Código Civil para a Constituição, em difusa experiência contemporânea, da Europa Continental à América Latina. Tal realidade, vista por muitos com certo desdém, na tentativa de reduzi-la a fenômeno de técnica legislativa - ou mesmo à mera atecnia -, revela processo de profunda transformação social, em que a autonomia privada passa a ser remodelada por valores não patrimoniais, de cunho existencial, inseridos na própria noção de ordem pública.” [grifou-se]; WIEACKER, Franz, História do direito privado moderno. Tradução de: HESPANHA, A. M. Botelho. 2 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1967, também revela a importância da Jurisprudência dos valores na determinação da função social dos direitos privados: “O combate no séc. XIX entre formalismo e naturalismo, jurisprudência dos conceitos e realização de finalidades (jurisprudência dos interesses
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Sabe-se, porque corriqueiro, que pessoas idosas por muitos anos
asseguradas em sua saúde mediante planos privados não gozam da pretendida
assistência no momento em que mais precisam, por argumentos arbitrários das
prestadoras de saúde que não medem esforços para alegar que o consumidor não
tem o direito que pleiteia, principalmente se esse direito custa caro. A iniciativa
privada visa prioritariamente ao lucro e não a objetivos humanitários, razão pela
qual o ser idoso depara-se com o paradoxo de ter pagado pelo cuidado de sua
saúde e não obtê-lo. Parece que o grande perigo enfrentado pelo regime
democrático brasileiro não é mais o golpe de Estado, mas “o golpe do mercado”,
pois se revela inadmissível que o Estado brasileiro, ao alcançar a democracia, um
modelo de inclusão social e se encontrar calcado no princípio fundamental da
dignidade da pessoa humana permita tamanha mercantilização da saúde, condição
inarredável de vida. 35 36
Ademais, a Constituição da República, por força do art. 6º, assevera que a
saúde é direito fundamental social. Ao atribuir fundamentalidade ao direito à
saúde a Constituição permite aos atores sociais que exercem a livre iniciativa na
forma do art. 199 aufiram lucro, considerando, contudo, que seus benefícios
econômicos nesse tipo de negócio se reduzem pelos matizes fundamentais do
e aplicação teleológica da lei) atingiu na moderna jurisprudência das valorações um certo grau de equilíbrio; na determinação destes valores coube uma certa influência à relação entre o espaço de liberdade e a função social dos direitos privados.” [grifou-se]. 35 Consoante TEPEDINO, Gustavo. Direitos humanos e relações jurídicas privadas. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 57: “Na democracia capitalista globalizada, de pouca serventia mostram-se os refinados instrumentos de proteção dos direitos humanos, postos à disposição pelo direito público, se as políticas públicas e a atividade econômica privada escaparem ao mecanismo de controle jurídico, incrementando a exclusão social e o desrespeito à dignidade da pessoa humana. Na era dos contratos em massa e na sociedade tecnológica, pouco eficazes mostram-se os mecanismos tradicionalmente empregados pelo direito civil, como a responsabilidade civil fundada na culpa, sendo indiscutíveis os riscos sociais decorrentes da atividade econômica, mais e mais sofisticada, impondo-se a busca de soluções de índole objetiva, preferencialmente preventivas, não meramente ressarcitórias, em defesa de uma melhor qualidade de vida e da realização da personalidade.” 36 Veja-se também DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Globalização, direitos humanos e a violência na modernidade recente (versão completa)*. In: Temas Emergentes de Direitos Humanos. Coordenador: GUERRA, Sidney. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2006, p. 320: “A partir de 1980, no Brasil, algumas formas de violência podem ter diminuído, como as perseguições e violações por motivos políticos. No entanto, outras violações aumentaram, como a dos direitos sociais, as execuções extrajudiciais, as violências físicas dos agentes de Estado contra populações marginalizadas ou em situação precária, no campo e na cidade. O mesmo ocorreu com a violência do mercado livre, sem regulação, na era neoliberal.[ Grifou-se]
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direito à saúde, estreitamente ligados às condições de vida do ser humano e ao
princípio maior da sua dignidade. Nesse sentido, remonta-se também ao
fundamento constitucional da livre iniciativa que se encontra nos valores sociais
que ela provê.37 Ao tratar-se de obrigação contraída pelo consumidor de pagar
periodicamente para que sua saúde seja assistida por um ator privado, o valor
social da livre iniciativa encontra-se exatamente na prestação do sinalagma
contratual, ou seja, o direito à saúde, que, além de fundamental é, nesses casos, o
próprio objeto do contrato.
Se, por via de argumentos liberais como a força obrigatória de um contrato
lesivo, ou da livre manifestação da vontade do consumidor hiper vulnerável,
retiram dele a prestação da saúde para privilegiar aspectos econômicos favoráveis
à empresa, a atividade dela afasta-se da valoração social que lhe é atribuída pela
Constituição. Significa dizer que o exercício da atividade econômica deve atentar
não só para os lucros que visa a auferir, mas também para o alcance das
necessidades existenciais e das expectativas geradas em razão do tipo de atividade
que executa. Quanto mais proteção constitucional recebem, tanto o objeto de um
contrato quanto o titular do direito subjetivo, tal como a pessoa idosa, mais atenta
deve estar a livre iniciativa para que atinja os valores sociais, que a torna também,
merecedora da tutela constitucional.
Numa palavra: o tratamento que a Constituição da República dá à
atividade econômica – tanto no art. 1º, inciso IV, que subordina a livre iniciativa à
persecução dos valores sociais, quanto no art. 170, que se refere à ordem
econômica em seu caput – é no sentido de mantê-la atrelada à existência digna de
todos e à justiça social.38
Observe-se que pessoas que se asseguram contra a doença por planos
privados de saúde podem ser pobres ou ricas. Contudo, as que discutem cláusulas
37 Segundo AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o código civil. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 1. Nº 1. Outubro/Dezembro de 1989, p. 37: “No direito brasileiro, são princípios constitucionais, superiores, que se projetam no direito privado, os princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.” [Grifou-se] 38 FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 171: “A justiça social passa a ser o princípio estruturante da atividade econômica inserta no artigo 170 da Constituição. É, na realidade, a adoção expressa de um novo credo em matéria constitucional, em que o paradigma adotado ultrapassa os sistemas das liberdades meramente formais desaguando nos direitos sociais econômicos. E esta autêntica mudança social e econômica projeta-se intensamente na própria estrutura contratual e no tráfico jurídico.”
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abusivas ou impedimentos lesivos levantados pelo plano em momentos
dramáticos de suas vidas, precisando da tutela do Judiciário para usufruir um
direito, não são ricas. Essas pagam pelo serviço de saúde e depois decidem acerca
de se restituírem ou não pela via do Judiciário. São os contribuintes pobres ou os
que não possuem condições de arcar com o tratamento do qual necessitam, que
morrem ou sofrem demasiadamente ao aguardar uma posição favorável do órgão
jurisdicional.
De todo modo, o reconhecimento da lesão no âmbito do contrato constitui
um avanço que se realiza pelo dirigismo do Estado na esfera privada, fazendo com
que pactos onde vigoravam a desigualdade no conteúdo das prestações sejam
revistos de modo que se viabilize o equilíbrio contratual.
5.2 A Lesão Em Contratos de Plano de Saúde Realizados Com o Consumidor Idoso: Hipóteses de Incidência e Análise de Casos
Sobre a lesão pode-se dizer que se trata da desproporção entre as
prestações aferida no momento da formação do contrato.
Nesse passo, relata-se também que a lesão apresenta-se como um instituto
jurídico que remonta ao Direito Romano:39 “na fase imperial do ius romanum é
que se aponta o monumento fundamental do instituto da lesão.”40
Relaciona-se o surgimento da lesão a dois fragmentos do Código do
Imperador Justiniano, que faziam menção a duas Constituições, de Diocleciano41
e Maximiliano.42
39 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 1-35, passim.; ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Do contrato. Teoria geral. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 265-266; DA SILVA, Luís Renato Ferreira. Revisão dos contratos: do código civil ao código do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 70, cuja ressalva elucida que a única assertiva segura a ser feita sobre a lesão é ter sido versada pelo Direito Romano. As demais asserções sobre a sua origem nos textos legais, a hermenêutica aplicada ao instituto, sua ideologia, são tratados contraditoriamente pelos juristas romanistas. 40 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 10. 41 Cf. MIRABELLI, Giuseppe. Rescissione (Diritto Civile). In: Novissimo Digesto Italiano. Torino: UTET, V. 15, 1968, p. 580. 42 O Código de Justiniano dizia, segundo tradução de PEREIRA, Caio Mário da Silva, Lesão nos contratos, p. 13.:“ ‘Se tu ou teu pai houver vendido por preço menor uma coisa de maior preço, é eqüitativo que, restituindo tu o preço aos compradores, recebas o fundo vendido intercedendo a
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Note-se, que o critério para se verificar a ocorrência da laesio enormis no
Direito Romano era objetivo:43 se a venda fosse efetuada por quantum menor que
a metade do valor do bem, estaria configurada a lesão, que daria direito ao lesado
de rescindir o contrato, obtendo de volta a coisa, ou de receber o seu valor
restante.44
Relata-se ainda que, com o renascimento do estudo do Direito Romano
pela Escola de Bolonha, o instituto da lesão volta ser analisado pelos glosadores,
os quais, tendo dificuldade de concebê-lo como um instituto autônomo, desligado
dos vícios de consentimento, acrescentam à sua configuração um elemento
anímico do comprador, o chamado dolus re ipsa 45.
Por sua vez, os canonistas criam a laesio enormissima, no caso de a
vantagem obtida com a lesão da outra parte ultrapassar dois terços do valor do
bem.46 Já na Idade Moderna, o Código de Napoleão acolhe a lesão como vício do
consentimento47 aplicada, todavia, apenas em situações excepcionais como em
autoridade do juiz, ou, se o comprador o preferir, recebas o que falta para o justo preço. Menor porém presume-se ser o preço, se nem a metade do verdadeiro preço foi paga.’ ” 43 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 34, verbis: “Foi conceituada a lesão como um vício de apuração objetiva do próprio contrato...” 44 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 35, “O que se observa coma a laesio enormis do Direito Romano é isto: foi criada como um vício objetivo do próprio contrato, e como tal aplicada.” 45 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 40, “Aquele que vende a coisa por menos de metade, certamente foi enganado pelo comprador. Não é possível que alguém seja levado a um ato desta sorte, sem a preexistência de qualquer hábil manobra da outra parte. Mas, nada falando os textos a respeito, nem acusando as circunstâncias de que se revestia uma tal venda o processo fraudulento, era preciso imaginar o modo de se ligarem os dois fenômenos. Uma venda assim só se compreenderia pelo dolo do comprador. E este dolo estava entrosado no próprio contrato, caracterizado na essência suspeita do ato - dolus re ipsa.” 46 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 45, “Foi devido aos canonistas que se criou a chamada laesio enormissima, sem fundamento na lei romana. Quando o vendedor era enganado além dos dois terços do valor da coisa, considerava-se que os princípios que regiam a lesão enorme eram insuficientes para atender a esta situação, e imaginaram-se novos: a lesão enormíssima não apenas viciava o contrato, tornando-o rescindível, mas ia além, importando na sua inexistência como ato jurídico.” 47 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 59, “O Código Civil francês adotou , pois, a rescisão dos contratos lesivos, enunciando no art. 1.118 o princípio, segundo o qual a lesão é um vício do consentimento, compreendido que está este inciso na seção encimada pela epígrafe Du Consentement”; GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 28 comenta a respeito da ideologia que inspirou o dispositivo legal do Code que contém positivada a lesão, “...Quando alguém se encontra em tais condições que, se tivesse conhecido toda a extensão da lesão não teria celebrado o contrato, não se pode dizer que consentiu, pois ninguém consente espontaneamente em grandes perdas.”
169
casos de partilha e compra e venda imobiliária, onde trata da venda de imóveis por
preço menor que 7/12 do valor de mercado.48 A ideologia liberal do Code não
permitiu grande expansão à lesão, mas ao espírito individualista e à diretriz de
plena liberdade contratual.
No Brasil, embora a lesão tenha constado das Ordenações do Reino, que
aqui vigoraram antes e depois de proclamada a Independência,49 “em homenagem
ao princípio da autonomia da vontade, vários Códigos, dentre os quais o nosso,
suprimiram-na.”50 Ainda assim, leis posteriores ao Código Civil brasileiro de
1916,51 inclusive em sede constitucional,52 positivaram a repressão à usura real e,
com o advento da Lei da Economia Popular, formulou-se importante construção
que, através da instituição penal do crime de usura, entendeu serem nulos os
contratos em que esta fosse manifesta por contrariar o artigo 145 do Código Civil
brasileiro de 1916.53
48 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 171. 49 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 89. 50 Cf. GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, p. 27. 51 Cf. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Aspectos do código de defesa do consumidor. In: Revista AJURIS. V. 52. Porto Alegre. Julho/1991, p. 178-179. 52 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 129: “A Constituição de 1934 reflete esta animadversão à usura que se apossou da consciência coletiva, ao estatuir no art. 117, parágrafo único, a proibição da usura, punida na forma da lei.”; também na p. 130, “Simultâneo ao golpe de estado de 10 de novembro de 1937, a Carta Constitucional, então outorgada, repisou o princípio no art. 142, num inciso simples e peremptório: ‘A usura será Punida’. Atravessando o Estado Novo, o mesmo preceito foi conservado pelo Constituinte de 1946, numa fórmula de horizontes mais amplos: ‘A usura, em todas as suas modalidades, será punida na forma da lei.’” 53 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 163, “Na lei de Economia Popular, a intenção do legislador foi a punição do delito de usura, a que não podia ficar estranha a conseqüência cível.’ Diante deste dispositivo Caio Mário aduz na p. 167: ‘Esse é o delito de usura real, isto é, o instituto penal da lesão. Sua projeção juscivilística é manifesta. Delito, ilícito penal. E, como é nulo o ato jurídico quando for ilícito o seu objeto (Código Civil, art.145, nº II), aí teríamos a nulidade dos contratos em que uma das partes, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da outra, obtém lucro patrimonial excedente de um quinto do valor corrente ou justo.”; GOMES, Orlando. Transformações gerais do direito das obrigações, p. 31, manifestou posição divergente: “Diferentes, assim, no fundamento, na configuração, na sanção que se lhes aplica e por tantos outros traços incisivos, lesão e usura são desenganadamente inassimiláveis. O esforço que se vem fazendo no sentido de adaptar a usura ao conceito de lesão mais não passa do que vã tentativa para salvar uma noção completamente decadente, travestindo-a com indumentária que se não ajusta à sua envergadura.”
170
No entanto, apenas com o advento do Código de Defesa do Consumidor a
lesão é abertamente positivada no Brasil seguida pelo Código Civil de 2002 em
seu art. 157.
No caso de planos de saúde prestados à pessoa idosa serão analisadas as
hipóteses de lesão previstas no Código de Defesa do Consumidor por tais planos
tratam-se de relações de consumo. A lesão é, por três vezes, mencionada na
legislação consumerista para situações diferenciadas de desequilíbrio contratual
presente no momento da contratação.
A lesão está contida na primeira parte do inciso V, do artigo 6º, do Código
do Consumidor, razão pela qual a referida Lei concede ao consumidor lesado o
direito de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais.54 Está contida também no artigo 39, inciso V, que veda ao
fornecedor de produtos ou serviços exigir do consumidor vantagem
manifestamente excessiva,55 e, enfim, consta positivada na regra do artigo 51,
inciso IV, que dispõe serem nulas de pleno direito as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou com a eqüidade. Estabelece
ainda o parágrafo primeiro deste mesmo artigo os casos em que se presume a
vantagem, sem desconsiderar, contudo, outras possíveis presunções.56
54 Cf. DA SILVA, Luís Renato Ferreira. Revisão dos contratos: do código civil ao código do consumidor, p. 92, “No Brasil, em face do diploma dos consumidores, sustenta-se a possibilidade de revisão por incidência do art. 6º, V, que refere à revisão de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais, o que não é outra coisa senão a figura da lesão.”; também DE ALMEIDA, João Batista. A revisão dos contratos no código do consumidor. In: Revista de direito do Consumidor. São Paulo. Revista dos Tribunais. V. 33. Janeiro/Março/2000, p. 145, “...O código de defesa do consumidor estabeleceu como direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais (art. 6º, V, 1ª parte), o que coincide com a noção de lesão.” 55 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos contratos, p. 211, “Numa aproximação notória e até mesmo vocabular com os extremos da lesão, o art. 39, ao cogitar de ‘práticas abusivas’ por parte do fornecedor (genericamente considerado) proíbe exigir do consumidor ‘vantagens manifestamente excessivas’. Nesta passagem está presente um dos requisitos da ‘lesão qualificada’ - a prestação ‘exageradamente exorbitante da normalidade’ ou desproporcional ao que o fornecedor oferece.” 56 Em regra, presume-se exagerada, segundo o § 1º do art. 51, a vantagem que, nos termos dos incisos seguintes: “I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”
171
O primeiro caso sob análise trata de plano de saúde contratado em 1986.
Na época do julgamento a consumidora, já possuía 72 anos de idade e havia
sofrido queda com fratura de braço necessitando, para tanto, de uma prótese. A
operadora do plano, na situação, a apelante, negou-se a autorizar e custear a
implantação da prótese necessária ao restabelecimento da apelada sob o
argumento de ausência de cobertura e inaplicabilidade do Código de Defesa do
Consumidor e da Lei 9.656 de 1998. Do voto do desembargador relator que nega
provimento ao recurso extraem-se os seguintes argumentos:
“Não é crível e juridicamente aceitável, que a apelada suporte os custos de um plano de saúde por cerca de 20 anos e, no último quadrante de sua vida, já acometida de doenças e fraquezas típicas da idade avançada, veja negada a cobertura para este ou aquele procedimento cirúrgico, para este ou aquele complemento, porque o plano não oferece cobertura. Quando determinada cirurgia está coberta pelo plano, deve ser entendido que todos os suprimentos médicos indispensáveis ao bom êxito do ato médico também estejam, sob pena de se encontrar o consumidor em desvantagem exagerada. Agora na difícil condição de paciente, literalmente “aberto” na mesa de operações e discutindo com o plano se ele está pagando esta ou aquela prótese. Além da ofensa à própria dignidade da pessoa humana, o comportamento dos planos de saúde beira a própria conduta criminosa. Cobrir a operação cirúrgica e não cobrir o material indispensável ao pleno sucesso do ato é o mesmo que negar eficácia ao contrato.”57 No segundo caso, por meio de uma apelação cível, a operadora de plano
de saúde objetivava ver-se livre do serviço de enfermagem domiciliar após
cirurgia de gastrotomia, alegando a pré-existência de cláusula contratual limitativa
do tempo de prestação de seus serviços. Tratava-se a apelada de pessoa idosa de
92 anos na época do julgamento. O Tribunal considerou abusiva a recusa da
apelante de prestar seus serviços necessários à apelada nos seguintes termos:
“Trata-se de cláusula abusiva inserta em contrato de prestação de serviços de saúde limitativa de tempo para assistência de enfermagem domiciliar, portanto nula de pleno direito. Afigura-se abusivo impor tempo de tratamento para doença coberta pelo seguro. Complicações de toda ordem podem surgir ampliando-se compulsoriamente o tempo de tratamento. Pretender livrar-se o segurador dessas conseqüências não é limitar o seu risco, porque o risco foi assumido quando da cobertura do serviço. O que pretende, na realidade, é limitar a responsabilidade assumida e isso a tornaria inválida.
57 TJRJ. Apelação Cível nº 29.414/2005. 16ª Câmara Cível. Apelante: Golden Cross Assistência Internacional de Saúde Ltda. Apelada: Maria da Conceição Morais de Andrade Luna. Relator: Desembargador Rogério de Oliveira Souza. Julgada em: 8.11.2005. [grifou-se]
172
Não há como prever-se o tempo em que o segurado necessitará do serviço oferecido. No caso, trata-se de pessoa idosa, com 92 anos, submetida a cirurgia delicada e contratante por mais de dez anos dos serviços oferecidos pela seguradora. Entender de forma diversa é ignorar o princípio da boa-fé nas relações contratuais, norte de todo e qualquer contrato. Nessa esteira configura-se abusiva a cláusula limitativa de tempo para a prestação de serviço de nursing care, que coloca o consumidor em desvantagem exagerada se afigurando incompatível com a eqüidade, máxime porque compromete a finalidade da avença e rompe o almejado equilíbrio contratual [...] No entanto, quanto a multa diária, merece guarida o recurso, tão somente para reduzi-la de R$1.000,00 (mil reais), para R$200,00 (duzentos reais), eis que mais compatível com sua finalidade e com o princípio da razoabilidade.”58
No terceiro caso analisado, o plano de saúde negou o pagamento de
despesas relativas à implantação de stent em decorrência de cirurgia de
angioplastia em paciente idoso, alegando limitações contratuais nesse sentido. A
operadora do plano apelou da decisão de primeiro grau que a condenou não só a
arcar com tais despesas, mas também à indenização por dano moral. Extrai-se
parte do voto do relator no recurso de apelação:
“O recurso de apelação interposto pela Ré não merece acolhimento devendo ser mantida a condenação. Com efeito, a condenação da parte Ré ao custeio das despesas relativas ao procedimento cirúrgico e ao pagamento da indenização por danos morais é a única medida que se afigura justa, uma vez que em jogo está a vida da pessoa que necessita a realização da intervenção cirúrgica com a implantação do stent e por se tratar de fato que, induvidosamente, causaria abalo moral em qualquer pessoa, principalmente, naquelas mais idosas e que se encontram com a saúde debilitada. No que concerne a alegação no sentido da ausência de previsão contratual para o custeio da intervenção cirúrgica pleiteada no recurso não merece acolhida uma vez que a hipótese versa sobre procedimento de urgência, insuscetível de ser negada a cobertura pela seguradora diante do risco iminente à vida da autora.
58 TJRJ. Apelação Cível nº 9.574/06. 4ª Câmara Cível. Apelante: CABERJ- Caixa de Assistência à Saúde. Apelado: João Petillo. Relator: Desembargador Sidney Hartung Buarque. Julgada em: 9.05.2006. [grifou-se] Em precedente semelhante cuja ementa se transcreve, observa-se referência à clausula abusiva prevista no contrato para negar provimento ao recurso : TJRJ. Agravo de Instrumento nº 2004.002.24085. 6ª Câmara Cível. Agravante: Golden Cross Assistência Internacional de Saúde LTDA. Agravado: Candido Bonfim Leitão. Relator: Desembargador Francisco de Assis Pessanha. Julgada em:31.05.2005: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO-SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO ATRAVÉS DE ATENDIMENTO DOMICILIAR (HOME CARE). LIMITAÇÃO. CLÁUSULA ABUSIVA IMPRESSA EM DOCUMENTO UNILATERAL. A Constituição da República e o Código de Defesa do Consumidor são diplomas legais que se complementam para prestigiar a dignidade da pessoa humana, o resguardo da saúde do cidadão, a proteção aos idosos e afastar as cláusulas abusivas redigidas nos contratos. Havendo negativa da empresa de seguro-saúde em prestar assistência ao associado, deve o julgador superar eventuais limitações contratuais e agir para preservar a vida do ser humano com a saúde extremamente fragilizada e que poderá vir a falecer se o tratamento recomendado vier a sofrer solução de continuidade. [...] RECURSO DESPROVIDO” [grifou-se]
173
Assim, as limitações contratuais impostas são nulas de pleno direito e não podem impedir que a cirurgia se realize com o conseqüente custeio pela seguradora. A alegação acerca da irretroatividade do Código de Defesa do Consumidor e da Lei 9.656/98, também não merece acolhida, uma vez que a relação entre as partes é nitidamente de consumo e o Código de Defesa do Consumidor ao trazer normas protetivas ao consumidor deve ser interpretado e aplicado, mesmo tendo a relação contratual entre as partes se estabelecido antes da sua vigência.”59
No quarto caso, analisa-se agravo de instrumento interposto por plano de
saúde que, unilateralmente, rescindiu contrato coletivo realizado com pessoas
idosas. Essas propuseram liminar, que lhes foi concedida, no sentido de obrigar o
plano a cumprir suas obrigações sob pena de multa a ser fixada na hipótese de
descumprimento. Observe-se que a própria Lei dos Planos de Saúde em seu art.
13 parágrafo único, inciso II, letra b, prevê que: “são vedadas a suspensão do
contrato e a denúncia unilateral, salvo por fraude ou não pagamento da
mensalidade por período superior a sessenta dias, a cada ano de vigência do
contrato.”
Do voto sobreleva o seguinte:
“Ademais, o nobre representante ministerial trouxe à colação aresto do Egrégio STJ, 3ª Turma, no Recurso Especial nº 602.397 do Rio Grande do Sul, relatado pelo Ministro Castro filho, publicado em 1º de agosto do ano passado, cuja ementa, que tudo sintetiza, é assim redigida: “é nula, por expressa previsão legal, e em razão de sua abusividade, a cláusula inserida em contrato de plano de saúde que permite a sua rescisão unilateral pela seguradora, sob simples alegação de inviabilidade de manutenção da avença.” Por fim bem argumentou o “parquet” ser inaceitável que pessoas idosas, de uma hora para outra, fiquem sem assistência de uma entidade hospitalar de renome, sem o concurso de sua vontade, sem justa causa para tal.”60 No quinto caso, observou-se que o reajuste da mensalidade no plano de
saúde de pessoa idosa por mudança de faixa etária constitui prática abusiva que
configura a lesão, além de ferir o Estatuto do Idoso em seu art.15, § 3º, que dispõe
ser vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores
diferenciados em razão da idade. Seguem os argumentos da ementa:
59 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.17226. 13ª Câmara Cível. Apelante: Bradesco Saúde S/A. Apelado: Sônia Tereza Ramos Nasser. Relator: Desembargador Carlos Santos de Oliveira. Julgada em: 06.07.2006. [grifou-se] 60 TJRJ. Agravo de Instrumento nº 22239/2005. 6ª Câmara Cível. Agravante: OMINT Serviços de Saúde LTDA Agravado: Amarino Carvalho de Oliveira e outros. Relator: Desembargador Luiz Felipe Haddad. Julgada em: 27.04.2006 [grifou-se]
174
“Cuidando-se de contrato de relação de consumo incidem no caso sub judice as normas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 6º, V, 51, X, XIII e XV), interpretando-se as disposições contratuais em favor do consumidor (art. 47). O Estatuto do Idoso (Lei nº10.741/03, art.15, § 3º) como as demais leis do ordenamento jurídico possuem eficácia imediata a partir de sua vigência.[...] O princípio do equilíbrio econômico do contrato aplica-se a ambas as partes, pressupondo a indicação pelo fornecedor e o conhecimento prévio pelo consumidor das regras do jogo, especialmente, quanto à previsão dos percentuais de reajustes incidentes em cada faixa etária, não podendo o fornecedor arbitrária e unilateralmente impor suas condições no curso do ajuste, sob a alegação infundada de mutualismo. Não merece provimento o recurso, corrigindo-se de ofício a r. sentença monocrática para adequar a parte dispositiva aos limites do pedido inicial, declarando a nulidade, tão somente, do reajuste da mensalidade do plano de saúde, em razão da faixa etária da autora, por configurar-se prática abusiva repudiada pelas normas consumeristas, mantendo-se o valor de R$183,43, e os reajustes decorrentes de perdas inflacionárias. DESPROVIMENTO DO RECURSO.”61
Por derradeiro, aponta-se precedente que reconheceu a abusividade de
cláusula contratual, uma vez que fora prevista no contrato possibilidade de
rescisão unilateral por parte do plano de saúde, usada por ele quando pessoa idosa
se negou a aceitar o aumento da prestação de seu contrato. A 4ª Turma do STJ
decidiu, por unanimidade, manter a decretação da nulidade da referida cláusula,
conforme entendimento prévio do TJSP:
“ ‘Com efeito, sendo a autora octogenária (nascida em 06.01.1912), a prevalecer tal denúncia unilateral, certamente não teria a mesma possibilidade de ingresso em outra empresa similar, ficando, assim, desassistida de assistência médico-hospitalar, para a qual contribuiu desde 1992. Nesse passo, não se pode olvidar que nos contratos de adesão, a teor do art. 54 do suso mencionado diploma legal, só se admite cláusula resolutória, desde que alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvada a hipótese a que alude o § 2º do artigo anterior, que não se aplica à hipótese dos autos. O recurso comporta provimento parcial, pois, para o fim de se considerar ineficaz a denúncia do contrato por abusividade, permanecendo hígida a relação contratual entre as partes, nos moldes e limites contratados, afastada, entretanto, a pretensão em indenização por danos morais [...]’ De efeito, na interpretação que deu aos fatos e ao contrato celebrado entre as partes litigantes, a Corte estadual concluiu que a cláusula que permitia a rescisão unilateral fora utilizada pela Unimed, ré, como resultado de uma negociação frustrada de aumento da mensalidade, à qual se opusera a autora, já de idade avançada, por impossibilidade de suportar com os encargos financeiros. Em tais circunstâncias, não há como o STJ chegar a entendimento diverso sem o detido exame dos fatos da causa e da cláusula em comento, inclusive, como se disse acima, porque mais do que a redação do contrato propriamente dita, a
61 TJRJ. Apelação Cível nº 2005.001.32472. 9ª Câmara Cível. Apelante: Grupo Hospitalar do Rio de Janeiro Apelado: Therezinha da Silva Soares. Relator: Desembargador Roberto de Abreu e Silva. Julgada em: 14.02.2006. [grifou-se]
175
questão é mais complexa, pois na verdade o que teria acontecido é um uso da previsão avençada, porém para forcejar a aceitação de um aumento do custeio do plano de saúde. Indubitavelmente, as Súmulas n. 5 e 7 incidem na espécie. Ante o exposto, não conheço do recurso especial. É como voto.”62
Tal como observado, a lesão é um instituto reinserido na legislação
brasileira a fim de equilibrar relações contratuais onde uma parte fraca admite
previsões excessivamente onerosas no momento da formação do contrato ou sofre
por meio de práticas abusivas da parte forte. De todo modo, cláusulas abusivas e
práticas do mesmo jaez são revistas pelo Poder Judiciário no intuito de tutelar a
pessoa consumidora de planos de saúde, especialmente a idosa, pois, como dispõe
o art. 39, inciso IV, “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre
outras práticas abusivas: prevalecer-se da fraqueza ou da ignorância do
consumidor tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social,
para impingir-lhe seus produtos ou serviços.”
Verifica-se, contudo, que a existência de uma cláusula lesiva não há de,
por si, invalidar o contrato. É que o Código de Defesa do Consumidor preconiza a
conservação dos contratos na medida das justas expectativas de ambas as partes
contraentes. Nos casos analisados, observou-se que o contrato subsistiu a despeito
da nulidade das cláusulas abusivas de modo que houve, efetivamente, proteção e
defesa do consumidor. Na forma em que dispõe o art. 51, § 2º, da legislação
consumerista: “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o
contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração,
decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.”
No mais, observou-se que o princípio do equilíbrio contratual funciona
como expressão dos princípios constitucionais fundamentais da igualdade
substancial e da solidariedade social. Este último marca forte presença nas
relações privadas de prestação da saúde, inclusive, ao superar a clássica idéia de
mutualidade dos contratos de seguro e ganhar terreno no que diz respeito às
prestações pagas pela pessoa idosa nessa seara.
62 STJ. Recuso Especial nº 242.084-SP. 4ª Turma. Recorrente: Unimed Ribeirão Preto – Cooperativa de Trabalho Médico. Recorrida: Catharina Zema da Silva. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior. Julgado em: 25.04.2006.
176
5.3 Da Mutualidade dos Contratos de Seguro à Solidariedade dos Contratos de Plano de Saúde Realizados Com Pessoas Idosas
A mutualidade é comum em contratos de seguro.63 Nesses pactos, a
empresa seguradora responsabiliza-se por recolher e administrar prestações
denominadas prêmios, pagas periodicamente por aqueles que, querendo se
precaver do evento danoso chamado sinistro, arcam com tais prestações periódicas
módicas pois, em caso de sinistro, serão ressarcidas com os recursos maiores que
procedem do montante de prêmios. “É assim que operam as sociedades de seguros
mútuos, pois nelas os associados dividem entre si os prejuízos que a qualquer
deles advenham dos riscos por todos enfrentados.”64 “Vê-se, portanto, que uma
empresa de saúde e uma seguradora têm que constituir um fundo comum com
recursos alheios.”65
Apesar de nos contratos de planos de saúde também haver divisão mútua
de ônus, esse contrato não se desenvolve como um contrato de seguro qualquer.
Em primeiro lugar, ele possui legislação própria, proveniente de leis especiais que
não cuidam de seguros corriqueiros como os de bens móveis e imóveis.
Tanto a Lei 9.656 de 1998, quanto a Lei 10. 185 de 2001, tratam
unicamente de disposições a respeito de planos ou seguros privados de assistência
à saúde. A saúde afigura-se como bem imaterial, existencial e não patrimonial:
“apresenta-se mais como aspecto inseparável da pessoa, vista como valor
unitário.”66 Desse modo, para além da mutualidade comum em contratos de
63 Nesse diapasão o magistério de MACEDO JÚNIOR. Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 172: “... Cooperar é associar-se com outro para benéfico mútuo ou para divisão mútua de ônus. Nesta segunda definição encontramos o elemento da mutualidade [...] Note-se que a mutualidade se reporta ao benefício e não à existência de uma contraprestação formal da relação contratual. A mutualidade de benefícios reporta-se ao elemento material e substantivo objeto das transações e, neste sentido, define-se a partir da idéia de equilíbrio substancial nas trocas.” 64 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. 28 ed. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 331. 65 LOPES, José Reinaldo de Lima. Consumidores de seguros e planos de saúde (ou, doente também tem direitos). In: Saúde e Responsabilidade: Seguros e Planos de Assistência Privada à Saúde. Coordenadores: MARQUES, Cláudia Lima, LOPES, José Reinaldo de Lima, PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 32. 66 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, p. 159.
177
seguros comuns, nesse especificamente estudado, o que une as pessoas que
participam da carteira de uma determinada operadora de planos é a
solidariedade.67
Há de se esclarecer ainda que, pelo fato de o consumidor idoso ter
reconhecidas suas condições intrínsecas de inferioridade de vigor físico e, muitas
vezes, até de embaraço social, recebe tutela privilegiada na forma da Lei, que
incide sobre as relações privadas de toda ordem, e não poderá, pelo amparo legal
que lhe é auferido, ser afastado do acesso à saúde privada. Na forma do art. 14 da
Lei dos planos privados de assistência à saúde ninguém poderá, por motivo de
idade, ser impedido de participar do contrato. Com o Estatuto do Idoso, as pessoas
idosas passaram também, pela exegese do art. 15, § 3º, a estar protegidas contra a
cobrança de valores diferenciados pelos planos de saúde em razão da idade nas
prestações periódicas que realizam, pelo fato de essa prática revelar-se
discriminatória, portanto, vedada.68 Todavia, é certo que pessoas idosas adoecem
mais e usam mais do plano do que as pessoas jovens. Por isso, se reconhece
vivamente nos planos de saúde o elemento da solidariedade, que abarca a
mutualidade, mas representa mais que ela, pois possui valor moral que implica
cooperação.69 “A solidariedade enquanto preocupação de uns com os outros com
67 Consoante MACEDO JÚNIOR. Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor, p. 175: “A relação de solidariedade, em contraste com a relação de cooperação, refere-se a um conjunto de regras mais amplo e complexo. Ela se reporta a um conjunto de regras de julgamento que impõem um certo tipo de vinculação essencial entre as suas partes, que as torna articuladas e reciprocamente afetadas, tendo em vista uma medida que se desenvolve no interior mesmo desse conjunto. Assim, por exemplo, dentro de um ethos comunitário, o dever de responsabilidade ou de ajudar, “ser solidário” em relação a membro deste grupo é definido relacionalmente, a partir da lógica interna desta mesma comunidade. No âmbito do Direito Social, o conceito de justiça social realiza a tarefa de ser de medida cambiante e reflexionante deste grau de vinculação, vale dizer, do esquema de solidariedades.” 68 O mesmo raciocínio solidarístico em questões que envolvem a saúde de pessoas mais vulneráveis é utilizado em relação aos portadores da AIDS. Segundo MACEDO JÚNIOR. Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor, p. 270-271: “Um exemplo disto é a interpretação jurídica que proíbe a exclusão da proteção a vítimas da Aids e portadores do vírus HIV em contratos de saúde. Tal cláusula obrigatória importa no aumento do custo dos planos de saúde, e pode significar desvantagem para alguns consumidores melhor protegidos que se consideram fora do grupo de risco de contaminação do HIV. A inclusão da cláusula obrigatória de não-exclusão, contudo, pode ser defendida do ponto de vista da racionalidade voltada para a necessidade específica de alguns consumidores. Neste caso, a racionalidade fundante da opção pelas cláusulas obrigatórias seria tanto a necessidade específica daqueles que contraem a doença, como a identidade do grupo afetado (tanto a “need-orientation” como a “person-orientation). O princípio jurídico justificador desse tipo de necessidade seria a idéia de solidariedade, implícita no conceito de Justiça Social.” 69 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 492-493: “Os contratos de planos de assistência à saúde são contratos de cooperação, regulados pela Lei
178
base num sentimento de comunidade e valores comunitários assume um caráter
eminentemente moral”.70
Tem-se discutido, a propósito, a aplicação do Estatuto do Idoso no que diz
respeito aos reajustes de contraprestações pecuniárias por mudança de faixa etária
nos pactos anteriores a ele, firmados na vigência da Lei 9.656 de 1998, ou mesmo
anteriormente a ela, quando regidos apenas pelo Código de Defesa do
Consumidor. O vértice da questão encontra-se no entendimento de alguns
intérpretes de que, aplicado o Estatuto a esses contratos, haveria retroatividade da
Lei que protege o idoso, o que ofenderia o princípio da irretroatividade das leis
adotado pelo Brasil no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República e no
art. 6º e incisos da Lei 4.657 de 1942, conhecida como Lei de Introdução ao
Código Civil Brasileiro.
Nesse sentido, o TJRJ já decidiu pelo reajuste de prestação pecuniária, em
quase 90 por cento, com fulcro nos seguintes argumentos extraídos do voto
acolhido por unanimidade:
“O contrato instituidor do plano de saúde aqui analisado foi celebrado após a vigência da Lei 9.656/98 – que admitia o reajuste das mensalidades do plano com base na idade do contratante, desde que previstas no contrato as faixas etárias e os percentuais de reajuste – e antes da vigência do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) – cujo art. 15, § 3º, vedou a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade (observe-se que idoso, de acordo com o art 1º da Lei nº 10.741/2003, é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. A autora somente veio a completar 60 anos em 2006, quando já se encontrava em vigor o Estatuto do Idoso. Importa saber qual diploma seria aplicável ao contrato: a Lei nº 9.656/98, vigente quando da celebração do contrato, ou a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), vigente quando a autoria completou 60 anos. Tenho que a Lei aplicável é a Lei nº 9.656/98. Estabelece o art. 15 da referida Lei:
9.656/98 e pelo Código de Defesa do Consumidor, onde a solidariedade deve estar presente não só como mutualidade [...], mas como cooperação com os consumidores, como divisão paradigmático-objetiva e não subjetiva da sinistralidade, como cooperação para a manutenção dos vínculos e do sistema suplementar de saúde, como possibilidade de acesso ao sistema e de contratar, como organização do sistema para possibilitar a realização das expectativas legítimas do contratante mais fraco... Aqui está presente o elemento moral, imposto ex vi lege pelo princípio da boa-fé, pois solidariedade envolve a idéia de confiança e cooperação. Confiar é ter a “expectativa mútua de que [em um contrato] nenhuma parte irá explorar a vulnerabilidade da outra”. Em outras palavras, o legislador consciente de que este tipo contratual é novo, dura no tempo, de que os consumidores todos são cativos e de que alguns consumidores, os idosos, são mais vulneráveis do que os outros, impõe a solidariedade na doença e na idade e regula de forma especial as relações contratuais e as práticas comerciais dos fornecedores.” 70 MACEDO JÚNIOR. Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor, p. 177.
179
Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos que tenham o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E. Parágrafo único. É vedada a variação que alude o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos. Da leitura do dispositivo transcrito se extrai que os contratos só poderão sofrer reajuste por mudança de faixa etária se neles estiverem expressamente previstos as faixas etárias e os percentuais de reajuste. A lei apenas estabelece um tipo de contrato para cada faixa etária, a qual determinará o valor das mensalidades. Além dessa norma, a Resolução CONSU nº 06/98 da ANS, em seu artigo 1º, estabelece as faixas etárias, determinando o máximo de 07 (sete) faixas, quais sejam: 1ª faixa- zero a 17 (dezessete) anos 2ª faixa- 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos 3ª faixa- 30 (trinta) a 39 (trinta e nove) anos 4ª faixa- 40 (quarenta) a 49 (quarenta e nove) anos 5ª faixa- 50 (cinqüenta) a 59 (cinqüenta e nove) anos 6ª faixa- 60 (sessenta) a 69 (sessenta e nove) anos 7ª faixa- 70 (setenta) anos ou mais [...] O contrato celebrado pela autora previu as faixas etárias e os percentuais de reajuste, conforme se vê da cláusula 12 (fls.31), estando, por conseguinte, de acordo com o estabelecido na Lei 9.656/98. Na verdade, o contrato celebrado previu apenas 6 faixas de reajuste, embora pudesse ter previsto até 7 faixas. Importa saber se o último reajuste, previsto para ocorrer quando a autora completasse 60 anos de idade, pode prevalecer, considerando que a autora somente completou 60 anos de idade quando já em vigor o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003), cujo artigo 15 proibiu tratamento diferenciado do idoso (considerando como tal aquele com idade igual ou superior a 60 anos de idade, nos termos do art. 1º do Estatuto) nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.[...] Sucede que o contrato aqui examinado é anterior ao Estatuto do Idoso. Previu reajuste a partir de 60 anos quando não havia norma proibitiva de tal reajuste. A empresa de seguro saúde, ao estabelecer o referido reajuste agiu estritamente dentro da lei. E a contratante do plano firmou o contrato ciente de suas condições.[...] Intocável, aqui, a proteção ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal). O contrato foi celebrado, repita-se, na vigência da Lei de Planos de Saúde e, embora a empresa ré [sic], na ocasião, não tivesse completado 60 anos de idade, a empresa de seguro já tinha direito ao reajuste, uma vez que o reajuste previsto dependia apenas da ocorrência de condição pré-estabelecida, inalterável ao arbítrio da contratante. É o que estabelece o art. 6º, §2º da Lei de Introdução ao Código Civil.[...] Por outro lado, não se demonstrou que a cláusula de reajuste tenha estabelecido prestação desproporcional, seja abusiva ou coloque o consumidor em extrema desvantagem, violando as regras dos artigos 6º, V, e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Os valores das mensalidades dos contratos de seguro-sáude e os respectivos reajustes decorrentes da mudança de faixa etária são precedidos de estudos atuariais. Não há dúvida de que o valor contratado inicialmente com a autora levou em consideração a possibilidade de reajuste por ocasião da mudança de faixa etária, quando a contratante, supostamente, poderá utilizar com mais freqüência o plano de saúde, trazendo mais despesas para a empresa de seguros.
180
Em outras palavras, a autora somente pagou inicialmente aquele valor porque o contrato previu que haveria um reajuste quando a autora completasse 60 anos de idade. Não fosse a previsão desse reajuste, certamente o valor inicial seria maior.[...] Se o reajuste previsto torna o valor do plano de saúde alto para a autora, isso é fato que se lamenta, mas não tem repercussão de natureza jurídica, porque não retira a validade da cláusula contratual questionada.[...]”71. Não parece correta tal interpretação.
Aplicar o estabelecido no art. 15, § 3º do Estatuto do Idoso a prestações de
trato sucessivo não faz com que a Lei prejudique o ato jurídico perfeito.
Compõem a categoria de atos jurídicos perfeitos todos aqueles que se
realizaram antes da vigência do Estatuto do Idoso, os quais a Lei nova não visa a
abarcar. Porém, ao completar 60 anos de idade, o consumidor de planos de saúde
será discriminado se lhe cobram, diferenciadamente e em razão da idade, as novas
contraprestações pecuniárias que se estabelecem sob a vigência da nova Lei.
Torna-se necessário pontuar que o art. 6º da Lei 4.657 de 1942 inicia-se
proclamando que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral”. Essa é a regra. As
exceções são as ressalvas de respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido
e à coisa julgada.
O voto analisado parece não ter certeza do que quer proteger. Ora fala do
ato jurídico perfeito, que, consoante dicção legal exposta no § 1º do referido art.
6º, consubstancia “o [ato] já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se
efetuou”, o que não abarca os efeitos dos atos jurídicos de uma relação
continuativa em que, cada prestação de trato sucessivo, revela-se um novo efeito
do ato jurídico; ora remete ao § 2º do mesmo art. 6º, que se refere aos direitos
adquiridos, nos seguintes termos: “Consideram-se adquiridos assim os direitos
que seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do
exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio
de outrem.”
A respeito do termo pré-fixo trata-se do chamado termo inicial ou
suspensivo, quando, a partir dele, pode-se exercer o direito. O termo também
possui a qualidade de ser certo, o que o diferencia da condição que é
71 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.49125. 5ª Câmara Cível. Apelante: Vera Lucia Cozac. Apelado: Bradesco Saúde S.A. Relator: Desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade. Julgada em: 1º.11.2006. [grifou-se]
181
obrigatoriamente incerta.72 Logo, nota-se que completar 60 anos não se apresenta
como termo pré-fixo, pois é incerto que alguém chegue a essa idade. Assim, a
hipótese do termo pré-fixo não incide no caso analisado. O que se tem quando um
plano de saúde estabelece que, atingida a idade de 60 anos, haverá reajuste da
contraprestação pecuniária paga pelo consumidor, é uma condição suspensiva,
situação em que “a autolimitação da vontade trabalha no rumo de estatuir a
inoperância da manifestação volitiva, até que o acontecimento se realize”73
Ocorre que o aludido parágrafo refere-se à condição preestabelecida
inalterável ao arbítrio de outrem.
Nada há que leve a compreender tal condição preestabelecida como
inalterável à vigência de uma nova Lei que disciplina a matéria e é expressamente
contrária a esse tipo de pactuação. Nessa discussão não há arbítrio de outrem a
incidir sob uma condição pré-pactuada, mas sim uma nova Lei de ordem pública a
incidir nos efeitos que, em sua vigência, produz o negócio jurídico.
Em suma: “o ato jurídico perfeito é o que já se consumou segundo a
norma vigente ao tempo que se efetuou; o direito adquirido é o que já se
incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular.”74 No
caso em tela não há, pois, hipótese de ato jurídico perfeito ou de direito adquirido.
Nesse sentido, não ocorre a inconstitucionalidade prevista pelo art. 5º, inciso
XXXV, da Constituição da República, na aplicação do art. 15, § 3º, do Estatuto do
Idoso às prestações pagas pela pessoa idosa ao seu plano de saúde.
Além do mais, não aplicar o disposto no Estatuto do Idoso aos contratos
firmados anteriormente à sua vigência poderá gerar retrocesso jurídico, na medida
em que, a nova Lei, informada pelo princípio do melhor interesse do idoso,
concretiza o dever fundamental constitucional de amparo às pessoas idosas que
representa as demandas da sociedade de seu tempo, as quais reclamam
solidariedade para com os anciãos, tendo em vista sua inclusão social.75
72 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I, p. 575. 73 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I, p. 564. 74 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol 1. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 98. 75 Nesse sentido observa PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I, p. 138: “... O direito, precisamente pela necessidade de se acomodar às exigências novas, tem necessidade de formular novos conceitos e estabelecer novos preceitos, sob a influência do princípio, segundo o qual a nova lei traz consigo a presunção de que é melhor e é mais perfeita que
182
Caso se siga a linha de pensamento do acórdão estudado, um consumidor
de plano de saúde antigo, anterior à Lei 9.656/98 e ao Estatuto do Idoso que faça
60 anos daqui a 10 anos terá, se prevista no contrato a majoração da prestação
paga ao completar esse tempo de vida, um aumento, em razão da idade, no que
despende para assegurar sua saúde. Se no mesmo contrato houver a cláusula que
permite outro reajuste quando o idoso completar 70 anos, ele terá mais um
aumento por conta da idade na contraprestação pecuniária paga. Veja-se bem:
haverá vinte e três anos de vigência do Estatuto do Idoso e as pessoas idosas ainda
estarão sendo discriminadas em virtude da idade avançada nos contratos de plano
de saúde.
Com relação ao argumento de que “não se demonstrou que a cláusula de
reajuste tenha estabelecido prestação desproporcional, seja abusiva ou coloque o
consumidor em extrema desvantagem, violando as regras dos artigos 6º, V, e 51,
IV, do Código de Defesa do Consumidor”, entende-se também de maneira
diversa.
O aumento na faixa de quase 90 por cento para o consumidor que
completa 60 anos de idade é abusivo sim e atenta contra o Código de Defesa do
Consumidor por colocá-lo em desvantagem manifestamente exagerada.
Observe-se que para os contratos celebrados ou adaptados à Lei 9.656/98,
antes da vigência do Estatuto do Idoso, a ANS já previa que os preços da última
faixa etária não deveriam ser superiores a seis vezes o preço da primeira faixa e
que os consumidores com idade igual ou superior a 60 anos que possuíssem o
plano há mais de 10 anos não poderiam sofrer reajuste por mudança de faixa
etária. Atualmente, a ANS voltou a determinar na Resolução Normativa 63 de
2003, que o valor fixado para a última faixa etária que se permite reajuste, agora
com base no estabelecido no Estatuto do Idoso, de 59 anos ou mais, não pode ser
superior a seis vezes o valor da primeira, de 0 a 18 anos. Ademais, a Resolução
estabelece que a variação acumulada entre a sétima e a décima faixa não pode ser
superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixa.
Mas, se há precedente que nega a vigência do Estatuto do Idoso no caso de
reajustes por mudança de faixa etária, há, por outro lado, julgado do mesmo a antiga, e de que atende ao reclamo indisfarçável do progresso jurídico. A qualificação dessa melhoria não pode ser aferida por um rígido paradigma abstrato, mas deve ser buscada com critério relativo, dentro das contingências ambientais: melhor, porque mais conveniente à solução dos problemas da hora que passa.”
183
Tribunal que, por unanimidade, compreende o direito intertemporal nessa matéria
de maneira absolutamente diversa e plenamente favorável ao melhor interesse do
idoso que avençou plano de saúde antes da vigência do seu Estatuto:
“A única matéria a ser dirimida, diz respeito à possibilidade de aplicação do art. 15, §3º, da Lei nº 10.741/03, que, assim, dispõe: “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade.” Cabe dirimir se esta disposição legal, posterior à avença das partes, tem incidência no contrato, objeto da demanda.[...] Há que se distinguir, como referido, entre os atos jurídicos instantâneos e aqueles em que a relação jurídica é continuativa. Nessa segunda modalidade, ao menos no tocante a relações jurídicas de tempo indeterminado, a lei nova atingirá o período da avença sob a sua vigência, inexistindo qualquer discussão doutrinária a este respeito, inclusive no concernente à sua suposta inconstitucionalidade. A lei nova, pois, não incide sobre o ato, mas atinge seus efeitos futuros, de sorte que se preserva o dogma do respeito ao ato jurídico perfeito. Ora, o Estatuto do Idoso veio, na verdade, a atingir os efeitos futuros à sua vigência do contrato firmado pelas partes [...]”76 É o que parece correto numa interpretação não só literal do artigo em
questão, mas teleológica e sistemática do Estatuto do Idoso.
De acordo com a ANS, são as seguintes as faixas etárias que passaram a
ser obrigatórias e que devem estar expressas no contrato de plano de saúde: 1ª: de
0 a 18 anos; 2ª: de 19 a 23 anos; 3ª: de 24 a 28 anos; 4ª: de 29 a 33 anos; 5ª: de 34
a 38 anos; 6ª: de 39 a 43 anos; 7ª: de 44 a 48 anos; 8ª: de 49 a 53 anos; 9ª: de 54 a
58 anos; 10ª: para 59 anos ou mais.
5.3.1 Os Demais Reajustes das Prestações Pecuniárias Pagas Pelo Consumidor Idoso
É importante ressaltar que as prestações pagas por usuários de planos de
saúde não se reajustam apenas por variação de faixa etária. Se a pessoa idosa está
resguardada do reajuste por idade – uma de suas modalidades – o mesmo não
ocorre em relação aos “anuais” ou “por aumento de sinistralidade”. Atente que as
76 TJRJ. Apelação Cível nº 2006.001.17477. 2ª Câmara Cível. Apelante: Sul América Companhia de Seguro Saúde. Apelado: Jorge Paulo Ramos. Relator: Desembargador Carlos Eduardo da Fonseca Passos. Julgada em: 17.04.2006. [grifou-se]
184
maiores reclamações dos consumidores de contratos de planos de saúde referem-
se aos reajustes em geral.77
Os reajustes anuais têm por escopo manter o equilíbrio econômico da
operadora em razão da perda do poder aquisitivo da moeda pela inflação.78
Todavia, são conhecidos também como reajustes “por variação de custos
assistenciais”, decorrentes da majoração do preço de serviços como exames,
atendimento clínico ou hospitalar, honorários médicos, entre outros, cobrados
pelos seus prestadores ao plano. Para a ANS, subdividem-se em reajuste por
variação de custos assistenciais de pessoa física e de pessoa jurídica.
Ressalte-se que as pessoas físicas que celebraram contratos antes da
vigência da Lei 9.656 de 1998 terão reajustes anuais na forma do disposto pelo
art. 28 da Lei 9.069 de 1995, que instituiu o Plano Real, e de acordo com os
índices pactuados entre consumidores e fornecedores, a não ser que os referidos
pactos tenham sido adaptados à Lei 9.656 de 1998.79
Nos demais ajustes dessa espécie – em que se enquadram aqueles firmados
pelo indivíduo ou pela família pessoalmente e as autogestões não patrocinadas,
isto é, financiadas com recursos exclusivos do consumidor – os reajustes são
indicados pela ANS e só podem ocorrer uma vez por ano, na data do aniversário
do contrato.
Os índices máximos admitidos pela ANS foram, no período que
compreende maio de 2005 ao final de abril de 2006, de 11, 69%, conforme a
Resolução Normativa 99 de 2005; no período concernente a maio de 2006 a abril
de 2007, de 8,89%, conforme disposição da Resolução Normativa 128 de 2006.
Observe-se que as operadoras de saúde ficam condicionadas ainda à avaliação e à
77 Disponível no site www.idec.org.br, consultado em 04.04.2007. 78 Disponível no site www.idec.org.br, consultado em 04.04.2007. 79 Dispõe a Medida Provisória 2.177 de 2001 que altera a Lei 9.656 de 1988 em seu art. 35 § 5º: “A manutenção dos contratos originais pelos consumidores não-optantes tem caráter personalíssimo, devendo ser garantida somente ao titular e a seus dependentes já inscritos, permitida apenas a inclusão de novo cônjuge e filhos, e vedada a transferência da titularidade, sob qualquer pretexto a terceiros.” Observe-se também o § 6º: “Os produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, contratados até 1º de janeiro de 1999, deverão permanecer em operação, por tempo indeterminado, apenas para os consumidores que não optarem pala adaptação às novas regras, sendo considerados extintos para fins de comercialização.”
185
autorização da ANS para a aplicação dos reajustes uma vez que os percentuais
indicados podem ser inferiores, dependendo da operadora.80
Já nos contratos com pessoas jurídicas, as regras para o reajuste anual ou
de custos deve estar previamente posta no contrato. Esses contratos são divididos,
consoante orientação da ANS, em contratos com patrocinador e contratos sem
patrocinador. Nesses últimos, a pessoa jurídica responsável pela agregação do
grupo não se responsabiliza pelo pagamento à operadora, de modo que os
pagamentos são feitos diretamente pelos consumidores. Por isso, a ANS entende
que, nos planos realizados com pessoa jurídica sem patrocinador, os índices dessa
espécie de reajuste devem ser ditados por ela.
Por outro lado, a ANS posiciona-se no sentido de não estabelecer os
índices dos contratos com pessoa jurídica patrocinadora, sendo esses
caracterizados pelo fato de a pessoa jurídica ser, total ou parcialmente,
responsável pelo pagamento das contraprestações pecuniárias à operadora de
saúde. 81 Nesse sentido, a ANS leva em consideração uma suposta mobilidade
desses contratos, pela inexistência de carência e por haver oferta mais competitiva
entre as operadoras, além da maior capacidade de negociação dos contratantes que
são empresas ou entidades sindicais.82
Há severas críticas às posturas da ANS nessa espécie de reajuste.
A primeira delas diz respeito ao conformismo diante da própria
denominação do reajuste anual como “decorrente de custos assistenciais”.
Compreende-se que, por trás dessa denominação, exista uma grande abertura para
que os planos de saúde se utilizem de índices de reajustes abusivos, sob o pálio de
tal variação de custos, que não correspondam exatamente à variação inflacionária
no período mínimo de um ano. Essa atitude das operadoras estaria a ofender
frontalmente o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 51.83
80 SCHIMITT, Cristiano Heineck. Reajustes em contratos de planos e seguros de assistência privada à saúde. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais. Outubro/Dezembro/2006, p. 60 e 61. 81 SCHIMITT, Cristiano Heineck. Reajustes em contratos de planos e seguros de assistência privada à saúde. p.62. 82 MACERA, Andréa Pereira e SAINTIVE, Marcelo Barbosa. O mercado da saúde suplementar no Brasil. Disponível em : www.fazenda.gov.br , p. 27, Outubro, 2004. 83 Art. 51 do código de Defesa do Consumidor:
186
Em segundo lugar, o fato de a ANS estabelecer tratamento diferenciado
em relação à sua atuação na fixação de índices de reajuste anual entre os planos
realizados com pessoa física e aqueles realizados com pessoa jurídica – também
chamados de planos coletivos – revela-se, de todo, despido de razão.
O que ocorre é que os consumidores dos planos coletivos têm os índices de
reajuste de seus contratos determinados pelas operadoras, de maneira unilateral e
esvaziada de regulação, o que só lhes prejudica. Inclusive, a política de omissão
da ANS com relação aos reajustes dos contratos coletivos acaba por criar
ambiente propício para que as operadoras desestimulem a comercialização de
planos individuais, já que se apresenta mais favorável indicar os índices ao seu
alvedrio, livre de qualquer intervenção. Outra conseqüência reside na criação de
duas categorias distintas de consumidores: aqueles que podem ser submetidos a
um aumento a critério exclusivo das operadoras e aqueles que se encontram
submetidos à regulação da ANS e aos seus critérios para a fixação do índice de
reajuste cabível.
Nada justifica esta posição da ANS, já que a agência foi criada, na forma
do art. 3º da Lei 9.961 de 2000, seja consentido frisar, tendo por ‘finalidade
institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à
saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com
prestadoras e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de
saúde no País.’
Isto posto, parece ser atribuição da ANS regular os reajustes de todas as
operadoras de saúde, sem qualquer tipo de diferenciação, pois, mesmo quando o
contrato se estabelece com pessoa jurídica, ela é mera intermediária de uma
relação travada entre operadora e consumidores – funcionários, sindicalizados ou
associados – representados. Atente que a única exigência da ANS para esses
reajustes é que lhes sejam informados pela Internet em até 30 dias após a sua
aplicação, como disposto no art. 2º da Instrução Normativa nº 13 de 2006,
proveniente da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos. O parágrafo 2º
“São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos ou serviços que: X- permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral. XIII- autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato após sua celebração.”
187
deste mesmo artigo ainda esclarece que, para cada período de 12 meses, deverá a
operadora comunicar à ANS se houve reajuste, revisão ou manutenção da
prestação pecuniária. 84
Ora, a regulação existe para incrementar a eficiência dos sistemas críticos,
por meio de métodos interventivos regulatórios que coíbam falhas sociais em
relações interprivadas consideradas sensíveis pelos legisladores, como, no caso,
todo tipo de assistência privada à saúde.85
Por fim, pesquisa datada de meados de 2006 anunciou que 76,2% dos
novos contratos de plano de saúde figuravam-se como coletivos e que esse
percentual tenderia a aumentar a cada ano. A pesquisa anunciou também que num
universo de mais de 36 milhões de usuários de planos de saúde, mais de 30
milhões não tinham seus contratos regulados pela agência.86 Portanto, a omissão
da ANS quanto à regulação dos reajustes de contratos coletivos abarcaria a maior
parte do mercado destes, o que se avalia como inadmissível, tendo em vista que a
regulação de todo o setor é de sua competência.
Passando o exame para outro tipo de reajuste que ocorreria por aumento de
sinistralidade, convém assinalar que ele consiste na majoração da mensalidade por
parte da operadora em razão da variação a maior dos sinistros, tais como,
cirurgias, doenças e tratamentos médico-hospitalares, dentro de determinado
período de tempo.
Considera-se tal reajuste ilegal, pois faz parte da atividade da operadora
suportar os riscos da atividade que exercita, dentre elas, fazer o cálculo das
probabilidades e fixar o valor das mensalidades, reajustáveis, como já se viu, uma
vez ao ano.87 Transferir tais riscos periódicos ao consumidor, mesmo se previstos
em contrato, é colocá-lo em desvantagem exagerada, o que constitui cláusula
abusiva, proibida na forma do art. 51, inciso IV, do Código de Defesa do
Consumidor.
84 Disponível no site www.ans.gov.br, consultado no dia 10.04.2007. 85 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Direito regulatório. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 136. 86 Disponível em www.idec.org.br, consultado em 04.04.2007. 87 Conforme admitido pela Lei nº 9.069 de 1995, que criou o Real.
188
De acordo com a Resolução Normativa nº 19 de 2002 ainda havia a
possibilidade de um reajuste “por revisão técnica” nos planos de saúde
contratados até 1º de janeiro de 1999. No entanto, desde a 76ª reunião da Diretoria
Colegiada da ANS, realizada em 19 de outubro de 2003, decidiu-se não mais
aplicar esse tipo de reajuste.
Resta claro, pelo exposto, que se ao consumidor idoso é vedada a
majoração da prestação pecuniária paga em razão do avanço de sua idade, ele terá,
pelo menos, sua mensalidade aumentada anualmente. O reajuste anual parece
suficiente para manter o contrato atualizado com as variações inflacionárias, de tal
modo que permita a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro da
operadora de saúde.
Para o consumidor que possui gastos mais altos para manter sua existência
digna na terceira idade, trata-se de um avanço poder contar com certa estabilidade
no que concerne aos custos da proteção privada de sua saúde. Essa conquista do
Estatuto do Idoso coaduna-se, vale a pena acentuar, com as diretrizes
constitucionais de igualdade substancial e de solidariedade social que a sociedade
brasileira, apesar de todas as mazelas ainda existentes, passa a viver.
Portanto, parecem estar mutuamente obrigados, a prestadora do plano de
saúde, o Estado, a família, e a sociedade, a participar da realização dos sub-
princípios da proteção integral e prioritária segundo o melhor interesse dessas
pessoas de idade adiantada. A extensão que se dê aos sub-princípios da proteção
integral e prioritária guiados pelo princípio do melhor interesse da pessoa idosa
dirige, evidentemente, não só posturas do Estado, da família e da generalidade
anônima das pessoas que compõem a sociedade, mas também do espectro de
sociedade representado pela cadeia de consumidores jovens que integram o plano,
o qual, por natureza de seguro em modalidade especial disciplinada pela Lei 9.
656 de 1988, não perde seu caráter de mutualidade que, em contratos de planos de
saúde, implica mais: cooperação, divisão de riscos entre os contraentes, numa
palavra, solidariedade.88
88 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 340: “A questão [do idoso] se coloca em termos de justiça distributiva e requer esforço do Estado baseado no princípio da solidariedade e no pluralismo público-privado das intervenções estatais. Um esforço que diz respeito não exclusivamente à República, mas também aos particulares individualmente e as formas associativas alternativas e voluntárias, enquanto genuínas expressões do humanismo social.” [Traduziu-se livremente do italiano e se acrescentou “do idoso”]
189
Observa-se, pelo exposto, que pela incidência horizontal do princípio
constitucional da igualdade substancial num caso concreto, o princípio também
constitucional da solidariedade social ganha força, posto que ambos se
complementam e reforçam seu conteúdo marcadamente humanístico. Eles se
ocupam menos da segurança jurídica no mundo dos negócios que envolvem
situações jurídicas existenciais – como a prestação pelo plano de saúde a pessoas
idosas – e implementam justiça contratual onde há desigualdades de fato.
Em suma, tanto a eficácia horizontal irradiante do direito fundamental à
saúde nas relações interprivadas, quanto a lesão como técnica de repressão das
cláusulas abusivas e a regulação legislativa e administrativa nos reajustes de
prestações pecuniárias pagas pelo consumidor idoso aos planos, relacionam-se
com o fenômeno de funcionalização do direito privado, que relativiza a esfera de
autonomia privada nos negócios jurídicos no sentido de poder visualizá-la não
mais num sentido meramente individuocentrista, mas também numa perspectiva
funcional.
5.4 A Autonomia Privada Em Uma Perspectiva Funcional89
A autonomia privada nasceu do individualismo do Estado Liberal burguês
que tinha no indivíduo, a causa de todo o direito. Entendia-se que o indivíduo era
livre para se auto-determinar segundo a sua vontade e com a mínima intervenção
estatal nos negócios pactuados.
Juntamente com os princípios da intangibilidade dos contratos e da
relatividade dos efeitos contratuais em relação a terceiros, o princípio da
autonomia privada compunha a tríade pilar da teoria contratual clássica. Garantia-
se a liberdade do ato de contratar para consolidar o comércio e as trocas que
surgiam com força após o período do feudal, expurgado pela revolução dos
franceses e pela ascensão do capitalismo. 90 Fazia-se necessário também que o
89 Tomou-se emprestado esse subtítulo cuja formulação originária pertence à AMARAL, Francisco. Direito civil – introdução, p. 365. 90 Consoante BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 32: “Num primeiro momento afirmam-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e
190
trabalhador alçasse personalidade jurídica para que pudesse contratar sua força de
trabalho com o proprietário dos meios de produção.91
Tal autonomia manifesta-se quanto a liberdade de contratar propriamente
dita, quanto a liberdade de estipular o contrato e também quanto a liberdade de
determinar o conteúdo do contrato.92
Cumpre anotar que a suposta liberdade de contratar atribuída às partes
supõe também a igualdade delas para deliberar acerca de com quem se contrata e
do conteúdo contratual. Fala-se em suposição porque, na prática, nem sempre há
liberdade genuína de pactuar, visto não haver igualdade substancial entre os
pactuantes. Isso ocorre nos contratos de adesão firmados entre operadoras de
planos de saúde e pessoas idosas, que possuem necessidade de ajustar tais
contratos da maneira que lhes são oferecidos. Não se quer dizer, entretanto, que
não exista autonomia privada por parte do consumidor e da operadora, mas ela
apresenta-se hoje mitigada, especialmente quando a vontade é emitida pela pessoa
idosa, notadamente hiper vulnerável em termos jurídicos.93
Reconhece-se, atualmente, que a autonomia privada tem sua extensão
diminuída pelos interesses de cunho social que estejam em jogo e, nesse diapasão,
pode-se afirmar que, cada vez mais, a autonomia privada deve ser vista também
numa perspectiva funcional, diversa da clássica, cuja “concepção do
funcionamento econômico e social parte do pressuposto que o negócio, como
produto da autonomia privada, realiza, por si só, e automaticamente, a função que
lhe é reservada.” 94
reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado.” 91 Assim, PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 8 e 9. 92 GOMES, Orlando. Contratos. 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 22. 93 MARQUES, Cláudia Lima, ao versar sobre o mesmo tema utiliza a expressão ‘vulnerabilidade especial’ para o consumidor pessoa idosa em Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de plano de saúde e de planos funerários frente aos consumidor idoso, p. 194: “A vulnerabilidade econômica destes aposentados e pessoas com mais de 60 anos é clara, ainda mais frente a fornecedores organizados em cadeia [...] denominei esta vulnerabilidade de especial. Efetivamente, parece-me que, nestes contratos cativos de longa duração com pessoas naturalmente mais afetadas com problemas de saúde, como os idosos, é identificável uma vulnerabilidade especial do consumidor ‘fraco’...” 94 Classicamente entendeu-se que a função de determinado negócio seria alcançada se houvesse liberdade do sujeito jurídico, nos seguintes temos apresentados por PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 12 e 13: “.... Isto é, desvaloriza-se a função porque se
191
Afirma-se, portanto, que um contrato realizado com um idoso não se
encontra baseado apenas na autonomia privada, pois ele não se prende somente ao
auto-regulamento.95 Já é de amplo conhecimento que a relação contratual
contemporânea possui fontes outras além do contrato: a lei, os usos, a eqüidade. 96
De todo modo, o contrato não subsiste esvaziado da vontade. Essa ainda
representa a força motriz de todo ajuste, compreendido também como esfera de
expressão do livre desenvolvimento da pessoa humana, uma das manifestações do
princípio constitucional da sua dignidade. Mas a vontade está limitada ao que a
lei, com seu intervencionismo, determina. E como se mantém atualíssima a
máxima de que “entre o forte e o fraco é liberdade que oprime e a lei que
liberta”97, os olhos do intérprete hão de se voltar para o que a Lei brasileira aduz
no sentido de a liberdade de contratar exercitar-se, na forma do art. 421 do Código
Civil brasileiro, em razão e nos limites da função social do contrato.
De acordo com o disposto no art. 421 do Código Civil brasileiro, cuja
incidência abrange todos os tipos de contratos – empresariais, de pessoas em
situação de igualdade material; civis, entre pessoas que não são empresárias nem
consumidoras; de consumo, entre consumidores e fornecedores em situação de
desigualdade substantiva – estão sujeitos e limitados à função social que
desempenham. Cumpre esclarecer que, no ajuste de fornecimento da saúde por
planos privados, sua função social encontra-se também no fornecimento adequado
da saúde e não na obtenção de lucros astronômicos esquivando-se de prestá-la por
meio de cláusulas contratuais no mínimo discutíveis que, se impõem grave confia que o seu preenchimento resultará tão somente da liberdade do sujeito jurídico: a utilização dessa liberdade basta para garantir o funcionamento em termos óptimos da vida econômica e social. [...] Finalmente, importa acentuar que a tendência que progressivamente se veio afirmando, de tornar essencial para a definição do negócio jurídico a ideia da função que ele desempenha, corresponde, por paradoxal que se afigure, a algum subverter do conceito. Não porque, como já se disse, a noção clássica não contenha uma idéia de função, mas porque essa noção é justamente contraditória com a que hoje tende a afirmar-se.” 95 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constitucionale, p. 341: “Ao enfrentar a problemática do idoso, é preciso inspirar-se no critério que, reconhecendo o caráter central da pessoa, realize a finalidade de ‘domesticar’, mediante a prevalência do político sobre o econômico, as férreas leis econômicas intervindo sobre fatores sobre os quais se fundam essas leis. A proteção do idoso se traduz em uma forma de proteção e promoção da pessoa.” [Traduziu-se livremente do italiano] 96 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constitucionale, p. 141-142. 97 Frase célebre do Padre Lacordaire, no original: ‘Entre le fort e le flaibe c`est la liberté qui opprime et la loi qui affranchit’
192
prejuízo ao consumidor vulnerável, mais prejudiciais são para o consumidor idoso
hiper vulnerável.98
Busca-se uma nova roupagem para a autonomia privada de modo que ela
esteja agora funcionalizada à persecução de objetivos sociais e solidarísticos como
impõem os objetivos da Constituição da República de uma ordem livre, justa e
solidária, implantada também com base nos paradigmas do Estado Social. “A
autonomia privada como poder de autodeterminação não encontra mais
justificativa e mérito em si: o juízo de merecimento sobre o ato de autonomia
privada é positivo apenas quando o ato corresponda a uma função que o
ordenamento considere útil e social”99
Isto posto, não há mais espaço para uma liberdade absoluta e os institutos
de direito privado não devem apenas arcar com as restrições provindas da ordem
pública. Além disso, eles devem ser restabelecidos conforme a legalidade
constitucional.100 Assim “serão legítimas quaisquer medidas interventoras no
âmbito da iniciativa económica privada que tenham por objecto ou finalidade a
salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos.’101 Frise-se, pois, a
necessária intervenção legislativa e judicial no âmbito de contratos de plano de
saúde realizados com a pessoa idosa, pelo fato de o objeto desses ajustes tratar-se
da prestação privada da saúde, direito de índole fundamental e prioritário na
terceira idade.
98 Trata-se aqui da função social do contrato como imposição de deveres positivos aos contraentes na forma defendida por MARTINS-COSTA, Judith, citando Almeno de Sá em Notas sobre o princípio da função social dos contratos. In: Rervista Literária de Direito. Agosto/ Setembro/2004, p. 19: “... A partir dessa concepção percebe-se decorrerem várias eficácias próprias ao art. 421, que podem ser repartidas nos dois grandes grupos acima sinalizados, quais sejam, as eficácias intersubjetivas e eficácias transubjetivas. No primeiro grupo está a possibilidade de imposição de deveres positivos aos contratantes, pois o direito subjetivo de contratar (direito de liberdade) já nasce conformado a certos deveres de prestação. A eficácia positiva visa impulsionar ‘condutas dirigidas a um activo favorecimento e promoção de justificados interesses da contraparte, o que vem adquirir um particular relevo, ainda que não exclusivamente, no domínio das perturbações que possam ocorrer no decurso da execução do contrato.’” 99 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constitucionale, p. 138. [traduziu-se livremente do italiano] 100 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil. In: Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 21. 101 PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 208.
193
No Brasil, a funcionalização dos direitos privados inaugurou-se pela
atribuição constitucional que limitou o direito à propriedade à realização de sua
função social asseverando que “a ordem econômica, fundada no trabalho humano
e na livre iniciativa tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social”102. Para tanto, a Constituição da República de 1988
traçou metas para o intérprete se basear, no caso de a propriedade não cumprir a
sua função social quando tratou, também constitucionalmente, da política urbana,
da política agrícola, fundiária e da reforma agrária.103
Desse modo, a função social do contrato trazida a lume pelo Código Civil
insere-se no movimento de funcionalização dos direitos subjetivos que não mais
representam apenas o facultas agendi, um poder assegurado pela ordem
jurídica.104 “É também verdade que o direito subjetivo não é expressão ilimitada
do poder individual, capaz de se exercer com o sacrifício dos outros indivíduos ou
de maneira absoluta.”105 Portanto, o poder de contratar, como expressão da
autonomia privada, segue funcionalizado às situações jurídicas existenciais que
venha a estabelecer, com destaque para as operações contratuais cujo objeto é a
prestação da saúde, situação digna da máxima tutela.106
102 Caput do art. 170 da Constituição da República brasileira de 1988. 103 Nesse sentido, TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 279: “A construção, fundamental para a compreensão das inúmeras modalidades contemporâneas de propriedade, serve de moldura para uma posterior elaboração doutrinária, que entrevê na propriedade não mais uma situação de poder, por si só e abstratamente considerada, o direito subjetivo por excelência, mas ‘una situazione giuridica soggetiva tipica e complessa’, necessariamente em conflito ou coligada com outras, que encontra a sua legitimidade na concreta relação jurídica na qual se insere.” 104 Cf. MARTINS-COSTA, Judith e BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 158: “Atualmente admite-se que os poderes do titular de um direito subjetivo estão condicionados pela respectiva função, e a categoria do direito subjetivo, posto que histórica e contingente como todas as categorias jurídicas, não vem mais revestida pelo ‘mito jusnaturalista’ que a recobria na codificação oitocentista, na qual fora elevada ao status de realidade ontológica, esfera jurídica de soberania do indivíduo.” 105 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol I, p. 33.
106 Aponta-se para a observação de BETTI, Emílio. Teoria geral do negócio jurídico. Tomo I. Tradução de: DE MIRANDA, Fernando. Coimbra: Coimbra Editora, 1969, p. 348: “O direito – e já antes do direito, a consciência social – aprova e protege a autonomia privada, não na medida em que segue um capricho momentâneo, mas naquela que em que persegue um objectivo e típico interesse para a modificação do estado de facto e se dirige a funções sociais dignas de tutela.”
194
Importa considerar nesse viés, que não se exaure na estrutura dos institutos
jurídicos, mas que vai ao encontro das suas funções, que o direito agora se opera
como instrumento de direção social,107 incorporado à sociologia jurídica, num
sentido de promover as condutas objetivadas.108.
Todavia, a atribuição de função social à liberdade de contratar apresenta-se
como novidade, já que postulada pela codificação brasileira de 2002, por isso, os
contornos desse mandamento ainda são dotados de certa imprecisão.109 Enquanto
ao proprietário que não der à sua propriedade a devida função social acometem-se
sanções oriundas da Constituição, tais como, no âmbito da cidade, parcelamento
ou edificação compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial
progressivo no tempo ou mesmo desapropriação com pagamento mediante títulos
da dívida pública, assim como, no campo, desapropriação mediante indenização
com títulos da dívida agrária; ao contratante que não observar o que se designou
como função social do contrato, não há, prevista em lei, qualquer punição pelo
descumprimento do preceito.
Ao passo que, didaticamente, a Constituição informa que a função social
da propriedade rural é alcançada quando, simultaneamente, de acordo com
critérios e graus de exigências estabelecidos em Lei, forem observados os
requisitos do aproveitamento racional e adequado, da utilização adequada dos
recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, da observância das
disposições que regulam as relações de trabalho, da exploração que favoreça o
bem estar dos proprietários e dos trabalhadores,110 não é dito pelo legislador
quando a função social do contrato se realiza.
107 BOBBIO. Norberto. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Tradução de: VERSIANI, Daniela Beccaria. Barueri: Manole, 2007, p. 79. 108 LAFER, Celso. Apresentação à edição brasileira. In: DA Estrutura À Função: Novos Estudos De Teoria Do Direito. Barueri: Manole, 2007, p. LII. 109 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2006, p. 221: “São amplas e, logo, imprecisas as bases conceituais da função social do contrato, ora amarradas à cláusula geral de solidariedade, ora à quebra do individualismo, tendo em vista a igualdade substancial, ora a tutela da confiança dos interesses envolvidos e do equilíbrio das parcelas do contrato.” 110 Segundo LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do direito privado. Tradução de: DE FRADERA, Vera Maria Jacob. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 312: “A função permite o exercício de faculdades como as que se reconhecem ao proprietário, mas ao mesmo tempo se impõem deveres, como os que resultam do uso regular desse direito conforme a uma finalidade social. Esta tarefa impõe ao titular o dever de cumprir ou de desenvolver uma atividade tendente a
195
Portanto, definir o significado de uma função social para o contrato é
tarefa para a doutrina e a jurisprudência desenvolver. Nesse sentido, “devemos
tentar recolher da estrutura dos textos legais o que a letra não diz diretamente, a
sua voz possível, para assim iniciar a responsável construção da sua dogmática.” 111
De antemão observa-se que a liberdade de contratar é que se encontra
limitada à função social do contrato, a qual constitui também sua razão de ser.112
“A idéia dos limites impostos à liberdade contratual resulta do próprio fenômeno
da publicização do Direito Privado, através da interferência do Estado nas
relações havidas entre os particulares, em atenção às exigências do bem comum,
do interesse coletivo.”113
Tais implicações estão correlacionadas com a idéia de solidariedade nas
contratações, onde sobreleva que ambas as partes retirem do ajuste “vantagens em
condições paritárias, ou seja, enquanto houver uma equação de utilidade e justiça
nas relações contratuais.”114
A função de um contrato de plano de saúde realizado com a pessoa idosa
consiste em garantir adequadamente o acesso ao bem existencial que
consubstancia a saúde. A utilidade existencial desse bem contratado com idosos
apresenta-se como critério relevante no exame das questões contratuais.115 Assim,
o eixo para se alcançar a função social do contrato de objeto existencial encontra-
se na devida prestação do bem da vida de que trata o ajuste.116
lograr o objetivo proposto. Para tais fins a função outorga poderes, faculdades, direitos e deveres num feixe unificado pela finalidade que lhe confere homogeneidade.” 111 MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social do contrato, p. 17. 112 Nas palavras de MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social do contrato, p. 17: “Tendo em conta, pois, uma perspectiva estrutural do Código Civil, constata-se, de imediato, que o art. 421 indica três sendas que vale a pena trilhar: a) inaugura a regulação, em caráter geral do direito contratual; b) refere a função social como limite da liberdade de contratar; e c) situa a função social como fundamento da mesma liberdade.” 113 HIRONAKA, Giselda M. Fernandes Novaes. A função social do contrato. In: Revista de Direito Civil. Ano 12, nº 45, julho/setembro/1988, p. 147. 114 DA SILVA, Luis Renato Ferreira. A função social do contrato no novo código civil e sua conexão com a solidariedade contratual. In: O Novo Código Civil e a Constituição. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.137. 115 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas, p. 380. 116 MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social do contrato, p. 20.
196
Esse raciocínio parte da idéia de que a função social do contrato realiza-se
de maneira intrínseca, intersubjetiva, ou entre as partes,117 o que remete à “grande
cláusula contratual de solidariedade, sem que haja um imediato questionamento
acerca do princípio da relatividade dos contratos” 118 Nesse sentido, apresenta-se o
enunciado 360, aprovado na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro
de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em outubro de 2006: “o
princípio da função social dos contratos também pode ter eficácia interna entre as
partes contratantes.” Dessa maneira, “a função social não opera apenas como um
limite externo, é também um elemento integrativo do campo de função da
autonomia privada no domínio da liberdade contratual”.119 Aqui considera-se
função como “um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de
outrem, jamais em poder do próprio titular”120 e social o que diz respeito a um
interesse socialmente útil, no caso de contratos de planos de saúde pactuados com
a pessoa idosa, de uma utilidade existencial baseada na essencialidade de seu
objeto.121
A função social do contrato trata-se de um princípio a reger toda a
disciplina contratual e, como tal, funciona como mandado de otimização. Isto é:
ordena-se que a função social do contrato seja realizada “na maior medida
possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”.122 Contudo, a
autonomia privada representada pela liberdade de contratar também consubstancia
um princípio, o que faz com que haja, de pronto, uma limitação desse segundo
117 Posição sustentada por BUENO DE GODOY. Claudio Luiz. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 110-130, passim, da qual se comunga. 118 Cf. NALIN, Paulo. A função social do contrato no futuro código civil brasileiro. In: Revista de Direito Privado. Ano 3, nº 12. Outubro/ Dezembro/2002, p. 56. 119 MARTINS-COSTA, Judith. Notas sobre o princípio da função social do contrato, p. 19. 120 Formulação de COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 9. 121 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, BODIN DE MORAES, Maria Celina e outros. Código civil interpretado conforme a constituição da república. Vol II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 14: “É também com base na função social do contrato que se postula uma diferenciação entre contratos à luz da essencialidade do bem de cuja aquisição ou utilização se trate.” 122 ALEXY. Robert. Teoria de los derechos fundamentales, p. 86.
197
princípio que será exercido em razão e nos limites da função social do contrato, ao
qual a Lei atribui proeminência.123
No âmbito de um direito civil constitucionalizado, o princípio da função
social do contrato requer que o pacto estabelecido não seja somente instrumento
da circulação de riquezas no exercício da liberdade contratual, mas, antes, um
catalisador da justiça social, que proteja o contratante mais fraco diante de um
outro ostensivo e poderoso, de modo que sejam tuteladas as situações jurídicas
existenciais que, em última análise, corroboram com a efetividade do princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana.
Nessa linha de pensamento, também se aprovou na I Jornada de Direito
Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal em setembro de 2002, o enunciado de número 23, de acordo com o qual
“a função social do contrato prevista no artigo 421 do novo Código Civil não
elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse
princípio, quando presentes estejam interesses metaindividuais ou interesse
individual relativo à dignidade da pessoa humana.”
É nesse sentido que se fala numa autonomia privada em perspectiva
funcional, ou seja, naquela submetida aos interesses relativos à dignidade das
pessoas idosas doentes, as quais necessitam que seu direito existencial à saúde
seja prestado com eficiência, sem obstrução, visando ao seu bem estar psicofísico
e social.124
Para a operadora de planos de saúde vale o argumento de que “a liberdade
de iniciativa, entendida como liberdade de criação empresarial ou de livre acesso
ao mercado, somente é protegida enquanto favorece o desenvolvimento nacional e
123 Consoante AMARAL, Francisco. Os princípios jurídicos na relação obrigatória. In: Revista Forense. Rio de Janeiro. Vol. 381. Setembro/Outubro de 2005, p. 75: “No campo das obrigações, sua principal expressão [o autor refere-se à expressão da autonomia privada] está no art. 421, que reafirma a liberdade contratual, desde que exercida nos limites da função social do contrato, o que é uma das manifestações da socialidade do direito e, por isso mesmo, um dos limites intrínsecos ao exercício dos direitos subjetivos.” 124 TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, BODIN DE MORAES, Maria Celina e outros. Código civil interpretado conforme a constituição da república. Vol II, p. 14: ‘Sustenta-se que há uma função social específica a ser reconhecida a contratos que tenham por objeto, por exemplo, serviços essenciais e que é essa função que justifica, em última instância, a tutela específica que se criou, tanto na lei, quanto na jurisprudência, aos serviços essenciais.’
198
a justiça social. Trata-se, portanto, de uma liberdade meio ou liberdade
condicional”.125
Em síntese: a liberdade de contratar exerce-se, atualmente, em razão da
função social do contrato. Quer-se dizer que a autonomia privada deve perseguir a
função social de um determinado contrato de tal forma que ele se coadune com as
escolhas axiológicas do sistema brasileiro. Destarte, a liberdade de contratar –
como a de realizar ou não o pacto, ou a dos termos desse pacto – deverá ser
garantida pelo ordenamento jurídico pátrio. “Mas ela só o será se o sistema
reconhecer mérito social àquele contrato. Ou, antes, se vir nele um interesse
social, ainda que seja, também, o desenvolvimento da pessoa, expandindo suas
virtualidades, promovendo, então, sua dignidade.”126
Abraça-se, por fim, a definição de função social do contrato entendida
como:
“O dever imposto aos contratantes de atender – ao lado dos próprios interesses individuais perseguidos pelo regulamento contratual – a interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se relacionam com o contrato ou são por ele atingidos. Tais interesses dizem respeito, dentre outros, aos consumidores, à livre concorrência, ao meio ambiente, às relações de trabalho.”127 Além da função social do contrato, há outro importante princípio que rege
a prestação da saúde privada à pessoa idosa. Trata-se da boa-fé objetiva, mandado
de otimização que orienta atitudes de lealdade, confiança e verdade entre os
contratantes no desenvolvimento da relação contratual.
125 COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres, p. 6-7. 126 Consoante BUENO DE GODOY. Claudio Luiz. Função social do contrato: os novos princípios contratuais, p.121. 127 TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. In: A Parte Geral do Novo Código Civil: Estudos Na Perspectiva Civil-Constitucional. Coordenador: TEPEDINO, Gustavo. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. XXXII. [Grifou-se]
199
5.5 O Princípio da Boa-fé Objetiva Como Dever de Informar o Consumidor Idoso
A boa-fé não deve ser definida de maneira geral, pois tal tentativa seria
incapaz de abarcar o alcance e a riqueza de sua noção.128 “A boa fé traduz um
estágio juscultural, manifesta uma Ciência do Direito e exprime um modo de
decidir próprio de certa ordem sócio-jurídica.”129
Relata-se que, a princípio, o Direito Romano fez referência apenas a fides,
que significa fé130 e, posteriormente, houve uma evolução tanto no que diz
respeito à expressão, como no que diz respeito ao seu significado, “da fides,
passou-se à fides bona e à bona fides.”131 Ao longo de séculos, a boa-fé passou
por vários processos de diluição e de difusão, razão pela qual possui uma
ambivalência e capacidade de renovação que permanece até os nossos dias.132
Atualmente, a doutrina divide a boa-fé em subjetiva e objetiva. A má-fé
constitui-se a antítese da boa-fé subjetiva, pois revela a intenção de lesar alguém.
A boa-fé subjetiva consiste num estado de ânimo do sujeito. “Diz-se ‘subjetiva’
justamente porque, para sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do
sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção.”133
A boa-fé subjetiva comporta um estado de conhecimento ou
desconhecimento que serve para aplicação em temas concernentes ao Direito das
Coisas, tais como, à matéria de frutos ou benfeitorias, ou em relação à usucapião,
por exemplo.134
128 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1997, p. 17-18. 129 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil, p. 18. 130MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil, p. 54. 131 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil, p. 71. 132 MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da boa fé no direito civil, p. 147 133 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 2000, p. 411. 134 DE AZEVEDO, Antônio Junqueira. Responsabilidade pré-contratual no código de defesa do consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-contratual no direito comum. In: Revista de Direito do Consumidor. Vol. 18. Abril/Junho/1996, p. 25.
200
Já a boa-fé objetiva consiste em atitudes de fidelidade, honestidade,
retidão e probidade. Não se trata de um simples estado de ânimo, mas de ações
próprias do homem reto. “Traduz um valor ético que se exprime em um dever de
lealdade e correção no surgimento e desenvolvimento de uma relação
contratual.”135 Para se observar se há boa-fé objetiva “levam-se em consideração
os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos,
não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente
subsuntivo.”136
Agir de boa-fé objetiva equivale a agir lealmente em relação ao outro que
é seu parceiro contratual, considerando suas justas expectativas depositadas no
vínculo.
No Brasil a boa-fé objetiva apresenta-se codificada. Foi tratada
pioneiramente no Código de Defesa do Consumidor como princípio norteador de
toda interpretação na seara consumerista no art. 4º, inciso III, que cuida de
viabilizar os princípios em que se funda a ordem econômica, sempre com base na
boa-fé, e no art. 51, inciso IV, que considera abusivas as cláusulas incompatíveis
com a boa-fé. Atualmente, a boa-fé está contida também no Código Civil
brasileiro de 2002, no artigo 113, como regra de interpretação, com a seguinte
disposição: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e
os usos do lugar da sua celebração.”; no artigo 187, que normatiza o abuso do
direito, definindo limites: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que,
ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico
e social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” e no artigo 422, criando deveres, ao
dispor: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”137
135 AMARAL, Francisco. A interpretação jurídica segundo o código civil. In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Vol. 1. Nº 1. Outubro/Dezembro de 1989, p. 37. 136 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 411. 137 Embora a boa-fé objetiva tenha surgido com o advento do Código de Defesa do Consumidor mister salientar que ela já era prevista como regra de interpretação na esfera contratual no artigo 131 do Código Comercial e na opinião de vários juristas. Veja-se, a propósito, TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena, BODIN DE MORAES, Maria Celina e outros. Código civil interpretado conforme a constituição da república. Vol II, p. 15: “A boa-fé como princípio contratual fora consagrada expressamente no CDC (arts 4º, III e art. 51, IV). Muito antes, porém, a boa-fé encontrava-se prevista no art. 131 do CCom como regra de interpretação contratual. A despeito da inexistência de preceito genérico que consagrasse o dever de agir com boa-fé no
201
À boa-fé objetiva atribuem-se três funções: de cânone hermenêutico-
integrativo, de norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos e de norma
de criação de deveres jurídicos.138
Como norma de criação de deveres jurídicos a boa-fé objetiva
reponsabiliza-se pelo fiel cumprimento dos ‘chamados deveres principais, ou
deveres primários da prestação – constituindo estes o núcleo da relação
obrigacional e definindo o tipo contratual’139 bem como dos deveres
secundários140 e ainda os chamados deveres laterais, anexos ou instrumentais,141
em cuja classificação inserem-se os deveres de informação.
Os deveres de informação tratam-se, na verdade, de verdadeiras
obrigações no sentido de que “a relação contratual obriga não somente ao
cumprimento da obrigação principal (a prestação), mas também ao cumprimento
das várias obrigações acessórias ou dos deveres anexos àquele tipo de contrato”142
Quer-se dizer, portanto, que no contrato de plano de saúde é dever da
operadora não só prestar o serviço de saúde, mas também assegurar ao
consumidor deveres anexos de informação que são próprios deste ajuste, tais
âmbito das relações contratuais em geral, a doutrina apontava a incidência da boa-fé em todo e qualquer contrato. Em obras dedicadas aos contratos, muitos autores definiam, mesmo no sistema do Código anterior, a boa-fé como princípio cardeal dessa disciplina.” 138 Essa proposição foi elaborada por WIEACHER, Franz. El principio general de la buena fé. Tradução de: LOS MOZOS. Jose Luis. Madrid: Civitas, 1982, e seguida por vários juristas brasileiros. 139 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 437. 140 Segundo MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 438: “Os deveres secundários, por sua vez, subdividem-se em duas grandes espécies: os deveres secundários meramente acessórios da obrigação principal, que se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a obrigação principal (v.g., na compra e venda o dever de conservar a coisa vendida ou de transportá-la, ou o de embalá-la), e os deveres secundários com prestação autônoma, os quais podem revelar-se como verdadeiros sucedâneos da obrigação principal (como o dever de indenizar resultante da impossibilidade culposa da prestação, ou o dever de garantir a coisa, mediante a prestação de garantia autônoma, tal qual o contrato de garantie à la première demande, conhecido no comércio internacional), podendo ainda ser autônomos ou coexistentes com o dever principal (v.g., o dever de indenizar, por mora ou cumprimento defeituoso, que acresce à prestação originária).” 141 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional, p. 438. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 220, utiliza para a denominação dos direitos anexos também a palavra secundários. 142 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 220.
202
como, no período pré-contratual, conhecido como fase das tratativas: o tipo de
plano, a rede de médicos e hospitais conveniados, os riscos, a qualidade do
serviço, a cobertura do plano, assim entendidos seu período de carência e suas
exclusões de responsabilidade com a máxima clareza, atentando para a hiper
vulnerabilidade desse consumidor que, se na terceira idade resolve pactuar um
contrato dessa natureza, está mesmo a necessitar da tutela de sua saúde. 143
Observando a obrigação como um processo, todos os dados oferecidos
como informação durante a fase pré-contratual deverão acompanhar a obrigação,
integrando-a, e hão ser, tal e como propostos, oferecidos na fase de execução
como meio de impedir a violação do princípio da transparência, decorrente da
boa-fé objetiva e previsto no art. 6º, incisos III e IV do Código de Defesa do
consumidor como direito básico. Assim, o consumidor que desde a juventude se
assegurou da doença por meio de plano privado de saúde merece, nessa etapa da
vida, auferir informações contínuas e estritamente adequadas à vulnerabilidade de
sua idade pelo fornecedor.
Faz-se imprescindível firmar, que, por suas condições intrínsecas, o
consumidor idoso também se encontra hiper vulnerável face à publicidade
enganosa ou abusiva advinda dos planos de saúde.144
143 Segundo o magistério de MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 227: “Esta inversão de papéis, isto é, a imposição pelo CDC ao fornecedor do dever de informar sobre o produto ou o serviço que oferece (suas características, seus riscos, sua qualidade) e sobre o contrato que vinculará o consumidor, inverteu a regra do caveat emptor (que ordenava ao consumidor uma atitude ativa: se quer saber detalhes sobre o plano de saúde, informe-se, descubra o contrato registrado no Rio de Janeiro ou em São Paulo...atue ou nada poderá alegar) para a regra do caveat vendictor (que ordena ao vendedor ou corretor de planos de saúde que informe sobre o conteúdo deles, riscos, exclusões, limitações etc.”
144 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor, p. 391: “Apesar de não mencionar isso expressamente, o art. 37 do CDC preocupa-se com o idoso exposto à publicidade, como prática comercial (art. 29 do CDC). A publicidade discriminatória contra idosos é proibida, como aquela que ‘seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança’ (art. 37, § 2º do CDC). Como consumidor equiparado, o idoso pode ser induzido em erro (§ 1º do art. 37), como demonstra caso judicial envolvendo denominação de clínica geriátrica que incluiu, em seu nome, nome de hospital famoso no local de comercialização de seus serviços. Assim ementa: ‘Propriedade industrial-Marca nominativa-Nome de hospital-Uso da mesma expressão em nome comercial de sociedade geriátrica-Antecipação de tutela no sentido de abstenção-Agravo de Instrumento. A geriatria é um ramo da medicina que se ocupa com as doenças dos idosos. Assim, quando uma sociedade comercial, em seu nome, usa o vocábulo ‘geriátrico’, sucedido de expressão idêntica ao nome de um hospital, em princípio induz, perante o público, que a sociedade comercial é uma entidade ligada ao hospital, porquanto se ocupa com atividade afim. Agravo desprovido’ (TJRS, 5ª Câm. Cív., AGI 598023299, rel. Dês. Irineu Mariani, j. 26.03.1998.)Em outras palavras, as exigências de boa-fé em relação ao consumidor idoso são mais altas, há que se reconhecer sua
203
De tal maneira, o princípio da boa-fé objetiva como dever de informar
adequadamente a pessoa idosa apresenta-se essencial nos contratos de plano de
saúde visto que, sobrelevam nesses ajustes, a causa fim do contrato e a necessária
proteção contra condutas que firam o direito desse consumidor especial – hiper
vulnerável em questões relacionadas à assistência privada de sua saúde e mais
suscetível às práticas emocionais e agressivas de venda – de estar plenamente ciente de
todas as condições do ajuste celebrado para que não se deixe enganar e aufira a
necessária tutela jurídica do seu direito fundamental e prioritário à saúde também
na esfera privada.
vulnerabilidade em matéria de saúde (por exemplo, limitando a publicidade de remédios e dos profissionais da medicina), há que reconhecer que é mais suscetível às práticas emocionais e agressivas de venda, muitas proibidas pelo art. 39 do CDC.” [grifou-se]
6 A Política Nacional do Idoso e Seu Estatuto como Precursores de Movimentos Democráticos a Serem Desenvolvidos no Estado Brasileiro Em Prol dos Direitos da Pessoa Idosa
6.1 O Exercício da Cidadania do Idoso no Estado Democrático de Direito
A Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso constituem marcos
legislativos para a tutela da pessoa idosa no Brasil.
O Estatuto, posterior à Política Nacional do Idoso, surge a partir de
movimentos sociais que visam a garantir cuidado especial ao grupo de pessoas
vulneráveis pelo estado adiantado da idade que lhes torna mais frágeis
biopsicosocialmente.1 Sua finalidade não é atribuir à pessoa idosa superioridade
jurídica em relação às demais.2 Pelo contrário. O que se objetiva é colocar a
pessoa idosa no mesmo nível de possibilidades jurídicas das jovens, pois, com a
1 Para GONH, Maria da Glória Marcondes. Movimentos Sociais, ongs e terceiro setor: perspectivas para a solução das questões da velhice no Brasil. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1023: “Movimentos sociais são ações coletivas de caráter sociopolítico, construída por atores pertencentes a diferentes classes e camadas sociais. Eles politizam suas demanadas e criam um campo político de força social na sociedade civil. Suas ações estruturam-se a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em situações de conflitos, litígios e disputas. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir de interesses comuns de seus participantes. Essa identidade que decorre da força do princípio da solidariedade é construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo.” 2 Observe-se, seguindo o raciocínio de GONH, Maria da Glória Marcondes. Movimentos Sociais, ongs e terceiro setor. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, que o Estatuto do Idoso provém de movimentos sociais com objetivo de inclusão de grupos vulneráveis de toda ordem, p. 1022 : “O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), a Reforma Sanitária que levou à criação do SUS (Sistema Único de Saúde), a Política Nacional do Idoso, a criação de dos diferentes conselhos diretores de políticas dos direitos da mulher, das pessoas portadoras de deficiências e dos idosos, a criação dos conselhos nacionais, estaduais e municipais dos idosos e a implementação de outras estruturas de mediação entre o Estado e a sociedade civil são exemplos vivos da conquista e da força da participação organizada dos cidadãos. Trata-se, ademais, da geração de espaços de negociação e de equacionamento de conflito de interesses, reflexo do surgimento de uma cultura participativa nova na sociedade brasileira.”
205
idade avançada, o ser humano perde, em grande medida a vitalidade, tornando-se
mais fragilizado não só no campo pisicofísico, mas também socialmente.3 O
Estatuto do Idoso pretende assegurar à pessoas dessa faixa etária, situação jurídica
e social de igualdade em relação às demais e pretende, pelos procedimentos que
contém positivados, dar eficácia social às aludidas situações.4
Ao tempo que o Estatuto protege o idoso dos agravos ocasionados pela
idade avançada – que pode lhe acarretar debilidades pelo seu reduzido vigor
físico, incluindo, por vezes, enfermidades; das agressões que lhes são dirigidas
nos ambientes público e privado, nesse último, especialmente nas relações
familiares e contratuais, – não pode ser considerado uma Lei assistencialista.5
Observa-se antes, que o Estatuto possui matizes protecionistas que, a fim de 3 A vulnerabilidade da pessoa idosa encontra-se não só na sua maior propensão física à doença, mas também na sua fragilidade psíquico-social que advém da certeza da proximidade da morte. Nesse sentido, PY, Ligia e TREIN, Franklin. Finitude e infinitude: dimensões do tempo na experiência do envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 1013: “Apontamos para a velhice como um momento especial da vida do indivíduo, quando se encontra em condições de vulnerabilidade frente e a maiores possibilidades de adoecer, não mais com a consciência da finitude, apenas, que lhe consagrou a maturidade, mas, agora, com a consciência da própria morte.” 4 Segundo SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 223 a 225, a eficácia da norma vigente pode ser vista pelo viés jurídico e pelo viés social estando ambas, contudo, em íntima conexão: “ ... Podemos definir a eficácia jurídica como a possibilidade (no sentido de aptidão) de a norma vigente ( juridicamente existente) ser aplicada aos casos concretos e de – na medida de sua aplicabilidade – gerar efeitos jurídicos, ao passo que a eficácia social ( ou efetividade) pode ser considerada como englobando tanto a decisão pela efetiva aplicação da norma ( juridicamente eficaz ), quanto o resultado concreto decorrente – ou não – dessa aplicação. [...] Na verdade, o que não se pode esquecer é que o problema da eficácia da eficácia do Direito engloba tanto a eficácia jurídica, quanto a social. Ambas – a exemplo do que ocorre com a eficácia e a aplicabilidade – constituem aspectos diversos do mesmo fenômeno, já que situados em planos distintos ( o do dever-ser e o do ser ), mas que se encontram intimamente ligados entre si, na medida em que ambos servem e são indispensáveis à realização integral do Direito.” Por meio dos mecanismos trabalhados nesse capítulo pretende-se alcançar não só a aplicabilidade da norma no sentido da eficácia jurídica, mas a aplicabilidade da norma no que tange aos direitos da pessoa idosa a lhe dar, como resultado concreto, eficácia social. 5 BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1037 defende posturas da sociedade compatíveis com o direito fundamental à liberdade e a autonomia das pessoas expressos na Constituição da República e também no Estatuto do Idoso, especialmente no art 10 § 2º. A autora diz: “Mudanças sociais significativas podem derivar da alteração de conceitos arraigados que, ao preconizar uma postura paternalista e assistencialista, dificultam a inserção do idoso na sociedade. Ao contrário, a busca da consolidação de uma política de direitos, onde o idoso é considerado como um cidadão com direitos e deveres, significa em investir em sua melhor adaptação social.” Dispõe o § 2º do art. 10 da Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003; “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.” [grifou-se]
206
remover obstáculos ao efetivo desenvolvimento da pessoa idosa, atribuem a ela
alto grau de autonomia para traçar os rumos de sua vida com liberdade de escolha
na forma dos já analisados arts. 2º e 10 que implicam responsabilidade ainda que
na doença, conforme dispõe o art. 17.6
Assim é que, informado pelos princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana e da cidadania, o referido Estatuto confirma tais princípios em
seus arts. 2º e 3º, ao despertar e estimular os idosos a buscar tratamentlo
compatível com sua dignidade de seres humanos numa atitude pró ativa que, no
ambiente público, desenvolve-se a partir da democracia participativa, no exercício
da cidadania.7
A obviedade de que o Estatuto do Idoso apresenta avanço legislativo nas
questões referentes aos direitos das pessoas idosas não pode encobrir a
necessidade de se desenvolver uma dogmática a partir dele, voltada especialmente
para a eficácia social de seu conteúdo normativo, especialmente no cuidado em
que o Poder Público e a Iniciativa Privada devem destinar à saúde da pessoa
idosa. Considera-se errôneo supor que a vigência de uma Lei, por si, faça com que
ela seja efetivada em sua amplitude teleológica e sistemática em prol das pessoas
idosas. Note-se que tal grupo vulnerável mereceu específica atenção em sede
legislativa pela evidente marginalidade na qual se encontra e a promulgação da
citada Lei é fruto de movimentos sociais que visam, também por intermédio do
6 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 340: “As diversas normas, que se inspiram na idade avançada, devem para tanto ser dotadas de uma justificativa racional, de modo tal a assumir a devida relevância, nos diversos setores do ordenamento jurídico, como intervenções estatais destinadas a remover eventuais obstáculos de fato ao efetivo desenvolvimento do idoso.” [Traduziu-se livremente do italiano] 7 A concepção de cidadania para as pessoas idosas no ambiente contemporâneo é reconstruída para além do direito do cidadão de votar e ser votado. Trata-se de uma nova cidadania ou de uma cidadania redefinida, de forma que pessoas idosas participam de movimentos sociais (lutas políticas) em busca do direito à igualdade na sua alteridade em face das pessoas jovens, como mostra, a partir de um discurso genérico, ou seja, não elaborado especialmente para idosos, DAGNINO, Evelina. Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latino-americana. In: Cultura e Política Nos Movimentos Sociais Latino-Americanos: Novas Leituras. Organizadores: ALVAREZ, Sonia E., DAGNINO, Evelina, ESCOBAR, Arturo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p. 86: “A nova cidadania assume uma redefinição da idéia de direitos, cujo ponto de partida é a concepção de um direito a ter direitos. Essa concepção não se limita a provisões legais, ao aceso a direitos definidos previamente ou à efetiva implementação de direitos formais abstratos. Ela inclui a invenção/criação de novos direitos, que surgem de lutas específicas e de suas práticas concretas. Nesse sentido, a própria determinação do significado de ‘direito’, e a afirmação de algum valor ou ideal como direito, são, em si mesmas, objeto de lutas políticas. [...] Além disso, essa redefinição inclui não somente o direito à igualdade, como também o direito à diferença, que especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade.”
207
Direito, à inclusão desse segmento da população brasileira. Objetiva-se que, por
meio do Estatuto do Idoso afinado com os princípios constitucionais da dignidade
da pessoa humana, da cidadania, da liberdade positiva, da igualdade material e da
solidariedade social, outras ações sejam implementadas nas esferas públicas e
privadas em busca da emancipação jurídico-social da pessoa idosa.8
Nesse sentido, o Estatuto do Idoso apregoa em seu art. 46 que a política de
atendimento ao idoso não será realizada apenas por meio de ações
governamentais, mas pelo conjunto articulado delas com outras não
governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. As
políticas que visam a atender as necessidades dos idosos são dever do Estado e da
sociedade, razão pela qual a Política Nacional do Idoso, que traçou pioneiramente
as ações a serem desenvolvidas para esse fim, continuam em vigor na forma
disposta pelo art. 47 do Estatuto do Idoso.9 E a Política Nacional do Idoso tem
por finalidade claríssima, plasmada em seu art. 1º “assegurar os direitos sociais do
idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação
efetiva na sociedade.” Essa perspectiva de pessoas idosas autônomas no que diz
respeito às suas individualidade e socialidade é confirmada pelas diretrizes da
Política Nacional do Idoso, que em seu art. 3º, inciso I, aponta para a garantia dos
seus direitos de cidadania e de participação na comunidade como dever da família,
8 Dar eficácia social às Leis que preconizam mudança no status quo têm sido, há muito, preocupação de juristas e sociólogos. Antes do Estatuto do Idoso já havia a Constituição da República de 1988 e leis protecionistas dos vulneráveis pela idade avançada, como a 8.842 de 1994 que, na forma do art. 53 do Estatuto do Idoso, continuou a vigorar supervisionando, acompanhando, fiscalizando e avaliando políticas nacionais para as pessoas idosas, as quais sempre encontraram dificuldades em concretizar-se. Nesse sentido, BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos, p. 1038: “A Constituição Federal de 1998 veicula um conceito de cidadão que não estava presente nas cartas anteriores, pois considera a assistência social , a previdência social e a assistência à saúde direitos de todo cidadão. A partir dos novos princípios constitucionais, tanto a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei 8742/93), como a Política Nacional do Idoso (PNI – Lei 8842/94) reafirmam estes conceitos, considerando o idoso como cidadão com direitos e deveres. Para que essa legislação possa efetivamente contribuir para a melhoria das qualidades de vida dos mais velhos, é preciso traduzi-la em políticas públicas e sociais que possibilitem o alcance dos objetivos de proteção e de inclusão social deste contingente populacional.” Compreende-se que o grande desafio de agora, consiste em dar ampla e irrestrita eficácia social não só as políticas traçadas pela Lei 8.884 de 1994, mas também ao Estatuto do Idoso. 9 Dispõe o art. 47 do Estatuto do Idoso: ‘ São linhas de ação da política de atendimento: I – políticas sociais básicas, previstas na Lei n. 8.842 de 4 de janeiro de 1994; II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que necessitarem...’
208
da sociedade e do Estado. Mais: a referida Lei também elege como finalidade o
dever do idoso de participar das políticas em seu benefício.
Significa que a pessoa idosa não é uma destinatária inerte das ações em
sua promoção, mas sim participativa, capaz de argumentar, argüir, contra-
argumentar, convencer e justificar suas proposições de forma atuante. Dessa
maneira deve ser compreendido o inciso IV, do referido artigo 3º: “o idoso deve
ser o principal agente e o destinatário das transformações a serem efetivadas
através desta política.” Corroborando com essa diretriz, o 3º artigo do Estatuto do
Idoso refere-se expressamente à efetivação, com absoluta prioridade, do direito à
cidadania das pessoas idosas.
Nesse contexto, torna-se essencial preparar o espaço público para que o
cidadão idoso nele possa transitar e se desenvolver.10 O Estado brasileiro
constitui-se democrático11 e de direito.12 Mas a democracia não se revela de uma
só maneira, haja vista que depende das características da sociedade em que se
insere. E uma sociedade pode ser conservada ou modificada com base nos valores
de uma época, da cultua de um povo e de um determinado momento histórico e
social.
Faz-se necessário, então, apontar para o modelo democrático da Grécia,
bem como das tradições republicana e liberal para, ao visualizar a complexidade
10 Para PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil, as normas referentes às pessoas idosas existem também para evitar percalços que dificultem ou impeçam o desenvolvimento do idoso, p. 168: “As diversas previsões normativas, que se inspiram na idade avançada, devem sempre ter uma justificação em termos de razoabilidade, de maneira a assumir relevância, nos diversos setores do ordenamento, como intervenções voltadas a remover eventuais obstáculos de fato ao efetivo desenvolvimento do idoso.” [grifou-se] 11 Para CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. In: Coleção Fundação Mário Soares. Direção de: SOARES, Mário. Edição Gradiva, s. d. p. 32, a teorização do Estado de direito encontra-se assentada em duas idéias básicas: “O Estado limitado pelo direito e o poder político estatal legitimado pelo povo. O direito é o direito interno do Estado; o poder democrático é o poder do povo que reside no território do Estado ou está sujeito à soberania do Estado.” 12 Convidado a participar dos chamados ‘cadernos democráticos’ dirigidos por Mário Soares CANOTILHO, José Joaquim Gomes, em Estado de Direito, debruça-se sobre a temática Estado de Direito e do Estado de não Direito e afirma que, embora seja possível definir ambos, há que se conceber o Estado de Direito a partir do conhecimento do que se configura Estado de não direito. Na p. 12 o autor esclarece: “Estado de Direito é um Estado ou forma de organização político-estadual cuja actividade é determinada e limitada pelo Direito.” Mas continua na p. 13 observando: “Tomar a sério o estado de Direito implica, desde logo, recortar com um rigor razoável o seu contrário – o ‘Estado de não direito’. Três idéias bastam para o caracterizar: (1) é um estado que decreta leis arbitrárias, cruéis ou desumanas; (2) é um Estado em que o direito identifica coma ‘razão do Estado’ imposta e iluminada por ‘chefes’; (3) é um estado pautado por radical injustiça e desigualdade na aplicação do direito.”
209
do sentido da democracia nesses quadros, seja possível construir a brasileira
delineando as possibilidades da pessoa idosa no ambiente pátrio, concretizando
seu direito à proteção integral e prioritária, segundo o princípio de seu melhor
interesse que aponta para o livre desenvolvimento de sua personalidade, inclusive
como cidadã.
É certo que as discussões sobre democracia são tão antigas como as
civilizações e, ao passar em revista alguns modelos de democracia pontuando
aspectos das experiências legadas, encontram-se dados para reflexão e proposição
de uma democracia mais participativa, que permita, também mais, a inclusão
social de seres humanos e grupos marginalizados na sociedade brasileira.
Nesse propósito, averigua-se que a Grécia antiga é considerada o
nascedouro da política.13 Na polis grega, o Estado possuía autoridade maior e os
cidadãos acatavam às lideranças porque “a pólis era, idealmente, uma comunidade
de iguais, os politai, que determinavam a política em debate aberto e
organizado”.14
Apesar do ideal de igualdade entre os cidadãos, a polis parece, de perto,
menos isonômica do que se proclamava. Observam-se, antes, diferenças em
relação à riqueza, que acarretavam, para os pobres, extrema dificuldade, senão
impossibilidade, por falta de tempo, de finanças, de distância, entre outras, de
participar dos debates nas assembléias que ocorriam apenas em quarenta dias
durante todo o ano.15 Porém, a estrutura por meio da qual a política se desenvolve
na Grécia, é parte do legado deixado para as civilizações posteriores, em suas
múltiplas acepções.16 Pois, não obstante as diferentes posições que cada membro
do povo gozava,17 para muitos estudiosos, na polis Atenas a democracia se
13 FINLEY, M. I. Política. In: O Legado da Grécia: Uma Nova Avaliação. Organizador: FINLEY. M. I. Tradução de: DE ALMEIDA, Yvette Vieira Pinto. Brasília: UNB, 1998, p. 32. 14 WINTON, R. I. e GARNSEY, P. Teoria Política. In: O Legado da Grécia: Uma Nova Avaliação. Organizador: FINLEY. M. I. Tradução de: DE ALMEIDA, Yvette Vieira Pinto. Brasília: UNB, 1998, p. 49. 15 FINLEY, M. I. Política. In: O Legado da Grécia: Uma Nova Avaliação, p. 38. 16 FINLEY, M. I. Política. In: O Legado da Grécia: Uma Nova Avaliação, p. 45. 17 Observe-se que HORNBLOWER, Simon. Creacioony desarrollo de las instituiciones democráticas en la antigua Grecia. In: Democracia. El Viaje Inacabado, Organizador: DUNN J., Barcelona: Tusquests Editores, 1995, p. 25, atenta para o fato de que essa era uma democracia de excluídos, tais como as mulheres e os escravos.
210
desenvolveu de forma sofisticada e complexa, usando inclusive da via
participativa, ideário complexo de, na prática, se desenvolver hodiernamente.18
Neste contexto, verifica-se outro legado de Atenas: o de uma igualdade
formal, onde os homens, em verdade, não são iguais como participantes do
processo deliberativo, bem como não apresentam condições de vida
assemelhadas. Registra-se essa faceta da democracia ateniense, principalmente
porque, ainda hoje, por volta de dois mil e quinhentos anos após a relatada
experiência, várias formas de governo mantinham, ou ainda mantêm as mulheres
fora do debate democrático. Os negros e pardos também sofrem por desigualdades
explícitas, resquícios dos regimes escravocratas que, até pouco tempo, vigoravam
no continente americano, inclusive no Brasil. Aliás, genericamente, a
desigualdade entre os homens é problema enfrentado não só por mulheres e afro-
descendentes, mas por um contingente muito maior de vulneráveis que se
destacam em situações concretas nas democracias da atualidade. A fim de
confirmar esta assertiva, basta lembrar da situação de inferioridade social
enfrentada também por índios, homo-afetivos, deficientes físicos e mentais,
desempregados, menores abandonados, e pessoas idosas, objeto específico desse
trabalho, porque fazem parte de minorias qualitativas em virtude de suas
fragilidades específicas no âmbito pessoal e também no contexto social do Brasil
contemporâneo. Contra a pessoa idosa alia-se ao preconceito e à marginalização
com que a sociedade oprime todas essas minorias, sua situação de vulnerabilidade
psicofísica decorrente da própria idade.
Sobremaneira importante, e oriundo do legado grego, revela-se também a
exaltação que os vivos faziam dos mortos de guerras, para preservar o civismo dos
18 HORNBLOWER, Simon. Creacioony desarrollo de las instituiciones democráticas en la antigua Grecia, p. 13. Também MARCONDES, Danilo. Iniciação da história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 7 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 41, aponta para a forma de democracia desenvolvida na Grécia por volta de 500 a. C. : “A democracia representa exatamente a possibilidade de se resolverem, através do entendimento mútuo, e de leis iguais para todos, as diferenças e divergências existentes nessa sociedade em nome de um interesse comum. As deliberações serão tomadas, assim, em reuniões de cidadãos, as assembléias. Isso significa que as decisões são tomadas por consenso, o que acarreta persuadir, convencer, justificar, explicar. [...] a linguagem, o diálogo, a discussão rompem com a violência, o uso da força e do medo, na medida em que, em princípio, todos os falantes têm no diálogo os mesmos direitos (isegoria): interrogar, questionar, contra-argumentar.”
211
vivos, e, nesse sentido, a virtude cívica aparece indissociável do regime político,
ou seja, da esfera pública da vida das pessoas na polis.19
O civismo também está presente na tradição republicana renascentista, em
que virtude significa patriotismo e espírito público, ou seja, o modelo republicano
busca o bem da comunidade acima do bem pessoal e familiar.20
Contemporaneamente, os axiomas republicanos têm sido repensados a
partir do que foi chamado de “humanismo cívico”21, de modo a colocar “no
espaço da vida pública o local privilegiado da manifestação dos valores mais
elevados da condição humana”22, recuperando-se, ainda, a importância das
discussões que envolvem temas do interesse da coletividade.23 Compreende-se,
assim, que a experiência republicana não deve ser resgatada materialmente, mas
há uma apologia do resgate teórico.24 Esse resgate visa, atualmente, a formular
idéias de acordo com a capacidade de agir de nossos municípios, estados ou
países, em nome dos interesses deles próprios. 25
Mas todo resgate precisa ser conjecturado com seu tempo. Portanto,
considera-se acerca da “elaboração de um conjunto de proposições em torno das
condições de manutenção da igualdade de direitos em uma sociedade cuja
natureza é objetivamente competitiva”26 e onde pessoas e grupos em situação de
inferioridade social, como as idosas, encontram-se marginalizadas.
O que parece muito interessante na tradição republicana, revisitada à luz
do atual momento histórico, social e ideológico, é estimular o homem a valorizar
tanto o espaço quanto o bem público e a se preocupar com temas afeitos à
19 TUCIDIDES. Historia da guerra do peloponeso. 2 ed. Tradução de: CURY, Mario da Gama. Brasília: UNB, 1986, p. 100. 20 HELD, David. Modelos de democracia, p. 63. 21 Expressão de BIGNOTTO, Newton. Pensar a República. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p. 52. 22 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 52. 23 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 52. 24 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 61. 25 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 63. 26 BIGNOTTO, Newton. Pensar a República, p. 62.
212
comunidade, afastando o individualismo exacerbado, numa perspectiva
solidarista. 27
Propõe-se, então, o debate público, pela via da cidadania participativa,
acerca dos valores de uma sociedade que deve tender não para o
individuocentrismo, mas para o homem imerso numa esfera humanista e plural.
Nesse ambiente, faz-se obrigatório não apenas existir, mas coexistir e, nesse
sentido, cooperar, colaborar, compartilhar e participar por meio da cidadania,
visando ao desenvolvimento e à emancipação da coletividade em geral e dos
grupos vulneráveis na sociedade contemporânea marcada por diferenças de toda
ordem.
O ideal de igualdade, ainda que meramente formal na Grécia antiga, até
hoje é almejado não só em bases formais, diante da lei, mas também de maneira
substancial, atenta às distintas necessidades de determinado grupo, que dependem
de suas especificidades.
Note-se, pois, que há ideais que não se perdem no passar do tempo para a
consecução de uma democracia desejável.
Nesse sentido, o legado da liberdade – maior apótema da tradição liberal –
revela-se cada vez mais importante para uma democracia em sua acepção negativa
(poder fazer ou não fazer) 28, mas, principalmente, na sua acepção positiva
(possuir meios para fazer ou não fazer) 29, e a fraternidade, que, até muito depois
27 Ensina TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra. A Urbs e a noção de espaço publico. In: Direito Público Romano e Política. Organizadores: TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra, CAMARGO, Margarida Lacombe e MAIA, Antonio Cavalcanti. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 154-155, que: “Em seu sentido clássico, a expressão espaço público remete a locais específicos de manifestações que visam ao público ou aqueles em que são examinados, debatidos e decididos assuntos de interesse público. São espaços, institucionalizados ou não, na medida em que constituem lugares tradicionais de discussão e deliberação. Como notamos em trabalho anterior, os espaços públicos na Antiguidade identificam-se aos centros de decisão da res publica, ao foro, às assembléias, aos tribunais, às praças e aos mercados. Debruçando-nos com mais vagar sobre o assunto, pudemos observar que, na verdade, não apenas os locais, mas determinadas atividades e/ou situações conduziram à construção de um verdadeiro espaço público. Modernamente, a concepção de espaço público abarca não apenas os locais físicos das reuniões de interresse público (não necessariamente vinculados à idéia de poder público, visto que, por exemplo, os movimentos sociais não lhes são institucionalmente associados), mas o próprio procedimento que regula os debates de interesse público, as regras que presidem os processos de discussão e de propostas de interesse público.” 28 BOBBIO, Norberto. Liberdade e igualdade. Tradução de: COUTINHO, Carlos Nelson. 5 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002, p. 49. Veja-se também BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre liberdade. Tradução de: FERREIRA, Wamberto Hudson. Brasília: UNB, 1981, p. 136-137. 29BOBBIO, Norberto. Liberdade e igualdade, p. 51.Veja-se também BERLIN, Isaiah. Quatro ensaios sobre liberdade, p. 144.
213
da tradição liberal não passou de retórica, deve ser cultivada densamente, pois os
seres humanos precisam, para conviver, de se ajudar de maneira recíproca.
Observe-se que a tradição se apresenta como marco para a democracia
fundada em atitudes de não-sujeição do homem, em certas circunstâncias, frente
ao próprio Estado, cujo poder passa a estar limitado pelo estímulo do exercício de
direitos positivos pelo cidadão.30 O legado da tradição liberal encontra-se,
inclusive, na separação entre homem e Igreja31 e, ainda, no incentivo ao
aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo mercado, de acordo com o
esforço pessoal de cada homem, portanto, não mais por meio de uma herança de
sangue.32 Liberdade e igualdade para todos são os lemas do modelo liberal
propagado não só pela França revolucionária, mas também, pelos Estados Unidos
da América.
Tanto a Declaração americana de Direitos do povo da Virgínia de 1776,
quanto a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
reconhecem pioneiramente, a existência de direitos humanos fundamentais.33 Há
que se ressaltar ainda a influência de filósofos franceses como Rousseau e
Montesquieu sobre os americanos revolucionários ao levarem o princípio
democrático e a teoria da separação de poderes à Constituição Americana de
1787.34 Com as Constituições de mexicana de 1917 e a alemã de Weimar de 1919,
o segundo pós-guerra inaugurou a entrada significativa dos direitos econômicos,
sociais e culturais nas cartas constitucionais.35
Posteriormente, por meio da influência da Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948, o valor da dignidade da pessoa humana passa a ser
reconhecido nas constituições posteriores à 2ª Grande Guerra.36 Com base em tal
30 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos, p. 29-30. 31 WALZER, Michael. El liberalismo y el arte de la separación. In: Guerra, Política y Moral. Barcelona, Buenos Aires, México: Paidós, 2001, p. 93. 32 WALZER, Michael. El liberalismo y el arte de la separación, p. 101. 33 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 47. 34 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 48. 35 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 52, 53 e 90. 36 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, p.104.
214
declaração obtém-se também a afirmação universal e positiva dos direitos
humanos em face do Estado que, porventura, esteja violando-os37.
Hodiernamente, através de movimentos sociais levados a cabo pelo exercício da
cidadania, politizam-se lutas nos espaços públicos e privados. Caso travadas nesse
último, tornam-se também lutas da coletividade, tendo como objeto garantir a
dignidade da pessoa humana por meio não só da eficácia vertical, mas também
horizontal dos seus direitos fundamentais, especialmente em relação à saúde das
pessoas idosas.38
É certo que os legados da Revolução Francesa e da Revolução Americana
para a construção de um modelo democrático adequado à realidade atual
apresentam-se imbricados, pois, tanto a revolução da burguesia francesa contra os
privilégios medievais do clero, da nobreza monárquica e dos senhores feudais;
quanto a revolução dos colonos americanos, partiram rumo à emancipação dos
homens em busca da liberdade e, dessa maneira, correlacionam-se.39 O impacto
das duas revoluções no cenário ocidental repercute até os dias atuais.
Principalmente a Revolução Francesa e seus princípios basilares “constituíram, no
bem como no mal, um ponto de referência obrigatório para os amigos e para os
inimigos da liberdade, princípios invocados pelos primeiros e execrados pelos
segundos.”40
37 WALZER, Michael. El liberalismo y el arte de la separación, p. 30. 38 A eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações contratuais privadas, especialmente naquelas cujo objeto do contrato é a prestação da saúde merece atenção da sociedade já que os direitos fundamentais de índole constitucional não estão confinados à esfera pública. Nesse sentido, movimentos sociais que visam a assegurar a saúde da pessoa idosa em relações contratuais que ela trava com a iniciativa privada tornam-se políticos, e dizem respeito, portanto, ao que é púbico, pois que afetam a coletividade. Essa assertiva parte da observação de DAGNINO, Evelina. Cultura, cidadania e democracia: a transformação dos discursos e práticas na esquerda latino-americana, p. 95: “Ao formular uma visão ampliada de democracia e operacionalizá-la em termos de luta pela cidadania, os movimentos sociais transmitem também uma visão alternativa do que é considerado político nas sociedades latino-americanas. A própria existência de movimentos sociais afetou as noções de sujeitos e espaços políticos [...] Na medida em que participam da disputa entre os diferentes projetos de democracia, junto com outros atores políticos que compartilham da mesma perspectiva, os movimentos sociais oferecem novos parâmetros para essa disputa e aragem contra as concepções reducionistas da democracia e da própria política. Ao politizar o que não é concebido como político, ao apresentar como público e coletivo o que é concebido como privado e individual, eles desafiam a arena política a alargar seus limites e ampliar sua agenda.” [grifou-se] 39 BOBBIO. Norberto. A era dos direitos, p. 89. 40 BOBBIO. Norberto. A era dos direitos, p. 92.
215
A liberdade e o poder de autodeterminação dos homens mostram-se
indispensáveis para o seu desenvolvimento e o alcance de melhores condições de
vida para si próprios e para a coletividade de que fazem parte. Não pode haver
crescimento baseado na escravidão e na opressão, porque seres humanos
desenvolvem preferencialmente seus dons e aptidões num ambiente onde possuam
ferramentas para que, efetivamente, possam ousar, experimentar, criar, por meio
da liberdade positiva. O regime democrático também favorece o desenvolvimento
social e, aliando o princípio da liberdade aos princípios democráticos da cidadania
e da soberania popular, os povos podem, paulatinamente, conseguir avanços em
prol de uma democracia cada vez mais forte em legitimidade, com vistas também
a assegurar os direitos fundamentais constitucionais. Dentre tais, o direito à saúde
de índole social, é condição para o exercício do direito à liberdade no exercício da
cidadania posto que “os ideais deliberativos da igualdade, da liberdade e da
abertura só podem se concretizar se determinadas condições sociais estão
garantidas para todos os participantes.”41
Cidadania “é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo
político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela
representação política.”42 Compreende-se que o cidadão não possui somente o
direito de participar do governo elegendo líderes representantes do povo, porque a
cidadania, direito fundamental e político, lhe atribui certo grau de influência nas
decisões do governo. O poder político não consiste apenas no direito de participar
do processo eletivo votando e sendo votado. Se o cidadão elege seus
representantes e só nas próximas eleições vota de novo, distancia-se por longo
período do processo democrático, pois, nesse intervalo, idéias são debatidas,
votadas, tornam-se leis. Portanto, afastar a população do procedimento
deliberativo pode fazer com que as decisões do parlamento e do governo sejam
apenas formalmente democráticas, mas essencialmente oligárquicas, já que o
poder estará concentrado nas mãos de poucos que, embora eleitos pelo povo,
decidem questões relevantes na vida de todos de maneira que não aquela que o
41 DE SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução teórica à luz do princípio democrático. In: A Nova Interpretação Constitucional: Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Organizador: BARROSO, Luís Roberto. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 324. 42 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, p. 346-347.
216
povo necessitaria ou desejaria. Trata-se da chamada democracia elitista na qual o
Legislativo não representa grupos de pessoas e suas aspirações, mas uma elite
detentora do poder econômico que se enriquece mais cada vez que as políticas
públicas voltam-se para seus interesses.43
Torna-se, nesse sentido, necessária a abertura do processo democrático pós
eleitoral, de modo que o cidadão opine em audiências públicas, participando
ativamente das questões que versem sobre seu direito à igualdade substancial,
cobrando do Estado a concretização dessa igualdade por meio de ações
positivas.44 Só de tal maneira a democracia alcançará sua legitimidade ideal, uma
vez que os valores considerados prioritários para a sociedade, de acordo com a
ponderação casuística dos axiomas positivados como princípios fundamentais pela
Constituição da República, nortearão a atuação do Estado em suas diversas
dimensões, influenciando a vida dos cidadãos em situações singulares e plurais.45
A cidadania, do modo mais extensivo que se propõe, trata-se, portanto, de
condição indispensável para que a democracia se legitime, a fim de atender não só
ao interesse da maioria, mas também das minorias, numa sociedade onde a
43 Segundo DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 37: “Na prática, a democracia brasileira – para uma grande parte da população – restringe-se ao ritual eleitoral. E, dessa forma, a democracia é limitada e está apoiada em um estado de direito que pune, controla e violenta as diferentes minorias – que, em seu conjunto, se transformam em imensas maiorias.” Também DE SOUZA NETO. Cláudio Pereira. Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais, p. 324-325: “As teorias democrático-elitistas possuem como um de seus elementos centrais o reconhecimento de que o poder econômico, em contextos de desigualdade social, mantém com o processo político uma relação tendente ao estabelecimento de elites políticas vinculadas às elites econômicas. Daí a importância de que a igualdade não e restrinja a sua dimensão formal, mas se projete também para o campo econômico-social.” 44 Nesse aspecto são importantes as considerações CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva; elementos da filosofia constitucional contemporânea. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 49: “Quando o constitucionalismo ‘comunitário’ brasileiro observa, na Constituição Federal, o alargamento da positivação constitucional das aspirações por mais igualdade, não se refere, obviamente, aos direitos dos cidadãos à ações negativas por parte dos Estado e, portanto, ao dever de abstenção, mas sim aos seus direitos de ações positivas por parte do poder público, ou seja, dever de ação. Ao dever de ação corresponde, portanto, o direito à prestações.” 45 Parece ser nessa linha de raciocínio que VIEIRA, José Ribas propõe ‘um constitucionalismo renovado, uma fundamentação democrática para o debate principiológico’ em: A estrutura constitucional e a democracia deliberativa: o contexto brasileiro. In: Temas de Constitucionalismo e Democracia. Organizado por: VIEIRA, José Ribas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 147-151.
217
dignidade humana sobreleva como valor essencial e supremo, que dá unidade de
sentido à Constituição.46
Note-se, portanto, que o germe da ideologia da liberdade lançada pelos
franceses revolucionários deixa importante e inafastável legado para as
civilizações contemporâneas. Aliás, os apótemas da Revolução Francesa:
liberdade, igualdade e fraternidade são axiomas que contêm vários direitos do ser
humano.47
Ressalte-se, entretanto, que o que tal revolução conseguiu, num primeiro
momento, foi liberdade para a contratação e a aquisição da propriedade, logo, a
necessária igualdade de todos perante a lei, algo bastante inferior ao que está
contido na carga valorativa desses três axiomas.48 Entretanto, para a época, tratou-
se de um avanço. Cabe à sociedade atual adequar esse legado às necessidades
atuais.49 Afinal, não pode existir democracia sem liberdade e, ao mesmo tempo, a
46 Atente, contudo, conforme DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 37: “E se, apesar da existência de uma Constituição democrática, o exercício da cidadania plena é praticamente inexistente para a maior parte da população brasileira, nos encontramos diante de um paradoxo em que a exclusão, a injustiça social e o terrorismo de um não-estado de direito servem de base de sustentação para uma ‘democracia sem cidadania’, ou para uma cidadania de baixa intensidade.” 47 Segundo BONAVIDES, Paulo. Teoria constitucional da democracia participativa (por um direito constitucional de luta e resistência, por uma nova hermenêutica, por uma repolitização da legitimidade). 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 154: “Nós viveremos sempre da Revolução Francesa, do verbo dos seus triunfos, do pensamento dos seus filósofos, cujas teses, princípios, idéias e valores jamais pereceram e constantemente se renovam [...] Aquela revolução prossegue, assim, até chegar aos nossos dias, com o Estado social cristalizado nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade. Uma vez universalizados e concretizados, hão eles de compor a suam política de todos os processos de libertação do Homem.” 48 A assertiva é corroborada por PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 83, ao dissertar sobre a liberdade proclamada pelos burgueses e fruto da Revolução Francesa anota que: “O essencial a preservar para a sobrevivência da sociedade organizada capitalisticamente, não são todos os direitos de liberdade, mas apenas aqueles que são directamente implicados pela organização económica, isto é, a propriedade e a liberdade contratual.” 49 PRATA, Ana, A tutela constitucional da autonomia privada, propõe o que chama de ‘reformulação da noção de liberdade jurídica’, de modo que a liberdade atinja a todos e não desconsidere a realidade social, funcionando como meio para que a dignidade da pessoa humana se realize. A autora diz na p. 84: “ ... O reflexo da contradição entre a concepção de homem como entidade individual e a inserção social real deste, e a sua resolução só pode passar por uma reformulação da noção de liberdade jurídica, que não aliene a realidade social, que tenha em conta o caráter instrumental da liberdade relativamente à realização da dignidade humana, que não ignore o confronto inelutável entre o exercício da liberdade por uns e a liberdade de todos numa comunidade.”
218
liberdade é o pilar mais forte sobre o qual se ergue qualquer regime
democrático.50
Desse modo é que se propõe crítica positiva ao liberalismo, pois a
liberdade deve ser preservada, afinal, Estado liberal e Estado democrático estão
entrelaçados: no sentido do liberalismo à democracia, porque são necessárias
certas liberdades para o exercício correto do poder democrático e, no sentido
oposto, da democracia ao liberalismo, pela necessidade do poder democrático, que
garante a efetividade das liberdades fundamentais.51 Essas últimas manifestam-se
como “liberdades instrumentais”52, para que se alcancem igualdade política e,
ainda, oportunidades isonômicas, – econômicas e sociais – envolvidas pela idéia
de liberdade substantiva para todos os homens.53
6.2 Sobre O Modelo Democrático no Brasil Pós Regime Ditatorial e Os Direitos Fundamentais da Igualdade, da Liberdade e da Solidariedade na Constituição da República Brasileira de 1988
Como vários países da América Latina, o Brasil conquistou o sufrágio
universal imbuído da “esperança de que o fim das ditaduras significasse a
consolidação do Estado de Direito”54 e de que a proteção dos direitos humanos
50 No entanto, faz-se importante a seguinte assertiva de DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 37: “As expectativas de ampliação das liberdades públicas e de efetivação das prática sociais e políticas democráticas são corroídas com a manutenção dos ‘pontos negativos oligárquicos’, das incivilidades de um não estado de direito. É justamente esse quadro que possibilita o preconceito contra inúmeros segmentos sociais – pobres, favelados, trabalhadores sem terra, moradores de rua, prostitutas, homossexuais, jovens – principalmente das classes populares, idosos, afro descendentes, indígenas, portadores de deficiência física, etc. Esses segmentos sociais são entendidos como disfuncionais para o modelo capitalista neoliberal, chamados por Zygmunt Bauman de ‘consumidores falhos’ ou ‘lixo humano’. [Grifou-se] 51 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7 ed. Tradução de: NOGUEIRA, Marco Aurélio. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 32-33. 52 Expressão usada por SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de: MOTTA, Laura Teixeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 11. 53 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, p. 11. 54 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina. In: Democracia, Violência e Injustiça, O Não Estado De Direito Na América Latina.
219
fosse estendida a todos os cidadãos.55 Todavia, a miséria e a marginalização de
tantas pessoas fazem com que a cidadania no cenário nacional perca seu sentido
para um grande número de excluídos, o que consubstancia, em última análise, um
estado de não direito para os vulneráveis, discriminados ou marginalizados. 56
Dentre eles, apesar do avanço legislativo que se iniciou na Constituição de
1988 e atualmente abrange a Política Nacional do Idoso e seu Estatuto, encontra-
se ainda o grupo de pessoas idosas, principalmente quando sem condições de
arcar com a preservação do seu direito à saúde, tornam-se moribundas. A
preservação da saúde da pessoa idosa garante sua participação na vida pública,
pois, se a idade longeva já fragiliza o corpo, incapacita esse corpo se doente.
Assim, até para que as pessoas idosas possam reivindicar melhores condições de
saúde para si, é necessário que elas gozem de saúde, sob pena de estar
definitivamente afastadas do exercício da cidadania, o que fere, em última análise,
o direito à liberdade.
Acrescente-se que os idosos de hoje tiveram, em sua juventude num
regime ditatorial, reduzidas oportunidades de se educar para o exercício da
cidadania participativa com vistas à solução dos problemas que lhes afetam.57
Portanto se reconhece que há óbices ao exercício da democracia
participativa pelos idosos, que devem ser conhecidos e enfrentados tais como:
pessoas com nível educacional apropriado para argumentar, formular perguntas,
contra-argumentar, de modo a auferir convencimento pelo poder de persuasão;
gozo de tempo para se empreender esforços; disposição para se esforçar; medidas
adequadas para os fins objetivados entre outros, como a dificuldade imposta pela
Organizadores: MÉNDEZ, Juan E., O’DONNELL, Guillermo, PINHEIRO, Paulo Sérgio. Tradução de: PINHEIRO, Ana Luiza. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 11. 55 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina, p. 11. 56 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina, p. 14 e 22. 57 Segundo BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 1040: “O processo de redemocratização que está em curso restabeleceu-se principalmente com a promulgação da Constituição de 1988, mas, na prática, não são muitas as mudanças na vida dos cidadãos brasileiros. Os que hoje têm 60 anos, em sua grande maioria, tiveram pouco acesso à educação formal e, por força do regime de governo vigente entre 1961 e 1984, tiveram pouquíssimas chances de encabeçar ou mesmo de fazer parte de propostas de gestão democrática ou participativa.”
220
burocracia aos movimentos populares para desestimular os cidadãos da discussão
e da deliberação.58
E esses entraves não podem ser desconsiderados sob pena de se promover
uma democracia participativa de grupos vulneráveis desarticulada, sem poder de
convencimento em face da superioridade de preparo das elites que possuem o
status quo. 59 Nesses quadros, é possível que se consiga participação formal dos
grupos vulneráveis que não alcance, por conseguinte, a inclusão social dos seus
marginalizados.60
O grupo vulnerável das pessoas idosas brasileiras deve, antes, ser educado
para o exercício da participação e, mais do que isso, incentivado a educar-se e a
almejar a participação como meio não só de alcançar os resultados pretendidos,
como também de promover sua auto-estima, sua integridade perante a sociedade e
a capacidade de institucionalizar suas proposições.61
Convenha-se ainda que, proceder comparação dos mandamentos
constitucionais que têm como objetivo construir uma sociedade livre, justa e
solidária, com o deprimente palco de oprimidos pelas mazelas das grandes cidades
e do campo em certos locais onde não há infra-estrutura para se viver, como
serviços básicos de água potável, luz, esgoto, saneamento e um meio ambiente
58 MATOS, Nelson Juliano Cardoso Matos. Teoria do estado: uma introdução crítica ao estado democrático liberal (notas críticas à teoria hegemônica da democracia a partir do paradigma participacionista). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 204-208. 59 Cf. BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania, p. 1040, a respeito da insuficiente educação formal dos idosos de hoje no Brasil. 60 Para evitar esse resultado BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos, p. 1039-1041, estuda minuciosamente o que chama de gestão participativa e examina um conjunto de comportamentos do grupo com vistas a consolidar o processo participativo. Destaca-se a observação que a autora faz na p. 1039: “A metodologia empregada para o alcance dos objetivos pode ter passos variados, mas deve guiar-se por participação ativa, realização de reuniões permanentes de planejamento e de avaliação por grupos, rotação de responsabilidades, tomada de decisões por consenso, socialização das informações, disciplina e vigilância coletivas, descentralização e integração, e formação de espaços fora do ambiente específico do projeto. Os pilares do processo participativo são capital humano e social dos participantes.” [grifou-se] 61 BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos, p. 1040, manifesta-se nesse sentido: “Administrar serviços, programas e projetos direcionados aos idosos, a partir destes conceitos, pode otimizar resultados e proporcionar melhoria significativa na auto-estima e na qualidade de vida deste segmento, renovando a esperança e a motivação de enfrentamento das dificuldades.”
221
apropriado para uma existência saudável, revela-se, de todo, paradoxal.62 A gestão
orçamentária da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios devia
empenhar recursos para suprir esse mínimo de condições essenciais para a vida
humana, pois, no espectro apresentado, não pode existir liberdade positiva e muito
menos justiça social. 63 Os bens são tão mal distribuídos que o Brasil se afigura
mundialmente como um dos países mais desiguais em qualidade de vida.64 Uma
das razões desse fenômeno encontra-se no fato irrefutável de o Brasil, em muitos
aspectos, seguir o modelo econômico dos Estados Unidos, onde há concentração
de riquezas produzida pela globalização neoliberal em proporções escandalosas.65 66
São ainda muitíssimo discrepantes da realidade do dia-a-dia os objetivos,
também constitucionais, de erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais, porque o contexto de grandes iniqüidades
62 Aqui se faz cabível o resgate da concepção de urbs, consoante TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra. A Urbs e a noção de espaço publico, p. 162: “Assim, do próprio termo urbs, designado inicialmente Roma, a cidade das cidades, derivam os vocábulos urbano, urbanismo, indicativos da vida nas cidades, dos sistemas de vida nelas em vigor. Estes últimos têm sido objeto de estudos cada vez mais numerosos, na medida em que a qualidade de vida nas grandes cidades se degrada, por fatores de natureza diversa e que levam muitas vozes a reivindicar um direito à cidade, i. e., a condições dignas de vida urbana.” 63 Aliás, é importante destacar que desde o ano de 1994 consta positivado no parágrafo único do art. 8º da Lei 8. 842, que: ‘Os ministérios da saúde, educação, trabalho, previdência social, cultura, esporte e lazer devem elaborar proposta orçamentária, no âmbito de suas competências, visando ao financiamento de programas nacionais compatíveis com a política do idoso.’ 64 FRY, Peter. “Cor e estado de direito no Brasil”. In: Democracia, Violência e Injustiça, O Não Estado De Direito Na América Latina. Organizadores: MÉNDEZ, Juan E., O’DONNELL, Guillermo, PINHEIRO, Paulo Sérgio. Tradução de: PINHEIRO, Ana Luiza. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 209. 65 Cf. SANTOS, Boaventura de Souza. A globalização e as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 2002, p. 34, que faz tal asserção referindo-se aos Estados Unidos. Considera-se pertinente usar a mesma colocação para o modelo brasileiro. 66 A propósito manifesta-se DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Globalização, direitos humanos e a violência na modernidade recente (versão completa)*. In: Temas Emergentes de Direitos Humanos. Coordenador: GUERRA, Sidney. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2006, p. 321: “Também o Estados Unidos, que serve de referência para as teorias evolucionistas, não pode servir de exemplo. O desenvolvimento econômico e a estabilidade da institucionalidade democrática, em uma sociedade liberal, não asseguram a diminuição das diferentes formas de violência. Os acontecimentos recentes na cidade de Nova Orleans, após a passagem do furacão Katrina, revelaram uma sociedade desigual, violenta e socialmente injusta. Para muitas correntes críticas ao modelo hegemônico, a sociedade capitalista liberal de massas favorece uma série e violências sociais, formas de exclusão, intolerâncias raciais, etc.”
222
econômicas só faz ampliar as disparidades entre ricos e pobres.67 A Constituição
também proclama a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação e, ao invés,
convivemos com toda espécie de exclusão e violência por conta desses
preconceitos que se mantêm.68 Apesar de na Constituição da República Federativa
do Brasil possuir, em seu artigo 1°, referência a um Estado Democrático de
Direito que tem, nos incisos II e III, como princípios fundamentais a cidadania e a
dignidade da pessoa humana, sabe-se dos oceanos de exclusão na esfera da
política e de indignidade social em que vários seres humanos subsistem.
Por tanta disparidade entre o conteúdo normativo e a prática “os pobres
vêem a lei como um instrumento de opressão a serviço dos ricos e poderosos.”69 E
poderia ser diferente?
Parece que o caminho a ser trilhado a fim de modificar tais situações de
descrença e de iniqüidades sociais, ainda que paulatinamente, encontra-se na
efetivação de uma democracia participativa dos membros das várias classes e
grupos sociais.70 As pessoas que se encontram à margem da dignidade humana
precisam exercitar sua cidadania e ter voz ativa para reivindicar o que precisam
67 PINHEIRO, Paulo Sérgio. “Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina”, p. 22. 67 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina, p. 23. 68 Consoante DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 36: “A democracia, em sociedades como a brasileira, apóia-se em um estado de direito formal que pune preferencialmente os segmentos vulneráveis, não lhes garantindo segurança e o acesso à justiça. São as ‘não-elites’. Os vulneráveis são aqueles a quem se dirige a violência sem lei.” 69 PINHEIRO, Paulo Sérgio. Introdução: o estado de direito e os não-privilegiados na América Latina, p. 23. 70 Segundo GUTMANN, Amy. Identity in democracy. Princeton e Oxford: Princeton University Press, 2003, p. 193: “Em políticas democráticas são particularmente importantes as identidades dos grupos por causa dos números somados (pelo menos quando eles são meticulosamente contados). Sem habilidade para engajar num grupo de ação coordenado, maiorias singulares estão menos longe dos politicamente influentes e efetivos. Indivíduos desavantajados que são tratados injustamente não podem moldar um esforço bem sucedido, afastados de um movimento social, sem aliados à sua causa. Aliados podem tornar fácil organizarem-se baseados nas mútuas identidades preferíveis a interesses pessoais, especialmente onde haveres coletivos estão em jogo. Indivíduos que não se identificam com a causa não possuem razões pessoais para se sacrificar por um movimento social. A identidade com um grupo pode promover essa razão e promover benefícios intangíveis assim como inclusão social que motivam indivíduos a trabalhar juntos para combater a injustiça.” [ traduziu-se livremente do inglês]
223
diretamente, e não só por representantes que elegem e depois os esquecem.71 A
democracia meramente representativa constitui seu modelo elitista que só
promoverá os grupos vulneráveis até onde convier às elites.72
Por tais razões, os cidadãos idosos, como minoria qualitativa, têm que
atentar para a necessidade de se unir a fim de implementar, por procedimentos
institucionalizados, vias de participação que façam com que suas vozes sejam
ouvidas.73 Do mesmo modo, o processo de inclusão social passa pela
conscientização de que os menos abastados de toda ordem, terão força política
maior numa sociedade de mercado, se inseridos em associações ou sindicatos,
bem mais próximos de um ideal comum, por isso, engajados na busca de soluções
que atendam seus associados.74 A partir da capacidade de organização,
participação e de representação substantiva por seus pares, grupos socialmente
vulneráveis como o formado pelas pessoas idosas ganham projeção pública, o que
torna tangível a possibilidade de confirmação das suas posições e de suas
71 DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Direitos humanos e exclusão social no Brasil. In: Fórum: Debates Sobre Justiça e Cidadania. Revista da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro. N. 13. Ano. 4, Janeiro/Fevereiro, s. d., p. 37: “Os governos democraticamente escolhidos, ao adotarem políticas restritivas, de acordo com o receituário neoliberal, foram incapazes de solucionar os problemas sociais, não aplicando políticas públicas com o objetivo de acabar com a incivilidade social, o arbítrio, a violência e a ação desregulada e voraz do mercado. Prevalece uma histórica cultura oligárquica por meio das práticas sociais e políticas de negação da cidadania, baseadas no clientelismo, no assistencialismo e na intimidação da população mais pobre e miserável. O bem público acaba por se submeter às necessidades dos interesses particulares.” 72 Cf. COHEN. Jean L. e ARATO. Andrew. Sociedad civil y teoría política. Tradução de: MAZZONI, Roberto Reyes. México: Fondo de Cultura Econômica, 2000, p. 24: “O modelo elitista de democracia orgulha-se de propiciar uma explicação operativa e empiricamente descritiva das práticas e dos estados cuja forma de organização política se considera democrática. Nele não há nenhuma pretensão de que os votantes estabeleçam a agenda política ou tomem decisões políticas eles não engendram os temas a tratar nem elegem as políticas. De sobra, os líderes (partidos políticos) agregam os interesses e decidem quais terão de ser relevantes politicamente. Ademais, eles selecionam os temas e estruturam a opinião pública . A verdadeira função do voto é simplesmente eleger elites políticas que aspiram ao poder e aceitar sua liderança.” [traduziu-se livremente do espanhol] [grifou-se] 73 Para BORGES, Cláudia Maria Moura. Gestão participativa em organizações de idosos: instrumento para a promoção da cidadania. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia, p. 1040: “Para que se possa propor um processo de gestão participativa ou democrática de serviços prestados a idosos, é preciso, antes de tudo, acreditar no potencial dos mais velhos e na sua capacidade de gerir a própria vida, considerá-los como cidadãos com direito e deveres e vê-los como sujeitos sociais que têm papéis sociais significativos.” 74 Essa proposição é defendida por COHEN. Jean L. e ARATO. Andrew. Sociedad civil y teoría política, p. 9: “Não obstante, a legalização dos sindicatos, as negociações coletivas, a co-determinação e outros elementos similares atestam a influência da sociedade civil sobre a econômica e permitem que esta última desempenhe uma papel mediador entre a sociedade civil e o sistema de mercado.” [traduziu-se livremente do espanhol]
224
reivindicações.75 Dessa maneira, pensa-se que o grupo vulnerável da terceira
idade passaria a deter condições mais favoráveis para alcançar emancipação social
e jurídica num regime capitalista – modelo econômico adotado pelo Brasil –, bem
como na era da globalização – fenômeno inafastável em nossos tempos –, desde
que numa moldura social e democrática, a qual proceda à “transformação de
trocas desiguais em trocas de autoridade compartilhada”76 assim como a
“construção de mecanismos de controlo democrático”77 aliados à efetiva
fundamentabilidade aos direitos do humanos, previstos para todos em sede
constitucional e para os homens em suas situações singulares como prevêem
legislações especiais, entre elas, por exemplo, a Consolidação das Leis do
Trabalho para os assalariados, o Estatuto da Criança e do Adolescente, para
pessoas deixa faixa etária e o Estatuto do Idoso para as pessoas idosas.78
Desse modo, parece haver condições a fim de que se constituam
instrumentos para uma globalização contra-hegemônica, imbuída de valores
sociais e humanistas. 79
No caso brasileiro deve considerar-se fortemente o que os princípios
fundamentais contidos no artigo 1º da Constituição preceituam: o Estado
75 DA ROCHA. Sônia Maria, GOMES, Maria das Graças Cunha e LIMA FILHO, João Batista. O protagonismo social da pessoa idosa: emancipação e subjetividade no envelhecimento. In: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Organizadores: DE FREITAS, Elizabete Viana, PY, Ligia, NERI, Anita Liberanesso, CANÇADO, Flávio Aluízio Xavier, GORZONI, Milton Luiz, DA ROCHA, Sônia Maria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p. 1034 assinalam que: “Os espaços públicos refletem a aglutinação da vontade pública, consolidada em formas de participação política horizontais (associativismo voluntário). Neste sentido, a sociedade civil, com seu conjunto de associações voluntárias independentes do sistema econônomico e político-administrativo, absorve, condensa e conduz, de maneira ampliada, para a esfera pública, os problemas emergentes das esferas privadas do mundo da vida.” 76 Expressão de SANTOS, Boaventura de Souza. A globalização e as ciências sociais, p. 74. 77 SANTOS, Boaventura de Souza. A globalização e as ciências sociais, p. 74 . 78 GUTMANN, Amy, em Identity in democracy, p. 193, enfatiza que: “Além do mais, identidades dos grupos são, longe, tipicamente mais do que instrumentos de políticas públicas para seus membros. Elas provêem suporte mútuo e um senso de pertença que por outro lado poderia estar faltando na vida de muitas pessoas e algumas o fazem sem incutir injustiça aos outros. Isto significa que completamente a parte das demandas de justiça, nós podemos apreciar quereres das pessoas – de fato igualmente necessidades – de mútuo suporte e senso de pertencimento que a identidade de grupos pode prover. Identificando que grupos provêem mútuo suporte nas bases da mútua identidade também pode ajudar a mitigar as inseguranças da vida econômica e social em sociedades capitalistas competitivas.” [traduziu-se livremente do inglês] 79 Cf. SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. In: Reconhecer Para Libertar: Os Caminhos do Cosmopolitismo Multicultural. Rio de Janeiro: Civilização, 2003, p. 438 e ss.
225
Democrático de Direito brasileiro ergue-se sobre pilares básicos: um de ordem
internacional-pública, a soberania; dois de ordem político-democrática, a
cidadania e o pluralismo político; outros dois de caráter humanista e social, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
A dignidade da pessoa, como fundamento do Estado pátrio, redimensiona
as construções jurídicas para o alcance prioritário do que afeta o ser humano, a lhe
atribuir dignidade em qualquer situação. A livre iniciativa e o trabalho têm sua
fundamentabilidade reconhecida desde que visem aos valores sociais, ou seja, sua
qualificação como fundamentais decorre do fato de proporcionarem atendimento
das expectativas e necessidades sociais.80 E a cidadania, princípio fundamental da
República na forma do inciso II do 1º artigo da Constituição é o instrumento do
povo para manifestar sua vontade política não apenas para eleger representantes
ou se fazer eleger. Ela deve ser antes, manifestação contínua do cidadão em
quaisquer assuntos que afetem a dignidade humana de pessoas ou grupos
vulneráveis.
Nesse sentido, formas de democracia representativa e formas de
democracia direta e participativa devem se conciliar, a fim de mobilizar setores
sociais para a implementação de políticas públicas prioritárias. 81
Ademais, como já assinalado, o conceito de democracia representativa
deve ser revisto. Torna-se, pois, necessária “a distinção entre a representação
política e a argumentativa do cidadão.”82 A representação política, por
instrumento do voto, dirige-se aos Poderes Executivo e Legislativo, mas a
representação argumentativa dos cidadãos, cabe a eles diretamente – seja
consentido frisar, desde que aparelhados com efetivo poder de negociação – e
também ao Poder Judiciário.
80 Essa perspectiva é trabalhada por LEITE, Fábio Carvalho. Os valores da livre iniciativa como fundamento do estado brasileiro, In: Direito, Estado e Sociedade, nº 16, Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica, 2000, passim, veja-se, especialmente, p. 81. 81 SADER. Emir. Para outras democracias. In: Democratizar a Democracia: Os Caminhos Da Democracia Participativa. Organizador: SANTOS, Boaventura de Souza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 649- 678. 82 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no estado social democrático: para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. In: Revista de Direito Administrativo. Tradução: HECK, Luís Afonso. Vol. 217, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 66.
226
Com o Poder Judiciário a atuar de maneira racional e argumentativa,
oxigenam-se os excessos ou as lacunas dos outros poderes sujeitos a lobbies,
acordos, pressões que o dinheiro e as relações de poder proporcionam e que
afetam diretamente direitos do cidadão. O Judiciário tem o munus da pulverização
da atuação desses dois poderes num Estado Democrático tripartite, por via da
reflexão do processo político e pela interpretação constitucional dos direitos
fundamentais. “Se um processo de reflexão entre coletividade, legislador e
tribunal constitucional se estabiliza duradouramente pode ser falado de uma
institucionalização que deu certo dos direitos do homem no estado constitucional
democrático.”83
Portanto, não há democracia sem uma forte estrutura de direitos
fundamentais, já que eles são a base de um Estado de Direito e o Estado de
Direito propicia, simultaneamente, a existência dos direitos fundamentais.84
Note-se que, no Brasil, a dignidade humana é o princípio fundamental
vetor e o maior dos direitos fundamentais, que dá unidade axiológica ao sistema
de direitos humanos derivados dele.85 A dignidade da pessoa humana trata-se do
grande manancial conformado por outros valores essenciais numa democracia e
assentados na Constituição brasileira de 1988: tratam-se da igualdade, da
83 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no estado social democrático, p. 66. 84 Nesse sentido, PERES LUÑO. Antonio E. Los derechos fundamentales, p. 19: “O constitucionalismo atual não seria o que é sem os direitos fundamentais. As normas que sancionam o estatuto dos direitos fundamentais, junto àquelas que consagram a forma de Estado e as que estabelecem o sistema econômico, são as decisivas para definir o modelo constitucional de sociedade. Sem que se queira considerar estas três questões como compartimentos estanques, toma-se conta de sua inseparável correlação. Assim, dá-se um estreito nexo de interdependência, genético e funcional, entre o Estado de Direito e os direitos fundamentais, já que o Estado de Direito, para existir, exige e implica garantir os direitos fundamentais, principalmente porque esses exigem e implicam, para sua realização, ao Estado de Direito.” [Traduziu-se livremente do espanhol e se grifou] 85 A abordagem da dignidade como princípio máximo constitucional e fonte dos direitos fundamentais é abordada por vários autores. Cf.: TEPEDINO, Gustavo. Premissas Metodológicas para a constitucionalização do direito civil, p. 1-22, passim, também BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios do Biodireito, especialmente na p. 61, também BODIN DE MORAES. Maria Celina, O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo, p. 109-146, passim, também SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição de 1988, p. 81-149, passim; também MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo código civil, In: Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Organizador: SARLET, Ingo Wolfgang. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 69-73, passim.
227
liberdade e da solidariedade.86 Esses axiomas são ambivalentes, pois se
apresentam, ao mesmo tempo, como direitos fundamentais e princípios
constitucionais no ordenamento jurídico brasileiro. Verifica-se, portanto, que o
arcabouço axiológico dos apótemas da Revolução Francesa insurge como pilar
para a contínua construção de um Estado de Direito democrático.
Embora em sua origem francesa o direito à liberdade tenha sido explorado
principalmente na sua acepção negativa, com a não-intervenção estatal nos
negócios mercantis, é imperioso que, numa democracia também participativa, ele
funcione no seu modelo positivo, como autodeterminação. Assim, liberdade é
atributo da cidadania, que tem como objetivo especial a discussão pública dos
cidadãos acerca de temas afeitos à comunidade em que se inserem. Desse modo,
afigura-se necessária a cultura de debate e deliberação pelos cidadãos do que lhes
diga respeito direto (considerando as especificidades de um grupo, como, por
exemplo, o das pessoas idosas) ou indireto (considerando as demandas de outros
grupos que interessam os primeiros porque ambos convivem na mesma esfera
social, como outros seguimentos da sociedade discutindo, por exemplo, questões
que afetam a qualidade de vida das pessoas idosas). Nesse sentido, liberdade, na
acepção democrática, consubstancia também direito fundamental político, que
garante a participação de todos e que fortalece a cidadania e a legitimidade dos
atos do governo, pois os interessados, diretos e indiretos, participam do processo
deliberativo.87 Revela-se, pois, indispensável uma “cidadania inclusiva”,88 de
modo que o processo de argumentação e deliberação gere inserção social, pela
colaboração de todos os envolvidos, na medida de sua experiência.89
A igualdade, outro ícone da Revolução Francesa, desenvolveu-se naquele
momento só no sentido do homem perante a lei, já que isso se fazia necessário, a 86 Parte-se para análise dos direitos fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade como conteúdos do princípio da dignidade da pessoa humana a partir da colocação de SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, que, na p. 56, explica: “...Na essência, todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade), tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa.” 87 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, p. 24. 88 Expressão usada por DAHAL. Robert. Sobre a democracia. Tradução de: SIDOU, Beatriz. Brasília: UNB, 2001, p. 112. 89 Cf. HABERMAS Jürgen. A inclusão do outro. Tradução de: SPEBER, George e SOETHE, Paulo Astor. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 55.
228
fim de consolidar o capitalismo, desconsiderando, portanto, desigualdades de fato
sempre existentes.90
Mas atualmente, novas injunções demonstram pluralismo na vida das
pessoas, pois, na alteridade que lhes faz únicas, experimentam realidades diversas,
como a decrescência do vigor físico nas pessoas mais velhas em face da vitalidade
juvenil. Porém, há identidade de todos na sua condição de humanos e é necessário
que, não só, mas também por meio do Estado Democrático, lhes seja garantida
igualdade material em situações de desigualdade substancial.91 Se há algo que une
uma pessoa às outras é sua condição humana. Assim, o sentido de pertencer a uma
comunidade de iguais, ainda que na alteridade, deve fazer com que todos
percebam que ninguém é só e que não se pode estar sempre só. Precisa-se do
outro e outro também precisa de outros tantos até por conta da pluralidade das
pessoas e das atividades exercidas por elas. Nessa medida, é fundamental que
cada ser e que cada agrupamento humano reconheça a necessidade peculiar do
outro, para que a vida social possa se harmonizar e, até mesmo, para que as
pessoas se complementem. Dessa compreensão advém o respeito por
equiparações via determinação legal, por meio de ações afirmativas, de ações de
classe, entre outros instrumentos que visam à igualdade real.92 Em verdade, o bem
feito ao vulnerável é revertido num ambiente social favorável também aos mais 90 O raciocínio elaborado para justificar a igualdade mesmo onde havia desigualdade contratual, especialmente nas relações de trabalho é bem desenvolvido por PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada, p. 87: “Porque todos os indivíduos são iguais, é possível aplicar-lhes a lei (hipotética, abstracta e geral), mas, simultaneamente, é a lei, com tais características, que assume como iguais os indivíduos, isto é, é porque são iguais à face da lei que são iguais entre si.” 91 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, corrobora com o que se sustenta e acrescenta conceber o princípio da igualdade atrelado não apenas a um Estado de Direito, mas a um Estado Social de Direito, p. 341: “O Estado social é enfim Estado produtor da igualdade fática. Trata-se de um conceito que deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em se tratando de estabelecer equivalência de direitos. Obriga o Estado, se for o caso, a prestações positivas; a promover meios; se necessário, para concretizar comandos normativos de isonomia.” Antes, na p. 341, ao expor a importância do princípio da igualdade, diz: “Conduzido para fora das esferas abstratas, o princípio da igualdade, inarredavelmente atado à doutrina do Estado social, já não pode ignorar o fator ideológico nem tampouco as demais considerações de natureza axiológica. Ideologia e valores entram assim a integrar o conceito de igualdade, provocando uma crise para a velha igualdade jurídica do antigo Estado de Direito.” 92 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade. (O direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA). Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 5: “Essas políticas sociais, que nada são do que tentativa de concretização da igualdade substancial ou material, dá-se a denominação de ‘ação afirmativa’ ou, na terminologia do direito europeu ‘discriminação positiva’.”
229
abastados. Basta pensar não só, mas emblematicamente, nas questões de
segurança. Note-se que a exclusão social é, em grande parcela, responsável pela
violência dos pobres contra os ricos, efeito rebote da indiferença desses em
relação àqueles.93
A necessidade de harmonização e a possibilidade de complementação dos
seres humanos advêm de sua própria condição de “animal político”94. Se não é
possível viver sem conviver, torna-se imperiosa a solidariedade nas relações
sociais.95
Nesse contínuo, se os direitos à liberdade e à igualdade apresentam-se
mais antigos, embora essenciais no espaço político democrático, o direito à
solidariedade social, que na Revolução Francesa recebeu o nome de fraternidade,
com forte conteúdo moral e religioso, parece só ter sido valorizado em sua
acepção política no final do século XIX e início do século XX em diante.96 Apesar
disso, atualmente “o discurso solidarista corresponde a uma nova forma jurídico-
política.”97 Já não se pensa mais numa democracia apartada da solidariedade
social, porque “a democracia só pode encontrar sua verdadeira essência em suas
múltiplas forças potenciais. Sua experiência repousa sobre a multiplicidade de
suas faces e no seu caráter pluralista.”98
93 DORNELLES, João Ricardo Wanderley. Globalização, direitos humanos e a violência na modernidade recente (versão completa)*. In: Temas Emergentes de Direitos Humanos. Coordenador: GUERRA, Sidney. Campos dos Goytacazes: Faculdade de Direito de Campos, 2006, p. 315: “Direta ou indiretamente, a violência se alimenta das desigualdades. E a desigualdade em escala global ampliada e em ritmo acelerado, produzida pela globalização hegemônica neoliberal, expande a exclusão social, a precarização da vida, através da abstenção do Estado da responsabilidade pública social, sendo uma pré-condição para a generalização e da violência.” 94 Expressão consagrada por ARISTÓTELES em, Política. Tradução de: GUIMARÃES, Torrieri. São Paulo: Martins Claret, 2003, p. 14, § 9 da obra de Aristóteles. 95 Mais uma vez torna-se interessante o resgate da Urbs na concepção de espaço público dos dias hodiernos. TAVAREZ, Ana Lúcia de Lyra. A Urbs e a noção de espaço publico, explica na p. 170 que: “Os diversos significados que a concepção do espaço público da Urbs faz emergir fortalecem a convicção de ser plural a noção que deles pode se deduzida. O espaço público urbano é um espaço de realização das atividades comunitárias, de natureza política, econômica, jurídica e religiosa, mas é também um espaço de projeção social, de desempenho de determinados ritos, de assunção de certos comportamentos, de busca da solidariedade social.” 96 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 187. 97 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade, p. 187. 98 FARIAS, José Fernando de Castro. A origem do direito de solidariedade, p. 276.
230
Outra faceta do solidarismo, essencial para a construção de uma
democracia de inclusão, está contida no ideal de tolerância. E aqui, apesar das
nuances morais desta virtude, seu enfoque é político. Assim, quando os homens
não são capazes de sentir amor e respeito pela alteridade, resta-lhes fazer uso da
tolerância.99 Desse modo, compreende-se não ser possível exigir que os seres
humanos sintam-se solidários, mas é admissível a exigência de que ajam
solidariamente, de acordo com o Direito posto.100 Portanto, o ato de solidarizar se
impõe, para que a democracia dos Estados de Direito de hoje subsista fortificada
pela inserção global de todos que fazem parte de dada sociedade.101
O processo de inclusão por via da solidariedade aproxima-se também da
igualdade, porque, em vários sentidos “os indivíduos esperam uns dos outros uma
igualdade de tratamento que parte do princípio de que cada pessoa considere cada
uma das outras como ‘um dos nossos’.”102 No âmago do direito à solidariedade,
encontram-se os ideais de proximidade, pertença, comunhão, partilha,
reciprocidade.103 A solidariedade também está relacionada com a liberdade, pois,
99 COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Tradução de: BRANDÃO, Eduardo. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 188. 100 Como coloca BODIN DE MORAES, Maria Celina. O princípio da solidariedade. In: Os Princípios da Constituição de 1988. Organizadores: PEIXINHO, Manuel Messias, GUERRA, Isabela Franco, NASCIMENTO FILHO, Firly. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 188, nota 77: “Não se quer exigir que alguém sinta algo de bom pelo outro; apenas que se comporte como se o sentisse. Um único exemplo será o bastante para demonstrar que não há dificuldades em se exigir, não apenas do Pode Público mas também dos particulares, o dever de respeito e solidariedade para com o(s) outro(s). O patrão que dava a seu empregado favorito, além do salário, uma quantia a mais às vésperas das festas natalícias foi, durante algum tempo julgado bondoso, generoso, solidário. O legislador, entendendo que não deveria contar com esse comportamento voluntário, e que devia estendê-lo a todos os empregados, estabeleceu a obrigação de ser solidário aos empregadores, por ocasião do Natal, determinando o pagamento do chamado 13º salário.” 101 Observe-se, nesse particular, as críticas de ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Os princípios da vulnerabilidade e da autonomia no estatuto do idoso: pressupostos e aplicações. Mimeo, 2008: “Não obstante a retórica habitual ressalte a velhice, na prática, a mesma é expressão de solidão, abandono e perda. O mesmo acontece em relação à solidariedade, onde se verificam déficits e distorções não só na medida vertical e, portanto, nas políticas públicas que tornem efetiva a cidadania ativa dos idosos, como também no plano horizontal, em que se constata a ausência de diálogo intergeneracional.” 102 HABERMAS Jürgen. A inclusão do outro, p. 42. 103 HÄRBELE, Peter atesta que o Tribunal Constitucional Federal alemão, baseado na Lei Fundamental compreende que a noção de dignidade humana está atrelada à idéia de igual dignidade do outro. Veja-se, a propósito. El estado constitucional. Tradução de: FIX-FIERRO, Héctor. México: Universidad Nacional Autônoma de México, 2001, pp. 171-172: “Os conceitos científico-sociais da identidade comprovam ademais outra idéia jurídica: na dignidade humana se concebe incluída também a relação com o tu. O reconhecimento da ‘igual dignidade humana do outro’ constitui a ponte dogmática em direção a adequação relativa ao tu da dignidade humana [...]
231
no “ ‘desenvolvimento como liberdade’, as liberdades instrumentais ligam-se
umas às outras e contribuem com o aumento da liberdade humana em geral.”104
Mas cabe ressaltar que, nem sempre, solidariedade e liberdade caminham
de mãos dadas. Em certos momentos, para que o direito à solidariedade se
implemente, hão de ser afastadas liberdades negativas e a igualdade no sentido
formal.
Observe-se que o conteúdo de liberdade, de igualdade e de solidariedade
terá expressão mais ou menos restrita quando num caso concreto. Afinal, todos os
vieses de um caso demandam sopesamento, por meio de uma ponderação racional
e coerente.
A partir da Constituição de 1988 e de seu conteúdo democrático e
emancipatório, o Brasil deu passos largos rumo ao desenvolvimento social, de
modo que, em qualquer tempo vindouro, liberdade, igualdade e solidariedade
serão sempre direitos fundamentais no estado pátrio pois compõem o princípio
maior da dignidade da pessoa humana. Firmada a fundamentalidade desses
direitos e princípios do estado democrático, seja consentido frisar não ser possível
que, como direitos, porque fundamentais, jamais se restringirão e de que, como
princípios constitucionais, terão o mesmo nível de intensidade na interpretação de
um caso concreto. Na hipótese de colisão entre eles, haverá balanceamento e um
receberá peso maior que o outro, e este outro será relativamente ou absolutamente
afastado, dependendo do juízo de ponderação e de proporcionalidade exigido em
face da exata situação, concreta ou abstratamente elaborada, sempre em prol da
preponderância do princípio da dignidade humana da pessoa idosa.105 Observe-se
que a dignidade da pessoa humana deve ser sempre encontrada na ponderação
casuística desses princípios que conformam o seu conteúdo. Porém, o princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana é imponderável.
A referência ao ‘outro’, ao ‘tu’, ao ‘próximo’, ao ‘tu’ e ao ‘irmão’ ( no sentido da fraternidade de 1789), hoje também ‘a irmã’, é uma parte integral do princípio jurídico-fundamental da dignidade humana.” [traduziu-se livremente do espanhol] 104 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, p. 25. 105 Segundo ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no estado de direito democrático. In: Revista de Direito Administrativo. Tradução: HECK, Luís Afonso. Vol. 217. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 68, “Não existe catálogo de direitos fundamentais sem colisão de direitos fundamentais e também um tal não pode existir.”
232
Diante dessa realidade, percebe-se que “a ponderação como parte de um
exame de proporcionalidade [...] é o problema nuclear da dogmática dos direitos
fundamentais e a razão principal para a abertura dos catálogos de direitos
fundamentais.”106
Cabe ressaltar ainda – pelo fato do que se está prestes a referir incrementar
o exercício da ponderação, tornando-a mais sofisticada – que os ambivalentes
direitos e princípios fundamentais da liberdade, da igualdade e da solidariedade
possuem no universo contemporâneo, significados polivalentes.
A polivalência da liberdade e da igualdade relaciona-se com seus
múltiplos sentidos: à liberdade negativa, em face da lei, adiciona-se o direito à
liberdade positiva, autodeterminada, que se desenvolve por meio da cidadania
argumentativa e participativa; à igualdade formal de todos perante a lei, alia-se o
direito à igualdade substancial entre os homens, a fim de tornar equânimes suas
oportunidades de desenvolvimento. No mesmo sentido de emancipação social,
agrega-se à liberdade positiva e à igualdade substancial o que se conhece,
hodiernamente, por solidariedade social, que induz à colocação de todos, com
seus argumentos, identidades, alteridades e pluralismos, porque, apesar das
diferenças que separam, a humanidade e a inserção na vida em sociedade impõem
uma aproximação inclusiva dos homens.107
Para arrematar numa palavra: “temos o direito a ser iguais quando a
diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza.”108
106 ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no estado constitucional democrático, p. 63. 107 Baseando-se em Michael Walzer, CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva, p. 88 arremata bem este ponto: “Mas é a tolerância política a regra da democracia. É ela que permite uma confrontação ativa desatas convicções, crenças e engajamentos singulares. Ainda que as identidades sociais sejam irredutíveis a qualquer padrão único ou universal, ainda que o particularismo seja a marca da natureza humana, nada disso inviabiliza uma coexistência humana pacífica. Se o consenso definitivo é inalcançável e se estamos condenados a viver em meio ao conflito, é a tolerância política que faz da política democrática uma atividade permanente. É ela que obriga os indivíduos a argumentar, deliberar e assumir responsabilidades permanentes.” 108 Frase cunhada por SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos, p. 458.
233
6.3 Instrumentos Para Assegurar a Eficácia Social dos Direitos da Pessoa Idosa
Com vistas a alcançar para os vulneráveis situação de igualdade
substancial e por meio da solidariedade social, ações afirmativas e de classe
apresentam-se como instrumentos adequados a viabilizar a igualdade dos grupos
sociais em situação de desigualdade de fato. A Política Nacional do Idoso e
Estatuto do Idoso, cujos planos de ação e abertura incentivam o implemento de
outros programas sociais em prol da pessoa idosa, são exemplos de ações
afirmativas com vistas ao direito à igualdade material dos idosos e da superação
de sua marginalização diante da sociedade utilitarista, sobremaneira ocupada com
o custo-benefício, que privilegia a produção, a competitividade, a celeridade, a
eficiência, a bela aparência de tudo que é novo. A velhice, por todas as suas
vicissitudes, aproxima-se de outros valores como a experiência, a sabedoria, a
certeza de não ser possível competir com o processo de envelhecimento, em
virtude da sua naturalidade, porque envelhecer e morrer são inerentes à natureza
do ser humano. 109
Nessa altura, conclama-se o direito à igualdade substantiva, por tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, o que induz ao oferecimento
de oportunidades concretas para os grupos socialmente inferiorizados.110 Num
mundo pluralista como o hodierno, a diversidade é algo comum, haja vista que as
necessidades das pessoas não são as mesmas e também dependem de condições
específicas em que cada agrupamento humano se insere.
Quando as diferenças são reconhecidas também pelo Poder Judiciário
pode-se dizer que ele atua no sentido de promover políticas públicas a partir do
conteúdo de igualdade e de solidariedade que emanam da sua decisão. Ademais,
109 PERLINGIERI, Pietro. Il diritto civile nella legalitá constituzionale, p. 343: “Entre produção, eficientismo de um lado e tutela da pessoa do outro, freqüentemente verificam-se confrontos que o sistema tem resolvido a favor do personalismo e em detrimento de uma concepção fundada exclusivamente na análise econômica do direito e sua valoração de custos e benefícios.” [Traduziu-se livremente do italiano] 110 Ensina HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da república federal da Alemanha. Tradução de: HECK, Luís Afonso. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1988, p. 330: “O princípio da igualdade proíbe uma relação desigual de fatos iguais; casos iguais devem encontrar regra igual; a questão é, quais fatos são iguais e por isso não devem ser regulados desigualmente.”
234
se sentenças judiciais dão efetividade ao princípio da igualdade material alcança-
se justiça social.111 Assim, é imperioso sejam as pessoas idosas colocadas em
condições ideais de igualdade em relação às jovens para, a um só tempo, obter
acesso universal e igualitário à saúde consoante mandamento constitucional.
Observe-se que, “com o objetivo de colocar todos os membros da sociedade em
condições iguais de competição pelos bens da vida considerados essenciais, faz-se
necessário, muitas vezes, favorecer uns em detrimento de outros.”112
Significa que, em questões de saúde, pessoas idosas tal como crianças e
adolescentes, possuem pelo princípio do seu melhor interesse, tutela prioritária em
face de pessoas de outra faixa etária exatamente pelo fato da compleição
psicofísica e social das últimas se apresentar mais favorecida enquanto a das
primeiras mais frágil. Percebe-se, então, que para se concretizar o princípio de
igualdade, é preciso promovê-la, não por meio de ações reparatórias cujo objeto é
111 Há julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que, efetivando os valores da Constituição brasileira, aplicam o princípio da igualdade para tutelarem, em certas medidas, alguns vulneráveis. Ao analisar o direito à igualdade das pessoas idosas opta por apresentar precedente que concretiza o direito à igualdade substancial julgando correto o incentivo à contratação de pessoas, já não tão jovens, portanto, mais vulneráveis no mercado de trabalho. STF. Ação direta de Inconstitucionalidade n º1276- São Paulo. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Julgada em: 29.08.2002. Publicada no Diário de Justiça em: 29.11.2002. Ementa: “Ao instituir incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembléia Legislativa Paulista usou o carater extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade, da isonomia...’ Ao que parece, o princípio da igualdade substantiva é que norteou a política emanada do Legislativo e confirmada pelo Judiciário. Também acerca da ilegalidade do limite de idade no concurso de Fiscal de Tributos, STJ. Ação Rescisória nº 1114- Rio Grande do Sul. Relator: Ministro Felix Ficher. Publicada no Diário de Justiça em:21.10.2002. Ementa: ‘ Ação Rescisória. Acórdão rescindendo proferido em recurso em mandado de segurança. Administrativo. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF. Concurso público. Requisitos. Limite de idade. CF, art. 7º, XXX. Não se aplica a Súmula nº 343 do STF, pois a quaestio envolve violação a artigos da Lex Máxima. II - A CF/88, em seu art. 7º, XXX, aplicável aos serrvidores públicos por força do art. 39, § 2º, proíbe a infundada diferenciação na admissão para o serviço público por motivo de sexo, idade, cor, ou estado civil. Hipótese em que o limite máximo de idade de 35 anos fixado para o concurso público para Fiscal de Tributos Estaduais é ilegal por falta de razoável amparo jurídico. Tal exigência não se justifica por não ser indispensável para o bom cumprimento da função a ser exercida. Precedentes. Pedido rescisório procedente.” 112 DA SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas. Princípio constitucional de igualdade. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 61.
235
indenizar um dano legado,113 mas sim por instrumento de ações distributivas, que
objetivam oferecer igualdade de oportunidades às pessoas envelhecidas.114
Parece, portanto, mais fácil convencer a sociedade a solidarizar-se com as
dificuldades de uma etapa da vida que, em princípio, todos hão de passar; o que
não acontece no caso de discriminações positivas em razão de raça, deficiência
psicofísica ou sexualidade. De fato, as conseqüências do envelhecimento a afetar
diretamente as pessoas idosas poderão ser experimentadas por cada ser humano. É
comum também que o sofrimento pela falta de saúde adequada na terceira idade
toque os jovens cujos afetos a vivenciam e contribua para lhes dotar de uma
consciência humanista acerca das dificuldades naturais da idade avançada a ponto
de se conduzir para a efetivação dessas políticas legislativas, que, se não
implementadas nada valem, assim como escritos numa folha de papel que não se
concretizam.115
Se alguns agravos físicos ou psíquico-sociais próprios da velhice são
inexoráveis à condição humana, ações afirmativas consagradas pela Política
Nacional do Idoso e pelo seu Estatuto constituem conquista social brasileira, de
113 No sentido de reparar efeitos cumulativos de discriminações sociais vividas no passado por minorias raciais, étnicas, de crenças religiosas e outros, veja-se DOS SALES SANTOS, Augusto. Ação afirmativa e mérito individual. In: Ações Afirmativas Contra As Desigualdades Raciais. Organizadora: LOBATO, Fátima. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p. 96. 114 As ações distributivas baseiam-se na compreensão de que o comportamento ético – de um ser humano para com outro – abarca o conteúdo da justiça distributiva conforme postulado por Aristóteles em Ética à Nicômacos. Tradução de: CURY, Mário da Gama. 3 ed. Brasília: UNB, 1985, pp. 96-97: “...O justo nesta acepção é o meio termo entre dois extremos desproporcionais, já que o proporcional é um meio termo, e o justo é o proporcional. [...] O justo nesta acepção é portanto o proporcional, e o injusto é o que viola a proporcionalidade. Neste último caso um quinhão se torna muito grande e o outro muito pequeno, como realmente acontece na prática, pois a pessoa que age injustamente fica com um quinhão muito grande do que é bom e a pessoa que é tratada injustamente fica com um quinhão muito pequeno.” 115 VIEIRA, Oscar Vilhena e DUPREE, A. Scott. Reflexão acerca da sociedade civil e dos direitos humanos. In: SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. Ano 1, Nº 1, 2004, p. 53: “Concedemos aos outros os direitos que desejamos que nos concedam. Teoricamente, reciprocidade se relaciona com a diferença. Ela nos dá uma razão para esperar que pessoas diferentes necessariamente devam ser tratadas como desejamos ser tratados. Portanto, ouvimos porque queremos ser ouvidos, e respeitamos a propriedade alheia porque queremos assegurar nossa propriedade. A reciprocidade não expressa qualidade transcendental alguma, de bem ou de mal. Ela não implica que assassinato, tortura, fome, analfabetismo e doenças evitáveis sejam maus em si mesmos. Reciprocidade significa que não posso aceitar certas coisas para os outros, a menos que as aceite para mim mesmo.”
236
sorte que não se referem a medidas temporárias, mas definitivas, em prol do bem
estar das pessoas idosas.116
Logo, ações afirmativas apresentam-se na forma de instrumentos
promocionais da igualdade substancial para grupos de pessoas vulneráveis que se
afiguram como minorias, como são, no Brasil, os idosos.117 Nesse país é
corriqueiro que, no sentido numérico, “minorias” seja o termo adequado para os
mais abastados de toda ordem.118 Há de atentar, por conseguinte, que aqui o
significado de minorias não quer fazer, necessariamente, alusão ao sentido
numérico do termo.119 O que identifica as minorias para o Direito é o contexto
concreto de vulnerabilidade, de marginalização, ou ainda de discriminação, em
que se encontram os membros de um grupo ou uma pessoa em face das maiorias,
dado pelas situações de desigualdade fática vivenciadas entre elas e não por meras
questões numéricas. Quando se averigua que pessoas ou grupos sofrem por
exclusão social a ponto de necessitarem da afirmação da sua igualdade material,
torna-se possível pensar que se tratam de minorias a necessitar de políticas
públicas que visem à sua emancipação. São, portanto, as situações postas que vão
indicar quem gozará de prerrogativas por meio de ações afirmativas.120
116 Embora dissertando exemplificativamente a respeito de outras minorias, a posição de MADRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, também defende a existência de políticas afirmativas perenes, p. 60: “É o caso, por exemplo, das comunidades indígenas e de quilombolas, cujas especificações, sobretudo as diretamente relacionadas a sua identificação, saúde, habitat, requerem, por certo, o implemento de programas e políticas governamentais de caráter permanente.” 117 Há autores que preferem o termo discriminação positiva de origem européia, a ação afirmativa, de origem norte-americana como MAGRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira. A despeito da diferença do vernáculo tanto a ação afirmativa quanto a discriminação positiva visam a alcançar, na prática, os mesmos resultados de igualdade de oportunidades para os vulneráveis, marginalizados ou vítimas do preconceito. 118 O mesmo raciocínio é desenvolvido por PIRES, Maria José Morais. A discriminação positiva no direito internacional e europeu dos direitos do homem. In: Revista de Documentação e Direito Comparado, Lisboa, nºs 63 e 64, 1995, p. 52, referindo-se ao caso da África do sul como o mais flagrante de minorias numéricas corresponde ao grupo dominante naquela sociedade. 119 No mesmo sentido, entre outros tantos, destaca-se MADRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira, p. 82, pela simplicidade e clareza que dá à idéia de minorias: “Na identificação das minorias o critério quantitativo dá lugar a valores qualitativos dá lugar a valores qualitativos, tais como os elementos sociais, econômicos e políticos aos quais s submete o grupo social, tratado de forma desigual e injusta em comparação com os demais membros da sociedade.” 120 MADRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira, p. 64 também elege as pessoas idosas como grupo vulnerável sujeito às políticas afirmativas em virtude de sua saúde encontrar-se fragilizada perante as doenças que acometem principalmente pessoas dessa faixa etária.
237
Numa palavra: “...A ação afirmativa tem por finalidade implementar uma
igualdade concreta (igualdade material), no plano fático, que a isonomia
(igualdade formal), por si só, não consegue proporcionar.”121 Portanto, a definição
de ações afirmativas deve abranger o seu caráter político, cujos objetos principais
são a proteção do direito constitucional à igualdade em substância e o afastamento
de vulnerabilidades, discriminações e preconceitos que afetam grupos compostos
por seres humanos considerados minorias, visando também à conscientização
pedagógica de toda a sociedade frente às intoleráveis desigualdades, de modo que
essas, por meio dos procedimentos afirmativos, sejam afastadas e que o
imaginário coletivo as considere mesmo execráveis.122
Para colocar em prática o mecanismo afirmativo, revela-se essencial
determinar quem serão os beneficiários das ações afirmativas e como elas serão
operacionalizadas, de modo a não criar outras marginalizações e novas tiranias de
valores e grupos.123 Desse modo, os programas em prol de minorias não devem
121 DE MENEZES, Paulo Lucena. Ação afirmativa (affirmative action) no direito norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 29. 122 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade, p. 6 e 7: “Concebidas pioneiramente pelo Direito dos Estados Unidos da América, as ações afirmativas consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física. Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, mas também a discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de uma caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade da observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano. Constituem, por assim dizer, a mais eloqüente manifestação da moderna idéia de Estado promovente, atuante, eis que sua concepção, implantação e delimitação participam todos os órgão estatais essenciais, aí incluindo-se o Poder Judiciário, que ora se apresenta com o seu tradicional papel de guardião da integridade dos sistema jurídico como um todo, ora como instituição formuladora de políticas tendentes a corrigir as distorções provocadas pela discriminação. Construção intelectual destinada a viabilizar a harmonia e a paz social, as ações afirmativas, por óbvio, não prescindem da colaboração e da adesão das forças ativas, o que equivale dizer que, para o seu sucesso, é indispensável a ampla conscientização da própria sociedade acerca da absoluta necessidade de se eliminar ou de se reduzir as desigualdades sociais que operam em detrimento das minorias.” 123 ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil. Tradução de: GASCÓN, Marina. Madrid: Editorial Trotta, 1995, p. 125: “Os princípios e os valores devem ser controlados para evitar que, adquirindo caráter absoluto, se convertam em tiranos.” [traduziu-se livremente do espanhol]
238
provocar novas discriminações por conta de uma super proteção dos que estavam
antes à margem da igualdade.124
No que toca as pessoas idosas é possível afirmar que sua proteção
privilegiada, a partir da exegese do Estatuto do Idoso imbricada com os princípios
da Constituição da República de 1988, não causa a referida tirania das antigas
minorias. É que, enquanto algumas pessoas idosas morrem, outras alcançam
sessenta anos e passam a fruir da tutela especial atribuída pela Lei. Assim, as
pessoas jovens nunca serão minorias qualitativas que sofrem pelos atributos
conferidos às idosas. Note-se que essas possuem tutela preferencial em face das
jovens por uma questão de necessidade. Atente que, também os jovens, já terão
gozado da intervenção legal no sentido de seu melhor interesse quando crianças e
adolescentes. E não há mais quem diga que o Estatuto dessas últimas fez com que
se tornassem tiranas, porque efetivamente possuem condições de vulnerabilidade
particularíssimas que, depois de determinada idade, cessam-se. A partir de então,
os adolescentes que se tornam jovens terão responsabilidade social para com
idosos que serão um dia, bem como para com crianças e adolescentes que foram.
O importante é cuidar da pessoa humana em suas circunstâncias e na
medida de suas necessidades. Para o direito não importa se o homem inicia sua
vida, encontra-se no meio dela ou no final. A vida está jungida ao princípio
constitucional da dignidade e, para que todos usufruam de igual dignidade social,
determinados instrumentos formulados pelo direito para as fases em que as
vulnerabilidades são imanentes à condição humana, contribuem para o alcance de
igualdade material entre as pessoas na sua alteridade de fato.
Saliente-se, pois, que o tratamento diferenciado na infância, na
adolescência e na velhice é cíclico, de modo que não há possibilidade de se
argumentar que as pessoas idosas exercem tirania em face das mais bem dotadas
de atributos naturais inerentes à juventude. Nesse sentido, “a discriminação
razoável é autorizada e se faz mesmo necessária, sob pena de se esvaziar o
princípio, também constitucional, da igualdade substancial.”125
124 DA SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas. Princípio constitucional de igualdade, p. 64, afirma que, não se pretende com a ação afirmativa apenas trocar os beneficiários de uma estrutura excludente para, com isso, criar outra, formada agora por aqueles que eram considerados maiorias. 125 TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. Minorias no direito civil brasileiro. In: Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, Ano 3. v . 10 Abril /Junho/ 2002, p. 155.
239
Historicamente, as ações afirmativas objetivavam temas de interesse
público em sentido estrito, como a experiência de haver quotas para negros nas
universidades americanas, a fim de facilitar o acesso de todos à educação, uma
vez que pessoas da raça negra eram – e ainda são – minorias, no sentido de se
apresentarem marginalizadas, discriminadas, numa palavra: vulneráveis em
relação à população de cor branca nos Estados Unidos da América.126
Observa-se, na atualidade, que o mecanismo afirmativo também se
constitui adequado para enfrentar situações privadas nas quais o desequilíbrio
entre as partes não se mostra de interesse coletivo, como, por exemplo, a situação
do sócio minoritário em face dos majoritários em sociedades e associações.127
Esse alargamento de abrangência das ações afirmativas ocorre porque situações de
desigualdade extrema, que atentam contra o princípio da igualdade, podem
126 As pessoas da raça negra também sofrem marginalização e discriminação no Brasil onde já existem ações afirmativas com o intuito de corrigir essas distorções tais como: a Constituição do Estado da Bahia de outubro de 1989 que no seu art. 289 dispõe que sempre que for veiculada publicidade estadual com mais de duas pessoas será assegurada a inclusão de uma da raça negra; projeto de Lei 650/99 que institui ações afirmativas em prol da população brasileira afrodescendente, com ênfase em campanhas educativas; destinação de cota de 20% no preenchimento de cargos e empregos públicos, nos acesso a vagas no curso superior e nos contratos do FIES, no prazo de 50 anos modificação, gratuita e a pedido, do registro civil e certidão de nascimento quanto à cor e características étinicoculturais; projeto de Lei 3.198/2000 que institui o estatuto da igualdade racial, com ênfase nas áreas de saúde, educação, terras de quilombos, do trabalho, dos meios de comunicação, além de e estabelecer sistema de cotas em concursos públicos e uma ouvidoria permanente; portaria 1.156/2001 do Ministério de Estado da Justiça que instituiu o programa de ações afirmativas do Ministério da Justiças, com ênfase no preenchimento de cargos de direção e assessoramento superior , com estabelecimento de metas (porcentagem) de participação de certos grupos como o composto por afrodescendentes; concorrência nº 3/2001 do STF que estabelece em edital a contratação de serviços a observância de 20% de negros e negras no recrutamento e seleção de profissionais pela contratanda; projeto de Lei nº 6.912/2002, que institui ações afirmativas em prol da população brasileira afrodescendente, com destaque para campanhas educativas, incentivo a candidaturas em cargos eletivos; destinação de cotas para o preenchimento de cargos e empregos públicos e no acesso às universidades públicas e privadas; Lei 4.151/2003-RJ, que institui nova disciplina sobre o sistema de cotas para estudantes da rede pública de ensino, negros, minorias étnicas e pessoas com deficiências para o ingresso mas universidades públicas estaduais do Rio de Janeiro; projeto de Leinº 3.627/2004 com instituição de sistema especial de reserva de vagas para estudantes egressos das escolas públicas, em especial, negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior; Medida provisória 213/2004 que institui o programa universidade para todos, o PROUNI em prol de estudantes brasileiros não portadores de diploma de curso superior, dentre os quais alunos e professores da rede pública, alunos bolsistas da rede privada, pessoas com deficiência, negros e indígenas. Esses dados foram colhidos da obra de MADRUGA, Sidney. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira, pp. 127-129. 127 TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. Minorias no direito civil brasileiro, p. 138.
240
ocorrer nos espaços públicos e privados e os princípios constitucionais incidem,
segundo a melhor doutrina, em relações de natureza pública ou privada. 128
Anote-se que a situação de inferioridade das pessoas idosas encontra-se no
ponto de congruência entre a esfera pública e a privada. Se, no ambiente privado,
os velhos são maltratados ou enganados por sua vulnerabilidade que advém da
idade, não se pode dizer que esse problema contempla uma situação desprovida de
interesse coletivo.
Ao contrário da hipótese de sócios minoritários oprimidos pelos
majoritários nas relações privadas de sociedade ou associação, onde inexiste
interesse coletivo de intervir na situação de desigualdade embora sua equalização
seja adequada pela circunstância de desequilíbrio entre eles,129 nas questões dos
idosos há amplo interesse particular deles mesmos, de sua famílias, mas também
do Estado e da sociedade, posto que, amparar a pessoa idosa é mandamento
constitucional e sua proteção é de interesse público imediato confirmado pela
Política Nacional do Idoso e por seu Estatuto.
Note-se que quando o parágrafo único do art. 3º do Estatuto do Idoso
expõe, exemplificativamente, dos incisos I a VIII, o que compreende a garantia de
prioridade dada à pessoa idosa, refere-se a finalidades cujos contornos serão
desenhados, na prática, por iniciativa de seus sindicatos, do Ministério Público,
das sentenças judiciais, das proposições da sociedade, da comunidade em que se
inserem e também da iniciativa privada.130
128 No sentido da incidência direta dos direitos constitucionais fundamentais nas relações entre privados destaca-se pioneiramente no Brasil TEPEDINO, Gustavo. Direitos humanos e relações jurídicas privadas, p. 66: “... A proteção dos direitos humanos não mais pode ser perseguida a contento se confinada no âmbito do direito público, sendo possível mesmo aduzir que as pressões do mercado, especialmente intensas na atividade econômica privada, podem favorecer uma conspícua violação à dignidade da pessoa humana, reclamando por isso mesmo um controle social com fundamento nos valores constitucionais. [...] A constituição da República, ponto de equilíbrio entre as diversas forças políticas nacionais, oferece parâmetros para o exercício do necessário controle da atividade econômica privada. Seja por seu caráter compromissório, seja pela maior estabilidade do processo legislativo necessário à sua revisão, seja por sua posição hierárquica no ordenamento jurídico, deve ser utilizada sem qualquer cerimônia pelo operador, aproveitando-se da opção do constituinte pela intervenção nos institutos de direito civil, como propriedade, família, atividade empresarial, relações de consumo.” 129 Nesse sentido os próprios TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. Minorias no direito civil brasileiro, p. 136. 130 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade, p. 41, refere-se às ações afirmativas promovidas por diversos atores sociais: “Tratam-se de mecanismos de inclusão concebidos por entidades públicas, privadas e por órgãos dotados de competência
241
Afastando-se um pouco da análise das ações afirmativas, mas tendo-as
como pano de fundo, cumpre assinalar que o Estatuto do Idoso possui
mandamentos de índole proibitória, bem como tipifica crimes contra a pessoa
idosa do art. 96 ao art. 109 da Lei, estabelecendo sansões a quem praticá-los,
acrescidos das alterações nos arts. 110, 121, 133, 140, 141, 148, 159, 183, do
Decreto-Lei nº 2.848 de dezembro de 1940, no art. 21 do Decreto-Lei nº 3.688 de
outubro de 1941, no art. 1º da Lei 9.455 de abril de 1977, no art. 18 da Lei nº
6.368 de outubro de 1976, de acordo com seus arts. 110 a 113. Nesses casos, o
direito funciona como técnica social específica capaz de encorajar condutas lícitas
e desencorajar condutas ilícitas por instrumento do princípio da imputação que
persuade o ser humano a agir de acordo com o dever ser sob pena de sanção
atribuída pela ordem jurídica.
Porém, tanto os enunciados normativos de índole proibitória quanto os que
determinam penalidades aos infratores dos preceitos legais são reduzidos no
referido Estatuto. O que sobreleva nesta Lei e na Lei da Política Nacional do
Idoso são outros enunciados normativos que direcionam para o respeito, a
conscientização e a humanização do Estado, da família, da sociedade, da iniciativa
privada, para as vicissitudes da terceira idade, de modo que, retornando às
políticas afirmativas, afirma-se que elas possuem ainda o condão de levar a
sociedade à reflexão do seu porquê, o que, em última análise, gera críticas ou
aplausos.131 O importante é que a partir de uma ação afirmativa promocional dos
interesses de grupos socialmente inferiorizados, todos são tocados por ela, pois os
debates acerca da sua juridicidade aparecem na mídia, há discussões sobre o tema,
e as comunidades freqüentemente não sabem se ela implanta realmente a justiça
pois privilegia uns em detrimento de outros. O que se quer pontuar é que a
jurisdicional, com vistas à concretização de um objetivo constitucional universalmente reconhecido – o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos os seres humanos têm direito.” 131 GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade, esclarece a importância de as ações afirmativas não possuírem apenas conteúdo proibitivo e relaciona sua natureza multifacetária com a inculcação de novas questões como as anti-discriminatórias no imaginário coletivo, pp. 40-41: “Diferentemente das políticas governamentais antidiscriminatórias baseadas em leis de conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter reparatório e de intervenção ex post facto, as ações afirmativas têm natureza multifacetária, e visam a evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, formalmente, por meio de normas de aplicação geral e específica, ou através de mecanismos informais, difusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo.”
242
experiência de uma ação afirmativa não permite mais a indiferença em relação ao
outro, o que já constitui grande avanço, além de outros em prol da igualdade que a
política afirmativa alcança.132
Com o manancial decorrente dos princípios constitucionais da dignidade
humana, da liberdade positiva, da solidariedade social e da igualdade substancial
o Estatuto do Idoso possui ferramentas para fazer pela pessoa idosa em situações
relacionadas com sua vida e a saúde, muito em prol do dever de amparo extraído
também da Constituição. É que o próprio Estatuto compreende não ser bastante os
princípios e regras instituídos por ele para que as pessoas idosas alcancem
patamar de igualdade social ao qual ele visa. Com os olhos voltados para a
efetivação de suas normas o Estatuto impõe ao Estado a obrigação de “garantir à
pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais
públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de
dignidade.”133 Este mandamento quer que a vida e a saúde dos idosos não seja
tutelada somente quando já violados seus direitos humanos levados, assim, ao
Poder Judiciário para que os salvaguarde de privações ilícitas já ocorridas: a vida
e saúde da pessoa idosa devem ser protegidas prioritariamente por meio da
efetivação dessas políticas públicas e sociais de ação, conscientização e
humanização da sociedade perante sua vulnerabilidade.
Portanto, só pelo implemento de novas políticas públicas prioritárias,
posto que se relacionam com a eficácia social do direito constitucional também
prioritário de assegurar a saúde da pessoa idosa, é que se auferirá o estatuído em
prol da saúde do idoso nos termos do art. 15, § 1º do Estatuto do Idoso. Assim,
para manter e preservar a saúde da pessoa idosa prioritariamente, o Poder Público
132 Uma das mais influentes vozes na defesa do consumidor no Brasil atentou, antes da promulgação do Estatuto do Idoso para a necessidade de se formularem ações afirmativas em benefício da pessoa idosa consumidora de plano de saúde. Cf. MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade na doença e na morte, p. 222: “Sem querer realizar uma conclusão stricto sensu para este trabalho gostaria, porém, de frisar que este estudo demonstrou de forma inequívoca a importância e a premência da ciência do Direito privado assegurar uma necessária e mínima ‘solidariedade na doença e na morte’ através de uma engenharia mais justa para estes contratos cativos de longa duração, de planos funerários e planos de saúde. A atuação de ‘discriminação positiva’ do consumidor idoso ainda é pequena no Brasil e o Direito do consumidor representa apenas um aspecto das necessidades de ações afirmativas em favor dos idosos na sociedade brasileira. Esperamos que o sistema jurídico brasileiro, em especial o Estado-legislador e o Estado-executivo, possam realizar as necessárias ‘ações afirmativas’ para a proteção do consumidor idoso...” 133 Art. 9º da Lei nº 10. 741 de outubro de 2003.
243
deverá, entre outras ações: cadastrar a população idosa em base territorial, efetivar
o atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios, criar unidades
geriátricas de referência com pessoal especializado nas áreas de geriatria e
gerontologia social, propiciar ao idoso atendimento domiciliar, incluindo
internação nos meios urbano e rural, possibilitar a reabilitação orientada pela
geriatria e pela gerontologia no intuito de reduzir seqüelas decorrentes de agravo,
além de legislar acerca do atendimento especializado que terão os idosos
portadores de deficiência ou com limitação incapacitante, como ordena a Lei.
No seguimento da análise dos mecanismos democráticos que visam a
assegurar o direito à igualdade substantiva das pessoas idosas, também as ações
de classe devem ser apreciadas.
Observam-se, na tradição constitucional dos Estados Unidos da América,
movimentos do povo, de maneira direta, no exercício do poder político e, nesse
contexto, inclui-se a class action.134
A class action norte-americana ainda pode ser definida como: “o
procedimento em que uma pessoa, considerada individualmente, ou um pequeno
grupo de pessoas, enquanto tal, passa a representar um grupo maior ou classe de
pessoas, desde que compartilhem, entre si, um interesse comum.”135 Relata-se que
a origem das class actions norte americanas remonta ao Direito inglês do século
XVII136, do chamado Bill of Peace que possibilitava, por instrumento da
representatividade, propor ou sofrer ações provenientes de um interesse comum,
portanto, cujo número de representados era tão grande que inibia ações
individuais.
134 PERIN JUNIOR, Ecio. Aspectos Relevantes da tutela coletiva dos consumidores no direito italiano em face do direito comunitário europeu: ‘class actions’ norte-americanas e a experiência brasileira. In: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, n 38. Abril/ Junho/2001, p. 48: “um dos institutos fundamentais do processo civil norte-americano, fundada sob a igualdade, pressupõe de fato a existência de um número elevado de titulares em posições individuais de vantagem sobre o plano substancial, permitindo um tratamento processual unitário e simultâneo em razão da presença em juízo de um único expoente da classe.” 135 BUENO, Cássio Sacarpinella. As class actions norte americanas e as ações coletivas brasileiras: pontos para uma reflexão conjunta, p. 93. 136 Nesse sentido, ALVIM, Arruda. A ação civil pública – sua evolução normativa significou crescimento em prol da proteção às situações coletivas. In: A Ação Civil Pública Após 20 anos: Efetividade e Desafios. Coordenador: MILARÉ, Edis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 75.
244
No Brasil, as influências das class actions têm incidência na averiguação
das possibilidades do mandado de segurança coletivo e da ação civil pública
assegurarem igualdade para todos os membros de determinada classe a pleitear
judicialmente a tutela de um interesse comum.137
Para parte da doutrina que tenta fazer um paralelo identificando os pontos
em comum da class action e do mandado de segurança coletivo brasileiro138, seria
possível ampliar seu sentido de modo que a expressão, entidade de classe, fosse
entendida como “qualquer coletividade de pessoas que se reunam em torno de
objetivos comuns, exatamente no sentido que a common law confere às class
actions.”139
Esta proposta retrata modo plausível para o julgamento de questões que
dizem respeito a grupos que, notadamente, não possuem instrumentos adequados
de acesso à justiça por meio dos quais postulem seus interesses específicos. O
mandado de segurança coletivo, interpretado desse modo extenso, poderia tutelar
esses grupos de cidadãos vulneráveis, funcionando como meio de acesso à justiça
e, simultaneamente, à democracia de inclusão.
Por outro lado, distintos posicionamentos doutrinários identificam na Lei
da Ação Civil Pública, nº 7. 347 de 24 de julho de 1985, com os acréscimos que
lhe conferiram a Constituição da República de 1988 e o Código de Defesa do
Consumidor de 1990, similaridade em relação às class actions norte-americanas,
no sentido de ambas buscarem a tutela coletiva e o acesso à justiça com
efetividade.140
137 BUENO, Cássio Sacarpinella. As class actions norte americanas e as ações coletivas brasileiras: pontos para uma reflexão conjunta. In: Revista de Processo. Ano 21, nº 82, Abril/ julho/1996, p. 96: “Parece que pode ser afirmado, neste contexto, que o vetor da igualdade justifica este tratamento como ação coletiva: com uma penada, estará definida qual a situação normativa que deve ser a prevalecente.” 138 Cf. definição do art. 5º . LXX – “O Mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interessasses dos seus membros ou associados”
139 PERIN JUNIOR, Ecio. Aspectos Relevantes da tutela coletiva dos consumidores no direito italiano em face do direito comunitário europeu, p. 61. 140 Assim, MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas. In: Ação Civil Pública – 15 anos. Coordenador: MILARÉ, Edis. São Paulo: Revista dos Tribunais/2001, p. 717: “A ação coletiva para defesa de direitos individuais homogêneos é, grosso modo, a class action brasileira.” Também
245
Portanto, a tutela coletiva de direitos no Brasil inspirada nas class actions
for damages norte-americanas, está presente na Lei nº 7. 347, que disciplina as
ações civis públicas, na Constituição da República de 1988, em seu art. 129, III,
ao tratar da proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos; no Código de Defesa do Consumidor de 1990,
especialmente em seus arts. 81, 82, 87, 90, 91 a 100; no Estatuto da Criança e do
Adolescente de 1990, constando dos arts. 208 a 224 e também no Estatuto do
Idoso de 2003, em seus arts. 78 a 92.
Os interesses concernentes à saúde e qualidade de vida das pessoas idosas
consubstanciam direitos sociais e são agasalhados não só pelos arts. 6º e 196 ao
200 da Constituição da República, mas pelo mandamento constitucional do art.
230, que impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever amparar os idosos
assegurando sua participação na comunidade também por meio das ações de
classes por danos ou ameaças de danos coletivos que estejam a sofrer.141 O dever
de amparo extraído do referido dispositivo constitucional refere-se abertamente à
preservação da dignidade e do bem estar das pessoas idosas, além da garantia do
seu direito à vida.
Numa sociedade onde o risco prevalece num meio ambiente depredado
pela selvageria do capitalismo, em contratos de prestação de saúde onde, via de
regra, há cláusulas adesivas de conteúdo abusivo, só discutidas quando o
contratante vulnerável necessita do serviço de saúde; onde esses mesmos pactos
GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Das origens ao futuro da lei de ação civil pública: o desafio de garantir o aceso à justiça com efetividade. In: A Ação Civil Pública Após 20 anos: Efetividade e Desafios. Coordenador: MILARÉ, Edis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 29. 141 Observe que a doutrina concebe a ação civil pública como instrumento para a implementação de políticas públicas e utiliza do mesmo vocábulo atribuído à ação afirmativa, qual seja, discriminação positiva, para se referir ao direito processual que visa ao acesso coletivo à justiça quando em jogo interesses comuns. Nesse sentido, MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Ação civil pública, o direito social e os princípios. In: A Ação Civil Pública Após 20 Anos: Efetividade e Desafios. Coordenador: MILARÉ, Edis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 560: “Como sabemos, o direito processual coletivo moderno alterou tais regras admitindo a tutela de interesses transindividuais, de grupos (não apenas individuais) por órgãos representativos, assegurando discriminações positivas visando à efetividade do acesso à justiça e redefinindo os limites da coisa julgada e ampliando o papel ativo do juiz na condução do processo.” [grifou-se] Adiante, na p. 565, baseando em princípios de índole social e acordos de solidariedade o autor assevera: “... A ação civil pública se tornou um instrumento de política e de influência na gestão de políticas públicas e que, em grande medida, o meio da sua operacionalização se realiza e vivifica por meio de regras de julgamento fundadas em princípios gerais de direito. Significa também que ela se torna um instrumento de luta política, informada e formadora da opinião pública, e não apenas da implementação de direitos patrimoniais.”
246
são realizados em massa, numa celeridade que implica um consentimento
hesitante do consumidor e que cabe exatamente na rapidez em que todas as
situações contratuais de consumo se dão na sociedade de massas, há, certamente, a
necessidade de uma tutela coletiva que proteja os vulneráveis, e mais ainda, os
hiper vulneráveis, que nem possuem condições de se aperceber do caráter ilícito
dos atos atentatórios ao meio ambiente ou à justiça contratual.
Noutros casos, se os hiper vulneráveis se dão conta da injustiça contra si,
mas não sabem como litigar ou não possuem condições econômico-sociais para
fazê-lo, há mais um argumento em favor da justiça coletiva que beneficia todas
essas pessoas fragilizadas pelas leis do mercado, sem que elas precisem acessar
individualmente o Poder Judiciário.142 Nesse sentido, a eficácia social da tutela
jurisdicional coletiva na sociedade massificada encontra-se intimamente ligada ao
acesso coletivo à justiça e à instrumentalidade do processo, seu instrumento
catalisador.143
Outro argumento em prol da justiça coletiva está ligado à extensa
legitimidade que lhe é atribuída. O Estatuto do Idoso, seguindo copiosa legislação
que permeia tanto a Lei das Ações Civis Públicas, quanto o Código de Defesa do
Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente empresta, não só ao
Ministério Público que tem a tutela coletiva como uma de suas funções
institucionais, conforme inciso III do art. 129 da Constituição da República, mas
também concorrentemente, na forma de seu art. 81, à União, aos Estados ao
Distrito Federal, aos Municípios, à Ordem dos Advogados do Brasil bem como às
associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre os
seus fins institucionais a defesa dos direitos e interesses da pessoa idosa,
legitimidade para as ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos,
individuais indisponíveis ou homogêneos.
Manifestação pioneira em seus argumentos foi proferida pelo Superior
Tribunal de Justiça acerca da legitimidade do Ministério Público para propor ação
civil pública em favor da saúde da pessoa idosa, direito individual indisponível:
142 Nesse sentido, CAPPELLETTI, Mauro. A tutela dos interesses difusos. Tradução de: AZEVEDO, Tupinambá Pinto. In: Revista Ajuris, nº 33, s. d., p. 169-182. 143 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, passim.
247
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMATIO AD CAUSAM DO PARQUET. ART 127 DA CF/88. ESTATUTO DO IDOSO. DIREITO À SAÚDE. 1. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, com pedido de tutela antecipada, objetivando que o Estado do Rio Grande do Sul fornecesse medicamento à pessoa idosa, sob pena de multa diária. 2. Recurso especial interposto contra acórdão que decidiu pela ilegitimidade ativa do Ministério Público para pleitear, via ação civil pública, em favor de menor, o fornecimento de medicamento. 3. Deveras o Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 4. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microssistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 5. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 6. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 27 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis. 7. Sob esse enfoque, se destaca a Constituição Federal no art. 230: ‘A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem estar e garantindo-lhes o direito à vida.’ Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129). 8. O direito à saúde, esculpido na Constituição Federal e no Estatuto do Idoso, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 9. Outrossim, o art. 74, inc. III, da lei 10.741/2003 revela a autorização legal a que se refere o art. 6º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como ‘substituição processual’. 10. Impõe-se, ressaltar que a jurisprudência hodierna do E. STJ admite ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp 688052/RS, Ministro HUMBERTO MARTINS, DJ 17.08.2006; REsp 822712/RS, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.04.2006; REsp 819010/SP, Ministro JOSÉ DELGADO, DJ 02.05.2006). 11. O direito á saúde assegurado ao idoso é consagrado em norma constitucional reproduzida nos arts, 2º, 3º e 15, § 2º do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), senão vejamos: Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual, e social, em condições de liberdade e dignidade. Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
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cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (...) Art. 15 É assegurada atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. § 1º (...) § 2º Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. 12. Recurso especial provido para reconhecer a legitimidade ativa do Ministério Público Estadual.”144
Esse posicionamento tem sido corroborado por decisão mais recente do
mesmo tribunal cuja ementa sucintamente assevera:
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEDICAÇÃO NECESSÁRIA AO TRATAMENTO DE SAÚDE. IDOSO. LEI 10.741/2003. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. 1. O STJ, recentemente, pacificou entendimento de que o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direito individual indisponível à saúde do idoso. 2. Recurso especial provido.”145
Note-se que, de acordo coma Lei, não só o Ministério público possui
legitimidade para as ações cíveis fundadas em interesses difusos, coletivos,
individuais indisponíveis ou homogêneos. Tome-se em conta que a abrangência
da legitimidade conferida aos movimentos em prol da pessoa idosa possui caráter
inclusivo e democrático, pois os interessados diretos em sua tutela judicial, ou
seja, elas mesmas por intermédio das associações que as representam, poderão
pleitear em juízo, inclusive com maior conhecimento de causa, as necessidades do
seu corpo coletivo, de acordo com suas demandas peculiares.146 Sem
desconsiderar a importância de ações visando à tutela de direitos individuais
144 STJ. Recurso Especial nº 851.174- RS (2006/0104574-3). Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Primeira Turma. Relator: Ministro Luiz Fux. Julgado em: 24.10.2006. 145 STJ. Recurso Especial nº 878.960-SP (2006/0187015-1). Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo. Recorrido: Município de Santos. Segunda Turma. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Julgado em: 21.08.2007. 146 No mesmo sentido, GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Das origens ao futuro da lei de ação civil pública: o desafio de garantir o aceso à justiça com efetividade, p. 31.
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indisponíveis de um idoso, faz-se importante salientar que parecem ainda mais
vantajosas ações visando à tutela de interesses coletivos das pessoas idosas.
Observe-se que as ações de classe propostas por sindicatos de idosos ou
entidades que visam à sua proteção pleiteiam judicialmente direitos fundamentais
de natureza coletiva, e, também por isso, de ordem social, de modo que, se tais
demandas judiciais forem julgadas favoravelmente a dada política pública em prol
da pessoa idosa tal precedente fará também política nesse sentido.147
Ademais, o art. 82 do Estatuto do Idoso dispõe que: “para a defesa dos
interesses e direitos protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de
ações pertinentes” o que corrobora o princípio norteador do melhor interesse da
pessoa idosa.148
Para finalizar, considera-se pertinente a seguinte observação:
“O Estatuto do Idoso, por si só, não é suficiente para concretizar e fazer cumprir as suas determinações, o que significa que cada vez mais o movimento social dos idosos, tendo estes como verdadeiros atores e protagonistas coletivos, deverá empenhar-se na luta pelos seus direitos, por conquistas sociais e pela cidadania. Enfim, essas conquistas só serão plenamente alcançadas se revertermos a participação tutelada do idoso para uma proposta de cidadania emancipada, onde o idoso se torne verdadeiramente a(u)tor protagonista – ‘sujeito testemunha’ – de sua própria história, com a co-participação de toda a sociedade, sem que os idosos dependam que se lute por eles, mas que estejamos aliados na luta com eles.”149
147 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas, registra na p. 742 o reconhecimento da judiciabilidade das políticas públicas. 148 Nesse sentido, DE PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A tutela coletiva e o estatuto do idoso. In: Revista da Emerj, nº 32, vol. 8/2005, p. 194: “O legislador quer deixar bastante claro que está disposto a defender o interesse dos idosos a qualquer custo. Não se deve obstar, portanto, com o amparo nesse dispositivo legal, qualquer argumento formal ou de natureza procedimental, devendo o juiz fazer uso do princípio da fungibilidade em prol do idoso. E mais, havendo dúvida, quer nos parecer que a interpretação deve ser sempre favorável ao idoso.” 149 PAZ, Serafim Fortes. Movimentos sociais: participação dos idosos. In: Tempo de Envelhecer: Percursos e Dimensões Psicossociais Organizadores: PY, Ligia, DE SÁ, Jeanete Liasch Martins, PACHECO, Jaime Lisandro e GOLDMAN, Sara Nigri. Rio de Janeiro: NAU, 2004, p. 249-250.
7 Conclusões
As conclusões desse trabalho foram expostas ao longo do seu
desenvolvimento, por meio dos argumentos sustentados. Nesse momento
pretende-se compilá-las de maneira resumida no intuito de dar arremate às idéias
centrais defendidas.
1ª Considera-se juridicamente vulnerável todo ser humano com idade igual
ou maior que 60 (sessenta) anos. Da vulnerabilidade de fato da pessoa idosa, por
intrínsecas e peculiares condições de fragilidade física, psíquica ou social, decorre
sua vulnerabilidade jurídica. A vulnerabilidade jurídica da pessoa idosa é razão
para a Lei atribuir igualdade substancial, por meio de direitos especiais, onde há
desigualdade de fato. Todavia, a vulnerabilidade dos anciãos não se coaduna com
a restrição dos seus direitos de personalidade e da sua capacidade de fato, que
permanecem incólumes.
2ª Apesar de haver várias teorias biológicas e psicológicas acerca do
envelhecimento humano, o que torna impossível um conceito homogêneo de
idoso; muito embora parte da doutrina já tenha se manifestado pouco à vontade
com a determinação da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso,
destinados a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou
superior a 60 (sessenta) anos, com o receio de cometer injustiças a partir da
fixação de um critério meramente cronológico, pensa-se que, na seara legal, não
estabelecer um marco para o início do gozo de direitos especiais em função da
velhice seria mais problemático. A falta de uma determinação legal de quem seja
idoso para os fins da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso daria azo a
subjetivismos de toda ordem, o que acabaria por privilegiar uns em detrimento de
outros, diante das novas legislações de cunho protecionista da pessoa idosa. O
critério adotado pela Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso parece
adequado posto que, além de informado por estudos da Organização Mundial de
Saúde a respeito do envelhecimento, coadunar-se com a técnica legislativa
brasileira de fixar a idade para o exercício de certos direitos e deveres compatíveis
com um determinado corte etário.
251
3ª O idoso doente possui vulnerabilidade exacerbada, razão pela qual deve
ser adequadamente informado sobre as intervenções nos domínios de seu corpo e
mente a fim de optar pelo tratamento que lhe for reputado mais favorável. A
informação acerca do tratamento proposto para o doente idoso será adequada se
levar em conta também as vulnerabilidades oriundas de seu estado de saúde.
Serão determinantes dos procedimentos médicos, as vontades manifestadas pelo
idoso absolutamente e relativamente capaz, desde que assistido. O idoso incapaz
será representado pelas pessoas a que o parágrafo único do art. 17 do Estatuto do
Idoso faz referência.
Diante de doença terminal, defende-se a possibilidade de o idoso optar por
tratamentos paliativos que não posterguem sua vida de maneira fútil, mas, ainda
que ele queira, não há que deixá-lo doente sem qualquer tipo de tratamento para o
alívio das dores e dos mal estares. Na certeza de doença incurável, o direito deve
dar preponderância à qualidade de vida da pessoa idosa em relação à quantidade,
aplicando-se, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana no ambiente
privado. Porém, se o paciente idoso prefere a distanásia, é direito seu ter acesso a
ela, pelo mesmo princípio da dignidade da pessoa humana, que lhe dota de poder
de autodeterminação.
Só a supremacia dos interesses coletivos limitará o exercício do
consentimento informado do doente idoso em caso de ele ser portador de
enfermidade transmissível a outras pessoas.
4ª Proclamar saúde de acordo com o critério da Organização Mundial de
Saúde: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social além da ausência
de afecção ou doença” parece utópico na terceira idade, pois – ressalvados casos
raros de anciãos a gozar da saúde referida, que deverá ser preservada pela
Medicina e pelo Direito – comumente faz parte do envelhecimento um processo
biológico intrínseco, declinante e universal, no qual se podem reconhecer marcas
físicas e fisiológicas inerentes, não mais possíveis de apagar.
Na maioria dos casos, considera-se mantido o estado de saúde da pessoa
idosa em termos médicos e jurídicos se, apesar de possuir determinada afecção,
ela experimenta qualidade de vida, capacidade funcional e preservação de sua
autonomia.
5ª Dentre os direitos fundamentais de todas as pessoas, a saúde desponta
como direito de natureza prioritária da pessoa quando idosa. Identifica-se a saúde
252
como direito prioritário da pessoa idosa por três motivos. Em primeiro lugar, pela
freqüência e pela rapidez em que, na terceira idade, a saúde se esvai; tornando o
idoso mais suscetível aos agravos psicofísicos e ao alijamento social que colocam
em xeque a vida saudável, sem a qual não há uma existência envolta pela
dignidade. Em segundo lugar, pelo fato de o direito à saúde – aliado aos direitos à
previdência ou à assistência e à moradia, todos de índole fundamental social –
funcionar como pressuposto para que se exercitem outros direitos dos idosos,
tanto individuais, quanto sociais. Em terceiro lugar, pela necessidade de se
conferir às pessoas idosas prioridade no acesso à saúde em face de direitos
concorrentes da mesma estirpe de pessoas de outras faixas etárias, em virtude da
menor capacidade de resistência do idoso para aguardar o tratamento de saúde.
6ª O art. 12 do Estatuto do Idoso inaugura uma nova regra de prestação de
alimentos às pessoas idosas a fim de melhor protegê-las.
Enquanto o Código Civil, em seu art. 1.696, determina que a obrigação
alimentícia recai, entre ascendentes e descendentes, nos parentes mais próximos
em grau e o art. 1.697 complementa que, só na falta de ascendentes a obrigação
alimentar caberá aos descendentes, de acordo com a ordem de sucessão e também
que, só na falta dos descendentes, a obrigação caberá aos irmãos; o referido art. 12
dispõe que “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os
prestadores.”
Desse modo, o idoso é senhor da opção de acionar o cônjuge ou o parente
melhor abastado como seu alimentante para que obtenha, o mais brevemente
possível e com maior certeza, a prestação da qual necessita sem justificar por que.
De certo modo, o alimentante também resulta beneficiado por esta regra,
pois não sofrerá grave prejuízo em sua fortuna já que, contrariamente ao regime
de alimentos do Código Civil em que não cabe solidariedade, na forma proposta
pelo Estatuto do Idoso ela consta instituída entre pais, filhos, netos, irmãos e
cônjuge. Portanto, o alimentante poderá, na forma do art. 283 do Código Civil,
usar de seu direito de regresso em face dos demais devedores solidários.
7ª Critica-se a inexistência de um conceito legal de idoso no Brasil, o que
dá ao legislador o arbítrio de fixar a idade que queira para a aferição dos direitos
da pessoa idosa sem um critério científico que justifique porque aquela idade foi
escolhida para o início da fruição de determinado direito. Esta situação merece
críticas mais severas quando impõe uma idade acima dos 60 (sessenta) anos para
253
o gozo da assistência social por pessoa idosa não só vulnerabilizada em razão da
idade, mas também em razão de sua condição miserável, na forma do art. 34 do
Estatuto do Idoso.
8ª Todos os diversos direitos atribuídos aos idosos devem ser
constantemente perseguidos pelo Direito. Compreende-se que o gozo de outros
direitos contribuem para que o idoso aufira condições ainda mais saudáveis de
vida. Entretanto, em circunstâncias extremas, esses outros direitos podem até
faltar, mas a saúde, no sentido oposto ao da doença, não. Sem saúde não há vida
em condições mínimas de dignidade para o idoso, razão pela qual se reafirma que
ela é direito prioritário da pessoa idosa.
9ª O direito de amparo da pessoa idosa previsto pelo art. 230 da
Constituição da República brasileira, pelo seu conteúdo de significado e por sua
relevância atual, pode ser equiparado aos direitos fundamentais e ter, em seu
favor, o mesmo tratamento destinado a esses pela interpretação do art. 5º, § 2º da
Constituição, já que objetivo desse artigo é o de expandir e aperfeiçoar o catálogo
de direitos fundamentais por meio do critério da atipicidade.
10ª A discussão sobre princípios é relativamente recente, iniciada no
segundo quartel do século passado. Desse modo, o Direito ainda não alcançou
homogeneidade na definição de princípios e se encontra em desenvolvimento a
construção dos seus significados e das suas possibilidades de aplicação na
interpretação jurídica. Portanto, mesmo que suscetíveis à crítica, as proposições
acerca dos princípios apresentadas nesse trabalho, contêm critérios desenvolvidos
pelos teóricos a direcionar o intérprete na visualização e na aplicação dos
princípios, haja vista a necessidade inarredável de encontrá-los no âmbito do
ordenamento e de aplicá-los na tarefa de interpretação do Direito dos dias atuais.
11ª Três princípios podem ser extraídos da interpretação do Estatuto do
Idoso iluminada pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: os
sub-princípios da proteção integral do idoso e da absoluta prioridade outorgada ao
idoso que conformam o princípio do melhor interesse do idoso.
12ª O princípio do melhor interesse do idoso constitui critério teleológico-
objetivo da interpretação a justificar a tomada de decisões em benefício do idoso,
possui dimensão de peso, a qual ganhará relevância no sopesamento com outros
princípios que com ele colidam, apresenta-se na modalidade de comando de
otimização, ou seja, ordena que o melhor interesse do idoso se realize na maior
254
medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e fáticas dadas por um
caso concreto ou formuladas em abstrato que envolvam o idoso. O referido
princípio possui como qualidade a determinação da realização de um fim
juridicamente relevante, o melhor interesse do idoso, que só será realizado se
adotado certo comportamento: sua interpretação e aplicação demandam avaliação
da correlação entre o estado de coisas colocado como fim – o melhor interesse do
idoso – e os efeitos decorrentes dessa conduta tida como necessária, isto é, a
efetividade do princípio na prática.
13ª O sub-princípio da proteção integral e o sub-princípio da absoluta
prioridade consubstanciam um só princípio: o do melhor interesse do idoso. Isso
ocorre porque os princípios precisam, para se realizar, de uma concretização
através de sub-princípios e valores singulares, com conteúdo material próprio.
Mas o princípio do melhor interesse do idoso é a idéia diretiva que serve de base a
estes sub-princípios. Assim, da mesma forma que a proteção integral e a absoluta
prioridade compõem o princípio do melhor interesse do idoso, este indica a
direção dessa proteção e dessa prioridade, num movimento de junção de
significados que gera uma acepção compatibilizada: a pessoa idosa faz jus à tutela
integral e prioritária de acordo com seu melhor interesse.
14ª A regra do art. 1.641, inciso II, do Código Civil de que “é obrigatório o
regime da separação de bens no casamento de pessoa maior de 60 (sessenta) anos”
contraria o princípio do melhor interesse do idoso, na medida em que contraria o
sub-princípio da sua proteção integral por desrespeitar sua capacidade de fato e o
desenvolvimento livre de sua personalidade nas decisões acerca de sua vida
privada. O princípio do melhor interesse do idoso, extraído de Lei posterior ao
Código Civil e especialíssima na tutela do idoso ilumina a interpretação acerca
dos interesses dessa pessoa incidindo em face Lei ordinária anterior. Na
ponderação da referida regra do Código Civil com o arcabouço axiológico do
princípio do melhor interesse do idoso – que visa a preservar a saúde física e
mental do idoso, além de seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e
social em condições de liberdade e dignidade – prevalecerá esse que, em última
análise, tutela a integridade psíquica do idoso, substrato de seu direito à saúde,
tornando, pois, inválida a regra do art. 1.641, inciso II, do Código Civil.
Ademais, a normativa constitucional, hierarquicamente superior às leis
ordinárias, elege como objetivo fundamental da República promover o bem de
255
todos, sem preconceitos de idade, na forma do art. 3º, inciso IV, razão derradeira
pela qual se defende a invalidade da regra do art. 1.641, inciso II, do Código Civil,
por sua inconstitucionalidade.
Com base nessa assertiva também se considera materialmente
inconstitucional e, por conseqüência, inválido, o dispositivo do art. 40, § 1º, inciso
II, da própria Constituição da República ao prescrever que o idoso, quando
servidor público, terá de se aposentar, compulsoriamente, aos setenta anos.
15ª Os direitos das crianças, dos adolescentes e dos idosos, conforme se
extrai das legislações pátrias, possuem várias aproximações. O princípio do
melhor interesse do idoso se constrói em analogia com o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, porque crianças, adolescentes e idosos
compartem a mesma característica que os particulariza: a vulnerabilidade jurídica
em razão da idade.
16ª Os princípios do melhor interesse da criança, do adolescente e do idoso
são construções doutrinárias extraídas do art. 5º, § 2º da Carta Constitucional, mas
provêm de momentos diferentes do mesmo dispositivo. O princípio do melhor
interesse das crianças e dos adolescentes decorre de tratado internacional
ratificado pelo Brasil. O princípio do melhor interesse do idoso decorre da não
exclusão de outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios
adotados pela Constituição. Compreende-se que o princípio do melhor interesse
do idoso é garantia de proteção das pessoas idosas, decorrente do princípio da
dignidade da pessoa humana idosa em sua unicidade de ser encanecido e,
portanto, recepcionado pelo art. 5º, § 2º da Constituição.
17ª A Constituição da República dispõe em seu art. 227 que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Note-se que o dispositivo constitucional não faz referência à absoluta
prioridade do idoso no gozo desses direitos. Mas, se pela interpretação do art. 5°,
parágrafo 2º da Constituição exsurge o princípio do melhor interesse do idoso, do
qual a absoluta prioridade é sub-princípio, resta claro que a Constituição também
256
acampa a absoluta prioridade como princípio fundamental a favorecer o idoso na
interpretação jurídica.
Destarte, em caso de colisão de interesses atrelados a crianças,
adolescentes e a idosos, há de ser feita criteriosa ponderação dos direitos e dos
valores resguardados pelos princípios atribuídos a ambos, a fim de se decidir, de
acordo com as especificidades do caso concreto, quem gozará da absoluta
prioridade. Nesse estudo, sobreleva a decisão de quem gozará da absoluta
prioridade no acesso à saúde a partir de um caso concreto.
18ª As dimensões dos direitos civis e políticos e as dos direitos sociais,
econômicos e culturais se intercruzam de modo que a satisfação dos primeiros não
obsta a dos segundos e vice versa. Ambos consubstanciam direitos de índole
fundamental. Não só os direitos sociais demandam ações positivas do Estado, pois
os civis e políticos também requerem atuações dessa natureza.
A diferença entre direitos civis e políticos e direitos sociais prestacionais
consiste no fato de que os custos dos segundos destinam-se às obrigações estatais
distributivas, que visam ao alcance da justiça social, como ocorre na prestação
pública do direito à saúde às pessoas idosas.
19ª Ciente da posição doutrinária que não considera os direitos sociais
legítimos direitos fundamentais, defende-se tese oposta: os direitos sociais são
direitos fundamentais porque princípios do Estado de Direito que fazem parte do
núcleo do constitucionalismo hodierno a possibilitar que as pessoas aufiram um
grau de humanização cabível no momento histórico atual. Os direitos sociais – por
sua fundamentabilidade – possuem um núcleo irredutível, isto é, um limite ao
alvedrio do legislador, por constituírem prestações sem as quais os indivíduos não
podem sequer desenvolver sua liberdade. A liberdade é o principal argumento em
favor dos direitos sociais, pois a liberdade jurídica, para fazer ou deixar de fazer
algo, não possui qualquer valor se não acompanhada da liberdade real (fática), de
eleger o que fazer dentro do que se permite. Tal liberdade depende,
essencialmente, de prestações estatais.
A Constituição brasileira de 1988 trata dos direitos sociais no seu Título II,
que cuida dos direitos e garantias fundamentais, portanto, eleva-os à posição de
legítimos direitos fundamentais. A saúde é direito social fundamental previsto
pelo art. 6º, caput da Constituição da República.
257
20ª A teoria da “reserva do possível” para os direitos a prestações estatais
trata-se da principal objeção apresentada pela doutrina à sindicabilidade dos
direitos sociais fundamentais perante o Poder Judiciário. Parte da doutrina
compreende que a judicialização de questões concernentes aos direitos
prestacionais gera deslocamento da política social do parlamento, responsável
pela destinação orçamentária, para os tribunais.
Defende-se que, embora de acordo com o princípio da divisão de poderes e
com o regime democrático adotado pelo Estado brasileiro a atribuição de decidir
acerca do conteúdo dos direitos fundamentais seja do legislador diretamente
legitimado pelo povo, cabe aos Tribunais o papel de deliberar de acordo com o
que o legislador originário já tenha decidido, principalmente em nível
constitucional, se provocado.
Por conseguinte, o critério da viabilidade orçamentária baseado na teoria
da “reserva do possível” poderá ser relativizado quando a querela jurisdicional
envolver a saúde da pessoa humana, direito constitucional fundamental cuja
eficácia – a preservação da integridade psicofísica da pessoa – depende de
condições materiais que devem ser oferecidas pelo Estado, mesmo que por
mandamento do Poder Judiciário.
21ª Defende-se que a destinação de um “mínimo existencial” para os
direitos sociais não os enfraquece. Pelo contrário, ela aumenta as chances de que
os desprovidos de condições de obtê-los por si, os recebam na estatura do
essencial, com garantia de que sejam prestados com a máxima eficácia e sem
desperdícios. Contudo, o “mínimo existencial” tem sua extensão maximizada na
medida da essencialidade do bem prestado pelo Estado porque sua substância é
parte do conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, em
matéria de saúde da pessoa idosa, direito de ordem prioritária e componente do
teor do princípio da dignidade da pessoa humana, o “mínimo existencial” é,
evidentemente, alargado.
Cabe asseverar que a transferência da dogmática do “mínimo social” para
o Brasil, aqui desenvolvido pela doutrina como “mínimo existencial”, abarcando
apenas os direitos sociais – dentre eles o direito à saúde – não parece de todo
acertada, pois não há juristas que defendam que dificuldades orçamentárias
possam restringir a um mínimo existencial a consecução dos direitos
fundamentais de primeira dimensão que também podem ser custosos.
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22ª Os direitos sociais do art. 6º da Constituição da República, entre os
quais se destaca o direito à saúde, estão sujeitos à aplicabilidade imediata dos
direitos individuais previstos no rol do art. 5º da Constituição, por também
conformarem direitos fundamentais.
23ª O art. 15, § 2º do Estatuto do Idoso determina que: “Incumbe ao Poder
Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de
uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao
tratamento, habilitação e reabilitação”, razão pela qual não há motivo para que as
decisões judiciais justifiquem a procedência de tais reclamos da pessoa idosa por
conta da sua pobreza.
A Lei decidiu por conceder aos anciãos a prerrogativa de obter tais
recursos por intermédio do Estado, independentemente de sua condição
financeira. Aliás, o acesso à justiça só se justifica no caso da negativa do Poder
Público de fazer o que a Lei lhe atribui. Portanto, é direito de todo idoso requerer
ao Poder Público que lhe forneça, gratuitamente, medicamentos, especialmente os
de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao
tratamento, habilitação e reabilitação.
A desigualdade de fato dos idosos é a principal motivação do tratamento
jurídico diferenciado em seu favor, que se constitui por meio desse tipo de política
pública.
24ª Os contratos de planos de saúde são regidos pela Lei 9.656 de 1988,
porém, como se tratam de contratos de consumo em que o fornecedor é a
operadora do plano e consumidor o segurado, rege-se também pelo Código de
Defesa do Consumidor. Todavia, a Lei de planos de saúde prescreve em seu art.
35-G: “Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de
produtos que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei as disposições da Lei
8.078, de 1990”. Ora! Se as relações travadas entre as partes são relações de
consumo, o Código de Defesa do Consumidor não se aplica subsidiariamente.
Essa regra padece de inconstitucionalidade na medida em que a defesa do
consumidor é direito de índole fundamental, promovido pelo Estado na forma de
lei específica, consoante art. 5º, inciso XXXII da Carta Magna brasileira. O
Código do Consumidor, como Lei especialíssima na tutela de todas as relações de
consumo, aplica-se prioritariamente aos contratos entre usuários e operadoras de
planos de saúde e a Lei que os rege, também se aplica imediatamente em suas
259
especificidades, desde que não contrarie o referido Código. Outra interpretação
feriria o titular de um direito fundamentalíssimo de ser defendido e protegido,
tutelado ainda pelo art. 170, inciso V, da Constituição da República, como
princípio da ordem econômica e financeira; previsto muito antes de a Lei 8.078,
de 1990 entrar em vigor, no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da aludida Constituição.
Portanto, em caso de antinomia entre os mandamentos da Lei de planos de
saúde e os princípios ou as regras do Código de Defesa do Consumidor,
prevalecerão os enunciados normativos do segundo, que regem todas as relações
de consumo, haja vista sua ordem hierárquica superior, posto que oriundos de
mandamento constitucional que incide com superioridade defronte às legislações
setoriais.
25ª Apesar da desigualdade material entre o consumidor de um plano de
saúde e seu respectivo fornecedor a iniciativa privada que põe tais planos à
disposição dos consumidores terá sua autonomia reduzida, posto que subordinada
à jusfundamentalidade do direito à saúde. Trata-se da tutela objetiva dos direitos
fundamentais, instituída para além da tutela subjetiva que cuida de identificar as
pretensões do indivíduo contra o Estado.
A dimensão objetiva dos direitos fundamentais exige que o Poder Público
não só se abstenha de lesar direitos fundamentais, mas ainda que proteja aqueles
que podem sofrer danos dessa ordem por agressões vindas de terceiros como as
operadoras dos planos de saúde.
26ª Nos contratos de planos de saúde o consumidor idoso busca um bem
fundamental para si: a proteção da sua saúde, direito de ordem prioritária na
velhice, razão pela qual, nesses casos, a tutela do Estado para o alcance desse
objeto deve ser a mais incisiva.
Se a saúde não tivesse a qualidade de essencial para a pessoa, ou seja, se
fosse supérflua, menor seria o intervencionismo estatal na relação privada. Mas,
quanto mais essencial for o bem da vida sujeito a uma situação relacional, mais
vulnerável também se encontra o consumidor, pois necessita dele. Quando se tem
necessidade vital de um produto ou de um serviço, a pessoa humana não está livre
para prescindir de tal bem. Por isso, entre outros fatores como a hiper
vulnerabilidade jurídica do idoso, o dirigismo estatal apresenta-se intenso nas
relações entre privados nas quais a prestação da saúde é o objeto do contrato.
260
Em um pacto cujo objeto é a prestação da saúde a um ser humano idoso
proporcionada pela livre iniciativa propõe-se, diante da incidência dos princípios
nas relações interprivadas, que se dê menos intensidade ao princípio da liberdade
negativa e da igualdade formal, nos quais se baseia a livre iniciativa, e, da mesma
forma, menor densidade ao princípio infraconstitucional da autonomia privada,
que, por sua vez, rege com primazia, as relações contratuais onde há igualdade
entre os contraentes. Parte-se, para tanto, do seguinte entendimento: quando não
há, em essência, igualdade entre os contraentes, terão proeminência os princípios
fundamentais da igualdade substancial e da solidariedade social na interpretação
de um caso concreto.
27ª A saúde é direito fundamental social. Dada a fundamentalidade ao
direito à saúde, é permitido aos atores sociais que exercem a livre iniciativa a
obtenção lucro, considerando, contudo, que seus benefícios econômicos nesse tipo
de negócio se reduzem pelos matizes existenciais do direito à saúde, estreitamente
ligados às condições de vida do ser humano e ao princípio maior da sua
dignidade.
Nesse sentido remonta-se também ao fundamento constitucional da livre
iniciativa que se encontra nos valores sociais que ela provê. Ao tratar-se de
obrigação contraída pelo consumidor de pagar periodicamente para que sua saúde
seja assistida por um ator privado, o valor social da livre iniciativa encontra-se
exatamente na prestação do sinalagma contratual, ou seja, o direito à saúde, que,
além de fundamental é, nesses casos, o próprio objeto do contrato. O exercício da
atividade econômica deve atentar não só para os lucros que visa a auferir, mas
também para o alcance das necessidades existenciais e das expectativas esperadas
em razão do tipo de atividade que executa, pois, quanto mais proteção
constitucional recebem tanto o objeto de um contrato quanto o titular do direito
subjetivo, tal como a pessoa idosa, mais atenta deve estar a livre iniciativa para
que atinja os valores sociais, que a torna também merecedora da tutela
constitucional.
28ª Os princípios constitucionais fundamentais da igualdade substancial e
da solidariedade social informam o princípio infraconstitucional do equilíbrio
contratual, procurando tutelar a parte vulnerável da relação travada. A equalização
das prestações trata-se de um mecanismo que visa à proteção da parte mais fraca.
Dá-se, portanto, ênfase ao tratamento paritário entre contratantes materialmente
261
desiguais em detrimento da liberdade negativa de ambos. Cuida-se, nesse
diapasão, de se fazer justiça no conteúdo do contrato por meio não mais da
liberdade desmedida e da autonomia das vontades não situada no caso concreto,
mas de reconhecer que, onde há diferenças, torna-se necessário que se busque o
equilíbrio para se alcançar o direito justo nas relações contratuais. O dirigismo do
Poder Público na esfera privada realiza-se, muitas vezes, pelo reconhecimento da
lesão no conteúdo do contrato, fazendo com que pactos onde vigoravam a
desigualdade no conteúdo das prestações sejam revistos de modo que se viabilize
o reequilíbrio contratual em prol da pessoa idosa como demonstraram vários casos
analisados.
29ª Pelo fato de o consumidor idoso ter reconhecidas suas condições
intrínsecas de inferioridade de vigor físico e, muitas vezes, até de embaraço social,
recebe tutela privilegiada na forma da Lei, que incide sobre as relações privadas
de toda ordem, e não poderá, pelo amparo legal que lhe é auferido, ser afastado do
acesso à saúde privada. Na forma do art. 14 da Lei dos planos privados de
assistência à saúde ninguém poderá, por motivo de idade, ser impedido de
participar do contrato.
Com o Estatuto do Idoso, as pessoas idosas passaram também, pela
exegese do art. 15, § 3º, a estar protegidas contra a cobrança de valores
diferenciados pelos planos de saúde em razão da idade nas prestações periódicas
que realizam, pelo fato de essa prática revelar-se discriminatória, portanto,
vedada.
Contudo, é certo que pessoas idosas adoecem mais e usam mais do plano
que as pessoas jovens. Por isso, se reconhece vivamente nos planos de saúde o
elemento da solidariedade, que abarca a mutualidade, mas está além dela, pois
possui valor moral que implica cooperação da população jovem que compõe o
plano diante das idosas, respeitando e concretizando o princípio de seu melhor
interesse.
30ª O art. 15 § 3º do Estatuto do Idoso disciplina: “É vedada a
discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores
diferenciados em razão da idade.”
Isto posto, tem-se discutido a aplicação dessa regra do Estatuto do Idoso
nos pactos anteriores a ele que previam reajustes de contraprestações pecuniárias
por mudança de faixa etária. O vértice da questão encontra-se no entendimento de
262
alguns intérpretes de que, aplicado o Estatuto a esses contratos, haveria
retroatividade da Lei que protege o idoso, o que ofenderia o princípio da
irretroatividade das leis adotado pelo Brasil no art. 5º, inciso XXXVI, da
Constituição da República e no art. 6º e incisos da Lei 4.657 de 1942, conhecida
como Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro.
Defende-se que aplicar o estabelecido no art. 15, § 3º do Estatuto do Idoso
a prestações de trato sucessivo não faz com que a Lei prejudique o ato jurídico
perfeito. Compõem a categoria de atos jurídicos perfeitos todos aqueles que se
realizaram antes da vigência do Estatuto do Idoso, os quais a Lei nova não visa a
abarcar. Porém, ao completar 60 anos de idade, o consumidor de planos de saúde
será discriminado e ferido, tanto no dever de amparo de ordem constitucional
fundamental que lhe é assegurado, como no princípio do seu melhor interesse, se
lhe cobram diferenciadamente e em razão da idade, as novas contraprestações
pecuniárias que se estabelecem sob a vigência da nova Lei de ordem pública e
reconhecido interesse social, mesmo que anteriormente a ela tenha-se pactuado de
modo diverso.
31ª Concebe-se, atualmente, diminuída a extensão do princípio da
autonomia privada pelos interesses de cunho social que estejam em jogo e, nesse
diapasão, pode-se afirmar que, cada vez mais, a autonomia privada deve ser vista
também numa perspectiva funcional.
O poder de contratar, como expressão da autonomia privada, segue
funcionalizado às situações jurídicas existenciais que venha a estabelecer, com
destaque para as operações contratuais cujo objeto é a prestação da saúde, situação
digna da máxima tutela. Desse modo, a função social do contrato trazida a lume
pelo Código Civil, insere-se no movimento de funcionalização dos direitos
subjetivos que não mais representam apenas o facultas agendi, um poder
assegurado pela ordem jurídica. O direito subjetivo não é mais expressão ilimitada
do poder individual, capaz de se exercer com o sacrifício dos outros indivíduos ou
de maneira absoluta.
A função de um contrato de plano de saúde realizado com a pessoa idosa
consiste em garantir adequadamente o acesso ao bem existencial que
consubstancia a saúde. A utilidade existencial desse bem contratado com idosos
apresenta-se como critério relevante no exame das questões contratuais. Portanto,
o eixo para se alcançar a função social do contrato de objeto existencial encontra-
263
se na adequada prestação do bem da vida de que trata o ajuste. Esse raciocínio
parte da idéia de que a função social do contrato também se realiza de maneira
intrínseca, intersubjetiva, ou entre as partes.
Apesar de a função social do contrato constar de formulação recente,
positivada pelo art. 421 do Código Civil brasileiro de 2002, cujos contornos
demandam ainda muito trabalho da doutrina e dos Tribunais, defende-se, a priori,
que a função social do contrato consubstancia um princípio infraconstitucional,
portanto, um mandado de otimização onde o vocábulo função remete a um poder
de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em poder do
próprio titular e o adjetivo social diz respeito a um interesse socialmente útil, no
caso de contratos de planos de saúde pactuados com a pessoa idosa, de uma
utilidade existencial baseada na essencialidade de seu objeto, necessário à garantia
da dignidade da pessoa humana.
32ª A boa-fé objetiva também consubstancia um princípio, mandado de
otimização do dever de informar adequadamente a pessoa idosa e se apresenta
como essencial nos contratos de plano de saúde visto que, sobrelevam nesses
ajustes, a causa fim do contrato e a necessária proteção contra condutas que firam
o direito desse consumidor especial – hiper vulnerável em questões relacionadas à
assistência privada de sua saúde e mais suscetível às práticas emocionais e
agressivas de venda – de estar plenamente ciente de todas as condições do ajuste
celebrado, para que não se deixe enganar e aufira a necessária tutela jurídica do
seu direito fundamental prioritário à saúde na esfera privada.
33ª A obviedade de que o Estatuto do Idoso apresenta avanço legislativo
nas questões referentes aos direitos das pessoas idosas não pode encobrir a
necessidade de se desenvolver uma dogmática a partir dele, voltada especialmente
para a eficácia social de seu conteúdo normativo, especialmente no cuidado em
que o Poder Público e a Iniciativa Privada devem destinar à saúde da pessoa
idosa.
Considera-se errôneo supor que a vigência de uma Lei, por si, faça com
que ela seja efetivada em sua amplitude teleológica e sistemática em prol das
pessoas idosas. Note-se que tal grupo vulnerável mereceu específica atenção em
sede legislativa pela evidente marginalidade na qual se encontra e a promulgação
da citada Lei é fruto de movimentos sociais que visam, também por intermédio do
Direito, a inclusão para esse segmento da população brasileira. Objetiva-se que,
264
por meio do Estatuto do Idoso afinado com os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana, da cidadania, da liberdade positiva, da igualdade
material e da solidariedade social, outras ações sejam implementadas nas esperas
públicas e privadas em busca da emancipação jurídico-social da pessoa idosa.
34ª A partir do resgate teórico grego e republicano, propõe-se o debate
público, por via da cidadania participativa dos idosos e das associações que os
representam, acerca dos valores de uma sociedade que deve tender não para o
individuocentrismo, mas para o homem imerso numa esfera humanista e plural.
Nesse ambiente, faz-se obrigatório não apenas existir, mas coexistir e, nesse
sentido, cooperar, colaborar, compartilhar e participar por meio da cidadania,
visando ao desenvolvimento e à emancipação da coletividade em geral e dos
grupos vulneráveis na sociedade contemporânea marcada por diferenças de toda
ordem.
35ª A partir do legado da tradição liberal sustenta-se que liberdade e o
poder de autodeterminação dos homens mostram-se indispensáveis para o seu
desenvolvimento e o alcance de melhores condições de vida para si próprios e
para a coletividade de que fazem parte. Não pode haver crescimento baseado na
escravidão e na opressão, porque seres humanos desenvolvem preferencialmente
seus dons e aptidões num ambiente onde possuam ferramentas para que,
efetivamente, possam ousar experimentar, criar, por meio da liberdade positiva. O
regime democrático também favorece o desenvolvimento social e, aliando o
princípio da liberdade aos princípios democráticos da cidadania e da soberania
popular, os povos podem, paulatinamente, conseguir avanços em prol de uma
democracia cada vez mais forte em legitimidade, com vistas também a assegurar
os direitos fundamentais constitucionais. Dentre tais, o direito à saúde de índole
social, é condição para o exercício do direito da liberdade no exercício da
cidadania. No que tange especialmente às pessoas idosas, a preservação de sua
saúde, mais do que para as jovens, garante sua participação na vida pública, pois
se a idade, por si, já fragiliza o corpo idoso, incapacita esse corpo se doente.
Assim, até para que as pessoas idosas possam reivindicar melhores condições de
saúde para si, é necessário que elas gozem de saúde, sob pena de estarem
definitivamente afastadas do exercício da cidadania, o que fere, em última análise,
o direito à liberdade.
265
36ª Liberdade, igualdade e solidariedade são direitos fundamentais e
princípios fundamentais no Estado brasileiro e compõem o princípio maior da
dignidade da pessoa humana. Todavia, não é possível que, como direitos, porque
fundamentais, jamais se restrinjam e que, como princípios constitucionais, tenham
o mesmo nível de intensidade em qualquer interpretação. Na hipótese de colisão
entre eles, haverá balanceamento e um receberá peso maior que o outro, e este
outro será relativamente ou absolutamente afastado, dependendo do juízo de
ponderação e de proporcionalidade exigido em face da exata situação, concreta ou
abstratamente elaborada. A fim de alcançar a necessária preponderância do princípio da dignidade
humana da pessoa idosa num caso concreto, sempre se estará ponderando
liberdade, igualdade e solidariedade. Observe-se que a dignidade da pessoa
humana deve ser sempre encontrada na ponderação casuística desses princípios
que conformam o seu conteúdo. Porém, o princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana é imponderável.
Os ambivalentes direitos e princípios fundamentais da liberdade e da
igualdade possuem, no universo contemporâneo, significados polivalentes. A
polivalência da liberdade e da igualdade relaciona-se com seus múltiplos sentidos:
à liberdade negativa, em face da lei, adiciona-se o direito à liberdade positiva,
autodeterminada, que se desenvolve por meio da cidadania argumentativa e
participativa; à igualdade formal de todos perante a lei, alia-se o direito à
igualdade substancial entre os homens, a fim de tornar equânimes suas
oportunidades de desenvolvimento. No mesmo sentido de emancipação social,
agrega-se à liberdade positiva e à igualdade substancial o que se conhece,
hodiernamente, por solidariedade social, que induz à colocação de todos, com
seus argumentos, identidades, alteridades e pluralismos, porque, apesar das
diferenças que separam, a humanidade e a inserção na vida em sociedade impõem
uma aproximação inclusiva dos homens.
37ª Com o manancial decorrente dos princípios constitucionais da
liberdade positiva, da solidariedade social e da igualdade substancial, sempre
guiados pelo princípio maior da dignidade da pessoa humana, que se aplicam
infraconstitucionalmente na interpretação de casos concretos a envolver a pessoa
idosa, o Estatuto do Idoso possui ferramentas para fazer por ela, em situações
relacionadas à saúde, muito em prol do dever de amparo extraído também da
266
Constituição. É que o próprio Estatuto compreende não ser bastante os princípios
e regras instituídos por ele para que as pessoas idosas alcancem patamar de
igualdade social ao qual ele visa. Com os olhos voltados para a efetivação de suas
normas o Estatuto impõe ao Estado a obrigação de “garantir à pessoa idosa a
proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que
permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.” Este
mandamento quer que a vida e a saúde dos idosos não seja tutelada somente
quando já violados seus direitos humanos levados, assim, ao Poder Judiciário para
que os salvaguarde de privações ilícitas já ocorridas. A vida e saúde da pessoa
idosa devem ser protegidas prioritariamente por meio da efetivação de políticas
públicas e sociais de ação, conscientização e humanização da sociedade perante
sua vulnerabilidade.
Portanto, só pelo implemento de novas políticas públicas prioritárias, por
intermédio de ações afirmativas, posto que se relacionam com a eficácia social do
direito constitucional também prioritário de assegurar a saúde da pessoa idosa, é
que se auferirá o estatuído em prol da saúde do idoso nos termos do art. 15, § 1º,
do seu Estatuto. Assim, para manter e preservar o direito à saúde da pessoa idosa
de ordem prioritária, o Poder Público deverá, também com prioridade: cadastrar a
população idosa em base territorial, efetivar o atendimento geriátrico e
gerontológico em ambulatórios, criar unidades geriátricas de referência com
pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social, propiciar ao
idoso atendimento domiciliar, incluindo internação nos meios urbano e rural,
possibilitar a reabilitação orientada pela geriatria e pela gerontologia no intuito de
reduzir seqüelas decorrentes de agravo, além de legislar acerca do atendimento
especializado que terão os idosos portadores de deficiência ou com limitação
incapacitante, como ordena a Lei.
38ª O Estatuto do Idoso, seguindo copiosa legislação que permeia tanto a
Lei das Ações Civis Públicas, quanto o Código de Defesa do Consumidor e o
Estatuto da Criança e do Adolescente empresta, não só ao Ministério Público que
tem a tutela coletiva como uma de suas funções institucionais, conforme inciso III
do art. 129 da Constituição da República, mas também concorrentemente, na
forma de seu art. 81, à União, aos Estados ao Distrito Federal, aos Municípios, à
Ordem dos Advogados do Brasil bem como às associações legalmente
constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre os seus fins institucionais
267
a defesa dos direitos e interesses da pessoa idosa, legitimidade para as ações cíveis
fundadas em seus interesses difusos, coletivos, individuais indisponíveis ou
homogêneos, como instrumento democrático de persecução da efetividade dos
direitos da pessoa idosa, dentre eles, do seu direito à saúde, de ordem prioritária.
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