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1 O DIREITO INTERTEMPORAL E AS LEIS DA UNIÃO ESTÁVEL PATRICIA FONTANELLA 1 SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Família e seu conceito atual – 2.1 Conceito de União Estável – 3. A natureza jurídica da União Estável e o Direito Intertemporal – 3.1. Conceito de Direito Intertemporal - 3.2. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – 4. A eficácia temporal das leis regulamentadoras e a extinção da união - 5. União Estável e seus diversos cortes temporais - 6. Considerações finais – 7. Bibliografia. 1. Introdução O tema do presente artigo é a união estável e sua regulamentação, com ênfase no Direito Intertemporal. Antes de a Constituição Federal de 1988 ter reconhecido expressamente o instituto da União Estável, através de seu art. 226, § 3 o , os tribunais pátrios, por construção jurisprudencial, já o admitiam como noticiam as Súmulas 380 e 382, ambas do Supremo Tribunal Federal (STF). Porém, sua regulamentação veio por intermédio das Leis 8.971/94 e 9.278/96 e, mais recentemente, a matéria está contemplada no Código Civil de 2002. Conforme amplamente discutido pelos estudiosos e pelos tribunais, ficou patente que as Leis 8.971/94 e 9.278/96 apresentavam disposições conflitantes com a doutrina e, em certos aspectos, com a jurisprudência. Assim, seguindo a linha da Lei 9.278/96, a união estável foi inserida no novo Código Civil, deixando polêmica a parte relativa ao direito sucessório e que têm sido alvo de inúmeras discussões no meio jurídico. 1 Advogada em Santa Catarina. Especialista em Direito Civil e Mestre em Ciência Jurídica. Professora de Direito Civil de Cursos de graduação e pós-graduação em Direito. Professora de Direito Civil das Escolas da Magistratura, do Ministério Público e Magistratura do Trabalho de Santa Catarina. Professora convidada permanente da ESA/SC.

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O DIREITO INTERTEMPORAL E AS LEIS DA UNIÃO ESTÁVEL

PATRICIA FONTANELLA1

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Família e seu conceito atual – 2.1 Conceito de União Estável – 3. A natureza jurídica da União Estável e o Direito Intertemporal – 3.1. Conceito de Direito Intertemporal - 3.2. Direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada – 4. A eficácia temporal das leis regulamentadoras e a extinção da união - 5. União Estável e seus diversos cortes temporais - 6. Considerações finais – 7. Bibliografia.

1. Introdução

O tema do presente artigo é a união estável e sua regulamentação, com ênfase no

Direito Intertemporal.

Antes de a Constituição Federal de 1988 ter reconhecido expressamente o instituto

da União Estável, através de seu art. 226, § 3o, os tribunais pátrios, por construção

jurisprudencial, já o admitiam como noticiam as Súmulas 380 e 382, ambas do Supremo

Tribunal Federal (STF). Porém, sua regulamentação veio por intermédio das Leis 8.971/94 e

9.278/96 e, mais recentemente, a matéria está contemplada no Código Civil de 2002.

Conforme amplamente discutido pelos estudiosos e pelos tribunais, ficou patente

que as Leis 8.971/94 e 9.278/96 apresentavam disposições conflitantes com a doutrina e, em

certos aspectos, com a jurisprudência. Assim, seguindo a linha da Lei 9.278/96, a união

estável foi inserida no novo Código Civil, deixando polêmica a parte relativa ao direito

sucessório e que têm sido alvo de inúmeras discussões no meio jurídico.

1 Advogada em Santa Catarina. Especialista em Direito Civil e Mestre em Ciência Jurídica. Professora de Direito Civil de Cursos de graduação e pós-graduação em Direito. Professora de Direito Civil das Escolas da Magistratura, do Ministério Público e Magistratura do Trabalho de Santa Catarina. Professora convidada permanente da ESA/SC.

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Em rigor, o propósito deste estudo é fixar o lapso temporal de cada uma da

mencionadas leis, em suas diversas hipóteses concretas de incidência e aplicabilidade.

2. Família e seu conceito atual

A trasnformação da sociedade, por meio de seus valores, da tecnologia e da

ciência, acabou por impulsionar inúmeras mudanças ao longo do século passado, as quais

tiveram influência direta no conceito de família, sobretudo no Brasil do século XXI. Com

efeito, a família experimentou profundas modificações e reestruturações de suas bases nas

últimas décadas e, no centro das inovações introduzidas na órbita do Direito de Família,

encontra-se a união estável.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 3o, “Para efeito

de proteção da família do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher

como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”2

A família moderna3, até então considerada apenas a constituída pelas regras do

Estado – com características patriarcais, patrimoniais e rurais – vê seu conceito ser

redesenhado a partir do reconhecimento, na própria Constituição de 1988, de outras espécies

de família, exemplificadamente: a matrimonial, oriunda do casamento; a não-matrimonial,

oriunda da união estável (união entre pessoas fora dos laços do matrimônio com o intuito de

constituir família) e a monoparental (constituída por qualquer dos pais e seus descendentes).

A família passa a ser “[...] nuclear, horizontalizada, apresentando formas intercambiáveis de

2 BRASIL Constituição (1988). 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 124. 3 No presente trabalho, a categoria família moderna deve ser entendida como aquela cujo perfil está definido no Código Civil Brasileiro de 1916, até a Constituição Federal de 1988. Após 1988, a família moderna passa a ser designada como família contemporânea, sendo “assentada em princípios democráticos, de aperfeiçoamento e dignificação da pessoa humana.” Cf. LIRA apud FACHIN, Rosana. Em busca da familia no novo milenio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Família e cidadania: o novo CCB e a Vacatio Legis. Anais... III Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p. 63.

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papéis, sem o selo do casamento.”4

2.1 Conceito de União Estável

Por muito tempo, foi difícil a tarefa de delimitar um único conceito ao então

chamado concubinato, em face da variedade de relações existentes, bem como para

acompanhar toda a evolução que a união livre teve ao longo dos anos.

Atualmente o instituto evoluiu bastante, os relacionamentos de fato assumiram

outro conceito e a doutrina, no seu papel construtivista, passou a conceituar o fenômeno das

uniões livres, considerando-as sob diversos aspectos e que seria impróprio determinar quais as

situações que estariam excluídas da pretensa noção de união estável, sob pena de deixar à

margem da proteção legal muitas dessas uniões.

Por essa razão, no atual Código Civil, o legislador tratou a matéria sob prisma de

cláusula aberta em seu artigo 1.723: “É reconhecida como entidade familiar a união estável

entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e

estabelecida com o objetivo de constituição de família”.5

Verifica-se que o legislador optou por evitar rigorismos conceituais, pois ao

abster-se de conceituar rigidamente a União Estável deixou para o juiz - diante de cada caso

concreto - a tarefa de analisá-la e reconhecê-la ou não.

Porém, das definições doutrinárias acerca da união estável é possível destacar e

conseqüentemente fixar suas características. Tais relacionamentos são marcados

principalmente por ausência de regras ou formalidades, o que significa dizer que duas pessoas

podem pura e simplesmente, por vontade própria, decidir pela união e construção de suas

4 DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: aspectos sociais e jurídicos. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). A família na travessia do milênio. Anais... II Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2000, p. 166. 5 Novo Código Civil.

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vidas, assumindo perante todos intenção de verdadeiro matrimônio, ainda que residindo sob

tetos distintos, independentemente da existência de prole.

Nas palavras de Francisco José Cahali a União Estável “é o vínculo afetivo entre

homem e mulher, como se casados fossem, com as características inerentes ao casamento e a

intenção de permanência da vida em comum.”6

Relacionamentos sexuais, ainda que reiterados, e mesmo a união adulterina não

são reconhecidos como união estável, eis que lhes faltam os componentes da comunhão de

vida, notoriedade em relação à sociedade, exclusividade e publicidade. Assim já decidiu o

egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Apelação Cível. Alegação de existência de união estável. Relacionamento paralelo ao casamento do falecido. Não se pode reconhecer união estável simultaneamente à hígida existência de casamento, se não restar cabalmente provada a alegada separação de fato. Só assim estará afastado o impedimento legal à constituição da união estável previsto no par. 1º do art. 1.723. Isso porque o Direito pátrio consagra o princípio da monogamia e não tolera a concomitância de entidades familiares. Igualmente, não há que se falar em união estável putativa, pois ausente a boa-fé da recorrente, que conhecia a situação conjugal do ´de cujus´.7

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.727, reconhece como sendo concubinato

a união não-eventual entre duas pessoas impedidas de se casar. Por tal razão, uma união dessa

natureza será discutida nas Varas Cíveis, com base na teoria da sociedade de fato.

A partir do conceito de união estável como a união de duas pessoas com o intuito

de compartilhar suas vidas, passa-se à análise da natureza jurídica da união estável e o direito

intertemporal.

6 CAHALI, Francisco José. União Estável e Alimentos entre Companheiros. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 87-88. 7 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 70010479046. Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Acórdão de 13 de abril de 2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 16 jul. 2005.

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3. A natureza jurídica da União Estável e o Direito Intertemporal

O aumento do número de pessoas vivendo em união estável acabou por dar

impulso à edição das Súmulas 3808 e 3829 do STF. O teor das referidas Súmulas a união

estável foi elevado à esfera do Direito Obrigacional criando, a jurisprudência, a teoria da

sociedade de fato.

Tal alusão surgiu do Direito Comercial. Nas sociedades comerciais legitimamente

constituídas, os sócios, individualmente, têm direito ao seu quinhão, proporcionalmente à

participação na pessoa jurídica. Assim, comparava-se o concubinato às sociedades de fato do

Direito Comercial, eis que a sociedade que não realiza seu registro funciona de fato e não de

direito.

Como já visto, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, em face do

disposto no § 3o, do art. 226, houve significativa modificação na maneira como o

ordenamento jurídico enfocava tais uniões, elevando-as à categoria de entidade familiar.

Nesse contexto, verifica-se que a ênfase dada ao casamento como única forma de

constituição de família legítima já não atendia integralmente aos interesses sociais, uma vez

que não é mais reconhecido como única forma válida e exclusiva de constituição da família.

Rodrigo da Cunha Pereira já assinalava:

[...] o assunto, que tem sido tratado até então no campo do Direito das Obrigações, muda seus rumos para o Direito de Família, especialmente a partir da Constituição de 1988, que inscreveu expressamente o concubinato (união estável) como uma das formas de constituição de família.10

8 Súmula 380 STF “Comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua dissolução judicial com partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.” 9 Súmula 382 STF “A vida em comum sob o mesmo teto `more uxório´, não é indispensável à caracterização do concubinato.” 10 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato - União Estável, p. 521.

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Em rigor, as leis regulamentadoras da União Estável (Leis 8.971/94 e 9.278/96),

na esteira da Constituição Federal de 1988, deram tratamento manifestamente institucional à

união estável, tanto assim que a Lei 9.278/96 fixou a competência jurisdicional, em caráter

absoluto, como sendo da Vara de Família. Como no casamento, o Estado estabeleceu também

para a União Estável as normas quanto aos direitos patrimoniais e não-patrimoniais em geral.

Nesse sentido, verifica-se que o aperfeiçoamento das instituições jurídicas tem

como escopo a adequação continuada às renovadas necessidades de uma sociedade em

permanente transformação, quaisquer que sejam os aspectos político, econômico ou social.

Daí a revogação e entrada em vigor de novas leis.

Entretanto, relações jurídicas e direitos subjetivos foram criados sob a égide da lei

revogada, o que cria a possibilidade de, não raro, duas leis sucessivas no tempo regularem a

mesma relação jurídica, ocasionando conflito de leis no tempo.

O conflito de leis no tempo constitui-se objeto do direito intertemporal, regulando

sua aplicação. A complexidade de sua aplicação e regulação tem sido, em todas as épocas, um

dos problemas sérios e igualmente árduos enfrentados pela ciência do Direito.11

3.1 Conceito de Direito Intertemporal

O direito intertemporal compreende o conjunto de normas e princípios jurídicos

cujo objetivo é resolver as questões suscitadas pela coexistência temporal de duas leis.

Resulta da circunstância fática de duas leis, a antiga e a nova, disciplinarem de forma

inconciliável as situações advindas da prodigiosa vida real.12

11 MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis. São Paulo: Freitas Bastos, 1946, p. 8. 12 NORONHA, Fernando. Retroatividade, Eficácia Imediata e Pós-Atividade das Leis: Sua caracterização correta, como indispensável para solução dos problemas de Direito Intertemporal. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 23, abr./jun. 1998, p. 91.

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No Brasil, o direito intertemporal é previsto no comando tradicional e

constitucional segundo o qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito

e a coisa julgada”. Dispõe ainda o art. 6o, da Lei de Introdução ao Código Civil, corroborado

pelo contido no art. 5o, XXXVI, do Pergaminho Maior que: “A lei em vigor terá efeito

imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”

Fernando Noronha anota que em torno do direito intertemporal avultam-se

indagações, estando entre elas:

[...] pode a lei nova regular todos ou alguns dos efeitos a serem produzidos no futuro por fatos acontecidos anteriormente, ou por situações jurídicas que já existiam ao tempo em que ela passou a ter vigência, saber se pode ou não modificar determinados efeitos produzidos no passado à sombra da lei antiga; saber se pode extinguir situações anteriormente constituídas, ou inversamente, se pode permitir que criem situações novas com base em fatos passados; saber se pode introduzir alterações em processos de constituição ou extinção de situações jurídicas, que já estejam em curso.13

Com efeito, as dificuldades exegéticas advindas de opiniões desencontradas sobre

o tema acarretam uma jurisprudência insegura, muitas vezes adotando como critérios para as

soluções dos conflitos o bom senso e eqüidade: afirma-se estar diante de ato jurídico perfeito

ou de direito adquirido quando entende incidir a lei antiga, ou argumenta-se estar perante

mera expectativa de direito quando acredita ser de aplicar a nova.14

Paul Roubier, professor da Universidade de Lyon, na França, em sua obra Le

Droit Trasitoire (Conflits des Lois dans le Temps) distingue efeito retroativo e efeito imediato

da lei nova.15

Explicitando a distinção, anota Wilson de Souza Campos Batalha:

[...] Se a lei nova atinge situações jurídicas constituídas ou extintas na vigência da lei antiga, ou se afeta os efeitos dessas situações, produzidos na vigência da lei antiga, então a lei nova será retroativa; mas se a lei nova incide apenas sobre os efeitos futuros de situações jurídicas constituídas na vigência da lei antiga, então a lei nova não terá efeito retroativo, mas sim efeito imediato, ressalvadas as hipóteses em que o legislador reconhece a

13 NORONHA, Fernando. Retroatividade..., p. 91. 14 NORONHA, Fernando. Retroatividade..., p. 93. 15 NORONHA, Fernando. Direito Adquirido e Aplicação da Lei no Tempo. Trabalho não publicado, p. 3.

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sobrevivência da lei antiga para reger os efeitos futuros das situações jurídicas constituídas na vigência daquela lei.16

Já para Fernando Noronha importante é a distinção entre fatispécie e estatuição,

posto que os problemas advindos do direito intertemporal originam do fato de duas normas, a

anterior e a posterior, darem tratamento diferente às situações concretas que constituem seu

pressuposto comum. Nas suas palavras:

À caracterização do fato, que é a parte descritiva da norma, pode ser dado o nome de pressuposto, ou fatispécie, [...] ou ainda suporte fático, conforme a designação introduzida por Pontes de Miranda. Também se lhe dá os nomes de hipótese ou previsão normativa. [...] À parte prescritiva da norma, que é do tratamento jurídico podem ser dadas as denominações de estatuição ou dispositivo, ou ainda as de preceito, efeito jurídico e conseqüência jurídica. 17

Na órbita do direito intertemporal, que se preocupa com as conseqüências da

mudança da legislação sobre as situações fáticas, o que interessa são aquelas situações

chamadas pendentes, ou ainda, intertemporais. Os chamados fatos pendentes constituem

situações com ligações, tanto com o passado quanto com o presente e tanto com a lei antiga

quanto com a lei nova.18

Wilson de Souza Campos Batalha, com suporte em Paul Roubier, examina três

situações possíveis de comportamento da lei nova em face da lei antiga: retroatividade da lei

nova, efeito imediato da lei nova e sobrevivência da lei antiga.19

Anota o autor que:

Retroagir (retro agere), explica Roubier, é incidir sobre o passado, remontando a lei em seus efeitos, a período anterior à sua vigência. Se os fatos jurídicos se desenvolvem em certo período de tempo, pode ocorrer que, ao iniciar-se a vigência da lei nova, um fato esteja em curso: esta não pode, sem retroatividade, aplicar-se aos efeitos jurídicos já produzidos, modificá-los ou destruí-los; no que concerne aos efeitos jurídicos ainda não produzidos, a questão de saber se são regidos por esta lei ou pela anterior

16 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 49.

17 NORONHA, Fernando. Retroatividade..., p. 95. 18 Ibidem, p. 99. 19 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito Intertemporal, p. 55.

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não é mais uma questão de retroatividade e sim de efeito imediato da lei nova. 20

Já o professor Fernando Noronha, igualmente apoiado em Paul Roubier, distingue

tais situações como retroatividade, imediatidade e pós-atividade da lei.21

Considerando as quatro categorias de fatos pendentes existentes, aduz que:

“retroatividade consiste na aplicação de uma norma a pressupostos que já estavam ultimados

antes do seu tempo de vigência, com alteração das conseqüências que já haviam sido

determinadas pela lei então em vigor.”22

O efeito imediato deve ser considerado como regra: a lei nova aplica-se, desde sua

promulgação, a todos os efeitos que se verificarem no futuro das relações já nascidas ou ainda

a nascer.23

A diferença entre retroatividade e efeito imediato é também comentada por

Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho:

A distinção entre efeito retroativo e efeito imediato é que o efeito retroativo é proibido, ao passo que o imediato não o é, constituindo, ao contrário, o direito comum, porque, em princípio, uma lei nova deve receber logo aplicação, ainda quanto às situações em curso. Reconhece, porém, que em certas matérias é excluído o efeito imediato, da mesma sorte que o retroativo: é o que se verifica, por exemplo, nos contratos anteriormente constituídos.24

Rubens Limongi França, a respeito do efeito imediato, arremata: “Portanto,

quando o legislador declara que a lei em vigor ´terá efeito imediato´, com isso determina que

a lei nova, em princípio, se aplica tanto aos facta futura, como às ‘partes posteriores’ dos

facta pendentia.” 25

20 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Op. Cit., p. 55. 21 NORONHA, Fernando. Retroatividade..., p. 96. 22 NORONHA, Fernando.Op. Cit., p. 100. 23 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito Intertemporal, p. 55. 24 ESPÍNOLA Eduardo e ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. 2 ed., atual. por Silva Pacheco, Renovar: Rio de Janeiro, 1995, p. 247. 25 LIMONGI FRANÇA, Rubens. Direito Intertemporal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 423-424.

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A pós-atividade, de acordo com Fernando Noronha, “consiste na aplicação da lei

revogada a fatos que irão ocorrer ou completar-se após o seu tempo de vigência, embora

acontecidos no desenrolar de situações jurídicas que vêm desse tempo.”26

Importante ressaltar que a lei deve atuar sobre os pressupostos que ocorram ou se

findem enquanto ela estiver em vigor, mesmo que tais fatos aconteçam no âmbito de situações

jurídicas constituídas ao tempo das leis anteriores: este é o efeito imediato da lei, ou sua

eficácia imediata.

A lei nova é retroativa quando, além da eficácia normal, também se aplica a

pressupostos que aconteceram no passado, incluídas as situações jurídicas cujos efeitos já se

exauriram precedentemente a sua entrada em vigor, aquelas produzidas no passado por

situações jurídicas que renascem vivas sob o pálio da nova lei. A lei revogada é pós-ativa

quando permanece aplicável a pressupostos que se completam posteriormente à sua

revogação, abrangendo situações fáticas verificadas ao tempo em que estava em vigor. A

eficácia imediata é a regra geral de qualquer ordenamento jurídico, sendo importante,

contudo, não confundir pós-atividade (referente à lei antiga) com retroatividade (com relação

à lei nova).27

3.2 Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada

Analisaremos agora a trilogia constitucional: direito adquirido, ato jurídico

perfeito e coisa julgada, preceitos inseridos no art. 5o, inciso XXXVI, da Constituição Federal

de 1988 e no art. 6o da Lei de Introdução ao Código Civil.

26 NORONHA, Fernando. Retroatividade..., p. 100. 27 Ibidem, p. 100-101.

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A questão acerca das definições às categorias acima é suscitada com controvérsias

na doutrina, principalmente no que tange ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, pois

muitos acreditam tratar-se de uma só categoria. Pontes de Miranda sustenta que a categoria

principal seria ato jurídico perfeito, enquanto Rubens Limongi França defende ser o direito

adquirido.28

Ato jurídico perfeito, segundo a lei, é o que já se consumou segundo a norma

vigente ao tempo em que se efetuou. Na lição de Fernando Noronha, “atos jurídicos perfeitos

são fatos, ou seus efeitos, efetivamente verificados no passado, ao tempo e ao abrigo da lei

então em vigor. Como fatos passados, a lei que atentasse contra eles estaria sendo

patentemente retroativa.”29

A coisa julgada é a decisão judiciária de que não cabe mais recurso. Sobre

determinada questão, nas palavras de Maria Helena Diniz: “É a decisão definitiva do Poder

Judiciário, trazendo presunção absoluta de que o direito foi aplicado corretamente ao caso sub

judice”.30

Rubens Limongi França, tomando por base Gabba31, define direito adquirido

como sendo “a conseqüência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo;

conseqüência que, tendo passado a integrar o patrimônio material e moral do sujeito, não se

fez valer antes da vigência de lei nova sobre o mesmo objeto.”32

28 NORONHA, Fernando. Retroatividade..., p. 102. 29 NORONHA, Fernando. Retroatividade..., p. 103. 30 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, p. 66. 31 Jurista italiano, que em torno da questão acerca do direito adquirido escreveu o famoso tratado em quatro volumes - Teoria della retroatività delle lleggi - Milano- Roma - Napoli, 1891-1898 apud NORONHA, Fernando, p. 104 . 32 LIMONGI FRANÇA, Rubens. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido, p. 216.

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O direito adquirido é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e/ou à

personalidade de seu titular e, quando não há essa integração, “(...) não há que se falar em

direito adquirido e, por conseguinte, torna-se indiferente o tempo da vigência da lei nova.”33

[...] os direitos adquiridos que a lei nova tem de respeitar parecem ser somente os casos de extinção de direitos anteriormente reconhecidos e os de alteração no valor das prestações, em conseqüência da lei nova ou de circunstâncias supervenientes devidas a esta. A par deles, para serem respeitados também, estarão os atos jurídicos perfeitos e aqueles cobertos pela coisa julgada, igualmente referidos no preceito constitucional e na lei de introdução ao Código Civil [...].34

O direito torna-se adquirido por conseqüência imediata e direta da norma jurídica

que gera sua incorporação ao patrimônio e/ou à personalidade do sujeito, não podendo ser

atingido pela norma jurídica nova.

Com efeito, da análise até o momento efetuada, infere-se que a União Estável

possui caráter eminentemente institucional; suas regras são de ordem pública, tal qual o

casamento. As regras que regulamentam o companheirismo possuem efeito imediato,

todavia, devem respeitar as relações jurídicas que já alcançaram seus efeitos.

A seguir, analisar-se-á a eficácia temporal das leis que regulamentam o instituto

previsto no art. 226, § 3o, da Carta Magna de 1988, tendo como base a data da extinção da

união, momento em que se verificam direitos e deveres entre os companheiros.

4 A eficácia temporal das leis regulamentadoras e a extinção da União Estável

Fixadas as premissas no sentido de que a união estável tem natureza jurídica

preponderantemente institucional e que suas regras são consideradas de ordem pública,

cumpre estabelecer a eficácia temporal das diversas orientações doutrinárias, jurisprudenciais

e legais havidas desde a edição da Súmula 380 do STF até os dias atuais.

33 CALAÇA, Roberta Corrêa de Araújo. Questões de Direito Internacional, p. 107. 34 Ibidem, p. 107.

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À exceção dos direitos patrimoniais, a busca da legislação aplicável à espécie

deve sempre partir do momento em que a união terminou, deixando de produzir efeitos, a fim

de se enquadrar, neste corte temporal, a legislação então vigente.

Isso posto, destacaremos o direito intertemporal como instrumento para se

verificar o alcance das Leis 8.971/94 e 9.278/96 e das regras contidas no Novo Código Civil

quanto a situações jurídicas passadas, presentes e futuras.

4.1 União Estável e seus diversos cortes temporais

Anteriormente os tribunais pátrios negavam qualquer direito à companheira, então

conhecida como concubina. Em seguida, passaram a considerar que o concubinato, por si só,

justificava o direito da concubina à meação com base na teoria do enriquecimento sem causa.

Por força das Súmulas 380 e 382 do STF, os companheiros obtiveram o

reconhecimento do direito à partilha de haveres adquiridos pelo esforço comum, e mesmo o

fato de morarem em casas separadas não descaracterizava a união.

Comprovada a participação direta da companheira nos negócios do companheiro,

esta teria direito à partilha. Porém, na hipótese de inexistir tal pressuposto, a companheira

poderia apenas pleitear indenização por serviços prestados. Ressalte-se que os pedidos não

poderiam ser cumulados e sim alternativos, ou excludentes por si mesmos.

Nesse sentido, as uniões findas até 4 de outubro de 1988 devem pautar-se pelas

Súmulas 380 e 382 do STF, em face do efeito imediato do texto constitucional.

A 7a Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul assim decidiu:

Concubinato anterior à Constituição de 1988. Efeitos. Tendo o concubinato iniciado e rompido antes da vigência da Carta Política que o erigiu à condição de instituto de direito de família, os efeitos regem-se pelo Direito

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Obrigacional, o que importa necessidade de prova do esforço comum na aquisição do patrimônio.35

Na lição de Francisco José Cahali: “Ao lado da aplicação imediata da norma

ressalva-se em nosso ordenamento civil a sua irretroatividade, no sentido de que a lei nova

não pode ser aplicada às situações pretéritas já encerradas, com os seus efeitos jurídicos

produzidos à luz do sistema então vigente [...].”36 Os fatos lastreadores do enquadramento

legal da relação fática havida devem ser analisados no corte temporal respectivo, sem a

possibilidade de surpresas ulteriores.

A partir da Constituição de 1988, o concubinato foi alçado a categoria de entidade

familiar. O legislador considerou essa forma de união como espécie do gênero entidade

familiar e alvo da proteção do Estado, deixando claro que a lei deveria facilitar sua conversão

em casamento.

O que se seguiu foi justamente um período de adaptação pela jurisprudência.

Alguns tribunais decidiam com base na Súmula 380 do STF, com as alterações advindas pela

Constituição Federal de 1988 - repugnando a indenização por serviços prestados - que

reconheciam o direito à meação dos bens (pela contribuição indireta da companheira no labor

doméstico). Todavia, em alguns casos era exigida prova efetiva da contribuição da mulher.

Naquele momento, Pedro Manoel Abreu, Desembargador do Tribunal de Justiça

de Santa Catarina, já deixou consignado:

Concubinato. Indenização por serviços prestados. Descabimento. Recurso provido. Com o advento da Constituição de 1988, conferindo-se à união estável o status de entidade familiar, não é concebível, sob pena de malferimento ao princípio isonômico, atribuir-se à concubina direitos que a mulher casada não dispõe. ´O concubinato, reconhecido como sociedade de fato, pode gerar a partilha de bens, adquiridos no seu curso. Mas se a convivência degenera para mera prestação de serviços, o assunto foge do Direito de Família e migra para a área da relação de emprego´. (JB 201/202) 37

35 BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 594126815. Relator: Des. Paulo Heerdt. Acórdão de 15 de fevereiro de 1995. RJTJRGS, Porto Alegre: TJRS, v. 171, p.340, agosto/96. 36 CAHALI, Francisco José. União Estável e Alimentos entre Companheiros, p. 158-159. 37 BRASIL, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 42.512, de São José. Relator: Des. Pedro Manoel Abreu. Disponível em: <http: //www.tj.sc.gov.br/.>.Acesso em: 20 jul. 2006.

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O entendimento aqui defendido é o de que a regra geral do efeito imediato da lei

faz-se aplicável e todas as relações encerradas antes da Lei 8.971/94 devem reger-se pelas

Súmulas 380 e 382 do STF, com as alterações dispostas na Constituição Federal em vigor, ou

seja, após 1988 não há que se falar em indenização por serviços prestados, pois a companheira

tem direito à meação dos bens amealhados durante a união, consoante a doutrina do esforço

indireto, no caso do labor doméstico.

Considerando as relações extintas anteriormente à promulgação da Lei de 1994,

não há que se falar em direito a alimentos e outros efeitos nela previstos, posto não possuir a

lei efeitos retroativos, para o fim de alcançar situações jurídicas passadas, que se extinguiram

antes da introdução desses direitos no ordenamento jurídico.

O Tribunal de Justiça de São Paulo já se manifestou:

Alimentos - Postulação pela concubina - Lei 8.971, de 1994. Assim, a lei 8.971/94 aplica-se às uniões estáveis existentes quando de sua vigência, ainda que iniciada a convivência anteriormente, mas não atinge as relações extintas até 29 de dezembro de 1994, para as quais se aplica o regime então vigente, onde inexistia a previsão legal de alimentos. 38

Com a edição da Lei 8.971/94 foram instituídos direitos aos companheiros

relativamente aos alimentos, à sucessão e ao regime patrimonial na união estável. Assim,

comprovados os cinco anos de convivência ou a existência de prole, bem como o

desimpedimento para o casamento entre os companheiros restou assegurado o direito a

alimentos, à sucessão e à meação do patrimônio.

As uniões que se encontravam em curso quando do advento dessa nova lei foram

beneficiadas por suas inovações. Como bem assevera Francisco José Cahali “A Lei 8.971, de

38 BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo. Ac. Unân. da 2a câm. Dir. Priv. Apelação Cível 010.597-4/6-00. Acórdão de 18 de junho de 1996 (Publicado no Informativo Semanal n. 41 de 1996, p. 620) apud FILIPPI, Rejane Brasil. A Evolução do Concubinato vista pelos Tribunais, p. 119.

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29 de dezembro de 1994, aplica-se às situações jurídicas pendentes, ou seja, às uniões estáveis

em curso quando de sua vigência.”39

Mais adiante, com referência ao prazo de cinco anos estabelecido pela lei nova,

Francisco José Cahali pondera:

[...] inexistindo qualquer referência legal ao termo inicial da contagem do prazo de cinco anos previsto na norma, considera-se o período transcorrido anteriormente à sua vigência, sem que assim se caracterize a retroatividade, mas apenas a aplicação imediata da lei aos facta pendentia.40

Como frisado anteriormente, as leis relativas à União Estável são de ordem

pública, sendo imediatamente aplicáveis às situações em curso quando da respectiva vigência.

É o ensinamento de Guilherme Calmon Nogueira da Gama:

[...] A Lei 8.971/94 diante dos seus contornos, revela preceitos de ordem pública, insuscetíveis de disposição pelos interessados, não somente em matéria de direito a alimentos, de direito à sucessão bem como ao regime de bens existente durante o companheirismo , motivo pelo qual é indispensável a sua aplicação imediata às situações jurídicas em curso quando da sua entrada em vigor (facta pendentia). 41

Relativamente aos facta futura inexiste qualquer controvérsia, posto que:

[...] diante do princípio de que a lei nova tem aplicação imediata às situações jurídicas presentes e futuras, desde que atendidos os requisitos previstos ou exigidos na doutrina e na jurisprudência para a configuração do companheirismo, instituto que, a partir de 1994, gera direito a alimentos, de acordo com o preceito contido no art. 1o , da Lei 8.971.42

O direito a alimentos surgiu somente com a Lei 8.971/94, não sendo possível

cogitar-se sobre efeito retroperante, ao novel direito de alimentos relativamente a relações já

extintas, embora existam vozes contrárias.

Marilene Silveira Guimarães, nesse sentido, anota:

Da mesma forma, aplicar os efeitos das Leis 8.971 e 9.278/96 aos processos que estão tramitando não implica retroagir os efeitos das novas leis. Como se trata de processos em andamento, ou seja, de situação jurídica em curso, a única restrição é a de que não tenha ocorrido coisa julgada. [...] O fato de as leis novas serem editadas após a sentença de 1o

39 CAHALI, Francisco José. União Estável e Alimentos entre Companheiros, p. 157. 40 Ibidem, p. 157. 41 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de Família, p. 438. 42 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Op. Cit., p. 438.

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grau é irrelevante, pois a prestação jurisdicional não se dá enquanto tramitar recurso. A possibilidade de fazer aplicar a lei nova ao fato, em qualquer grau de jurisdição, é autorizada pelo art. 517 do CPC, que estabelece: ´As questões de fato, não propostas no juízo inferior, poderão ser suscitadas na apelação se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior´.43

Todavia, a despeito do posicionamento acima, entendemos que a lei legisla para o

futuro e não para o passado. Uniões já definitivamente rompidas no advento da nova lei não

podem ser por ela abrangidas, sob pena de se instalar verdadeira instabilidade jurídica. Em

outras palavras, o fantasma da união havida e extinta poderia surgir ao talante das alterações

legislativas supervenientes, em franco desprestígio do Poder Judiciário e, em última análise,

da própria paz social.

Outra questão é a relativa ao direito sucessório. O art. 1.787 do Código Civil

dispõe que a capacidade sucessória é a do tempo da abertura da sucessão, de acordo com lei

vigente à época.

Segundo Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho:

A sucessão hereditária é regulada pela lei do tempo em que se abre. Significa isso que recebe aplicação, quer na sucessão legítima, quer na testamentária, a lei vigente no momento em que se verifica a morte do de cujus, abrindo-lhe a sucessão (ordem dos sucessíveis, medida dos direitos sucessórios, capacidade de testar etc.). 44

Carlos Alberto Menezes Direito, relativamente ao direito sucessório previsto na

Lei 8.971/94, analisando a matéria à luz do direito intertemporal assevera:

No que concerne ao direito sucessório, assim aqueles casos contidos no art. 2o da Lei 8.971/94, são alcançadas as uniões estáveis existentes antes mesmo da Lei nova, desde que não tenha sido ainda aberta a sucessão, uma vez que descendentes e ascendentes não têm direito adquirido antes da abertura da sucessão. [...] Vigora, portanto, a lei do tempo da abertura da sucessão.45

43 GUIMARÃES, Marilene Silveira. A União Estável à luz do Direito Intertemporal. Ajuris. Porto Alegre: Ajuris, v. 71, nov.1997, p. 295. 44 ESPÍNOLA, Eduardo; ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, p. 328. 45 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. A disciplina positiva da união estável: a Lei 8.971, de 29 de dezembro de 1994. Revista de Direito Renovar. Rio de Janeiro: Renovar, jan./abr. 1995, p. 27-46.

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Nesse mesmo sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

Concubinato. Herança. Recurso. Preparo no dia seguinte. 1. Protocolada a petição de recurso depois de encerrado o expediente bancário, o recolhimento de numerário destinado à cobertura das despesas de porte pode ser efetuado no dia seguinte. Votos vencidos. 2. A concubina, em sucessão aberta antes da vigência da lei 8.971, de 29.12.94, não é herdeira (arts. 1.603 e 1.611 do Código Civil). Afastada a deserção, não se conheceu do recurso.46 [Grifos nossos].

Guilherme Calmon Nogueira da Gama, no tocante aos bens adquiridos

anteriormente à Lei de 1994, ensina:

Uma observação importante, no que se refere ao regime de bens: mesmo que em 30 de dezembro de 1994 ainda vigorasse a união extramatrimonial fundada no companheirismo com aquisição patrimonial anterior à vigência da lei, é de se notar que em relação aos bens anteriores àquela data não prevalece o disposto no art. 3o , da Lei 8.971/94, pois caso contrário haveria retroatividade, o que é vedado no ordenamento jurídico brasileiro nestas situações, aplicando-se, portanto, o sistema vigente na época da aquisição do bem (Súmula 380, do Supremo Tribunal Federal, com a interpretação jurisprudencial mais consentânea com a realidade, admitindo-se a contribuição indireta). Quanto aos bens adquiridos a partir de 30 de dezembro de 1994, prevalece o disposto no art. 3o, da lei citada, inclusive quanto ao critério de partilhamento dos bens, ou seja, a metade.47

Os termos da Lei de 8.971/94 norteiam a interpretação das uniões estáveis

fundadas sob seu pálio, sem atingir as uniões anteriormente findas, tendo em vista que não

geram mais efeitos. Constitui-se, na verdade, em diploma regulamentador que deve ser

adequado pelo intérprete nos termos do ordenamento jurídico em vigor, abrangendo as

uniões verificadas e extintas no período de 29.12.1994 a 10.05.1996.

Com a promulgação da Lei 9.278/96, novas diretrizes foram estabelecidas. A lei

regulou os direitos assistenciais e patrimoniais advindos da união estável entre homem e

mulher unidos com o intuito de formar família. Em seu art. 5o, no tocante aos bens adquiridos

46 BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo. Resp. n. 100194. Acórdão de 22 de outubro de 1996. Publicado no Diário de Justiça – Seção 1, p. 7512, em 13.03.1997 apud GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de Família, p. 440. 47 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de Família, p. 440.

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a título oneroso ao longo da união estável adotou o condomínio em partes iguais de 50%,

dispensando, dessa forma, prova de esforço comum. Ainda, conferiu direito a alimentos,

direito de habitação em relação ao imóvel destinado à residência familiar. Permitiu a

conversão da união estável em casamento por simples requerimento ao Oficial do Registro

Civil, de duvidosa eficácia imediata, bem como estabeleceu a competência das Varas de

Família para resolver os litígios dela advindos.

A nova lei, instituída sem revogar expressamente a Lei 8.971/94, regulou de

forma diversa a união estável, eis que suprimiu de seu conceito certos requisitos

caracterizadores da união, v.g., o limite temporal mínimo e a possibilidade de os separados de

fato prestarem alimentos a seus companheiros.

Com o advento da Lei 9.278/96 formaram-se três correntes em torno da vigência

ou revogação da Lei 8.971/94. Uma corrente defende que ambas as leis vigoram

simultaneamente, uma destinada a regular o concubinato, na forma descrita pela Lei de 1994 e

outra a união estável, consoante a Lei de 1996.48 Uma segunda corrente entende que a nova

lei dispôs inteiramente sobre matéria relativa ao concubinato e, portanto, ab-rogou a Lei

8.971/94.49 E, ainda, para a terceira corrente, houve apenas a derrogação da Lei de 1994,

sendo revogada apenas a parte que era incompatível com a Lei 9.278/96.50

Renata Raupp Gomes, acerca dessa questão leciona:

Acredita-se, pois, que a vontade do legislador ordinário não foi a de criar uma nova espécie de relacionamento legal e sim revogar as disposições da Lei no. 8.971/94, que forneciam elementos estáticos para a definição de união estável (5 anos de duração ou filhos comuns), impedindo aos julgadores qualquer exame de índole subjetiva. Conseqüentemente, há a convivência entre as referidas Leis somente naquilo em que a última não regulamentou de maneira contrária ou se omitiu em regulamentar.51

48 Cf. RODRIGUES, Silvio. Concubinato – Lei Nova. Folha de São Paulo, São Paulo, 6 de março de 1996, p. 3. 49 Cf. Corregedoria do Estado do Rio de Janeiro. Aviso n. 137/96. Enunciado I. 50 OLIVEIRA, Euclides Benedito. Nova Regulamentação da União Estável – Inovações da Lei 9.278, de 10.05.96. Tribuna da Magistratura. Caderno de Doutrina, jun. 1996, p. 21.

51 GOMES, Renata Raupp. União Estável Conforme a Lei no. 9.278/96: Questão Pessoal ou Institucional?, p. 84.

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Relativamente aos textos das Leis 8.971/94 e 9.278/96, pode-se inferir que não

houve ab-rogação da primeira, haja vista que mesmo que a Lei 9.278/96 tenha sido

promulgada com intuito de regular o disposto na Carta Magna em vigor, em seu art. 226, § 3o,

as disposições constantes na nova norma jurídica “[...] nem de longe abrangeram todos os

pontos já tratados em leis anteriores e, especificamente, na Lei 8.971/94.” 52

Seguindo a premissa maior de que a data da extinção da união é a que gera os

efeitos jurídicos decorrentes do companheirismo, todas as considerações feitas às inovações

da Lei 8.971/94 são válidas para as matérias introduzidas pela Lei 9.278/96, no que diz

respeito ao direito sucessório de habitação, à disponibilidade restrita do regime de bens e à

conversão da união estável em casamento. 53

Guilherme Calmon Nogueira da Gama aduz que em face da derrogação da Lei

8.971/94, subsiste seu artigo 2o com o disposto no art. 1o da referida lei. Na interpretação do

autor:

Não houve alteração dos requisitos previstos no art. 1o, da Lei 8.971/94, na configuração do companheirismo, para efeitos próprios e específicos previstos na própria lei, que não foram atingidos pela lei nova. Assim, por exemplo, quanto ao direito sucessório de propriedade, continua a prevalecer inteiramente o art. 1o, da lei antiga, não derrogado neste particular.54

Para fins de reconhecimento de bens adquiridos após a entrada em vigor da Lei

9.278/96, a união estável é a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma

mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família (art. 1o), desprovida de qualquer

prazo mínimo à sua configuração legal.

Dessa forma, entende-se aplicável a Lei 9.278/96 com suas inovações a todas as

uniões estáveis em curso ao tempo de sua publicação, mesmo que em vias de rompimento, em

face da derrogação da lei anterior.

52 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de Família, p. 444. 53 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O Companheirismo – Uma Espécie de Família, p. 440. 54 Ibidem, p. 444.

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Com relação ao regime de bens instituído pela Lei 9.278/96 é importante observar

que o artigo 5º abrange todas as uniões que se formaram após a sua edição. “Nesse contexto, o

regime patrimonial criado só pode ter incidência com relação aos bens adquiridos a partir de

então. Sobre o patrimônio preexistente, tem aplicação o ordenamento jurídico então vigente

(STF, Súmula 380, e, posteriormente, Lei 8.971/94).” 55

No que diz respeito à conceituação e definição da união estável, relativamente aos

alimentos, ao direito sucessório de habitação, bem como à competência para resolução dos

conflitos, aplicam-se as regras da Lei 9.278/96 às relações materiais que estavam em curso ou

que iniciaram após a promulgação da lei nova. No tocante ao usufruto e à herança,

continuaram em pleno vigor as disposições previstas no art. 2o da Lei 8.971/94. Com relação

ao regime patrimonial aplica-se a Lei 9.278/96 às relações iniciadas após sua entrada em

vigor.

Em síntese, às uniões terminadas após 10 de maio de 1996 aplica-se o disposto na

Lei 9.278/96, acrescidas as disposições que permaneceram em vigor na Lei 8.971/94 (art. 2o).

O novo Código Civil – seguindo a esteira da lei anterior – manteve a conceituação

do instituto da união estável sem lapso temporal mínimo para sua configuração. Vedou

expressamente a sua constituição no caso de existirem impedimentos matrimoniais, sendo que

a única exceção prevista é a possibilidade de constituição de união estável pela pessoa

separada apenas de fato.

O novo Diploma Civil também reconheceu direitos e deveres entre companheiros

e conferiu expressamente o regime da comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito.

Previu a possibilidade judicial de conversão da união estável em casamento, bem como

diferenciou união estável de concubinato (art. 1.727). Ainda, estipulou a possibilidade de

alimentos entre os conviventes (1.694 e seguintes) e o direito à herança em seu artigo 1.790.

55 CAHALI, Francisco José. Contrato de convivência na união estável. São Paulo: Saraiva, p. 155.

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Seguindo o raciocínio estabelecido anteriormente, às uniões estáveis em curso ao

tempo da entrada em vigor do Código Civil de 2002 aplica-se este novo diploma legal.

Assim, para o patrimônio amealhado depois da constituição da união estável

aplica-se a comunhão parcial de bens, salvo contrato escrito, conforme preceitua o artigo

1.725 do Código Civil.

Francisco José Cahali anota: “Quando da entrada em vigor da Lei de 1996, já nos

posicionamos no sentido de que, para este efeito – repercussão patrimonial da união estável -

deve ser observada a lei vigente na data da aquisição do patrimônio.” [grifos no original]. 56

No caso de haver bens adquiridos anteriormente aplica-se a lei em vigor no

momento da perfectibilização do ato – diz-se ato jurídico perfeito – eis que a “[...] a

titularidade dos bens consuma-se no momento da respectiva aquisição [...].”57

Com relação aos alimentos aplica-se o artigo 1.694 às relações em curso ou

iniciadas após o advento do Código Civil.

Em nossa opinião o artigo 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96 permanece em

pleno vigor, eis que a matéria não está tratada no Código Civil e não houve menção expressa

de revogação. O direito real de habitação continua garantido ao companheiro sobrevivente.58

6 Considerações Finais

A partir das mais abalizadas orientações doutrinárias e jurisprudenciais, conclui-se

que o ponto de partida para se verificar qual a legislação aplicável às uniões estáveis que se

findam é justamente o seu término, a exceção dos direitos patrimoniais em que deve ser

observada a lei vigente na data da aquisição do patrimônio.

56 CAHALI, Francisco José. Direito Intertemporal no Livro de Família. IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Afeto, Ética, Família e o novo Código Civil . Anais... Congresso Brasileiro de Direito de Família.Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 206. 57 CAHALI, Francisco José. Direito Intertemporal no Livro de Família, p. 206. 58 Nesse sentido Giselda Maria Fernandes Hironaka e Sílvio de Salvo Venosa.

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Todas as uniões findas até 04 de outubro de 1988 devem pautar-se pelas Súmulas

380 e 382 do STF, enfocando-se a questão pelo prisma principal do direito obrigacional. As

relações rompidas após a Constituição Federal de 1988 e antes da edição da Lei 8.971/94

devem ser regidas pelas Súmulas, com as alterações dispostas na Constituição Federal de

1988, ou seja, após a data de 04 de outubro de 1988 não há que se falar em indenização por

serviços prestados, e sim meação, com base na doutrina do esforço indireto.

As uniões rompidas após a edição da Lei 8.971/94 e antes da Lei 9.278/96

pautam-se pela lei de 1994, havendo, portanto, direito a alimentos, sucessão e herança,

observados os requisitos objetivos previstos em seu art. 1o.

Relativamente à união estável desfeita após o advento da Lei 9.278/96, conclui-se

que houve derrogação da Lei 8.971/94, permanecendo em vigor somente o art. 2o (herança e

usufruto) desta, com as inovações trazidas por aquela (meação, direito sucessório de habitação

e competência para resolução dos conflitos).

Ainda, com a vigência do Código Civil, verificou-se que a legislação aplicável

encontra-se codificada, estando em vigor daquelas leis apenas, em nosso sentir, o parágrafo

único do artigo 7º, da Lei 9.278/96, que concede o direito real de habitação para o

companheiro sobrevivente.

7 Referências

BRASIL (Constituição 1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível n. 70010479046. Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Acórdão de 13 de abril de 2005. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 15 jul. 2006. BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apc. Cível 42.512, de São José. Relator: Des. Pedro Manoel Abreu. Acórdão de 28 de setembro de 1995. Endereço Eletrônico: http://www.tj.sc.gov.br/ . Acesso em: 20 jul. 2006.

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