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O ensino da língua inglesa para crianças autistas: uma possibilidade real
Eixo temático: A Educação Inclusiva e os processos de ensino e aprendizagem na Educação Básica
Autora: Jéssica Azambuja Feijó (Educinter)125
Resumo: Este trabalho tem como principal objetivo mostrar que crianças autistas têm muita
capacidade de aprender. Cada um tem seu nível e seu tempo, mas é capaz. Tudo vem evoluindo, e
os estudos em relação ao desenvolvimento de crianças autistas também. Ensinar uma segunda
língua para elas pode ser uma forma de ajudá-las a se desenvolverem cada vez mais. Pensando nisso
e, dando atenção à importância da neuroplasticidade, este trabalho visa mostrar como é feito o
ensino da Língua Inglesa para crianças em escolas regulares, sugerindo adaptações para autistas,
para que eles também tenham a chance de falar outra língua. É sabido que há graus diferentes de
autismo, porém, este artigo relata, de forma geral, como seriam aulas diferenciadas. Com base em
autores renomados, são referidas quais são as dificuldades e as possibilidades para que esse tipo de
ensino seja possível. Sempre acreditando que, quando o professor acredita no seu aluno, tudo é
possível.
Palavras-chave: autismo, segunda língua, Neuroplasticidade, ensino.
INTRODUÇÃO
Ser professora de Inglês para crianças é uma tarefa muito gratificante, pois cada dia é
diferente do outro; não há rotinas. Conviver com os pequenos é aprender sempre mais,
principalmente a dar valor às pequenas coisas. Pensando nisso é que surgiu a ideia de produzir um
artigo que pudesse mostrar esse lado “criança” dos autistas. É importante parar e pensar que eles
também podem ter oportunidades, especialmente com uma nova língua.
O professor precisa ser fonte de inspiração. Pelo menos tentar ser, para que todos percebam
que têm capacidade de aprender. Tudo vem evoluindo, e os estudos em relação ao desenvolvimento
de crianças autistas também. Ensinar uma segunda língua para elas pode ser uma forma de ajudá-las
a se desenvolverem cada vez mais.
Uma das motivações para elaborar um trabalho com este assunto é o fato de que ter desafios
em sala de aula sempre faz um educador evoluir. Dessa forma, pensar em um jeito de ensinar Inglês
para uma criança com um tipo de deficiência pode ser muito compensador. Pensando nisso, este
125 E-mail: [email protected]
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trabalho tem a pretensão de mostrar como o ensino de uma segunda língua é ministrado em salas de
aula regulares, e como isso poderia ser feito com alunos autistas, levando sempre em consideração o
fato de que eles são capazes e, devido à neuroplasticidade, há muitas chances de que esse ensino
seja eficaz.
1 OBJETIVOS
1.1 Objetivo geral
Mostrar que, devido à plasticidade cerebral, é possível que crianças autistas aprendam uma
segunda língua.
1.2 Objetivos específicos
Apresentam-se a seguir os objetivos específicos:
a) analisar o método utilizado para ensinar inglês para crianças;
b) mostrar como se deve preparar um aula para crianças autistas;
c) apresentar os benefícios de ensinar uma segunda língua para autistas.
2 O ENSINO DA LÍNGUA INGLESA
O ensino de Inglês nas escolas regulares geralmente é considerado “fraco”. Isso se deve ao
pouco tempo de aula semanal e, claro, ao número de alunos em sala de aula. Fora isso, ainda há o
fato de muitos alunos acharem um conteúdo difícil e, automaticamente, criam uma barreia em seu
aprendizado. Porém, ainda há a questão de como os conteúdos são ensinados e de como o professor
conduz a aula. “Existem muitas aulas de Inglês em que são ensinados apenas pontos gramaticais
descontextualizados, que não têm nenhum propósito ou uso para a maioria dos alunos” (LANGE,
2009, p. 75, tradução nossa).126 Dessa forma, torna-se mais difícil chamar a atenção dos alunos e
126 There are many English classes in which only descontextualized Grammar points are taught.
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fazê-los compreender uma nova língua. Lange (2009, p. 77, tradução nossa)127 ainda afirma que “se
nós abrirmos um livro de inglês publicado no Brasil, nós também podemos encontrar atividades e
textos que não têm assuntos relevantes para os nossos alunos”.
Lange (2009, p. 79, tradução nossa) 128 diz que:
Quando os professores produzem seu próprio material de aula, eles não estão usando
alguma atividade de um livro que pode não ter muita relação com a realidade de seus
alunos. Produzindo seu próprio material eles deveriam pensar em um grupo específico de
alunos, suas experiências, onde e como esses alunos vivem e, depois disso, pensar nas
atividades que poderiam ajudar aqueles alunos especificamente. É muito importante que o
professor reflita sobre sua própria prática e continue estudando para melhorar sua prática
em aula, ambas estão relacionadas.
Tudo o que Lange (2009) disse faz muito sentido. Independentemente de haver livro
didático ou não, o professor precisa pensar na sua turma como única. Cada grupo de alunos age e
pensa de forma diferente, então não há como ensinar da mesma forma para todos.
Pensando nessas questões, fica o desafio de imaginar como seria elaborar aulas para alunos
autistas, tendo uma aprendizagem efetiva, se mesmo com alunos sem algum tipo de transtorno já
difícil.
É importante saber que nem todos aprendem da mesma forma e, no caso de haver um aluno
com o transtorno do espectro autista (TEA), é necessário elaborar aulas mais diferenciadas ainda,
dando uma atenção especial a este aluno, para que ele possa sentir-se incluído em sala de aula.
2.1 O ensino da língua inglesa para crianças
É muito importante, quando se ensina uma nova língua, ensinar não só as regras gramaticais
e palavras diferentes, mas principalmente mostrar, através de atividades lúdicas e dinâmicas, um
pouco da cultura de países onde se fala outro idioma (neste caso, o Inglês).
Trouche (2002, p. 81) diz que:
127 If we open a language textbook published in Brazil we may also find many activities and texts that do not address
issues that are relevant for our students. 128 When teachers produce their own class material, they are not using some activity from a textbook that may not fit the
reality of their students. In producing their own material they should think about a specific group of students, their
background, where and how these students live and, after that, think about activities that should help those particular
students. It is very important for a teacher to reflect about his/her own practice and continue studying to improve his/her
practice in class, both things are connected.
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[...] todo o professor de língua estrangeira busca os meios que permitam ao aluno a
aquisição de competência comunicativa, isto é, do conhecimento não só de regras
gramaticais, mas também de regras contextuais ou pragmáticas indispensáveis à interação
social.
Para que haja um melhor aprendizado de uma segunda língua, é sempre bom pensar na
interação entre os alunos. É importante que eles percebam, por meio da prática, como usar
determinado conteúdo. As crianças, principalmente, precisam de aulas dinâmicas, para que se
interessem pela matéria e aprendam, sem perceber, brincando.
Passel (1983, p. 36) fala sobre as diferenças na aprendizagem de uma língua estrangeira,
dizendo que “parece não haver dúvidas de que unicamente as crianças de menos de doze anos são
capazes de assimilar uma língua de forma intuitiva e puramente imitativa”. Para falar de ensino e
aprendizagem, é importante citar Vygotsky (1998), que diz que a aprendizagem ocorre por meio da
interação entre o sujeito e a sociedade que o cerca, um modificando o outro. Ele também fala que
desenvolvimento e aprendizagem são processos independentes.
Desde os primeiros dias do desenvolvimento da criança, suas atividades adquirem
significado próprio num sistema de comportamento social e sendo dirigidas a objetivos
definidos, são refratadas através do prisma do ambiente da criança. O caminho do objeto
até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana
complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas
ligações entre história individual e história social. (VYGOTSKY, 1998, p. 33).
Em relação ao ensino de línguas, de acordo com a importância da mediação, Vygotsky
(1998) aponta como objetivo da educação o processo do aprendizado e não o produto final da
aprendizagem.
Essa fala de Vygotsky pode ser considerada para qualquer idioma adicional que uma criança
possa aprender. É importante levar essa teoria em consideração para o professor saber o que é
importante quando se ensina uma criança.
Ainda falando de línguas, em geral, Rajagopalan (2003) diz que o real objetivo do ensino de
outras línguas é formar indivíduos capazes de interagir com pessoas de outras culturas. Hall (apud
SARMENTO, 2001, p. 14) afirma que a aquisição da linguagem está relacionada à noção de prática
oral. Isso faz refletir o quão importante é tentar fazer a criança interagir em sala de aula, sendo
através de jogos ou brincadeiras.
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Também é importante saber, quando se ensina uma criança, quais são suas características, de
que forma se comporta em sala de aula. Roth (apud PIRES, 2001, p. 51) diz que o professor deve
conhecer sete características para elaborar suas atividades:
1. energia: crianças precisam de movimento;
2. barulho: não se deve esperar uma aula silenciosa, no máximo pode-se controlar a altura
do barulho e permitir que as crianças sejam barulhentas de forma positiva em jogos
movimentados;
3. rapidez: crianças aprendem rápido e esquecem rápido, é preciso revisar constantemente
o que foi ensinado;
4. sentidos: crianças gostam de usar seus sentidos: além de falar, precisam ver, ouvir,
tocar, cheirar e provar.
5. imaginação: o professor deve aproveitar o fato de confundirem fantasia com realidade;
6. entusiasmo: o professor deve acompanhar o entusiasmo e a alegria das crianças para o
benefício de todos;
7. tempo: crianças são crianças, não se deve esperar demais, pois tudo acontece com o
decorrer do tempo.
Com essas informações sobre o perfil de uma criança, é possível que o professor elabore
uma aula mais atrativa, explorando o máximo do aluno, sem fazer ele perder o interesse pelo o que
está sendo ensinado.
Segundo Vale e Feunteun (1995, p. 33), o educador também precisa saber estabelecer
algumas prioridades para crianças que estão aprendendo uma nova língua pela primeira vez. São
elas:
- estimular o desenvolvimento da confiança;
- fornecer motivação para a criança aprender inglês;
- encorajar a apropriação da linguagem;
- incentivar as crianças a se comunicarem utilizando qualquer linguagem que tenham a sua
disposição (mímicas, gestos, palavra chaves, desenhos, etc.)
- mostrar as crianças que inglês é divertido;
- estabelecer uma relação de confiança com as crianças e incentivá-las a fazer o mesmo
com os seus colegas.
Em uma sala de aula, é importante que o professor estimule a criança a querer praticar,
mostrando que aprender uma nova língua não é tão difícil e, através de aulas dinâmicas, mostrar o
quanto pode ser divertido.
Davies (2006, p. 1) diz que os pais querem que os filhos aprendam inglês desde pequenos
para que tenham algumas vantagens no futuro, mas as crianças “têm dificuldade em entender
porque o inglês é tão importante no longo prazo” sendo que “para muitas crianças, o futuro é o hoje
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à noite, amanhã ou, no máximo no Natal, e não em algum ponto distante, quando terá que enfrentar
os desafios de ser adulto”.
A criança tem uma necessidade muito grande de concretizar o que está aprendendo, assim,
quando o inglês não tem motivos comunicativos, não consegue entender sua importância no futuro.
Os jogos e as brincadeiras são maneiras de concretizar o conhecimento, sendo de extrema
importância nessa faixa etária. Segundo Mayer-Borba (2007, p. 37), na visão de Vygotsky:
O brincar é uma atividade humana criadora, na qual imaginação, fantasia e realidade
interagem na produção de novas possibilidades de interpretação, de expressão e de ação
pelas crianças, assim como de novas formas de construir relações sociais com outros
sujeitos, crianças e adultos.
Todos esses cuidados e atenção que se deve ter ao preparar aulas de inglês para crianças
devem ser redobrados ao pensar em aulas para crianças com TEA. Além de todas as características
de uma criança, eles têm suas características próprias, relacionadas ao transtorno.
3 O AUTISMO
Segundo Kirst (2015, p. 6), “o autismo é um transtorno no desenvolvimento que dura por
toda a vida. Ele faz parte do espectro do autismo”. E ele explica que “a palavra ‘espectro’ é usada
porque, embora todas as pessoas com autismo tenham três principais áreas de dificuldade em
comum, sua condição vai impactá-las de maneiras muito diferentes”.
A maioria das pessoas (e, de fato, dos médicos), se questionada sobre o autismo, faz uma
imagem de uma criança profundamente incapacitada, com movimentos estereotipados,
talvez batendo com a cabeça, com uma linguagem rudimentar, quase inacessível: uma
criatura a quem o futuro não reserva muita coisa. (SACKS, 1995, p. 255).
3.1 Principais áreas de dificuldade
De acordo com Kirst (2015), há três áreas de dificuldades que são em comum em autistas,
que são chamadas, às vezes, de “tríade de dificuldades” (KIRST, 2015, p. 7). São elas:
1. Dificuldade na com comunicação social: para as pessoas com transtorno do espectro
autismo, a linguagem corporal pode parecer tão estranha quanto ouvir uma língua
estrangeira desconhecida. As pessoas com autismo têm dificuldades com a linguagem
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verbal e não verbal. Muitas compreendem a linguagem de forma muito literal e acham que
as pessoas sempre querem expressar exatamente aquilo que dizem. Algumas pessoas com
autismo talvez não falem ou tenham uma fala bastante limitada. Geralmente entendem o
que as outras pessoas lhe dizem, mas elas próprias utilizam meios alternativos de
comunicação, como linguagem de sinais ou símbolos visuais.
2. Dificuldade na interação social: as pessoas com autismo, muitas vzes, têm dificuldade
em reconhecer ou compreender as emoções e sentimentos das outras pessoas, bem como
expressar os seus próprios sentimentos e emoções, o que pode dificultar a sua inserção na
vida social.
3. Dificuldade com a imaginação social: a imaginação social nos permite compreender e
prever o comportamento das outras pessoas, entender ideias abstratas e imaginar situações
que estejam fora de nossa rotina diária imediata. Dificuldade com a imaginação social
significa que as pessoas autistas têm limitações em: compreender e interpretar
pensamentos, sentimentos e ações de outras pessoas; prever o que vai acontecer a seguir ou
o que poderia acontecer a seguir; compreender o conceito de perigo (...); participar de jogos
e atividades imaginativos (...); preparar-se para mudanças e fazer planos para o futuro; lidar
com situações novas ou desconhecidas. A dificuldade com a imaginação social não deve ser
confundida com falta de imaginação. Muitas pessoas com autismo são bastante criativas e
podem se tornar excelentes artistas, músicos ou escritores, por exemplo. (KIRST, 2015, p.
7).
Sabendo dessas áreas de dificuldade, fica um pouco mais fácil, na verdade, um pouco mais
claro o motivo das reações de determinados alunos em certas situações. Com essas informações, o
professor pode se preparar melhor, sabendo o que esperar (ou não) de um aluno autista. Dessa
forma, ele saberá que tipo de atividade o aluno poderá interagir de forma mais ou menos intensa,
fazendo-o se sentir melhor em sala de aula.
3.2 Características do autismo
As características clássicas do autismo, de acordo com Leboyer (1995), são:
a) o isolamento autístico, definido pela incapacidade acentuada de desenvolver relações
interpessoais. É caracterizado por uma falta de reação aos outros e de interesse por eles. A
criança com autismo se demonstra indiferente a tudo que vem do exterior;
b) os distúrbios da linguagem verbal e não verbal, como o atraso na aquisição da fala e o
seu uso não comunicativo. Algumas crianças não falam, e outras apresentam ecolalia
(repetição de palavras ou frases imediata ou diferida). A inversão pronominal ao falar de si
mesma na terceira pessoa e a entonação desprovida de emoção produzem uma linguagem
sem expressão e descontextualizada. A capacidade simbólica é ausente ou limitada, e as
expressões gestuais ou mímicas não apresentam valor simbólico;
c) a necessidade de imutabilidade resulta em uma resistência a mudanças e em
comportamentos fixados, repetidos e estereotipados com apego exagerado a um objeto
particular. O brincar é marcado pela repetição e rituais privados de espontaneidade e
criatividade;
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d) a idade em que os sintomas surgem é até o 30º mês, podendo a criança se desenvolver
normalmente nos dois primeiros anos. Não há uma exatidão quanto ao período em que o
autismo surge.
Kirst (2015) também relata algumas características, dizendo que:
As características do autismo variam de pessoa para pessoa. Além das três principais
áreas de dificuldade, as pessoas com autismo podem desenvolver: apego às rotinas;
sensibilidade sensorial; interesses específicos; dificuldades de aprendizagem. (KIRST,
2015, p. 11).
O autor ainda complementa, explicando cada uma:
Apego às rotinas: o mundo pode parecer um lugar muito imprevisível e confuso para as
pessoas com autismo, que, muitas vezes, preferem seguir uma rotina diária fixa para saber
exatamente o que vai acontecer a cada dia. Essa rotina pode levá-las a sempre querer
percorrer o mesmo caminho para a escola ou para o trabalho ou comer exatamente a mesma
coisa no café da manhã.
Sensibilidade sensorial: as pessoas com autismo podem ter alguma forma de sensibilidade
sensorial. Isso pode ocorrer em relação a um ou mais dos cinco sentidos – visão, audição,
olfato, tato e paladar. Quando alguém tem sensibilidade sensorial, percebe os estímulos de
modo mais intenso (hipersensibilidade) ou menos intenso (hipossensibilidade).
Interesses específicos: muitas pessoas com autismo possuem interesses específicos
intensos, o que pode acontecer a partir de uma idade bastante precoce. Estes interesses
podem mudar ao longo do tempo ou permanecer por toda a vida, abrangendo desde arte ou
música até trens e computadores.
Dificuldades de aprendizagem: as pessoas com autismo podem ter dificuldades de
aprendizagem, o que certamente afetará de alguma maneira todos os aspectos da vida,
desde estudar na escola até aprender a tomar banho ou fazer uma refeição. Tal como
acontece com o autismo, as pessoas podem ter diferentes “graus” de dificuldade de
aprendizagem; assim, algumas serão capazes de viver de forma bastante independente –
embora necessitem de certo apoio para conseguir isso – enquanto outras podem necessitar
de cuidados especializados por toda a vida.
Todas essas informações sobre as características são muito importantes para um professor.
Dessa forma, ele pode lidar um pouco melhor em determinadas situações. E até mesmo saber
quando algumas mudanças em sala de aula ou em algumas atividades podem prejudicar o
desenvolvimento de um aluno autista. É importante lembrar que tudo depende de cada um. Cada
pessoa é diferente, por si só. Tendo um tipo de transtorno, essas particularidades também existirão,
portanto, é importante estar atento e sempre disposto a auxiliar seu aluno.
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4 ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS AUTISTAS
A alfabetização é uma fase bem importante na vida das crianças. É quando elas começam a
ler e compreender o significado do que leem. Para os pais, é um momento de muito orgulho e
satisfação, ao verem seus filhos crescendo e, de certa forma, tornando-se mais independentes.
Porém, quando se pensa em crianças autistas sendo alfabetizadas, a satisfação e orgulho devem ser
maiores ainda. Cada etapa alcançada, mesmo que mais devagar, é uma grande conquista.
A alfabetização de autistas é possível, porém, é importante pensar nessas seguintes dicas
para obter um melhor resultado:
Manter o ambiente organizado, livre de outros estímulos (visuais, auditivos, olfativos,
etc).
Posicionar a criança o mais próximo possível do professor, para que ele certifique-se
constantemente que ela está atenta.
O trabalho individualizado funciona melhor. Então, fazer um reforço em casa ou na
própria escola, em paralelo ao que foi trabalhado em sala de aula pode auxiliar muito.
Utilizar materiais concretos, como alfabeto móvel (letras de EVA ou madeira, por
exemplo), que podem ser sentidos.
Sempre que possível, relacionar o aprendizado com as vivências da criança: nomes de
pessoas, rótulos do seu dia a dia, livros que goste, jogos (memória, bingo de letras ou
palavras, etc), placas na rua, receitas, são alguns exemplos.
Se a criança possuir interesse específico (como carros, dinossauros, aviões, etc), utilizá-
lo para atrair seu interesse.
Explorar as repetições, rimas e música para que a criança memorize melhor o que está
sendo aprendido.
Faça metas menores, atividades mais curtas, dê um prazo maior para que a criança
termine. Cada criança tem seu tempo, e esse tempo precisa ser respeitado.
Utilize o reforço positivo sempre que uma meta/etapa for concluída. Pode ser um
elogio, um carimbo, uma figurinha, etc.
Escola e família precisam trabalhar juntas. O professor deve estar em contato diário
com os pais, informando quais letras/sílabas/palavras estão sendo trabalhadas para que haja
uma parceria no ensino.
A mais importante das dicas: acreditar no potencial da criança. Todas são capazes de
aprender! Algumas terão mais dificuldades, podem demorar mais, mas paciência, amor e
persistência são as palavras de ordem. (PULY, 2016).129
Essas dicas, dadas por mães de crianças autistas, mostram o quanto é possível uma criança
com algum transtorno aprender. E tudo o que elas disseram, serve, também, para o ensino de inglês.
Cada criança é única. Independentemente do tipo de transtorno que tiver, é preciso ter atenção e
129 Amanda e Paula Puly são mães de crianças autistas e criaram um blog chamado “Clube Materno” para falar sobre
suas experiências, dando dicas de como lidar com autistas.
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sensibilidade para criar aulas e atividades de acordo com o que cada um consegue atingir. Todos
têm alguma dificuldade. Cabe ao professor fazer disso um motivo para não desistir e dar motivação
ao aluno, sempre.
4.1 Os desafios em ensinar inglês para autistas
As escolas, já na Educação Infantil, motivam os alunos a serem autônomos, ensinando
algumas coisas básicas, como ir ao banheiro, escovar os dentes, arrumar o material na mochila, etc.
Com esse pensamento, Nicolaides (2003, p. 180) afirma que:
Em princípio, todo o ser humano é autônomo, tanto que é capaz de aprender milhares de
tarefas ao longo de sua vida e acaba por ser capaz de fazê-las um dia sem a ajuda de outro.
Na aprendizagem de línguas não pode ser diferente; ela se dá por meio da interação social.
Freire (1996, p. 107), complementa, falando da pedagogia da autonomia:
A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre
em data marcada. É nesse sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada
em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em
experiências respeitosas à liberdade.
Essas ideias são importantes serem consideradas, pois um aluno autista não adquire essa
autonomia de forma tão natural quanto as demais crianças e, dependendo do grau, pode ser que nem
consiga isso. Portanto, um dos desafios do professor já começa nessa fase. É importante que o
professor tenha essa consciência de aquilo que aparentemente pode parecer simples, para esta
criança não será. Por isso as aulas devem ser pensadas de uma forma que se possa atingir esse
aluno, fazendo com que, dentro de suas limitações, ele consiga obter algum resultado positivo.
5 PLASTICIDADE CEREBRAL
Atualmente, a plasticidade cerebral está sendo bastante falada e citada em pesquisas. Funck
(2015) a define da seguinte forma:
A Plasticidade Cerebral é definida como alterações estruturais no cérebro, resultado de
adaptações do indivíduo e/ou estímulos repetidos. Ou seja, a plasticidade é entendida como
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um mecanismo adaptativo, que permite que o cérebro crie novas conexões entre neurônios,
assim, estabelecendo novas formas de pensar e agir.
É com essa definição e ideia em mente que é possível afirmar que autistas podem, sim,
aprender uma nova língua.
Varella (2011) diz que:
Embora, em 1920, Karl Lashley tivesse sugerido que a distribuição dos neurônios no córtex
cerebral (área que controla os movimentos) de macacos se alterava a cada semana, até a
década de 1970 o pensamento corrente era que as conexões entre os neurônios (sinapses),
formadas na infância, permaneceriam imutáveis pelo resto da vida.
Isso era o que se pensava antigamente. Hoje já se sabe que não é assim. Na verdade, é ao
contrário. A plasticidade cerebral é que define isso, pois é devido a ela que o ser humano tem a
capacidade de continuar fazendo as conexões entre os neurônios.
O doutor Varella (2011) ainda afirma:
Saber que nossos neurônios são capazes de migrar para áreas cerebrais “vazias” e que
continuam nascendo todos os dias sob a influência de fatores de crescimento,
medicamentos, atividade física e desafios intelectuais é alentador para os que temem a
perda do domínio das faculdades mentais no fim da vida, porque, como disse Machado de
Assis, “A velhice ridícula é, porventura, a mais triste e derradeira surpresa da natureza
humana”.
Devido a essa fala e a tantas pesquisas que versam sobre o assunto, atualmente, é que este
trabalho quer mostrar que a plasticidade cerebral também é útil para autistas e, portanto, a
intervenção precoce é muito importante. Quanto mais estímulos a criança receber, mais sinapses
serão feitas e, consequentemente, melhor poderá ser seu resultado.
É com este propósito que o ensino de inglês é uma possibilidade para autistas, pois, assim,
também estará recebendo novos estímulos, agora para uma nova língua, tornando esse aprendizado
possível.
Érika Andrade130 fala sobre a “poda neuronal”:
Além de a plasticidade ser maior nos primeiros anos de vida, acontece também nessa época
um fenômeno importante chamado “poda neuronal”. Tal fenômeno pode ser brevemente
descrito como um momento em que o cérebro “descarta” os neurônios que até então não se
desenvolveram ou não estavam sendo utilizados de maneira adequada. Uma das primeiras
podas neuronais ocorre na primeira infância, coincidindo, muitas vezes, com a época em
130 Érika Andrade é psicóloga e mãe de um menino autista e criou um blog para falar sobre suas experiências e partilhar
seus conhecimentos.
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que os pais relatam regressão e perda de habilidades por parte de seus filhos. Ou seja, os
pais podem relacionar a regressão a causas ambientais e ela ter causas neurológicas. De
qualquer forma, perdas de habilidades, em qualquer tempo, não podem ser desconsideradas.
Mais que lamentar por elas, os pais devem vê-las como um sinal que está ali para mostrá-
los que algo não está bem, precisa ser investigado e requer tomada de providências.
A psicóloga Érika ainda acrescenta:
Considerando todos esses fatores (podas neuronais e plasticidade cerebral), a época em que
as intervenções são iniciadas faz muita diferença: quanto mais cedo, melhor. Isso é tão
consenso entre os estudiosos da área que alguns métodos de intervenção voltados para
indivíduos com autismo possuem como público-alvo exclusivamente crianças menores de
cinco anos, pois esta seria a época em que benefícios alcançados seriam mais significativos.
Por mais que possa parecer massacrante para os pais pensar em termos de corrida contra o
tempo, isso é um fato que precisa ser encarado.
É importante estar sempre atento aos sinais que as crianças podem dar, demonstrando algum
comportamento ou desenvolvimento diferente do esperado. A criança precisa de estímulo. Portanto,
quanto mais houver interação com ela, melhor poderá ser seu desenvolvimento. Por isso, é
importante pensar que aprender uma segunda língua desde pequeno pode ser um benefício. E,
também, é possível compreender o motivo de crianças aprenderem e compreenderem melhor outro
idioma: é a fase em que mais são feitas sinapses.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando uma criança é diagnosticada com alguma deficiência, por exemplo, autismo, é quase
impossível não passar pela mente dos pais e familiares que ela será dependente deles para sempre,
de que não terá oportunidades iguais às outras pessoas. A preocupação é grande e eterna. Porém, é
preciso ter esperança e acreditar que a ciência e a educação e, hoje, mais ainda, a neurociência,
estão juntas, mostrando que muita coisa está mudando e evoluindo.
Foi pensando nisso que este artigo mostra que não é porque uma criança tem um transtorno
que ela não tem a chance de aprender coisas novas. Neste caso, em se tratando de outro idioma, foi
possível perceber que é possível. Claro que não é algo tão simples assim, até porque há vários
fatores a serem analisados e pensados, mas há possibilidade.
Ensinar Inglês para crianças sem algum tipo de transtorno já é um desafio, pois requer muito
estudo para entender os diferentes tipos de inteligência, também chamado de múltiplas
576
inteligências. Cada criança aprende de uma forma: algumas mais pelo som, outras pela escrita,
outras, ainda, pelo movimento. Enfim, são muitas as formas de aprender, portanto, devem ser
muitas as formas de ensinar. É possível, sim, que se atinja a todos os alunos, cada um no seu tempo,
desde que o professor tenha interesse e preparo para isso.
É sabido que há diferentes níveis de autismo e que cada nível tem algumas características
específicas, além das que cada criança possui. Cada um é diferente e, por isso, o professor precisa
estar em constante atualização e estudo para poder adequar suas aulas da melhor forma possível.
Não é uma tarefa fácil, até porque, para ter um resultado eficaz, é preciso que a escola e a família
estejam unidas, buscando o melhor para a criança. O apoio é fundamental.
Foi possível perceber, também, que será necessário que o professor se dedique mais, para
que, além de adaptar as atividades, também consiga fazer o aluno não se sentir excluído. São muitos
detalhes e cuidados importantes que se deve ter quanto a isso.
De forma geral, o professor também precisa ter a sensibilidade de olhar para o aluno como
uma pessoa que precisa do seu auxílio e os outros alunos também. Por isso, atividades de interação
podem ser importantes, até para os outros perceberem o que há de diferente no colega. É preciso
trabalhar a questão da diferença e respeito entre as pessoas.
Quanto ao inglês, especificamente, talvez o aluno autista não atinja o mesmo nível dos
demais. Isso é normal. O que importa é não deixá-lo desistir por causa disso. Mesmo as outras
crianças não aprendem da mesma forma, principalmente quando se trata de uma nova língua. Nem
todas evoluem no mesmo ritmo. A língua inglesa deve ser praticada em várias aulas, em vários
momentos e em ambientes diferentes.
É importante ressaltar que cada criança autista tem características específicas do transtorno,
mas também tem as suas próprias, então, cada uma desenvolve-se e evolui de forma diferente.
Consequentemente, o aprendizado também é adquirido de diferentes formas em diferentes ritmos.
Cabe ao professor perceber as facilidades e dificuldades de seu aluno para poder elaborar aulas e
atividades que possam melhorar a forma com que ele aprende.
Ainda há muita coisa a ser estudada e pesquisada nesta área. Aprender uma segunda língua
não é algo fácil. Porém, o maior objetivo deste trabalho foi mostrar que é possível. Sempre há
algum jeito, alguma técnica, algum método em que se possa adaptar uma atividade para que todos
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tenham o direito de aprender. Portanto, pode-se dizer que é uma possibilidade real que crianças
autistas aprendam inglês.
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