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O ENSINO DE ARTE NA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA DA RACIONALIZAÇÃO AOS SENTIDOS. DOS SENTIDOS À RACIONALIZAÇÃO Eloiza Amália Bergo Sestito Sonia Maria Vieira Negrão Teresa Kazuko Teruya INTRODUÇÃO A arte é uma atividade que sempre esteve presente no processo civilizatório da sociedade. No decorrer da história, verifica-se o papel fundamental que a atividade artística teve para o desenvolvimento cultural e social das mais diferentes formas de organização da vida humana. O homem tem utilizado as linguagens artísticas como forma de expressar seu entendimento e apropriação da natureza e da vida social. Diretamente ligada às relações humanas e ao processo educativo, a arte registra a presença do homem no mundo como seu principal agente de mudanças. No âmbito educacional percebe-se a presença das linguagens artísticas, desde os primeiros anos de escolarização até a idade adulta, a fim de educar os sentidos por meio da alfabetização estética para que o indivíduo se perceba inserido como agente de sua própria cultura. Essa concepção só começa a ganhar corpo nos dias de hoje, uma vez que a educação dos sentidos na história da educação recebeu várias interpretações, até chegar as formulações atuais, as quais foram ditadas pelas necessidades que se configuraram como determinantes da constituição do sistema educacional que emergia no contexto da sociedade capitalista. Neste artigo pretendemos analisar as várias acepções que fundamentam o ensino da arte no decorrer da história da escola pública no Brasil, assim optamos por fazer um recorte no tempo, tendo como referência o período da Primeira República. Nesse período consolidaram-se as lutas pela implantação da escola, pública laica e gratuita, bem como o estabelecimento de um Sistema Nacional de Ensino no país. Tomando como base a educação para todos, pretendemos analisar as seguintes questões: A quem se destinava a educação estética? Quando foi incluída nos currículos escolares? Como foi pensada a formação de professores para o ensino de arte? Quais

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O ENSINO DE ARTE NA ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA DA RACIONALIZAÇÃO AOS SENTIDOS. DOS SENTIDOS À RACIONALIZAÇÃO

Eloiza Amália Bergo Sestito Sonia Maria Vieira Negrão

Teresa Kazuko Teruya

INTRODUÇÃO

A arte é uma atividade que sempre esteve presente no processo civilizatório da

sociedade. No decorrer da história, verifica-se o papel fundamental que a atividade

artística teve para o desenvolvimento cultural e social das mais diferentes formas de

organização da vida humana. O homem tem utilizado as linguagens artísticas como

forma de expressar seu entendimento e apropriação da natureza e da vida social.

Diretamente ligada às relações humanas e ao processo educativo, a arte registra a

presença do homem no mundo como seu principal agente de mudanças. No âmbito

educacional percebe-se a presença das linguagens artísticas, desde os primeiros anos

de escolarização até a idade adulta, a fim de educar os sentidos por meio da

alfabetização estética para que o indivíduo se perceba inserido como agente de sua

própria cultura. Essa concepção só começa a ganhar corpo nos dias de hoje, uma vez

que a educação dos sentidos na história da educação recebeu várias interpretações,

até chegar as formulações atuais, as quais foram ditadas pelas necessidades que se

configuraram como determinantes da constituição do sistema educacional que emergia

no contexto da sociedade capitalista.

Neste artigo pretendemos analisar as várias acepções que fundamentam o

ensino da arte no decorrer da história da escola pública no Brasil, assim optamos por

fazer um recorte no tempo, tendo como referência o período da Primeira República.

Nesse período consolidaram-se as lutas pela implantação da escola, pública laica e

gratuita, bem como o estabelecimento de um Sistema Nacional de Ensino no país.

Tomando como base a educação para todos, pretendemos analisar as seguintes

questões: A quem se destinava a educação estética? Quando foi incluída nos currículos

escolares? Como foi pensada a formação de professores para o ensino de arte? Quais

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foram às mudanças significativas que ocorreram no ensino de arte no período da

Primeira República? Partindo de uma concepção histórico-crítica para analisar as

transformações materiais que ditaram as concepções estéticas e educacionais de cada

época, buscamos obter uma síntese do legado dessas visões de ensino das linguagens

artísticas no início do século XX ao ensino da arte nos dias de hoje.

Com base em uma pesquisa bibliográfica a respeito do tema, analisamos as

tendências teórico – metodológicas que permeou essa trajetória e a herança da cultura

artística que ainda podemos visualizar no contexto atual. Assim, estabelecemos uma

divisão em três tópicos de análise: No primeiro tópico, levantamos um panorama das

idéias de modelos educacionais que circulavam no contexto europeu as quais

influenciaram diretamente as primeiras idéias de elaboração do Sistema Educacional

Nacional, bem como o modelo de ensino de arte que existia nesse contexto. No

segundo tópico, buscamos descrever as idéias que circulavam em âmbito nacional e as

primeiras iniciativas que efetivaram a organização do sistema educacional no Brasil,

como também qual era o ideário de educação estética que prevalecia no país durante a

Primeira República. No terceiro tópico, realizamos uma análise dos métodos que

começaram a se configurar no contexto da escola pública, em especial o método

intuitivo, e qual o papel da linguagem artística nesse projeto de formação educacional.

Para concluir, apontamos sinteticamente a influência desse período na organização no

ensino da arte nos dias de hoje.

1. CENÁRIO MUNDIAL DA ORIGEM DAS IDÉIAS DE INSTRUÇÃO PÚBLICA Com as transformações sociais e políticas em meados do século XIX e início do

século XX, surgiram as primeiras iniciativas de democratização do ensino, que se

consolidou nos países desenvolvidos, especialmente na França, Alemanha, Inglaterra e

Estados Unidos da América, em decorrência da reorganização da produção industrial

capitalista. É importante salientar que as idéias difundidas nesses países influenciaram

as concepções de educação no Brasil, configurando um novo cenário nacional, com

base no modelo liberal de organização social e econômica para o desenvolvimento da

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produção capitalista, que se firmava como um modelo a ser seguido em âmbito

mundial.

Portanto, as tendências históricas detectadas naquelas nações, na condição de conclusões teóricas extraídas da interpretação, são fundamentais para o entendimento das formas de realização da escola pública em países e regiões menos avançados, na medida em que o modo de produção capitalista integrou o mercado mundial e plasmou as relações sociais no universo, à imagem e semelhança do capital. (ALVES, 2001, p.21)

No final do século XVIII, os recursos produzidos pelo capital retornavam sempre

para as atividades produtivas. De acordo com Alves (2001), em uma análise na

perspectiva do processo de produção das forças materiais foram nulos ou escassos os

volumes de capital deslocados para atividades improdutivas, entre elas a educação.

Tais serviços prestados pelo Estado só apareceriam mais tarde na fase monopolista do

capitalismo. Era uma tendência entre os países mais organizados e desenvolvidos no

processo de industrialização e também nos países menos desenvolvidos. Nesse

período emergia a necessidade da educação escolar com a finalidade de formar uma

identidade nacional, para contribuir com o progresso da nação pelo desenvolvimento da

produção industrial e da expansão do comércio, acentuando o crescimento das cidades

e o aumento da demanda por qualificação de mão de obra.

O ideário de escola para todos nasce, segundo Alves (2001), a partir de três

vertentes: a vertente revolucionária francesa, a vertente econômica clássica e a

vertente religiosa identificada com a Reforma Protestante.

Com relação à primeira vertente, Alves (2001) analisa a educação escolar

proposta no pensamento revolucionário com base iluminista. Ressalta que os projetos

de instrução pública, apresentados na França ao final do século XVIII foram inspirados

nas idéias expostas por Rousseau, Diderot e La Chalotais e Condorcet. Todas as

iniciativas e projetos de instrução pública encaminhados à Assembléia Constituinte, à

Assembléia Legislativa e à Convenção Nacional da França desse período, buscavam

legitimar os princípios de uma escola pública, universal, laica obrigatória e gratuita. No

entanto, não havia condições materiais para que fosse possível sua efetivação. O autor

ainda afirma que a leitura dessas fontes revela que as concepções de escola cultivadas

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em nosso tempo foram influenciadas pela vertente francesa do pensamento burguês.

Tal concepção de formação visava a educação do cidadão para promover a igualdade

formal pela via da educação escolar para todos, a fim de assegurar os princípios da

democracia. Durante o processo revolucionário francês, com a deposição de

Robespierre e a vitória da burguesia industrial, essa bandeira luta pela instrução pública

do povo seria esquecida por um tempo.

Na vertente da instrução pública na economia clássica, articulada nos moldes da

economia política, Alves (2001) destaca as idéias de Adam Smith na Inglaterra, o qual

chegou a defender uma educação como um meio corretivo para atender as

necessidades e lidar com as desigualdades sociais. A educação das pessoas deveria

incutir o espírito de coragem da gente comum para defender a Pátria. Além disso,

educação escolar ensinaria os filhos dos trabalhadores a ler, escrever e contar para

adquirir uma habilitação antes de se inserirem no mundo do trabalho. No entanto, os

serviços escolares não poderiam ser gratuitos para não comprometer a produção social

da riqueza nacional. Essa forma de pensar provocou muitas indignações por parte dos

educadores, mas Alves argumenta que é preciso historicizar a economia política e

entender as idéias de Adam Smith como uma elaboração teórica que respondeu a

necessidade do contexto histórico do século XVIII.

Quanto a terceira vertente sobre a instrução pública na Reforma Protestante,

destaca as idéias de “Comenius na origem da escola moderna” (ALVES, 2001, p.81).

Comênio (1966), em sua obra “Didáctica Magna: tratado da arte universal de ensinar

tudo a todos”, concebeu a escola como um espaço a ser organizado para economizar

tempo. Para promover a instrução, preconizou o manual didático para que todos

pudessem ser instruídos e propôs um conteúdo simplificado. A arte de ensinar exigia

um método baseado na divisão do trabalho e na apropriação da técnica da manufatura.

Segundo a análise de Alves (2001), a escola para Comenius deveria ser uma oficina de

homens e como fundamento de sua organização deveria ter como parâmetro as artes,

mas a arte, nessa época, era ofício medieval ou artesanato, portanto, obsoleto para

aquele momento em que surgia a manufatura, por isso a escola deveria ser equiparada

à manufatura. Para por em funcionamento uma escola para todos, Comênio

identificava dois impedimentos: a necessidade da formação de professores e os

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elevados custos das escolas que comprometiam a expansão escolar, por isso havia

necessidade de baratear o ensino. Para diminuir os custos da escola pública a solução

seria a utilização de manuais didáticos.

Outro aspecto da influência da Reforma na instrução pública até o século XIX, foi

a necessidade de alfabetizar o povo para a prática religiosa com leitura diária dos textos

sagrados da Bíblia, já que até então não se tinha acesso a estes. O indivíduo

alfabetizado seria responsável por sua própria fé, tornando obrigatório aos pais, a

responsabilidade pelo ensino de leitura dos filhos, porém as dificuldades decorrentes do

processo de produção, muitos pais negligenciavam essa obrigação. Posteriormente,

essa responsabilidade foi deslocada da família para a comunidade e a necessidade da

criação de uma escola pública veio à tona para sanar essa deficiência. Surgem as

iniciativas das igrejas e classes colaboradoras para efetivarem esse trabalho. O ensino

mútuo idealizado por Lancaster, foi o método difundido para se efetivar o processo

educativo. Tal método consistia no ensino por meio de monitoria, ou seja, os alunos já

letrados ensinavam os que estavam em níveis inferiores de aprendizagem.

Alves (2001) salienta a importância do ensino mútuo em dois aspectos: o fato de

seu emprego representar a primeira tentativa de se efetivar a universalização da

educação e o fato dessa técnica ter um caráter transitório, uma vez que emergiu da

necessidade de sanar uma demanda por serviços escolares em uma época carente de

instrução. Assim, a educação pública idealizada no seio da sociedade capitalista em

construção, com o passar do tempo, deixa de ser vista como uma arma contra o

pensamento medieval e passa a ser um aceno à igualdade econômica e social.

Segundo Leonel (1994), após a Revolução Francesa, já no início século XIX, o

espírito contra-revolucionário domina a classe burguesa em oposição à massa

trabalhadora (operariado). Nesse contexto, o homem liberal vive a contradição de ser

ao mesmo tempo egoísta e cidadão político, de atender ao interesse individual e ao

interesse coletivo. O conceito de ciência é engendrado em meio a essa contradição:

servir aos interesses individuais de produtividade ou aos interesses políticos com o

objetivo de sanar as desigualdades. São dois modelos de formação que surgem no

âmago dessas questões em meados do século XIX. Um deles é o modelo francês que

vai priorizar a formação do cidadão, para garantir a instalação da República, da

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democracia e do sentimento de patriotismo que ajudará a consolidar a identidade

nacional. Na França, a discussão da instrução pública tinha um peso político.

Rousseau (1999), em sua obra Emílio, distingue o homem natural do homem

social. No primeiro estado, o homem encontra-se próximo ao estado puro ou das forças

da natureza, que se manifesta na criança. O segundo estado, está ligado aos valores

provenientes da sociedade, os quais moldam o indivíduo para torná-lo cidadão, ou seja,

apto à vida social. E, assim, só poderá ser desnaturalizado pela educação, processo

que tem a finalidade de direcionar o indivíduo por meio da moral e evitar os vícios da

civilização. Dessa forma, é a educação que vai transformar o indivíduo natural em um

indivíduo político ou o cidadão. Segundo a análise de Leonel (1994), foi grande a

influência que a escola francesa humanista e sua literatura exerceram sobre os demais

países, principalmente sobre as novas repúblicas, dentre as quais o Brasil.

O segundo modelo de formação encontra-se nas bases do pensamento de

Locke, que concebe uma educação para todos que garanta o progresso da nação. Não

admite uma educação pela educação, defende uma educação utilitarista, para o

trabalho. Nesse período a burguesia que deseja restaurar e estabelecer o poder deve

lutar pela Unidade Nacional e, para isso, precisa formar uma geração de eleitores que

corroborem com a formação de um estado que vai defender a pátria, bem como os

interesses da burguesia. Nos paises em pleno processo de industrialização e

desenvolvimento das forças produtivas, a prioridade da escola será o desenvolvimento

do capitalismo.

Leonel (1994) conclui que nas bases do pensamento liberal encontra-se a

dualidade contraditória do homem moderno, o homem que se volta para o seu interesse

individual e o cidadão voltado aos interesses sociais. Para a autora, os modelos

educacionais que se fundamentam nessa dualidade são personificados na educação do

fidalgo de que Locke caracteriza pela educação do homem de negócios e a educação

do cidadão ou do homem político em Rousseau. A autora conclui ainda que, o que

essas idéias tem em comum é a concepção do indivíduo que vê na sociedade a

garantia de sua existência, e assim vê na educação o meio de passar do estado natural

(individual) para o estado social, desenvolvendo a natureza física de cada indivíduo e

substitui sua natureza moral individual por uma natureza moral social.

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Partindo dessa premissa, a educação voltada para todos deve ter presente essa

dualidade contraditória e isso não ocorre num processo linear e progressivo, mas em

um processo de continuidade e descontinuidade, fundamentando-se ora na matéria ora

na idéia, ou seja, defendendo os interesses individuais frente aos gerais, ou vice versa.

Nesse contexto o significado da arte também se modifica . O que antes era visto como

uma atividade coletiva, a qual de certa forma proporcionava e garantia a unidade do

grupo, passa a ser vista de maneira individual e a servir os interesses particulares de

classes.

2.1 O SIGNIFICADO DA ARTE NESTE NOVO CENÁRIO

A arte tem se caracterizado como forma de expressão humana desde os tempos

mais remotos. Fischer (1979, p.45) destaca que nos “alvores da humanidade a arte era

um instrumento mágico, uma arma da coletividade humana em sua luta pela

sobrevivência”. Até o período medieval a arte era uma produção coletiva, que

possibilitava aos indivíduos uma elevação acima da natureza. À medida que as

relações sociais vão se fragmentando na divisão do trabalho e com a propriedade

privada, o equilíbrio entre homem e natureza vai sendo cada vez mais abalado. Fischer

explica que,

A invasão do mundo feudal conservador pelo dinheiro e pelo comércio teve efeito de desumanizar as relações sociais e desagregar ainda mais a estrutura da sociedade. O “Eu” que só dependia de si mesmo e só consigo mesmo devia contar passou a ocupar o primeiro plano da vida.

Porém, em referencia a essa dualidade individual e o coletivo o autor destaca

que trabalho artístico traz em si a capacidade de unificar o eu singular ao coletivo,

recriando uma nova realidade, ao que conclui,

“Em todo o autêntico trabalho de arte, a divisão da realidade humana em individual e coletiva, em singular e universal, é interrompida; porém é mantida como fator a ser incorporado em uma unidade recriada”.

Mediante a essa dualidade e às mudanças nas concepções de homem e mundo,

que caracterizavam o período histórico de nossa análise, a função da arte também se

modifica. Até o século XVI a arte ocidental ou européia estava ligada a uma atividade

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intelectual e cultural. Sempre orientados por cânones ou padrões estéticos, segundo

Wilson (2005,p.81) os artistas deveriam

[...] possuir um amplo conhecimento dos temas da arte, das iconografias, dos assuntos e dos temas dos símbolos e alegorias da arte. Estes são os recursos intelectuais que receberiam forma artística O resultado deveria ser estético, artístico – cultural – um ideal artístico que persistiria até a metade do século XIX.

Com o advento do modernismo, compreendido de forma política desde o séc XV, essa idéia se modificou, buscava-se a pureza de inspiração como a da criança,

considerava-se que uma criança não era menos artista que um artista com formação

intelectual em arte. Wilson (2005, p.87) afirma que “as imagens das crianças realmente

pareciam possuir muito do frescor e da espontaneidade que os artistas estavam

buscando em sua própria arte”. O ensino da arte nesse sentido ganha um novo

enfoque, embora ainda realizada nos ateliês, e fora do contexto democrático da

educação em questão, esse novo estilo ou maneira de entender a atividade artística vai

influenciar também na maneira de instruir os novos artistas.

Entretanto, a maior influência na escola, tanto da inclusão das linguagens

artísticas como conteúdo de formação quanto da nova forma de pensar a infância foi de

Rousseau, ao enfatizar a importância dos sentidos na educação infantil. Antes de

Rousseau, a criança era considerada um pequeno adulto, foi ele um dos primeiros a

considerar que a criança apreende o mundo em primeira instância por meio dos

sentidos. Ou seja, a primeira leitura a ser proporcionada à criança deve ser a leitura do

mundo, a qual deverá ser feita pelos sentidos.

Como tudo o que entra no entendimento humano vem pelos sentidos, a primeira razão do homem é a razão sensitiva; é ela que serve de base para a razão intelectual: nossos primeiros mestres de filosofia são nossos pés, nossas mãos, nossos olhos. Substituir tudo isso por livros não é ensinar a raciocinar, é nos ensinar a nos servir da razão alheia; é nos ensinar a crer muito e nunca saber nada. (ROUSSEAU, 1999, p. 141)

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Nessa afirmação, Rousseau considera a educação dos sentidos essencial para

que a criança aprenda de forma contextualizada e concebe a educação como um

processo de apropriação e formação. Em sua visão, o homem não nasce pronto, mas

se constrói e essa construção não lhe deveria ser imposta. Identificamos aqui uma clara

oposição ao racionalismo que imperava no século XVIII.

Essa nova idéia de educação infantil abriu caminhos para inserção dos

elementos fundamentais das linguagens artísticas no processo de alfabetização infantil.

A arte entrou na escola como um meio e não como um fim. Entretanto, o artista também

estava mudando sua visão sobre a criação artística e a nova perspectiva no mundo da

arte propiciava as primeiras discussões sobre a importância do ensino da arte na

formação do indivíduo. Tal relevância, porém, não será entendida de imediato, pois

como o próprio processo de implantação da escola pública, a arte terá vários

significados no processo de ensino, de acordo com as tendências pedagógicas de um

determinado período histórico, ora ensinada em uma perspectiva tecnicista para

adestramento da mão de obra ora enfatizada como espontaneidade.

Porém tudo isso deve ser entendido dentro do processo de universalização do

ensino, o que para Alves (2001), tal processo não se fez de imediato, ou seja, a simples

idéia da criação de um Sistema Nacional de Ensino não significa sua concretização,

esta só seria possível mediante condições concretas amadurecidas. O desenvolvimento

da tecnologia e as transformações nas relações de trabalho determinariam a

necessidade da criação de uma escola única e não mais dualista como a anterior, a

qual separava a educação do dirigente e do trabalhador, além de definir também a

clientela escolar. Por isso, trataremos, em seguida, as idéias que circularam no

pensamento educacional brasileiro e as primeiras iniciativas de implementação do

sistema de educação em âmbito nacional e a educação estética durante a Primeira

República.

2. A EDUCAÇÃO NA PRIMEIRA REPÚBLICA DO BRASIL. O Sistema Nacional de Educação começou a ser idealizado já no início do

período republicano, porém as primeiras idéias não se concretizaram por causa das

condições materiais da época e às necessidades constituídas no bojo dessa realidade.

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Ao se instalar o regime republicano no Brasil, as condições econômicas e

políticas regionais eram heterogêneas, de modo que as transformações ocorreram de

forma lenta e desigual. As oligarquias que se configuravam nas bases econômicas e

políticas das regiões se diferenciavam em sua forma, no Nordeste prevalecia o

latifúndio e o patriarcado e em São Paulo, a agricultura mercantil, as quais constituíam

as classes dominantes do país. No início da República, poucas eram as províncias que

se encontravam em situação econômica favorável, como era o caso de São Paulo,

Minas Gerais e o Rio de Janeiro. No âmbito social, o processo de urbanização

proveniente do fortalecimento da economia agrário exportadora, se configurava em uma

crescente diferenciação entre negros e brancos, imigrantes e novos profissionais que

surgiam nas áreas urbanas, como profissionais liberais e as mais variadas formas de

trabalho assalariado.

Essa época foi marcada pelas Exposições Internacionais que ocorreram de 1851

até 1920. Nessas exposições, os países apresentavam todos os seus produtos de

indústria, comércio, arte e cultura. Esses eventos proporcionavam a circulação de

idéias,conhecimentos e conceitos, pois era uma forma de conhecer o que cada nação

estava produzindo, se constituindo também, em uma forma pela qual os intelectuais

tomavam conhecimento do que estava acontecendo no mundo.

O ano de 1870 foi marcado pelo acirramento das discussões em torno da

abolição da escravatura, da Proclamação da República e também da educação escolar.

Nos congressos agrícolas, iniciavam-se os debates em torno da substituição do

trabalho escravo pelo trabalho livre. Ao mesmo tempo, ocorriam experiências, por meio

de iniciativas não estatais, para o ensino de ofícios como as Colônias Orfanológicas,

por exemplo, em locais onde agregavam ex-escravos e ensinavam os primeiros ofícios.

Em contrapartida, a fragilidade da identidade nacional era proeminente. A vinda

dos imigrantes era uma das principais preocupações entre os intelectuais e os

dirigentes. A preparação massificante de mão de obra considerada desqualificada para

o novo modelo de produção que surgia, juntamente com a necessidade de se criar uma

Identidade Nacional, ameaçada pelo contingente de estrangeiros localizados em

regiões distantes, em virtude da grande extensão territorial do país, resultaram nas

primeiras iniciativas de criação da escola primária e da organização do Sistema

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Nacional de Ensino. Assim, em 1894, foi criado o primeiro Grupo Escolar em São Paulo

com o objetivo de oferecer a escolarização primária.

A escola pública primária do final do século XIX tinha as seguintes adjetivações:

laica, gratuita, estatal e obrigatória, destinada a toda população. Neste momento,

iniciava-se o debate em torno da educação e, especialmente, da educação escolar,

pois, a partir daí, haveria uma disseminação da instituição escolar e,

conseqüentemente, desencadearia uma série de debates e discussões em torno da

organização institucional, método didático, formação de professores, espaço físico,

entre outros.

Saviani (2006) descreve o processo gradual de organização da educação que

ocorreu no século XIX, o qual passou do método individual para o ensino mútuo e deste

para o simultâneo e finalmente para o método intuitivo. O aumento da demanda escolar

culminou na necessidade de se construir locais específicos para realização das

atividades de ensino. Dessa exigência resultou na construção de grupos escolares e.

sob a responsabilidade financeira do Estado, foram construídos prédios específicos

para o funcionamento de escolas.

A organização do ensino de arte no Brasil surgiu em primeiro lugar em nível

superior, sendo concretizado com a criação da Academia de Belas Artes com a vinda

dos artistas da Missão Francesa, trazida por Dom João VI, no início século XIX somente

muito tempo depois é que se começou a pensar em inserir a arte no ensino primário.

3.1 O ENSINO DA ARTE NO BRASIL

Segundo estudos realizados por Barbosa (1984), a preocupação com o ensino

de arte no Brasil teve início com o primeiro surto de industrialização no final do século

XIX. Antes disso, as atividades ligadas à arte eram consideradas essencialmente

femininas destinadas às moças de boa criação, com o objetivo de conseguir realizar um

bom casamento dentro de uma sociedade aristocrática, na qual as mulheres se

ocupavam do ócio elegante.

Barbosa (2002) explica ainda que o preconceito formado em torno do ensino da

arte está diretamente ligado as circunstanciais que levaram a criação da Academia

Imperial de Belas Artes no início do século XIX, e a vinda da Missão Francesa para o

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Brasil. Os artistas que aqui chegaram, estavam diretamente ligados à figura de

Napoleão, o qual nessa época já vinha recebendo críticas acirradas pela imprensa

local. “Portanto, a oposição política foi uma das influências na configuração do

preconceito contra o ensino de arte no Brasil” (BARBOSA, 2002, p.18).

Outro preconceito de ordem estética estaria ligado a vinda de artistas franceses,

afirma ainda Barbosa (2001), devido ao fato de que tais artistas traziam para o Brasil o

estilo neoclássico em voga na Europa e aqui iriam se deparar com o estilo barroco,

consagrado como uma arte genuinamente brasileira e ligada ao povo. O estilo

neoclássico que na Europa estava ligado às tendências revolucionárias chegou ao

Brasil como um estilo ligado ao adorno da aristocracia. O que resultou em uma

elitização da arte. A arte como adorno e luxo. Outro aspecto é a forte influência dos

jesuítas na educação que separavam o fazer manual do trabalho intelectual, o que

levava a uma desvalorização das artes plásticas e uma valorização da literatura.

O final do século XIX foi marcado por profundas mudanças no plano político e

social, alterando as formas de relação de trabalho com a abolição da escravatura e a

necessidade de preparar esse contingente de pessoas para o trabalho industrial,

urbano e assalariado.

Na perspectiva de preparação para o trabalho, as propostas de ensino de arte no

Brasil foram influenciadas pelo ideário norte americano, especialmente, as idéias de

Walter Smith, diretor de arte-educação em Massachusetts, por sua identificação com a

formação profissional, que enfatizava o ensino de desenho. Segundo Barbosa (1984,

p.13), Abílio César Pereira Borges, “foi o responsável pela implantação dos métodos de

Walter Smith, que se tornaram a base para o ensino de desenho na escola primária e

secundária no Brasil por quase trinta anos”. Esses métodos só vieram a ser contestado

depois da Semana de Arte Moderna de 1922. Esta visão modernista da arte exerceu um efeito profundo sobre arte – educação. As crianças nascem num estado alegremente ingênuo, e quando elas se dirigem para arte, é responsabilidade do professor cuidar para que elas não se contaminem pelas influencias de arte do passado. Nas escolas, a arte deveria ser um alimento natural, não instrução. (WILSON, 2005, p.90)

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A influência do liberalismo americano e do positivismo francês permeou a criação

das leis educacionais após a Proclamação da Republica. A inclusão do desenho

geométrico no currículo escolar tinha o objetivo de desenvolver a racionalidade e,

juntamente com a cópia, foram os elementos da linguagem artística que permaneceram

na educação das crianças entre 1890 e 1920. Após essa data, o ensino de arte passou

a ter uma nova finalidade que era desenvolver o impulso criativo. Esse princípio

desenvolveu-se primeiramente nos Estados Unidos, com a influência da Escola Nova e

depois ganhou força também no Brasil.

Na avaliação de Barbosa (2001, p.34), “[...] nada mais natural para os brasileiros

que vencer o preconceito contra o ensino da arte, reduzindo-o ao ensino do desenho e

procurando valorizá-lo pela sua equivalência funcional com o escrever”. No primeiro

momento, o ensino de desenho fora adotado no ensino primário e secundário e também

na formação de professores. Era pautado na valorização do resultado e dirigido de

forma autoritária, centrada sempre na autoridade absoluta do professor.

Os estudos desenvolvidos a partir do método intuitivo, já estavam presentes nas

concepções educacionais européias e norte-americanas, o qual era balizado nas

propostas de desenvolvimento dos sentidos, mas ainda não havia uma proposta para

fundamentar do ensino da arte. Somente após o movimento modernista, o ensino de

arte passou por mudanças significativas em suas acepções.

3. O MÉTODO INTUITIVO.

As discussões em torno da consolidação do ensino público, gratuito e laico,

tiveram em grande repercussão a partir da segunda metade do século XIX, como

explica Souza (2006 p.69):

[...] tratados, congressos e debates sobre a melhor forma de confinar crianças para melhor educá-las mobilizaram educadores, médicos, higienistas, arquitetos e intelectuais europeus e norte-americanos. Os Pareceres de Rui Barbosa trazem inúmeros exemplos detalhados sobre discussões em torno da organização física, material e pedagógica da escola primária.

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No entanto, salientamos que entre os debates que mobilizaram a comunidade

acadêmica e a implementação efetiva do sistema escolar, havia uma grande distância

imposta pelas dificuldades materiais e políticas, fatores contundentes que acabavam

por frear o ritmo dessas mudanças. Nesse movimento, quais seriam as regiões

priorizadas para construções de salas de aulas e estabelecer os grupos escolares? Os

centros urbanos e os estados mais desenvolvidos ditavam as regras para os demais

estados nesse processo de construção da escola pública, como foi o caso do estado de

São Paulo.

O Método intuitivo ou lições de coisas se constituiu no método mais apropriado

para educação das classes populares, o qual se generalizou num cenário mundial.

Sabemos hoje que a dimensão da arte é determinante para consolidação da cultura de

um povo, mas naquele momento não se pensava no ensino de arte por essa

perspectiva de formação. A arte tinha uma conotação aristocrática. Era ensinada nos

ateliês e a formação profissional na Academia de Belas Artes. O modelo de ensino era

individualizado, numa relação de mestre e discípulo que se arrastava desde a Idade

Média. Como pensar o ensino de arte para uma sala que agora freqüenta até quarenta

alunos de uma vez? Esta não é uma questão que se restringe somente à arte, mas é

um desafio atual para todas as áreas do conhecimento. Por isso os debates sobre

prédios, mobiliários, horários de funcionamento e outros quesitos, começavam a se

configurar como uma cultura escolar nacional mantida intacta até os dias de hoje.

Mais especificamente no que diz respeito à arte, a urgência era de uma

educação que priorizasse a agilidade das mãos para o trabalho e que moldasse as

mentes para o espírito de nacionalidade, para formação de eleitores e para a

constituição do cidadão.

Schelbauer (1998) faz uma analise a partir do verbete intuição e método intuitivo do Dicionário de Pedagogia e Instrução Primária organizado por Buisson no

início da década de 1880, que entende a intuição como um meio de conhecimento

natural do ser humano. Dentro da intuição, a intuição dos sentidos é o mais comum e

simples entre todos, e assim deve ser o meio pelo qual a educação se iniciará. Ou seja,

os sentidos equiparam as condições iniciais de aprendizagens e coloca a todos em

condições de igualdade. Destarte o método intuitivo consistia na forma de se aprender

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tudo por meio da experiência sensitiva. A observação e a experimentação seriam a

garantia de uma efetiva compreensão e não da memorização. Valdemarin (2006, p. 90)

afirma que “[...] o método intuitivo é entendido por seus propositores europeus como um

instrumento pedagógico capaz de reverter a ineficiência do ensino escolar.” Essa

ineficiência seria fruto de uma educação pautada na memorização que resultava em

uma repetição de conceitos sem compreensão.

O movimento de renovação pedagógica reuniu argumentos para interferir contra

o caráter abstrato e pouco utilitário da instrução, propondo novos métodos e novos

materiais, que possibilitaria ampliar a percepção e as experiências empíricas como

mediação da aprendizagem. Essas inovações foram divulgadas em vários países por

meio de exposições universais realizadas em cidades como: “Londres (1862), Paris

(1867), Viena (1873), Filadélfia (1876)” (Valdemarin, 2006a, p.91).

Entre os materiais e exercícios propostos por esse método estão as caixas para

ensino de cores, formas, gravuras, coleções e objetos variados de madeira, aros linhas,

papéis e figuras geométricas. Valdemarin (2006a, p.98) afirma que o fundamento do

método idealizado por Froebel e Pestalozzi está na

[...] proposição de que a aprendizagem tem seu início nos sentidos que operam sobre os dados do mundo para conhecê-lo e transformá-lo pelo trabalho e que a linguagem é a expressão desse conhecimento. No processo de elaboração e reelaboração do conhecimento, vai evidenciando-se a necessidade de introduzir as ciências naturais e o desenho como conteúdos escolares essenciais, a preocupação com a educação corporal, instrumento de conhecimento e de trabalho, as séries lógicas de exercícios que permitem a progressão e o direcionamento da aprendizagem disciplinada. Desses princípios e da introdução de novos conteúdos decorre a necessidade de criação de novos materiais didáticos, a utilização do canto e da ginástica concebidos como meios de efetivá-los.

Podemos notar que a utilização do desenho como um meio de sintetizar o

conhecimento, era um recurso utilizado com o objetivo de verificar a aprendizagem,

além de ser direcionado a aplicações industriais e também artísticas, ou seja,

destinava-se tanto a ornamentação quanto à construção de objetos. E ainda o desenho

no início da educação infantil consistia “numa preparação para a diversidade de suas

aplicações a serem posteriormente desenvolvidas, possibilitando ao mesmo tempo

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educar o olho e a mão” (Valdemarin, 2006a, p.95). A educação do olho era para

desenvolver a percepção e o adestramento da mão como um eficaz instrumento de

trabalho.

O exercício do desenho e da interpretação de formas no método intuitivo

destinava-se a desenvolver as competências de abstração e de generalização, de

combinação e de idealização integrando formas geométricas às artísticas. Justifica-se a

cópia, uma vez que nem tudo era inventado e que muitas das realizações humanas

partiram da cópia, destarte era fundamental que a criança aprendesse a copiar bem. O

trabalho do artista consistia em criar a partir do que já existe. Era transformar, era ser

criador, era trabalhar.

Outro fator que contribuiu para configuração do significado das aulas de arte

daquele período os quais se estenderam até hoje, era a questão da formação de

professores. O método tornava-se o manual no exercício de ensinar.

O método sintetiza todos os elementos próprios da tarefa educativa, uma vez que os procedimentos didáticos e os passos metódicos para a sua prática são traduções da teoria do conhecimento, aplicadas a uma faixa etária, desenvolvida sobre um conteúdo sancionado socialmente e concretizadas nos objetos didáticos. (VALDEMARIN, 2006b, p.176)

O professor deveria ter uma boa formação com sólida base de conhecimentos

gerais e deveria também observar atentamente a prática e a regência dos professores

mais velhos e experientes. As maiores dificuldades, segundo Valdemarin (2006a), eram

as reais condições materiais das várias realidades singulares para a efetivação das

generalizações do método intuitivo, instituídas em forma de decretos e leis

educacionais da época, como exemplo o Decreto n. 7.247, de 1879 de Leôncio de

Carvalho que prescrevia o método intuitivo como o método a ser utilizado na educação

elementar. Outras dificuldades para aplicação desse método eram causadas pela falta

de material didático e ausência de formação de professores.

Barbosa (1985) relata que no Brasil o desenho geométrico e a cópia estiveram

sempre presentes na educação escolar de nossas crianças, o qual permaneceu até os

dias de hoje, enquanto nos Estados Unidos de 1890 a 1920, os novos métodos de

ensino de arte foram propostos, na Lei Federal de 1899 (EUA), que apontava como

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principal finalidade da arte na Educação, o desenvolvimento do impulso criativo. Nesse

momento, naquele país, os estudos da Psicologia começaram a enfatizar a relação

entre o processo cognitivo e o afetivo. Essa tendência abriu caminho para as teorias de

John Dewey, as quais tiveram grande influência no Brasil por meio de Anísio Teixeira,

Fernando Azevedo e Lourenço Filho. Esses educadores buscavam inovações nos

sistemas de ensino, que precisavam responder às necessidades de uma sociedade

democrática, apoiadas no discurso do desenvolvimento científico e tecnológico para

garantir o progresso da nação. Tal inovação e modernização deveriam sanar os

problemas emergentes naquela época, como o analfabetismo, ampliar o tempo de

escolaridade, preparar professores, favorecimento da teoria em detrimento da prática

nas escolas normais. A proposta pedagógica de Dewey, segundo Valdemarin (2006b),

valoriza a experiência e a pesquisa no laboratório para levar o aluno a reflexão, porém

o conhecimento não teria mais como ponto de partida o conhecimento dos objetos, mas

o uso dos sentidos na solução de problemas. O professor estaria agora em condições

de igualdade com o aluno, e não mais como aquele que detém o conhecimento ou o

método. Valdemarin (2006b, p. 197) comparou o método intuitivo em vigor no início do

século XX e as concepções de Dewey que vigoraram também nesse século e concluiu

que houve uma inflexão na função docente: não seria mais o professor o único

responsável pela aprendizagem do aluno, e nem o detentor absoluto do método de

ensino. O ambiente, a escola, a comunidade e o próprio aluno são determinantes nesse

processo. E explica, [...] na medida em que deter conhecimentos sobre o processo metódico de provocar aprendizagem no aluno coloca o professor como agente responsável por esse processo de modo mais seguro – a garantia do método –, ao passo que deter conhecimentos sobre o processo cognitivo e sobre o meio no qual se insere a instituição escolar coloca-o na posição indiferenciada de participante desse mesmo meio sem garantias de qual elemento determina a aprendizagem.

Outra análise realizada por Valdemarin (2006b) aponta para os pré-requisitos

que são determinantes para a efetivação da concepção pedagógica de Dewey, na qual

se fundamenta no modelo de democracia da sociedade norte-americana, não apenas

no aspecto político, mas uma forma de vida em que os problemas comuns da

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comunidade tenham soluções apontadas pelo conhecimento que possibilitem uma ação

nesse contexto social. Entretanto, a sociedade brasileira nesse período, convivia com

uma acentuada desigualdade de condições de vida e também de acesso às

experiências culturais. Uma aprendizagem que tome como ponto de partida um sistema

doutrinário pautado no conceito de experiência em uma sociedade carente de

experiências culturais significativas seria cair em um mecanismo reducionista e

simplista das proposições originais formulados há cem anos.

A partir de 1920, com a Reforma de Sampaio Dória e depois reforçado pela

Escola Nova, começou um movimento no Brasil para a inclusão do ensino da arte na

escola primária como atividade integrativa, a qual tinha a função de expressar o que se

tinha aprendido nas outras aulas, como geografia ou história. Porém como observa

Barbosa (1985, p.44), os métodos não se modificaram “prevalecendo a cópia do

material visual usado como motivação”.

CONSIDERAÇÕES

É possível verificar que o desenho, o qual é uma das linguagens da arte, é

amplamente usado pelo método intuitivo, com a finalidade de adestrar para o trabalho.

O trabalho artístico quando é realizado com conhecimento de seus códigos busca

apreender o real e recriá-lo, resultando em uma reflexão crítica desse real, porém sem

essa contextualização acaba por esvaziar o seu sentido e se torna mera repetição

mecânica. Foi nesse sentido que linguagem da arte começou a ser inserida na vida

escolar de nossas crianças.

A influência do Modernismo que se materializou na Semana de Arte Moderna e

provocou a primeira grande renovação metodológica no ensino de arte, o interesse

pelas teorias expressionistas e a teoria psicanalítica de Freud, além da valorização da

expressão artística de comunidades primitivas, levou a uma valorização da Arte Infantil.

A função da educação estética naquele momento confrontava-se com a própria

natureza da arte que se constitui em um meio de análise crítica da realidade. Dessa

forma, propõe e provoca mudanças. Ao considerar a arte apenas pelo aspecto

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espontaneista e sensitivo esvazia a arte de seu conteúdo histórico, e não viabiliza o

esclarecimento e a visão crítica da realidade.

O método intuitivo foi um avanço na educação escolar que apontou para a

possibilidade de uma educação democrática na qual o aluno passou a ser o foco no

processo ensino aprendizagem. No entanto, não o levou a realizar uma análise crítica

das ações humanas e das relações do homem, com a natureza e com a sociedade,

inseridos em um processo histórico. Os elementos fundamentais dos códigos de

linguagens artísticas eram trabalhados como forma de adequar e conformar o indivíduo

à ordem social estabelecida pela classe dominante, sem que se conhecesse seus

fundamentos e a suas diferentes manifestações.

A arte era vista como adorno e dispensável na vida das pessoas, embora seus

elementos de linguagem fossem difundidos como instrumentos de aprendizagem. No

caso do desenho, não foi o professor artista responsável pelo ensino de arte naquele

momento e sim, o estudante das escolas normais, que associavam a arte à

aprendizagem e à psicologia. Sua formação era descontextualizada dos elementos da

história da arte e de seus fundamentos. Ou seja, disseminou-se a idéia de que “a arte

não deve ser ensinada, mas expressada” (Barbosa, 1985, p.45).

Finalmente podemos concluir que o ensino da arte quando exercido pelos

artistas até o século XVIII ocorria de forma individual e restrita somente aos

interessados como atividade intelectual, vista assim especialmente depois do

Renascimento. Com o desenvolvimento tecnológico, a atividade artística passou ser

vista como uma categoria do trabalho manual para executar tarefas ou criar objetos. Daí

surgiu a necessidade de qualificar o trabalhador para essa tarefa, exigindo a criação de

locais específicos para a educação desse indivíduo, o qual teria um ensino pautado nos

sentidos e no desenvolvimento da percepção. Ou seja, no momento em que a escola se

abre para os sentidos e para percepção que são dois princípios fundamentais da

criação e do trabalho artístico, tais preceitos se transformam em instrumentos de

treinamento e adestramento das habilidades para o trabalho manual, esvaziando seu

conteúdo, deixa de ser intelectual para ser mecânico. Quando a expressão passou a

permear o fazer artístico, o intelectual foi negado e em seu lugar privilegiou-se a livre

expressão e, assim, transformou a atividade artística desenvolvida na escola em

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atividade de lazer sem fundamento, ou com a função utilitarista de qualificação para o

trabalho. As conseqüências disso estão ainda hoje nas escolas.

No entanto, o movimento para um ensino da arte como uma categoria do conhecimento

humano, em uma perspectiva histórica, voltado para a valorização da cultura, ganhou

espaço e culminou com a aprovação da Lei 9394/96 que determinou a obrigatoriedade

do ensino de arte em todas as séries da Educação Básica no Brasil. Sabemos que as

determinações legais, na maioria das vezes, expressam o desejo e o movimento de

uma categoria da sociedade, mas não garante sua efetiva realização, porque depende

de condições materiais e de situações específicas de cada realidade. Assim tem

ocorrido com ensino de arte, ainda é precário o número de cursos destinados à

formação de professores nessa área. O que é pior, a disciplina de arte é ministrada por

leigos e, na maioria das vezes, tratada como lazer sem nenhuma fundamentação

teórico-metodológica.

Com a universalização da escola pública ou escola para todos, o processo

educativo tem se caracterizado por buscar soluções teóricas e metodológicas que

permitam unificar o ensino e viabilizar uma aprendizagem em massa. Porém,

verificamos que as diferenças culturais, regionais e individuais, podem ser muito ricas

no diálogo da convivência escolar por meio dos elementos estéticos, para a formação

da subjetividade e do conhecimento do aluno enquanto agente de sua própria história.

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