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1 doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03028 O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO A PARTIR DA LEITURA DOS CLÁSSICOS DA FILOSOFIA LEAL, Djaci Pereira (UEM/SEED-PR- GTSEAM) 1. Introdução O titulo deste texto solicita-nos alguns esclarecimentos. Entre eles, consideramos necessário definirmos o que pensamos ser o clássico. Para isso, recorremos a Calvino, em seu Por que ler os clássicos, no qual além de apresentar alguns clássicos, orienta-nos o que seria o clássico. Uma primeira observação de Calvino que destacamos é a de que O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência (CALVINO, 2005, p. 12). A observação do autor é muito pertinente pelo fato de nos remeter a outras autoridades, bem como a exigência de cautela para não se auto intitular o autor de uma ideia, que, às vezes, apenas revisitamos com o direito de nos apropriarmos, desde que saibamos a quem de fato pertence e a referenciarmos. Também isto nos alerta para o fato de que os autores não surgem ao acaso, mas se formam a partir da apropriação daqueles que o antecederam e por contribuírem para o entendimento das questões pertinentes ao seu tempo. Mas para isso, torna-se imprescindível o alerta de Calvino, pois não se lê o clássico pelo clássico, já que "o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-lo com a leitura de atualidades numa sábia dosagem" (CALVINO, 2005, p. 14). Sendo assim, ao lermos o clássico, o lemos com o "nervosismo impaciente", expressão de Calvino, pertinente às questões e debates de nossa época. Nesse encontro

O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO A PARTIR DA … · Também isto nos alerta para o fato de que os autores não surgem ao acaso, mas se formam a partir da apropriação daqueles

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doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.03028

O ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO A PARTIR DA

LEITURA DOS CLÁSSICOS DA FILOSOFIA

LEAL, Djaci Pereira (UEM/SEED-PR- GTSEAM)

1. Introdução

O titulo deste texto solicita-nos alguns esclarecimentos. Entre eles, consideramos

necessário definirmos o que pensamos ser o clássico. Para isso, recorremos a Calvino, em

seu Por que ler os clássicos, no qual além de apresentar alguns clássicos, orienta-nos o que

seria o clássico.

Uma primeira observação de Calvino que destacamos é a de que

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência (CALVINO, 2005, p. 12).

A observação do autor é muito pertinente pelo fato de nos remeter a outras

autoridades, bem como a exigência de cautela para não se auto intitular o autor de uma

ideia, que, às vezes, apenas revisitamos com o direito de nos apropriarmos, desde que

saibamos a quem de fato pertence e a referenciarmos.

Também isto nos alerta para o fato de que os autores não surgem ao acaso, mas se

formam a partir da apropriação daqueles que o antecederam e por contribuírem para o

entendimento das questões pertinentes ao seu tempo. Mas para isso, torna-se

imprescindível o alerta de Calvino, pois não se lê o clássico pelo clássico, já que "o

rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-lo com a

leitura de atualidades numa sábia dosagem" (CALVINO, 2005, p. 14).

Sendo assim, ao lermos o clássico, o lemos com o "nervosismo impaciente",

expressão de Calvino, pertinente às questões e debates de nossa época. Nesse encontro

2

com o clássico nos fazemos, na medida em que nosso tempo não é uma invenção nossa

apenas, mas de certa forma, fruto da contribuição de outras épocas e de outros autores.

Este trabalho tem um caráter didático-pedagógico uma vez que temos a

preocupação de referenciar nossa prática educativa, já que como professor de filosofia do

Ensino Médio, sempre nos fazemos a pergunta a respeito de quais autores devemos

ensinar, ou sugerir leitura aos nossos alunos. Como educadores, não podemos nos omitir

desse papel de selecionadores, pois somos nós, professores e adultos a referência educativa

para nossos jovens e crianças.

Isto é imprescindível pois,

[...] a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola (CALVINO, 2005, p. 13).

Sabendo que não formamos nossos jovens para a escola, mas para a vida em

sociedade, o alerta de Calvino nos serve como metodologia, pois será na escola que os

jovens terão a oportunidade dos primeiros contatos com os clássicos, o que mais tarde lhes

garantirá as escolhas que porventura queiram ou precisem fazer.

Pensando a respeito do ensino de filosofia podemos afirmar que ou nós

professores de filosofia apresentamos nossos alunos aos autores clássicos da filosofia, ou

ninguém mais poderá fazê-lo. Não no sentido que nossos alunos não possam conhecê-los

mais tarde, mas no sentido de que nesse momento educativo - de formação do Ensino

Médio - somente nós poderemos fazê-lo.

Como nos aponta Calvino, não teremos condições de apresentar todos os clássicos

da filosofia a nossos alunos, mas na medida em que o fizermos abriremos as portas para

que os alunos possam, por si mesmos, adentrarem ao mundo dos clássicos e escolher

aqueles que terão como referência.

Assim, nosso trabalho tem como objetivo debater a necessidade da leitura dos

clássicos para o ensino de filosofia, na perspectiva da exigência do contato com os textos e

autores nas aulas de filosofia, além dos comentadores, para que os alunos apreendam a

filosofia, não como algo que debate problemas de hoje, mas problemas humanos. Por isso,

a contribuição de autores de outras épocas torna-se importante para o entendimento de

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nossa época, uma vez que, pelo fato de os problemas serem humanos dizem respeito ao ser

humano de forma atemporal, ou seja, nos dizem respeito mesmo que façamos as ressalvas

necessárias dos autores e épocas estudadas.

A dúvida que nos advém nesse momento diz respeito a como efetivarmos essa

questão. Caso estejamos convencidos da necessidade da leitura dos autores, os clássicos,

resta-nos a questão: Como fazer?

Pensamos que Vieira Neto, nos orienta de maneira oportuna e pertinente quando

afirma que:

A análise de texto procura provar para o leitor que o trecho preciso de texto diz alguma coisa, mostrando as razões para isso no próprio texto em questão, assim como, no momento de uma compra, o vendedor e o comprador conferem o troco para ter certeza de que cada um recebeu o que lhe era devido. Portanto, numa análise: 1) é indispensável apresentar razões para ler o texto da forma proposta; 2) estas razões têm que ser tiradas do texto em questão; 3) de pouco ou nada adianta tomar as razões da análise de outro lugar (VIEIRA NETO, 2007, p. 14. Grifos do autor).

Sendo assim, não basta ao professor de filosofia apresentar o clássico para leitura

para atingir seu objetivo. Para que seu trabalho seja de fato realizado a contento, o

professor precisa justificar a escolha tendo em vista que tal justificativa fundamenta-se no

próprio texto apresentado, caso contrário, estará fadado ao insucesso em sua tentativa de

leitura e trabalho com os clássicos.

Nesse sentido, os passos apresentados por Vieira Neto apontam um caminho

possível para o trabalho com o texto de filosofia com alunos do Ensino Médio.

Não estamos supondo que seja um caminho fácil, mas necessário e possível ao

professor, desde que atenda algumas exigências metodológicas propostas nas DCE -

Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Filosofia ao pressuporem a leitura de textos

filosóficos.

A partir do conteúdo em discussão, a problematização ocorre quando professor e estudantes levantam questões, identificam problemas e investigam o conteúdo. É importante ressaltar que os recursos escolhidos para tal mobilização − filme, música, texto e outros − podem ser retomados a qualquer momento do processo de aprendizagem. Ao problematizar, o professor convida o estudante a analisar o problema, o qual se faz por meio da investigação, que pode ser o primeiro passo para possibilitar a experiência filosófica. É imprescindível recorrer à história da Filosofia e aos textos clássicos dos filósofos, pois neles o estudante se defronta com o pensamento filosófico, com diferentes

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maneiras de enfrentar o problema e, com as possíveis soluções já elaboradas, as quais orientam e dão qualidade à discussão (SEED, 2009, p. 60).

Como nos alerta as DCE de Filosofia, o texto clássico deve ser inserido em um

momento específico da aula de filosofia, após a problematização e o levantamento de

questões e problemas a serem investigados. Destacamos que esse momento da

problematização é comum acontecer nas aulas de filosofia. O levantamento de problemas

ocorre e gera debate entre os alunos. No entanto, para que ocorra de fato um debate

filosófico o professor precisará recorrer aos textos clássicos dos filósofos para verificar e

demonstrar como tais problemas foram tratados por outros autores em outra épocas.

Ao fazer isso, a leitura do clássico instrumentalizará o professor e seus alunos

para que possam formular e debater os problemas anteriormente elencados de forma

filosófica.

"Trata-se de garantir que o ensino de filosofia não perca algumas características

essenciais da disciplina, como por exemplo, a capacidade de dialogar de forma crítica e

mesmo provocativa com o presente" (SEED, 2009, p. 42), ou seja, não se trata de uma

busca do clássico pelo clássico. Assim como não basta debater problemas filosóficos sem o

contato com a filosofia e seus autores para que haja aprendizagem de filosofia. Teremos às

vezes uma aula dinâmica com participação de nossos alunos, mas sem a garantia da

especificidade da filosofia, que ocorrerá de fato a partir do confronto dos problemas

elencados com a história da filosofia e os textos clássicos dos filósofos.

Para este trabalho escolhemos o autor Voltaire (1694-1778), por se tratar de um

representante significativo do Século XVIII, bem como pelo fato de não ser contemplado

corriqueiramente como um dos filósofos a serem trabalhados no Ensino Médio.

Contamos a nosso favor o fato de o autor ter sido inserido na Antologia de Textos

Filosóficos,1 disponibilizada a todas as escolas públicas do Estado do Paraná, bem como a

todos os professores de filosofia da rede estadual.

A Antologia apresenta um estudo introdutório do professor Rodrigo Brandão, da

UFPR, e quatro textos de Voltaire, por ele traduzidos, especialmente para a Antologia.

Escolhemos dois dos quatro textos: Mulheres sujeitai-vos a vossos maridos (p.

702-706) e Ideias Republicanas (p. 711-715). A partir dos quais debateremos as seguintes

1 Disponível em: www.diaadiaeducacao.pr.gov.br.

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temáticas: - Separação dos Poderes; - Liberdade de Pensamento e Educação para a

liberdade.

Além dos dois textos da Antologia, selecionamos Da virtude e do vício, Capítulo

IX, do Tratado de Metafísica. 2 Utilizaremos este texto para trabalharmos a diferenciação

entre ética e moral.

Como já afirmamos anteriormente, Voltaire não é um filósofo tradicionalmente

trabalhado no Ensino Médio, por isso, iniciaremos nossa apresentação com uma breve

apresentação do autor e o período histórico, a saber o Século XVIII. Para isso,

consideraremos o texto introdutório do professor Rodrigo Brandão, na Antologia e obras

de comentadores na sistematização dessa primeira parte de nosso trabalho.

2 - Voltaire: os desafios da filosofia no século das luzes

O Século XVIII, também denominado Século das Luzes, possui certa

complexidade devido as questões propostas pelos autores e contexto político, sobretudo na

França, pátria de Voltaire.

Para quase todos os ‘filósofos’, a natureza, criada e dirigida por Deus, leva os homens a viver em sociedade. A razão humana deve descobrir as leis naturais que regem as sociedades, para lhes obedecer. Existe um direito natural, constituído por leis naturais. O homem tem de traduzir êste (sic) direito natural em leis positivas. Existe também uma moral natural, conforme às leis naturais. O homem deve traduzir esta moral em princípios e reuni-los num catecismo natural (MOUSNIER & LABROUSSE, 1968, p. 85-86).

A questão comum aos autores do século XVIII, insere-se na necessidade da razão

como princípio norteador para todos os atos humanos. Assim, ao pressuporem como

natural aos homens viverem em sociedade, o grande desafio está no uso da razão como

guia e mestra na descoberta de princípios e das leis que regem as sociedades.

Insistem na busca de um direito natural e moral natural. Para esse debate os

autores recorreram à história, que ocupa lugar de destaque em suas obras, uma vez que a

2 VOLTAIRE, 1973.

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história possibilitará destacar o importante papel da razão humana para o entendimento das

sociedades humanas. 3

Segundo Menezes (2002, p. 365-366) a preocupação histórica moderna centra-se

no fato de entender que o homem tem um fim a ser atingido. Por isso, que diferentemente

de Bossuet (1627-1704), Voltaire e os iluministas entendem que acreditar na Providência é

renunciar a capacidade de razão inerente ao próprio homem.

A importância do Ensaio sobre os costumes, de 1756, demonstra-nos o destaque

que a História ocupa na obra de Voltaire, sobretudo pela preocupação que tem em

desmistificá-la, para que assim pudesse realizar sua tarefa imprescindível, a saber, a

educação dos homens.

Na verdade, a grande tentativa dos autores do século XVIII era desmistificar a história fabulosa, ou seja, diferenciar o tempo histórico e as fábulas, as quais, segundo os autores, ainda impregnavam a história. Para Voltaire, a história desempenha um papel educativo, pois apresenta aos homens que a sociedade foi o resultado de suas ações. Somente o conhecimento do passado lhes daria consciência do que é preciso conservar ou do que é necessário transformar (LEAL, 2008, p. 14).

A história servirá como instrumento educativo para Voltaire demonstar que as

sociedades humanas são fruto de opções realizadas pelos próprios homens e não de

desígnios providenciais. Por isso, para entendermos nossa época precisamos da história

para que assim possamos constatar como a sociedade foi estruturada.

Porém, ao fazer sua análise da história, Voltaire destacou a necessidade de educar

os homens para que possam agir de acordo com a razão, que lhes possibilita entender e

escolher e não apenas obedecer e seguir ordens de outrem4.

3 Nesse sentido, esclarece-nos OLIVEIRA & MENDES (2010, p. 15-16), ao afirmarem que: "Durante o século XVIII, principalmente na sua segunda metade, os franceses haviam dividido em duas categorias as suas instituições: as naturais e as artificiais. Consideravam as instituições de origem feudal como instituições artificiais, fruto da força e do erro e contra elas lutavam. Por outro lado, desejavam estabelecer instituições que estivessem adequadas a uma suposta natureza humana, existente desde sempre. Estas instituições seriam as instituições de natureza burguesa. Esta era a maneira como os intelectuais franceses do século XVIII, os iluministas, compreendiam sua época. Assim, o processo de transformação da sociedade, de feudal para capitalista, era concebido como um processo de substituição de instituições artificiais por instituições naturais". 4 "A história é para Voltaire a somatória dos feitos humanos permeados de momentos de barbárie e de luzes, que independe de qualquer força transcendente ou destino previamente estabelecido. Por isso, os homens precisariam ser educados não mais para seguir e obedecer determinadas regras e dogmas, mas, sim, para o uso da razão, para a criação das novas regras necessárias ao desenvolvimento de suas vidas, regras essas que lhes garantissem a liberdade e a igualdade de condições para a realização das funções para as quais se sentissem preparados" (LEAL, 2008, p. 38-39).

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Isto fez com que Voltaire conquistasse a importância, como autor, para o

entendimento do século XVIII, pois como destaca Brandão:

[...] o que é certo é que Voltaire conquistou uma importância em seu tempo e se tornou, algumas vezes com resultados desastrosos, um ícone da cultura francesa. Não nos cabe aqui falar da imagem póstuma de Voltaire, que sem dúvida deve muito às apropriações circunstanciais e muito parciais do autor desde aquela feita pela Revolução Francesa, a partir de 1789, até aquelas realizadas no século XIX e XX por todo o espectro político. Quanto ao lugar de Voltaire em seu próprio tempo, cabe dizer que ele foi considerado o pai da república das letras, ou seja, o grande autor que conquistara respeito na poesia, no teatro, como historiador e que travara um embate direto com as questões filosóficas que o grande século XVII legara ao século das Luzes (BRANDÃO, 2009, p. 695).

Como nos alerta Brandão, temos várias imagens de Voltaire. Por isso, para

estudarmos Voltaire com nossos alunos, precisamos estar atentos para um esclarecimento

da importância do autor e de sua obra para o século XVIII e de como os autores são

aclamados ou rejeitados por seu tempo ou por épocas posteriores.

O que precisamos esclarecer é que não estudamos um autor para confirmar uma

imagem de aclamação ou de desaprovação, mas sim com a preocupação de entender

porque sua contribuição é imprescindível ao entendimento de sua época, pois foi isto que o

tornou um clássico.

Por se tratar de um autor francês, é importante destacarmos que, segundo os

comentadores de Voltaire, será no exílio na Inglaterra que nosso autor se tornará o filósofo

que tanto contribuiu para debater as questões de sua época.

O exílio na Inglaterra marca o início da carreira filosófica do autor, não só porque Voltaire começou então a estudar os filósofos, principalmente os ingleses John Locke (1632-1704) e Isaac Newton (1643-1727), mas porque as obras que Voltaire publicou nos anos seguintes estavam todas sob o signo da filosofia inglesa e eram a defesa dela contra as filosofias de sistema do século XVII. Voltaire publicou nos anos que se seguiram à sua volta do exílio duas importantes obras: as Cartas Inglesas (1734) ou as Cartas Filosóficas e os Elementos da Filosofia de Newton (1738-1741). Além destas duas obras, Voltaire redige outro texto central para a compreensão de seu pensamento, o Tratado de Metafísica, que circulou entre poucos amigos e só foi publicado depois da morte do autor (BRANDÃO, 2009, p. 695).

No exílio, Voltaire encontrou-se com a filosofia inlgesa e pode a partir do

confronto com a filosofia francesa, bem como da situação sócio-política inglesa, debater a

8

situação francesa e apresentar algumas teses que nos possibilitam entender o século XVIII

e sua importância para a compreensão de nossos dias.

Por que escolhemos Voltaire, uma vez que sabemos da existência de diversos

outros autores, também destacados para o estudo e compreensão do século XVIII? A

peculiaridade da contribuição voltariana está no panorama que realizou de sua época, uma

vez que

A relação entre questões teóricas e questões práticas é muito rica no pensamento de Voltaire, cuja filosofia não se constitui num sistema propriamente dito. Voltaire foi, na verdade, crítico quanto às pretensões de grandes sistemas e em certa medida cético quanto à solução de muitas das questões filosóficas. Contudo, os problemas tradicionais da filosofia – mesmo os metafísicos como o da conciliação entre liberdade e destino, o da providência e o do mal – permanecem no horizonte de preocupações do autor. Dos mais diversos temas Voltaire fazia uma arma contra o que chamava de a infame: a superstição, o poder religioso, os abusos e as injustiças do poder (BRANDÃO, 2009, p. 697-698).

Voltaire é um autor atento ao seu tempo e às questões pertinentes à sua época.

Não se apresenta como filósofo de sistema, mas como alguém que se posiciona

criticamente diante da realidade que se apresenta e com a coragem de denunciar suas

contradições, jogos de interesses e relações de poder. Como nos destaca Brandão, seu foco

é a luta contra tudo aquilo que diminui o ser humano, sobretudo em sua capacidade de

razão e de liberdade de pensamento.

Na seqüência, deter-nos-emos em algumas questões filosóficas apresentadas por

Voltaire, tendo como referência alguns de seus textos.

3. Mulheres sujeitai-vos a vossos maridos - a necessidade e o direito de pensar por si mesmo.

Voltaire nos apresenta uma mulher, esposa do marechal de Grancey, em um

diálogo com o abade de Châteauneuf, a comentar suas leituras e sua indignação com o

trecho da epístola aos Efésios (5,22-25).5

Segundo Voltaire, a marechala, como é denominada ao longo da narrativa, após

uma vida de esposa e desatenta a leitura, "quando se viu naquela idade em que se diz que

5 “Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos, como ao Senhor; porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja... de sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a seus maridos”.

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as belas mulheres com espírito passam de um trono ao outro [do trono da beleza ao trono

da sabedoria]6, ela desejou ler" (VOLTAIRE, 2009, p. 703).

Assim, a leitura é apresentada pelo autor como instrumento imprescindível para o

pensamento e a reflexão, pois somente após a leitura que a marechala realiza de alguns

autores, tais como, Racine (1639-1699), Montaigne (1533-1592), Plutarco (46/49-125)

ficará indignada com a ideia de sujeição apresentada pela epistola aos Efésios.

Voltaire aproveita para traçar uma crítica à educação das mulheres, que tinham

como objetivo, segundo ele, torná-las pessoas dependentes e obedientes, ao afirmar: " ela

não foi criada em um convento por imbecis que nos ensinam o que se deve ignorar, e que

nos mantêm ignorantes sobre aquilo que se deve aprender" (VOLTAIRE, 2009, p. 705).

Após discordar de algumas leituras, a marechala demonstra capacidade de pensar

por si mesma e contestar certos ensinamentos que para a época e, principalmente, para as

mulheres eram impostos.

Segundo Voltaire, "sua coragem iguala seus conhecimentos" (2009, p. 705), ou

seja, o pensar por si mesmo é possível a partir de leituras e educação que tenha como foco

não apenas a obediência e a submissão, mas o pensar e refletir necessários e próprios de

todo ser humano.

O pensar por si mesmo pressupõe um processo educacional, porém

[...] a educação para Voltaire é algo que se dá no exercício diário das atividades que o homem realiza mediante a observação e diálogo com o diferente. É a educação o que possibilita-lhe perceber-se e perceber a própria sociedade, ou seja, a reflexão e consciência de si mesmo. Não se trata aqui da educação que tenha um local determinado, como por exemplo a escola, mas sim a educação como o que ocorre e perpassa as relações sociais (LEAL, 2007, p. 3)

A preocupação de Voltaire aparece ao tratar da capacidade de critica da

marechala, quando nos demonstra que a sociedade educa a partir de concepções e

princípios que se dão em todos os espaços sociais e não apenas nos lugares educacionais

específicos, como no caso das escolas, já que, segundo o autor: “O governo, a religião, a

educação produzem tudo entre os infelizes mortais que rastejam, sofrem e raciocinam neste

globo” (VOLTAIRE, 2001, p. 82).

6 Nota do tradutor.

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"Voltaire pressupõe que, para os homens se desenvolverem realmente, precisam

ser educados para o uso da razão, para terem consciência, por si mesmos, dos seus próprios

atos" (LEAL, 2008, p. 84). Porém o processo educativo se dá pela sociedade a partir de

diversas instituições, ou seja, do governo, da religião e da própria educação.

4. Ideias republicanas - a quem devemos obedecer?

Voltaire apresenta o despotismo como responsabilidade da sociedade, "porque ela

não teve nem a coragem nem habilidade para se governar a si mesma" (VOLTAIRE, 2009,

p. 711).

Porém, ao tratar do despotismo aproveita para demonstrar sua preocupação com o

poder exercido pela religião cristã, denominando tal despotismo como o mais funesto. Ao

criticar a influência do poder da religião cristã, Voltaire deixa-nos transparecer como a

Igreja, em sua época, ao assumir o papel de governo tornou-se uma instituição tirânica, já

que "uma assembléia eclesiástica que pusesse de joelhos um cidadão perante ela

desempenharia o papel de um mestre escola que corrige crianças, ou de um tirano que pune

escravos" (VOLTAIRE, 2009, p. 712).7

Para Voltaire, não pode haver governo civil e eclesiástico, já que pressupõe a

separação dos poderes de forma que o poder eclesiástico esteja sob a tutela do poder civil,

pois segundo nosso autor "seria insultar a razão e as leis pronunciar as palavras governo

civil e eclesiástico. É preciso dizer governo civil e regras eclesiásticas; e todas essas regras

devem ser feitas pelo poder civil" (VOLTAIRE, 2009, p. 712).

Sendo que "o governo civil é a vontade de todos executada por um só ou por

muitos, em virtude das leis que todos sustentam" (VOLTAIRE, 2009, p. 712). Voltaire

pressupõe o limite do poder do soberano à vontade de todos, ou seja, o soberano detém o

poder que, de certa forma, lhe é outorgado pela soberania da sociedade.

[...] Se para Voltaire existe alguma forma de domínio político legítimo, ela não deve encontrar seu fundamento em princípios exteriores ao homem. O direito divino dos reis ou de qualquer outro ser é aceito em diversas sociedades em função de crenças introjetadas artificialmente nas mentes dos súditos (MIRANDA, 2003, fls. 33-34).

7 Nesse sentido, que também argumenta ao afirmar: “Querem que nossa nação seja poderosa e pacífica? Que a lei do Estado comande a religião” (VOLTAIRE, 2000, p. 188).

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Os governos humanos são frutos e resultados das ações e escolhas dos homens.

Por isso, inadmissível a aceitação de poderes externos para explicar e/ou justificarem as

ações governamentais, bem como o domínio político. As leis têm para Voltaire um

acentuado grau de importância, uma vez que, são elas que tornam o poder político

legítimo. Sendo assim, cabe aos homens atentarem para as leis que já possuem.

Voltaire afirma que as leis devem ser interpretadas por todos em caso de dúvidas e

que as mesmas mudam como mudam os tempos. Preocupa-se em destacar o caráter

histórico das leis e portanto, seu caráter passageiro.

"Para Voltaire, as instituições são humanas e fruto das relações humanas,

portanto, da história. Por isso, precisamos aprender com a história e entender como se

forjaram as crenças que nos parecem naturais" (LEAL, 2008, p. 57). O questionamento de

diversas leis francesas tornou-se possível, sobretudo ao desnaturalizá-las e desvendar o seu

caráter histórico.

Assim, Voltaire pode demonstrar que na França do século XVIII, várias leis eram

questionáveis, sobretudo os privilégios da nobreza, que mesmo que o fossem legítimos em

outros momentos históricos eram abusivos à sociedade francesa do XVIII 8. Isto fica

evidenciado ao afirmar que "A lei que permite prender um cidadão sem informação prévia

e sem formalidade jurídica será tolerável em tempos de perturbação e de guerra; ela será

iníqua e tirânica em tempos de paz" (VOLTAIRE, 2009, p. 713).

Voltaire recusa qualquer fundamento sagrado para o domínio político e procura explicá-lo a partir das relações que os homens estabelecem entre si. No contexto do século XVIII, essa ainda era uma tese polêmica, pois contestava alguns dos pressupostos que haviam justificado as monarquias européias até aquele momento. Durante o processo de formação dos grandes Estados europeus, o poder monárquico legitimou-se atribuindo um caráter místico e sagrado à figura do rei (MIRANDA, 2003, fls. 30-31).

Ao contestar o caráter sagrado do poder político, Voltaire tem a preocupação de

apresentar as leis e as relações sociais como resultados de escolhas humanas, que se dão

necessariamente devido ao caráter racional dos homens e não resultado da Providência

8 "[...] se tantos eclesiásticos regeram Estados de estrutura militar, não somente porque os reis se fiassem mais facilmente num prelado, que não receavam, do que num general que temiam; era ainda porque os homens da Igreja, sempre mais instruídos, mostravam-se mais aptos para os negócios públicos do que os generais e os cortesãos" (VOLTAIRE, 1958, p. 141).

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divina. Assim fica demonstrado como as leis são fruto de momentos específicos da

sociedade e, como tal, precisam ser entendidas, respeitadas e seguidas.

Porém, Voltaire não assume o papel de defender um sistema, uma teoria política 9,

uma vez que segundo ele "é preciso desconfiar de todas as regras gerais, que não existem a

não ser sob a pluma dos autores"(VOLTAIRE, 2009, p. 712). Com isso, podemos concluir

que as leis precisam ser analisadas e entendidas, pois ao mesmo tempo que servem para

ordenar e garantir a liberdade dos homens, poderão servir também para oprimi-los e

impedir o desenvolvimento da razão, do livre pensamento, bem como o desenvolvimento

da sociedade.

5. Da virtude e do vício - como devo agir? Que vida eu quero viver?

No Tratado de Metafísica, Capítulo IX, Voltaire discute o que vem a ser a virtude

e o vício. Ao fazê-lo, oferece-nos elementos para que possamos diferenciar os conceitos de

moral e ética.

Afirmamos isso, já que Voltaire procura demonstrar que a virtude e o vício não

existem em si, mas são constructos das sociedades humanas, as quais tão bem exemplifica

ao apresentar situações similares com interpretações completamente contrárias entre as

sociedades.

Num país quente, onde o vinho torna o homem furioso, julgou-se adequado considerar um crime bebê-lo. Em outros climas mais frios é uma honra embebedar-se. Aqui, um homem deve contentar-se com uma mulher, acolá, é-lhe permitido ter tantas quantas puder alimentar. Num lugar, os pais e as mães suplicam aos estrangeiros que aceitem dormir com suas filhas, em todos os outros lugares uma moça que se entregar a um homem está desonrada. Em Esparta encorajava-se o adultério; em Atenas, era punido com a morte. Entre os romanos, os pais tinham o direito de vida e de morte sobre seus filhos. Na Normandia, um pai não pode tirar um óbolo sequer dos bens de um filho, mesmo do mais desobediente. O nome do rei é sagrado em muitas nações e abominado em outras. Mas todos os povos que se conduzem tão diferentemente reúnem-se sob o mesmo ponto: denominam VIRTUOSO o que é conforme às leis estabelecidas e CRIMINOSO o que lhes é contrário. Assim, um homem que na Holanda se opuser ao poder arbitrário será um homem muito virtuoso; e aquele que na França quiser estabelecer um governo republicano será condenado aos piores suplícios. O mesmo judeu

9 "Outra desconfiança presente em muitos textos de Voltaire: a política não pode ser feita por regras gerais que desconsiderem a história e as particularidades de cada povo, daí que ele próprio nunca tenha elaborado uma teoria política propriamente dita" (BRANDÃO, 2009, p. 714, Nota 33).

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que, em Metz, seria enviado às galeras se tivesse duas mulheres, terá quatro em Constantinopla e será mais estimado pelos muçulmanos (VOLTAIRE, 1973, p. 86).

Mesmo apresentando as diferentes interpretações das sociedades, Voltaire pontua

quais seriam então os critérios para que não incorramos em um relativismo moral. Sendo

assim, afirma o autor que "a virtude e o vício, o bem e o mal moral são, portanto, em todos

os países aquilo que é útil ou daninho à sociedade" (VOLTAIRE, 1973, p. 86).

Pensamos que a diferenciação entre ética e moral se torna possível, quando

podemos afirmar que as regras e as leis sejam o estatuto moral de uma dada sociedade e

que, pelo fato de se dar a partir de critérios muitas vezes arbitrários, precisam ser

devidamente debatidos, ou melhor analisados com certo rigor e reflexão.

Nesse sentido, Voltaire nos apresenta um parâmetro que nos autoriza afirmar a

necessidade da ética, já que segundo ele

[...] não deve haver quase nada arbitrário nas leis. 1º A razão é suficiente para nos fazer conhecer os direitos dos homens, direitos que derivam todos desta máxima simples: entre dois seres sensíveis, iguais por natureza, é contra a ordem que um faça sua felicidade à custa do outro. 2º A razão mostra igualmente que, em geral, é útil para o bem de muitas sociedades que os direitos de cada um sejam respeitados. Assegurando tais direitos de uma maneira inviolável, pode-se conseguir ou proporcionar à espécie humana toda a felicidade de que seja suscetível, ou dividi-la entre os indivíduos com a maior equidade possível. Se examinarmos, em seguida, as diferentes leis veremos que umas tendem a manter esses direitos e que outras atentam contra eles, que umas são conformes ao interesse geral e que outras são contrárias a ele. São, portanto, justas ou injustas por si mesmas. Assim, não é suficiente que a sociedade seja regida por leis, é preciso que estas sejam justas. Não é suficiente que os indivíduos se conformem às leis estabelecidas, é preciso que as próprias leis sejam conformes ao que exige a manutenção do direito de cada um. Dizer que é arbitrário fazer tal lei ou uma contrária, ou nenhuma é unicamente confessar que se ignora se tal lei é conforme ou contrária à justiça. [...] Na legislação, como na medicina, como nos trabalhos das artes físicas, o arbitrário só existe porque ignoramos as conseqüências de dois meios que de imediato nos parecem diferentes. O arbitrário nasce da nossa ignorância e não da natureza das coisas ((VOLTAIRE, 1973, p. 86, nota 5).

A preocupação de Voltaire está no fato de que, como as regras morais são

construídas de forma aleatória ao compararmos com outras sociedades percebemos como

são diferentes e até mesmo contraditórias, precisamos atentar para o fato de que o

fundamento de todas as regras devem ser a razão, pois a partir da reflexão perceberemos,

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que não só as arbitrariedades das regras, como também as mesmas são muitas vezes

contrárias a própria natureza humana.

Por isso, ao debatermos os conceitos moral e ética podemos referenciar a partir do

debate voltariano a respeito da virtude e vício, uma vez que ao fazê-lo, Voltaire nos traça

alguns princípios que fundamentam a necessidade da ética e da vida virtuosa, mesmo que a

moral nos pareça um tanto quanto relativa.

Segundo o autor o que nos levará a agir em conformidade com a moral seriam "a

razão, o amor-próprio, a benevolência para com nossa espécie, as carências, as paixões,

todos os meios pelos quais estabelecemos a sociedade" (VOLTAIRE, 1973, p. 87).

Pelo fato de vivermos em sociedade é de nossa natureza, segundo Voltaire, "um

orgulho incapaz de suportar que os outros homens nos odeiem e nos desprezem"

VOLTAIRE, 1973, p. 88). Bem como o "sentimento universal honra, do qual mesmo os

mais corrompidos não podem desfazer-se, e que é o eixo da sociedade" (VOLTAIRE,

1973, p. 89).

Assim, a exigência de uma vida moral e de uma conduta ética perpassa a

necessidade humana, tornando algo imprescindível para que possamos responder a duas

questões que nos são vitais 10, a saber: Como devo agir? Que nos remete a uma

preocupação estritamente moral e a outra questão: Que vida eu quero viver? Que nos

remete as possibilidades da reflexão ética, uma vez que vai além do viver apenas o que

estabelecem nossas regras e leis, mas a busca por ir além disso, que nos exige um empenho

e dedicação muito maiores, bem como maior capacidade de reflexão.

6. Considerações finais

Nosso ponto de partida para esta reflexão foi a necessidade da leitura dos autores

clássicos para o Ensino de Filosofia no Ensino Médio. As DCE de Filosofia afirmam que

esta é a forma de se garantir que as aulas de Filosofia não se percam em meros exercícios

de retórica e, portanto, a especificidade do ensino de Filosofia.

10 Yves de La Taille nos apresenta a diferenciação entre os conceitos de ética e moral (LA TAILLE, 2006, p. 25-30) para esclarecer qual conceituação empregará ao longo de seu trabalho. Compartilhamos com ele, para este nosso trabalho, a diferenciação que propõe e adota. "Reservo à cada palavra respostas a duas perguntas diferentes. À indagação moral corresponde à pergunta 'como devo agir?' E a reflexão ética cabe responder à outra: ' que vida eu quero viver?'"(LA TAILLE, 2006, p. 29).

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A preocupação deste nosso trabalho está em oferecer ao professor de Filosofia,

uma sugestão de trabalho com os textos de um dos autores inseridos na Antologia de

Textos Filosóficos, demonstrando a possibilidade de trabalhar com conteúdos estruturantes 11 e básicos diferentes, devido à riqueza e pertinência dos textos disponibilizados.

No caso específico, apresentamos uma sugestão de trabalho com os conteúdos

estruturantes Ética e Política, a partir dos textos de Voltaire. Para isso, apresentamos, em

conformidade com as orientações metodológicas das DCE de Filosofia, como o professor

pode realizar um trabalho com textos de autores clássicos, seguindo os passos propostos

pelas orientações metodológicas, a saber: a problematização e a contextualização, para que

não haja apenas uma imposição do texto aos alunos. 12

Sugerimos trabalhar com textos de Voltaire, primeiramente por se tratar de um

autor que estudamos mais detidamente e, por outro lado, por acreditarmos que seus textos

terão boa aceitação, por serem bastante provocativos, para os alunos do Ensino Médio

devido as características da adolescência, período da vida marcada pela rebeldia,

questionamento e contestação ao que está dado.

Pois, como vimos, para Voltaire o homem possui uma natureza racional e precisa

viver de forma a atender sua natureza. Segundo o autor:

[...] está provado, portanto, que a natureza por si só nos inspira idéias úteis que precedem todas as nossas reflexões. O mesmo ocorre na moral. Todos nós temos dois sentimentos que são fundamento da sociedade: a comiseração e a justiça (VOLTAIRE, 2007, p. 63).

Ao destacar a razão e apresentá-la como fundamento da sociedade, Voltaire opõe-

se a uma tradição filosófica que pressupunha a explicação a partir da Providência divina.

Ao questionar as ideias estabelecidas e desmistificar a história, Voltaire enfrentou questões

pertinentes à sociedade francesa de sua época. Ao apresentar novas respostas e pressupor

novos princípios e explicações para o homem e a sociedade, se fez autor, filósofo e

historiador.

Se hoje lemos Voltaire e o temos como um clássico, o que proporcionou-lhe tal

envergadura como autor e a importância de sua obra foi justamente o fato de inquietar-se

11 "Estas Diretrizes Curriculares propõem a organização do ensino de Filosofia por meio dos seguintes conteúdos estruturantes: • Mito e Filosofia; • Teoria do Conhecimento; • Ética; • Filosofia Política; • Filosofia da Ciência; • Estética" (SEED-PR, 2009, p. 54). 12 SEED-PR, 2009, p. 60.

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com a sociedade e seu tempo e, ao questioná-los, apresentar caminhos, que mesmo

estranhos aos seus contemporâneos vislumbravam a construção de uma nova era, a qual

mais tarde pode ser denominada era de Voltaire.

Pensamos que o espírito de Voltaire que traduz a audácia necessária para que

também em nosso tempo tenhamos a coragem de desmistificar e desnaturalizar a realidade,

esteja resumido na máxima voltariana: "é preciso desconfiar de todas as regras gerais, que

não existem a não ser sob a pluma dos autores"(VOLTAIRE, 2009, p.712). Talvez este

conselho ajude-nos em nossas leituras e estudos dos autores que elencamos, sejam eles

clássicos ou não, para o desafio de uma metodologia que possibilite, em nossos estudos e

escolhas, ter sempre a frente a liberdade de pensamento e a necessidade do uso da razão

para o desenvolvimento da capacidade de pensar por si mesmo em toda e qualquer

circunstância.

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