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1 O ESTADO BRASILEIRO E A SUA RELAÇÃO COM A CLASSE TRABALHADORA Ester Taube Toretta 1 Jessica Cristina Pereira Toledo 2 RESUMO: O desenvolvimento do Estado brasileiro, em sua relação com a classe trabalhadora apresentam peculiaridades que somente estudadas ao longo da história são capazes de expressar o processo de conquista de direitos. Este artigo sem almejar esgotar esta relação, almeja chamar a atenção do leitor quanto ao processo de precarização da classe trabalhadora no ápice do Estado de direito sociais na contemporaneidade brasileira. A partir desta proposta o artigo apresenta um breve resgate do Estado frente a grandes períodos de mudança política e econômica, retrata os rebatimentos a classe trabalhadora e finda com reflexões acerca do modelo de seguridade social que abarca os direitos sociais para a classe em questão. PALAVRAS CHAVE: Estado Brasileiro; Classe Trabalhadora; Direitos Sociais. INTRODUÇÃO O presente artigo é decorrente das pesquisas efetuadas para o Trabalho de Conclusão do Curso em Serviço Social, contudo inédito neste recorte temático e apresentação. O artigo propõe discorrer sobre o Estado brasileiro e como ele estabeleceu sua relação com os direitos sociais da classe trabalhadora. Considerou-se a necessidade de pensar o Estado, na sua formação bem como atualmente sob égide neoliberal, bem como identificar elementos que tornaram possíveis e acessíveis alguns direitos a classe trabalhadora. Assim evidencia-se no decorrer do texto as Cartas magnas e a legislação trabalhista como condição sine qua non para o atual modelo de seguridade social. É imprescindível reconhecer que o Estado age sob pressão de uma tênue relação conflituosa entre capital e trabalho, na qual vai tecendo garantias de direitos num contrafluxo de investimentos ou manutenção destes. Ao longo da história a luta de classes está estampada em nossas relações sociais, nem sempre em evidência explicita e combativa, porém tendo o 1 Assistente Social, mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Rua da Faculdade, 645 Jd. Santa Maria. Toledo PR. CEP. 85903-000. E- mail: [email protected] 2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Estudante de Pós-Graduação em Gestão Social: Fundamentos do Trabalho Social, pelo Instituto Tecnológico e Educacional (ITECNE). e-mail: [email protected]

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O ESTADO BRASILEIRO E A SUA RELAÇÃO COM A CLASSE TRABALHADORA

Ester Taube Toretta1

Jessica Cristina Pereira Toledo2

RESUMO: O desenvolvimento do Estado brasileiro, em sua relação com a classe trabalhadora

apresentam peculiaridades que somente estudadas ao longo da história são capazes de expressar o

processo de conquista de direitos. Este artigo sem almejar esgotar esta relação, almeja chamar a

atenção do leitor quanto ao processo de precarização da classe trabalhadora no ápice do Estado de

direito sociais na contemporaneidade brasileira. A partir desta proposta o artigo apresenta um breve

resgate do Estado frente a grandes períodos de mudança política e econômica, retrata os rebatimentos

a classe trabalhadora e finda com reflexões acerca do modelo de seguridade social que abarca os

direitos sociais para a classe em questão.

PALAVRAS CHAVE: Estado Brasileiro; Classe Trabalhadora; Direitos Sociais.

INTRODUÇÃO

O presente artigo é decorrente das pesquisas efetuadas para o Trabalho de Conclusão

do Curso em Serviço Social, contudo inédito neste recorte temático e apresentação.

O artigo propõe discorrer sobre o Estado brasileiro e como ele estabeleceu sua relação

com os direitos sociais da classe trabalhadora. Considerou-se a necessidade de pensar o

Estado, na sua formação bem como atualmente sob égide neoliberal, bem como identificar

elementos que tornaram possíveis e acessíveis alguns direitos a classe trabalhadora. Assim

evidencia-se no decorrer do texto as Cartas magnas e a legislação trabalhista como condição

sine qua non para o atual modelo de seguridade social.

É imprescindível reconhecer que o Estado age sob pressão de uma tênue relação

conflituosa entre capital e trabalho, na qual vai tecendo garantias de direitos num contrafluxo

de investimentos ou manutenção destes. Ao longo da história a luta de classes está estampada

em nossas relações sociais, nem sempre em evidência explicita e combativa, porém tendo o

1 Assistente Social, mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL)

e docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Rua da Faculdade, 645 Jd. Santa

Maria. Toledo – PR. CEP. 85903-000. E- mail: [email protected] 2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Estudante de

Pós-Graduação em Gestão Social: Fundamentos do Trabalho Social, pelo Instituto Tecnológico e

Educacional (ITECNE). e-mail: [email protected]

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Estado como mediador de tensões. Em volta a esta relação comum entre capital e trabalho a

qualquer país, o Brasil apresenta um processo de formação da classe trabalhadora de modo

tardio o que refletiu nesta identidade, na sua configuração enquanto força produtiva como no

modo singular de uma relação de direitos “antecipados” e articulados politicamente no

interesse do capital sob a égide do Estado.

OBJETIVO

O objetivo deste artigo como apresentado na introdução almeja contribuir para o

debate e reflexão da relação do Estado brasileiro com a classe trabalhadora, atento as

particularidade de cada contexto histórico que refletiu no alcance dos direitos sociais e em um

modelo específico de seguridade social.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia utilizada consistiu na pesquisa bibliográfica, com referencial teórico de

relevância a área do Serviço social, bem como legislações, Constituição, CLT, entre outros.

No que tange ao Estado, tem destaque os seguintes autores: ALENCAR, F; CARPI; RIBEIRO.

BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. CARVALHO, José Murilo de. PINHEIRO,

Paulo Sérgio. NETTO. José Paulo. Para discutir o mundo do trabalho: ANTUNES, Ricardo;

GUERRA, Yolanda. KREIN; PRONI. LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. MALAGUTI, Manoel Luiz.

MALAGUTI, Manoel Luiz.

RESULTADOS

Como resultado da pesquisa bibliográfica e produção deste artigo, é possível afirmar

que o processo conduziu a compreensão do Estado brasileiro em diferentes períodos

históricos. Possibilitou o entendimento da construção dos direitos sociais na perspectiva

brasileira. Contribuiu para evidenciar os reflexos do capital e de seu modo de organização

produtiva e as principais refrações a classe trabalhadora. Estas entre outras contribuições

poderão ser acompanhadas no decorrer do texto e principalmente nas considerações finais. A

pesquisa favoreceu a revisitar autores, dentre estes identificar o posicionamento contundente

quanto a um Estado que se posicionou e se posiciona a serviço do capital.

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Na condição brasileira a elite conservadora se faz presente na ordem do Estado, capaz

de confrontar interesses amplos da classe trabalhadora, um legado ainda não rompido em todo

processo democrático atualmente vigente.

Conforme Alencar (1985), República é, para muitos, nada mais que uma forma de

governo, mas, acima de tudo, é formada para os cidadãos. Tudo que o Estado faz seria

realmente para interesse público, um ideário longe de ser real. A constituição da república não

democrática, a elite conduziu sem a participação política da classe trabalhadora.

A república brasileira a partir de diversos governos alterou o modo de governar,

passando por governos mais ou menos democráticos, menos ou mais centralizadores, menos

burocráticos para mais gerencial; contudo o modelo de desenvolvimento dependente perdura,

assim como os traços de uma cultura trabalhista servil.

A própria constituição dos direitos sociais nos remete a pensar sobre a relação

do Estado com o trabalho, visto que não partem de um reconhecimento de cidadania plena ou

ampla mas da condição reprodutiva necessária ao trabalho.

CARVALHO (2008) contribui afirmando que “[...] Os trabalhadores foram

incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não de sua ação sindical e política

independente”(Ibidem). Os direitos sociais do trabalho inauguraram a seguridade social

brasileira. Construídos na ótica do trabalho formal categorial, segmentada e mínima moldada

à lógica até os dias atuais.

A democracia trouxe a expectativa de mudança, de que um governo civil representaria

a proteção dos direitos humanos e a possibilidade de um usufruto da cidadania, um espaço de

debate da relevância dos direitos sociais. Porém os avanços são a passos lentos marcados

inclusive por limites, condicionantes, fragmentos e interposições judiciais.

ESTADO BRASILEIRO E OS DIREITOS SOCIAIS:

DA REPÚBLICA VELHA À CONSTITUÇÃO DE 1988.

Discorremos sobre os direitos dos trabalhadores, na perspectiva brasileira, tendo por

marco inicial a república para a compreensão de que tipo de Estado foi sendo tecido e

formado, para entendermos o que é o Estado na atualidade.

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No caso brasileiro, foi a elite conservadora (oligarquia agrária, burocracia estatal e

forças armadas) que implantou esse modelo de Estado, porém, sem a mínima parcela de

contribuição dos trabalhadores. Faltava-lhes força política, era a burguesia, que concentrava o

poder e os privilégios. Sendo os primeiros trabalhadores, ainda em sistema de escravidão,

massacrados por lutarem por seus direitos. Ressalta-se que no início em 1889, havia uma

legislação que amparava os direitos ao trabalho, porém, sem eficácia.

[…] Ela incluía jornada de trabalho de sete horas, descanso semanal, férias anuais,

licença remunerada para tratamento de saúde, aposentadoria, pensão para as

viúvas, estabilidade aos sete anos de trabalho. Naturalmente, a proposta não foi

levada a sério. (CARVALHO, 2008, p.111)

Conforme Alencar (1985), a burguesia pretendia que seus interesses comerciais e

econômicos fossem atendidos conforme sua necessidade, porém, teria que passar pelo viés da

garantia mínima de direitos e não pelo pleno exercício da democracia e da cidadania. A

política de mandonismo vigorava e o capital de fazendeiros (oligarquias) detinham o poder e

dominavam a vida política e pública.

Segundo Faleiros (2006), no governo de Vargas (1930-45, 1950-54) a ideia de

colaboração estava presente sob o aspecto do relacionamento entre patrões e empregados.

Ressalta-se que esse ponto de colaboração não se dá apenas no interior das instituições e do

comando do Estado.

De acordo com Carvalho (2008), os anos 30 ficaram marcados como um tempo

decisivo de mudanças sociais, com o progresso gradativo no campo dos direitos sociais e

políticos. Como destaque, houve a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,

assim como a elaboração da Legislação Trabalhista no texto legal conhecido como

Consolidação das Leis do Trabalho (em 1943), ela “teve impacto profundo e prolongado nas

relações entre patrões, empregados e Estado.” (CARVALHO, 2008, p.113).

Segundo o autor, essa legislação, que é uma das mais importantes para o nosso país,

não foi concebida por meio de uma participação popular efetiva, muito pelo contrário. […]

Esse pecado de origem e a maneira como foram distribuídos os benefícios sociais tornaram

duvidosa sua definição como conquista democrática e comprometeram em parte sua

contribuição para o desenvolvimento de uma cidadania ativa. (CARVALHO, 2008, p.110).

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Esse pensamento voltado aos meios legais para garantir aos trabalhadores o mínimo de

regulamentação e garantias para o seu trabalho “[...] objetivo da política moderna era

incorporar o proletariado à sociedade por meio de medidas de proteção ao trabalhador e a sua

família.” (CARVALHO, 2008, p.111).

Havia, porém, pontos negativos que excluíam partes das categorias importantes da

classe trabalhadora. […] ficavam de fora todos os autônomos e todos os

trabalhadores (na grande maioria, trabalhadoras) domésticos. Estes não eram

sindicalizados nem se beneficiavam da política de previdência. Ficavam ainda de

fora todos os trabalhadores rurais, que na época ainda eram maioria.

(CARVALHO,2008, p.114).

O autor expõe que essas garantias só eram concedidas a partir de uma política social

baseada no privilégio. Os trabalhadores e seus direitos não eram vistos como parte inerente da

cidadania sendo garantido a todos, mas como uma concessão do governo a determinadas

forças produtivas.

[…] a entrada do Estado como mediador das relações de trabalho equilibrava um

pouco a situação de desigualdade de forças e era favorável aos operários. Apesar de

tudo, porém, não se pode negar que o período de 1930 a 1945 foi a era dos direitos

sociais. (CARVALHO, 2008, p.117-123).

Os direitos sociais do trabalho inauguraram a seguridade social brasileira. Construídos

na ótica do trabalho formal categorial, segmentada e mínima moldada à lógica até os dias

atuais. Behring e Boschetti (2008) relatam que não tivemos a mesma condição histórica que

nos permitiu lutas de classes e dos movimentos sociais em torno dos direitos sociais.

O período ditatorial no Brasil, regido pelo governo militar, foi outro agravante, pois

não possibilitou embates de classe e a expressão política pelos direitos sociais. O

autoritarismo que foi colocado em prática na sociedade que se correlaciona com as

consequências de períodos prolongados de concentração de renda e de desigualdades, em que

a sociedade é “[...] incivil, [...] um não-Estado de Direito para a maioria avassaladora das não-

elites, conjugado com um não-acesso à justiça;” (PINHEIRO,2000, p.12).

Com o fim da ditadura o Brasil vivenciará o efervescência dos movimentos sociais e

muitos dos levantes públicos deste período servirão de aporte para a revisão e promulgação de

uma nova constituição. A Constituição Cidadã, Constituição Federal de 1988 foi formulada

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através princípios e fundamentos norteados pelo Estado Democrático de Direito. De acordo

com seu preâmbulo, possui como função a implementação dos direitos sociais e individuais e

os valores que são agregados a ela, visando uma sociedade fraterna, plural e sem preconceito

que busca meios próprios para direcionar a nação.

Esta constituição também inaugura uma nova concepção de seguridade social, não

mais limitada ao trabalho, incorpora a universalidade dos direitos e reconhece sobre um

mesmo fundamento as necessidades humanas de saúde, assistência e previdência.

ESTADO BRASILEIRO SOB A ÉGIDE NEOLIBERAL:

REBATIMENTOS NA CLASSE TRABALHADORA

O neoliberalismo compreende de um ajuste global, sem precedentes, alterando a

ordem financeira, produtiva e social. Essa “doutrina neoliberal” se envolve no emaranhado

global da economia mundial em que predomina políticas internacionais, partindo do centro do

capitalismo. As reformas são características estruturais marcantes desse modelo, tendo ações

direcionadas à desregulação do mercado, proporcionando uma abertura tanto comercial

quanto financeira, visando uma privatização do setor público e a redução gradativa do Estado,

destaca-se, ainda, que “o ajuste neoliberal não é apenas de natureza econômica: faz parte de

uma redefinição global do campo político-institucional e das relações sociais.” (SOARES,

2003, p.19, grifo do autor).

Acontece, assim, um reordenamento da sociedade capitalista em que a acumulação se

coloca nesse período como um problema que precisa de superação, para isso, são revertidas

ações em medidas estruturais através de resoluções que contenham a crise global desse

modelo social posto.

Trata-se de uma crise global de um modelo social de acumulação, cujas tentativas de

resolução têm produzido transformações estruturais que dão lugar a um modelo diferente –

denominado neoliberal -, que inclui (por definição) a informalidade no trabalho, o

desemprego, o subemprego, a desproteção trabalhista e, consequentemente, uma “nova”

pobreza. […] a reprodução em condições críticas de grandes parcelas da população faz

parte do modelo, não impedindo a reprodução do capital. Essas condições não são uma

manifestação de que o sistema estaria “funcionando mal”, e sim a conta face do

funcionamento correto de um novo modelo social de acumulação. (SOARES, 2003, p.20,

grifo do autor)

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De acordo com SOARES (2000, P. 23) “Nos países onde as desigualdades não

apresentam um caráter estrutural (...) o impacto das políticas neoliberais se manifestam de

modo mais intenso (...) por intermédio do desemprego e da precarização das condições de

trabalho. (...)”. Ou seja, ao mesmo tempo que a ideologia neoliberal esmaga a ordem do

trabalho, provoca também um retrocesso em questões de direitos sociais, fugindo

completamente do âmbito coletivo e partindo para a idéia do privado sob responsabilidade de

cada individuo, não mais cabendo ao Estado qualquer intervenção pelo social. “(...) o ajuste

neoliberal não é apenas de natureza econômica: faz parte de uma redefinição global do campo

político-institucional e das relações sociais (...)” (SOARES, 2003.p.12).

Ao longo do processo de expansão do capitalismo, configura-se um compromisso

entre capital e trabalho, onde a atuação estatal encontrava-se atrelado aos interesses do

sistema capitalista intervindo na dinâmica social proporcionando ao trabalhador salário,

políticas sociais e de emprego, intervenção esta voltada para a força de trabalho que se

encontrava economicamente ativa, para indiretamente aumentar o consumo em massa,

aumentando também a produção e consequentemente o lucro.

Como resposta à crise do padrão de acumulação então vigente, iniciou-se a reestruturação

produtiva, sob o advento do neoliberalismo, com a transferência sistemática de capitais ao

mercado financeiro e, ancorado na Revolução Tecnológica, implementando-se os modelos

de produção idealizados no “modelo japonês”. (ANTUNES, 1995)

Sendo que a repercussão dessas transformações para a classe trabalhadora é

imensurável, uma vez que a reestruturação juntamente com o a ideologia neoliberal interferiu

em todo processo de produção, bem como nas esferas do Estado e das políticas públicas. Cabe

destacar que a reestruturação produtiva no Brasil culminará com o período neoliberal. Em se

tratando de Brasil, os números não são convincentes, nem mesmo animadores quando vistos

até a metade da década de 90, pois em relação ao trabalho informal este se coloca como um

dos centros geradores de emprego, tanto que

[...]84% das novas ocupações criadas nesse período corresponderam a atividades

informais. O chamado setor informal, que já era responsável por 51,6% das

ocupações, aumenta sua participação para 56,1%; enquanto o setor formal vê

reduzida sua participação de 48,4% para 43,9%, reduzindo-se o emprego formal

tanto no setor público quanto no privado. (SOARES,2000, p.57)

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A tendência de aumento gradativo do trabalho informal é alarmante, em se tratando de

uma década em que o país passava por transformações na sua economia, modificando sua

moeda e com tentativas a diminuir a disparidade da questão da renda. Contudo, vale ressaltar

que Soares (2000) aponta que o trabalho informal cresceu nesse período o equivalente a 62%,

nas áreas metropolitanas, tal resultado é significativo.

[…] o número de pessoas ocupadas sem carteira assinada cresceu 62% entre 1990 e

1999. [...] Essa tendência tende a agravar-se: entre as 217 mil pessoas que entraram

no mercado de trabalho paulista no ano passado, 57% (ou 157.312) estão

trabalhando sem carteira assinada. […] Levando em consideração apenas as seis

principais regiões metropolitanas, o levantamento do IBGE indica que existem 4,4

milhões de pessoas trabalhando sem carteira. Este número é ainda mais

assustador quando são incluídos os 3,8 milhões que, segundo a mesma

pesquisa […] trabalham “por conta própria”. A grande maioria desses

“autônomos” também está na informalidade. (SOARES, 2000, p.67-68, grifo do

autor, grifo nosso)

Ou seja, reestruturação produtiva, representa para o capital uma forma mais ampla de

exploração e controle sobre a força de trabalho, acarretam também em uma flexibilização nas

leis do trabalho, ou seja, direitos conquistados pela classe trabalhadora passam a ser

camuflados através de novos mecanismos de contratos trabalhistas, o que nada mais é que a

desregulamentação de direitos sociais e trabalhistas.

A globalização e o fenômeno de reestruturação produtiva, a insegurança no mercado

de trabalho e desigualdade social, a informalidade crescia no mesmo nível “[...] Assim, foi

reforçada a compreensão de que, ao ocupar um grande contingente de pessoas sem

possibilidades de competir por um 'bom emprego', o setor informal (tanto nas cidades como

no campo), estava desempenhando um papel relevante na geração de renda para uma parcela

expressiva da população[...].” (KREIN e PRONI, 2010, p.12)

A informalidade que se expressa dentro do mundo do trabalho tem aspectos no seu

entorno que tornam difíceis a compreensão ou mesmo a montagem certa de um significado,

um conceito.

Para Malaguti (2000), temos diversos tipos de informalidade, sendo não só a condição

de estar desprovido do registro em carteira, mas também os trabalhadores que atuam em

atividades além do vínculo empregatício para aumentar a renda, o trabalhar sem proteção

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correndo riscos mesmo sabendo que há uma legislação que o ampara, as horas extras não

pagas; tudo isso o autor coloca como forma de ter um trabalho informal dentro do formal.

Nestas 3 situações, a carteira de trabalho assinada nada mais é do que um

“documento de fachada”, com pouca ou nenhuma relação com o quotidiano de

trabalho ou com os direitos dos trabalhadores. Logo, tudo se passa à margem da

legislação trabalhista: na informalidade. (MALAGUTI,2000, p.99-100, grifo do

autor)

O mercado de trabalho, tem dois aspectos importantes que refletem diretamente no

social. A primeira é a perda gradativa e considerável do assalariamento em relação à produção

independente. E o segundo é o que Soares(2000) chama a atenção, uma vez que há

“[...]redução na proporção de trabalhadores vinculados à Previdência Social.” (SOARES,

2000, p.53)

As novas formas de organização do trabalho, colocam em questão a universalidade

que a seguridade proporciona.

Nada menos do que 52,6% dos brasileiros que praticam alguma atividade remunerada

gravitam em ambientes informais. Em 2002 eram 36,3 milhões de pessoas, entre 69,1

milhões de trabalhadores que recebiam algum tipo de pagamento. Do lado dos

trabalhadores existe um descasamento entre as contribuições para a Previdência e os

benefícios potenciais que o sistema previdenciário oferece. Menos oxigênio. A

informalidade é um problema para o país por várias razões. Primeiro porque quem trabalha

sem registro vive sem qualquer rede de proteção. Não tem direito a férias, décimo terceiro

salário nem Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. [...] E também porque embora não

contribuam, os trabalhadores informais têm direito a assistência médica e a aposentadoria -

uma despesa que está sendo coberta por um número cada vez menor de trabalhadores e

empresas formais. (OTTONI, 2004, s.p, grifo nosso)

Para Cacciamali (2002 apud KREIN; PRONI, 2010), o mercado de trabalho informal é

expressivo e entendido como lócus da compra e venda de mão-de-obra sem o registro em

carteira e sem vinculação com a seguridade social pública; um trabalho informal à margem

das legislações vigentes ou ao vazio institucional. Entende-se que a seguridade é inconclusa,

visto que a proteção universal concebida se limitou ao condicionante do trabalho, excluindo a

assistência e a previdência.

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CONCLUSÕES

Desde a República a classe que tem o poder decisório no país já impunha sua

ideologia, colocando a parte de qualquer discussão a classe trabalhadora. Com o advento

desse período, passando para a República velha as manifestações em prol da democracia se

mostravam inertes ao que ocorria no Estado, devido a força política ainda fragilizada e pelo

movimento histórico importante que ocorria tardiamente, a abolição da escravatura, em que se

demonstrava o massacre e a ausência de direitos dessa população.

A República não se tornara mais uma oportunidade de se ter um Estado formado para

os cidadãos, a princípio foi essa a ideia formada, mas pouco executada. O mandonismo estilo

de intervenção oligárquica e o poder, se misturavam, pois cada qual mandava em sua área a

custa do ideário de que o Estado era uma extensão de sua propriedade. Já em Vargas, o Estado

dinamizava as tensões geradas pela questão social, sob o aspecto da conciliação entre patrões

e empregados, garantindo uma legislação avançada na área trabalhista. O avanço no campo da

política social tem seu marco nessa época.

Havia uma certa fragilidade no tocante aos direitos civis, devido a pouca ou quase

inexistente participação na elaboração da legislação trabalhista, tão pouco com o

envolvimento nos espaços de reivindicação. Foi um avanço a legislação, mas não abraçou

completamente todas as categorias que envolvem a “classe-que-vive-do-trabalho” (conforme

Antunes), tanto que essa concessão era baseada no privilégio, ainda assim conseguia

favorecer a classe.

Na perspectiva do pleno emprego, em meio a crises, o capital sugeria uma nova estratégia

estatal elaborada por Keynes para amenizar o quadro degradante e corrosivo do sistema, para que

seus serviços fossem mantidos. Na realidade brasileira, essa inciativa de implantar o Bem estar

social, ocorreu tardiamente em meio aos problemas estruturais que enfrentava.

Com o período ditatorial, ocorreu o desmonte dos direitos já garantidos, o que não

evoluiu como deveria para conquista devido ao refrear das manifestações civis por parte do

Estado. Após esse período sombrio, nasce uma Constituição (1988) que demonstra o avanço

possível da ampliação dos direitos sociais, construído sob os clamores e interferência

democrática dos cidadãos e entidades de classe.

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Porém, o neoliberalismo em que vivemos e suas origens nos mostram as

consequências de um sistema fadado ao fracasso, pois suas consequências são devastadoras

tanto para a organização dos trabalhadores, quanto para a garantia dos direitos que os

envolvem. Destaca-se a informalidade do trabalho como uma das refrações desse modelo

econômico, o subemprego, em que o Estado burguês precisa agir sobre elas para responder a

demanda da sociedade. Para entendermos como se estruturam nosso modelo de governo e

Estado é preciso todo esse conhecimento, pois os pensamentos do neoliberalismo previsto

como modernidade perpassam: pela desregulação do mercado, desemprego, envelhecimento

da população e doenças, globalização e restruturação produtiva, ao qual nossa política social

precisa responder, sem saber suas origens e medidas anteriores, é impossível.

Contudo, observamos que por mais avanços que se tenha alcançado com relação as

politicas sociais, a seguridade Social é um exemplo da fragilidade e inoperância do Estado com

relação aos direitos dos trabalhadores. Pois, são cidadãos mas precisam atender a critérios que que

prejudicam e excluem muitos que necessitam desse auxilio, e o que deveria ser direito acaba

passando por triagem, sendo peneirados pelo sistema. A seguridade social, precisa amparar o

trabalhador em todos os aspectos que o envolvem, diminuindo sua vulnerabilidade.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, F; CARPI; RIBEIRO. História da sociedade brasileira. Rio de Janeiro: livro técnico,

1985. p.180-230

BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 3 ed.

São Paulo: Cortez, 2007. (Biblioteca básica de serviço social, v.2)

BRASIL. Constituição de República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 10 ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2008.

FALEIROS, Vicente de Paula. O que é política social. 2 reimpr. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.

(Coleção Primeiros Passos,168).

GUERRA, Yolanda (Coord.). Trabalho e direitos: conquistas e retrocessos em debate. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2013. p. 1-12. (Coletânea Nova do Serviço Social).

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KREIN, José Dari; PRONI, Marcelo Weishaupt. Economia informal: aspectos conceituais e

teóricos. Brasília: OIT, 2010. v.1(Série Trabalho Decente no Brasil; Documento de trabalho n.4).

Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br>. Acesso em: 23 de março de 2013.

LESSA, Sérgio; TONET, Ivo. Introdução à Filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

MALAGUTI, Manoel Luiz. Crítica à razão informal: a imaterialidade do salariado. São Paulo:

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