O estranho caso do filósofo sem obra - PÚBLICO

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    obraobraLUS MIGUEL QUEIRS 23/06/2010 - 00:00 (actualizado s 00:00 de 28/06/2010)

    Influenciou o filsofo francs Gaston Bachelard e foi considerado uma

    das mentes mais brilhantes da sua gerao. Juzo hoje difcil de avaliar

    porque a obra de Pinheiro dos Santos, inventorda "ritmanlise",desapareceu sem deixar rasto. Pedro Baptista reconstituiu o percurso

    do "filsofo fantasma"

    Em 1937, lvaro Ribeiro sugeria, numa carta enviada a Jos Marinho,

    que Lcio Pinheiro dos Santos "deveria talvez ocupar hoje o lugar de

    primeiro filsofo portugus". Um juzo significativo, se tivermos em

    conta que Ribeiro e Marinho, discpulos de Leonardo Coimbra na

    Faculdade de Letras do Porto, comeavam j ento a ser vistos como as

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    duas principais figuras do chamado movimento da filosofia portuguesa,

    cuja actividade se intensificaria a partir dos anos 40 em torno das

    tertlias que ambos iriam animar em Lisboa.

    A convico de lvaro Ribeiro foi expressa um ano aps ter sido

    publicado, em Frana, o livro "Dialectique de la Dure", de GastonBachelard, cujo sexto e ltimo captulo constitui uma extensa

    introduo "Ritmanlise", de Lcio Pinheiro dos Santos, da qual o

    filsofo francs assumidamente se serve para criticar, como j fizera em

    "L'Intuition de L'Instant" (1932), a noo substancialista e continuista

    do tempo em Henri Bergson.

    Do que Bachelard escreveu, depreende-se que o que Pinheiro dos

    Santos propunha era, na verdade, um novo sistema de conhecimento,que se baseava na centralidade do ritmo e da vibrao, e que o autor

    considerava virtualmente aplicvel a todos os saberes, da fsica

    biologia ou da psicologia pedagogia.

    Se Pinheiro dos Santos tivesse sido um filsofo grego antigo,

    provavelmente teria postulado que o ritmo a medida de todas as

    coisas. E a verdade que h pelo menos uma circunstncia que

    aproxima o pensador portugus de vrios desses seus longnquosantecessores pr-socrticos: o que hoje conhecemos da sua obra

    resume-me, com poucas excepes, a comentrios de terceiros.

    Que livros manuscritos h 2500 anos no tenham chegado at ns,

    compreende-se. Que volumes impressos em pleno sculo XX, por muito

    confidencial que possa ter sido a respectiva tiragem, tenham

    simplesmente desaparecido, no sendo possvel encontr-los em

    qualquer biblioteca pblica - nem, tanto quanto se sabe, em colecesparticulares -, j francamente estranho.

    Sabemos que Bachelard compulsou uma edio em vrios tomos de

    "Ritmanlise", cujo ttulo considerou "belo, luminoso e sugestivo".

    Segundo a informao bibliogrfica fornecida em "Dialectique da la

    Dure", a obra teria sido publicada no Rio de Janeiro, em 1931, com a

    chancela da Sociedade de Psicologia e Filosofia. O facto que, depois de

    Bachelard, no h notcia de que algum tenha tido nas mos umexemplar desta obra.

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    O filsofo francs elogia ainda um outro estudo de Pinheiro dos Santos,

    no qual este questiona as teses de Freud sobre Leonardo Da Vinci.

    Tambm este texto desapareceu misteriosamente.

    Reconstituir um fantasma

    Em "O Filsofo Fantasma", que a editora Zfiro lana esta tarde no

    Porto, Pedro Baptista faz o balano do pouco que sabemos de Pinheiro

    dos Santos, divulga documentos inditos e dispersos, traduz as pginas

    que Bachelard dedicou ao pensador portugus e, sobretudo, investiga o

    seu percurso cvico, marcado por uma activa, persistente, e pouco

    conhecida, oposio ao salazarismo.

    Romancista, ensasta, ex-deputado do PS e dirigente do recm-criadomovimento Pr-Partido do Norte, Baptista doutorou-se em Filosofia

    com uma tese sobre Newton de Macedo, tema que o levaria

    inevitavelmente a confrontar-se com o enigmtico Pinheiro dos Santos,

    dada a proximidade entre este dois homens, aos quais Leonardo

    Coimbra confiaria a reforma do ensino universitrio de Filosofia em

    Portugal.

    Um sinal do esquecimento a que tem sido votado Pinheiro dos Santos o facto de no figurar, sequer, na j bastante exaustiva verso em lngua

    portuguesa da Wikipdia. E quem recorrer ao Google para saber alguma

    coisa sobre ele, pouco encontrar. No entanto, se procurar por

    "rhythmanalysis", em ingls, ou por "rythmanalyse", em francs, ter

    milhares de pginas para ler, a maior parte delas relacionadas com o

    socilogo e filsofo marxista Henri Lefebvre, cuja influente obra

    pstuma "Elments de Rythmanalyse", publicada em 1992,

    assumidamente inspirada pelas pginas que Bachelard dedicou tesede Pinheiro dos Santos.

    A Ritmanlise est hoje na moda em diversos domnios do saber, muito

    ao contrrio do seu criador, que Pedro Baptista se prope reconstruir

    "atravs dos fsseis da radiao do seu espectro" - uma provvel aluso

    aos interesses do prprio Pinheiro dos Santos, cuja "intuio

    inteiramente nova", j notava Bachelard, se fundou "sobre os princpios

    da fsica ondulatria".

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    Lcio Pinheiro dos Santos, conta-nos Baptista, nasceu a 19 de Abril de

    1889, em Braga, filho de um oficial do exrcito que, ao que parece, no

    nutria especial simpatia pela causa republicana qual o filho iria aderir

    ainda adolescente. Era, sim, um apreciador de msica, o que poder ter

    influenciado a vocao da irm de Lcio, Conceio, que frequentou o

    Conservatrio de Lisboa, esteve como bolseira na Blgica e, regressadaa Portugal, "exerceu actividade como pianista". Conceio veio a casar-

    se com o clebre mdico Francisco Pulido Valente, j ento amigo do

    seu irmo, com quem participara na greve acadmica de 1907, que

    abalara o governo de Joo Franco.

    O casal teve cinco filhos, entre os quais se contam o engenheiro

    Fernando Pulido Valente, o arquitecto Jos Pulido Valente, conhecido

    pela persistente luta legal que vem travando para que um centrocomercial do Porto, construdo irregularmente, seja demolido, e Maria

    Helena Pulido Valente, me do historiador Vasco Pulido Valente.

    Pinheiro dos Santos manteria sempre uma forte ligao a este seu

    cunhado. Nas vsperas da sua morte, gravemente doente no Brasil, a

    ele que escreve a pedir aconselhamento mdico e a ponderar um

    regresso a Portugal, que acabaria por j no se concretizar.

    O encontro com Bachelard

    Mas regressemos ao jovem estudante que vive, em Lisboa, os ltimos

    anos da monarquia. Uma fotografia de 1908, que o livro de Baptista

    reproduz, mostra Pinheiro dos Santos entre Camilo Pessanha e Lus

    Amaro, o homem que fez chegar a Fernando Pessoa os poemas do

    futuro autor de "Clepsidra".

    Enquanto estudava matemtica e fsica na Escola Politcnica de Lisboa,

    Pinheiro dos Santos contribua para a propaganda republicana, e ter

    mesmo estado directamente envolvido no 5 de Outubro de 1910. J sob

    o novo regime, recebe, em 1912, uma bolsa para prosseguir os seus

    estudos de matemtica em Mons, na Blgica, e na Sorbonne, em Paris.

    Mas todas as sextas-feiras est entre os alunos que assistem, no Collge

    de France, s aulas de Bergson, frequentadas, entre outros, pelos poetas

    T. S. Eliot e Antonio Machado, e tambm por Bachelard, que decertoconheceu Pinheiro dos Santos nesta altura.

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    Com o incio da I Guerra, regressa a Lisboa e nomeado professor

    numa seco do Liceu Central Passos Manuel, que em breve se tornaria

    um liceu autnomo: o Gil Vicente. Leonardo Coimbra o bibliotecrio

    da escola, a cujo corpo docente se junta, em 1917, Newton de Macedo.

    Pinheiro dos Santos dir mais tarde que Leonardo "foi o primeiro a

    compreender, por volta de 1916, a significao filosfica dos primeirostrabalhos de Ritmanlise".

    Ter sido neste mesmo ano de 1916 que se apaixonou por uma mulher

    nove anos mais velha, Maria Correia da Costa, ento casada com o

    portuense Antnio Serpa Pinto e me de duas filhas. Lcio e Maria

    tero fugido para o Brasil, boa maneira dos romances oitocentistas,

    em Dezembro de 1917. Mas o casal - que nunca o ter sido a ttulo

    formal - regressa a Portugal em 1919, quando Leonardo Coimbra chega,pela primeira vez, a ministro da Instruo e nomeia Pinheiro dos Santos

    e Newton de Macedo para a Faculdade de Letras de Coimbra,

    atribuindo-lhes a misso de reformar os estudos filosficos. Como

    nenhum deles tinha currculo acadmico na rea, as nomeaes foram

    violentamente contestadas. Leonardo acaba por colocar os dois amigos

    na Faculdade de Letras do Porto, que acabara de criar, mas Pinheiro

    dos Santos, agastado com a transferncia, que via como uma

    condenvel soluo de compromisso, nunca ter chegado a exercer o

    cargo.

    Nesses anos, dedicar-se- activamente poltica, tendo sido por duas

    vezes eleito deputado nas listas do Partido Republicano Portugus. Em

    1923, vai em comisso de servio para Goa, tendo sendo detido, em

    Agosto de 1926, por se ter oposto a uma sublevao militar. Baptista

    admite que a dita sublevao possa ter sido "o 28 de Maio a instalar-se

    nos confins do Imprio com dois meses de atraso".

    O suposto eclipse

    Em Dezembro de 1916, regressa a Portugal e assume a cadeira de

    Psicologia na Faculdade de Letras do Porto, mas logo a 27 de Janeiro do

    ano seguinte ausenta-se do servio, pretextando doena. Dado estar-se

    nas vsperas da revolta de 3 de Fevereiro, a primeira grande tentativa

    de derrube da recm-implantada ditadura, Baptista no exclui que

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    Pinheiro dos Santos tenha "metido baixa para fazer a revoluo". O

    certo, conclui, que, derrotada a intentona, o pensador voltou a partir

    para o Brasil, e, desta vez, para nunca mais regressar.

    At sua morte, em 1950, ir ser professor do ensino livre. Um dos

    mritos do livro de Pedro Baptista foi ter investigado este perodo, queaparentemente correspondia a um completo eclipse do pensador

    enquanto figura pblica. A verdade que no foi bem assim.

    Os documentos que Baptista descobriu no Brasil (e que transcreveu na

    ntegra, como apndices ao seu livro), mostram que Pinheiro dos Santos

    prosseguiu os seus estudos de Ritmanlise, escreveu e divulgou textos

    relevantes, foi entrevistado pelos jornais, conviveu com os grandes

    intelectuais e artistas brasileiros da poca, e manteve-se durante anoscomo figura central da oposio ao salazarismo nos crculos da

    emigrao portuguesa. O prprio Franco Nogueira lhe confere este

    estatuto na sua biografia de Salazar, acusando-o de se "multiplicar em

    panfletos anti-salazaristas" e de "dirigir apelos as partidos socialistas e

    crculos intelectuais da Gr-Bretanha, Estados Unidos, Unio Sovitica,

    Amrica Latina, Frana, Naes Unidas".

    Salvo no final da vida, quando estava a morrer de um enfisema eadmitiu regressar a Portugal com a mulher, Pinheiro dos Santos s ter

    ponderado deixar o Brasil no incio da II Guerra. Em 1939, numa carta

    irm, escreve: "com estes 50 [anos] que j c cantam (e cantam

    ainda), ofereci-me ao Ministro da Instruo de Frana, por intermdio

    do filsofo francs Gaston Bachelard (...); e se a guerra durar muito,

    provvel que ainda v at uma universidade francesa".

    Hiptese plausvel ou piedosa iluso, no se sabe. Em todo o caso, comolembra Baptista, o projecto dificilmente se poderia ter concretizado, j

    que, em Julho de 1940, os alemes entravam em Paris.

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